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CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA: UM ESTUDO SOBRE AS

PRINCIPAIS CONTROVÉRSIAS QUE A ENVOLVEM NO ÂMBITO DA OMC 1

Adriana Breier Bonato2

RESUMO: O presente trabalho traz a Cláusula da Nação Mais Favorecida como seu
objeto de estudo e contempla as considerações feitas por diversos autores sobre o
tema, bem como procede à análise de importantes decisões proferidas pelo Órgão
de Solução de Controvérsias acerca de cinco conflitos comerciais ocorridos no
âmbito da Organização Mundial de Comércio. Constrói-se o tema partindo da
evolução histórica do comércio internacional ocorrida ao longo de diversas rodadas
de negociações, culminando na criação da OMC e na ratificação do relevante papel
que exercem os princípios do GATT na concretização do sistema multilateral de
comércio. Destaca-se, nesse contexto, o princípio da Nação Mais Favorecida, sua
importância nas negociações comerciais e, paradoxalmente, a grandiosa
contribuição que os casos de inaplicabilidade da Cláusula previstos pelo GATT
trouxeram a fim de possibilitar um desenvolvimento mais igualitário entre os
Membros da OMC. A reflexão acerca do princípio da Nação Mais Favorecida torna-
se ainda mais merecida ao passo que se vislumbra a importância de sua aplicação
na busca de soluções de conflitos de âmbito internacional, sendo isso o que se
propõe demonstrar no presente estudo.
Palavras-chave: Cláusula da Nação Mais Favorecida. GATT. Organização Mundial
de Comércio. Sistema Multilateral de Comércio.

INTRODUÇÃO

A criação da OMC representa uma etapa importante no desenvolvimento do


comércio internacional, entretanto, como o comércio internacional se expande de
forma dinâmica, exige-se, conjuntamente, a expansão das atividades da OMC e a

1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção
do grau de Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado,
com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Professor Dr. Paulo Antônio
Caliendo Velloso da Silveira, Prof. Ricardo Koboldt e Prof. Guilherme Jaeger, em 27 de novembro de
2009.
2
Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – PUCRS. Contato:
dricabonato@hotmail.com
elaboração de novas regras para o sistema multilateral. Como plano de fundo de
todas essas inovações encontra-se o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio, o GATT, que, passando por diversas alterações ao longo dos anos,
possibilitou a criação de um cenário ideal para o desenvolvimento do comércio
internacional através de um conjunto sistêmico de normas e diretrizes com aplicação
mundial. Através da análise desse conjunto é possível verificar a existência de
diversos princípios norteadores das relações comerciais, os quais serão estudados
no presente trabalho, e, dentre eles, encontra-se o Princípio da Nação Mais
Favorecida, objeto central desse estudo.
Será feito um estudo específico acerca da Cláusula da Nação Mais
Favorecida, no qual serão expostas considerações de grandes autores sobre o
tema, bem como se discorrerá sobre o seu conceito, a sua aplicação, a sua
importância para o comércio internacional e sobre quais circunstâncias tal princípio
não será aplicado. São de suma importância as explanações que se farão presente
nessa parte do trabalho, uma vez que servirão de base para os estudos de casos
apresentados no capítulo seguinte.
A aplicação imediata e incondicional do Artigo I do GATT, que compreende a
Cláusula da Nação Mais Favorecida, às negociações comerciais ocorridas no âmbito
da OMC pode acarretar no surgimento de divergências quanto a sua interpretação e
a sua aplicabilidade ao caso concreto. Em decorrência disso, são requeridas
consultas pelo Membro interessado ao Órgão de Solução de Controvérsias que,
quando necessário, instaurará o Grupo Especial a fim de encontrar a solução
adequada aos conflitos originados nas negociações comerciais.
Assim, proceder-se-á à análise de importantes decisões proferidas pelo
Órgão de Solução de Controvérsias acerca da aplicação da Cláusula da Nação Mais
Favorecida. Tais decisões originaram-se de conflitos decorrentes de relações
comerciais envolvendo Membros da OMC como Brasil, Estados Unidos, Canadá,
Indonésia e Comunidade Européia. Por fim, cabe ressaltar que, embora as decisões
não tratem exclusivamente sobre o referido artigo, só serão objeto de análise os
assuntos que tenham relação direta com o tema central do presente estudo, qual
seja a Cláusula da Nação Mais Favorecida.

1 CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA


Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte
Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer
outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor
similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes
ou ao mesmo destinado. Este dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e
encargos de toda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou
a elas se relacionem, aos que recaiam sobre as transferências
internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações,
digam respeito ao método de arrecadação desses direitos e encargos ou ao
conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com
a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 2 e 4
do art. III.3

1.1 CONCEITO

Presente no artigo I do GATT 1947, a Cláusula da Nação Mais Favorecida


está entre os mais importantes princípios do GATT.4 Sobre ela repousa o
mecanismo multilateral do livre-comércio mundial, uma vez que, por definição, veda
a conclusão de acordos bilaterais e induz à redução geral e recíproca das tarifas de
importação.5
A Cláusula da Nação Mais Favorecida estabelece que qualquer vantagem,
favor, privilégio ou imunidade afetando direitos aduaneiros ou outras taxas
concedidos a uma parte contratante, deverão ser acordados imediata e
incondicionalmente a produtos similares comercializados com qualquer outra parte
contratante. Segundo a Corte Internacional de Justiça, o propósito da CNMF é o de
estabelecer e de manter a não-discriminação e a igualdade fundamental entre os
países envolvidos.
Ao estabelecer relação entre a CNMF e o princípio da não-discriminação,
explica o autor Minoru Nakada:
O princípio da NMF é por vezes considerado como sendo o mesmo em
relação ao princípio da não-discriminação, mas existem diferenças
conceituais entre estes. Segundo a Comissão de Direito Internacional da
ONU, o princípio da não-discriminação é um princípio geral baseado na
igualdade dos Estados quanto a sua soberania, enquanto que a cláusula da
NMF é um meio ou técnica para efetivar esta igualdade entre os Estados. 6

3
GATT, Artigo I, parágrafo 1º. Disponível em:
<http://www2.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/omc/Acordos/GATT47Port.pdf>. Acesso em: 02
jun. 2009.
4
Embora o princípio da Cláusula da Nação Mais Favorecida também seja encontrado no campo dos
serviços (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços – GATS) e de propriedade intelectual (Acordo
sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPS),
estaremos nos atendo, no presente trabalho, ao estudo específico de sua aplicação no comércio de
bens.
5
NETO, José Cretella. Direito Processual na Organização Mundial de Comércio – Casuística de
Interesse para o Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 02.
6
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. 1. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 36.
Em outras palavras, pela Cláusula da Nação Mais Favorecida qualquer país-
membro tem direito de ser tratado com igualdade em relação ao país que recebeu
um tratamento mais privilegiado, isto é, mais favorecido. Para exemplificar, suponha-
se que Estados Unidos e França, ambos membros do GATT, iniciem uma
negociação. Os Estados Unidos estão interessados em vender maquinário para a
França; a França vende produtos têxteis para os Estados Unidos. Ambos os países
negociam, selando um acordo em que a França reduzirá a tarifa de maquinários se
os EUA reduzirem a tarifa dos têxteis a certo montante. A redução tarifária aplicada
aos produtos têxteis franceses será aplicada a todos têxteis importados pelos
Estados Unidos e o mesmo valerá para todo maquinário importado pela França em
decorrência da aplicação da Cláusula da Nação Mais Favorecida. Continuando o
pensamento, explica o autor M. Fogiel:
Diante do exposto, pode-se dizer que a cláusula da ―nação mais favorecida‖
é a concordância de que nenhum membro do GATT será tratado pior do que
a "nação mais favorecida" - na verdade, em nenhuma importação realizada
por país-membro poderá ser cobrada uma tarifa maior do que a realizada
por qualquer outro país-membro, salvo exceções especiais. Embora tenha
sido um processo longo, o GATT resultou em uma redução significativa nas
barreiras tarifárias mundiais desde que o primeiro acordo entrou em
funcionamento. (tradução nossa)7.

