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09/05/2018 Tese de Doutorado de Marx | A CASA DE VIDRO

A CASA DE VIDRO

Plugando consciências no amplificador! Um projeto de


Eduardo Carli de Moraes.

Arquivo da tag: Tese de Doutorado de Marx

29/09/2017 por ACASADEVIDRO.COM

O FANTASMA DE MARX AINDA ASSOMBRA


O MUNDO

por Eduardo Carli de Moraes (h ps://www.facebook.com/eduardo.carlidemoraes) para A Casa de Vidro


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O túmulo de Karl Marx (1818-1883) (h ps://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx) em Londres, no Cemitério de


St. James (h ps://pt.wikipedia.org/wiki/Cemit%C3%A9rio_de_Highgate), enuncia na lápide uma das “Teses
Sobre Feuerbach”: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras, trata-se, entretanto, de
transformá-lo.”

Esta união de teoria e práxis, de filosofia e ação, é um dos legados imorredouros do grande pesquisador e
pensador cujo espectro ainda hoje assombra o mundo dominado pelo Capital, esta hidra de mil cabeças que ele
soube desvendar e decifrar como ninguém, não estacionando jamais na análise crítica, mas unindo a esta a
conclamação a uma transformação revolucionária da sociedade.

Em um livro crucial, Espectros de Marx, Jacques Derrida (h ps://acasadevidro.com/2011/05/12/jacques-derrida/)


foi um dos responsáveis, na filosofia do século 20, por explicar porque sempre será um erro deixar de ler e
debater o velho – e perenemente rejuvenescente! – Marx (h ps://acasadevidro.com/2011/05/12/jacques-
derrida/).

“Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se
numa Santa Aliança para conjurá-lo”, anunciavam Marx e Engels no início do Manifesto Comunista de 1948.

Em pleno século XXI, o espectro que ronda o mundo é o do próprio Marx, reavivado e tornado mais acessível
às novas gerações por várias obras recentes: no cinema, O Jovem Marx, de Raoul Peck (h p://wp.me/pNVMz-
44o) (click para baixar o torrent) (h ps://drive.google.com/file/d/0B6wC03i8vSNCUGdxRWZ4ZDRkbFk/view?
usp=sharing) (click para acessar no MEGA) (h ps://mega.nz/#F!vR8gELyQ!jLX1CChsD7T40huisNZ4SQ); na
literatura infanto-juvenil, O Fantasma de Karl Marx
(h ps://www.facebook.com/blogacasadevidro/photos/a.198132083546458.58917.197558100270523/2133023656723948/?
type=3&theater), escrito por Ronan de Calan e ilustrado por Donatien Mary, que integra a série Pequeno
Filósofo (Ed. Martins Fontes); no âmbito da fortuna crítica e dos comentários introdutórios, Marx: Manual de
Instruções, de Daniel Bensaïd (h ps://acasadevidro.com/2016/04/19/em-debate-a-luta-de-classes-morreu/),
lançado pela Ed. Boitempo, traz contribuições inestimáveis.

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Pouquíssimo lido entre nós, a obra de doutoramento em filosofia do jovem Marx merece nossa atenção. É o
mito de Prometeu que Marx evoca para começar sua jornada filosófica de exploração dos materialismos de
Demócrito e Epicuro em sua Tese de 1841 (consultei a edição em espanhol: Ed. Ayuso, Madrid). Marx evoca o
Titã rebelado que, de acordo com o mito grego, teria roubado o fogo, antigo privilégio dos deuses, após ter

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tomado o Olimpo de assalto. Enxergando-o como símbolo da inteligência crítica, audaz e libertária, Marx vê
em Prometeu uma espécie de guia em sua jornada filosófica de assalto aos céus e seus cofres repletos de
privilégios injustos e capitais entesourados por gente que tem as mãos sujas do sangue e do suor alheios.

Sabemos que Prometeu, titã de ousadia demasiada, desrespeita os decretos das


autoridades superiores e é punido por um Zeus furibundo, que o condena a
uma tortura, repleta de requintes de crueldade: acorrentado a um rochedo, tem
seu fígado devorado por um abutre. Todos os dias o órgão renasce para ser
novamente devorado.

