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Compêndio de
epistemologia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2008.
COMPÊNDIO DE
•
TRADUTORES
UNIFAL - MG se
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comoê ndi o lia aJli slemoJ9
Edições Loyola
CAPiTULO 3
o OUE
"--'
É CONHECIMENTO?
Linda Zagzebski
r!J)
conhecimento é um estado altamente
valorizado no .qual se encontra uma
pessoa em contato cognitivo com a
realidade. Trata-se, portanto, de uma relação. De um
lado da relação está um sujeito consciente, do outro
lado está uma porção da realidade com a qual o
conhecedor está direta ou indiretamente relacionado.
Partindo do pressuposto de que a relação direta é
uma questão de grau, torna -se conveniente pensar
no conhecimento de coisas como uma forma direta
de conhecimento, em comparação ao conhecimento
sobre as coisas, que é indireto. O primeiro é habitual-
mente chamado de conhecimento por familiaridade
(acquaintance), uma vez que o sujeito está em con-
tato, através da experiência, com a porção de reali-
153
tI.H!· ~'()Ilh' ·id.l, .I() p.II'>SO\]U' () • q'lllll!11 1 1IIIIII.ldl. di' 11111"1'111111 I1
154 mil)/" 1
lI, II I' IIIII1I I "
11111 II N/I,I .u» li10M Ilos, : ~ '1',11 111'111 ' visto 1.'01110 lima proposição
,,1.11.1. A n.u ur 'za da verdade, das proposições e da realidade são
'1111 rucs 111 .tallsicas. Por essa razão, os epistemólogos em geral
II11 \ 111S 'us esforços a essas questões quando escrevem sobre epis-
II"I,LI, ' assim as discussões sobre o conhecimento normalmente
IfI • rntradas no objeto do conhecimento, mas sim nas proprie-
0111 pr iprio estado que fazem dele um estado de conhecimento.
I. l'latão usa ambas as razões para sua visão de que os objetos do conhecimento (epis-
11'1 (' crença (doxa) são diferentes. Ver especialmente a analogia da linha na República,
11I'('ho 509d-511 e, e a famosa Alegoria da Caverna, no trecho 514a-518d.
C.WÍr1L03 155
11 '1111I 11 1111
'" I 1>111'111MIII11(01\
uma pessoa mesmo quando ela não está pensando nelas. Mas a definição agostinian.t dli
"acreditar" pode ser estendida de forma a incluir um sentido disposicional. Acreditar f> CIt~I"1
sicionalmente seria definido como ter a disposição de assentir p quando se pen {1 111'11'
5. No entanto, para a noção de que o conhecimento e a crença são estado qUI' ',I' I
cluem mutuamente e que podemos saber da diferença entre eles através da introspr« ( 0111
ver H. A. PRICHARD,Knowledge and Perception, Oxford, Clarendon Press, 1 <)r;o. I lI' di
"Devemos admitir que, todas as vezes que conhecemos algo, nós também « 111m dlll I\
mente o conhecimento - ou pelo menos podemos ter, pela reflexã ck- qUi' 1'~1,1I1111
conhecendo esse algo, e todas as vezes que acreditamos em algo, n I, mil '111,di' 111,1111
I I
parecida, temos ou podemos ter o conhecimento de que creditamos r-m ,tlfllI I 11.111
conhecemos" (p. 86).
6. Stephen STIClI, The tregrncnuuíon o! 1~(',I,O!l, (.ll1lll1idlll', M ,1\\11 I'"·,, 1'1'111
1<;(1 /'111///
.o QL'E t CONHECI,\II'NTO?
essa crença. No entanto, censurar uma pessoa por ser dogmática é quase
o equivalente a censurá-Ia por ser fanática. A resposta é semelhante a
uma reviravolta moral. Em cada um desses casos, portanto, a falha é
percebida como uma falha moral, e se o sujeito não tem conhecimento
por conta disso a falta de conhecimento é percebida como se fosse uma
falha moral.
