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Alguns aspetos do pensamento político liberal-igualitário de John Rawls (EUA, 1921 -2002)

(Obra de referência: RAWLS, J., Uma teoria da justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2013, 3ª Edição)

Lição 1: O projeto de Rawls para a constituição de uma sociedade justa.

Imagine1 que a sua escola organizou uma visita de estudo, de barco, à Índia. Nesta visita
participam uma série de turmas, incluindo a sua. Durante a travessia do Índico, o barco onde
viajam naufraga. Felizmente, todos os tripulantes e passageiros conseguem salvar-se em botes
salva-vidas. Alguns deram à costa numa ilha deserta, outros foram recolhidos por barcos que
navegam naquelas paragens. O leitor e a sua turma, sem professores ou tripulantes, contam-se
entre os náufragos que chegaram à ilha. Embora tenha boas condições para sustentar vida
humana- alimentos e água-, a ilha está deserta de seres humanos e não há a possibilidade de
serem salvos nos próximos anos. Desta forma, e como são um grupo grande a coabitar uma
ilha pequena e com recursos limitados, têm de se organizar para distribuir tarefas, cargos,
direitos, deveres e a riqueza produzida pelo grupo.
Perante esta situação imaginária, como é que o leitor distribuiria as tarefas, cargos, direitos,
deveres e a riqueza produzida pelo grupo? Ou melhor, a que critérios recorreria para distribuir
estes bens primários: a força de cada um? A inteligência? A fragilidade? O mérito? Ou outro
qualquer critério? Suponha, agora, que esta sociedade cresceu e complexificou-se. Existem
inúmeras e diferentes instituições, profissões e projetos de vida. Um estudante universitário
cria o Facebook e torna-se milionário com a sua comercialização. Como tem muito dinheiro
pode adquirir bens em abundância, uma boa casa, um excelente automóvel, viajar, ter acesso
aos melhores cuidados de saúde e educar os filhos nos melhores colégios e universidades. Por
outro lado, temos um empregado administrativo, de uma pequena empresa, que ganha muito
menos que o inventor do Facebook e, por isso, não pode consumir bens muito caros - ter uma
boa casa, um bom automóvel, viajar, etc. - e a sua família não tem acesso a uma educação e
cuidados de saúde de grande qualidade. Será que o nosso inventor do Facebook deve pagar
um montante mais elevado de impostos para redistribuir pelo empregado administrativo, e
por outros cidadãos com maiores carências económicas, para que estes e as suas famílias
possam, por exemplo, ter acesso a uma educação e saúde de qualidade?
O autor que vai estudar pretende dar resposta a estas e a muitas outras perguntas levantadas
pela necessidade de construir uma sociedade equitativamente justa, através da distribuição de
um conjunto de bens, a que Rawls chama primários.

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Em alternativa, pode imaginar a seguinte situação: três crianças e uma flauta. Uma delas construiu a flauta, mas
não sabe tocá-la. A segunda não criou a flauta, mas sabe tocá-la. A terceira não a criou, não sabe tocá-la, mas não
tem brinquedos nem possibilidades financeiras de os adquirir. Como distribuir a utilização da flauta pelas três
crianças?

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O ser humano, por natureza, deseja a traçar um plano racional de vida

O ser humano deseja, pela sua natureza, projetar um plano de vida: conceber meios para
atingir determinados fins, para conseguir obter certos bens primários. Apesar de individuais e
distintos uns dos outros, os planos vitais de cada ser humano têm princípios comuns. Desta
forma, os seres humanos procuram cooperar organizados em comunidades, num determinado
espaço, de acordo com um conjunto de leis e administrados por instituições especificamente
criadas para o efeito. Quando a cooperação é possível, os indivíduos agrupam-se em
sociedades com vista à satisfação dos seus interesses, idênticos ou divergentes.

O ser humano aspira a viver numa sociedade justa

Podemos considerar uma sociedade como uma associação de pessoas que reconhecem
carácter vinculativo a um determinado conjunto de regras e actuam de acordo com elas, e
justa quando consegue conciliar os diferentes interesses, através de uma distribuição
equitativa2 de encargos e benefícios. A necessidade e possibilidade da criação de uma
sociedade justa decorrem do caráter racional do ser humano - seres racionais e livres exigem
viver numa sociedade que lhes garanta o desenvolvimento pleno destas faculdades - e da
posse de uma conceção de bem e de um sentido de justiça. Além disso, a justiça é a primeira
virtude das instituições sociais, como a verdade o é em relação aos sistemas de pensamento .
Rawls admite que nenhuma das sociedades atuais é absolutamente justa. Embora esta
convicção seja mais intuitiva do que racionalmente fundada, pois para termos a certeza da
verdade desta afirmação teríamos de acordar uma noção comum de justiça. Não obstante, é
uma convicção intuitiva de um significante número de pessoas, incluindo filósofos políticos,
que nenhuma sociedade atual distribui equitativamente os bens disponíveis.

O projeto teórico de Rawls visa criar um modelo teórico de sociedade equitativamente justa

ou «bem ordenada» (aquela que é concebida para promover o bem dos seus associados e
regulada por princípios de justiça). Apesar de teórico, o modelo supõe que se os seres
humanos se encontrassem realmente nesta circunstância, escolheriam os princípios de justiça
apresentados por Rawls. Por outras palavras, escolheriam uma sociedade fundada numa ideia
de justiça distributiva e de oportunidades iguais para os cidadãos.

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A noção de equidade pode ser entendida como igualdade, imparcialidade ou adaptação da lei universal aos casos concretos. Em
Rawls, a expressão «Justiça como equidade» significa, sobretudo, que os princípios de justiça devem ser aplicados imparcialmente
e de igual modo para todos.

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O projeto de justiça rawlsiano só é aplicável a uma sociedade num determinado contexto
geográfico e humano. Esta sociedade deve ser constituída por indivíduos racionais que
partilhem uma área geográfica, possuam idênticas características físicas e mentais, sejam
vulneráveis e incapazes de concretizar os seus objetivos isoladamente, tenham necessidades e
interesses comuns e/ou complementares; não pode ser afetada pela escassez de recursos - se
assim fosse, seria difícil levar cidadãos com fome, por exemplo, a conceber uma uma forma de
distribuir justamente o pouco ou nada que existe -, nem tê-los de forma tão abundante que
dispensem a cooperação. Pressupõe, ainda, uma organização política do tipo das democracias
representativas (cf. op. cit. p. 114).