Albert Camus também evoca este mito, no capítulo “Os Filhos de Caim” de O
Homem Revoltado ( L‘Homme Révolté): “As primeiras teogonias nos mostram
Prometeu acorrentado a uma coluna, nos confins do mundo, mártir eterno,
excluído para sempre de um perdão que ele se recusa a solicitar.” (CAMUS:
2003, p. 43)

PROMETEU ACORRENTADO – Pintura


de Rubens

Mestres
da pintura
como
Rubens
nos
legaram
imagens

eloquentes do Prometeu Acorrentado. Este


é o nome, aliás, de uma das peças – a
única que chegou intacta até nós – que
compunha a trilogia do dramaturgo
grego Ésquilo, um dos grandes gênios na
história da arte trágica (Cf. VERNANT,
Mito e Tragédia na Grécia Antiga).

É na fonte desta tragédia grega


esquiliana que Marx vai beber os versos
que ilustram o prefácio à sua tese de
Doutorado, defendida em Berlim, 1841:
uma das frases lapidares de Prometeu –
“odeio a todos os deuses!” – é
mobilizada por Marx em outro contexto, tornando-se “a profissão de fé da filosofia”.

Em outras palavras: toda filosofia digna deste nome seria prometéica, ou seja, estaria em estado de franca
insurreição de “seu próprio juízo contra todas as deidades celestiais e terrestres que não reconhecem a
autoconsciência humana como divindade suprema” (MARX: 1841, p. 11).

Prometeu levantou-se em rebeldia contra a tirana da “área V.I.P.” que era o Olimpo, cujas deidades
monopolizavam recursos e detinham privilégios – não só o fogo, mas também o néctar e a ambrosia, comida
dos teo-fodões. A filosofia também deveria, sustenta Marx, dizer ao mundo – ao mundo, isto é, aquilo que
compete aos filósofos não apenas interpretar, mas também transformar! – as mesmas palavras que Prometeu dirigiu
ao alado Hermes, aquele que nos mitos serve como mensageiro e serviçal dos deuses, sendo dotado de asas
atadas aos tornozelos:
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Prometeu a Hermes:
“Saibas que eu não mudaria
Minha mísera sorte por tua servidão
Prefiro seguir à rocha acorrentado
Do que ser o fiel criado de Zeus.”
ÉSQUILO, Prometeu Acorrentado

Marx, entusiástico e ardoso aficcionado dos poetas e romancistas (sabe-se de sua paixão por Heine, Balzac,
Shakespeare etc.), também enxerga seu trabalho como a épica insurreição titânica contra uma secular servidão
imposta pelo andar de cima sobre todos os que padecem com múltiplas opressões no andar de baixo. Recusar-
se a ser o fiel criado de Zeus é um gesto análogo à rejeição da tirania do Capital. Camus concorda em conceder
ao mito de Prometeu um lugar de destaque na história da revolta:

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“Ésquilo torna ainda maior a estatura do herói, cria-o lúcido (‘nenhuma desgraça que eu não tenha previsto recairá
sobre mim’), faz com que ele grite bem alto o seu ódio a todos os deuses e, mergulhando-o em um ‘tempestuoso mar de
desespero fatal’, oferece-lhe finalmente aos raios e ao trovão: ‘Ah, vejam que injustiça que suporto!’ Não se pode dizer
que os antigos desconhecessem a revolta metafísica. Bem antes de Satã, eles haviam erigido uma dolorosa e nobre
imagem do Rebelde e nos legaram o maior mito da inteligência revoltada.” (CAMUS, op cit, p. 44).

Dito isso, talvez compreenda-se melhor as razões de Marx para, abusando da hipérbole e não sem uma pitada
de ironia, proclamar: “no calendário filosófico Prometeu ocupa o lugar mais distinto entre os santos e
mártires”. Prometeu, na perspectiva marxiana, seria uma espécie de símbolo supremo de um levante da
autonomia contra a servidão. Estandarte de uma insurreição da inteligência crítica e emancipadora contra as
velhas tiranias estúpidas e abusivas.