Assim, às vezes o bem do conhecimento é tratado como um bem
moral. Uma pessoa é elogiada por sua presença e censurada por sua
ausência. No entanto, também existem instâncias do conhecimento cuja
falta fica além da esfera do censurável, o que indica que os conceito'
morais não são aplicáveis. Exemplos óbvios incluem o conhecimento
perceptivo e o conhecimento de memória. Hoje em dia é comum pensar
que eu sei que estou olhando para um narciso amarelo em circunstâncias
normais em que eu esteja olhando para um narciso amarelo e formar ;1
crença de que o estou fazendo, e todos concordam que este é um estado
desejável. Seria um exagero dizer que existe algo laudável neste fato pOI'
ser algo tão comum, e certamente a falta de conhecimento perceptivo
em tais circunstâncias devida a uma anormalidade visual é mais dign.i
de pena do que de críticas. Naturalmente, casos de conhecimento dados
por uma acuidade perceptiva extraordinária são elogiados e merecem
ser elogiados, mas a falta de conhecimento perceptivo em tais caso-
certamente não é censurada. Portanto, certos tipos de conhecimento
parecem estar bem distantes da esfera moral.
Um problema para o teórico é reconciliar esses diferentes sentido
nos quais o conhecimento pode ser bom. O bem do conhecimento
pode ser como os bens por natureza, pode ser similar aos bens mor.u
e pode até mesmo ser visto como algo nobre. Maiores controvérxi.i
sobre a definição do conhecimento podem girar em torno de sentido
contrastantes nos quais o conhecimento é bom. De acordo (011\ II
confiabilismo contemporâneo, o conhecimento é uma crença vcrdndvu 1
que vem de um mecanismo produtor de verdade confiável. ESS.1 id, I I
faz que o bem do conhecimento seja um bem por natureza (01\\11 I
beleza, a sagacidade, a força. A ideia tradicional de que o conhc .inu 11\1
é uma crença verdadeira baseada em boas razões é ;lSSO(i;HI.\,( li li II
conceitos éticos de responsabilidade, elogio ou 11111',1 I 1 li\,I 11\ II1
I "iR 1'111/ / I
o (,!{ I I «\'\111'I 1i I
110 iiada por acreditar na verdade sobre boas razões e criticada pOI 1iíll
I \I \·10. A ideia de que o conhecimento é nobre vem de Plat~() I' 111
1I111\haopinião, nenhuma definição de conhecimento pode ter SUl I ~ 11
I uno incorpora ou ao menos vincula-se aos sentidos de bem U~,\IIII
111,~ " tipos opostos de teoria.
7. Para uma discussão interessante sobre o propô itos r m(\l()d()~ dI' dC'lllll1 .111
Richard ROBINSON,Definition, Oxíord, ela r ndon Provs, I f)r;o.
Ifi I 11111 I
o QUE I~ CONIIECII\IEN ro?
por sua causa eficiente, e as duas definições não seriam concorrentes. N.\! I
conheço ninguém que tenha insistido nessa possibilidade.
Há muito a ser dito sobre cada um dos propósitos teóricos c PI"I
ticos mencionados acima, mas a reflexão pode mostrar-nos que alguu
propósitos não possuem um bom sentido filosófico. De todo rnodn
um exame consciente do propósito e do método de definição em !.!, 'I,"
pode nos- levar a ver alternativas que podem, de outra forma, fu ,i I' di
nós enquanto tentamos definir o conhecimento. É particularmcuu
desejável questionarmos se devemos ter como objetivo uma d 'fi" i\ ,li'
real, já que é dificil determinar se o conhecimento é ou não um sil1l!,l,
I (I t: 1/1/1 I
o QUE É CONHECIMENTO?
tipo de coisa para a qual é possível haver uma definição real. Os epis-
icmólogos quase sempre têm o mesmo objetivo que Platão no Teeteto,
onde ele diz estar empenhando-se para "definir por um só termo os
diferentes tipos de conhecimento" (148e). Mas sabemos se este é um
objetivo atingível?
A tentativa de dar uma definição real de conhecimento pode ser
d .safiada pelo fato de que o conceito de conhecimento foi tratado de
diversas formas nos diferentes períodos da história filosófica. Existirá
I -ahuente um só alvo de análise sobre o qual todos esses relatos di-
1<'1''111, ou será que alguns deles apenas falam sobre coisas diferentes?
