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mundo administrado, da mesma forma como não há um substrato psico­

lógico irredutível que possa manter-se eternamente contra as crescentes


intervenções da sociedade extema. 66 E, com efeito, a política - tal como
Adorno a concebe - está profundamente privada de toda espécie de
energias genuinamente subversivas que não sejam de imediato transfor­
madas em mecarúsmos instrumentalizados de preservação do status quo.
Na realidade, se pudesse ser encontrado algum local de redenção
fora do çontexto da própria Teoria Crítica, só haveria, para Adorno, 4. Cultura como Manipulação;
aquilo que Stendhal denominou "a promessa de esperança", que é a arte. Cultura como Redenção
Em nosso capítulo final, devemos voltar nossa atenção, por cons!lguinte,
para os notáveis esforços empreendidos por Adorno no sentido de detectar
o fraco pulsar da utopia em meio à ensurdecedora cacofonia da cultura
contemporânea.
"ln dem, was man Philosophie der Kun:st nennt, fehlt gewohn/ich ein:s l'On beiden:
entweder die Philosophie oder dle Kunst. " 1
FRIEDRICH SCHLEGEL

Culture
--- _
-----'-----como há pou_ço nos lembrou Raymond Williams, "é uma
das duas ou três palavras mais complicadas da língua inglesa". 2 Embora
..,--
as respeclivascomplicações não sejam precisamente equivalentes, o mesmo
se poderia facilmente dizer sobre Kultur, palavra que apresenta ressonâncias
es eciais na Alemanha desde_SUª-J,Yifaposiç® realizada no século XVIII,
a Zivilisation. 3 Poucos intelectuais do século XX foram tão sensíveis
aos seus múltiplos signifi_:ados_e implicações contraditó�as quanto Adorno,
ue deixou o ambiente da Kultur alemã, foi para o ambiente da culture
\
anglo-americana e retomou àquele - sentindo-se, por todo esse tempo,
pro undamente deslocado diante de todas as versões que encontrou.
--Com efeito, se tivéssemos de conjeturar a respeito da fonte mais
provável do direito de Adorno no sentido de atrair a nossa atenção, assim
como a atenção da posteridade, chegaríamos à conclusão de que essa fonte
se constitui de seus escritos extraordinariamente ricos e variados acerca da
-----~·-
cu ura, em odos os sentidos áa p avra. Enquantosuas contribuições
à psicologia, sociologia e, talvez, até mesmo à filosofia, foram feitas a
partir do papel de critico de posições teóricas precedentes, na qualidade
de analista da cultura, Adorno esteve mais diretamente engajado com o
material primáno. Na condição e musico e compositor, ele foi capaz
e escrever sobre muitos temas artísticos a partir de· dentro. E, comõ o
100
101
ilustra seu envolvimento com a elaboração do Doctor Faustus,de Thomas realidade ideal ou espiritual. Distinguir de ·maneira abstrata entre uma
Mann, ele também tinha condições de ser âfgoaléinãêUm mero crítico da alta esfera cultural, alegadamente desinteressada, e as necessidades e
literatura. Na verdade, talvez seja possível afirmar, até mesmo, que boa interesses humanos mais básicos - digamos, à maneira da estética kan-
parte os seus próprios trabalhos críticos também aspirou à condição tiana - significa negar o momento hedonista de toda cultura genuma,
de arte,4 o que constitui uma das fontes da incomensurabilidade daqueles cujo componente sensual contém uma prefiguração somática de uma
com relação a boa parte do discurso científico social acerca dos mesmos felicidade futura mais generalizada. Celebrar .a cultura a enas em termos
assuntos. Algumas vezes, como é o caso da obra Quasiuna Fantasia,5ele es- de sua transcendência com rela ão às preocupações materiais é, além
truturou de forma solta, semelhante a uma composição musical, aquilo que disso, b oquear o potencial crítico do conceito. orno ele escreveu no
escreveu. Antecipando os desconstruciorústas, com os quais tem sido com- ensãíü"MCulrura e Administração", "O J~rncesso de n~utralizaçao ~ a
parado no tocante a essa questão, 6 Adorno pôs em questão a própria fron- trans orma~o d ~ cultura em algo independente e _externo, apartado de
teira entre crítica e criação, sem, contudo, jamais desfazê-la inteiramente. toda relação possível com a práxis - permile integrar [a cultura] na orga-
Fal de cultura sig!!,!ficaser confrontado de imediato pela tensão ruzaçao êlã qual ela se ~ -:erta in~5_:>antemente".7
l
~ entre seus sentidos antropológico e elitista. No tocante ao primeiro sentido,
que na Alemanha pode ser acompanhado pelo menos desde Herder,
marxista ue há em Adorno também desconfia profund·amente
de todo conceito de cultura que olvide s uas origens contaminadas na
\) cultura siê:!!fica todo um modo de vida: práticas, rituais, instituições e desigualdade social. Todã c ultura, ele insistia, "su re as n eces sídâdes Gt=:
artefatos materiais, assim como textos, idéias e imagens. No que se refere de-sua existência, tão-só, em virtude da injustiça já perpetrada na esfera
\ ao segun o sentido, desenvolvido na Alem a como suplemento de uma da produção, mais ou menos como o comércio".ª Isolar a cultura como
<JI interiorização pessoal que contrastava com a superficialidade dos costumes algo superior à sociedade, li1:re de suas restrições, é igl}orar o enetrante
corteses, a cultura é identificada à arte, à filosofia, à literatura, à educação poáerclãt otalidade dominante, em que se transformou a vida moderna.
formal, aote atro etc., aos chamados "propósitos humanizadores" dos Com efeito, ele alegou em Prisms: "O maior fetiche da críticacúiturãfé
homens "cultivados". Como substituta da religião, cuja importância vinha .a noção de cultura como tal. Pois nenhuma obra de arte autêntica e
sofrendo uma acentuada redução, a cultura no sentido elitista surgiu no nenhuma filosofia verdadeira em cQ_ n orm1 a e com o seu próprio sentido, 4
J
século XIX como repositório das realizações mais nobres e dos valores jamai s se esgotaram a si- mesmas, mantendo -se restritas a si próprias , no
mais elevados do homem, sempre em tensão, seja com a cultura "popular" âmbito do seu ser-em-si. Elas sempre estiveram vinculadas aos processos
ou "folclórica", seja com as realizações mais materiais da "civilização". vitais reais da sociedade dos uais se distinguem. -- ---
Em função de suas conotações inegavelmente hierárquicas e elitistas, a verdade, a própria hipóstase ão conceito de cultura como realida-
a cultura , em seu sentido rnãGresirito g_mIH:l L Q!Ovocou a hostilidade de coerente que transcende as obras de arte específicas constitui um desen-
dos críticos populistas ou radicais, que denunciam sua cumplicidade volvimento perigoso. "Falar de cultura" , afirmaram , paradoxalmente,
natural com a es rafifica çãQJ,_ociaI-:- - - Adorno e Horkheimer, "sempre foi contrário à cultura. A cultura como
- As ponde raçõe~ de Adorno acerca desses múltiplos sentidos da denominador comum já contém , em embrião, aquela esqüêmãtizaç ão <-c.,,
cultura assumiram inúmeras formas. Na ualidade de émigré num con- e· a uele processo de catalogação e de classificação que conduze ~ a .5ultura \
texto estranho ele al mas vezes assumiu o_pa el de um antropólogo ara a esfera da ad.!JÚnistração."10
cultural desejoso de ler as ráticas nã'o-familiares do aís ue o acolhera. Mas se insistia, com um fervor marxista-hegeliano característico ,
Especificamente em Mínima Mora/ia, ele comentou, quase sempre com quanto à importáncia de uma análise holística - que evita a fetichização ~Q 7
"t>j notável precisão, todos os assuntos - dos zoológicos aos padrões de de uma das partes componentes - , Adorno era igualmente inflexível / -~,
divórcio, do jogging à insônia, dos testes de inteligência ao ocultismo. ao ressaltar as cont radições_l!redutív~ii eE sfe_!lt _es no todo. A contra- 'Zo'J ,(
Na base do seu interesse pelo conceito mais amplo de cultura estava sua diçwme 1iutíve1m ais fundamental, como já observamos , é a divisão e.,_
insistência no inevitável entrelaçamento entre a realidade material e a entre o t rabalho manual e o tra_b~o intele~ tual , que está na base na C·