Dentre os filósofos, Epicuro teria sido uma espécie de herói


prometéico, de Prometeu em carne e osso. E a frase que o jovem
Marx seleciona para corroborar esta analogia é a seguinte: “Não
é ímpio aquele que deprecia os deuses do vulgo, mas sim quem
adere à idéia que a multidão forma dos deuses.”
(EPICURO, Carta a Meneceu)

A adesão acrítica à opinião corrente sobre os deuses é vista por


Epicuro como um grande malefício, que arruína a possibilidade
humana de alcançar a ataraxia ou serenidade-de-espírito, já que
nos deixa apavorados, ansiosos, cheios de temores e terrores.

A noção mítica, propagada pela obra de Homero e de Hesíodo,


de que haveria um Hades (Mundo dos Mortos), para onde iriam
nossas almas imateriais depois da morte, era vista pelos
epicuristas não só como uma falsidade, ou seja, como uma
fantasia insubstancial. Era também uma mentira perniciosa para
a felicidade humana. É como se Epicuro estivesse dizendo que
acreditar no Hades, no Outro-Mundo do Além-Túmulo, pôr fés
em Céus e Infernos, traz péssimos efeitos psicológicos,
aniquilando a possibilidade do júbilo terrestre dos mortais.

Na Carta a Heródoto, conservada graças aos esforços de Diógenes Laércio e sua Vida Dos Filósofos
Ilustres, Epicuro diz claramente que considera como uma das piores perturbações que pode afligir o ser
humano o “temor de algum tormento eterno” (DIÓGENES LAÉRCIO, p. 543). Diagnostica, como uma espécie

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de proto-psiquiatra dos males do espírito, as causas da perturbação e do temor, recomendando remédios para
o triste estado do homem que crê na possibilidade de um tenebroso destino post mortem.

Trata-se de um temor irreal, um medo de algo que nunca se vivenciará na carne. A crença em um deus cruel e
punitivio, capaz de condenar sua criatura às fogueiras infernais e ao sofrimento sem fim, não passa de delírio
da mente alienada, vítima da ideologia religiosa dominante, refém de uma espécie de fantasmagoria que fere
continuamente a Psiquê e prejudica a vida daquele que a nutre com sua credulidade.

Epicuro nunca se auto-entitulou materialista – isto é mais um rótulo que depois é colado nele. Mas era sim um
explícito seguidor da doutrina de Demócrito de Abdera, pensador que inaugura a tradição que explica a
Natureza ou Realidade (Phýsis) através das interações dos átomos no vazio. A palavra átomo, que
significa indivisível, designaria para Demócrito e Epicuro uma espécie de “chave” para a decifração do mistério
do Ser.

Em sua tese de doutorado, o jovem filósofo Karl Marx quer compreender quais são não só as afinidades, mas
sobretudo as diferenças entre as concepções-de-mundo de Demócrito e de Epicuro: eles têm, segundo Marx,
tanto práxis científicas quanto estilos-de-vida discrepantes.

“Demócrito”, de Hendrik ter Brugghen

O estilo-de-vida de Demócrito, julgados a partir do que nos informa Diógenes Laércio, foi a de alguém
devotado a “correr o mundo” para recolher experiências; Demócrito é um sábio nômade, sempre on the
road, um intrépido viajante, que não praticava “turismo” no sentido que hoje conhecemos, mas sim que viajava
em busca do conhecimento.

A concepção de sophia em Demócrito está vinculada com um nomadismo que ele vivenciou na pele ao circular
pelo Egito, Pérsia, Índia, Etiópia, em visita a outras visões-de-mundo, audaz cosmopolita mergulhando na
alteridade e na diversidade cultural. Demócrito é a volúpia do saber em plena florescência, alguém que
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devota-se a uma erudição eclética, buscando conhecimentos e técnicas nas áreas da física, da ética, das
matemáticas, das artes, numa inovadora postura de pesquisa e observação empírica que deixaria marcantes
legados.

