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Para os estudos e práticas urbanas,

um olhar sobre Max Weber


António Miguel Lopes de Sousa∗

Índice tentativa para que Max Weber pudesse de-


senvolver um novo “tipo ideal”, a que cha-
1 Do ensaio “A Cidade” 2 mou a “dominação não legítima”.
2 Das tipologias e da Cidade 2 Assim, as aproximações narrativas,
3 Da “dominação” em Max Weber 8 comparativas e analíticas ao estudo sócio-
4 Da dominação não- legítima 8 histórico do fenômeno urbano que compõem
5 Do tipo ideal da “dominação não- o quadro de reflexões presentes em “A
legítima” 9 Cidade”, podem hoje ser revisitadas e dis-
6 Da realidade contemporânea da ci- cutidas como contribuição para uma outra
dade ocidental 10 leitura dos processos de transformação da
7 Das práticas urbanas 11 cidade contemporânea.
8 Dos novos desafios 13
9 Bibliografia 13 Palavras-chave: cidade, planejamento,
Weber.
Resumo
O objetivo deste texto é trazer um dos traba- Abstract
lhos de Max Weber, escrito sob a forma de The aims of this text is to bring one of the
ensaio, intitulado “A Cidade”, para um terri- works of Max Weber, writing in the form of
tório de reflexão habitualmente ocupado pe- assay, intitled "The City"for a territory of re-
los agentes das práticas e políticas urbanas. flection habitually filled for the pratices and
Partindo de uma análise do processo de es- the urban policies agents.
crita do ensaio, poder-se-ia caracterizar “A Starting in an analysis of the process of
Cidade” considerando-a, ao lado da sua in- writing of the assay, “The City” could be
contornável importância na estruturação me- characterised considering it, to the side of
todológica do pensamento do autor, como a its importance in the methodological cons-

Arquiteto Graduado pela Faculdade de Arquite- truction of the thought of the author, as the
tura da Universidade do Porto, Portugal – Mestrando attempt so that Max Weber can develop a
do Programa de Ciências Sociais da Pontifícia Uni- new “ideal type” the one that called the “non-
versidade Católica de São Paulo.
legitimate domination”.
2 António Miguel Lopes de Sousa

Thus, the approaches comparative and correr um olhar sobre a noção de “cidade”
analytical narratives, to the study social- desenvolvida no referido ensaio.
historic of the urban phenomenon that
composes the map of reflections presents
2 Das tipologias e da Cidade
in "the City", can today be revisited and
be argued as contribution for one another Nos estudos sobre a cidade, quer sob a ótica
reading of the processes of transformation da história, do urbanismo, quer sob a da so-
of the contemporary city. ciologia urbana, por vezes o texto “A Ci-
dade” surge como elemento autônomo (e até
Key Words: city, planning, Weber. mesmo como publicação isolada), no qua-
dro de referências fundamentais para o es-
tudo dos fenômenos urbanos.
1 Do ensaio “A Cidade”
Sendo, inegavelmente, um texto exemplar
O ensaio “A Cidade” foi escrito por Max We- no âmbito dos estudos de método comparado
ber durante um longo período de sua vida, e um profundo exercício de análise e contex-
postumamente publicado em 1921 e inse- tualização (mais do que uma simples tarefa
rido no Archiv für Sozialwissenschaften. Re- de classificação), não parece ter sido obje-
aparece em Economia e Sociedade, no ca- tivo de Weber construir uma narrativa sócio-
pítulo 8 (A Dominação), sob a forma de histórica sobre a cidade e a sua gênese.
subcapítulo, designado “A Dominação Não- O objeto de pesquisa de Max Weber, no
Legítima (Tipologia das Cidades)”. âmbito de outras aproximações por ele for-
Surge agora a questão acerca do título do muladas como em A Ética Protestante e o
ensaio, com uma designação inédita, pois Espírito do Capitalismo, parece ser uma in-
constitui a única referência de Weber a esse dagação sobre diferentes formas da econo-
tipo de dominação. mia urbana e do exercício do poder (e/ou da
“A Dominação Não-Legítima (Tipologia dominação) nas cidades da Antigüidade e da
das Cidades)” é, definitivamente, um título Idade Média, sobre as condições do seu sur-
pouco apreendido e utilizado por cientistas gimento e sobre as suas conseqüências para
sociais e também por pesquisadores weberi- a evolução de novos comportamentos dos
anos: de fato, Max Weber é mais reconhe- agentes econômicos, de novas formas de or-
cido pela construção dos três tipos de domi- ganização econômica e sobre a emergência
nação legítima – dominação racional (ou le- do capitalismo moderno.
gal), dominação tradicional e dominação ca- Metodologicamente, o ensaio “A Cidade”
rismática. pode configurar-se como fundamentação ou
Por que formularia Max Weber uma ca- como explicitação de uma idéia que percorre
tegoria de dominação que poderia situar-se toda a sua obra: a de que alguns fatos soci-
no âmbito das exclusões do tipo ideal, cons- ais e econômicos (como o desenvolvimento
truído em torno da dominação legítima? do capitalismo moderno) somente poderiam
Será possível mais tarde regressar a essa ter ocorrido no Ocidente – a construção de
interrogação, mas antes será necessário per- uma narrativa em torno de um método com-
parativo entre os sistemas sociais, políticos e