A estrutura básica de uma sociedade

A criação desta teoria tem apenas por objeto a estrutura básica de uma sociedade e não toda
a sua composição. Rawls acredita que, tal como acontece com as fundações de um edifício, se
a base for sólida, tudo o que nela assentar será igualmente sólido, embora não o garanta,
sobretudo, no caso de associações privadas.
A estrutura básica de uma sociedade consiste num conjunto de instituições - como a
Constituição da República Portuguesa, estruturas económicas e sociais relevantes (como a
propriedade privada, a livre concorrência ou a família) etc. - e a sua articulação num sistema
de cooperação (cf. op., p. 63).
O objetivo do modelo rawlsiano é encontrar princípios a partir dos quais cada uma destas
instituições, em articulação, promova a justiça. Como? Esta estrutura deve distribuir de uma
forma equitativa um conjunto de bens primários pelos cidadãos: direitos e deveres,
liberdades, encargos e benefícios, oportunidades e poderes, rendimentos e riqueza (esta
noção é, por vezes, alargada por Rawls a todos os desejos de um ser racional, cf. op. cit., p. 90).
Ora, a dificuldade consiste justamente na conceção de uma distribuição justa destes bens, sem
gerar conflitos. Como devemos distribuir os bens primários? De acordo com o estatuto social;
as leis do mercado; os talentos de cada indivíduo ou a felicidade do maior número de pessoas?
O utilitarismo defende que se uma acção maximiza a felicidade do maior número de pessoas,
não importa se esta última é distribuída de maneira igual ou desigual. Assim, uma determinada
quantidade de riqueza produzirá mais felicidade do que infelicidade se for retirada dos ricos
para dar aos pobres. Mas será isto suficiente para tornar uma sociedade justa? O utilitarismo
não considera a igualdade como um fim, mas apenas como meio. Isto quer dizer que a
igualdade não é boa em si, mas apenas porque maximiza a felicidade. Ora, se não produzir
felicidade, podemos abdicar da igualdade. Nenhuma destas soluções interessa a Rawls, o seu
ponto de partida de será diferente.

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2ª Lição: Conceitos fundamentais propostos por Rawls

1. Acordo original

Uma distribuição justa dos bens primários terá de obedecer a um conjunto de princípios que
se constituem num Acordo original. Acordo, porque é uma relação de consentimento livre,
entre seres humanos, fundada em princípios, com vista a um benefício; e original, pois é o
primeiro acordo desta sociedade, o seu fundamento.

2. Posição original

A garantia da imparcialidade e da justiça deste contrato pressupõe que os cidadãos


contraentes se enquadrem numa determinada situação teórica designada por Posição original.
A Posição original é concebida por Rawls como uma situação hipotética de igualdade entre os
contraentes do Acordo original - é hipotética porque não aconteceu necessariamente, nem
tem de acontecer; não é uma assembleia que reúna todas as pessoas que integram uma
sociedade existente num determinado período histórico (cf. op. cit. p. 110 e 122) -, na qual
cada indivíduo decide a noção de bem, o que é justo e injusto, e determina racionalmente o
fim que deve perseguir. A posição original pressupõe três aspetos importantes: o perfil de
cidadão; o véu da ignorância e a regra maximin.

3. O Perfil de cidadão

O Perfil de cidadão (cf. op. cit.§ 25) exige que os participantes na elaboração deste contrato
possuam determinadas características: sejam seres humanos adultos e livres (de aderir ao
contrato e de escolher os princípios que acharem justos); racionais (sejam capazes de projetar
fins e mobilizar os meios para os alcançar); éticos (possuam valores morais básicos,
nomeadamente, sentido de justiça e conceção de bem - para garantir o cumprimento do
Acordo Inicial - e capacidade para hierarquizar bens) e mutuamente desinteressados (anseiam
pela maior quantidade possível de bens primários e não desejam os bens primários alheios,
preocupam-se apenas com a parte que a cada um é devida e não sacrificam os seus interesses
pelos dos outros).

"A hipótese segundo a qual as partes são racionais e mutuamente indiferentes resume-se, assim, ao seguinte: os
sujeitos colocados na posição original tentam identificar os princípios que favoreceram, tanto quanto possível, os
seus sistemas de objetivos. Tentam, portanto, adquirir para si próprios a lista mais completa de bens sociais
primários, já que isso lhes permite favorecer a sua concepção do bem, qualquer que ela seja, de modo mais eficaz.
As partes não buscam conceder vantagens aos outros, nem prejudicá-los; não são movidas nem por afeição nem
por rancor. Também não tentam impor-se aos outros; não são invejosas nem vaidosas." (Ibidem p. 126)

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O Perfil de Cidadão é a primeira exigência da criação de uma sociedade justa, mas não é
suficiente, pois cada ser humano tem os seus interesses e nem sempre são concordantes com
os demais. Rawls admite que estes cidadãos têm faculdades limitadas, conhecimentos
incompletos e poderão traçar o seu projeto de vida a partir de interesses próprios divergentes
e preconceitos.

5. O Véu da ignorância

Como dissemos anteriormente, o Acordo original é um conjunto de princípios que orientam a


criação de uma sociedade justa e equitativa. A elaboração destes princípios não pode ser
realizada a partir de um ponto de vista pessoal e parcial, pois tal procedimento poderia
conduzir a desequilíbrios na distribuição dos bens primários. Desta forma, a criação destes
princípios deve ser feita a coberto do Véu da ignorância.
O Véu da Ignorância (cf. op. cit.§ 2, p. 121, e §24) é uma situação hipotética que coloca os
contraentes do Acordo original numa situação de desconhecimento sobre um conjunto de
aspetos da sua condição pessoal - género, etnia, posição social, profissão, riqueza, convicções
religiosas, políticas, ligações afetivas - e da sua circunstância social - nível de desenvolvimento
social e cultural, regime político e económico. É como se um indivíduo tivesse sofrido um
acidente e dele resultasse uma amnésia tal que apenas lhe permite saber que é um ser
humano, deseja viver com os outros, distingue o justo do injusto, deseja bens primários, tem
uma conceção de bem, conhece os assuntos políticos e teorias económicas. Enfim, os
indivíduos a coberto do véu da ignorância possuem informação relevante para a escolha dos
princípios equitativamente justos e desconhecem aquela que tornaria parciais as suas
escolhas. É nesta situação de ignorância que os indivíduos se deverão encontrar para puderem
criar os princípios organizadores de uma sociedade justa.
Numa circunstância de absoluto desconhecimento dos elementos referidos, o proponente dos
princípios deve escolher os princípios de distribuição dos bens primários de uma forma
cautelosa. De acordo com Rawls, segundo a regra Maximin.

6. Regra Maximin

A Regra Maximin é uma forma de prevenir o risco. Se o Véu da ignorância impede os


indivíduos de saberem exatamente a quantidade de riqueza a que terão direito e o lugar social
que irão ocupar, mais vale acautelar o risco. Esta regra (cf. op. cit. p. 132/133) aconselha os
indivíduos a escolherem a forma de distribuição dos bens primários de uma sociedade justa
maximizando o mínimo que puderem obter, ou minimizando as perdas. Além disso,
pressupõe que indivíduos sejam avessos ao risco e não escolham princípios que conduzam a

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resultados existencialmente e socialmente desastrosos. Por outras palavras, como estamos a
falar de segurança, saúde, riqueza, etc., os indivíduos não estão dispostos a realizarem
escolhas que os conduzam à pobreza extrema, ao sofrimento ou à morte.
Ilustremos esta regra com um exemplo. Imagine-se numa festa de aniversário. O
aniversariante pede-lhe para fatiar o bolo como entender, embora lhe imponha uma condição:
não sabe à-partida em que posição escolherá a sua fatia: poderá escolhê-la em primeiro lugar
ou em último. Como dividiria o bolo? Poderia ser tentado a dividi-lo em duas porções A e B.
Sendo a A uma fatia de proporções muito reduzidas e a B o restante bolo, na esperança de sair
favorecido. Ou então, dividi-lo simplesmente em fatias iguais. Se escolhesse a primeira
solução, poderia comer a maior porção do bolo ou arriscar-se a comer a menor; com a
segunda solução nunca perde. A escolha da segunda opção é feita de acordo com a regra
maximin: maximizar o mínimo que pode ter.