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�ca do Iluminismo. A tensão entre a cultura defuúda no sentido
- -------- -
elitista e a cultura como modo de vida Tum
produto dessa divisão. Uma
linha divisória entre as obras de arte que admirava e aquelas que despre­
zava precisamente de acordo com a posição que assumiam no tocante
das principrus aspirações e Adorno foi superar essa divisão; mas ele a essa questão. _______ _
reconhecia que a solução jamais poderia ser atingida no âmbito da própria
cultura, assim como não poderia provir do colapso da alta cultura na vida
cotidiana do presente, pois esta só serviria para negá-la, sem concretizar
-.
Assim sendo, a tarefa do( crítico cultural di�� não era celebrar
a separação entre mente e matéria, arte e administração,---------cultura e civili­
zação, nem passar por cima das divisões, fazendo de conta que elas não
seu potencial emancipatório.
ocorreram. Essa tarefa consiste, na realidade, em insistir na ambigilidade
Por conseguinte, uma teoria dialética da cultura deve resistir não
radical de uma alta cultura (cujo conteúdo objetivo, sua promessa de
apenas à dicotomia abstrata entre cultura e vida material, como também
fé' ºcidade, só pode ser realizado através de sua generalização para a cultura
à não menos_ abstrata negação da distinção entre elas. Num aforismo
no sentido amplo) e, ao mesmo tempo, insistir em que sua dependência
intitulado "Baby with the bath-water", incluído em Mínima Mora/ia,
ele apresentou seu argumento:
quanto às condições desta sociedade, assim como de sociedades passadas,
ajudou a impedir essa mesma realização. Em outras alavras as en�rgias
críticas presentes no conceito elitista de cultura devem ser colocadas em
r1/<
,2

��
No âmbito d crítica cultural, um dos motivos estabelecidos há mais tempo,
e um dos m s essenciais, é o da mentira: de que a cultura cria a ilusão de confronto com a função ideológica de sua contrapârte ântropológica,
uma sociedade digna do homem que não existe; de que ela escamoteia as ao passo q�e os impulsos-progressistas desta devem ser confrontados
condições materiais com base nas quais são produzidas todas as obras huma­ com as implicações cõnservadoras daqÜefa.
nas; e de que, confortando e acalentando, a cultura serve para manter viva --Para recuperar o potencial emancipatório na realidade cultural
a má determinação econômica da existência. Trata-se da noção de cultura fraturada dos nossos dias, é necessário, segundo Adorno, utilizar um
como ideologia, que parece, à primeira vista, comum a �sa
---
�"7:ã-smra.--dversá · ria.--; ta1ítO-a7'ílietzsche quan o a Marx. Mas essa
noção, precisamenfê, tal como todas as advertências ârespcit�ntira,
a revela; uma suspeita tendência a tornar-se, ela mesma, ideologia.
l
complicado método que �mbine as duas aborda ens !,!!_ el� denominav� 'Ó'ii
crítica timanente criticai transcendentej A primeira, cujas raízes estão
assentadas na tradição hermenêutica de Schleiermacher e de Dilthey, 13

e� /;
:,
começa com o reconhecimento de-- que o- crítico cultural
...e.;--,--- se encontra
---- l e.
A razão para essa reversão, alega Adorno, prende-se ao fato de um firmemente embebido da c� ur:a que ���ja cri!!car. Como Adorno alertou, { 5
)
-
conceito tão degreciativo de cultura, ue a reduz a mero reflexo ideoló­
glcõ do statu� uo cometer uma--hl.ustiça ao poder contrabalançador
num artigo a respeito de Mannheim,

----
da alta cultura em seu mais alto grau. Ao contrário dos apressados detra­
tores da cultura, da direita e da esqu erda, que correm para as suas ármas,
à simples menção da palavra, Adorno insistia em sua dimensé!o crítica,
A resposta à reverência de Mannheim com relaça:o à inteügenuia como (um
grupo] "em livre variação" não se encontra no postulado reacionário das
"raízes do Ser", mas sim na lembrança de que a_própria inteligentsia, que

--
da mesma forma como insistia em sua d.imens[o ideológica:

Se a realidade material é chamada o mundo do valor de troca e se a cultura


se julga em livre variação, se encontra fundamentalmente enraizada nó pró rio
ser que é necessário trans ormar e que essa mesma ente igentsia apenas
JU lga cnflcar .
1

[é chamada) tudo aquilo que se recusa a aceitar o domínio deste mundo, Mas o fato de estar enraizado na cultura não significa que o crítico
então é verdade que essa recusa é ilusória, já que o existente existe. Todavia,
como a troca livre e honesta é uma mentira, negá-la é, ao mesmo tempo, não disponha de uma posição vantajosa a partir da qual questiona os
falar a verdade: diante da mentira do mundo das mercadorias, até a mentira valores de sua própria cultura. Pois fazer crítica imanente significa tratar
que denuncia se transforma em correção. 12 esses valores como ideologias que podem ser comparadas às realidades
do mundo objetivo:
De fato, por razões que trataremos em breve, Adorno situava a
Ela [ a crítica imanente] leva a sério o princípio segundo o qual a falsidade
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não reside na ideologia em si mesma, mas em sua pretensão de corresponder �eculativa {ontra o empmsmo sociológicQ_ - imaginação, memona,
à realidade. A crítica imanente dos fenômenos intelectuais e artísticos busca experiência - constituem a fonte de toda transcendência que Adorno
captar, através da análise da forma e do sentido desses fenômenos, a contra­
dição existente entre sua idéia objetiva e sua pretensão. possa reivindicar para si mesmo. Ele, contudo, jamais justificou, a rigor,
sua condição privilegiada, limitando-se a falar vagamente de "um golpe
�tade do século XX entretanto a ca acidade de realizar de sorte imerecida" que "manteve a coerência mental de alguns indiví­
�a cótica imanente definida nesses termos foi ameaçada por aquilo que duos não muito ajustados às normas vigentes" . 19 Destarte, fico!!..-ª__çlll'go
�o considerava a redução do papel das ideologias genuínas na re ro­ dos seus sucessores na tradição da Escola de Frankfurt - sÕbretudo de
dução da sociedade. Tradicionalmente, as ideologias tinham sido geradas abermas - a tarefa de tentar descobrir uma posição privilegiada, trans­