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econômicos entre diversas cidades da Ásia e Num primeiro olhar, parece tratar-se de
da Europa não é, pois, estranha a essa formu- estudar a cidade ao longo da história. A in-
lação. formação que Weber utiliza é articulada e
Mas esta é apenas uma tentativa de des- desdobrada; tanto que parece fazer sentido
vendar algumas motivações do autor para a por si mesma – como se a sua erudição his-
construção do referido ensaio. tórica ou a compilação exaustiva de informa-
De Max Weber conhece-se a sua erudição ção fizessem sentido em si mesmas.
sobre diversas culturas e diversos povos, bem A sua narrativa ininterrupta e a abundân-
como o seu vivo interesse pelas formas urba- cia e diversidade dos dados utilizados quase
nas do seu tempo, expressas em suas cartas apagam a existência de algum princípio sele-
de viagem. tivo que discrimine o relevante do irrelevante
Mas também se reconhece que, para além para a pesquisa.
da significação estética e psicológica, a ci- Mas esse princípio existe certamente, em-
dade moderna não desempenha qualquer pa- bora não seja explicitado como critério, seja
pel relevante nas suas pesquisas sobre o ca- complexo e nem sempre linear. E existe
pitalismo industrial. Aparentemente, essa ci- porque a Weber interessa o entendimento da
dade deixara de ter significado relevante para estrutura da cidade na história e na linha
o desenvolvimento do capitalismo (ele pró- desse interesse centra a sua atenção em al-
prio tinha encontrado a sua sustentação), na guns dos seus aspectos institucionais: econô-
idéia de que o processo da cidade medieval micos, políticos, jurídicos, religiosos, cultu-
ocidental foi fundamental para a sua gênese. rais, estrutura de classes ou estamentais.
Em “A Cidade”, Max Weber não visava Se a matriz da construção da pesquisa é a
elaborar uma mera tipologia das formas ur- comparação, a interrogação que se segue é
banas, mas interrogava-se sobre o signifi- como ela se opera, isto é, como se compara
cado cultural da cidade ocidental na emer- o que foi selecionado?
gência do capitalismo moderno. Aparentemente, o processo comparativo
Assim, entende-se por que a cidade mo- utilizado é errático (passa de uns temas a ou-
derna e contemporânea não ocupa um lugar tros sem qualquer explicação ou estrutura-
relevante nos seus estudos. Para Weber, a ção), é potencialmente infinito (parece que
partir da época moderna, já não era a ci- nunca se chegou a uma conclusão definitiva)
dade, mas sim o Estado que oferecia ao ca- e dá-se em constantes saltos no tempo, agre-
pitalismo o quadro institucional e político da gando o que parece irrelevante ao que resulta
sua evolução. substancial. E assim é porque importava a
Se algumas interrogações subsistem Weber deixar implícita na sua metodologia
quanto às verdadeiras motivações para a noção de que sua leitura dos fenômenos
a produção deste ensaio de Max Weber, era provisória e uma entre outras plausíveis
torna-se, no entanto, evidente que o seu possibilidades, como também são muitas as
foco de interesse é a cidade medieval oci- possibilidades de combinação de fatores que
dental e o seu método de análise assenta contribuem para a construção da idéia de ci-
numa estrutura comparativa sobre material dade:
empírico-historiográfico.

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“[...] Disso resulta que todo o conhecimento outros trabalhos e que encontraram na cidade
da realidade é sempre o conhecimento su- o seu território de explicitação.
bordinado a pontos de vista especificamente Mas não se tratava de uma cidade qual-
particulares. Quando exigimos do historia- quer. Apenas na cidade medieval ocidental
dor ou do sociólogo a premissa elementar de se encontrava esse espaço:
saber distinguir entre o essencial e o secun-
dário, de possuir para esse fim os pontos de “[...] Somente cabe fazer antes a pergunta, de
vista necessários, queremos unicamente di- forma por agora muito geral: qual é a razão
zer que ele deverá saber referir – consciente por que o desenvolvimento da cidade se ini-
ou inconscientemente – os elementos da rea- ciou na região mediterrânea e depois na Eu-
lidade a ‘valores culturais’ universais, e des- ropa, e não na Ásia? Já respondemos a esta
tacar aquelas conexões que, para nós, se re- pergunta com a constatação que aqui o nasci-
vestem de significado. E se é freqüente a mento de uma confraternização urbana – de
opinião de que tais pontos de vista poderão uma comuna urbana, portanto – não foi impe-
ser ‘deduzidos da própria matéria’, isto ape- dido pelas vinculações mágicas dos clãs ou,
nas se deve à ilusão ingênua do especialista como na Índia, das castas. Na China, os clãs
que não se dá conta de que – desde o início eram os portadores dos assuntos religiosos de
e em virtude das idéias de valor com que in- importância decisiva: o culto aos antepassa-
conscientemente abordou o tema – destacou dos, por isso inquebrantáveis.[...]”. (Weber,
da absoluta imensidade um fragmento ínfimo 1999, p.444)
e, particularmente aquele cujo exame lhe im-
portava.[...]”. (Weber, 2001, p.131) Para tentar compreender as razões dessa
exclusividade, Weber desenvolve então um
O ensaio “A Cidade” dá continuidade, te- exaustivo processo comparativo entre dife-
maticamente, a um conjunto de pesquisas de rentes modelos urbanos, partindo dos exem-
Weber relativas à questão agrária na civili- plos da antiguidade (Grécia, Roma, Egito,
zação antiga. Em ambos os trabalhos po- Mesopotâmia) , para depois comparar a ci-
derá subentender-se uma interrogação estru- dade medieval ocidental com as cidades ori-
tural nas suas reflexões: por que somente nos entais.
países ocidentais conhecemos o desenvolvi- De forma empírica, a idéia de compara-
mento de uma cidadania que tentasse alcan- ção, que parece estar por trás de algumas das
çar uma autonomia com a escolha de seu suas codificações metodológicas, é simples:
próprio governo? mostrar as semelhanças do semelhante e as
Se essa interrogação poderia enquadrar-se diferenças do diferente. Mas, em Weber, o
no conjunto de questões recorrentes em We- processo é administrado de modo mais com-
ber, como as motivações para o surgimento plexo e interessante: na realidade, o que se
do capitalismo e do Estado modernos apenas propõe mostrar é até que ponto o diferente
no Ocidente, ela parece conter aqui um ou- (cidade antiga e cidade medieval, por exem-
tro conjunto de reflexões sobre os temas da plo) é semelhante e até que ponto o seme-
dominação, do poder e da liberdade, que não lhante (cidade medieval do sul e do norte) é
cabiam na conceitualização desenvolvida em diferente. Assim, toda a mostra de diferen-
ças é provisória até que se atinja o plano da