A Cláusula da Nação Mais Favorecida conduz a uma relação de não-


discriminação entre os membros da OMC e sua aplicação abrange todos os
encargos referentes a importação e exportação, todos os métodos para imposição
de taxas e cobranças e todos os impostos e regulamentos internos. A aplicação da
CNMF não alcança somente benefícios, como vantagens, favores e privilégios, mas
também a proteção contra efeitos negativos, como as imunidades, dado o fato de
que o que um membro da OMC oferecer a um país deverá oferecer a todas as
outras partes contratantes.
O disposto no Artigo I do GATT 1947 se estende a quatro setores: tarifas
aduaneiras de importação e exportação, taxas8 cobradas na importação e
exportação, regras e processo relacionados a importação e exportação, e todos os

7
―From the above, we can say that the most ―favored nation clause‖ is the agreement that no member
of GATT will be treated worse than the ―most favored nation‖ – in effect, that no member country‘s
imports can be charged a higher tariff than any other member country, unless special exceptions have
been made. Although it has been a long process, GATT has resulted in a major reduction in world
tariff barriers since the agreement first went into operation.‖ (FOGIEL, M. The Economics Problem
Solver. 1. ed. New Jersey: Research and Education Association, 1980, p. 875).
8
Segundo disposição presente no artigo XVIII, parágrafo 1º do GATT, as taxas não podem ser
cobradas com fins protecionistas ou orçamentários.
itens relacionados no Artigo III, parágrafos 2º e 4º9 relativos à tributação interna e
legislações específicas.
A aplicação automática da CNMF nas reduções tarifárias realizadas pelos
países-membros ao longo das rodadas de negociações multilaterais possibilita que
todos os membros da OMC tirem proveito da abertura comercial oferecida. Ocorre,
entretanto, que uma parcela dos países participantes poderão não querer assumir,
apesar do poder e da condição comercial que dispõem, responsabilidades
suficientes em relação a concessões e obrigações, ―pegando carona‖ nos resultados
obtidos na negociação de outros países, recebendo benefícios sem terem assumido
nenhuma obrigação – é a chamada prática das free riders10. E respeito dela
esclarece a autora Vera Thorstensen:
Se um participante não oferece reduções, ou não consolida suas novas
tarifas, ele acaba se beneficiando das reduções alheias, sem incorrer nos
custos de expor a sua economia a uma maior concorrência internacional. A
prática condenada é a ―prática das caronas‖ (free riders) e a prática
defendida é a participação de todos.11

Outra questão que surge com a CNMF é que, embora o Artigo I do GATT
1947 estenda sua aplicação a todos os produtos similares (like products), ele não
conceitua, especificamente, o que seriam tais produtos. Conceitualmente, para que
um produto seja similar a outro é necessário que sejam concorrentes diretos ou que
haja a possibilidade de substituição de um pelo outro.12

9
GATT, Artigo III: Tratamento Nacional no tocante à tributação e regulamentação internas:
§2º Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante,
não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer
espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Além disso,
nenhuma Parte Contratante aplicará de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos
importados nacionais, contrariamente as principais estabelecidas no parágrafo 1.
§4º Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte
Contratante não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de
origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda,
oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos
deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que se
baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte e não na nacionalidade do
produto.
10
Free-rider é o país que se beneficia dos resultados de negociações entre outros países, sem ter
feito qualquer concessão comercial. O benefício ao país que não fez concessões se dá, em geral, via
aplicação da cláusula da nação-mais-favorecida. Disponível em:
<http://www.iconebrasil.org.br/pt/?actA=16&areaID=14&secaoID=29&letraVC=F>. Acesso em:
01/09/2009.
11
THORSTENSEN, Vera. OMC - Organização Mundial do Comércio. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras,
2003, p. 36.
12
Um produto similar (like product) possui características semelhantes ao produto com o qual é
comparado, podendo substituí-lo. O termo like deve ser interpretado como similar ou idêntico,
considerando-se a destinação final do produto, os gostos e hábitos dos consumidores, bem como
suas propriedades e a qualidade. Disponível em:
Ocorre, entretanto, certa dificuldade na aplicação da CNMF no momento de
classificação dos produtos para fins tarifários, tendo em vista a ambigüidade do
conceito de similaridade – o que já foi objeto de diversas deliberações pelo Órgão de
Solução de Controvérsias13. Como a classificação para fins tarifários ainda não está
uniformizada a nível mundial14, cada país pode, conforme a sua conveniência, adotar
uma padronização própria em relação a produtos similares com o intuito de proteger
o produto nacional dos importados, efetivando uma classificação discriminatória.
Ao explicar o nome dado ao princípio da Nação Mais Favorecida, a própria
OMC assim expõe:
‗Mais Favorecida‘ soa como uma contradição. Sugere tratamento especial,
mas na OMC isso, na verdade, significa não-discriminação – tratar a todos
igualmente. É isso que acontece. Cada membro trata todos os outros
membros de forma igual como o ‗mais favorecido‘ parceiro comercial. Se um
país aumenta os benefícios que ele dá a um parceiro comercial, o mesmo
―melhor‖ tratamento deverá ser estendido a todos os membros da OMC de
modo que todos permaneçam como o ‗mais favorecido‘. (tradução nossa) 15.

A CNMF tem solidificado o tratamento não-discriminatório entre os Estados


no sistema multilateral de comércio, entretanto, tal disposição só é válida para os
países-membros. Um país que não era parte contratante do GATT e ainda não é
membro da OMC não pode se beneficiar dos princípios e regras desenvolvidos
dentro do sistema do comércio internacional. Como conseqüência, pode ter
prejudicado seu fluxo de exportações e importações, e ser discriminado em relação
aos demais países-membros.16

1.2 CASOS DE APLICABILIDADE

<http://www.iconebrasil.org.br/pt/?actA=16&areaID=14&secaoID=29&letraVC=P>. Acesso em: 01 set.


2009.
13
Belgian Family allowances, Gatt, BISD, 1 Supp. 59 (1953); Treatment by Germany of imports of
Sardines, BISD, 1 Supp. 53 (1953); EEC programme of minimum import prices, licenses and surety
deposits for certain processed fruits and vegetables, BISD, 25 Supp. 68 (1979); Spanish tariff
treatment of unroasted coffee, BISD, 36 Supp.102 (1982); Japanese tariff on import of Spruce-Pine-Fir
Dimension Lumber, BISD, 36 Supp. 167 (1990); United States restrictions in imports of Tuna from
Mexico, BISD, 39 Supp. 155 (1993).
14
Há um trabalho de unificação da classificação para fins tarifários do Conselho de Cooperação
Tarifária em Bruxelas, Cf. CCC, Nomenclature for the Classification of Goods in Customs Tariffs (5th
ed. 1976); CCC, Harmonized Commodity and Coding System (approved on 14 June 1983).
15
―Most-Favoured‖ sounds like a contradiction. It suggests special treatment, but in the WTO it
actually means non-discrimination —treating virtually everyone equally. This is what happens. Each
member treats all the other members equally as ―most-favoured‖ trading partners. If a country
improves the benefits that it gives to one trading partner, it has to give the same ―best‖ treatment to all
the other WTO members so that they all remain ―most-favoured‖. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact2_e.htm>. Acesso em: 01 set. 2009.
16
THORSTENSEN, Vera. OMC - Organização Mundial do Comércio. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras,
2003, p. 37.
A Cláusula da Nação Mais Favorecida será aplicada de forma imediata e
incondicional quando se fizerem presentes dois elementos: negociação comercial
entre Países-Membros da OMC e concessão de favorecimento tarifário por, no
mínimo, uma das Partes Contratantes. Assim, não se tratando de um dos casos
legais de exceção à CNMF, a ocorrência concomitante dos elementos acima
referidos acarretará na aplicação do princípio da Nação Mais Favorecida fazendo
com que o favorecimento tarifário concedido seja estendido aos produtos similares
originários de todos os outros Membros da OMC. Em outras palavras, se um
Membro conceder imunidade tributária a um produto originário de determinada Parte
Contratante, como o café por exemplo, deverá estender tal imunidade a todos os
produtos similares ao café oriundos de todos os outros Membros da OMC.

1.2.1 Negociação Comercial entre Países-Membros da OMC

A OMC é composta, atualmente, por 153 países, os quais estão, desde a


Rodada Uruguai, obrigados a aceitar e respeitar os acordos celebrados no âmbito da
Organização como um todo, não tendo mais a possibilidade de escolher os acordos
aos quais desejam aderir. Dessa forma, todas as relações comerciais estabelecidas
entre dois ou mais membros da OMC estão sob a égide do conjunto de normas do
GATT, o que faz com que princípios como a Cláusula da Nação Mais Favorecida
tenham reflexos nas negociações de forma automática, imediata e incondicional,
salvo exceções que serão analisadas como, por exemplo, as negociações ocorridas
no âmbito de uniões aduaneiras.
Já os países que não fazem parte da OMC, como é o caso do Afeganistão, da
Líbia e do Iraque17, ao negociarem com um País-Membro, não podem invocar a
incidência de tais regras em suas relações comerciais a fim de gozarem benefícios
fiscais, como redução de impostos e imunidades, uma vez que tais vantagens se
restringem aos países integrantes da OMC.

1.2.2 Concessão de Favorecimento Tarifário

17
Atualmente, 29 países são classificados pela OMC como ―observadores‖ e, com exceção do
Vaticano, os países observadores podem ter acesso às negociações no âmbito da OMC assim que
completarem cinco anos como observadores. Disponível em: <
http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>. Acesso em: 30 out. 2009.
O favorecimento tarifário concedido em uma negociação comercial entre
Membros da OMC compreende qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio
que se refira a direitos aduaneiros e encargos que gravem a importação ou a
exportação, ou a elas se relacionem, bem como aos que recaiam sobre as
transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e
exportações, digam respeito ao método de arrecadação desses direitos e encargos
ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a
importação e exportação. Considera-se também favorecimento tarifário o que diz
respeito às leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para
venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno.18

1.2.3 Produto Similar

A aplicação da Cláusula da Nação Mais Favorecida faz com que os produtos,


oriundos dos Membros da OMC, que sejam similares ao produto objeto da
negociação passem a receber o mesmo tratamento tarifário que a esse fora
concedido. Ocorre, entretanto, que o conceito de produto similar (like product) foi e
continua sendo matéria de grande discussão nos conflitos levados ao Órgão de
Solução de Controvérsias e, em diversos casos julgados pela OMC, tratou-se do
conceito de produto similar devendo o mesmo ser interpretado no sentido de um
produto que é idêntico ou semelhante em todos os aspectos ao produto considerado
ou, na ausência de tal produto, outros produtos que, embora não sejam idênticos em
todos os aspectos, tenham características muito semelhantes às do produto
considerado.
Em decisão do caso Japan — Alcoholic Beverages II, acerca da utilização da
expressão ―produto similar‖, o Órgão e Apelação afirmou que:
...a interpretação do termo deve ser examinada no caso concreto. Isso
permitiria uma avaliação justa quanto aos diferentes elementos que
constituem um "produto similar". Alguns critérios são sugeridos para
determinar se um produto é ―similar‖: seu uso comercial; gostos e
preferências dos seus consumidores, os quais se alteram de país para país;
e as propriedades do produto, sua natureza e qualidade. (tradução nossa) 19.