tJ/'
pe a necessidade de justificar uma condição social problemática percebida ceilãentãl ou qüãse-transcendental, mais satisfatória. O fato de Adorno
como tal. Embora apologéticas em termos de intenção, as ideologias con­ p�cer astante insa tis:e1:o �om sua própria solução para o problema
. _
tinham, igualmente, um impulso crítico, situado na lacuna entre as justifi­ evidencia-se em sua ms1stencia em afirmar q_�m a crítica imanente, )�
cativas que exibiam e a realidade que alegavam representar. Masle a expe­ nem a crítica transc':_Il�jamais poderiam ser suficientes em si mesmas: , ".J

riência nazista, lamentava Adorno, momento no qual ninguém vãva -a
sé ·o o conteúdo da ideologia, considerando-a um mero mstrumento As alternativas - pôr em quest[o a cultura como um todo, a partir de fora,
de manipulação, assinalara o colapso dessa ãistânciã: - -- nos termos da noção geral de ideologia, ou confrontá-la com as normas que c::j::;=
ela mesma cristalizou - não podem ser aceitas pela teoria crítica [ de forma
isolada). Insistir na...esc.o.lha entr� imanência e transcendência equivale a rever-
Onde predominam relações de poder de caráter puramente imediato, não ter a lógi:a tradicional criticada na polêmica de Hegel êontra Kant. to
há realmente ideologias.... A ideologia, atualmente, é a condição da consciên­ _
cia e da inconsciência das massas, como espírito objetivo, e não os produtos
desprezíveis que imitam e destroem a base desse espírito, de modo a repro­ Adorno estava determinado a preservar, por qualquer meio, l.illill__.
duzi-lo. Para have r ideologia, no sentido próprio, é ·necessário haver relações posi�ão crítica privilegiada �eEt�'?_s assuntos de caráter cultural, gue
de poder que não sejam compreensíveis para esse mesmo poder, relações de considerava severamente c�mprometidos pela abordagem empírica da
poder mediadas e, portanto, menos rigorosas. Na atualidade, a sociedade - principal corrente da sociologia da cultura. Apesar de ter moderado em
injustamente acusada em função de sua complexidade - tomou-se transpa­ certa m.edida suã hostilidade a esses métodos - que acabara com a mal-
rente demais para (que haja] isso. 16
fadada colaboração com Lazarsfeld, durante o Projeto de Pesquisa sobre Cú//
o Rád.10 -,21 Adorno sempre afirmou que "A cultura é uma condição /IJ 'F"- · ·
Essa mesma transparência se encontra tCarada_2or ráticas cultu- 22
gue exclui a tentativa de medi-la." Como ele insistiu em sua corres­
rais ue constituem reprodu ões imediatas do status quo, práticas às pondência com o sociólogo empírico da música, Alphons Silbermann,
quais falta a tensão necessária entre ·ustifica ão e realidade, condição o significado social e estético o�etivo de uma obra não é redutível a um
de realização da critica imanente. "Portanto, da ideologia resta apenas
aquilo que efetivamente existe, os modelos de um comportamento que
_
p��xtemo de comurucaçao entre um produtor e um consumidor.
/ 1 A_
lf­
Apenas uma investigação teoricamente fundamentada das relações sociais
se submete ao poder arrasador das condições existentes." 17 Confrontar
mediadas no interior do próprio artefato cultural pode iluminar sua plena
conceito e objeto, à maneira da "cótica ideológica" 18 praticada nos
significação. Como emonslróu em estuâos como a sua penetrante dissecção
anos 30 pela Escola de Frankfurt, já não era suficiente, se é que algum
da coluna astrológica do Los Angeles Times, 23 uma análise do conteúdo
dia o fora.
ualitativo ode iluminar a função de um fenômeno cultural sem apoiar-se
Assim, se o atual todo for inteiramente "falso", será necessário
nas reações subjetivas das vítimas desse fenômeno. ·Mesmo a estética da
então al m ponto transc.endwte que se e1.1contr� fora desse to o, para
recepção mais so 1s cada de um Hans Robert Jauss era insuficiente para
v) sustentar uma gef!uína�ria crítica. No tocante a essa questão, as câpa­
cidades que vimos Adorno arrolar quando de sua defesa da teoria
Adorno. 24 Embora sua própria teoria estética estivesse em dívida para

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com Kant, Adorno só expressava desdém pela tradição de enfatizar o a incerteza quanto à natur eza calculada e conspiratória desse controle,
gosto subjetivo ou inter-subjetivo gerado pela Cn'tica da Razão, fosse o Adorno jamais duvidou da direção da dominação cultural. Por essa razão,
gosto investigado de fonna empírica ou de forma hennenêutica_- ele e Horkheimer preferiam o carregado termo "indústria cultural" _ a
Segundo Adorno, esses métodos são particulannente madequados cultura popular ou mesmo cultura de mass a. Como Adorno mais - tarde
quando aplicados à esfera em que costumavam ser realizados mais freqüen- relem ro ,
temente, a esfera dtrcuttur ã -ctemassa. 1essa esfera, em particular a cons -
ciência manipulada não po de ser tomada como dado último de uma Em nossos rascunhos , falamos de "cultura de massa". Substituím os essa
análise crítica; faz-se necessário compreender as tendências mais profun- expressão por "indústria cultural", com o fito de excluir, desde o início,
das que tiram proveito dessa manipulação. Essas forças subjacentes só a interpretação agradável aos seus defensores: a interpretação segundo a
podem ser entendidas através de um confronto mais direto com as pró· qual trata-se de algo parecido com uma cultura que surge espontaneamente
do seio das próprias massas, a forma contemporânea de arte p~ular. Desta
prias obras. , - última, a indústria cultural deve ser distinguida de forma extrema.
A incansável animosidade de Adorno com rela ão à cultura de massa
~~ 6 ontava entre su~ c~ri sticas- mais cÕnt rÔVe~as, prov~ando , amiúde,
As fontes do conceito adomiano de indústria cultural, como o
' Jx' a acusação de que ele era um esnobe__:~is~ um mandanm a~~t: e
indicou Andreas Huyssen ,29 devem ser encontradas em sua própri~ ~_xpe- i
até mesm Õ (grãças aõ ódio· qu e -dedicava ao jazz) um racista nao-
riência com a nova cultura d~ massa, tecnologizada e anônima, da época
declarado.2 5 Esses epítetOs - cujo caráter defensivo se evidencia - não _
de Weimãr; com a cu tura- pseudo folclóric a nâzista e_c_oni a cultur ~ pQpj!:....,