ENsa questão se torna particularmente notável a partir do momento em
'1" ' olhamos as diferenças no rigor das exigências por conhecimento
,111',IVésda história filosófica. Conforme algumas teorias, as condições
1',11':\o conhecimento são limitadas e estritas, enquanto para outras são
uuplas e flexíveis. A tradição filosófica tende ao lado rigoroso, enquanto
, • orrcnte contemporânea está na direção oposta. Atualmente, é mui-
111.ic .ita a ideia de que casos comuns de percepção e memória sejam
l'IIHlulores de conhecimento, e de que crianças pequenas e talvez até
1IIIIll.Iis tenham conhecimento nesses moldes. Vale notar como essa ideia
ItI. tl" de uma longa linha de relatos, iniciada com o de Platão no Fédon
11.1/{cpública. Platão tornou o conhecimento um estado muito mais
I. .ulo que o comum, e a diferença entre sua concepção rigorosa e a
ção contemporânea
11111'1 mais branda pode-nos fazer duvidar de que
1111.1Il'.,1 definição de conhecimento seja possível.
1~lIsas mesmas preocupações também aparecem quando examinamos
• 111Ido '111que o conhecimento é bom, abordado na primeira parte.
I', .rli
1111. lUC o conhecimento perceptivo parece inicialmente ser bom
11111111:-.'111id diferente do bem do conhecimento que requer razões.
11 111/11' ambos os fenômenos sejam instâncias do mesmo tipo de coisa
" ltl pl.lllsív 'I? Alguns filósofos deliberadamente dividiram os tipos de
,,111.III!\'IIIO para refletir essas diferenças!'. O mesmo problema aparece
IIII d'll' 011111110" IIIH'o,lSm,l (.11 um. distinção entre o conhecimento animal e o
1Ii11II1IIII 111'IVII;VI'I:11111'11('(
111,11
Virtuc in Pcrsp live c Reliabilism and Intellectual
1,1111' 1'1, ~IllIllil'I/NI'IIII'I'I'I'I'1tive: ~('I!'(l<'d 1.,."lY"il I pist rnology, Carnbridge,
I , I 1111 • I 11\ I'II' 1'1'11
II
PROflLE~\i\S TI\.!\DlCIONt\IS DC EI'ISTH10LOGI.\
16'1- "1/11/ I
negativas falham de uma forma mais sutil. Elas nos dizem o que algo
não é, não o que é15. Claro que existem casos em que não há nada mais
('111um conceito do que a negação de outro. É comum, por exemplo,
1I.finir ato correto como um ato que não é errado. Em tais casos dizemos
que o conceito negado no definiens é conceitualmente mais básico. Não
I onheço razão para pensar que o conceito de conhecimento seja como
1I .onceito de um ato correto, a negação de um outro conceito mais
h.isico; portanto, a definição negativa de conhecimento provavelmente
1,\ insuficientemente informativa.
I
1f1,
PROBLE~lt\~ TRi\D1C10Nt\IS DE EPISTEi\IOLOGIA
166 1'1 1/ I
t 11.1 li,\() l'1 V' ,ldl'qtl.ld,lI11 '111 IH'III I 11111 propo,.,ilo I '()I'i () n '111
11111 [u.u i\'o, O '011' 'ilo ti, b '\11 pr .cisu p '10 menos de tanta análise
1111111 t) c ouc .ito li' .onhccirncruo. A definição não especifica qual
I' \,11'1 vndido sentido de bem, e mesmo que especificasse ela não
I IlIopol"ionaria os meios para aplicá-Io aos casos. Por outro lado,
I1 I I1I"v', não circular, e, dentro dos limites da extrema imprecisão,
li.\.
isto que acreditar é algo que uma pessoa faz, as crenças comum ente
111 ~Id() tratadas como análogas aos atos. Portanto, as crenças são boas
011 qu ' os atos sejam corretos. A crença correta tem sido tradicional-
16. Algumas vezes a definição CVJ do conhecimento foi comparada com a de Platão no
1",'I(>to 201 d, em que Sócrates considera e então rejeita a proposta de que o conhecimen-
It, ~ 'ja uma crença verdadeira (doxa) acompanhada de razão (Iogas). Parece improvável,
• 111,planto, que o que Platão quis dizer com lagos seja muito próximo ao que os filósofos
,,,"1 mporâneos querem dizer com justificação. Além disso, Platão não está discutindo
I unhecimento proposicional nesse diálogo, mas sim conhecimento de pessoas ou coisas.