18
Artigos I e III do GATT/1994.
19
―… the interpretation of the term should be examined on a case-by-case basis. This would allow a
fair assessment in each case of the different elements that constitute a ‗similar‘ product. Some criteria
were suggested for determining, on a case-by-case basis, whether a product is ‗similar‘: the product‘s
end-uses in a given market; consumers‘ tastes and habits, which change from country to country; the
product‘s properties, nature and quality.‖ Disponível em:
Dessa forma, constata-se que a caracterização de um produto como ―produto
similar‖, ou simplesmente a sua descaracterização, prescinde de uma análise
rigorosa que leve em consideração os três critérios acima identificados, bem como
todos os elementos presentes no caso em análise. Insta dizer, ainda, que a
classificação tarifária do produto é um elemento importante, mas limitado para
determinar a similaridade dos produtos.

1.3 CASOS DE INAPLICABILIDADE20

Embora a Cláusula da Nação Mais Favorecida deva ser aplicada de forma


incondicional nas relações comerciais no âmbito do Sistema Mundial de Comércio
(SMC), existem exceções quanto a sua aplicabilidade, tendo em vista as profundas
diferenças existentes entre os membros da OMC. Em grande parte, as exceções ao
princípio da CNMF podem ser vistas como uma condição necessária à existência e
permanência do SMC, sob pena de o sistema não alcançar seu objetivo declarado
de que os benefícios do comércio internacional sejam estendidos a todos os seus
participantes.
Tais exceções serviram ao longo do tempo como fator de flexibilização da
rigidez com que as normas do GATT poderiam ser interpretadas e, também, como
compensação às distorções a que um sistema liberal baseado na liberdade total de
trocas e na presunção de igualdade entre seus membros inevitavelmente leva. 21
Nesse sentido, John H. Jackson observa que:
Os compromissos sobre as barreiras não-tarifárias, bem como os
compromissos tarifários e a Cláusula da Nação Mais Favorecida, estão
sujeitos a várias exceções no Gatt, incluindo a exceção geral através de
‗waiver‘. É muito possível que, sem a flexibilidade proporcionada por estas
várias exceções o Gatt teria sido incapaz de sobreviver ao longo do tempo.
As exceções melhoraram a rigorosa uniformidade aparentemente exigida
pelo código de conduta comercial e permitiram ao Gatt ajustar-se a
circunstâncias específicas de determinados países, bem como à mudança
de circunstâncias na economia mundial de comércio em geral. (tradução
nossa)22.

<http://docsonline.wto.org/imrd/directdoc.asp?DDFDocuments/t/WT/DS/8ABR.WPF>. Acesso em: 30


out. 2009.
20
Classificação extraída do site da OMC (www.wto.otg).
21
NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Aduaneiras,
2003, p. 247.
22
―The commitments on non tariff barriers, as well as the tariff commitments and the Most-Favored-
Nation Clause, are all subject to various exceptions in Gatt, including the general exception through as
‗waiver‘. It is highly possible that without the flexibility provided by these various exceptions Gatt would
have been unable to survive as long as it has. The exceptions have ameliorated the stringent
uniformity apparently demanded by the code of trade conduct and enable Gatt to adjust to specific
Reconhecendo a ineficácia de uma aplicação absoluta do princípio da CNMF,
justifica-se a existência de diversas exceções à sua aplicabilidade em função de três
aspectos que devem ser observados nas relações econômicas internacionais: a
existência de blocos regionais, a desigualdade de desenvolvimento entre países e a
superveniência de circunstâncias excepcionais. Em decorrência dessas
circunstâncias, são listadas as seguintes exceções ao princípio da Cláusula da
Nação Mais Favorecida: antidumping e medidas compensatórias, uniões aduaneiras
e zonas de livre comércio, cláusula de habilitação (enabling clause) e waivers – além
das exceções gerais23 previstas no artigo XX do GATT.

1.3.1 Antidumping e Medidas Compensatórias

circumstances in particular countries, as well as changing circumstances in the world economics of


trade generally.‖ (JACKSON, John H. World Trade and the Law of Gatt. 1. ed. New York: Merril
Company, 1969, p. 30).
23
GATT, Artigo XX: Exceções Gerais: Desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a
constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as
mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional, disposição alguma do
presente capítulo será interpretada como impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte
Contratante, das medidas:
(a) necessárias à proteção da moralidade pública;
(b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos
vegetais;
(c) que se relacionem à exportação e a importação do ouro e da prata;
(d) necessárias a assegurar a aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as
disposições do presente acordo, tais como, por exemplo, as leis e regulamentos que dizem respeito à
aplicação de medidas alfandegárias, à manutenção em vigor dos monopólios administrados na
conformidade do § 4º do art. II e do art. XVII à proteção das patentes, marcas de fábrica e direitos de
autoria e de reprodução, e a medidas próprias a impedir as práticas de natureza a induzir em erro;
(e) relativas aos artigos fabricados nas prisões:
(f) impostas para a proteção de tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico;
(g) relativas à conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas
conjuntamente com restrições à produção ou ao consumo nacionais;
(h) tomadas em execução de compromisso contraídos em virtude de um Acordo intergovernamental
sobre um produto de base, em conformidade com os critérios submetidos às Partes Contratantes e
não desaprovados por elas e que é ele próprio submetido às Partes Contratantes e não é
desaprovado por elas.
(i) que impliquem em restrições à exportação de matérias primas produzidas no interior do país e
necessárias para assegurar a uma indústria nacional de transformação as quantidades essenciais
das referidas matérias-primas durante os períodos nos quais o preço nacional seja mantido abaixo do
preço mundial, em execução de um plano governamental de estabilização; sob reserva de que essas
restrições não tenham por efeito reforçar a exportação ou a proteção concedida à referida indústria
nacional e não sejam contrárias às disposições do presente Acordo relativas à não discriminação.
(j) essenciais à aquisição ou a distribuição de produtos dos quais se faz sentir uma penúria geral ou
local; todavia, as referidas medidas deverão ser compatíveis com o princípio segundo o qual todas as
Partes Contratantes têm direito a uma parte eqüitativa do abastecimento internacional desses
produtos e as medidas que são incompatíveis com as outras disposições do presente Acordo serão
suprimidas desde que as circunstâncias que as motivaram tenham deixado de existir. As Partes
Contratantes examinarão, em 30 de junho de 1960, no máximo, se é necessário manter a disposição
da presente alínea.
As medidas antidumping têm o objetivo de evitar que os produtos nacionais
sejam prejudicados por importações realizadas a preços de dumping, ou seja, a
preços inferiores àqueles praticados para o produto similar nas vendas em seu
mercado interno – o que pode causar um enorme prejuízo à indústria doméstica.
Entretanto, é possível verificar e existência de outro objetivo na aplicação das
normas antidumping sobre o qual comenta o Professor Welber Barral:
As normas antidumping se baseiam em premissas questionáveis. Uma
delas se refere à efetiva existência de dumping, uma vez que sua prática
efetiva poderia levar à falência da empresa exportadora. Nos casos de
venda abaixo do custo, normalmente existem razões comerciais não usuais.
Muito raramente tal venda se destina a eliminar a concorrência com vistas a
monopolizar futuramente o mercado. Outra premissa questionável é quanto
à nocividade dessas vendas para a economia local. Na prática, as normas
antidumping são utilizadas como um refúgio protecionista, por grupos de
pressão, para eliminar a concorrência estrangeira. Tais normas tendem a se
tornar o instrumento mais poderoso de protecionismo, à medida que as
barreiras tarifárias forem sendo reduzidas. 24

Outra maneira de combater práticas desleais no comércio internacional é


através das medidas compensatórias e sobre tais medidas explica Antonio Carlos
Rodrigues do Amaral:
Caso uma indústria esteja sendo prejudicada comercialmente por subsídios
concedidos a uma indústria específica de outro país, dependendo do tipo de
subsídio concedido poderá demandar que a norma que estabelece a
concessão do subsídio seja revogada, ou poderá adotar medidas
compensatórias, na medida do prejuízo sofrido, com o objetivo de
neutralizar um subsídio outorgado pelo país exportador.25

Tanto as medidas antidumping quanto as medidas compensatórias


constituem exceções à Cláusula da Nação Mais Favorecida tendo em vista que são
aplicadas a países e empresas específicos, não estendendo, indistintamente, sua
aplicação a todos os Membros.