t~ ogravam reconhecer o grau até onde as_::1esmas críticas que ele dirigia
contra a cultura de massa também eram diri "das com fre üência c tg
boa parte Ua cul ura e elite, que ele se recusava a fetichizar como ine,~ n-
lar americana das décadas de 30 e de 40 .-Podemos acrescentar a isso sua
desilusão co__roo p.roletariado :CU·os esforços ~la cria ão de uma cultura
oposicionista da classe o erária Adorno considerava um total fracasso.
temente supenor. Há, para exemplificar, poucos aspectos de sua cntica
Ao contrário os seus amigos Benjamin, Brecht e Kracauer, ele tinha
do cinema que não possam ser encontrados em seu ataque a Wagne.c..
pouca simpatia pelos experimentos de arte de massa que utilizavam recur-
cujas óperas, ao contrário do que disse o jovem Nietzsche, "testemunha~
sos tecn ológicos modernos, construídos pela esquerda de Weimar, a partir
O nascimento do filme a partir do espírito da música" 26 e não uma trage-
de modelos soviéticos. 30 De idêntica fonna, ele não se mostrava tão
dia grega ressurrecta. E embora possa ter-se mostrad Õ abertamente ansioso
otimista quanto seu amigo Bloch em face do desvirtuado momento de
por demonstrar o núcleo sadomasoquista do jazz , ele não estava menos protesto, dos traços utópicos , da cultura volkisch (uma discordância que
~ disposto a perceber a mesma patologia na música de Stravinsky.
27
Em
se estendia, igualmente, às suas respectivas atitudes com relação a Wagner).
31
J>U resumo , para Adorno, toda cultura , elevada ou não, contém um momento
E, ao contrário do seu colega da Escola de Frankfurt, Marcuse - que che- 1
'Y de barbárie. "Ou a consíd: rar o ·azz e os "blue_s" formas artísticas críticas-, ele votava q;s,,.,,,.
O fat o de Adorno mostrar-se es cialmente antipático com relação
.a.enas desdem pe las formas nativas de arte po~ul_ar q~e ~c ~n_!:ou no ~~"'(,
àquilo que passava or cultura o ular é, não obst~t~ ine _ável. Na exfüo . Eurocêntrico ao extremo , Aêlomo Jarn-ªJ§_s@ tll.l_ Slffi~tl ~ e_al ""-
verdade , gumas vezes ele prejulgou claramente sua s1gnificaçao, como _pela cultura ;1~ricana , para não falar das formas mais "primitjvas" de
ele mais tar de admitiu ao confessar sua rea ão visceral à própria ala a cultura fora o c1dente. ara mlomo, nlío havia uma contra-hegemonia
"Jazz . Mas essa liostilidade decorreu menos de uma convicção mandari- ~ como Cramsci teria afirmado), nem uma esfera pública ressur-
~ nserva ora e que a revolta das massas havia poluído os templos recta (como Habermas teria alegado) emergindo para desafiar a total
<lãcultura do que e sua crenya no fato de a C!,!ftu_rad~ massas ser a reificação da consciência produzida pela indú stria cultural.
mistura completamente sintética, im12osta a elas d~ fonna cínica e vertical. Adorno localizava as origens dessa reificaça:o já no século XVII,
Em lugar do caos cultural ou da anarquia, a situação _corrente era de_~ma aproximadam ent e o perío o no qu ru surgiu a primeira controvérsia impor•
arregimentação e de um controle rigorosos. Embora algumas vezes adnut1sse tante a respeito de suas implicações nos escritos de Montaigne e Pascal.

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Como assinalou Leo Lowenthal em sua sinopse a respeito do debate da estética idealista - a determinação sem propósito - reverte o esquema
implícito entre eles,33 Montaigne def~ndia o papel saudável da diversão, de coisas a que a arte burguesa se conforma socialmente: a falta de deter-
que tornaria o homem comum capaz de adaptar-se às crescentes pressões minação em favor dos objetivos determinados pelo mercado. Finalmente,
sociais, ao passo que Pascal, muito mais preocupado com a salvação da na procura por entretenimento e relaxamento, o propósito absorveu o
alma humana que com seu ajustamento terrestre, desprezava o mero domínio da falta de determinação" .37
entretenimento, considerando-o escapista e inferiorizador. Adorno, em Da mesma forma que outras mercadorias econômicas , as origens JC
muitos aspectos, descendia antes de Pascal que de Montaigne. Ao contrá- produtivas e as finalidades funcio nais dos produtos culturais se acham
rio deste último, cuja resignação às imperfeições da condição humana m~ c7rad as por ·uma c-ortina de fumaça fantasmagórica que engendra a
não era compartilhada por Adorno (apesar de sua reputação de pessimista),
ele insistia em afirmar ue as diversões de massa privavam os homens do
-)> seu potencial para atividades mais valiosas e recompen~adoras. Mas, ao
-falsa consciência. Como disse Lowenthal numa frase que Adorno gostava
de citar, "a 9! ltura de massa é a psicanálise às avessas" posto que, em vez ~
de curar personalidades autoritárias, ela contribui para criá-las.
~ ntrário de Pascal, Ad·omo não identificava a condição mais elevada A dívida e domo para com a obra de Marxfica particularment e
do homem à salvação espiritual; ele afirmava, antes, que a indústria evidenciada em sua ênfase no a el do fetichismo na indústria cultural ,
.c.ul u ai ne ava precisamente a enuína satisfação corporal. Ao contrário ~p.ar_e_ceJ.t..em uma de suas primeiras discussões sociológicas <!amúsica
do que diziam os críticos que consideravam sua posição uma forma enco- nos anos 30. 38 Quando ~ u apogeu, ã música óurguesa prod uzia ~po -
berta de puritanismo, ele afirmou que aquilo que passava por felicidade, sições totais, cuja unidade e coerência estéticas podiam ser apreciadas por
no presente, constituía ;:.ma pálida imitação da verdadeira f~e: ouvintes atentos; já a música contemporânea - com raras exceções -
a resenta ao ouvinte um pasticho desconjuntado de fragmentos não rela-
A indústria cultural nega perpetuamente aos seus consumidores aquilo que cionadosentre s i que não .se pode ouvir como um todo dotado de sentido.
perpetuamente lhes promete. A nota promissória que ela, com suas tramas Com efeito, a fetichização assume muit ás formas no atual está ·o musical;
e encenações, saca contra o prazer, é interminavelmente prolongada; a pro-
messa, a que o espetáculo efetivamente se restringe, é ilusória: aquilo que o culto a rnaestros-es re as e a mus1cos-estrelas, a obsessão com a erfeição
34 técnica dos equipamentos de alta-fidelidade e- o -e;- 2obrecim~to da
ela realmente confirma é' o fato de o verdadeiro ponto jamais ser alcançado.
audição daqueles que não conseguem entender nada além de melodias
Para Adorno, uma arte que exponha os paliativos da cultura de famosas, semelhantes a citações d e segunda mão, nas grandes obras-primas.
massa, atribuindo-lhes o verdadeiro valor, expressa com mais precisão 'Wesenvolvrmento a indústriã ciiTfürãl",
alegaram Adorno e Horkheimer,
â dor · tê eia moderna e ortanto se encontra, em últi análise, "l~ predorrunanc1a do efeito , do toque óbvio e do detalhe técnico,
do lado do verdadeiro razer. "O segredo da sub ·mação estética" , afir- ~ - que antes expressava uma iâ.éíã, mas que- foi liqui-
mou ele, "reside em sua representação da realização como uma promessa dada junto com essa idéia." 39
35
não-cumprida: A indústria cultural não sublima; ela reprime." O lado inferior do fet ichismo da música, dizia Adorno , é a regres§.ãod--
, Uma das- principais queixas de Adorno contra a indústria cultural da audição , cujo significado é uma crescente incapacidade de concentra-
. f\ referia-se à sua ~eliberada fu~ça:~mistificador~. N_esseaspecto, a análise ção e u quer coisa, exceto- nos aspectos banais e truncados de uma
~ lf- clássica de Marx acerca do fetiohismo da mercadona estava na base de sua composição. O resultado disso, na música popular, foi particularmen te
~~ · argumentação, 36 pois A~rno alegava que os produtos da indústria ~ultural ~a que os ouvintes são programados para aceitar urna música que
~ não são obras de arte postenormente transformadas em rnercadona; eles rejeita todo desenvolvimento coerente e que apresenta, em vez disso,
,e...são, na real.i a e, pro uzidos desde o início como itens un gíveis a ser uma temporalidade espacializada do "sempre-igual", que serve sutilmente
(P-,d(l ven os no mercado. distinção entre arte e publicidade, afirmava ara reforçar o status q_uo como destino inescapável. A substituição
Momo, fora oblitera da, já que our utos culturais eram criados para a aparentemente incessante de uma mania por outra, na música popular,
troca e n~ para satisfazer quaisquer necess~ ades ~ - "O princípio é na realidade uma tela para a re rod_!l_çã-9 ~~as mesrn~ . relações básicas

