COMO NÃO ME ABALAR, SENHOR? idade.
Daí porque ouvimos tantos pais dizerem: “Não foi
Quem não almeja a estabilidade emocional, a
constância e a fortaleza diante das agruras da vida?
Quem não gostaria de ter uma fórmula perfeita, para
“combater o bom combate” (II Tm 4,7), como dizia São
Paulo, mantendo-se inabalável frente a tudo aquilo que
contraria as próprias expectativas?
A palavra “abalar”, em sua etimologia, é
originária do verbo fenício "abalu" ou "wabalu" (em
acádio ou assírio, respectivamente), cujo significado é
"levar”, “carregar". Assim, podemos dizer que o homem
se deixa abalar quando “leva” ou “carrega” consigo
pensamentos e sentimentos que o ferem; ou mesmo
quando aceita “levar” aquilo que “de fora” foi despejado
sobre ele.
Na Língua Portuguesa, abalar é “mover o que
está firme”, “tirar do lugar”, “fazer tremer”. O verbo nos
remete a ideia de que algo é atingido, mas não destruído.
Isso ensina a teologia paulina “Somos abatidos, mas não
destruídos” (II Cor 4,9). Abalarmo-nos não é perdermo-nos.
Um muro que teve as estruturas abaladas não significa
que cairá. A análise correta das estruturas
comprometidas permite aos construtores intervir e
solidificá-las.
Assim age Deus conosco! Como Construtor de
nossa vida, a cada oração somos convidados por Ele a
rever as fendas que estão abalando nossas estruturas e
colocando em risco nossa estabilidade emocional.
“Façamos da interrupção, um caminho novo. Da queda,
um passo de dança. Do medo uma escada. Do sonho
uma ponte. Da procura um encontro!” (Fernando Sabino)
Nossos abalos emocionais estão relacionados a
inúmeros fatores internos e externos, que passam pela
genética, ambiente e experiência de vida. Abalos, muitas
vezes, provocados por nossos próprios “padrões de
ideal”, ou seja, temos uma expectativa do que seja um
bom namoro, um bom casamento, um bom filho ou uma
boa filha, uma boa nora ou um bom genro, uma boa
amizade, um bom trabalho, um bom funcionário, uma
boa viagem, um bom passeio, um bom restaurante, um
bom hotel...
Também nos abalamos em razão do alto
CONTROLE que queremos exercer sobre a vida. Contudo,
a realidade limitada do ser humano – falível e marcada
pelas dificuldades, a começar pela falta de amor – o
impede de agir dentro dos padrões
esperados, sejam esses padrões sociais, cristãos ou
mesmo os familiares, ensinados desde a mais tenra
isso que ele aprendeu em casa”.
Esse é um assunto inesgotável para a Psicologia,
a Medicina, a Antropologia, a Filosofia, a Teologia e
outras ciências afins que se preocupam com o
comportamento humano. Estamos aqui, nesta noite,
refletindo sobre alguns aspectos que vem abalando as
pessoas na contemporaneidade, deixando-as frágeis e
angustiadas. Além do que já ouvimos na colocação:
- Ausência de resignificação (não ver a situação sob outra
perspectiva);
- Não “trocar de mão” (não buscar momentos de prazer
e sabor, em meio à dor, recompondo o coração e abrindo
espaço na mente);
- Não ter sido educado para a “irrupção do inesperado”;
- Temer o sofrimento e buscar o mais fácil;
- “Não pontuar a vida”, arriscando dizer o que precisa ser
dito ou vivido;
- E não fazer da dor uma oferta de amor a Deus, nos
unindo com Cristo também na cruz...
Além de tudo isso, há também o medo, embora
muitos pensem não ter qualquer medo relevante.
Chegamos à pós-modernidade com uma enorme
carga de medo. Até medo de sentir o mesmo medo de
antes. Mas nada se repete exatamente igual. Heráclito de
Éfeso (filósofo pré-socrático, e “pai da dialética"), dizia:
“Todas as coisas se movem. Não se entra duas vezes no
mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira”.