CA/'lIVI.O 3 167
1'1111111 I 11 I q, I" I Iq I 11 11 1"1'" I
168 P,'IJU'F, I
II Id.ldl 1I~',IIItI\',\, (l()II,II11(), 1111\ chmcut ) de ho.1 xort ' , um Ckl11C111O
100,1 1\IZOCS1CJ•
1, Como "justificada" algumas vezes significou "pelas razões
1011 ( I ,IS", isso é compreensível. Infelizmente, entretanto, o problema é
11\1111() mais extenso do que isso. A partir de algumas suposições plausíveis
19. Ver Alvin PLANTINGA,Warrant and Proper Function, Oxforcl, Oxforcl University Press,
1')93.
170 1',IlGF I
111.1 d.1 1)1',1, )011 'I' de qu ' Slllitll 'SI 'j.1 atualmente sofrendo do vírus
I.tI~,I, 111.IS ~ juslili .ada ' irrcíutávcl por qualquer outra evidência
I IIH" 'j,l iívcl.
ac 'S
,11111 da verdade, sejam quais forem. Na primeira parte, vimos que essas
20. O argumento desta seção é tirado de: Linda T. ZAGZEBSKI, The Inescascapability of
1,I'llier Problems, Philosophicel Quarterly 44, n. 174 (1994) 65-73; ID., Virtues oi the Mind:
CA/'Í7UW 3 171
Deve-se observar, entretanto, que ;\ COII 11I",\n ,Iqlll ,IPI'':-''1110\11,1
será correta apenas se aceitarmos algumas suposiço 'S plausíveis 111t'II
cionadas na seção 2 sobre as características desejadas em LIma dcfiniç.io
Isso porque o problema pode ser evitado pela apresentação de um.i
definição que seja ad hoc ou vaga demais para ser usada, A definição (I
conhecimento é crença verdadeira justificada que não seja um caso Gcttirr.
por exemplo, sem dúvida não é suscetível aos exemplos do tipo dos
de Gettier, tampouco a definição extremamente geral com a qual co
meçamos: conhecimento é boa crença verdadeira. A primeira definição t'
nitidamente ad hoc, bem como negativa, e já dissemos que a segund.i
não é apenas vaga demais, mas também usa um conceito no definicus
que é no mínimo tão obscuro quanto o conceito de conhecimento.
Como os casos Gettier são aqueles em que a acidentalidade OLl,I
sorte estão envolvidas, já foi muito sugerido que o conhecimento seja
uma crença não acidentalmente verdadeira. Essa definição também (-
vaga e negativa, e de pouca importância prática. Aliás, ela não é um
contraexernplo para o propósito desta seção, já que a verdade não aci
dental implica verdade. Entretanto, Daniel e Frances Howard-Snydcr
demonstraram que o componente do conhecimento, além da crença
verdadeira, pode ser definido de uma forma que use o conceito de
não acidentalidade, mas não implique verdade. A definição deles é:
conhecimento é uma crença verdadeira tal que) sefosse verdadeira) não
o seria por acidente 21. A ideia por trás dessa definição é a observação
de que a conexão não acidental - entre o modo no qual o conheci-
mento é bom e a verdade - só precisa prevalecer em casos em que a
crença seja verdadeira desde que crenças falsas não sejam candidatas ao
conhecimento. Uma crença falsa pode ter a propriedade de ser de tal
modo que, se fosse verdadeira, não o seria por acidente, portanto essa
An Inquiry into the Nature ofVirtue and the Ethical Foundations of Knowledge, Cambridge,
Cambridge University Press, 1996, parte 111, seção 3.
21. Frances e Daniel HOWARD-SNYDER,
The Gettier Problem and Infallibilism (artigo apre-
sentado no encontro da Divisão Central da Associação Americana de Filosofia, em maio
de 1996). Algo similar é proposto por Sharon RYAN, Does Warrant Entail Truth?, Philosophy
and Phenomenological Research LVI (March 1996) 183-192; mas ela coloca a condicional
no modo indicativo, o que é no mínimo equivocado, pois sua proposta intenciona uma
condicional material.