110 111
_gue subjazem ao sistema como um tod ~. As fónnulas de prestidigitl!ÇãO o principal poder mistificador da sociedade moderna. Mas seria incorre.to
são repetidas, ad in[initum, em detrimento de ~ão genuína. afirmar que ele atribuía a indús!~•u; ultU;ral, essenciaj1!lel}te, à te~ ol~&ia
Mesfn"o os célebres interlúdios improvisados do jazz, asseverava Adorno, ou aos meio..L e _comunicação d~ massa per se. Embora falasse com fre-
seguiam padrões altamente circunscritos. qü~ cja de um "véu tecnológico" , sua principal preocupa ção estava êÍr
Outra forma de funcionamento da indústria cultural, segundo lf~q ilo ue se ocultavª- Q.O.!. trás desse véu. "A base sobre a qual a
Adorno, consiste no uso de resíduos de obras de arte anteriores, mais tecnologia adquire poder sobre a sociedade", insistia ele, '~r fV4
autônomas, para seus pró rios obºetivos. A tragédia, por exemplo, daqueles cujo domínio econômico sobre a sociedade é mais amplo." 2
Conseqüentemente, seria mais corretocã racterizar a posição de
é reduzida à ameaça de destruir todos os que não cooperarem, ao passo que Adorno da seguinte forma: os interesses econômicos do capitalismo
sua significação paradoxal antes residia numa resistência desesperada ao avan ado são promovidos mediante a substituição da "técnica" produtiva
destino nútico. O destino trágico se transforma em mera punição, aquilo individual pela tecnologia reprodutora. -
que a estética burguesa sempre tentou levá-lo a ser. A moralidade da cultura
de massa é a forma barata dos livros i!g'antis de outrõri 40
----
O conceito de técnica , na indústria cultural, só é idêntico à técnica das obras
d e arte no nome. Nestas últimas, técnica está vinculada à organização interna
A reprodução tecnológica destruíra de maneira virtual aquilo que do próprio objeto, à sua lógica interna. Em contraste, a técnica da indústria
Benjamin chamou a "aura" de uma obra de arte, seu halo de autenticida- cultural é, desde o início, uma técnica de distribuição e de reprodução mecâ-
de e de singularidade - induzido à maneira de um ritual ou culto-; mas nicas; por conseguinte, mantém-se permanentemente externa ao seu objeto.
a indústria cultural_ emprega _u_ma pseudo-aura para dar. àquilo que na
realidade são me.IQ..~ _omp.letamente padronizadas, o efeito de A distinção entre os dois tipos de técnica foi especialmente impor-
individualidade. Assim, o "jargão da autenticidade" filosófico tem o tante para Adorno em sua polêmica, hoje famosa, travada com Benjamin
seu correlato no domínio da cultura de massa. Um e outro mascaram o a respeito do artigo deste último, "A Obra de Arte na Época de suas Técnicas ~
declínio real do sujeito burguês, mas não assinalam a ascensão do seu de Reprodução". 44 Enquanto Benjamin afirmava, com otimism Qi__g ue a J::r_
sucessor coletivo. "Cultura é a 2erene reivindicação _QQ_particular sobre 1nvasão da produção estética pela reprodução tecnológica havia criado 1-z.
1
o geral, enquanto este último permanecer irr~cof~ do com o primei- a possibilidade eu ma arte- de massa politicamente progressista, A.domo
4· mas tu o que a indústria cultural o e ornecer é um seudo- ~ licãv'ã ue havia- um p otencial emancipatório mais genufuo no desen-

1
~
inclivlaualismo que mascara o poder da troca para minar o não-idêntico vol~mento interno a técnica artística no interi Õr das obras de arte aparen-
no mundo administrado. temente autônomas. "O désenvolvimento té cnico -como tal pode servir
- E importante acentuar o fato de Adorno utilizar, no tocante a à reação grosseira,7 ão logo se estabe leça a si mesmo como fetiche e,
esse ponto. uma análise ainda marxista , para evitar a implicação, muitas através de sua perfeição, representa as t arefas sociais negligenciadas como
~ vezes apontada, de que ele censurava a indústria cultural mais em termos tarefas já realizadas." 4 5 Graças ao fato de resistir à falsa suposição de que
d' dos desenvolvimentos tecnológicos do que em termos dos desenvolvimen- essas tarefas se encontram prestes a ser realizadas - uma suposição subja-
~~ tos econômicos. domo ara dizer a verdade , não tinha nenhum traço cente ao colapso da arte e da práti ca políti ca da esquerda de Weimar - ,
da fé no potencial emancipatório da tecno og1a que parece ter inspira o , a arte esotérica é mais verdadeiramente progressista que a arte exotérica,
'i) ~ mas vezes, Benjamip. E suas várias análises de no-vãs tecno!Õgfu, c~mo o cinema, defendido por Benjamin, ou a "música comunitária"
tãfscomo o rádio, a televisão, o cinema e a música eletrônica costumavam escrita por compositores de esquerda como Hanns Eisler. 46
\
apontar, efetivamente, para os usos ligados à dominação , a cujo seryiç_o Mesmo quando a aura mágica que circundava trad icion almente
esses meios poderiam facilmente ser ostos. Com efeito, algumas vezes a arte esotérica foi dissolvida - na realidade, como veremos dentro em
Adorno falou como se a tecnologia tivesse substituído as ideologias como breve, precisament e porque a arte esotérica havia passado por um tal