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semelhança, momento em que o seu próprio sua obra, Weber não é redutor nem simpli-
processo de indagação nos remete de novo fica e muito menos facilita a tarefa do lei-
para a diferença. Isso converte a sua pes- tor. O seu percurso na procura de um tipo
quisa num aparente potencial infinito, pois o ideal, que não é uma definição, movimenta-
que Max Weber busca é a singularidade his- se em diversos territórios de análise, explo-
tórica: as características individuais e irrepe- rando muitas vezes as fronteiras e os elemen-
tíveis de uma situação histórica localizada no tos de contato entre esses territórios.
tempo e no espaço. Ainda assim é possível extrair as suas pro-
Efetivamente, é firme no seu percurso pela postas concretas para a construção do tipo
história a idéia de que o que é único (singu- ideal:
lar e irrepetível) é também, ou pode resultar,
inteligível. Weber não se detém na simples “[...] Somente queremos falar de ‘cidade’ no
descrição do único, mas avança para um tipo sentido econômico, tratando-se de um lugar
de observação que faz mais inteligível o par- onde a população local satisfaz no mercado
ticular por meio de construções intelectuais local uma parte economicamente essencial de
suas necessidades cotidianas , e isto princi-
que não têm a pretensão de retratar a rea-
palmente com produtos que a população lo-
lidade, de mostrar a sua essência, mas tão
cal e dos arredores produziu ou adquiriu para
só de a tornar compreensível ou de “confe- a venda no mercado. Toda a cidade no sen-
rir uma ordem ao caos daqueles fatos que in- tido aqui adotado da palavra é ‘localidade de
cluímos no âmbito do nosso interesse”. São mercado’ [...] Do ponto de vista adminis-
os tipos ideais e são, pois, esses que intervêm trativo, porém, a situação especial dos bens
no seu método comparativo. de raiz urbanos explica-se, sobretudo, pelos
O tipo ideal constitui, do ponto de vista princípios tributários diferentes, e na maioria
metodológico, um elemento caracterizador das vezes também por uma característica de-
do elemento significante que se estabelece cisiva para o conceito político-administrativo
no sentido da orientação da ação, e da ação da cidade, a saber, pelo fato de que a cidade
social – não se limita à sua manifestação ex- do passado, da Antiguidade e da Idade Mé-
terna, mas busca o significante das motiva- dia, tanto dentro quanto fora da Europa, era
ções internas do indivíduo ou do fato social. um tipo especial de fortaleza e guarnição [...]
O tipo ideal de Weber não abarca, assim, Nem toda a ‘cidade’, no sentido econômico,
e nem toda a fortaleza submetida, no sen-
fenômenos genéricos ou de múltipla expres-
tido político-administrativo, a um direito es-
são, pois representa e contextualiza com ob-
pecial dos habitantes era uma ‘comuna’ [...]
jetividade e inequivocamente um fenômeno pois para isto era necessário que se tratasse
ou uma relação singular. de povoados com caráter artesanal-comercial
A cidade medieval ocidental é o tipo ideal pelo menos relativamente desenvolvido, que
de cidade, e esta cidade é onde se expressa apresentassem as seguintes características: 1)
o tipo ideal de dominação não legítima – que uma fortificação, 2) um mercado, 3) um tri-
poderá constituir-se como a articulação refle- bunal próprio e pelo menos parcialmente um
xiva proposta por Weber. direito próprio, 4) caráter de associação e, li-
Mas de que cidade nos fala Max Weber? gadas a este, 5) autonomia e autocefalia pelo
E aqui, tal como em outros momentos da menos parciais e, portanto, uma administra-