A Posição Original está completa: temos um cidadão com um determinado perfil, que divide
os bens primários em pé de igualdade, de acordo com um ideal de justiça distributiva, a
coberto do Véu da Ignorância, segundo a Regra Maximin. Os proponentes do Acordo Original
estão agora em condições de elaborarem os princípios básicos da distribuição justa e
equitativa dos bens primários.

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3ª Lição:
1. Os princípios de justiça
Os participantes no Acordo Original são livremente conduzidos a escolher os princípios que se
seguem. Estes princípios obedecem a determinadas condições ou limites (cf. op. cit. § 23) e
são aplicados a instituições e não diretamente aos indivíduos (pois são estas que promovem a
justiça):

a) Devem ser gerais/formais (aplicáveis a um contexto abstrato, não particularizado).


b) De aplicação universal (compreensíveis e utilizáveis por todos os indivíduos).
c) Públicos (conhecidos por todos) e reconhecidos como justos e funcionais.
d) Arbitrais e ordenadores das pretensões em conflito.
e) Definitivos. Irrevogáveis (não ajustáveis ou provisórios. Os melhores que podem ser
concebidos).

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas, que seja
compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e económicas devem ser distribuídas por forma a que,
simultaneamente:
a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos;
b) decorram de posições e funções às quais todos têm acesso. (Ibidem, pág. 68)

O primeiro princípio, o da Liberdade, defende a distribuição de o maior número de liberdades


básicas possível (expressão e reunião, política, pensamento e consciência, direito à
propriedade privada, liberdades da pessoa - proibição da opressão psicológica e agressão física
- proteção face à detenção e à prisão arbitrárias) de forma igualitária por cada cidadão,
limitadas apenas pela violação das liberdades dos outros. Ao abrigo deste princípio, cada
cidadão poderá agir como entender desde que a a sua ação não ponha em causa a liberdade
dos outros cidadãos.

O segundo princípio é dividido por Rawls em dois aspetos:


a) O Princípio da Desigualdade (ou diferença) (cf. op. cit., §13) admite a discriminação positiva
dos membros de uma sociedade. Uma sociedade justa, por princípio, deve repartir os bens
primários de uma forma imparcial, no entanto, Rawls não defende uma sociedade igualitária e
até admite uma desigualdade na distribuição dos bens primários se esta resultar em benefício
dos mais desfavorecidos. Tratar as pessoas como iguais não implica remover todas as
desigualdades, mas apenas aquelas que trazem desvantagens para alguém. Devemos dar mais

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dinheiro a uma pessoa do que a outra se esta ação trouxer maior benefício para ambos. Em
determinados países algumas leis fiscais incentivam financeiramente as empresas que
contratam deficientes visuais. Este é um exemplo de discriminação positiva: a empresa é
favorecida porque paga menos imposto, mas o tratamento desigual desta empresa beneficia
claramente os invisuais na obtenção de emprego, e resulta em benefício de toda a sociedade.
As desigualdades sociais e económicas são toleradas numa sociedade justa desde que resultem
em benefício de toda a comunidade, sobretudo dos mais desfavorecidos, e tenham origem em
posições ou funções sociais ao alcance de qualquer cidadão em igualdade equitativa de
oportunidades (cf. op. cit., pp. 131). O segundo princípio procura assegurar a maximização de
boas condições para os mais desfavorecidos e não somente a promoção de o bem de alguém
sem que ninguém fique pior (como defende o princípio de Pareto). Um empresário, por
exemplo, pode ter a expectativa de tornar a sua empresa mais rentável desde que este esforço
conduza ao favorecimento dos trabalhadores, através da melhoria de salários ou da
distribuição dos lucros. Não será aceitável, à luz deste princípio, que o mesmo empresário
aumente os lucros da sua empresa piorando, ou deixando na mesma, as expectativas e
condições dos seus trabalhadores.

b) O Princípio da Oportunidade Justa (cf. op. cit., §14) determina a igualdade equitativa de
oportunidades entre os cidadãos no acesso às funções socias (carreiras e lugares sociais).
Qualquer cidadão, independentemente da sua condição social, riqueza ou talento natural deve
ter a oportunidade de exercer qualquer função social e profissional disponível. Esta
oportunidade não é entendida apenas como possibilidade, de acordo com a lei, de aceder a
qualquer cargo, mas o princípio assegura que os candidatos tenham as condições económicas
e educacionais para tal. Por outras palavras, condições económicas, sociais ou naturais
desfavoráveis não podem ser impedimento a que qualquer cidadão exerça a função social que
deseja numa sociedade justa.
Este princípio admite, igualmente, a desigualdade entre cidadãos no que diz respeito à
ocupação de funções sociais, isto é, nem todos os cidadãos irão ocupar as melhores funções
sociais, no entanto, esta desigualdade deve ter como suposto a igualdade de oportunidades no
acesso a estas funções. Por outras palavras, um cidadão pode ou não conseguir exercer as
funções sociais que desejou, mas o processo de acesso a essas funções foi justo (cf. noção de
justiça processual pura).

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2: Prioridade dos princípios de justiça (cf., op. cit., I §34,39,46 e 82).
Os princípios rawlsianos têm prioridade sobre todos os outros existentes: princípios éticos,
normas morais ou leis civis e religiosas, e entre eles: o princípio da liberdade tem prioridade
sobre os outros dois e o princípio da oportunidade justa tem prioridade sobre o princípio da
diferença.

Regra da Prioridade
Os princípios da justiça devem ser hierarquizados (…)e, portanto, a liberdade só pode ser restringida se
tal for para o bem da própria liberdade. Há duas possibilidades de tal se verificar: a) uma liberdade
menos ampla deve reforçar o sistema total de liberdade partilhada por todos e b) uma liberdade que
seja mais restrita do que a liberdade igual para todos deve ser aceitável para os cidadãos que dispõem
da liberdade mais limitada" (ibidem p. 55).
Segunda regra da prioridade (prioridade da justiça sobre a eficiência e o bem-estar)
O segundo princípio da justiça goza de prioridade (…) l face aos princípios da eficiência e da maximização
da soma de benefícios; e o princípio da igualdade equitativa de oportunidades tem prioridade sobre o
princípio da diferença. Há dois casos.
a) qualquer desigualdade de oportunidades deve melhorar as daqueles que dispõem de menos
oportunidades;
b) uma taxa de poupança deve, quanto ao resultado final, melhorar a situação daqueles que a suportam.
(ibidem p. 239).