Uma ideia presente na expressão grega “panta rei”, tudo
flui. Vamos em frente! Não carreguemos o medo de
sofrer de novo, como se a vida fosse um “Déjà vu”
( sensação de já ter vivido algo antes, ter visto aquele
lugar, passado por aquela situação). As lembranças
devem ficar no lugar delas, sem determinar as atitudes
dos presentes.
“O temor que quereis afastar está em vosso coração,
não nas mãos do temido” (Khalin Gibran – Filósofo).
Não existe depósito de munição mais
potencialmente explosivo do que os estoques de medo
guardados nas escuras profundezas do ser humano. O
medo é um paradoxo: por um lado pode deixar a pessoa
vulnerável à manipulação dos outros e das próprias
circunstâncias da vida; por outro, o medo pode deixar a
pessoa agressiva, reativa e nada complacente. Uma
pessoa com medo pode encarar os outros como inimigos
e as oportunidades como ameaças, fazendo da vida um
campo de batalha.
Quando temos medo que nossos valores não
sejam respeitados, nossas necessidades atendidas ou
nossos princípios pessoais compreendidos podemos nos
irritar ou agir com intolerância.
“A frustração que sentimos e a ira que demonstramos é,
muitas vezes, necessidade de afirmação” (Dr. Les Carter e
Dr. Frank Minirth – O manual da raiva).
Tudo isso pode ser reflexo do medo de não
lidarmos bem com nossas limitações e falhas; de sermos
criticados ou vistos em nossas fraquezas. E, mais
profundo ainda: de, como cristãos, não estarmos seguros
do valor que temos diante de Deus, necessitando da
afirmação e da aceitação dos outros continuamente.
“Temor e dolência aos
céus ofereço. Ah! que
venha o instante. Que
as almas encantem.”
(Jean-Nicolas Arthur Rimbaud,
poeta francês “Canção da mais
alta torre”)
Quando falamos de medo, muitas pessoas podem dizer:
“Não tenho medo, exceto da violência, das tempestades,
dos bichos...”. Ou seja, medos da “ala protetora”, tão
naturais e importantes para nossa preservação. Essa dose
de medo é importante para nossa própria segurança.
Mas não estamos falando dessa dosagem que nos
protege, mas dos excessos que nos paralisam:
- Medo do fracasso; - Medo da mudança;
- Medo da decisão; - Medo do novo;
- Medo da solidão; - Medo de dizer a verdade;
- Medo do futuro; - Medo de se comprometer;
- Medo de não corresponder às expectativas dos outros;
- Medo do outro e suas reações;
- Medo de expressar sentimentos;
- Medo de definir espaços e necessidades;
- Medo das perdas físicas (de uma pessoa) ou afetivas (de
não ser amado ou querido por alguém);
“Mas que saudade me dá, da infância meu amigo (...) Cê
aventura gostoso e nunca pensa em risco. Mas quanto
mais cresço, envelheço e segurança persigo, mais
aparece perigo!” (D.Pellegrini - Orações e Saudades).
Os medos diários, que nos abalam, se disfarçam
até em virtudes e princípios evangélicos: não agir por
prudência, não falar por respeito, não arriscar por
segurança, não virar a mesa por compaixão e outros.
Todos esses comportamentos têm seu espaço e valor na
conduta cristã, mas o risco é quando os utilizamos para
evitar o enfrentamento com nossas próprias limitações;
para nos manter na “zona do medo” ou “zona do
conforto”.
“O medo encolhe o ser humano, inibe a decisão e
bloqueia os movimentos em direção ao ‘mais’. Sua
intensidade pode impedir o discernimento e a busca da
solução mais inteligente para os problemas; longe de
resolvê-los, pode agravá-los a médio e longo prazo”.
(Pe. Adroaldo Palaoro – A perigosa ferida do medo).