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ção realizada por autoridades, em cuja nome- siva – atividade; a relação sócio-econômica
ação participassem de alguma forma os cida- entre cidade e meio rural, segundo seja ou
dãos como tais [...]”. (1999, p.409, 415, 419) não um assentamento de estamentos exclu-
sivamente urbanos, não reconhecidos como
Os critérios para uma definição são cla- iguais pelos estamentos extra-urbanos - as-
ramente três: uma cidade é sempre um as- sentamento.
sentamento (permanente) de mercado; uma O mapa tipológico é simplesmente uma
cidade foi (historicamente) um recinto for- tentativa que procura conduzir a uma matriz
tificado; uma cidade foi (tipicamente) uma simples, à abundante informação, às consi-
“comuna”. Por conseguinte, a conjunção do derações e reconsiderações de Weber na sua
assentamento de mercado, o recinto forti- aproximação aos fenômenos da cidade. Os
ficado e a “comuna” constituem suas dife- tipos têm, por outro lado, um diferente esta-
renças específicas face a outras formas de tuto lógico, que vai de tipos muito abstratos
assentamento econômico, militar e político (cidade oriental em geral) a tipos mais con-
na história. É evidente que são heterogê- cretos (a polis ateniense de Péricles). Torna-
neos, como a sua descrição tão bem distin- se também claro que o mapa tipológico está
gue: econômicos, administrativo-militares e orientado por uma relação de investimento
jurídico-políticos. O que Weber não deixa lógico nas características que definem os ti-
claro é qual a razão de centrar a atenção nes- pos principais; por um lado, a cidade medie-
ses critérios e em sua combinação. E nessa val norte-centro-européia, que se situa, ainda
tarefa ordenadora, qual a razão dos desdo- que com variantes relevantes, no caminho do
bramentos pelas suas tipologias de cidade. capitalismo, e, por outro, a cidade oriental.
As variáveis utilizadas para construir os ti- Trata-se, evidentemente, de uma pura orga-
pos são especificações dos critérios empre- nização lógica na qual o tempo e o desen-
gados para definir o tipo ideal de cidade. E volvimento concreto da história desaparece-
são especificações que fazem referência a as- ram. São, pois, expressão de uma aproxi-
pectos da vida urbana, relacionados com as mação exclusivamente estrutural que poderá
atividades econômicas ou com a instituci- ser compensada reintroduzindo o tempo his-
onalização das atividades político-militares, tórico.
isto é: critérios cruciais para definir o con- Contudo, mesmo no Ocidente, aqueles tra-
ceito de cidade. Podem identificar-se as três ços não aparecem em todos os lugares, e nem
seguintes variáveis: a existência (ou não) sempre com a mesma expressividade. Trata-
da cidade como entidade jurídica autônoma, se, naquela estruturação, de um tipo ideal,
dotada de autocefalia e afirmada, em rela- construído com alguns elementos significan-
ção a qualquer poder extra-urbano, como tes, os quais são, para Weber, reveladores de
poder ilegítimo – esta variável poderia ser alguns dos seus ideais axiológicos.
denominada autonomia; a atividade predo- Ainda assim, Weber mostra com clareza
minante dentro da cidade, segundo seja um que, como fenômeno oposto ao que se veri-
assentamento de proprietários de terras que fica na Ásia, a cidade em seu tipo ideal, em
praticam a guerra de botim ou comercian- sua “pureza”, pode ser encontrada concreta-
tes e artesãos que praticam a guerra defen-

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mente nos Alpes da Europa, durante a Idade Podem, agora, identificar-se dois eixos
Média. fundamentais para a perspectiva de Weber
As variações empíricas são muitas e são sobre a cidade: cidadania e autonomia –
vários os contrastes explorados – no Oriente “[...]a cidade ocidental, tanto na Antigüidade
em geral, os estabelecimentos urbanos que quanto na Rússia, era um lugar de ascensão
poderiam aproximar-se, do ponto de vista da servidão à liberdade [...], de forma muito
da economia (em termos de desenvolvimento mais acentuada encontramos este fenômeno
comercial e artesanal), do tipo ideal, dele di- na cidade medieval [...], os cidadãos urba-
vergem no campo político. Naqueles estabe- nos usurparam – e esta foi a grande inova-
lecimentos, os veículos de ação organizada ção, objetivamente revolucionária, da cidade
(ou ação coletiva de grupos determinados) medieval do ocidente, em oposição a todas
são apenas os clãs ou, por vezes, as associ- as outras – o rompimento do direito senho-
ações corporativas, ou ainda os estamentos, rial. Nas cidades do centro e do norte euro-
mas não conhecem a ação organizada de “ci- peu surgiu o conhecido lema: ‘o ar da cidade
dadãos urbanos”. Este parece constituir-se, faz livre’ [...]”. (1999, p.427)
para Weber, um acontecimento singular e ex- Foi esse rompimento com a dominação
clusivo da cidade medieval ocidental. tradicional (uma dominação legítima) e a
Nesse contexto argumentativo, Max We- instauração de autoridades plurais de habi-
ber aproxima-se da idéia de autonomia ur- tantes associados nos assentamentos urbanos
bana – esta não existe no Oriente, pois a ci- que possibilitou às diferentes “ordens legais”
dade constitui-se ali como um centro admi- (inerentes às regras ou ordens instituídas pe-
nistrativo do poder incluindo-se, assim, no las corporações, guildas ou estamentos) con-
âmbito da dominação tradicional, freqüente- viverem sobre uma mesma, e “pacífica”, or-
mente patrimonial, e a ela submetida. Pode denação legal – e esta era a principal carac-
ainda acrescentar-se a esses condicionalis- terística da cidade medieval ocidental.
mos o argumento religioso desenvolvido por Max Weber configura, desse modo, um ce-
Weber: a comunidade cristã ocidental euro- nário em que diversas estruturas de natureza
péia é, na sua essência, uma associação entre diversa são aglutinadas, em simultâneo, uma
crentes únicos e singulares, e não entre clãs unidade nunca de configuração definida que
– a religião cristã alterou, de forma substan- irá gerar importantes efeitos na modernidade
cial, o que de religiosamente importante con- e na sua construção.
figurava cada laço da família ou do clã. Parece plausível pensar que Weber quis
Assim, sem a influência dominante do clã chamar a esse dinâmico aglutinar de vonta-
ou da família, a cidadania poderia, ela pró- des coletivas e pluralidades de expressão so-
pria, constituir-se como uma associação po- cial e política, essa origem da modernidade
lítica – um modo de associação (também e da economia capitalista moderna, domina-
denominado de fraternidade jurada), pode- ção não-legítima.
ria dotar-se de uma ordenação legal própria
(com suas regras e valores peculiares) que se
tornasse válida em simultâneo com a ordena-
ção legal derivada da governação feudal.