1.3.2 Uniões Aduaneiras e Zonas de Livre Comércio

Outra exceção à aplicação do princípio da CNMF ocorre quando da existência


de uniões aduaneiras e zonas de livre comércio. Primeiramente, cabe ressaltar que
―entende-se por território aduaneiro todo o território para o qual tarifas aduaneiras
distintas ou outras regulamentações aplicáveis às trocas comerciais sejam mantidas

24
BARRAL, Welber; MCGEE, Robert. Aplicação de medidas antidumping pelos Estados Unidos.
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 20, p. 267-274, dez./mar. 1997/1998.
25
AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional – Aspectos
Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Lex Editora S.A., 2006, p. 238.
a respeito de outros territórios para uma parte substancial do comércio do território
em questão‖ conforme preceitua o Artigo XXIV, parágrafo 2º do GATT. Partindo
desse pressuposto e tomando como referência o conceito de uniões aduaneiras e
zonas de livre comércio trazido pelo artigo XXIV, § 8º do GATT 26, verifica-se que o
fenômeno do regionalismo não se contrapõe ao desenvolvimento do comércio
internacional observado, contudo, que a criação de uniões aduaneiras e zonas de
livre comércio não oponha obstáculos ao comércio dos outros Países-Membros com
esses territórios.
Para garantir que o progresso do livre comércio global de modo parcial, isto é,
do livre comércio em nível regional, não trouxesse reflexos muito negativos a
terceiros países, diversas condições foram impostas para evitar o abuso da não-
aplicação da CNMF27. Dessa forma e considerando a importância das uniões
aduaneiras e zonas de livre comércio para o comércio mundial, esclarece o autor
Minoru Nakada a respeito de tal exceção à aplicação da Cláusula da Nação Mais
Favorecida:
Esses acordos regionais são tratados como exceção no GATT, porque as
restrições internas da região são abolidas, mas permanecem as restrições
em relação a terceiros países, fazendo com que os países não-membros de
um acordo regional fiquem numa posição de desvantagem em relação aos
países-membros, o que claramente entra em conflito com a cláusula da
NMF de não discriminação.28

1.3.3 Cláusula de Habilitação

26
GATT, Artigo XXIV, § 8º do GATT: Para fins de aplicação do presente Acordo:
(a) estende-se por união aduaneira, a substituição, por um só território aduaneiro, de dois ou mais
territórios aduaneiros, de modo que:
(i) os direitos aduaneiros e outras regulamentações restritivas das trocas comerciais (com exceção,
na medida necessária, das restrições autorizadas nos termos dos artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX)
sejam eliminados para a maioria das trocas comerciais entre os territórios constitutivos da união, ou
ao menos para a maioria das trocas comerciais relativas aos produtos originários desses territórios;
(ii) e, à exceção das disposições do parágrafo 9 os direitos aduaneiros e outras regulamentações
idênticas em substância sejam aplicadas, por qualquer membro da união, no comércio com os
territórios não compreendidos naqueles;
(b) entende se por zona de livre troca um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais
os direitos aduaneiros e outras regulamentações restritivas das trocas comerciais (com exceção, na
medida necessária, das restrições autorizadas nos termos dos artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX) são
eliminados para a maioria das trocas comerciais relativas aos produtos originários dos territórios
constitutivos da zona de livre troca.
27
Exemplos de condições impostas: a integração regional deve envolver o comércio de
substancialmente todos os produtos; o início até a conclusão da integração regional deverá se dar
dentro de um período razoável de tempo (acordo interino); as regras comerciais e as tarifas aplicadas
aos países não-membros do acordo regional não poderão ser maiores ou mais restritivas em relação
as que existiam antes de firmado o acordo regional, dentre outras.
28
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. 1. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 47.
A terceira exceção ao princípio da CNMF decorre da aplicação da Cláusula de
Habilitação (Enabling Clause), presente no artigo 1º da Decisão de 28 de novembro
de 1979 (L/4903) a qual reconheceu o texto ―Tratamento Diferenciado e Mais
Favorável, Reciprocidade e Participação Mais Completa dos Países em Vias de
Desenvolvimento‖, que consagra que:
Não obstante a cláusula do artigo primeiro do Acordo Geral, as Partes
Contratantes devem estar de acordo com o tratamento diferenciado e mais
favorável aos países em desenvolvimento, sem acordar tal tratamento às
outras partes contratantes. (tradução nossa)29.

O disposto no referido parágrafo se aplica, dentre outras questões, ao


tratamento tarifário preferencial concedido por partes contratantes desenvolvidas a
produtos originários de países em desenvolvimento conforme o Sistema Geral de
Preferências, aos acordos regionais ou gerais concluídos entre partes contratantes
em desenvolvimento com o fim de reduzir ou eliminar mutuamente as barreiras
tarifárias, bem como às medidas não-tarifárias aplicadas aos produtos importados
nas negociações comerciais. Verifica-se então a possibilidade de concessão de
preferências aos países em desenvolvimento sem que os mesmos precisem
respeitar o princípio da reciprocidade, bem como a possibilidade dos países em
desenvolvimento concederem preferências entre si sem a necessidade de estendê-
las aos países desenvolvidos.
A criação da Cláusula de Habilitação parte da verificação de que se todos os
Países-Membros têm os mesmo direitos, haveria de ser reconhecida a diversidade
de desenvolvimento econômico e social entre eles, o que desaconselhava o
tratamento idêntico para todos. Dessa forma, a aplicação pura e simples da Cláusula
da Nação Mais Favorecida foi derrogada para permitir tratamento diferenciado pelos
países industrializados aos menos desenvolvidos como forma de permitir-lhes a
obtenção de um progresso na área econômica.
Ainda, faz-se importante referir que a Cláusula de Habilitação é uma
faculdade dada aos países desenvolvidos, não constituindo uma obrigação de
acordar tal tratamento diferenciado e mais favorável aos países em
desenvolvimento. E sobre essa questão aponta o autor Rabih Ali Nasser:

29
―Notwithstanding the provisions of Article I of the General Agreement, contracting parties may
accord differential and more favourable treatment to developing countries, without according such
treatment to other contracting parties.‖ (OMC. Decisão de 28 de Novembro de 1979. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/enabling1979_e.htm>. Acesso em: 05 out. 2009).
(...) os países desenvolvidos – com base na discricionariedade de que
gozavam na escolha de a quem conceder o benefício – utilizavam esse
instrumento para consolidar laços com antigas colônias, em detrimento de
outros países menos desenvolvidos, ou para exercer pressões e obter
concessões dos beneficiários do sistema.30

1.3.4 Waivers

Por fim, verifica-se também como exceção à aplicação da Cláusula da Nação


Mais Favorecida a concessão de waivers, que consiste na autorização do não-
cumprimento de obrigações e responsabilidades legais por um determinado período
de tempo a determinados Membros. Assim ocorreu, por exemplo, quando, no
encontro de 15 de junho de 1999, o Conselho Geral adotou a decisão acerca do
Tratamento Preferencial Tarifário para Países em Desenvolvimento. Essa decisão
derrogou as obrigações oriundas do Artigo I do GATT com o objetivo de fornecer um
meio para os países desenvolvidos oferecerem tratamento tarifário preferencial aos
produtos de países menos desenvolvidos. Consta no texto da referida decisão que:
Sujeita aos termos e condições acima indicados, as disposições do
parágrafo 1 do Artigo I do GATT 1994 devem ser derrogadas até 30 de
junho de 2009, na medida do necessário para permitir que os países
desenvolvidos concedam tratamento tarifário preferencial aos países menos
desenvolvidos, designados como tal pela Organização das Nações Unidas,
sem serem obrigados a conceder as mesmas tarifas aos produtos similares
de qualquer outro membro. (tradução nossa)31.

O ―Entendimento sobre derrogações (waivers) de obrigações sob o acordo


geral de tarifas e comércio 1994‖ faz parte do conjunto de normas do GATT 1994 e
nele é explicado como se dá a solicitação de waivers32, bem como qual o
procedimento que um País-Membro deve adotar caso considere que seus benefícios
estejam sendo anulados ou prejudicados em conseqüência da incapacidade por

30
NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. 1. ed. São Paulo: Aduaneiras,
2003, p. 252.
31
―Subject to the terms and conditions set out hereunder, the provisions of paragraph 1 of Article I of
the GATT 1994 shall be waived until 30 June 2009, to the extent necessary to allow developing
country Members to provide preferential tariff treatment to products of least-developed countries,
designated as such by the United Nations, without being required to extend the same tariff rates to like
products of any other Member.‖ Disponível em:
<http://docsonline.wto.org/imrd/directdoc.asp?DDFDocuments/t/WT/L/304.DOC>. Acesso em: 21 set.
2009.
32
Entendimento sobre derrogações (waivers) de obrigações sob o acordo geral de tarifas e comércio
1994, Artigo 1º: ―A solicitação da uma derrogação ou da extensão de uma derrogação existente
descreverá as medidas que o Membro pretende adotar, os objetivos específicos de política (policy)
que o Membro deseja perseguir e as razões que impediram o Membro de atingir os mesmo objetivos
com medidas compatíveis com suas obrigações sob o GATT 1994.‖ Disponível em:
<http://www2.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/omc/Acordos/Portugues/09Waivers.pdf>. Acesso
em: 05 out. 2009.
parte do Membro que recebeu a derrogação de observar os termos e condições da
mesma ou da aplicação de uma medida compatível com os termos e condições da
derrogação.33
Diante do exposto, verifica-se que, embora sendo um dos pilares do Sistema
Multilateral de Comércio, a aplicação absoluta da Cláusula da Nação mais
Favorecida tornaria inviável o comércio entre seus Membros, o que fez com que a
existência de diversas exceções a esse princípio se tornasse uma condição
essencial à sobrevivência e ao desenvolvimento do comércio internacional.