Os abalos mais profundos do nosso coração são
pacificados com o atrevimento da coragem. De fato “No
amor não existe temor. Quem teme não é perfeito no
amor” ( 1 João 4, 18) O compromisso de Deus é com a vida, a
começar pela nossa própria vida, e requer coragem:
“Quem for medroso e tímido volte para trás” (Juízes 7, 3)
Fiquemos com a coragem de viver a vida em
plenitude, nas palavras do poeta popular Bráulio Tavares,
(Palco Iluminado 2): “Não vou morrer de enfarte em plena
festa (da vida), nem de fome nesta fartura. Quando sou a
última estrela que me resta, resolvo brilhar e aí ninguém
me segura. ”
O SOFRIMENTO DA TEIMOSIA OU INFLEXIBILIDADE
Há pessoas inflexíveis que são tidas por
decididas. E sustentar as decisões é virtude! O problema
não está no “decidido fervor”, mas na inflexibilidade
diante de outro ponto de vista. Algumas preferem ferir
uma relação a buscar o conhecimento da verdade
também presente no outro; fincam o pé naquilo que
pensam que sabem e no que está estabelecido e
normatizado. São pessoas que não se percebem e não
percebem as necessidades dos outros. Resultado:
sofrem! Deixam-se constantemente abalar, por razões
que elas mesmas defendem.
Não se trata aqui de questionar a fidelidade aos
valores e convicção (não estamos questionando isso),
mas a inflexibilidade diante do que as contrariam, do que
está fora das suas expectativas, qualquer se seja a área, o
assunto, o lugar ou a situação.
Ao tornarem absoluta uma verdade, os inflexíveis
se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e
a respeitar a verdade e o bem presentes no outro, se
abalando em inúmeras situações. Não suportam a
coexistência das diferenças, a pluralidade de opiniões,
posições, crenças e ideias. Daí surge o conservadorismo
radical, o medo à mudança, a ironia diante da crítica, a
suspeita, a vigilância, o controle autoritário...
A inflexibilidade da alma teimosa, muitas vezes,
está ligada ao orgulho. Precisa estar no controle e carece
de humildade para admitir “saber que não sabe”. Precisa
que tudo seja do seu jeito e da sua forma para se sentir
bem e feliz. Não admite que possa mudar de opinião,
pois se aferra a seus caprichos como um náufrago à
tábua que o mantém à tona.
Diante dos sofrimentos, precisamos nos
questionar: talvez sejam nossos posicionamentos
inflexíveis que nos abalam, impedindo-nos de sentir e
perceber a vida com mais leveza e beleza.
FORÇA DO ESPÍRITO
“Não somos seres humanos vivendo uma aventura
espiritual, mas seres espirituais vivendo uma aventura
humana”. (Pe. Teilhard de Chardin, 1881-1955 - Jesuíta francês)

Como um vento irresistível que impulsiona um
barco, infla suas velas e o faz navegar, arrastado por algo
invisível e poderoso, assim é a presença fortalecedora do
“Espírito Santo”: “Sopro de Deus”. Podemos dizer aqui,
num breve instante: troque de mãos – como aquela
anciã que troca as sacolas pesadas de mão, para seguir
em frente, rumo ao destino. Troque e invoque, nesse
breve instante, a força do Espírito Santo.
A atitude concreta e a confiança em Deus darão
alento para seguir em frente. A missão do Espírito não é
ajudar a nos “livrar” daquilo que torna pesado nossa
existência e nos atemoriza (feridas, rejeições,
ressentimentos...). É próprio de Sua presença pacificar e
conduzir-nos a um “lugar interior”, a um centro de calma,
onde tudo tem seu lugar, onde tudo encontra seu
espaço.
“O Encanto entrou em minha alma. Doravante tudo é
calma”. (Rimbaud – “Castelos – Estações”)
RETIRANDO-NOS PARA O DESERTO!
E como nos deixar levar por esse Vento que sopra
em cada um de nós? É buscar o “deserto” – em meio aos
caos do dia –, para retomar a consciência de que, sem
esse combustível sagrado, o “Espírito”, vamos “parar”
em cada dissabor que vivermos.