Caso entrem em conflito, o princípio da liberdade tem prioridade sobre o da diferença e


oportunidade justa. Só podemos aplicar o segundo princípio quando o primeiro está satisfeito.
Não podemos atenuar as desigualdades sociais e económicas à custa da liberdade. Esta
prioridade radica na noção da hierarquia de interesses, na qual a liberdade ocupa um lugar
cimeiro. No entanto, segundo Rawls, são admissíveis dois casos excecionais em que o princípio
da liberdade perde o seu caráter prioritário, (cf. op. cit., pp 132, 169, 170 e 200):

a) Um sistema de liberdades menos extenso, mas igual para todos. Redução das liberdades
básicas quando esta fortalecer o sistema total das liberdades partilhadas por todos. Por
exemplo, maior controlo das comunicações entre cidadãos para impedir atentados terroristas.

b) Um sistema desigual de liberdades. Uma desigualdade desta natureza é aceitável se


contribuir para a discriminação positiva dos mais desfavorecidos. Aqueles que dispõem de
maior riqueza têm ao seu alcance mais meios para concretizam os fins que desejam; têm

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menos restrições, são mais livres. No entanto, a sua existência tem de favorecer os
economicamente mais carenciados, de acordo com o princípio da diferença e conduzir à
restauração da igualdade no acesso à liberdade.

O segundo princípio (diferença e oportunidade justa) tem prioridade sobre a eficiência do


sistema e sobre a maximização da soma dos benefícios. Por outras palavras, em nome da
maximização dos benefícios sociais e da eficiência do sistema não podemos permitir uma
desigualdade que não tenha como objetivo favorecer os mais carenciados ou limitar a
igualdade de oportunidades.

A vertente da oportunidade justa, a segunda parte do segundo princípio, tem prioridade


sobre a primeira, a da distribuição: não é permitido distribuir as desigualdades sociais e
económicas sacrificando o princípio da oportunidade justa - impedir um cidadão de aceder a
um cargo profissional de remuneração superior, para que um outro cidadão mais
desfavorecido possa aceder a ele, atenuando, assim, as desigualdades.

Não obstante, Rawls admite duas exceções:

a) Uma desigualdade de oportunidades deve favorecer aqueles que têm menos oportunidades
- obrigatoriedade de um determinado número de vagas para o género feminino, nas listas
eleitorais, por exemplo.

b) Pode haver uma poupança excessiva desde que o resultado final melhore a situação
daqueles que a suportam.

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3: Argumentos que suportam os princípios propostos por Rawls

Argumento 1: Princípio da liberdade

A liberdade é, no entender de Rawls, a possibilidade de realizar, ou não, uma ação de acordo


com um conjunto de regras estabelecidas (cf. op. cit., §31 a 34). As liberdades básicas são as
seguintes: expressão e reunião, política, pensamento e consciência, direito à propriedade
privada, liberdades da pessoa - proibição da opressão psicológica e agressão física - proteção
face à detenção e à prisão arbitrárias. Todos os participantes numa sociedade têm igual
liberdade, limitada pela constituição.

"(...) a liberdade é uma determinada estrutura institucional, um sistema de regras públicas que definem
direitos e deveres. (...) os sujeitos têm liberdade de fazer algo quando estão livres de certas restrições (...)
e quando a sua decisão está protegida da interferência dos outros." (Ibidem, p. 168)

Rawls pressupõe que os seres humanos são iguais à luz de uma certa ideia de sujeito moral
(capacidade para o sentido de justiça e para conceber o bem) e, por consequência, se
participarem numa sociedade como cidadãos devem ter os mesmos direitos e deveres (cf. op.
cit., p. 257 e §77). Nesta circunstância, à partida, ninguém aceitaria participar como membro
de uma sociedade em desvantagem face aos outros. A aspiração à liberdade parece ser
constitutiva da humanidade: os humanos são seres capazes de projetar fins e mobilizar meios
para os concretizar e pretendem fazê-lo sem a interferência dos outros indivíduos. A liberdade
protege o projeto vital de cada ser humano.

Argumento 2: Princípio da diferença e da oportunidade justa

As contingências históricas, a sorte ou o azar, a lotaria social e natural ditam que os seres
humanos não são efetivamente iguais. Ninguém escolhe a família em que nasce, as condições
socioeconómicas onde se desenvolve, as aptidões naturais, as circunstâncias geográficas, etc..
Há uma arbitrariedade moral nesta distribuição. Assim sendo é injusto que um ser humano
não consiga desenvolver todo o seu potencial e ter idênticas oportunidades de ocupar uma
determinada função social por não ter condições culturais, educativas, económicas e sociais
que o apoiem. Neste sentido, uma sociedade equitativamente justa deverá corrigir estas
assimetrias através dos princípios da diferença e da oportunidade justa (cf. op. cit., pp. 76/77).
Rawls defende que os dotes naturais são um bem comum, que não deve ser eliminado ou
atrofiado, mas utilizado em benefício de todos, sobretudo dos menos afortunados (cf. op. cit.,
p. 96). Também as qualidades que uma sociedade valoriza num determinado período temporal

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são fruto do acaso. Que importância teria Ronaldo se tivesse nascido entre os aborígenes
australianos?

"Ninguém merece a sua maior capacidade natural tal como não se merece uma melhor posição social
inicial na sociedade" (Ibidem, p. 96).

Além disso, o princípio da diferença dá corpo ao valor da fraternidade e do ideal de família. Tal
como na família, cada sujeito aceita adquirir mais bens básicos se tal contribuir para beneficiar
os mais desfavorecidos. Este princípio fundamenta-se, ainda, na ideia de deveres naturais
humanos de ação e abstenção (cf. op. cit., p. 105).

a) Auxiliar alguém em dificuldade, sem correr riscos excessivos ou a perda do próprio.


b) Abster-se da fazer mal a alguém.
c) Abster-se da causar sofrimento desnecessário.

Argumento 3: O contrato social

Se os seres humanos desejassem criar uma sociedade justa e se encontrassem numa posição
original, com um determinado perfil, e de acordo com a regra maximin, escolheriam os
princípios de justiça apresentados por Rawls. Por outras palavras, escolheriam uma sociedade
fundada numa ideia de justiça distributiva e de oportunidades iguais para os cidadãos.

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4ª Lição: Noção rawlsiana de bem como racionalidade (cf. op. cit., Parte III)

A noção rawlsiana de bem está subordinada aos princípios de justiça. É bom o que estiver de acordo
com os princípios de justiça criados. Mas não deverão os princípios de justiça nascer de uma noção de
bem (reflita sobre esta questão)? De acordo com este filósofo, não existe uma noção ideal de bem
universal, pois, caso contrário, esta noção poderia contrariar o princípio da liberdade: uma possível
noção de bem poderia limitar a liberdade de alguns. O bem, numa primeira aceção, é a propriedade
que um objeto possui e o torna alvo do desejo racional de um ser racional. Não há necessariamente
uma relação direta entre a noção de bom e de justiça: um sujeito pode ser um bom assassino, mas não é
com certeza, um sujeito justo, neste domínio.