2 ANÁLISES DE IMPORTANTES CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO A


CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA

2.1 ESTADOS UNIDOS – MEDIDAS APLICADAS À IMPORTAÇÃO DE


DETERMINADOS PRODUTOS PROCEDENTES DAS COMUNIDADES
EUROPÉIAS34

Reclamante: Comunidades Européias


Reclamado: Estados Unidos
Terceiros participantes: Dominica, Equador, Índia, Jamaica, Japão e Santa Lúcia

O presente litígio origina-se nas reclamações formuladas pelas Comunidades


Européias em decorrência de medidas adotadas pelos Estados Unidos no que diz
respeito a determinadas importações procedentes das Comunidades Européias.
Mais especificamente, a uma decisão, tomada pelos Estados Unidos em 03 de
março de 1999, que suspendia a liquidação das importações procedentes das
Comunidades Européias de uma série de produtos35 que representavam, em

33
Entendimento sobre derrogações (waivers) de obrigações sob o acordo geral de tarifas e comércio
1994, Artigo 3º: ―Qualquer Membro que considerar que seus benefícios ao amparo do GATT 1994
estejam sendo anulados ou prejudicados como resultado de: a) incapacidade por parte do Membro
que recebeu a derrogação de observar os termos e condições da mesma; ou b) aplicação de uma
medida compatível com os termos e condições da derrogação; poderá invocar as disposições do
Artigo XXIII do GATT 1994 tal como regulamentadas e aplicadas pelo Entendimento sobre Solução
de Controvérsias.‖
34
United States – Import measures on certain products from the European Communities (DS165)
35
Carne suína, exceto pernil, paletas, bacon (toucinho entremeado) e seus cortes, salgados ou em
salmoura, secos ou defumados; queijo Pecorino produzido com leite de ovelha, em suas formas
originais, que não seja não apropriado para ser ralado; bolachas e biscoitos doces, waffles e
barquetes; preparativos para o banho, exceto sais de banho; velas e artigos similares; chapas, folhas,
conjunto, um valor superior a 500 milhões de dólares anuais, e conferia uma
obrigação contingente correspondente a impostos de 100 por cento sobre cada uma
das importações de produtos afetados a partir dessa data. As Comunidades
Européias alegaram que esta medida inclui disposições administrativas que
prevêem, entre outras coisas, a constituição de uma fiança para cobrir a totalidade
de obrigações eventuais.
Antecedendo esse litígio, o Órgão de Solução de Controvérsias, em setembro
de 1997, na decisão da disputa ―Comunidades Européias – Regime para
importação, venda e distribuição de bananas‖36, recomendou que as Comunidades
Européias pusessem seu regime de importação de bananas em conformidade com
suas obrigações perante a OMC. Como as Comunidades Européias não realizaram
as devidas adequações no prazo estipulado, os Estados Unidos pediram autorização
para suspender a aplicação de concessões e outras obrigações ao abrigo do
parágrafo 2 do artigo 22 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias 37. As
Comunidades Européias, por sua vez, solicitaram que o nível de suspensão de
concessões e outras obrigações proposto pelos Estados Unidos se submetesse à
arbitragem a cargo do Grupo Especial. Ocorre, entretanto, que antes da decisão dos

películas, tiras e lâminas não-aderentes, não-celulares, sem reforçar ou combinar com outros
materiais, de polímeros de propileno; bolsas de mão, com ou sem alça, com a superfície de folhas de
plástico; artigos de bolso ou de bolsa de mão, com a superfície exterior de plástico reforçado ou
estratificado; papel e cartão camurça e papel e cartolina, sem revestimento, em rolos ou em folhas;
caixas e cartonagens, dobráveis, feitas de papel ou papelão sem ondulações; litografias sobre papel
ou cartão, de espessura não superior a 0,51mm, impressa há 20 anos ou menos da sua data de
importação; suéteres, malhas de jérsei, blusões estilo pulôveres, cardigãs, coletes ou artigos
similares, inclusive com gola alta, de tricô e inteiramente de cachemira; roupas de cama, exceto de
tricô, estampada, de algodão, que não comporte bordados, rendas, tranças, bordas, enfeites,
caimento ou aplicações, nem seja felpuda; baterias de chumbo, que não seja o tipo utilizado para
iniciar motores de pistão ou como a principal fonte de alimentação elétrica para veículos com motor
elétrico; utensílios termoelétricos para preparação de café ou chá de uso doméstico.
36
Relatórios do Grupo Especial WT/DS27/R/ECU, WT/DS27/R/GTM, WT/DS27/R/HND,
WT/DS27/R/MEX, WT/DS27/R/USA e relatório do Órgão de Apelação WT/DS27/AB/R. Os
reclamantes no litígio em comento eram Equador, Estados Unidos, Guatemala, Honduras e México.
37
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, Artigo 22, §
2º: ―Se o Membro afetado não adaptar a um acordo abrangido a medida considerada incompatível ou
não cumprir de outro modo as recomendações e decisões adotadas dentro do prazo razoável
determinado conforme o parágrafo 3º do art. 21, tal Membro deverá, se assim for solicitado, e em
período não superior à expiração do prazo razoável, entabular negociações com quaisquer das partes
que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias, tendo em vista a fixação de
compensações mutuamente satisfatórias. Se dentro dos 20 dias seguintes à data de expiração do
prazo razoável não se houver acordado uma compensação satisfatória, quaisquer das partes que
hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias poderá solicitar autorização do OSC
para suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos acordos
abrangidos ao Membro interessado.‖ Disponível em:
<http://74.125.93.132/search?q=cache:odLaSkUtswcJ:www.mre.gov.br/portugues/ministerio/sitios_se
cretaria/cgc/controversias.doc+entendimento+sobre+solu%C3%A7%C3%A3o+de+controv%C3%A9rs
ias&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 28 out. 2009.
árbitros, os Estados Unidos distribuíram um memorando com o título ―Sanções
européias‖ que continha instruções aos Diretores de Territórios Aduaneiros e de
Portos para que aplicassem determinadas medidas com relação aos produtos
designados importados das Comunidades Européias a partir de 03 de março de
1999.
Somente em 19 de abril de 1999, os Estados Unidos obtiveram autorização
para suspender a aplicação de concessões e outras obrigações em quantia
determinada pelos árbitros, podendo, assim, impor tarifas aduaneiras de cem por
cento sobre os produtos designados pelo relatório de arbitragem importados das
Comunidades Européias. Entretanto, as Comunidades Européias já haviam
solicitado uma consulta ao Órgão de Solução de Controvérsias questionando a
medida tomada em 03 de março de 1999 e informando que tal medida priva as
importações nos Estados Unidos dos produtos em questão procedentes das
Comunidades Européias do direito a uma tarifa não superior à consolidada na Lista
dos Estados Unidos. Ademais, informa que, ao exigir a prestação de fiança, os
Estados Unidos impõem, de fato, sobre cada importação impostos de 100 por cento
cuja devolução é incerta, tendo em vista que depende de decisões futuras dos
Estados Unidos. Alega, por fim e em conseqüência, que desde 03 de março de 1999
os Estados Unidos impedem, efetivamente, a entrada em seu território dos produtos
em questão procedentes das Comunidades Européias.
Em 11 de maio de 1999, as Comunidades Européias solicitaram o
estabelecimento de um Grupo Especial e no pedido sustentaram que:
Tenho a honra de solicitar em nome das Comunidades Européias, o
estabelecimento de um grupo especial de conformidade com o artigo XXIII
do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (GATT 1994), e os
artigos 4 e 6 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC) com
respeito à decisão dos Estados Unidos, efetiva desde 03 de março de 1999,
de suspender a liquidação das importações procedentes das CE de
produtos (incluídos em uma lista), que representam em conjunto um valor
de 520 milhões de dólares anuais, e impor uma obrigação contingente
correspondente a impostos de 100 por cento sobre cada uma das
importações de produtos afetados a partir dessa data (anexo 1). Esta
medida inclui disposições administrativas que prevêem, entre outras coisas,
a constituição de uma fiança para cobrir a totalidade de obrigação eventual.
[...] Quando os Estados Unidos foram autorizados pela OMC, em 19 de abril
de 1999, a suspender a partir dessa data concessões com respeito a
importações de produtos procedentes das CE por um valor anual de 191,4
milhões de dólares somente, se estabeleceu, com alguns produtos da lista
anterior, uma lista mais reduzida de produtos (anexo 2). Ao mesmo tempo,
apesar do caráter prospectivo da autorização da OMC, os Estados Unidos
confirmaram que os produtos da lista que figuram no anexo 2 que haviam
sido despachados para o consumo nos Estados Unidos desde 03 de março
de 1999 ficariam sujeitos ao pagamento de impostos de 100 por cento. As
Comunidades Européias consideram que esta medida constitui uma
infração flagrante das seguintes disposições da OMC:
- os artigos 3, 21, 22 e 23 do ESC;
- os artigos I, II, VIII e XI do GATT 1994.
Mediante estas violações de normas fundamentais da OMC, a medida dos
Estados Unidos anula ou prejudica vantagens resultantes para as
Comunidades Européias direta ou indiretamente do GATT 1994. Esta
medida também compromete o cumprimento de objetivos importantes do
GATT 1994 e da OMC. (tradução nossa)38.