São inimagináveis, sem Demócrito como desbravador clássico de novos caminhos, tanto a física Newtoniana
quanto o empirismo de Locke. Demócrito viveu em permanente busca pelo conhecimento e por isso viajava,
como uma abelha que quer visitar o máximo possível de flores diversas para melhor fabricar seu mel.

Em contraste, Epicuro é o sábio sedentário, contente em seu Jardim de Amigos, naquela sociedade alternativa,
instalada nos subúrbios atenienses, onde sophia e philia não eram meros termos abstratos, vão palavrório, mas
sim práticas vividas. No Jardim de Epicuro vivia-se para a amizade e a sabedoria, em comum e em diálogo
perene, numa espécie de proto-comunidade-hippie que continua a ter algo a nos dizer nesta época que vivemos,
tão emurchecida de utopias, tão murcha de outros mundos possíveis em processo de realização.

Epicuro não é um roadrunner como Demócrito, o cosmopolita; Epicuro é grego por inteiro, alguém que se
jactava de ser auto-didata, em contraste com a gratidão democritiana aos mestres que mais lhe ensinaram
(dentre eles os gimnosofistas indianos). Epicuro procurava contentar-se em estar onde estava, em serenizar-se
com júbilo na companhia de amigos, e não dava rédea ao ímpeto de Demócrito que era “correr mundo” e ver
a diversidade das gentes.

Os dois, é claro, nunca se encontraram pessoalmente, apenas realizaram uma das mais estarrecedoras
alquimias que a Natureza realiza: uniram-se através das gerações de cadáveres que os separam, atados pela
fidelidade comum a uma doutrina, o chamado “atomismo”, explicação de mundo que não aceita nenhum
criador transcendente, exterior à Natureza, como causa ex nihilo.

São os átomos – corpos indivisíveis, minúsculos, invisíveis a olho nu, que congregam-se e formam
conglomerados (moléculas) – que alçam-se agora à candidatos a explicar por completo a Phýsis. Os átomos é
que vão fornecer as chaves para a decifração da Natureza. Por sua pequenez, os átomos não podem ser vistos
e isto acarreta um sério problema: Demócrito, que afinal não vivia na era dos microscópios, não possuía
nenhuma prova empírica da existência dos átomos (Demócrito não podia, diante de seus detratores, mostrar
uma fotografia dos átomos para provar aos descrentes que eles existiam).

Os átomos, que descritos como um fenômeno objetivo, real, concreto, independente da consciência humana,
constituem o tecido mesmo do real, constituem a própria matéria de nossos corpos viventes, porém
não apareciam no mundo subjetivo como tal, não tinha de fato uma “presença empírica” no mundo fenomenal
do sujeito, já eram minúsculos demais para ser vistos a olhos nus. Átomos invisíveis formavam
conglomerados visíveis, mas o segredo destes últimos jamais seria descoberto fazendo apelo aos céus – a
explicação, já dizia Demócrito, está no fundo do abismo.

O jovem Marx revelará esta verdade dos abismos em sua tese de doutorado em que pretende pôr diante de seu
microscópio crítico estas duas encarnações da doutrina materialista. “Existe um velho preconceito segundo o
qual se identificam, ou seja, são idênticas as físicas de Demócrito e Epicuro; as divergências se fizeram tão
ocultas que só se revelam diante do microscópio.” (MARX: op cit, p. 16-17)

Microscopista do materialismo antigo, sondando os Mistérios do Ser que visavam decifrar os intrépidos
Demócrito e Epicuro, o jovem Marx escrevia sua tese de doutorado em filosofia, mas foi incapaz de fazê-lo em
qualquer torre de marfim, já que foi atropelado pela História. O sangue que as classes dominantes fazem
derramar na Silésia, massacrando trabalhadores que protestavam contra suas péssimas condições de vida e
trabalho, pode ter sido um choque traumático para o jovem Karl Marx, mas o despertou para a necessidade
urgente de conectar a filosofia à vida real, à transformação concreta das condições econômicas, políticas e
culturais de uma sociedade demenciada e flagrantemente injusta.