172 I~.jRrr 1
1"'\,111 d,ld 1\,ln \ll1plil ,I \ li d,llI to. ,I I IIIIH"IO I' 'ss.II!.\ um.i suposiç .•io
1'1' II ('111 minh.t 1(')I'IllUI.\ P,IJ';\ ) '1';\1' contra 'X .mplos ao estilo de Gctticr,
ur.mto, não devemos concluir disso que algo menos que a deficiência
I 1,1 bom o suficiente. Nesta seção, vimos que a conexão entre a verdade
" .lemento do conhecimento além da verdade não deve ser apenas não
111.ntal, mas não deve haver nenhuma possibilidade de lacuna entre
I,~. O fechamento da lacuna pode ser feito de várias formas, sem que
CAPITULO .3 173
todas exijam implicação, c SLIiiro que a 'S '()llh\ ~ 'j.\ UI11.\ 10I'1ll,\ Illl' 1I
22. Argumentei neste ponto que deve haver uma conexão necessária entre o cornponcnu:
Q e a verdade. Entretanto, assim como afirmei em minhaQ deve implicar"
conclusão,
verdade, ainda que eu não tenha argumentado deve ser tão forte quanto
que a conexão
a implicação. Peter Klein mostrou que uma ligação de necessidade nômica entre Q c ,I
verdade pode ser suficiente para afastar o problema da sorte dupla. Ou seja, pode ser su
ficiente que a lacuna entre Q e a verdade seja fechada em qualquer mundo possível com
nossas leis causais. No entanto, não continuarei essa abordagem aqui, já que a ligação
da implicação é a forma mais direta de fazer a conexão exigida da necessidade entre ~
dois componentes do conhecimento, e não vejo nenhuma razão para pensar que as teorias
vulneráveis à fórmula da sorte dupla que apresentei aqui estariam em uma situação melhoi
com a exigência da necessidade nômica em vez da implicação.
23. Três exemplos seriam a teoria expressa no pensamento inicial de Chisholm, a teoriz
causal de Goldman e a sólida teoria da revogabilidade, já mencionada. Na definição d
conhecimento proposta por Chisholm, na primeira edição do Theory of Knowledge, el
explora a noção de tornar p evidente, e afirma que tudo o que tornar p evidente também
não deverá tornar evidente uma falsa proposição. Isso impede a falsidade de p. A teoria
causal do conhecimento, expressa por Goldman, coloca a condição de verdade embutida
na condição causal, pois ele supõe que o sujeito não conhece p a não ser que o estado de
coisas p esteja apropriada e causalmente conectado à crença p. Isso atribui a verdade de p
à condição causal. Já que o confiabilismo de Goldman, expresso em suas últimas obras, não
estabelece a verdade dessa maneira, acredito que ele não foi motivado pelas considerações
que apresento aqui. Na sólida teoria da revogabilidade, expressa por Klein, a crença será
uma instância do conhecimento apenas se não houver proposição verdadeira que, quando
acompanhada das razões que justificam a crença, não mais a justificar. Tal condição implica
a verdade da crença, visto que, se uma crença p é falsa, não p é verdadeira. Assim, existe
uma proposição verdadeira que, se acompanhada das razões dadas pelo sujeito para p,
implica a falsidade de p, a saber, não p.
174 PAIUEl
11,111' I IIII1I1 II I
1111111
\ IIIH'lIln, I~~p lIi'11i1il,1qlll' O onlic 'illl 'lHO IWO ~ ap 'lias uma
1111do umpon '111 du v 'r lndc '0111os outros componentes. Concluí
I1 11111 I,'I\IOS urna Li .Iiniç, o que faça uma conexão conceitual entre a
I\s conclusões das três primeiras seções deste artigo nos oferecem
1111plano para definir o conhecimento. Vamos revisá-Ias. Na primeira
,\1) fiz uma definição preliminar de conhecimento como um bem,
1111,\.rença em uma proposição verdadeira, e vimos que o sentido de
111 1\1"pretendido no conceito de conhecimento é um empecilho para
.ilcançar uma definição que abranja os casos de conhecimento tanto
'111 percepção como por memória, e os casos de conhecimento que
uvolvam capacidades humanas maiores. O bem do primeiro caso é
nnilar aos bens naturais, enquanto o bem do segundo está mais pró-
'"10 ao sentido moral. O bem do conhecimento, por vezes, pode ser
111110 os bens mais nobres.