Quanto à alegação de afronta à cláusula da nação mais favorecida, as


Comunidades Européias alegam que a Medida de 03 de março infringiu o Artigo I do
GATT, porquanto era aplicada somente a produtos das Comunidades Européias e
não a outros produtos similares procedentes de todos os Membros da OMC.
Ademais, os requisitos adicionais em matérias de fiança impostos infringiram a
CNMF, tendo em vista que eram aplicados unicamente às importações procedentes
das Comunidades Européias, enquanto que produtos idênticos procedentes de
outros Membros da OMC não estavam sujeitos a esses requisitos adicionais em
matéria de fianças. A distinção regulamentária (ou seja, a necessidade ou não de
um requisito adicional em matéria de fiança) não se baseou em nenhuma
característica do produto, mas sim no que dependia, exclusivamente, da origem do
produto e estava dirigido, exclusivamente, a determinadas importações procedentes
das Comunidades Européias.
Após a análise de tais alegações, o Grupo Especial constatou que, ao adotar
a Medida de 03 de março, os Estados Unidos atuaram de maneira incompatível com

38
―I have the honour to request, on behalf of the European Communities, the establishment of a panel
pursuant to Article XXIII of the General Agreement on Tariffs and Trade 1994 (GATT 1994) and
Articles 4 and 6 of the Dispute Settlement Understanding (DSU) with respect to the US decision,
effective as of 3 March 1999, to withhold liquidation on imports from the EC of a list of products,
together valued at $520 million on an annual basis, and to impose a contingent liability for 100 per
cent duties on each individual importation of affected products as of this date (annex 1). This measure
includes administrative provisions that foresee, among other things, the posting of a bond to cover the
full potential liability. […] When the US received WTO authorization on 19 April 1999 to suspend
concessions as of that date on EC imports of products with an annual value of only $191.4 million, a
more limited list of products was selected from the previous list (annex 2). At the same time, the US
confirmed, despite the prospective nature of the WTOs, the liability for 100 per cent duty on the
products on the list in annex 2 that had entered the US for consumption with effect from 3 March 1999.
The European Communities considers that this US measure is in flagrant breach of the following WTO
provisions:
- Articles 3, 21, 22 and 23 of the DSU;
- Articles I, II, VIII and XI of GATT 1994.
Through these violations of fundamental WTO rules, the US measure nullifies or impairs benefits
accruing, directly or indirectly, to the European Communities under GATT 1994. This measure also
impedes important objectives of GATT 1994 and of the WTO.‖ Disponível em:
<http://docsonline.wto.org/GEN_highLightParent.asp?qu=%28%40meta%5FSymbol+WT%FCDS165
%FC%2A%29&doc=D%3A%2FDDFDOCUMENTS%2FT%2FWT%2FDS%2F165%2D8%2EDOC%2E
HTM&curdoc=11&popTitle=WT%2FDS165%2F8>. Acesso em: 28 out. 2009.
as obrigações decorrentes dos artigos I e II do GATT 1994. Concluiu, assim, dentre
outros aspectos, que, embora a Medida de 03 de março não esteja mais em vigor,
ela infringiu o Artigo I do GATT e solicitou ao Órgão de Solução de Controvérsias
que notificasse os Estados Unidos para que coloque suas medidas em conformidade
com as obrigações que lhes cabe pelas normas da OMC.
Quando da apelação interposta pelos Estados Unidos, os mesmos não
apelaram contra as constatações do Grupo Especial acerca da incompatibilidade
com os artigos I e II do GATT 1994. Por conseguinte, o Órgão de Apelação se
baseou no fato dos Estados Unidos terem aceitado as conclusões do Grupo
Especial no sentido de que, ao adotar a Medida de 03 de março, implementando
medidas unilaterais a fim de reparar o que consideram descumprimentos das
obrigações assumidas no âmbito da OMC por outros países-membros, os Estados
Unidos atuaram de maneira incompatível com as obrigações decorrentes dos artigos
I e II do GATT 1994.

2.1.1 Implementação das novas medidas

O Órgão de Apelação declarou que o Grupo Especial incorreu em erro ao


solicitar que os Estados Unidos adequassem sua medida em conformidade com as
normas da OMC, tendo em vista que a Medida de 03 de março já não se encontrava
mais em vigor. Dessa forma, não houve implementação de novas medidas a ser
realizada pelos Estados Unidos.

2.2 COMUNIDADES EUROPÉIAS – CONDIÇÕES PARA CONCESSÃO DE


TARIFAS PREFERENCIAIS A PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO39

Reclamante: Índia
Reclamado: Comunidades Européias
Terceiros participantes: Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador,
Guatemala, Honduras, Paraguai, Peru, Sri Lanka, Venezuela, Estados Unidos,
Nicarágua, Panamá, Ilhas Mauricius, Paquistão e Bolívia.

39
European Communities — Conditions for the Granting of Tariff Preferences to Developing Countries
(DS246)
O presente litígio originou-se de uma reclamação formulada pela Índia
referente à concessão, pelas Comunidades Européias, de preferências tarifárias a
países em desenvolvimento em virtude do Regulamento (CE) nº 2501/2001, mais
especificamente, referente ao Regime Especial de apoio à luta contra a produção e
o tráfico de drogas – o chamado ―Regime Droga‖. O Regulamento (CE) nº
2501/2001 consiste na aplicação de um sistema de preferências tarifárias
generalizadas entre 1º de janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2004 e compreende
cinco regimes tarifários preferenciais: o Regime Geral, o Regime Especial de
estímulo à proteção de direitos laborais, o Regime Especial de estímulo para a
proteção ao meio ambiente, o Regime Especial em favor dos países menos
avançados e o Regime Especial de apoio à luta contra a produção e o tráfico de
drogas.
Todos os países enumerados pelo Regulamento têm direito a receber
preferências tarifárias de acordo com o Regime Geral, que dispõe sobre a
suspensão de direitos da Pauta Aduaneira Comum sobre os produtos incluídos
como ―não sensíveis‖ e a redução dos direitos ad valorem sobre os produtos
incluídos como ―sensíveis‖.40 Os outros quatro regimes concedem preferências
tarifárias adicionais às já concedidas pelo Regime Geral, sendo que as preferências
abarcadas pelo Regime objeto do presente litígio, o ―Regime Droga‖, são concedidas
apenas aos seguintes países: Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador,
Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paquistão, Peru e Venezuela.
Segundo alegações formuladas pela Índia, o ―Regime Droga‖ é incompatível
com o Artigo I do GATT 1994, o qual exige que as Comunidades Européias
concedam tratamento de nação mais favorecida de forma incondicional aos produtos
procedentes dos territórios de todos os Membros da OMC. Ocorre, no presente
caso, que as Comunidades Européias não estendem as vantagens de preferências
tarifárias aos produtos similares oriundos dos outros Membros e, tampouco, o faz de
forma incondicional.
Além disso, declara a Índia que o ―Regime Droga‖ não pode ser justificado
através da Cláusula de Habilitação, tendo em vista que a Cláusula de Habilitação
permite que os países desenvolvidos concedam tratamento diferenciado e mais