Um dos maiores méritos do livrinho ilustrado O Fantasma de Karl Marx está em sua evocação do contexto
sócio-histórico que rodeia a confecção da obra de Marx sobre os filósofos materialistas antigos. Podemos dizer
que o sangue derramado na sociedade esguicha para as páginas de Marx, de modo que o epicurismo e o
atomismo reaparecem no séc. XIX em uma contextura nova, aliciados para a luta épica da Humanidade contra

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a Opressão. Com texto de Ronan de Calan e desenhos de Donatian Mary, a obra traz Karl Marx como um
fantasma que levanta da tumba e que, em primeira pessoa, escondido detrás de um lençol, assim se apresenta
para contar a saga dos despossuídos da Silésia:

“Um espectro assombra a Europa…

Guten Tag! Bom dia! Não tenha medo, é apenas um lençol. Meu nome é Karl Marx. Minha juventude já vai
longe, daqui a pouco festejarei meus 200 anos! Mas não acredite que estou morto só por vagar assim como um
fantasma! Um lençol me basta para enganar aqueles que me perseguiam antigamente, pois todas as nações da
Europa haviam se aliado numa santa caçada na qual eu era a lebre!

Isto fez com que eu batesse em retirada, assim como a lebre abandona a toca farejada pelos cães, indo de
Berlim para Paris, de Paris para Bruxelas, de Bruxelas para Londres, sempre escapando de meus
perseguidores… Essa história começa poucos anos antes do meu nascimento, numa região com o bonito nome
de Silésia, na Alemanha, meu país natal. Na Silésia, viviam famílias de modestos camponeses que tinham
acabado de escapar da opressão de senhores gananciosos e indolentes. Eles cultivavam livremente suas glebas
e vendiam seu trigo na cidade.

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Um dia foram à cidade vender trigo, e o comerciante lhes disse: O trigo de vocês está caro demais! Os camponeses
da Vestfália que usam as novas máquinas agrícolas me vendem o mesmo trigo mais barato. De agora em diante, será com
eles que negociarei, não com vocês! Não me olhem desse jeito: a culpa não é minha, são as regras do Mercado!

Os camponeses da Silésia voltaram decepcionados para casa e, com o passar dos meses, foram obrigados a
comer todo o seu estoque de trigo. No ano seguinte, sem dinheiro para comprar sementes para o replantio,
viram-se forçados a vender suas casas. Quando o empresário chegou para comprar suas casas, declarou: Suas
casas custam os olhos da cara! Os camponeses da Pomerânia, que também abandonar suas plantações, estão vendendo
mais barato. E não encontram comprador! Aceitem essas moedinhas pelas casas e vão procurar trabalho na cidade! E não
me olhem desse jeito, não tenho nada a ver com isso, é a lei do Mercado!

Então os camponeses de Silésia foram para a cidade, pois tudo termina na cidade. Não tendo mais quase nada,
não levaram quase nada: roupa de cama, alguns móveis e os velhos teares que, com linho ou algodão, eles
usavam para confeccionar roupas ou lençóis. Na cidade, acabaram virando tecelões… Mas um belo dia o
comerciante de tecidos a quem eles vendiam suas peças lhes disse: Suas peças estão caríssimas! As fábricas têxteis
de Frankfurt me vendem mais barato! De agora em diante, é com elas que irei negociar. Quanto a vocês, arranjem um
emprego na fábrica. E não me olhem desse jeito: não tenho nada a ver com seus problemas, é a dura realidade do Mercado!

Desesperados, os tecelões da Silésia dirigiram-se à fábrica de tecidos. Chegando lá, depararam com uma
multidão diante dos portões: eram camponeses como eles, que haviam sido obrigados a abandonar suas
terras, pequenos artesãos arruinados pelas fábricas, jovens que tinham dilapidado num piscar de olhos sua
magra fortuna, e até pequenos comerciantes que não haviam compreendido as regras do Mercado. Vinham
todos engrossar as fileiras dessa classe laboriosa que chamamos de proletariado: aquelas pessoas não tinham
mais nada para vender, e assim sobreviver, a não ser sua força de trabalho, a força de seus braços.