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8 António Miguel Lopes de Sousa

3 Da “dominação” em Max contrar na “sociologia da dominação” de


Weber Weber uma dominação não-legítima: de
fato, quando a legitimação de uma domi-
A sociologia da dominação ocupa, no pensa- nação diminui, segue-se uma diminuição da
mento de Weber, um lugar central na cons- possibilidade para que uma ordem seja obe-
trução dos mecanismos reflexivos e deduti- decida.
vos na sua “sociologia compreensiva”. Poderá mesmo aventar-se a idéia de que
“Como se legitima a dominação?” e a dominação não-legítima não é um tipo de
“Como se efetiva a dominação?” são as duas dominação no sentido conceitual, mas que
indagações que percorrem as suas pesquisas. poderá ser entendida no âmbito de fenôme-
Por um lado, a dominação é apresentada nos singulares – a cidade medieval ocidental.
não como uma coisa ou força natural, que de
alguma forma se afirma por ela mesma, mas
como algo com uma correspondência signi- 4 Da dominação não- legítima
ficante entre uma ação (que poderia ser uma Assim, pelo menos, poder-se-á deduzir o que
ordem) e uma outra ação (que é obediência), a dominação não-legítima não é. Aparente-
e reciprocamente. De fato, poder-se-ia ver mente não é um tipo de dominação – ou po-
como o objetivo a que ambas as ações (ou deremos associá-la à dominação pela contra-
comportamentos) são significativamente ori- dição de adjetivação.
entadas – que poderá conduzir à sua legiti- Como já mencionado antes, Weber quis,
mação. Por outro lado, a dominação é apre- em “A Cidade”, compreender por que so-
sentada no âmbito de uma articulação lógica mente na cidade ocidental medieval se verifi-
entre a regra (dominação), a força e a dis- cou um certo tipo de desenvolvimento, com-
ciplina. Para Weber, força e disciplina não parando realidades urbanas em países orien-
requerem uma efetiva concordância do indi- tais e ocidentais, de universo de valores an-
víduo na satisfação de uma ordem, a domina- tigo e medieval.
ção necessita – ou seja, constitui um acordo A singularidade da cidade medieval oci-
na legitimidade (social ou legal) da ordem de dental era, para Weber, a estrutura da domi-
onde a dominação emana. nação presente dentro dela.
Assim, uma ordem será observada depen- Lendo aquela cidade, poder-se-á constatar
dendo da “opinião” do sujeito que a recebe – que essa estrutura era tão pluralista que abriu
se ele acredita que a ordem se situa num qua- a possibilidade para que diferentes ordens le-
dro legal por ele validado ou reconhecido, gais configurassem, a um mesmo tempo, um
responderá de forma afirmativa, senão, em contexto positivo: significa também que di-
uma negativa. Logo, se a dominação con- versas ordens (legais) puderam coexistir na
tém sempre um tipo de acordo nos valores, mesma cidade - ao lado da ordem feudal ha-
essa anuência poderia também ser designada via a possibilidade, para outras ordens, limi-
como a sua legitimação. tadas pelas diferentes guildas, corporações e
O acordo entre ordem e obediência cons- grupos de cidadãos, se tornarem válidas ou
titui o caráter essencial da dominação. Isso legítimas:
poderia pressupor a impossibilidade de en-