40
Regulamento (CE) nº 2501/2001, artigos 7.1 e 7.1. Disponível em: <http://eur-
lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc=Regulatio
n&an_doc=2001&nu_doc=250>. Acesso em 29 out. 2009.
favorável aos países em desenvolvimento sem reciprocidade, entretanto, não
permite que eles concedam tal tratamento a apenas alguns países em
desenvolvimento – como se verifica no ―Regime Droga‖. Dessa forma, depreende-se
que a Cláusula de Habilitação não exonera os países desenvolvidos da sua
obrigação de conceder tratamento de nação mais favorecida aos produtos
procedentes dos países em desenvolvimento, bem como que só pode ser utilizada
nas preferências em que não ocorra discriminação entre os países em
desenvolvimento.
Em sua defesa, as Comunidades Européias alegam que tratamento sem
discriminação não é sinônimo de tratamento formalmente igual e que tratar de forma
diferente situações que são objetivamente diferentes não é discriminatório.
Sustentam, também, que o objetivo da Cláusula de Habilitação é distinto do objetivo
da Cláusula da Nação Mais Favorecida. Enquanto a última tem o fim de
―proporcionar iguais condições de competência para as importações dos produtos
similares originários de todos os Membros‖, a primeira constitui uma forma de criar
oportunidades desiguais de competência em resposta às necessidades especiais de
determinados países em desenvolvimento, ou seja, de conceder preferências a
países com necessidades especiais onde a diferenciação tarifária seja uma resposta
adequada para sua amenização.
A Índia, pelo contrário, afirma que a ausência de discriminação no que diz
respeito às medidas tarifárias refere-se sim a um tratamento formalmente igual e que
a Cláusula de Habilitação permite que seja dado um trato discriminatório aos países
em desenvolvimento, mas não entre eles e para isso invoca o Artigo I do GATT.
Consta no relatório do Grupo Especial que:
As preferências previstas no ―Regime Droga‖ introduzem uma discriminação
entre países em desenvolvimento porque não abarcam todos esses países.
Os benefícios concedidos mediante tal Regime se limitam aos 12 Membros
que recebem preferências e que foram sidos especificamente designados
pelas Comunidades Européias. O sentido usual do verbo ―discriminar‖ é
―fazer ou constituir uma diferença em algo ou entre algumas coisas;
distinguir; diferenciar‖ e ―fazer uma distinção no tratamento de diferentes
categorias de pessoas ou coisas‖. Por isso, um tratamento preferencial ―sem
discriminação‖ aos países em desenvolvimento significa um tratamento em
que não se faz distinção entre diferentes categorias de países em
desenvolvimento. Os esquemas tarifários preferenciais que se limitam a um
grupo determinado de países em desenvolvimento não podem ser
considerados ―sem discriminação‖ de acordo com qualquer interpretação
razoável dessas palavras. Limitando o Regime Droga aos 12 Membros que
recebem preferências, as Comunidades Européias fazem discriminação
entre países em desenvolvimento. (tradução nossa)41.
No relatório do Painel, o Grupo Especial declarou a incompatibilidade
existente entre o ―Regime Droga‖ e o Artigo I do GATT 1994, bem como informou
que tal Regime não poderia ser justificado pela Cláusula de Habilitação. As
Comunidades Européias apelaram de tal decisão requerendo que o Órgão de
Apelação revogue a declaração de que o ―Regime Droga‖ é incompatível com o
Artigo I do GATT 1994, bem como declare que a Índia nada alegou a respeito da
Cláusula de Habilitação requerendo, por conseguinte, que o Grupo Especial se
abstenha de analisar o ―Regime Droga‖ com relação à Cláusula de Habilitação.
As Comunidades Européias sustentam que o Grupo Especial incorreu em erro
ao declarar que a Cláusula de Habilitação é uma exceção ao Artigo I do GATT e que
tal dispositivo se aplica às medidas abarcadas pela Cláusula de Habilitação.
Informam que o tratamento especial e diferenciado que concede a Cláusula de
Habilitação é de grande importância para alcançar um dos objetivos fundamentais
da OMC, que é assegurar que países em desenvolvimento obtenham uma parte da
expansão do comércio internacional que corresponda às necessidades de seu
desenvolvimento econômico. Alegam, ainda, que a Cláusula de Habilitação não só
não pode ser tratada como simples exceção ao GATT 1994, como também constitui
um ―regime especial‖ para os países em desenvolvimento destinado a corrigir
desigualdades entre os Membros da OMC.
Em conseqüência de tais constatações errôneas do Grupo Especial, no
sentido de que a Cláusula de Habilitação é uma exceção ao Artigo I do GATT e que
o emprego da mesma não impede que se siga aplicando as disposições da cláusula
da nação mais favorecida, afirmam as Comunidades Européias que o relatório do
Painel constatou que recai sobre elas o ônus de justificar o ―Regime Droga‖ de
acordo com a Cláusula de Habilitação. Entretanto, cabia à Índia alegar que o

41
―The preferences under the Drug Arrangements discriminate between developing countries because
they are not extended to all developing countries. The benefits under the Drugs Arrangements are
limited to the 12 preferred Members specifically designated by the European Communities. The
ordinary meaning of the verb "discriminate" is "to make or constitute a difference in or between;
distinguish; differentiate" and "to make a distinction in the treatment of different categories of people or
things". Hence, "non-discriminatory" preferential treatment of developing countries means treatment
that does not make a distinction between different categories of developing countries. Preferential tariff
schemes limited to a named group of developing countries cannot be characterized as "non-
discriminatory" on any reasonable construction of this term. By limiting the Drug Arrangements to the
12 preferred Members, the European Communities discriminates between developing countries.‖
Disponível em: < http://docsonline.wto.org/imrd/gen_searchResult.asp?RN=0&searchtype=browse&q
1=%28%40meta%5FSymbol+WT%FCDS246%FCR%2A+and+not+RW%2A%29&language=1>.
Acesso em: 20 set. 2009.
―Regime Droga‖ é incompatível com a Cláusula de Habilitação, bem como provar tal
incompatibilidade – ponto que não se fez presente nas alegações formuladas pela
Índia.
Subsidiariamente, as Comunidades Européias alegam que o Grupo Especial
incorreu em erro ao declarar que o ―Regime Droga‖ não poderia ser justificado à luz
da Cláusula de Habilitação. Primeiro, porque a interpretação feita pelo Grupo
Especial de que a expressão ―sem discriminação‖ constante na nota 3 da Cláusula
de Habilitação42 exige que o Sistema Geral de Preferências (SGP) outorgue
preferências ―idênticas‖ a ―todos‖ os países em desenvolvimento sem distinção –
salvo no que diz respeito às limitações a priori das importações adotadas como
medidas legítimas de salvaguarda. E segundo, porque o Grupo Especial definiu que
as palavras ―países em desenvolvimento‖ do parágrafo 2 da Cláusula de
Habilitação43 correspondem a ―todos‖ os países em desenvolvimento, exceto para as
limitações a priori.
As Comunidades Européias alegam que o Grupo Especial fez, implicitamente,
diversas constatações sobre questões que não haviam sido submetidas à sua
análise e que no Painel foram incorporadas, por via interpretativa, à Cláusula de
Habilitação, obrigações que dizem respeito a questões que não haviam sido
ventiladas por nenhuma das partes e que não precisavam ser abordadas para
solucionar o problema. A Índia, por sua vez, afirma que não apresentou alegações
sobre essas questões no Painel porque não são pertinentes para a solução do
presente litígio, declarando, ainda, que as questões jurídicas analisadas ―referem-se

42
Cláusula de Habilitação, Nota 3: ―Tal como define a Decisão das PARTES CONTRATANTES de 25
de junho de 1971, relativa ao estabelecimento de um ―sistema geral de preferências sem
reciprocidade e sem discriminação que resulte em benefícios para os países em desenvolvimento‖
(IBDD S18/26)‖ faz referência a ―Todo tratamento diferenciado e mais favorável outorgado em
conformidade com a presente cláusula: a) estará destinado a facilitar e fomentar o comércio dos
países em desenvolvimento e não a impor obstáculos ou criar dificuldades indevidas ao comércio de
outras partes contratantes.‖ Disponível em: <http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/enabling1979
_e.htm>. Acesso em 29 set. 2009.
43
Cláusula de Habilitação, Parágrafo 2: ―As disposições do parágrafo 2 se aplicarão: a) ao tratamento
tarifário preferencial concedido pelas partes contratantes desenvolvidas aos produtos originários dos
países em desenvolvimento em conformidade com o Sistema Geral de Preferências; b) ao tratamento
diferenciado e mais favorável com respeito às disposições do Acordo Geral relativas às medidas não
tarifárias regidas pelas disposições de negociações multilaterais sob os comandos do GATT; c) aos
acordos regionais ou gerais firmados entre partes contratantes em desenvolvimento com o fim de
reduzir ou eliminar mutuamente as tarifas e, de conformidades com os critérios ou condições que
podem firmar as PARTES CONTRATANTES, as medidas não tarifárias, aplicáveis aos produtos
importados no início da comercialização; d) ao tratamento especial dos países em desenvolvimento
menos adiantadas no contexto de toda medida geral ou específica em favor dos países em
desenvolvimento.
exclusivamente‖ ao tratamento dado àqueles países pelo país que, concedendo
preferências, os incluiu como beneficiários no seu esquema SGP.
Antes de iniciar o exame da apelação interposta pelas Comunidades
Européias, o Órgão de Apelação esclareceu que as alegações da Índia perante o
Grupo Especial referiam-se sobre a compatibilidade entre o ―Regime Droga‖ e a
expressão ―sem discriminação‖ da nota 3 da Cláusula de Habilitação. Mais
especificamente, a impugnação do ―Regime Droga‖ está baseada na afirmação de
que a expressão ―sem discriminação‖ impede que os países que outorgam
preferências concedendo tratamento tarifário preferencial a qualquer beneficiário de
seus esquemas SGP o façam sem conceder tratamento tarifário preferencial idêntico
a todos os demais beneficiários.
Quando da análise dos pontos alegados pelas Comunidades Européias no
recurso de apelação, no que diz respeito ao parágrafo 2 da Cláusula de Habilitação,
o Órgão de Apelação se manifestou no sentido de que o texto de tal dispositivo não
autoriza nem proíbe de forma expressa a concessão de preferências tarifárias
diferentes a beneficiários diferentes do Sistema Geral de Preferências. Entretanto,
declarou, também, que a expressão ―sem discriminação‖ pode ser interpretada como
conceder preferências tarifárias idênticas a todos os beneficiários que se encontram
em uma situação similar, e, não necessariamente, a todos os países em
desenvolvimento. E a fim de reforçar tal declaração, o Órgão de Apelação afirmou
que o parágrafo 3, alínea ―c‖ da Cláusula de Habilitação44 dá embasamento
suficiente autorizando os países que concedem preferências a ―responder
positivamente‖ a necessidades que não sejam comuns a todos os países em
desenvolvimento e, conseqüentemente, que um esquema SGP pode ser um
esquema ―sem discriminação‖ mesmo quando não se concede tratamento tarifário
idêntico a todos seus beneficiários.
O Órgão de Apelação salientou que, conforme a Índia havia alegado, não se
deve presumir que alguns países em desenvolvimento renunciaram, frente a outros
países em desenvolvimento, os direitos de nação mais favorecida conferidos pelo
Artigo I do GATT, uma vez que, não obstante as disposições desse artigo, a