Na seção 2, revisei alguns propósitos e métodos diferentes da
I Iinição de conhecimento e propus a tentativa de realizá-Ios o má-
11110possível. No entanto, não tentarei realizar o propósito comum
CAPj'f(JI.O 3 I75
111111111 I
de eliminar da definição todos O' COI1 'itos norm.u ivos. ,011 li I "
conceito de conhecimento é normativo, será vantajo o icori ",111H 11
te se ele for relacionado com conceitos centrais da ética, j~l q IIl' (I
1011.1 11111111'101 inclui uuuo ,\S virtud 'S morais como as intelectuais
11I \ \11111 I 01 j 'I ivo oferecer LI ma explicação unificada sobre a morali-
II I 101I iva de uma crença garante sua verdade, ao menos nenhuma pro-
I, I lineei uma teoria das virtudes de fundo ético na parte 11 de Virtues of the Mind.
movimento feito para as propriedades de pessoas em vez de propriedades de
\1' oI~ já foi feito pelos confiabilistas e pelos primeiros epistemólogos da virtude por
"11'1\1 s razões. Para um breve histórico sobre o desenvolvimento da epistemologia da
111101.0 sua fundamentação no confiabilismo, ver o meu verbete Virtue Epistemology, in
1I11/lorlge International Encyclopedia of Philosophy.
CAPíTULO 3 177
1'1 '1111 I 11 111' I" I IH I 11 11 I 'I '" I
Como o conceito de virtude possui 11111,1 I'k,l hixi óri.r, s 'ri,1 I '(lI j( I1
mente vantajoso se pudéssemos conectar o conhecimento ~ virtud '. Akll
disso, o conceito de virtude tem usos práticos. Pessoas comuns li11,IIII
de virtudes individuais como bondade, justiça, coragem, comprccns.i«
generosidade, discrição e confiança, e às vezes os mesmos nomes S,\i I
usados tanto para virtudes morais como para virtudes intelectuui-,
Ademais, a avaliação dos atos é feita geralmente em termos de virtud:
ou vícios que eles expressam. O valor da utilidade prática do conc 'illl
de virtude e de virtudes individuais pode ser certo grau de conven 'il I
nalismo na aplicação do conceito, ainda que eu não discuta aqui 'SM
aspecto do conceito. Virtude não é um conceito técnico, ainda qu
possa ser tecnicamente refinado. Acredito que ter uma história extensa
na literatura filosófica e um amplo uso no discurso comum seja LI 11I I
virtude do conceito de virtude.
Existem muitas explicações sobre a estrutura de uma virtude. Rc
sumirei a minha própria, sem argumentação.
Uma virtude tem dois componentes. O primeiro é motivacional, (I
segundo é o sucesso em se alcançar o fim do componente motivacional
O componente motivacional de uma virtude é uma disposição de se tct
uma emoção que' mova a ação em direção a um fim. Cada virtude tem
um componente motivacional diferente, com um fim diferente, mas
grupos de virtudes podem ser categorizados por seus fins supremos. A
maioria das virtudes intelectuais tem a verdade como fim supremo".
Virtudes morais têm outros fins supremos. O componente de sucesso de
uma virtude é um componente de confiabilidade na execução do fim da
motivação virtuosa. Como exemplo, temos as virtudes da compaixão, da
confiança e da compreensão, que podem, em linhas gerais, ser definidas
da seguinte maneira: a virtude da compaixão é uma característica que
inclui a disposição emocional de aliviar o sofrimento dos outros, e o faz
de maneira segura. A virtude da confiança é a característica que inclui a
disposição emocional de confiar naqueles e apenas naqueles que sejam
dignos de confiança, e o faz de maneira segura. A virtude da compreensão
26. Pode haver algumas exceções. Algumas virtudes podem ter a compreensão como
objetivo, e não a verdade.
178 PARTE I
II '11 I t 1111' 11 , "
\I 1" 11) 111 'nos da maioria, possa ser definida por esse padrão.