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“[...] No entanto, na análise do processo tra inválida. Nesse caso, duas ou mais (e
devem-se separar os processos decisivos do também contraditórias) ordens podem coe-
ponto de vista formal-jurídico e os socioló- xistir no mesmo ambiente urbano.
gica e politicamente decisivos, o que nem Uma leitura possível é que a dominação
sempre foi o caso na disputa entre as ‘teo- não-legítima é uma entidade tipicamente di-
rias da cidade’. Do ponto de vista formal- nâmica onde as diferentes dominações (e as
jurídico, a corporação dos cidadãos como tal respectivas ordens legais) podem coexistir
e suas autoridades foram constituídas ‘legiti-
no interior de um sistema que permita a auto-
mamente’ mediante privilégios (reais e fictí-
organização, também em um campo impor-
cios) dos poderes políticos e eventualmente
também dos poderes senhoriais-territoriais.
tante como a justiça.
A este esquema formal-jurídico corresponde,
em parte, o processo efetivo. Mas muitas ve- 5 Do tipo ideal da “dominação
zes, e precisamente nos casos mais impor-
tantes, tratava-se de um fenômeno comple-
não-legítima”
tamente diferente: de uma usurpação revo- O tipo ideal é, como já referido, um dos ins-
lucionária, do ponto de vista formal-jurídico. trumentos operativos estruturantes da meto-
Mas não por toda a parte. Pode-se distinguir dologia de Weber. O que está no âmago de
o desenvolvimento originário e o derivado da um tipo ideal, de acordo com a formulação
associação urbana medieval. No desenvolvi-
do autor, é uma acentuação analítica e signi-
mento originário, a associação dos cidadãos
ficante de determinados elementos da reali-
era o resultado da formação de uma relação
associativa política dos cidadãos, apesar dos
dade. De acordo com essa definição, poder-
poderes ‘legítimos’ e contra eles, ou, mais se-ia considerar a interpretação da cidade
corretamente: o resultado de toda uma série medieval ocidental como o tipo ideal a que
de semelhantes processos. A sanção decisiva Weber chamou “dominação não-legítima”.
do ponto de vista formal-jurídico desta situ- Também com uma acentuação analítica,
ação pelos poderes políticos legítimos acon- será possível descortinar, na narrativa de
tecia mais tarde – e, aliás, nem sempre.[...]”. Max Weber, um “pluralismo positivo” na or-
(1999, p.436) denação da cidade medieval. Esse plura-
lismo positivo significa uma possibilidade
Se articulada essa característica pluralista para diferentes tipos de ordenações (esta-
com a teoria da ação e a definição de We- mentais, corporativas e mesmo legais) coa-
ber de dominação, seria possível subenten- bitarem em um mesmo espaço temporal, de
der que na cidade medieval ocidental não ha- acordo com o caráter dinâmico já conside-
veria uma dominação legítima previamente rado, onde um único sujeito, escolhendo uma
estabelecida. “ordem” a obedecer, a legitimará, tornando,
É um fato que a ação de um único sujeito ao mesmo tempo, as outras “ordens” do esta-
se pode mover entre uma dominação legí- belecimento urbano como “não-legítimas”.
tima e uma não-legítima. Weber fala, nesse O tipo ideal da dominação não-legítima é
caso, sobre transições incertas entre uma vá- um tipo ideal caracterizado pelo seu intrín-
lida (legitimação de única ação que orienta seco pluralismo; a saber: a possibilidade de
seu comportamento a essa ordem legal) e ou-

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10 António Miguel Lopes de Sousa

criar, ao lado das ordens existentes da lei, no- ferro real” do mundo de hoje: a severa lei de
vas “ordens” a partir “de baixo”. Estado.
Esse tipo ideal, tal como os outros formu- A temática do Direito assume aqui um pa-
lados por Weber, é um meio heurístico de pel central: de fato, é somente com a con-
aproximação à realidade; e, nesse sentido, cepção da lei positivista e as constituições
é uma construção conceitual que, quando burguesas dos séculos XVIII e XIX que o
confrontada com uma situação empírica, se conceito de legitimidade se deteriora e o con-
torna útil para ler e compreender essa reali- ceito da legalidade se transforma como único
dade. elemento para o “julgamento” da realidade,
Poder-se-á subentender, da construção dos fenômenos e das ações.
metodológica de Weber, que a dominação O resultado dessa passagem é a criação de
não-legítima formula-se enquanto tipo ideal uma fronteira clara entre os fatos e os terri-
para dar conta dos fenômenos mais comple- tórios da lei.
xos que não couberam na construção mais Se, por sua vez, nós comparamos esta si-
pura dos três tipos de dominação legítima e, tuação com essa que inspirou o tipo ideal da
assim, a cidade medieval ocidental oferecia- dominação não-legítima, poder-se-ia consta-
se com território privilegiado para a sua aná- tar que a possibilidade para criar (a partir da
lise e explicitação. ordem existente legal) uma ordem diferente
Nesse sentido, também a cidade medieval da lei seria negada por essa lei estatal mono-
ocidental se configura como um tipo ideal, polista.
constituindo-se como referência à gênese das Deve ser dito que a negação referida não
cidades na diversidade dos seus tipos e vari- é a negação do pluralismo dentro da socie-
antes. dade, mas fornece, normativamente, apenas
Será plausível aplicar essa “máscara” da um canal, o legal, para expressar a “vontade”
“dominação não-legítima” sobre a realidade e o “poder de escolha” que diferentes partes
contemporânea, especialmente sobre o am- da sociedade podem desejar desenvolver.
biente urbano contemporâneo? Nesse âmbito, importa referir que o apa-
rente “fascínio” de Weber por aquela cidade
medieval ocidental provém desse construtivo
6 Da realidade contemporânea
pluralismo que existe dentro da cidade e que
da cidade ocidental tende a diluir-se e a desaparecer com o apare-
Que aconteceria se usássemos o tipo ideal cimento do Estado e a institucionalização da
acima construído para ler a realidade da ci- burocracia – temas sobre os quais pesquisa e
dade ocidental contemporânea? disserta abundantemente.
Uma das características fundamentais que Que poderá significar essa situação para as
poderíamos encontrar seria a estrutura de ca- práticas e as políticas urbanas, hoje?
ráter unidimensional da sociedade contem- Significa, no fundamental, um maior em-
porânea, que parece não ser capaz de esca- penho para incluir os cidadãos, tanto quanto
par do que Mike Davis chamou a “gaiola de possível, como atores na criação do que quer
que possa atravessar essa barreira, embora
tudo o que passe através dela, se estabeleça