44
Cláusula de Habilitação , Parágrafo 3, alínea ―c‖: Todo tratamento diferenciado e mais favorável
concedido em conformidade com a presente cláusula: c) deverá, quando referido tratamento for
concedido por partes contratantes desenvolvidas a países em desenvolvimento, estar elaborado e, se
necessário, ser modificado de modo que responda positivamente às necessidades de
desenvolvimento, financeiras e comerciais dos países em desenvolvimento.
autorização para conceder tratamento diferenciado e mais favorável a alguns países
em desenvolvimento provém da Cláusula de Habilitação.
Quanto à compatibilidade entre o ―Regime Droga‖ e a Cláusula de
Habilitação, o Órgão de Apelação primeiramente informou que o Grupo Especial não
determinou se o ―Regime Droga‖ cumpria as condições estabelecidas no parágrafo
3, alínea ―c‖ e tão somente analisou se esse dispositivo se tratava de um elemento
para a interpretação do parágrafo 2, alínea ―a‖, fazendo com que a incompatibilidade
fosse constatada somente com base no parágrafo 2, ―a‖ da Cláusula de Habilitação.
Verificando então que o Grupo Especial não formulou nenhuma justificativa de
(in)compatibilidade do ―Regime Droga‖ com os parágrafos 3, ―a‖ e ―c‖ da Cláusula de
Habilitação, o Órgão de Apelação limitou sua análise ao parágrafo 2, ―a‖.
Tendo em vista que o presente litígio gira em torno do tratamento tarifário
diferenciado concedido aos países beneficiários do SGP que apresentavam
problema de produção e tráfico de drogas em seus territórios, o Órgão de Apelação
tratou de verificar se as preferências concedidas pelo ―Regime Droga‖ estavam à
disposição de todos os beneficiários do SGP que, de alguma forma, eram afetados
de forma similar pelo problema da droga. Após diversos questionamentos, constatou
que o regulamento do ―Regime Droga‖ não estabelece mecanismos que permitam a
inclusão de novos beneficiários e, tampouco, estabelece critérios objetivos que, em
caso de cumprimento, permitiriam a outros países em desenvolvimento afetados de
forma similar pelo problema de produção e tráfico de drogas serem incluídos como
beneficiários no Regime. O Órgão de Apelação verificou ainda que não há nenhuma
indicação no regulamento que mostre a maneira como foram eleitos os beneficiários,
bem como quais considerações foram levadas em conta para determinar os efeitos
do problema da droga em um determinado país.
Por fim, o Órgão de Apelação declarou que as Comunidades Européias
reconheceram expressamente, ao solicitar uma isenção de suas obrigações
decorrentes do Artigo I do GATT para aplicar o ―Regime Droga‖, que o regime
tarifário preferencial só seria aplicado a importações oriundas dos 12 países
beneficiários e, portanto, seria sim discriminatório. Diante do exposto, o Órgão de
Apelação concluiu que as Comunidades Européias não provaram que o ―Regime
Droga‖ cumpre o requisito de ―não discriminação‖ da nota 3 e confirmou, por razões
diferentes às expostas pelo Grupo Especial, que não restou demonstrado que o
―Regime Droga‖ estivesse em conformidade com o parágrafo 2 da Cláusula de
Habilitação.
Por fim, concluiu o Órgão de Apelação que a Cláusula de Habilitação é uma
exceção ao Artigo I do GATT e que a mesma não exclui a aplicabilidade da cláusula
da nação mais favorecida, que é ônus da Índia invocar a Cláusula de Habilitação ao
formular sua alegação de incompatibilidade com o Artigo I do GATT, bem como é
ônus das Comunidades Européias provar que o ―Regime Droga‖ cumpre as
condições da Cláusula de Habilitação e que a Índia analisou de forma suficiente o
parágrafo 2, ―a‖ da Cláusula de Habilitação ao formular sua alegação de
incompatibilidade com a CNMF. Revogou a constatação do Grupo Especial de que a
expressão ―sem discriminação‖ da nota 3 exige que pelo esquema SGP se
concedam preferências tarifárias idênticas a todos os países em desenvolvimento
sem estabelecer diferenças, com a exceção da aplicação de limitações a priori, bem
como revogou a constatação do Grupo Especial de que a expressão ―países em
desenvolvimento‖ presente no parágrafo 2, ―a‖ significa ―todos‖ os países em
desenvolvimento, salvo quanto às limitações a priori. Confirma que as Comunidades
Européias não demonstraram que o ―Regime Droga‖ fora aplicado em conformidade
com a Cláusula de Habilitação.
Diante do exposto, recomendou que o Órgão de Solução de Controvérsias
solicitasse às Comunidades Européias a adequação do Regulamento (CE) nº
2501/2001 de acordo com suas obrigações perante o GATT 1994, tendo em vista a
constatação de incompatibilidade do mesmo com o Artigo I do GATT e de não
conformidade com o parágrafo 2, ―a‖ da Cláusula de Habilitação.

2.2.1 Implementação das novas medidas

Em encontro realizado em julho de 2005, as Comunidades Européias


anunciaram que o ―Regime Droga‖, presente no Regulamento (CE) nº 2501/2001,
fora revogado e um novo regulamento, o Regulamento nº 980/2005, fora promulgado
a fim de deixar as Comunidades Européias em conformidade com as
recomendações feitas pelo Órgão de Solução de Controvérsias. A Índia expressou
algumas preocupações quanto ao fato desse novo regulamento atender fielmente à
decisão do Órgão de Solução de Controvérsias e se reservou no direito de retornar a
essa questão no futuro se assim se mostrar necessário.
CONCLUSÕES

Embora de suma importância para o desenvolvimento do comércio mundial, a


Cláusula da Nação Mais Favorecida foi poucas vezes explorada de maneira
aprofundada pelos estudiosos da área. Tal circunstância sempre instigou curiosos
não apenas sobre a busca de um detalhamento do tema em si, mas também acerca
de análises de casos nos quais sua aplicação tenha originado conflitos comerciais
entre importantes países. Buscou-se, então, mesclar conhecimento e análise prática
no decorrer do presente estudo a fim de possibilitar a exposição de relevantes
conclusões acerca do tema.
Através do presente trabalho foi possível verificar a enorme importância da
Organização Mundial de Comércio como organização internacional responsável, no
cenário global, pela implantação e supervisão das regras do comércio internacional,
negociadas e acordadas pelos seus Membros. Os estudos realizados ao longo do
primeiro capítulo demonstram que a OMC, auxiliada pelo conjunto de regras do
GATT, possibilita a consecução do livre comércio em nível mundial evitando a
disseminação desenfreada de políticas protecionistas entre os Países-Membros.
O exame reservado à Cláusula da Nação Mais favorecida possibilitou a
constatação de que a escolha do referido princípio para abrir o rol de regramentos
do GATT não foi desproposital: sendo um dos pilares do comércio internacional, a
CNMF invoca elementos importantíssimos como a igualdade e a não-discriminação
entre os Membros da OMC. Sem ela, as negociações comerciais ocorridas no
âmbito do comércio mundial seriam altamente manipuladas pelas grandes potências
e os países em desenvolvimento, que hoje se encontram ao abrigo de uma das
exceções existentes à CNMF, não teriam vez frente aos Membros desenvolvidos.
É válido mencionar, também, que as exceções ao princípio da Cláusula da
Nação Mais Favorecida estudadas devem ser encaradas como uma condição
necessária à existência e permanência do sistema multilateral de comércio, servindo
como um meio de compensação às distorções a que um sistema liberal baseado na
liberdade total de trocas e na presunção de igualdade entre seus membros
inevitavelmente leva.
Por fim, através das análises de decisões proferidas pelo Órgão de Solução
de Controvérsias acerca da aplicação da CNMF no âmbito das negociações
comerciais realizadas entre Membros da OMC, constata-se que o Órgão de Solução
de Controvérsias defende de forma veemente o respeito ao princípio da Nação Mais
Favorecida nas negociações comerciais. Verifica-se, ainda, que a possível e
provável retaliação que poderia sofrer um país ao ir contra as decisões proferidas
pelo Órgão acaba por contribuir de forma expressiva com a expansão do sistema
multilateral de comércio.
Ante o exposto, conclui-se que a Cláusula da Nação Mais Favorecida deve
ser encarada como um dos motores do livre comércio, ao passo que contribui de
maneira significativa para a diminuição dos mecanismos obstaculizadores do
comércio multilateral estendendo as preferências concedidas nas negociações
comerciais, automática e incondicionalmente, a todos os membros do GATT.

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