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IX Seminário Nacional Sociologia & Política

Maio, 2018, Curitiba

GT11 – CONTROLE SOCIAL, SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS

Lawfare: Como transformar o direito em um dispositivo de exceção e arbitrariedade.


Lawfare: Como transformar o direito em um dispositivo de exceção e arbitrariedade.

Thayan Gomes da Silva1

Aknaton Toczek Souza2

Kriztiãw Marciniszek Santana3

Matheus Schimilouski Duvoisin4

Resumo: O presente trabalho busca realizar uma breve análise acerca de como o Estado é
formado, para que seja possível se observar em que momentos o direito é convertido em
instrumento de guerra, e de quais dispositivos se utilizada para realizar desta forma o uso
indevido do devido processo legal e demais procedimentos jurídicos em circunstâncias políticas
que geram a aniquilação de um personagem político pela via de mecanismos judiciais, desta
forma concretizando um certo estado de exceção.

Palavras-chave: Lawfare. Estado de exceção. Instrumentalização do processo. Sistema


judiciário.

1
Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Professor de Direito Penal, Prática Penal
e Direito Processual Penal do curso de Direito das Faculdades Secal, e-mail: thayangomes@hotmail.com

2
Doutorando em Sociologia (UFPR), mestre em Sociologia (UFPR), especialista em Sociologia Política e em
Direito Penal e Criminologia (ambas pela UFPR), bacharel em Direito e Advogado. É pesquisador do Centro de
Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná – CESPDH/UFPR e
participa do grupo de Pesquisa Subjetividade, Poder e Resistência. Atualmente é professor de criminologia e
direito penal da Secal. E-mail: aknatontoczek@gmail.com
3
Acadêmico do 8º período do curso de Direito da Faculdades Secal, pesquisador do Centro de Estudos em
Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná – CESPDH/UFPR, pesquisador
Suplente do Núcleo de Estudos Sistema Criminal e Controle Social do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná - PPGD/UFPR, Secretário de eventos do Centro Acadêmico de Direito da Secal,
e-mail: kriztiawmarciniszek@gmail.com
4
Acadêmico do 5º período do curso de Direito da Faculdades Secal, e-mail: matheus_duvoisin@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO A MAGICA DO DIREITO

O presente trabalho faz parte de uma nova pesquisa em andamento pelos autores acerca
do uso do Lawfare no Brasil, verificando também similaridades e disparidades com o sham
littigation norte americano. Referido tema se mostra de grande importância quando se acentua
no Brasil o uso de processos e demais instrumentos judiciais visando a morte política e social
do outro.
Originalmente o Lawfare era basicamente o uso de leis e sistemas judiciais que visavam
a cumprir metas estratégias políticas e militares, sendo que, na atualidade a expressão tornou-
se mais popular e abrange contextos antes não previstos. A utilização da lei e da mídia
transformou o instrumento denominado Lawfare radicalmente, pois, contando o aspecto de
legalidade do sistema judiciário, dissemina as arbitrariedades cometidas pelos seus agentes
visando a perseguição da vítima indefensável.
O uso de dispositivos que promovem a desilusão popular e utilizam o direito como
forma de constranger o adversário se mostra cada vez mais presente no atual contexto da
política brasileira, manifestando-se através de manipulações no sistema legal, instaurações de
processos e/ou inquéritos policiais sem mérito, abusos de direito e tentativas de influenciar a
opinião pública com a utilização da lei por meio da mídia.
O Estado Democrático de Direito Brasileiro, tão arduamente conquistado, se é que o foi,
há quem discorde, sofre com a espetacularização do processo penal, aonde desmoraliza o direito
a defesa das partes envolvidas no processo, como confundem os agentes participantes no meio,
se confunde autoridade com autoritarismo, moralidade e direito, e é nesse contexto em que a
exceção vira regra, que inverte-se princípios básicos do direito processual penal, desta forma,
através do Lawfare, se dá novas interpretações da Constituição, da jurisprudência, e se
repensam valores e princípios do corpo social e princípios do processo legal.