“Na verdade, oscilamos como os pratos de uma balança,
entre a tristeza e a alegria. Só quando estamos vazios é
que estamos parados em equilíbrio.” (Khalin Gibran – Filósofo).
É nesse contexto que o evangelista Lucas afirma
com toda firmeza que “a Palavra de Deus foi dirigida a
João, filho de Zacarias, no deserto”. Não foi em Roma, no
meio do trabalho diário, nem mesmo no templo, entre as
tarefas divinas, mas no deserto.
O deserto, muitas vezes vivido num retiro, num
mosteiro, numa manhã de domingo, uma noite de
oração ou quando saímos para caminhar a sós... O
deserto, lugar onde se pensa no essencial.
ABALADOS PELA IMATURIDADE
Nossa vulnerabilidade ao sofrimento também
pode estar associada à imaturidade. Nenhum adulto
gosta de se admitir imaturo. Mas a verdade é que
agimos, em maior ou menor proporção, com imaturidade
em certas situações. A expressão grega “Gnôthi
Seauton” - “Conheça-te a ti mesmo”, é um passo para a
mudança: reconhecer-se imaturo já é amadurecer. Mas
além da imaturidade afetiva – não ter recebido o
necessário amor e valor para sentir-se seguro do lugar
que ocupa no mundo e na vida das pessoas – hoje
sofremos com a imaturidade intelectual. A inteligência é
uma grande ferramenta para a estabilidade emocional.
Uma pessoa inteligente faz raciocínios e juízos
adequados sobre a realidade; é capaz de formular um
conjunto de soluções positivas para problemas
concretos. Na linguagem mais moderna da Psicologia
Cognitiva, inteligência é saber receber a informação,
codificá-la e ordená-la corretamente a fim de oferecer
respostas válidas e coerentes.
Nesse campo, a imaturidade intelectual alcança
muita gente. Muitos se deixam abalar pela falta de visão;
pela hipertrofia do presente e exaltação do instante; pela
falta de análises gerais; ou seja, têm sérias dificuldades
de raciocinar sobre os fatos e controlar os ímpetos
interiores.
A imaturidade é vista no indivíduo que abandona
uma reunião quando é contrariado; que vai embora de
uma festa em família, quando é afrontado; que passa da
conversação alegre ao melancólico silêncio, depois que
sua ideia não é aceita; que deixa uma função no meio do
processo ou uma atividade inacabada. A imaturidade
não o deixa lidar com o conflito, permanecendo
constante.
O psiquiatra espanhol Enriques Rojas, autor de “O
homem light” e “Remédios para o desamor”, afirma:
“Uma pessoa que não dá conta de uma exigência séria,
nunca alcançará as próprias possibilidades. A baixa
tolerância à frustração o faz inconstante e superficial”.
Diante de tudo isso e tantos outros aspectos que
nos abalam, reflitamos sobre nossos limites, nos
deixando alcançar pela sabedoria e graça de Deus.
Oração da Maturidade
Pai, agora que já não estou mais no tempo
de alimentar ilusões, aguça meus sentidos para
que eu perceba a beleza das realidades.
Pai, agora que a soma dos erros derrubou as
jovens ilusões de onipotência, não me tires a
pretensão de continuar tentando acertar.
Pai, agora que tantos desenganos, tantas
incompreensões repetiram lições de ceticismo,
conserva minha fé e minha disponibilidade frente
às criaturas.
Pai, agora que as forças do meu corpo
começam a falhar, alerta meu espírito, livra-me do
comodismo, redobra minha vontade.
Pai, agora que tenho a exata visão do pouco
que sei, desvia-me da defesa fácil de colocar
viseiras e ajuda-me a envelhecer com a abertura
dos corajosos, dos que suportam revisões até a
hora da morte.
Deus Pai, conceda-me a graça de não cair na
desilusão; de não chorar o passado e de continuar
disponível, para envelhecer jovem e chegar à morte
com reservas de amor.
TEXTO BÍBLICO
Isaías 40, 27- 31 (Deus dá a força)