() conceito de virtude é importante para a avaliação do caráter.
\I \lIdo dizemos que uma pessoa tem uma virtude, queremos dizer
1"1 I 1.1 t .m uma disposição a ser motivada de certa maneira e a agir de
11.1 m.mcira em circunstâncias relevantes, e, além disso, é seguramente
111 11' .dida em alcançar o fim de seu motivo virtuoso. Porém, ter
111\,1 disposição para um motivo não significa ter o motivo nas circuns-
C."iJl'iTLLO 3 179
forma fora do alcance do agente. Essa é LIma forma pela qual SOlllCl
vítimas da sorte moral. Portanto, uma pessoa pode ser motivada p '1.\
generosidade, por exemplo, e agir de uma forma que seja caractcrís! il.\
de pessoas generosas em circunstâncias particulares, dando dinheiro ,\
um pedinte na rua, digamos; no entanto, se o pedinte fosse rico c (.'s
tivesse bancando o mendigo para ganhar uma aposta, pensaríamos que
existe algo moralmente faltando no ato.
Naturalmente, isso não quer dizer que deixaríamos de elogiar ()
agente, mas seu ato não mereceria ser elogiado caso o pedinte estivesse
de fato merecendo. O mesmo princípio se aplica aos atos intelectuais,
Uma pessoa pode ser motivada por virtudes intelectuais e agir de uma
forma que seja característicá de pessoas intelectualmente virtuosas na
tentativa de conquistar o conhecimento, mas se ela não conseguir obter
a verdade seu estado epistêmico estará desprovido de laudabilidadc.
Isso significa que há um tipo de sorte epistêmica análoga à sorte mo-
ral. Como ressaltou Thomas Nagel, o prêmio Nobel não é concedido
a pessoas que estão erradas": Obter conhecimento por si só é um tipo
de prêmio, e é, em parte, o prêmio de se estar certo.
Além disso, o simples sucesso em se chegar ao fim do motivo vir-
tuoso, em um caso particular, não é suficiente para o maior elogio de
um ato ou uma crença, mesmo que estes também tenham as outras
características laudáveis já identificadas. É importante que o sucesso em
se chegar ao fim seja devido a outras características laudáveis do ato. O
fim deve ser atingido por causa dessas outras características. Isso porque
existem análogos éticos aos casos de Gettier, embora, até onde eu saiba,
os eticistas não o tenham percebido. Deixe-me descrever um caso.
Suponha-se que um juiz, pesando a evidência contra um acusado
de assassinato, determine por meio de um procedimento impecável e
motivado pela justiça que o homem é culpado. Podemos supor que o juiz
não apenas faz tudo que deveria fazer, mas apresenta todas as virtudes
apropriadas nessa situação. Não obstante, até mesmo o maior virtuoso
pode cometer um erro, assim como vimos, no caso da Dra. J ones, que
27. Moral Luck, in Mortal Questions, Cambridge, Cambridge University Press, 1979,
n. 11.
ISO F/J/{Fr; J
" II I 111 1ft f
1111 .11111 11 IlItdl'l t uu] 1It.1i~,Idlllll,IHI p11lil' l.rlh.u: '111 lIlI\.) .ouclusao
I 111 I Sllpnllll,\ que sej,! um desses momentos. O acusado é o
l'!I!ll'
111.11 sua ação o tipo de ato que mereça um enorme elogio moral.
CIPiTlLO 3 r8r
por A, mas deve ser tal que a cxpli .aç,ro p:\I':1 () .)10 M 11111.1.1 '1.1. Jm
ato que é característico da virtude A é um a o que nuo .. Ip '11,15 o [uc
as pessoas com a virtude A provavelmente fariam nas circunstâncias, mas
é um ato que é uma marca do comportamento de pessoas com CS5:1
virtude.". O terceiro componente indica que o sucesso em se atingir o
fim deve ser por causa dos outros dois componentes. Tal fato merece
uma melhor análise. Não conheço nenhuma explicação da relação de
causa que capture isso de forma completa, mas tenho um pouco mais
a dizer sobre isso na próxima seção. É importante ressaltar que, nessa
definição, não é necessário que o agente possua a virtude A para fazer
um ato de virtude A. Uma das condições de Aristóteles para a posse
de virtude é que a característica deve estar profundamente arraigada.