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Para os estudos e práticas urbanas, um olhar sobre Max Weber 11

de modo institucionalizado, com todas as das diferentes partes da sociedade podem re-
desvantagens em termos da perda de espon- almente ter os mesmos pesos.
taneidade das ações, das interações e de ou- A idéia de um espaço fora da lei é uma
tros relacionamentos de “nível inferior” que indicação filosófica apontada por alguns au-
não são facilmente assimilados em um sis- tores que propõem como razão principal da
tema tão normativo. decadência da política o seu relacionamento
Mas como superar o modelo institucional estrito com a lei.
contemporâneo? Discute-se, então, que o espaço real para
Poderemos supor aqui que a crise do mo- a política está dentro da fratura entre a vida
delo institucional da política seja uma crise e a lei, onde se pode ver a vida na sua não-
de legitimidade. relação com a lei e a lei na sua não-relação
Como nós vimos nos parágrafos preceden- com a vida.
tes, o comutador entre uma legitimidade e o
modelo baseado na legalidade aconteceu du-
7 Das práticas urbanas
rante o processo constitucionalista dos sécu-
los XVIII e XIX. Em todo o caso, não se pretende confundir
O conceito de legalidade torna-se aqui, aqui a política com as políticas; pelo contrá-
ao mesmo tempo, a muleta e o protetor do rio, pretende-se indicar que, quando a polí-
modelo institucional contemporâneo de fa- tica possui um problema de legitimidade, e
zer política. acontece quando o caráter plural do ator pú-
A legalidade constitui-se como muleta em blico se torna claro (e não há uma possibili-
casos de ausência de legitimidade em uma dade para criar uma outra ordem como na ci-
decisão (e esta é a situação mais comum dade medieval da dominação não-legítima),
quando as instituições tomam decisões numa isso poderia ser resolvido somente com um
sociedade onde se torna mais difícil en- destaque no papel das políticas e um regresso
contrar “públicos dóceis”), e um protetor, às suas práticas.
quando o sistema é “atacado” por atores or- Com o regresso das práticas, significa
ganizados fora das instituições. que os “práticos” (aqueles que se encontram
Muitas evidências deixam-nos pensar que envolvidos na implementação das políticas
esse modelo parece já não ser sustentável. urbanas, por exemplo) devem reconsiderar
O que poderá ser feito para desenvolver as aproximações racionais ao planejamento:
um modelo sustentável das políticas urba- eles tendem a enfrentar aspectos de molda-
nas? ção da complexidade e a aplicar continua-
Uma das hipóteses possíveis para desen- mente um mesmo modelo a qualquer situ-
volver as políticas, ou para as melhorar, ação, como tendo um tipo da “vista de sí-
requer uma redefinição do espaço, e con- tio nenhum” para as situações problemáticas
seqüentemente das instituições, onde as po- que estão “fora daqui”. O espaço entre pla-
líticas possam enraizar. nejador e o território está longe de ser trans-
Nesse sentido, é como uma opção de saída parente e vazio: na prática, está a revelar-se
para um espaço fora da lei, onde as vozes um pouco mais opaco e denso, cheio de ar-

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12 António Miguel Lopes de Sousa

ranjos parciais, de julgamentos suspensos, e deliberação pública como um formulário do