Mas o bem é, numa segunda aceção, a concretização de um projeto de vida racional. Rawls entende
por projeto de vida racional, uma planificação da vida do indivíduo que se impõe a todas as outras
possibilidades; exclui todas as outras alternativas pela impossibilidade de serem concretizadas. Este
plano tem como propósito máximo a aquisição de um conjunto de bens primários. Os bens primários
são, relembramos, entre outros, a liberdade, a riqueza, o respeito próprio (cf. op. cit., §67) e o sentido
do justo.

" (...) o bem de alguém é determinado através daquilo que é para ele um plano de vida racional a longo prazo, em
circunstâncias favoráveis. Uma pessoa é feliz quando é razoavelmente bem-sucedida na concretização desse plano.
(...) podemos dizer que o bem é a satisfação do desejo racional." (Ibidem, p. 90)

Apesar de subjetivo e relativo, o bem é racional e submetido aos princípios de justiça. Desta forma,
Rawls contorna o perigo do relativismo do bem e do consequente choque entre diferentes noções de
bem. Além disso, Rawls defende que a noção de bem, apesar de individual, pode não ser egoísta (cf. op.
cit. p. 115), tudo depende dos fins visados. Se o meu projeto de vida tiver como único propósito a
satisfação dos meus interesses individuais, é egoísta, mas se o objetivo for o auxílio aos mais
desfavorecidos, será altruísta.

Distinção entre o justo e o bem


O bem e o justo devem ser congruentes, isto é, devem adequar-se um ao outro. Segundo Rawls, a
congruência entre estes princípios é justificada: cada projeto de vida racional, o bem, deve estar de
acordo com os princípios de justiça. No entanto, estas noções são diferentes:
a) Os princípios de justiça são escolhidos e universais, o bem, como projeto racional de vida, decorre da
natureza dos indivíduos e é particular.
b) Os bens podem variar de sujeito para sujeito, os princípios de justiça, não.
c) Muitas aplicações dos princípios de justiça estão a coberto do véu da ignorância, e o bem deve
assentar num conjunto alargado de informações.

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Desobediência civil (cf. op. Cit., § 55,57 e 59)

Se as sociedades fossem perfeitamente justas, não haveria lugar para a desobediência civil.
Mesmo as sociedades tendencialmente ou «quase justas», regidas por uma constituição justa,
podem abrigar em si leis injustas. Devemos obedecer a leis injustas? Sim, afirma Rawls, mas
apenas em determinadas circunstâncias: o fardo das injustiças deve ser dividido de forma mais
ou menos igual pelos diferentes grupos sociais e os resultados não devem ser excessivamente
pesados para quem sofre as injustiças. Quando as sociedades não são justas ou a leis
ultrapassam os limites apontados, a desobediência civil é justificada.

" Começarei por definir a desobediência civil como um ato público, não violento, decidido em
consciência mas de natureza política, contrário à lei e usualmente praticado com o objetivo de provocar
uma mudança nas leis ou política seguida pelo governo." (Ibidem, p. 282)

Características:
a) A ação de um cidadão não tem de ser contrária à lei contestada.
b) Os infratores têm consciência da ilegalidade do seu ato.
c) É um ato público e político.
d) Deve ser de interesse comunitário e não pessoal ou corporativo.

Justificação:
a) Infração séria e prolongada ao primeiro princípio de justiça - igualdade - e à primeira parte
do segundo princípio - igualdade equitativa de oportunidades (é difícil de determinar as
violações da primeira parte do segundo princípio de justiça - da diferença.
b) Tenham sido esgotados todos os recursos legais - havendo a possibilidade temporal de os
utilizar.
c) Concertação de estratégias na presença de reivindicações comuns para evitar o caos social
resultante da multiplicação de atos particulares de desobediência civil.

Papel/importância:
" (...) a desobediência civil, quando utilizada de forma moderada e ponderada, ajuda a manter
e a fortalecer as instituições justas." ." (Ibidem, p. 29)

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5ª Lição: Teoria da justiça de Rawls v.s. Utilitarismo clássico (cf. op. cit., § 6 e 27 a 30).

a) Para os utilitaristas clássicos, em geral, a justiça e a liberdade são bens fundamentais,


mas, de acordo com o princípio da utilidade, em situações excecionais, estes valores podem
ser preteridos pelo bem-estar social; ou melhor, o bem-estar social da maioria pode justificar,
em situações excecionais, a perda de liberdade ou a diminuição da justiça para uma minoria.
Por exemplo, durante a segunda Guerra Mundial, após o ataque dos militares japoneses a
Pearl Harbor, os norte-americanos, por precaução, prenderam, sem culpa formada, em
campos de concentração, inúmero japoneses, que viviam nos Estados Unidos, violando, desta
forma, as suas liberdades e os princípios da justiça. Rawls defende que a liberdade e a justiça
são valores com prioridade máxima em detrimento do bem-estar social e do crescimento
económico. Por outras palavras, não se podem subordinar os primeiros aos segundos.

b) O utilitarismo clássico parte do pressuposto que todos os indivíduos aspiram à felicidade e


à prosperidade material e obrigam cada um dos cidadãos a perseguirem este objetivo. Rawls
defende que os indivíduos não são todos iguais e poderão não ter idênticos objetivos de vida.
No entanto, submetem-se aos princípios de justiça social, criados a partir de um contrato - um
Acordo Original - livremente acordado.

c) O utilitarismo clássico concebe a ação social como maximização do bem-estar, da


felicidade. O que importa é a finalidade da ação, é teleológica; o importante é a maximização
da satisfação da maioria dos cidadãos, independentemente na natureza dos seus desejos. É
aceitável que a satisfação da maioria seja conseguida com a discriminação de uma minoria.
Rawls afirma que a sua teoria é deontológica: não entende a justiça como a maximização do
bem. Embora, tenha em consideração as consequências e o bem dos cidadãos. O que Rawls
quer dizer é que os princípios de justiça não flutuam ao sabor das consequências, são criados
para que as consequências sejam uma justiça equitativa, embora possa acontecer que estes
princípios acarretem consigo uma maximização da satisfação dos cidadãos. O princípio da
personalidade moral (concretizar um projeto racional de vida, respeitando os princípios da
justiça) sobrepõe-se ao do prazer. Os princípios de justiça são determinados no Acordo
Original, a partir de uma situação de ignorância dos cidadãos. Desta forma, os desejos de cada
cidadão, as suas noções de bem (satisfação de um desejo racional) têm de se conformar com
estes princípios. Um cidadão não pode, por exemplo, desejar privar os outros de liberdade,
sem contrariar os princípios originais. "O conceito de justo é anterior ao conceito de bem."
(Ibidem, p.4 e 149).