Nesse caso, pessoas que estão aprendendo as virtudes não possuem uma
dada virtude, contudo não vejo razão para pensar que elas não possam
realizar atos de virtude, ou seja, atos que sejam tão laudáveis quanto
um ato pode ser em relação à virtude em questão.
Existem atos de virtude moral e atos de virtude intelectual. Trata-
remos aqui do segundo tipo. Um ato de virtude intelectual A é aquele
que nasce do componente motivacional de uma virtude intelectual A,
é um ato que pessoas com a virtude A caracteristicamente fazem nessas
circunstâncias, e consegue obter a verdade por causa dessas outras ca-
racterísticas do ato.
A definição de conhecimento que proponho é a seguinte:
,,1\1 \ 111\ '1110 qu ' in '111,1 1.1111() () .onhc .im '111( por familiaridade como
I I IlItlH'çill1 .nt o proposi .ional seria a .cguintc:
Avaliação da definição
A. Resolvendo o sentido em que o conhecimento é um bem
cll'in.;w 3 183
1'1 ""1 I I 11 I +11I" I I +I I 11 11 1"1'" I
natureza do jade revelaram que o qu . se .hnrn.t "),Idl .~,O, 1\,1V 'I' 1,1\1
29. Em Virtues of the Mind, argumento que as virtudes intelectuais são melhor tratadas
como formas de virtude moral. A definição de conhecimento não depende, entretanto,
deste ponto.
li 111 I II I111111 1I111
11111 III Idos.\ q\I.\llIO 11" 'SS.\l'io lor p.II';! .\S 'ir '1111SI:111 'ias particulares,
I 1111 !llll' di.int '. Suponha-se que lima pessoa com todas as virtudes
II1I I 111.tiS .srcja olhando para uma parede branca em circunstâncias
1111.11 • 1·:1:1 olha fixamente por um longo tempo antes de formar a
I II~II de [uc existe uma parede branca à sua frente? Ela investiga
1111 11 ilidadc de estar alucinando ou sob influência de drogas? Ela
\I 111111:\ fontes confiáveis sobre a cor das paredes? Logicamente, não.
I 111 .xibiria um grau de escrupulosidade intelectual equivalente à
I 111111.\. No entanto, ela é sensível a qualquer evidência que a pudesse
11 .1 suspeita de uma deficiência em sua capacidade perceptiva ou
1\1 1i quer peculiaridades das circunstâncias que sugerissem um am-
1111' 11: O cooperativo. Felizmente, na maior parte do tempo ela não
III , I .\ levar adiante tais possibilidades. Assim, agir como uma pessoa
1\1 .uos de virtude intelectual age ao julgar a cor de uma parede não
11111.1 .oisa muito difícil de ser feita. O mesmo princípio se aplica aos
cAPinw3 185
1111\ 11111 1\ III t 111 1\ \ I 11\ I I', II 1.11.11 I
186 i'111I"I,: I
II til l I ti lllllll 111"
188 l~lRlT 1
Idll I Il'h \,1\11 .L ..• 11 li 11,1.11
111111110 11i.I' 11li , ,\~ P 'SSO,\~ virtuos.i« tem
I 111.10,I!, 'Ill? Il' onde vai l'SS' conh .cim 'lHO? E, se o conhecimento
\ I11I \l11~1.1I\Ô~\S está incluído na explicação do segundo componente
I 11111 ,110 de virtude, não ficamos com uma definição circular, já que o
11111 1110d ' conhecimento foi embutido no definiensr" Também existe a
1" LIO de se identificar e individuar as virtudes intelectuais. Isso é impor-
11111111,\0apenas porque inclinações divergentes das virtudes individuais
11I .ináliscs podem resultar em explicações sobre o conhecimento que
II1I1111\muito em plausibilidade, e é por causa dessa possibilidade que
I 1I111,\S virtudes entram em conflito. Teorias das virtudes éticas têm
I rn .srno problema. A solução de Aristóteles foi juntar as diferentes
\I I 11
li 's no conceito de phronesis, ou sabedoria prática, e eu tentei usar
I 1\\l •.•ma medida com respeito às virtudes intelectuais". Mas essa medida
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