2. A FICTO IURIS SOBRE OS OUTROS.

Para que seja possível pautar uma discussão que envolva como objeto primordial o
Estado, é necessário antes descrever o que este vem a ser, ou colocar um significado sobre ele.
O significado inicial que será aqui adotado é aquele pautado pelas ideias de Pierre
Bourdieu, que trata a construção ficta jurídica de um Estado como um ponto de vista dos pontos
de vista, uma instituição criada para ser a justificativa da união de todos os outros pontos de
vista que sub existem perante ele, pautando sua própria existência como a oficial das oficiais.

Para propor sua discussão sobre o Estado, Pierre Bourdieu equipara essa criação com
instituições, que em sua visão são uma invenção organizacional, é uma invenção técnica que
tem como ponto central colocar situações em ordem, ou propor a resolução de alguma coisa,
nas palavras do sociólogo: “O Estado se situa do lado dessas invenções, uma invenção que
consiste em pôr as pessoas juntas de tal maneira que, estando organizadas desse jeito, elas façam
coisas que não fariam se não estivessem organizadas assim”. (Bourdieu, 2014, Pg. 72)

Doravante esse Ponto de Vista que justifica todos os outros é criado, é necessário haver
designações de poder a certas pessoas, para que o poder do Estado possa ser exercido e que a
instituição que opera como a gestão de interesses pessoais e coletivos tenha um real início,
sobre a designação de poder oficial, para que os outros possam então exerce-la Pierre Bourdieu
(Bourdieu, 2014, Pg. 84) destaca o seguinte:

“Esses agentes construíram progressivamente essa coisa que chamamos


de Estado, ou seja, um conjunto de recursos específicos que autorizam
seus detentores a dizer o que é certo para o mundo social em conjunto,
a enunciar o oficial e a pronunciar palavras que são, na verdade, ordens,
porque têm atrás de si a força do oficial”.

O Estado passa então a ser o detentor do oficial, se torna o ponto primário de


justificativa de tudo aquilo que existe perante a sua existência, mas, que em linhas gerais, não
deixa de ser apenas uma ficção jurídica que funciona como a justificativa para a detenção de
um poder que é somente simbólico, pautado em um capital jurídico intelectual que esta
instituição toma para a si e dita que tal ficção pode ser propagada e exercida somente por ele,
afim de poder se tornar “o Ponto de Vista do Pontos de Vista”.

O Estado passa a ser um então um gestor ativo da vida das pessoas que estão sob a
jurisdição fictícia de sua invenção, exercendo os mais variados tipos de poderes em relação aos
que estão inseridos no ponto de vista estatal, poderes esses que podem ser negativos e positivos.
O primeiro diz respeito a limitação de direitos, de pensamentos, de limitar a
reprodução de informações e ideias àquilo que tenha por base sustentar sua existência. Já a
segunda face desse poder é exercida a partir da gestão positiva dos corpos que estão sob seu
domínio indireto, seja pela educação desses corpos, seja da exploração dos mesmo dentro da
produção de capitais.

Sob tais poderes, Roberto Machado explana na introdução à obra “Microfísica do


Poder” de Michel Foucault que “O poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza
estratégica, uma positividade. E é esse aspecto que explica o fato de que ele tem como alvo o
corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo, adestra-lo.”
(FOUCAULT, 2016, Pg.20)

É a partir, então, desse processo de adestrar os corpos que estão sob seu domínio que
o Estado consegue legitimar as instituições que são criadas a partir dele, pois se este órgão
concentra o poder legal-burocrático, pode ele então, não somente criar todas as outras
instituições que serão legitimas perante esse ponto de vista, como terão também o poder de
manter o status quo que fora anteriormente criado.

Esse processo de adestramento dos corpos é um dos conceitos que Foucault vai
trabalhar com o que ele categoriza como “Poder Disciplinar”, bem como leciona Roberto
Machado: (...) o corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de
dominação característico do poder disciplinar.” (FOUCAULT, 2016, Pg.22)

A disciplina positiva ou negativa desses corpos são geridas pelas instituições que
exercem o Ponto de Vista simbólico em nome do Estado, são elas que irão aplicar e sistematizar
todo um complexo normativo dado pelo poder simbólico primário do Estado, uma das formas
exemplificadas por Pierre Bourdieu em seu curso “Sobre o Estado (1989 – 1992)” é o sistema
escolar, onde o autor diz o seguinte: “O sistema escolar é uma instituição formidável para
incorporar o oficial, para instalar instâncias que poderão ser mobilizadas posteriormente o que
se chama de “espírito cívico””.