112 113
processo de perda da aura -, esse tipo de arte se mostrava menos susce- elaboração de Composing for the Films, suas razões ligavam-se amplamente
tível ao abuso fetidústa e fantasmagórico da indústria cultural do que a aos efeitos musicais, e na:o visuais, do filme.
arte de massa politicamente mais correta. Como Adorno escreveu a Benja- A insistência ativista do livro frente ao potencial crítico do filme,
min, no decorrer de sua disputa . na realidade, pode ser atribuída mais a Eisler que a Adorno, que se recu-
sou a reconhecer a co-autoria quando da publicação. Mas é interessante 4J.-i.,_
A extrema consistência na busca das leis t écnicas da arte autônoma é precisa- que Adorno , no final da vida, tenha buscado algum alívio dos incansá- ~ ·
mente o que transforma essa arte e que, em lugar de t orná-la um tabu ou veTseíeifüssüroc antes da indústria cultural voltando-se para o cinema. <:.
fetiche, leva-a a aproximar-se da condição de liberdade, a condição daquilo
que pode ser produzido e feito de forma consciente. Não conheço um progra-
Em "Transparencies on Films" ,51 ensaio que refletia sobre o Novo Cinema ,ef
ma materialista melhor do que a afirmação de Mallarmé com a qual ele definiu Alemão - lançado em 1966, com apoio governamental, por jovens cine- \ '
as obras literárias como algo feito com palavras, e não com inspiração. 47 astas radicais como Alexander Kluge e Volker Schlondorff -, Adorno [ ~
reconsiderou sua opinião de que o filme não passava de produto da indús-
A moderna arte tecnologicamente reproduzida, tal como o cinema, tria cultural. Embora seja errôneo descrever esse ensaio como um ponto
é deficiente precisamente porque carece de qualquer traço significativo de partida totalmente novo - já que mesmo Dialectic of Enlightenment
de técnica artística individual. admitia que "a indústria cultural efetivame nte retém indícios de alguma
52
Falar de cinema equivale a lembrar que a crítica de Adorno à indústria cÕisãme lhor naquelas características que a ap.rÕximam-mrusdo circ~" -,
cultural tem uma base muito mais ampla que a oferecida pela música A orno reconheceu pela primeira vez ~ existên :!_a_<!eum p~_::~ 4/:::-
popular que ele tanto menosprezava. Embora não fosse tão sensível em nÕãmõffiiãã tend ência dominante da indústria cultural. "Em suas tenta-
termos visuais quanto Kracauer, Adorno muitas vezes utilizo u exemplos tivas de mânipular as m~as", ele adnútiu, "a própri a ideologia da indústria
retirados de filmes ~ desenhos animados contemporâneos ara ilustrar · cultural passa a ser internamente antagônica na mesma medida da própria
seus argumentos. Ao contrário do seu amigo, que consid~~va o cinema sociedade que ela visa controlar. A ideologia da indústria cultural contém
a "redenção da realidade física" ,48 Adorno encarava com prudência a o antídoto para seu próprio veneno." 53 Logo, a possibilidade de uma
fidelidade representacional dos filmes, com sua poderosa unidade entre critica imanen te, fundamentada na existência de uma ideologia real, volta
imagem e som. Reduzir a distância entre a arte e a vida cotidiana era o a ser possível. A tecnologia não substitui inteiramente a ideologia, adendo
oposto do tipo ~e redençã'o que ele J_)rocur<!va: ser vista como uma nova orma e 1 eo agia. A geleira, afinal de contas,
se movimenta.
A vida real vem-se tomando indistinguível dos filmes. O filme sonoro, que Ao refletir sobre a forma pela qual os novos filmes que ele agora
ultrapassa em muito o teatro da ilusão, não deixa espaço para a imaginação havja passado a respeitar questionavam a ideo agia, orno se concentrou
ou reflexão por part e da platéia (que é incapaz de respond er d entro a estru- na antiga técnica desenvolvida por cineastas radicais de vanguarda como
tura do filme), desviada do detalhe preciso do filme sem erder o fio condu-
Eisenstein:
tor da trama; assim sen o, o fIIiiieforça suas Vitimas e equacioná ~ a-
mente com a realidade. 49 -
O cinema enfrenta o dilema de encontrar um procedimento que não decaía,
tomando-o arte mdustrial, nem o leve a assumu uma aparenc1a mais proX!ITia
Em termo s mais gerais, Adorno desconfiava do filme por uma do documentano. A respo sta Óbvia, agora, como ha quarenta anos, e a mon -
outra razão: o fato de que, para ele, o olho é mais estreitamente adaptado tagem que nao interfere nas coisas, mas as organiza numa const elação seme-
ao mundo do racionalismo burguês que o ouvido, dotado de resíduos lhante à da escrita. 54
"arcaicos" so que evitam sua total absorção no mundo adnúnistrado.
Quando ele demo nstrou esperança quanto a um uso crítico do filme, Mas, em seguida, ele acrescentou , fundamentando-se no argumento
como ocorreu por ocasião do seu esforço cooperativo com Eisler na que usara há muitos anos, contra Benjamin e o surrealismo. "A viabilidade
de um procedimento baseado no princípio do choque suscita, contudo,