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d) O utilitarismo clássico pressupõe a maximização da satisfação dos indivíduos. Ora, Não é
fácil determinar com precisão o grau de satisfação de cada sujeito representativo na ação
moral que desenvolve ou sofre (posição social ou função que permanece independente dos
sujeitos concretos que a usufruem), nem realizar comparações interpessoais de satisfação.
Rawls contorna esta dificuldade com o princípio da diferença e a noção de bens primários. Em
primeiro lugar, o sujeito representativo menos beneficiado - no que diz respeito à posse de
bens primários - é identificado e corrige-se a situação, atribuindo-lhe uma distribuição mais
equitativa dos bens primários; em segundo lugar, se o grau de satisfação dos sujeitos
representativos é determinado pelo conjunto de bens primários que consegue obter face às
expectativas que tinha, podemos comparar facilmente o grau de satisfação dos sujeitos
representativos a partir da relação entre as expectativas que tinham e a sua satisfação. Por
exemplo, um se um indivíduo tem a expectativa de poder tirar um curso superior, mas não o
consegue por falta de dinheiro. Através do princípio da diferença e da oportunidade justa, a
sociedade pode atribuir-lhe uma bolsa para que ele possa tirar o seu curso. Igualmente,
podemos comparar o grau de satisfação deste indivíduo, depois de tirar o curso, isto é, com as
suas expectativas já realizadas, com o grau de satisfação de um jogador de futebol que
esperava ganhar muito dinheiro com o seu talento. Mas, atenção, o que interessa medir,
segundo Rawls, não é o grau de satisfação que um indivíduo atinge como resultado subjetivo
da aquisição do bem primário, mas a aquisição do bem primário que projetou alcançar. O
indivíduo que conseguiu tirar o curso superior concretizou o seu plano e é este grau de
concretização que nos importa avaliar. Este indivíduo até pode ter chegado à conclusão que
ser titular de um curso superior não lhe traz vantagem ou satisfação, mas não é este tipo de
satisfação que é mensurável (cf., op., cit., p. 91)

"A teoria da justiça como equidade (...). Não tenta ver para lá do uso que os sujeitos fazem dos
direitos e oportunidades que lhes cabem, a fim de medir, nem muito menos de maximizar, a
satisfação que eles atingem. " (Ibidem, p. 91)

e) O Utilitarismo clássico admite a prática de ações que vão para além da obrigação natural
de cada indivíduo e a Teoria da justiça como equidade, não. Rawls admite atos de heroísmo
que ponham em causa a integridade do sujeito que os pratica, mas não são naturalmente
obrigatórios. Pelo contrário, para um utilitarista clássico devemos praticar ações que envolvam
o maior benefício de todos, mesmo que ponham em risco a integridade do agente.

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f) «Tensões geradas pelo compromisso». Numa sociedade utilitarista aqueles que são
desfavorecidos em nome do acréscimo de bem-estar médio têm maior dificuldade
psicológica para aceitar tal situação, por isso o seu compromisso com a sociedade ou as
instituições será mais ténue. No modelo de sociedade proposto por Rawls, os indivíduos terão
maior facilidade em defender as instituições que os governam pois reconhecem nelas a justiça.

g) Argumento da estabilidade: uma sociedade justa é mais estável, não favorece os conflitos.

h) Numa sociedade utilitarista, muitos dos cidadãos não têm a possibilidade de satisfazerem
os seus projetos de vida, em nome da utilidade média. Desta forma, mais dificilmente
desenvolvem o respeito próprio e pelos outros. Uma sociedade do tipo rawlsiano, justa e bem
ordenada, gera respeito próprio nos cidadãos. Os indivíduos, estando em pé de igualdade,
mais facilmente desenvolvem o respeito por si e pelos outros.

Conclusão

Aspetos positivos na teoria na teoria de Rawls


1. A ideia de que a equidade é central na justiça.
2. Uma conceção de pessoa como um ser detentor de sentido de justiça e noção de bem.
3. Prioridade à liberdade na escolha dos meios para alcançar os fins.
4. A defesa de o acesso universal dos indivíduos aos cargos públicos, contra o racismo, sexismo
ou sistema de castas.
5. Atenção aos mais desfavorecidos e eliminação da pobreza.

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6ª Lição: Críticas à teoria de Justiça distributiva de Rawls

1ª crítica: Nozick (EUA, 1938-2002) Teoria da justiça de Nozick (síntese)

Pressupostos:

O libertarismo de Nozick assenta em duas teses fundamentais:


a) existência de um conjunto vasto de direitos humanos, naturais (anteriores ao Estado) e
inalienáveis, como a liberdade de os indivíduos disporem de si (ideia de auto propriedade) e da
sua propriedade como entenderem (ideia de transferência de bens), sem a interferência do
Estado, embora por ele protegidos;

b) ideia de um Estado mínimo: uma organização que interfira o menos possível no processo
social; se limite apenas à proteção dos indivíduos no cumprimento dos contratos e contra a
violência, o roubo e a fraude.

Fases da constituição do Estado, segundo Nozick:

1. Estado de natureza: violento e sem instituições imparciais que garantam os contratos entre
os indivíduos.
2. Formação de associações protetoras. Mas como os indivíduos não podem dedicar todo seu
tempo a proteger os outros, há uma modificação.
3. Criação de associações protetoras profissionais.
4. As leis de mercado levam a que determinadas associações se fundam umas com as outras.
Aparecimento de agências dominantes. - Estado ultramínimo. Monopólio da violência
autorizada. Se estas associações têm o monopólio da violência autorizada, têm de compensar
os indivíduos que não são por elas servidos.
5. Essa compensação traduz-se no alargamento da proteção a todos os indivíduos - Estado
mínimo. Formação de um Estado sem recurso a um contrato. Ideia de mecanismo da «mão
invisível». Este é o Estado mínimo que Nozick admite. Um Estado que tolera dentro de si todas
as formas de associação que respeitem as liberdades fundamentais dos indivíduos.

Nozick aceita o princípio da liberdade, defendido por Rawls: os seres humanos devem ter o
maior número de liberdades possível sem interferência da comunidade, respeitando os
direitos dos outros, mas rejeita o princípio da diferença.

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Em alternativa ao segundo princípio de Rawls, Nozick defende na sua teoria da titularidade
três princípios:

a) Princípio da aquisição justa: as desigualdades sociais não são só por si uma injustiça, desde
que tenham resultado de um aquisição inicial e legítima, de acordo com o esforço e talento de
cada indivíduo, sem que ninguém fique prejudicado. Por exemplo, nenhum indivíduo se pode
apropriar legitimamente de um poço de água que serve a comunidade, mas se descobrir um
poço do qual ninguém tinha conhecimento, pode apropriar-se dele e, até, cobrar um valor a
quem o utilizar.

b) Princípio da justa transferência: os bens adquiridos legitimamente pelos indivíduos podem


ser transferidos livremente pelo seu titular, sem que o Estado deva interferir.

c) Princípio da retificação justa. Cada sujeito só tem direito às suas posses se elas resultarem
da aplicação sucessiva de processos jutos. Se os bens tiverem sido injustamente adquiridos,
terá de haver uma retificação. Assim, por exemplo, se um indivíduo ganhar o Euromilhões,
pode dividir o dinheiro por quem quiser sem ter de pagar impostos ao Estado, mas se receber
uma herança de um familiar que, por sua vez, a adquiriu ilegitimamente, então a justiça deve
ser feita, obrigando o herdeiro a devolver a herança ao seu legítimo proprietário.