Havendo então a necessidade do Estado em transmitir como um legado aos que estão
sob sua jurisdição, este organiza por meio de suas instituições a maneira como será estruturada
tal disposição de seu legado, o que será disposto aos cidadãos e como será realizada tal
disposição, mediante ao que se torna literalmente um fiduciário estruturado para essas questões.
Bourdieu trata desse fiduciário como um “fiduciário organizado”, nas palavras do sociólogo:
“As instituições, o que são? São o fiduciário organizado, a confiança organizada, a crença
organizada, a ficção coletiva reconhecida como real pela crença e, por isso, tornando-se real.”

E o real estatizado a partir de um fiduciário organizado é o que justifica a própria


existência do Estado como uma ficção que é aceita pela comunidade que passa, a partir de sua
criação, estar submetida à toda essa carga jurídica burocrata emanada pelo sistema criado fora
de sua capacidade de intervenção direta, ora, se o cidadão não é parte ativa na construção da
ficção feita pelo Estado, só pode ser ele a parte que é submetida ao poder, as instituições e todas
as distinções criadas por esses institutos.

A criação destas instituições gera, desde logo, uma desigualdade no corpo social que
o fiduciário está implantado, dado que nem todos os que fazem parte do Estado exercem tal
função de distribuir o legado burocrata Estatal e, estes que não fazem parte de tal distribuição,
só podem então se submeter as regras que são emanadas, gerando um grande processo de
distinção social em duas grandes categorias: os que exercem o poder e os que são alvo do poder
organizado do Estado.

3. A GUERRA CONTINUA COMO UMA BELA DANÇA, MAS ALGUÉM PODE


PISAR NO PÉ.

O Estado é o próprio espaço para as disputas, Marx (MARX, 2011)reconhece essa


característica no golpe de Estado de Luís Bonaparte que obteve apoio de setores da burguesia
(CODATO; PERISSINOTO, 2011). Essa disputa entre os diferentes espaços que conformam o
Estado demonstram o aspecto amorfo do Estado, que só pode ser visto e compreendido através
das suas instituições e agentes que falam em nome do público. Portanto há um campo de força
entre essas instituições, o espaço social ocupado pelas instituições são disputados internamente
pelos agentes instituídos, e há uma disputa externa, com outras instituições que disputam o
principal capital do Estado: o exercício da violência legítima. O Estado é o que resulta dessa
disputa entre as múltiplas instituições em disputa pelo discurso o oficial, legítimo que permita
exercer o poder sobre algo ou alguém. Esses universos sociais específicos – campos – disputam
entre si em um metacampo – o Estado –, ou seja, “constrói-se o Estado como instância
metacampo contribuindo para a constituição dos campos” (BOURDIEU, 2014, p. 271), assim,
p.e., a segurança pública, as polícias, judiciário, o mercado não se constituíram enquanto campo
social sozinhos, mas sim produto de um trabalho cujo o principal personagem o Estado –
metacampo – que estabelece os limites, espaços, poderes que aparece na doxa como um dado,
uma realidade ôntica. O surgimento de novos campos sociais e seus capitais são fruto dessas
disputas oriundas do processo de diferenciação, assim, grupos de agentes penitenciários
disputam para a criação de um novo campo – policia penitenciaria –, ou ainda, as guardas
municipais que começam a surgir exponencialmente no início do século XXI, varas
especializadas, grupos especiais, ou seja, cada campo um novo capital, uma nova disputa
consentida e criada no metacampo.