Um contramestre encarregado da contratação postava-se à frente deles, em cima de um estrado. Com uma voz
estrondosa e firme, declarou: Vocês são muito numerosos, não precisamos de tantos braços. Portanto, só contrataremos
os que trabalharem por um preço baixo. De agora em diante, é só com ele que negociaremos, e com mais ninguém. Façam
suas propostas e não me olhem desse jeito: a culpa não é minha, é assim que o Mercado funciona!

Um primeiro operário, já idoso, ofereceu um preço irrisório por suas mirradas forças. Chegou então um rapaz
mais forte, porém faminto, que propôs um valor ainda mais baixo, ridiculamente baixo. Um terceiro,
finalmente, apontou para os filhos e disse que os ofereceria de graça como mão de obra se o contratassem. O
emprego era de quem trabalhasse mais para ganhar menos!

Foi então que os tecelões se encheram. Encheram-se daquele Mercado que eles não conheciam, mas que, como
um mágico invocando poderes infernais, roubara-lhes as plantações, a casa, o trabalho e agora queria roubar
seu corpo e suas forças. Como não sabiam a quem dirigir sua raiva, atacaram primeiro o estrado onde se
encontrava o contramestre, que, amedrontado, fugiu. Depois invadiram a tecelagem, quebrando as máquinas
utilizadas para fabricar tecidos a preços mais baixos, tornando-os inúteis. Em sua ira, atearam fogo nos
estoques de tecidos. Enquanto o fogo se alastrava, os tecelões revoltados perceberam, cercando a fábrica,
soldados com fuzis apontados em sua direção. (…)

Os soldados cercaram a fábrica para defender o Mercado e a propriedade privada. Ao tomarem conhecimento
do fato, os tecelões investiram violentamente contra o soldados, julgando travar finalmente uma luta aberta
contra o Mercado e seus agentes invisíveis, uma classe de exploradores agora representada e encarnada pelo
exército. Pois assim avança a luta de classes: nunca sabemos exatamente contra quem lutar para vencer, e volta
e meia nos enganamos de inimigo.

Mas o que podiam fazer tecelões famintos contra soldados armados com ordens para atirar e, como se não
bastasse, em nome do Mercado?

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Karl Marx

Eu, Karl Marx, jovem estudante de filosofia recém-chegado à cidade, encontrava-me nas imediações da fábrica
aquela manhã e vi os tecelões tombarem sob as balas dos soldados. Após havê-los expropriado, exilado,
arruinado e explorado, o Mercado acabava por ceifar sua vida. Assim, diante daquele triste espetáculo,
estabeleci para mim mesmo um imperativo categórico, segundo a expressão do filósofo Kant, ou seja, fiz o
seguinte juramento solene: trabalhar a vida inteira para derrubar tudo o que faz do homem uma criatura
humilhada, subjugada, abandonada, desprezada.

Jurei acima de tudo encontrar o Mercado, esse mágico infernal, e, para o bem de todos, eliminá-lo de uma vez
por todas. A fim de nunca mais esquecer meu juramento, apoderei-me de um pano caído no chão durante
aquela luta desigual: um lençol dos tecelões da Silésia! Foi para me lembrar deles que o trouxe comigo…”
(CALAN/MARY, pgs. 8 a 26)

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Estas duas imagens ilustram bem a importância de Marx na História: Prometeu em levante contra o Olimpo,
ele carrega como manto um lençol manchado com o sangue dos trabalhadores massacrados da Silésia.

Honrando o mito de Prometeu, ele pôs sua inteligência crítica e sua incansável curiosidade de pesquisador
eclético e intrépido a serviço da titânica reviravolta revolucionária do mundo. Quis contribuir para trazer o
Olimpo da opressão céu abaixo, fazendo despencar no chão as velhas tiranias e os malditos regimes de
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opressão. Como um fantasma que recusa-se a ficar preso na tumba, alma penada que deixa o caixão e põe-se
no campo de batalha histórico, Marx ainda anda por aí entre nós, espectro nunca exorcizável, enrolado no
lençol todo manchado do sangue derramado por todos os injustiçados da Terra.