Críticas:

Nozick opõe-se a uma noção de justiça padronizada (existência de um modelo comum e


universal de distribuição de bens primários), e finalista, do tipo utilitarista (maximizar o bem-
estar para o maior número de pessoas). Os bens não existem sem dono à espera de serem
distribuídos. Ora, uma distribuição padronizada ou finalista retiram os bens a alguns para dar
aos outros. Isto pressupõe, de acordo com Nozick, uma interferência na vida das pessoas e um
atentado à sua liberdade. Os impostos, por exemplo, são uma forma de roubo perpetrada pelo
Estado contra os indivíduos.

Contra a coletivização dos dotes naturais. De acordo com Rawls, os dotes naturais dos seres
humanos são moralmente arbitrários e por isso os indivíduos não devem ser recompensados
por tê-los. Estes dotes pertencem à comunidade e os seus proventos devem ser redistribuídos
pela comunidade. O talento que o Cristiano Ronaldo tem para o futebol não foi adquirido por
mérito próprio, é natural, por um lado, e depende da valorização que a sociedade atual
ocidental faz do futebol, por outro, e por isso as vantagens que dele resultam, todo o dinheiro

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que ele ganha, devem ser distribuídas por toda a comunidade. Cada indivíduo deve receber os
bens de acordo com o seu esforço e as suas capacidades naturais.
Contra esta conceção, Nozick defende que a desigualdade social e natural existem e não
podem ser continuamente atenuadas ou nacionalizadas pelo Estado, através de impostos, sem
estarmos perante um roubo autorizado. Se um indivíduo pagar um montante de imposto
equivalente, por exemplo, a três meses de trabalho, durante este período o indivíduo foi
escravo do Estado, propriedade do Estado e não sua, trabalhou sem receber. Isto não exclui a
possibilidade de os mais ricos ajudarem os mais carenciados, mas esta iniciativa deve partir da
vontade de cada um. Os seres humanos não podem ser tratados como meios para satisfazer
um fim comunitário. Cada indivíduo tem direito aos frutos dos seus dotes, naturais ou não,
porque têm direitos primitivos inalienáveis, absolutos, não podem ser-lhes negados em
nenhuma circunstância. A coletivização dos dotes naturais é uma violação do princípio da
liberdade de escolha e contraria a teoria da titularidade segundo a qual os indivíduos são
proprietários de si próprios, têm direito aos frutos do seu esforço e de disporem deles como
bem entenderem, desde que não tenha havido injustiça na aquisição inicial destes bens e na
sua transferência.

2ª Crítica: Ronald Dwarkin (EUA, 1931 -2013)

a) A teoria de Rawls, embora mostre uma preocupação em resolver as desigualdades sociais,


não o faz em relação às desigualdades naturais.

b) Desresponsabiliza as pessoas pelas suas más escolhas conscientes. Na distribuição


diferenciada dos bens primários, Rawls não faz uma clara distinção entre desigualdades
naturais e sociais que resultam de uma lotaria e aquelas que são da responsabilidade dos
indivíduos. Por exemplo, se um indivíduo decidir orientar a sua vida de uma forma desregrada:
bebendo, comendo e fumando em demasia, irá, com certeza, ter problemas de saúde que toda
a comunidade terá de pagar. Por outro lado, a justiça distributiva favorece os indivíduos que
não se desejam sacrificar, ou que fazem maus investimentos financeiros, ou que consomem
imensos bens, em detrimento do esforço. Consideremos dois indivíduos A e B. O primeiro,
depois do seu expediente de trabalho vai tirar um curso superior e, posteriormente, consegue
um trabalho mais bem remunerado. O indivíduo B prefere passar o tempo disponível no lazer.
Aquando da distribuição da riqueza, através dos impostos, o indivíduo A vai pagar mais porque
passou a ganhar um salário melhor e o indivíduo B pagará o mesmo ou até menos se ficar
desempregado, por não se ter atualizado ou ter falido por gastos excessivos.

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3ª Crítica: Amartya Sen (EUA, 1933)

1. A prioridade dada à liberdade é exagerada. Em certas circunstâncias, devemos pôr à frente


da liberdade outros valores como a eliminação da pobreza, da fome, etc.

2. O segundo princípio de Rawls, o da diferença, não tem em conta as circunstâncias pessoais e


sociais de cada um dos indivíduos. Será que podemos distribuir um rendimento de igual forma
a pessoas com capacidades diferentes e meios sociais diferentes? Por exemplo, um indivíduo
deficiente deverá receber o mesmo do que um indivíduo saudável? Um indivíduo que vive
num bairro pobre ou numa zona geográfica sujeita a convulsões naturais deverá receber
rendimentos idênticos? Talvez devamos mudar o foco da distribuição dos bens primários para
a análise das circunstâncias existenciais de cada individuo.

3. Rawls foca a sua atenção na criação de instituições justas e supõe que estas conduzem a
sociedades justas. No entanto, será que estas instituições justas têm impacto na mudança de
comportamentos dos indivíduos. Por outras palavras, instituições justas tornarão os seres
humanos mais justos?

4. Dificilmente, se não totalmente impossível, se poderia constituir um contrato universal à


escala mundial. E, no entanto, muito do que se passa nas fronteiras de um determinado país
tem repercussões nos outros - globalização. Desta forma, será possível conceber uma
sociedade justa como uma ilha isolada, sem sofrer o impacto das demais sociedades?
Problema dos refugiados (2015). Qual deverá ser o papel de uma sociedade equitativa junto
das que não o são?

4ª Crítica: Sandel (EUA, 1953)

Sandel rejeita as conceções utilitarista e liberal-igualitária. A primeira por considerar os


direitos como uma questão de cálculo e nivelar todos os bens. Tudo é equivalente. A segunda
por excluir da vida pública a virtude; considerar que o Estado deve ser moralmente neutro e
fundado na liberdade de escolha.
Para Sandel, a justiça deve ser procurada na promoção da virtude por parte do Estado. A
sociedade não deve preocupar-se exclusivamente com o bem-estar económico dos seus
cidadãos, mas igualmente com o seu bem-estar moral. Devemos recuperar valores universais e
não eleger o mercado como um deus.