Esses campos estão, pois, em concorrência uns com os outros, e é


nessa concorrência que, de certa forma, se inventa o Estado, se
inventa uma espécie de poder “metacampo”, encarnado pelo rei
enquanto há rei, mas que depois será o Estado. Cada campo quer agir
sobre esse metacampo para triunfar simultaneamente sobre os outros
campos e dentro de seu campo. Isso é abstrato, mas, quando eu lhes
expuser a crônica histórica, vocês verão bem concreta- mente [que
esse modelo] funciona muito bem. O que se constitui é, assim, um
espaço de poder diferenciado, que chamo de campo do poder. No
fundo, eu não sabia que fazia isso, mas o descobri ao fazê-lo: eu
queria descrever a gênese do Estado e, na realidade, creio que
descrevo a gênese do campo do poder, isto é, um espaço diferenciado
dentro do qual os detentores de poderes diferentes lutam para que
seu poder seja o poder legítimo. Uma das implicações das lutas
dentro do campo do poder é o poder sobre o Estado como metapoder
capaz de agir sobre os diferentes campos.(BOURDIEU, 2014, p. 407
e 408).
Com o aumento da complexidade social ocorre o processo de diferenciação, ou seja,
os campos aparecem como universos separados e autônomos. Essa tendência de cada campo
criar seu nomos, seus valores, racionalidade e comportamento específico, um capital próprio
que faz com que esse espaço seja disputado por aqueles que fazem parte desse campo, por
aqueles que querem jogar o jogo em disputa nesse espaço social específico. O campo da justiça,
ou seja, aquele capaz de dizer o direito, e no caso brasileiro, capaz de decidir por último e de
dar a interpretação legítima da lei – até mesmo, muitas vezes, contrária a própria interpretação
gramatical –, em suma, é capaz de criar a forma de violência mais funcional que é a violência
simbólica, ao poder criar o que é a violência justa, as classificações, tratamentos, etc.…, e o que
é o injusto. Há um aspecto ambíguo aqui, afinal, a violência opera em duas vertentes opostas,
por um lado a violência ressignificada em práticas penais, políticas públicas, em suma, em
defesa da sociedade contra a violência, essa sim por outro lado, representada como a
criminalidade, como o perigo à ordem pública, gerado como inimigo público e a guerra civil.

O SJC joga com essas duas moedas, por um lado ela tem o poder de significar ambas
as formas de violência, construindo seus sentidos, causas, efeitos e estabelecendo quais devem
ser combatidas, criando as conexões causais/morais sobre determinadas práticas como formas
explicativas para situações defrontadas pelo SJC. Assim, em um exemplo comum no cotidiano
brasileiro, um jovem negro portanto algumas gramas de substancia ilícita – quase sempre
maconha – pode ser significado como causador de dezenas de mazelas sociais, e alvo da
violência justa do Estado, ou mesmo, atos arbitrários e ilegais podem ser considerados
adequados, necessários, ou em último caso, merecido, pois “para ter apanhado da polícia santo
não é”, como se escuta corriqueiramente pelos corredores do fórum. Há incontáveis trechos de
pareceres de juízes e promotores que revelam essa construção, apenas como título explicativo
citarei uma jurisprudência utilizada diversas vezes nos processos de tráfico em Ponta Grossa,
trata-se de uma referência criada pelo Tribunal de Justiça do Paraná ao negar um habeas corpus:

[...]o brilhantismo e a visão social espalhada no Habeas Corpus n.


505.035-3 do Tribunal de Justiça do Paraná, no qual se ressalta a
gravidade do crime de tráfico de drogas, principalmente pelo seu poder
de desencadear outros delitos e condutas, anti-sociais, além da
desestabilização da sociedade como um todo, por estimular a prática,
por exemplo, de: Crimes contra o patrimônio para obtenção de
numerário pelos dependentes para adquirir mais drogas; crimes
violentos praticados pelos usuários que, sob efeito do entorpecente,
perdem sua capacidade de autocontrole; homicídios e chacinas para
‘acerto de contas’ entre fornecedores e usuários inadimplentes ou,
ainda, em razão de disputa por ‘contos’ de venda de drogas; ...
prostituição; afastamento dos usuários e dependentes da escola e do
trabalho; proliferação do tráfico e uso de armas de fogo, inclusive de
uso restrito; criação de verdadeiros ‘ Estados paralelos’ em regiões
dominadas pelo narcotráfico; desestruturação familiar; progressiva
desestruturação física e mental dos usuários e dependentes, seja pelo
efeitos direitos da droga, seja pela proliferação de outras doenças
(AIDS, hepatite, etc.) típicas de usuários que compartilham
instrumentos, tais como seringas. (SOUZA, 2015)