O jovem filósofo que, nas asas de Demócrito e Epicuro, propõe as bases de uma revolução filosófica,
o materialismo histórico-dialético, é desde cedo atropelado pela História; é testemunha de fatos que jamais
poderiam manter indiferente um coração empático, uma mente em sinergia com a de seus semelhantes.

Em Marx, o intelectual indignado é indistinguível do pesquisador científico das bases materiais que explicam
nossas desgraças sociais e a brutalidade tão difícil de erradicar da luta entre as classes. Pensamento vivo,
aberto ao diálogo, audaz na crítica, sem temor da controvérsia, o marxismo é confundido pelos idiotas
desinformados, ou pelos seus bem-pagos detratores profissionais (agentes de desinformação e alienação),
como uma espécie de manual de doutrinação. Nada mais distante do real intento de Marx, demolidor das
doutrinações das classes dominantes, podres de rica por tanto encherem a pança com injustos privilégios.
Descrente de qualquer neutralidade, nem por isso Marx devotou-se menos à honestidade intelectual e
intrépida audácia através das quais propôs caminhos para que deixássemos destroçadas pelos chãos as
algemas que nos prendem à Sociedade de Opressão.

É da pena de Heinrich Heine um dos poemas que Marx e Engels mais gostavam e seus versos são também um
emblema para a aventura Prometéica de rebeldia criativa e proposição de novos rumos empreendida pelo
marxismo, método dialético a orientar possíveis vitórias d‘O Homem Revoltado Camusiano contra as
infindáveis fontes de sofrimento e escravidão que nos oprimem com suas tiranias. Em tradução de André
Vallias, em Hein Hein? – Poeta dos Contrários, eis os versos emblemáticos que Marx e Engels adoraram e
propagaram:

“Não há lágrimas em seus olhares:


Rangem dentes diante dos teares:
Alemanha, nós tecemos tua mortalha,
E tramamos nossa tripla maldição –
Nós tecemos e tramamos!

Maldição ao Deus a quem oramos,


Quando a fome e o frio nos maltratam;
Suplicamos de joelhos sua graça,
Ele tripudia e ri da nossa cara –
Nós tecemos e tramamos!

Maldição ao Rei, rei dos ricaços,


Da miséria faz tão pouco caso;
Nos roubou até o último centavo
Para nos lançar nos braços do carrasco –
Nós tecemos e tramamos!

Maldição à Pátria desamada,


Onde o escárnio e a humilhação se alastram;
Onde a flor que flore é logo estraçalhada;
Onde a podridão seus vermes amealha –
Nós tecemos e tramamos!

Voa a lançadeira no tear,


Noite e dia, trabalhamos sem parar –
Alemanha, nós tecemos tua mortalha,
E tramamos nossa tripla maldição,
Nós tecemos e tramamos!

HEINE. Os tecelões da Silésia.

BIBLIOGRAFIA

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CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Record, 2003.


DIÓGENES LAÉRCIO, Vida Dos Filósofos Ilustres. Alianza: Madrid, 2011.
ÉSQUILO, Prometeu Acorrentado. RJ: Zahar. In: Coleção “Tragédia Grega” – Vol. VI.
HEINE, Heinrich. Heine Hein?, editado por André Vallias. Perspectiva: 2011, P. 289.
MARX, Karl. A Diferença Entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicuro. PDF (link em breve).
MARX; ENGELS. Manifesto Comunista (1848).
ROMAN CALAN & DONATIEN MARY. O Fantasma de Karl Marx. Martins Fontes: 2012, coleção Pequeno
Filósofo.

SIGA VIAGEM:

LEIA O MANIFESTO COMUNISTA (1848) (h p://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf)

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MESMO QUE O CÉU NÃO EXISTA – Críticas à religião no materialismo filosófico das Luzes ao Marxismo
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A COMUNA DE PARIS (1871), CONHEÇA A VERSÃO DE MARX & ENGELS SOBRE ESTE
EVENTO HISTÓRICO (h ps://acasadevidro.com/2015/05/19/no-aniversario-de-144-anos-da-comuna-de-
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do Lulismo” (André Singer) (h ps://acasadevidro.com/2016/04/19/em-debate-a-luta-de-classes-morreu/)

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