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a) Ideia de bem. De acordo com Sandel, Rawls elege a justiça como princípio fundamental da
sua sociedade equitativa. Neste sentido, a justiça tem prioridade em relação a outros valores
como o bem, a prosperidade, o bem-estar material, etc., Ao não fundamentar a sua conceção
de justiça distributiva numa ideia universal de bem, e de comunidade, Rawls parece defender
que as sociedades resultam apenas de um interesse egoísta individual: os indivíduos não
desejam a igualdade, o bem-estar ou a liberdade da comunidade por possuírem uma
justificação universal para tais ideais, mas porque, querendo perseguir os seus interesses e não
tendo nenhuma garantia dessa possibilidade, é melhor desejarem estes bens para todos, não
se vá dar o caso de os outro serem social ou naturalmente mais fortes e os impedirem de
concretizar o seu fim.
A ideia de bem é subjetivizada: não existe uma ideia comum de bem, mas ideias particulares.
Rawls ignora a ideia de bem comum, valorizando os interesses individuais que devem ser
coincidentes com os interesses dos outros. A ideia de «mútuo desinteresse» revela isso: o
indivíduo que escolhe ao abrigo do véu da ignorância está em pé de igualdade, não à luz de
uma conceção ética universal, mas de acordo com a regra maximin: não sabendo o que me vai
calhar e sorte, o melhor é defender a igualdade. Também a liberdade obedece a esta ideia:
somos livres, não por qualquer ideia de natureza humana, mas porque queremos satisfazer os
nossos interesses sem a interferência dos outros. Ora, de acordo com Sandel, é o bem que
deve fundar a ideia de justiça e não vice-versa. A ideia de bem deve ser universal e imutável. O
bem comum não é uma soma de bens individuais que coincidem entre si. Com a relativização
do bem, não existe obrigação para com terceiros, sobretudo, se os interesses deixarem de
coincidir.
Quanto à ideia de bens primários (riqueza, posição social e profissional, etc.): serão os bens
primários propostos por Rawls comuns a todas as sociedades mundiais? Estes bens são
particularmente adequados à vida nas economias capitalistas modernas, assentes no lucro,
nos salários e nas trocas. Toda a gente quer mais do que menos bens? Sobretudo o dinheiro?

b) Ideia de comunidade. Uma comunidade fundada na coincidência dos interesses individuais


dos seus membros não parece uma ideia muito forte de comunidade, sobretudo porque os
interesses podem, de um momento para o outro, divergir. Não tem em conta a
heterogeneidade das culturas. Não contempla as comunidades que sofrem com a escassez de
recursos. Ora, é justamente nas sociedades de maior escassez que a injustiça distributiva é
mais gritante. Como resolver aqui o problema?

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c) Noção de pessoa. Rawls privilegia o indivíduo em detrimento da comunidade. A pessoa é
entendida como um ser individual, racional puro, com a capacidade de projetar fins e
mobilizar os meios para os atingir. Estes fins não fazem parte da sua constituição, são
independentes, e podem mudar de acordo com a vontade. Por exemplo, sou pessoa porque
sou um ser racional, capaz de projetar fins: querer ser rico; e mobilizar os meios para os
atingir: trabalhar arduamente. Estes fins podem ser a riqueza material, o bem-estar, ou
qualquer outra coisa, e podem estar em constante mudança.
A pessoa assim entendida não compreende em si uma noção de corpo e de comunidade. Ora,
para Sandel, ter corpo e viver em comunidade são exigências constitutivas da pessoa e não são
fruto de uma escolha. No entanto, Rawls defende a comunidade dos talentos naturais. Como
conciliar isso com esta visão individualista? Considerando este ponto, Sandel aceita o segundo
princípio da justiça de Rawls; efetivamente, os dotes naturais e a herança social são produto
de uma comunidade e por ela devem ser repartidos.

d) Ideia de liberdade. Sandel entende que o primeiro princípio da justiça de Rawls, o da


liberdade, é limitado. A liberdade garantida ao cidadão não deve ser restringida aos bens
primários, mas alargada de acordo com uma conceção universal de bem.

e) Ideia de contrato e os seus limites. Um acordo só por si não dá necessariamente origem a


uma sociedade justa. Um contrato não se torna justo apenas porque estabelece uma relação
de consentimento entre dois ou mais indivíduos. Qualquer um dos indivíduos pode estar a
enganar ou ser enganado pelo outro. Os conhecimentos nem sempre são idênticos, logo
beneficia o que souber mais. Estabelecemos um contrato voluntariamente para a compra de
um automóvel aparentemente em boas condições mecânicas. Após poucos quilómetros de
utilização o carro avaria, por ter uma deficiência mecânica. O contrato celebrado
anteriormente terá sido justo? Só o consentimento não basta. Pode nem ser preciso (se
beneficiar da televisão por cabo, sem consentimento da empresa, tem de pagar?).
O contrato deve beneficiar ambas as partes, mas os benefícios mútuos não são suficientes,
pode um estar a beneficiar mais porque é mais esperto. Pode até não ter beneficiado, mas o
trabalho de uma das partes exige o cumprimento do contrato (o homem das lagostas);
Pode existir um qualquer tipo de pressão para celebrar um contrato.
Sandel defende que um contrato é válido se houver autonomia e reciprocidade. Mas o acordo
original de Rawls pressupõe estas condições: os indivíduos são livres, têm os mesmos
conhecimentos, há reciprocidade e beneficiam do contrato.

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f) Incentivos: Talvez a distribuição equitativa pelos mais desfavorecidos não incentive os
melhores a trabalharem mais. É preciso que estes se sintam recompensados.

g) Esforço: Será possível recompensar o trabalho árduo apesar dos dotes naturais? Pode ser
que uma posição social e profissional favorável tenha surgido de um esforço do indivíduo e
não dos seus dotes naturais. Neste caso merecem maior recompensa?
Problema: um operário musculado e trabalhador levanta uma parede com esforço nível x
numa semana. Um operário fisicamente mais frágil levanta uma parede igual, num semana,
mas com esforço nível acrescido. Quem deve ser mais recompensado?

Várias críticas para reflexão:


5ª Crítica
Aversão ao risco: Rawls defende que os indivíduos são avessos ao risco, mas como pode garantir isso?
Como pode garantir que o véu da ignorância funciona? Se somos mais fortes, porque havemos de nos
submeter ao véu da ignorância? Só o fazemos porque não temos a certeza da nossa força.

6ª Crítica
Alguns críticos consideram que os dois princípios de justiça de rawls são inconsistentes. Mais
especificamente, afirmam que não é possível abraçar consistente e simultaneamente o
Princípio da Liberdade o e Princípio da Diferença. Este tipo de argumento é apresentado de
duas formas diferentes.
i) A primeira forma defende que, se queremos equiparar a liberdade, temos também de tornar
igual a propriedade ― pois parece óbvio que os ricos conseguem fazer mais que os pobres e,
portanto, ter maior liberdade. Assim, o Princípio da Diferença permite a existência de
desigualdades de liberdade, entrando em contradição com o Princípio da Liberdade.
ii) A segunda forma sustenta que dar liberdade às pessoas implica não podermos impor
restrições às posses individuais de propriedade. Limitar a quantidade de propriedade que as
pessoas podem adquirir e aquilo que podem fazer com ela é uma forma de restringir a
liberdade individual. Um respeito conveniente da liberdade elimina o Princípio da Diferença.

7ª Crítica
Enquanto a natureza humana não mudar, é impossível distribuir equitativamente a justiça. Como vamos
aplicar esta teoria na prática?
a) Criar uma sociedade a partir do zero, de acordo com estes princípios
b) Mudar as que estão constituídas. Neste caso, como selecionar os legisladores do contrato? Todos,
alguns, quais?

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