A magia do direito descrita por Kantorowicz (1955) é capaz de criar dispositivos


jurídicos capazes de criar o Estado, dar a coroa ao Rei, justificar o holocausto e a escravidão
negra nas Américas. A estratégia por trás do dispositivo, o não dito, é que sempre a lei tem
ponto de saída e de chegada, ou seja, sempre tem o criador das regras (BECKER, 2009) e para
que as regras são criadas. Foucault (FOUCAULT, 2015) e tantos outros autores (p.e.
AZEVEDO, 1987; BATISTA, 2003; GUIMARÃES, 2008), demonstram a arbitrariedade da
construção do criminoso e do inimigo social, a relação de economia política sobre quem será o
perseguido e o perseguidor, dos vagantes, vadios, aos traficantes nas favelas brasileiras, aos
políticos.

A construção do Estado que demanda legitimidade e a violência, ou seja, demanda o


sistema de justiça criminal para lidar com a “guerra civil permanente” (FOUCAULT, 2015),
ele é o lawfare por excelência. Todo o preso é político, por que, o sistema de justiça criminal é
político, é o fruto de uma disputa permanente pela legitimidade dizer o direito da violência,
quem pode julgar, provar, dizer o que deve e pode ser feito. Nessa dança entre as instituições
que disputam a legitimidade da violência, as mais opulentas podem pisar e empurrar as mais
fracas do salão, e nesse caso, o judiciário é o rufião da festa.

4. CONCLUINDO: NA GUERRA AOS COLARINHOS BRANCOS SÃO OS


ROTOS QUE MORREM

O Lawfare representa o uso indevido e ilegal dos recursos jurídicos que estão ao alcance
dos agentes do Estado para fins de perseguição política, ou seja, como bem diz Foucault, a
política é a guerra continuada por outros meios, o Lawfare seria a política continuada pelo
justiça, pelo processo, com um fino véu de legalidade, aonde a aniquilação da imagem de
sujeitos determinados é efetuado sem que se descumpra a legalidade, é a legalização da política
de extermínio, e a banalização dos direitos democráticos tão arduamente adquiridos, chegando
a possuir similaridade com a banalização do mal – porém, diferentemente da banalização do
mal, pois nesta o agente não liga diretamente as consequências da sua ação, ou diz que não o
faz, e aqui, no lawfare, o agente usa o direito e a lei para justificar suas ações, obtendo a
consequência visada, a consequência que se deseja- e como o é feita com a consciência de suas
consequências, e até mesmo com incentivo popular, é talvez pior resultado possível a
democracia de um pais e para a finalidade que o processo e justiça se propõem, pois desta
decisão, da decisão popular, da mídia e decisão de magistrados que colocam como objetivo de
vida a aniquilação da imagem de um agente, não cabe recurso.

O lawfare é por excelência o direito penal do inimigo, pois você utiliza o direito e a
burocracia do judiciário para estabelecer o inimigo nº1 a ser combatido, independentemente de
provas concretas, ou independentemente de princípios como in dubio pro reo, etc., ou seja, sem
a indicação de provas materiais verdadeiras e robustas, esses processos não se tornam o
"processar por processar" pois possuem um fim especifico e bem definido, com a judicialização
e tomada de ar de verdade a utilização de boatos e rumores circulados pela mídia para fornecer
o combustível necessário para os procedimentos policiais e judiciais.
O lawfare é a versão aperfeiçoada do instituto de origem norte americano conhecido
como sham litigation, pois, como este “falso litigio” que visa tão somente abusar do direito de
ação como fim de prejudicar a concorrência ou pessoas determinadas, - frequentemente
utilizado entre corporações - como esta espécie de processo sabidamente não possui qualquer
chance de sucesso, buscando somente atingir a imagem social e política de outro agente, pela
mera existência do procedimento, que é irrelevante o resultado final, pois teoricamente falando
seria favorável ao alvo do processo, visto que o mesmo poderia defender-se facilmente de
acusações sem provas, o lawfare brasileiro possui efeito real, pois, em que pese se tratar de
processos do mesmo estilo norte-americano citado acima, este não precisa de provas para obter
o resultado que é visado, pois a mídia e agentes específicos do poder judiciários se encarregam
da condenação do réu, e caso não seja condenado, de sua morte social, de sua morte política,
ou seja, referidos processos judiciais viraram ferramentas que servem de campanhas privadas
ou políticas, fazendo um desfavor deste modo a democracia, que deveria servir como acesso à
justiça e cidadania de seus patriotas.