de objetos complicados. inquérito que implica aprendizagens e cons-
Somente se cada prática for considerada trução de interpretações coletivas em situa-
como algo que importa à sociedade, indepen- ções problemáticas da ação.
dentemente se essas práticas estão dentro ou Nessa perspectiva, qual é o papel do pro-
fora do conceito de legalidade, e somente se fissional (o “profissional do urbano”)?
tentar-se considerar essas práticas como um Obviamente, e essa é uma idéia subordi-
ator para as políticas, poder-se-á então supe- nada a um papel ideal apresentado aqui, ele
rar o planejamento, na sua forma institucio- não é um papel bem definido para os profis-
nal, e conseqüentemente, superar a crise ins- sionais, senão cairíamos mais uma vez numa
titucional. maneira normativa de desenvolver políticas.
Após essa breve aproximação de princí- Em todo o caso, poder-se-ia propor alguma
pios, poder-se-á aqui tentar ligar as consi- hipótese sobre o papel que os profissionais
derações expressas com o campo de estudo devem assumir dentro desse inquérito pú-
que se poderá designar “democracia delibe- blico.
rativa”. A idéia que os ajustes de organização são
Deverá aqui entender-se o conceito de de- campo de jogos ou espaços, onde a delibe-
mocracia deliberativa como a “tomada de de- ração como o inquérito público poderia ser
cisão pela discussão entre cidadãos livres e mais ou menos eficaz, dependendo das re-
iguais”. gras que governam esses espaços, permite
Esse conceito é, na verdade, mais um re- introduzir o primeiro papel para o profissi-
nascimento do que uma inovação. A idéia de onal: configurando esses ajustes numa ma-
democracia deliberativa e de sua implemen- neira que poderia induzir os participantes a
tação prática é tão antiga como a própria de- uma interação profunda, que produzisse no-
mocracia e ambas poderiam ser encontradas vas possibilidades que os participantes não
em Atenas já no século V aC. poderiam antever no início do inquérito.
O território do renascimento teórico po- A capacidade acima mencionada, da inte-
derá ser encontrado na crise acima mencio- ração dos participantes dentro do inquérito
nada, das instituições e da práxis democrá- público, poderia ser auxiliada pela presença
tica. de alguns refletores, e esse poderia constituir
Atrás dessa definição alargada existem um dos papéis mais importantes que os pro-
muitas concepções e perguntas diferentes. fissionais poderiam desempenhar. A ativi-
Não se pretende aqui tocar em todas, mas, dade do refletor poderia ser resumida à ob-
partindo dessa definição alargada, da tomada servação do processo de deliberação, des-
de decisão pela discussão entre cidadãos li- crevendo com detalhe e densidade as prá-
vres e iguais, e usando a noção de “público” ticas simbólicas e rituais publicamente per-
como a dimensão em que a existência daque- ceptíveis que estruturam as possibilidades de
las influências indiretas no processo de tran- significado. Simultaneamente, e no âmbito
sações tem que ser reconhecida, com espe- dessa tarefa descritiva, os profissionais deve-
cial atenção à dimensão cognitiva dos pro- riam prestar uma atenção particular a outras
cessos da deliberação. Isso significa tratar a linguagens e sensibilidades contidas nessas

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Para os estudos e práticas urbanas, um olhar sobre Max Weber 13

práticas. Poderá residir, aqui, nessa prática e O ponto de chegada é a insistência na sen-
na exploração de outros conceitos de percep- sibilidade para as metáforas que deve carac-
ção da realidade, mais metafórica e sensível, terizar as instituições e os profissionais.
o caminho para a renovação dos processos de Essa atenção às metáforas (como sinto-
planejamento. mas da existência significante do “outro”)
As metáforas são um tipo de anomalia da poderia, teoricamente, dar aos conceitos de
linguagem, sintomas que sugerem um outro participação e deliberação uma seiva nova
domínio da experiência. Essas linguagens (idéias, valores, linguagens, novas visões de
e ordens, que tentam permanentemente en- mundo) e superar a sensação de que a parti-
contrar o seu próprio espaço dentro da or- cipação é somente um tipo da promoção do
dem universal existente, expressam-se com institucional ou um exercício institucional de
as práticas que trazem de fato um novo ponto relações públicas.
de vista (um valor cognitivo acrescentado re- Julgo que o verdadeiro desafio para as ins-
lativamente ao ponto de partida do inqué- tituições situa-se nos limites, ou seja, os ter-
rito), se existir a sensibilidade para as escu- ritórios de fronteira que colocam em comu-
tar; senão, essas aconteceriam como algumas nicação as diversas vivências urbanas que
anomalias, algo diferente a conhecer ou a in- existem juntas, mas não vivem juntas.
cluir na nossa “visão do mundo”.
Poder-se-á observar aqui, de novo, a dife-
9 Bibliografia
rença entre o tipo ideal da dominação não-
legítima e a sociedade contemporânea. De COHN, Gabriel. Org. (2006). Weber, Socio-
fato, dentro de um sistema impregnado por logia. Colc.Grandes Cientistas Sociais,
uma lei estatal monopolista, o espaço para Cord, Florestan Fernandes, Trad. Amé-
as outras ordens situa-se em um nível sin- lia Cohn e Gabriel Cohn, São Paulo,
tomático e somente nas possibilidades dadas Editora Ática.
por um ajuste tímido de organização para a
deliberação, e na sensibilidade dos profissi- FREUND, Julien. (1987). Sociologia de
onais para os sintomas de que outras ordens Max Weber. , Trad. Luís Cláudio de
existentes poderiam conduzir à produção de Castro e Costa, Rio de Janeiro, Ed. Fo-
novas possibilidades no processo da delibe- rense - Universitária.
ração. H.H. Gerth e C. Wright Mills (Orgs). (1982).
Max Weber - Ensaios de Sociologia.
8 Dos novos desafios Trad. Waltensir Dutra, Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan.
Começando por uma descrição sucinta do
ensaio de Max Weber “A Cidade” e a tenta- SWEDBERG, Richard. (1998). Max We-
tiva para criar um tipo ideal baseado na con- ber e a Idéia de Sociologia Econômica.
dição específica da cidade medieval ociden- Trad. Dinah Abreu Azevedo, Rio de Ja-
tal, pudemos aproximarmo-nos, por momen- neiro, Editora UFRJ.
tos, de uma nova perspectiva para o planeja-
mento.

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14 António Miguel Lopes de Sousa

WEBER, Max. (2001). A Ética Protestante


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Campinas, Editora Universidade Esta-
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