114 115
algumas dúvidas. A montagem pura, sem o acréscimo da intencionalidade alternativa, o realismo crítico , ele não obstante rejeitava. Se era hostil
em seus detalhes, recusa-se a aceitar intenções apenas em função do à decadência da arte sob a forma de vida i~e diata L.-'lue c~ra0 eriza a
próprio princípio." 55 Essa intencionalidade deve ser introduzida por indústria cultural, ele não se mostrava mais simpático a modernismos c:r-
meio de outros procedimentos, um dos quais, alega Adorno, é a interação ccmiõ" os urreãlismo ou o Neue Sachlichkeit [Novo Realismo], que_tenta-
entre os filmes e outros meios, destacando-se, em especial, a música vam fazer o mesmo. Embora reconhecesse os custos de uma separação
avançada. Pode até ser possível canalizar os impulsos coletivos do cinema tão rígida - o contato entre a soei de, ele insistia, é "uma coisa sem a
59
numa direção critica, como Benjamin afirmara anteriormente: "O filme qual a obra de maior integridade não pode passar, se não quiser perecer"-,
liberado terá de arrebatar sua coletividade a priori dos mecanismos de ele porfiava também que o contato mais frutífero, no mundo adminis-
influência inconsciente e irracional , e colocar essa coletividade a serviço trado, era aquele que resistia à absorção da arte esotérica pela vida diária.
de intenções emancipatórias". 56 A~ar de toda a sua oposição ~ condenação total do modernis1!10(posiç10..
Numa disposição similar, Adorno refletiu, em artigo de 1969 intit!:!; de Lukács),- Adomo compartilhava a descrença de Lukács com refer ência
lado ~s,- a respeífõ7lãshmifaçõe s do po der de manipula ão da àque as versões qu e se mostravam 2or d~mais desej~ as_de refl,:tir a reifi-
consciência das massas da indústria cultural. Discutindo um estudo reali- cação a vi a mo ema sem protesto. Assim, ao contrário de Benjamin,
zado pelo Instituto de Pesquisa Social sobre a reação do público alemão ele rmi a-tiaha-a...f az..e.r
_com OJJ~ anti-subjetivi~ a d~ im~ ~r:i§j\,!§.tapostas
ao casamento da princesa holandesa Beatriz com o príncipe alemão Claus do surrealis~o ,_que considerava sem vida e estáticas:
von Amberg, ele expressou sua surpresa com o fato de um ceticismo
geral ter-se mlúltido, apesar das tentativas dos meios de comunic~.ã.o Os quadro s dialéticos do surrealismo são os de uma dialética de liberd ade S0,
no....senti.d..o_deexacerbar a importância do evento: "A integração entre subjetiva numa situação de ausência objetiva de lfüerdade.... Suas montagens 'r"i:'.;
são as verdadeiras naturezas mortas. Na medida em que organizam o arcaico, 5
consciência e lazer", concluiu, "não é, evidentemente, bem sucedida em
criam nature morte. Esses quadros não são dotados de essência interna; sã~, 'l,
sua totalidade. Os interesses reais dos indivíduos ainda são fortes o sufi- antes, objetos-fetiches nos quais o subjetivo, a libido, foi um ta JXa o. Eles
9e nte , nas marg'ens, para resistir ao controle absoluto ,;"Slf _pfüYõcãrno rétoino" à infância atiaves do fetichismo, e não através da auto-
· Contudo, seria um exagero caracteriza r a mudança de idéia de submersão. 60 --
Adorno como um abrandamento de sua hostilidade à indústna cultural
como um todo. Talvez o melhor que se possa dizer seja que essa mudança Mesmo quando os movimentos modernistas se mostravam claramente ) }A •
de ponto de vista refletiu o abandono - que já deveria teiocõinâolíá
mwto tempo - do seu po~tÜiãdOra-; xistência de uma identidade tácita
esquerdistas do ponto devtsta a onentaçao ~ liti~a2 _aomo~ ~á s uas ~if
~
credenciais emancipatórias com desconfiança. Convencido de que a relação
entre a cultur p_Q ular americana e sua contraparte fascista. De qualquer
aberta entre ârte e políti ca d~everia ser, pelo menos no presente, completa-
modo, uma expressão clara da existência de uma continuidade muito
mente rompida, ele só defendia os _!!! Odemismos que se furtas sem ao G}:-·
grande no pensamento de Adorno está manifesta em sua reconsideração
compromisso político ou social direto. Ele argumentava contra Brecht
do potencial critico do cinema em função do uso da antiga técnica moder-
e Sartre , "Esse não é o momento para a arte política ; mas a política {
nista de montagem, que este incorporara. Pois, como observaram todos
mi rou para o interior da arte autônoma ,_nada menos que para o lugar
os comentaristas, sua contraconcep ão à indústria cultural não era a
onde ela parece estar politicamente morta." 61 Apenas escritores como
cultura elevada ou séria er se, mas apenas a variante dessa cultura iden-
Beckett, Celan ou Kafka, que se recusavam a desviar-se da ruptura da
1
tificada com a vanguarda modernista do século .
T odavia, também no tocante a esse ponto, é necessário fazer distin-
comunicabilidade, faziam justiça ao poder crítico da arte. Apenas eles
davam um testemunho agoniado da dizimação do sujeito na vida moder-
ções, pois Adorno de forma alguma foi um defensor de todas as correntes

---
modernistas. Na verdade, em sua aversão por âlgumas delas, ele se aprox.i-
mou bastante do seu alegado antípoda na estética marxis ta, Lukács, cuja

116
~a, que o didaticismo modernista de Brecht e o realismo "saudável"
defendido por Lukács não conseguiam reconhecer. Somente eles

117
arrancavam, da desintegração objetiva ·da linguagem, uma imagem nega- seu trabalho transcende as categorias tradicionais. Posto que estivesse
tiva de um mundo no qualo sentido um dia podeáa ser alcançado. plenamente capacitado para esquadrinhar o desenvolvimento interno _da
Se havia algum movimento modernista que resumia a concepção música em termos estritamente formais, ele jamais permaneceu restnto
adorniana de uma van arda crítica, tratava-se - como Eugene Lunn à esfera da pura fonna musical. Há, com efeito, poucas análises exaustivas
emonstrou recentemente - do expressionismo, que foi tão poderoso de composições inteiras em sua obra, 66 que apresenta a tendência para
na Alemanha e na Áustria de sua juventude. Apesar de Adorno não se ter justapor fragmentos da oeuvre de um dado compositor , da forma que
identificado tão estreitamente com o expressionismo quanto Bloch - Benjamin havia recuperado das ruínas da cultura tradicional. Como tam-
que se engajou num acirrado debate com Lukács acerca de suas implica- bém ocorrera quando escreveu a respeito de outros fenômenos culturais,
ções nos anos 30 -, 63 seu modelo de modernismo, em sua forma mais Adorno sempre assou da música à sociedade, embo_r~ segundo as formas
progressista, era o mesmo. Desde seu primeiro ensaio, dedicado à veraci- complicadas que discutiremos breveme nte :
dade (Wahrhaftigkeit) da destruição das formas estéticas herdadas, reali- ------X ssimsendo, po e ser melhor classificá-lo essencialmente como
zada pelo expressionismo, 64 ele falou muitas e muitas vezes sobre sua sociólogo da música, que é de fato um termo que ele freqüentemente
importância Conquanto sua ênfase pámária repousasse nE-.Yersões musi- utilizou para descrever sua obra. 67 Como tal, ele foi um digno sucessor
cais do expressionismo, ele_ sempre respeitou profundamente figuras de Max Weber, cuja obra precursora, Rational and Soâal Foundations
literááas como Kafka e Trakl. Tal como Horkheimer, cujos pámeiros of Music, foi publicada postumamente em 1921, cerca de uma década
escátos também foram marcados por simpatias para com o expressionis- antes de a primeira análise sistemática de autoria de Adorno, "Sobre a
mo,65 ~omo jamais abandonou o impulso utópico, profundamente Situação Social da Música", ter sido publicada nos números inaugurais
ético, que modernismos mais moderados como o Neue Sachlichkeit viáam da nova Zeitschrift do Instituto. 68 Mas como sua atitude crítica com
a erder. Da mesma forma, ele jamais renegou sua crença de que o expres- relação à sociologia empírica da música de Silbermann demonstra, sua
sionismo havia sido o modernismo mais sensível à forma pela qual o variante dessa nova disciplina foi composta a partir de um padrão extrema-
mundo administrado impede a realização da utopia , de maneira mais mente não-convencional.
notável através de sua descáção gráfica da angústia gerada pela dissolução Urna das razões da diferença é sua cautelosa propensão a intro ~
cÍÕ sujeito burguês. O elemento que fazia do expressionismo, em última categorias psicológicas, apesar de não acreditar em suas implicações naJ_ura-
~instância, ~ forma mais acabada de lealdade à promessa utópica de felici- listas e de nao ter mte resse no impacto cfa-musica so re as emoções dos
dade na arte era sua inflexível fidelidade ao sofrimento do homem mo- ouvi ntes. 69 Fmõora considerasse Philosophy of Modem Music um "apên-
derno, que os modernismos osteriores fre üentemente não conse ·ram
j registrar.
-O exemplo dessa incapacidade que se revestiu do mais doloroso
dice ampliado" de Dialectic of Enlightenment, há muitas passagens que
soam mais corno uma glosa de The Authoritarian Personality. Mas a
principal razão por que os escritos de Adorno sobre a música se revestem
caráter para Adorno foi dado - como era de esperar - pelo campo da de um caráter que ultrapassa o sociológico é sua óbvia dívida para com sua
música, e justamente no âmbito da própria escola em que Adorno havia filosofia dialética negativa. Quando Adorno fala de "sujeito musical" ,
sido treinado, a ''nova música" de Schoenberg, Berg e Webem. Para todas as ressonâncias desse termo em sua filosofia se fazem presentes.
compreender o complicado raciocínio de Adorno, devemos passar, nesse E o fato de ter-se mantido apegado a uma noção particular de racionali-
ponto , à hercúlea tarefa de ex licar seus notáveis escritos à mú · a que, dade subjetiva é a única coisa que explica seu distanciamento da anális~
segundo se revê ocu arão doze dos vinte ~ três volumes de sua obra weberiana da racionalização da música, que era dependente de um concei-
co gida. to de razão menos complicado. Por conseguinte, talvez seja melhor falar
O que chama de imediato a atenção do leitor de qualquer análise da "filosofia da música" de Adorno , como o título da discussão ~
da música feita por Adorno é o fato de não ser ade uado considerá-lo escritos nessa área, feita por Lucia Sziborsky, sugere. ru
simples~ente ~ m musicólogo. Tal como ocorre em muitas outras áreas, '-- Mas tam'6ém nesse ponto e necessario mrnrdUzir urna qualificação ,