Uma das características fundamentais do lawfare é o uso de acusações sem


fundamentos, sem provas, sem materialidade, associando isso ao uso midiático com fins
persecutórios, o processo é tido com um ar de respaldo e abundante provas materiais que
comprovam este ou aquele crime, ou seja, é a banalização do direito à defesa, em conjunto com
a opinião pública sem respaldo jurídico, mas sim, com respaldo político, e assim ocorre a
transição de um dos princípios fundamentais do Direito, o princípio da inocência transforma-se
para o pressuposto de culpa.

Outro aspecto do lawfare é o tratamento de recursos e demais direitos das partes como
formas de “atrasar” o processo, ou frases de efeito do gênero, pois o que ocorre é o uso mal-
intencionado do judiciário, em simbiose com o quarto poder – mídia. A mídia possui papel
fundamental no lawfare, visto que esta é a que humilha publicamente, que julga
antecipadamente fora do processo, que adianta opiniões e votos acerca da lide em questão,
ainda, é a mídia que promove a condição de heróis e mitos os juízes e integrantes do ministério
público, sendo que esta promoção é essencial no pré julgamento, visto que referida
manifestação da mídia consegue transformar alegações e comentários de redes sociais
relevantes para os que julgam o caso, é a mídia que transforma o princípio da inocência no
pressuposto de culpa.

O uso de dispositivos é o que tornam o Lawfare possível na atualidade, visto que o


mesmo se utiliza de regulamentos de lei e elementos implícitos para que mudem a função da
lei e do processo, utilizando-se dessa forma estrategicamente da lei para estabelecer a estratégia
dominante, em outras palavras para Foucault, dispositivo:

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,


instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os
elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer
entre estes elementos... [e entre estes] existe um tipo de jogo, ou seja,
mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser
muito diferentes, [cuja finalidade] é responder a uma urgência. O
dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante
(FOUCAULT, 1996, p.244-245).

Nesse sentido também é utilizado por Agamben o conceito de dispositivo, sendo que
referido autor dispõe que “qualquer coisa que tenha de algum modo à capacidade de capturar,
orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as
opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2009, p. 40).”

Desta maneira, pelo Lawfare, a governamentabilidade e o uso do dispositivo se dá


através das instituições utilizadas que usam a lei, o processo, como instrumentos técnicos
essenciais par a asa concretização, sendo que, Foucault (2006) brilhantemente acerca do tema
diz que:

“a governamentabilidade é um conjugado de instituições,


procedimentos, análises, reflexões, cálculos e estratégias focalizadas
na população, tendo a economia política como principal forma de
saber e os dispositivos de segurança como instrumentos técnicos
essenciais (FOUCAULT, 2006.)
Ou seja, o Lawfare ocorre, através do uso de dispositivos que alteram utilização da lei,
visando a perseguição política de determinado ator social, desta forma concretizando a
governamentabilidade e o estado de exceção pois, a utilização do direito e do processo torna-se
cada vez mais presente inclusive no cotidiano brasileiro possuindo como finalidade tão somente
o combate do inimigo nº 1 da população, o outro.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, C. M. M. De. Onda Negra Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites
Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/0B_PepC8G8TkfTU5PRFNiTkExZDQ/view?pli=1>. Acesso
em: 11 jan. 2017.

BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro: Dois tempos de uma história. Rio
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BECKER, H. Outsiders: hacia una sociología de la desviación. 1a ed. Buenos Aires: Siglo
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BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989 - 92). 1a ed. São
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CODATO, A.; PERISSINOTO, R. Marxismo como ciência social. Curitiba: UFPR, Editora,
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FOUCAULT, M. A sociedade punitiva: curso no Collège de France (1972-1973). São


Paulo: WMF Martins Fontes, 2015.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2006

GUIMARÃES, A. P. As classes perigosas: banditismo urbano e rural. Rio de Janeiro:


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KANTOROWICZ, E. H. Mysteries of State: An Absolutist Concept and Its Late Mediaeval


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SOUZA, A. T. Perigo à ordem pública: um estudo sobre controle social perverso e


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