118 119
pois a obra de Adorno sobre a música não deve ser confundida com a amplamente distanciadas dos conceit o s) representam a sociedade. A música,
podemos imaginar, fá-lo tanto mais profundamente quanto menos aponta na
tradição da estética filosófica que teve início na Alemanha do século
direção da sociedade. ?6
XVIII com Baumgarten e Kant e foi estendida à música por figuras do
século XIX como Hegel, Schopenhauer, Hanslick e Nietzsche. 71 Pois Em outras palavras, a música é uma lingyªg~m n_ão-conceitual e
Adorno levou a sério a célebre crítica de Schoenberg à estética tradicio- não-discursiva que "re-(a)presenta" , sem autoconsciência , o mundo social
nal em sua Hannonielehre [Teoria da harmonia], escrita em 1911, que que lhe é externo. O fato de-essa re-( a)presentação pode-r se r mais que
defendia uma teoria mais modesta do artesanato musical, que não privi- ~ elemento que permite à arte, em seu nível mais elevado,
legiasse quaisquer padrões estéticos absolutos. De fato , essa foi a razão a transcendência com relação àquilo que se encontra no exterior de suas
pela qual Adorno mostrou -se freqüentemente relutante em identificar paredes monádicas sem janelas, assim como o registro dessa mesma realidade.
Schoenberg e seus seguido res como "escola" distinta, ·com toda a confor- No cerne desse argumento reside o postulado de que a música é
midade a cânones estéticos que esse termo implica. 72 Por conseguinte, antes um fenômeno histórico ue um fenômeno natural-1-m:na r~elab_oração
sua filosofia da música registra a impossibilidade de existência de ~ma do "Geist sedimentad o", 77 e não ae_enas a manipula ção de regularidades
::fstética totalmente positiva , sistemática e coerente, em nosso tempo. matemáticas em eventos acústicos . Como se poderia esperar-·de um defen-
Não é de surpreender que estu 1osos mais moâ es-t-o- s do assunto sor de Schoenberg, A orno estav~ particularmente voltado para a refuta-
tenham julgado difícil avaliar as análises superdeterminadas e não-cate- ção da noção segundo a qual a tonalidade tradicional da música ocidental
gorizáveis de Adorno. Mesmo seu professor e amigo, Alban Berg, consi- é, até certo ponto , mais natural que outras formas musicais. A tonalidade
derou o "lastro filosófico" de Adorno uma "excentricidade" roble- tradicional , afirmava ele, representa apenas um estágio particular do
mática, e o próprio Schoenberg tornou-se ainda mais antipático a ele, desenvolvimento da música, um estágio que ora se encontra superado por
sobretudo após o infeliz incidente d.oDo ciõrFãústus.74 Para os defen- um outro estágio. O fato de a música ter uma hi stória que não se o~ri a \
sores dos compositore s que não agradavam a Adorno - tais como o reverter de modo ãibitrário também -con sti tülu mã premissa de sua argu- \ )
devoto de Stravinsky, Robert Craft -, todo o projeto de vincular a música menta ção, p_~!!}Jssa essa 'l!:.le ele s ustell tOu contra to d:is as tetrtª tivas
à filosofia da história e à sociologia era perniciosamente ideológico, e de restaurar a tonalidade ou outras formas superadas. O desenvolvimento
constituía a impo sição de um esquema determinista ao curso casual do musical não precisa ser visto como um progresso; mas, mesmo assim, foi
desenvolvimento musical. 75 his oncamente unidirecion al. . ' ~
Embora seja difícil dissipar todas as suspeitas dos seus críticos - · - - tJrrr:r-~ gun a prenussa importante da posição de Adorno é sua // ,,,..., ~
que afirmam ser seus julgamentos , algµmas vezes, arbitrá rios, e consi- afirmação de que ~ sociedade como um todo, e n ão simplesmente a cons-4-' L)
deram suas interpretaçõe s um tanto ingênuas -, a lógica da obra de Adorno ciência de um grupo específico da sociedade, está presente na música
~ respeito da música toma-se mais coerente quando colocada sobre o pano Contra outros adepto s da esté tica marxista, como Lucien Go ldmann -
de fundo do argumento mais amplo que aqui esboçam9s. Pois essa é a que p retendia estabelece r vínculos entre as classes, as cosmovisões das
única forma de compreender o raciocínio que sustenta os pronun ciamentos classes e obras de arte específicas - , Adorno afirmava que:
muit as vezes aparentemente apodíticos que ele fez .
Talvez a melhor forma de abordar a obra de Adorno nessa área seja A busca d e correspo ndências entr e a pert inência a uma classe e a origem
concentrar a atenção sobre a delicada relação que ele afirma va haver entre social de um compositor envolve um erro de princípio. O argumento mais
forte contra essa bu sca nem mesmo é o fato de que na música, a posição
música e sociedade: social que um indivíduo ocupa não é diretamente traduzida na linguagem
A relação entre as obras de arte e a sociedade é comparável à mônada de tonal. É preciso considerar, ant es de tud o, se, do pon to de vista da perti-
Leibniz . Desprovidas de janela - isto é, não consc ientes da sociedade e, de nência de classe dos produtor es, hou ve algum dia algo além da música bur-
qualquer man eira, não acompanhada s, de maneira constante e necessária, d essa guesa - que constitu i, a propós ito , um problema que ultrapassa em muito
consciência - , as obras de arte (sobretudo as mu sicais, que se encontram a música, alcançando o domín io da sociolo gia da art e. 18

120 121
J
A indiferença geral com relação aos níveis intennediários existentes do: "lndependentemente..do..lo.caL.em_~e é ouvida hoji:.,a música esboça_ ~
~re o indivíduo e o todo social - que observamos na obra mru.s dentro das linhas mais claras possíveis, as_s ontradições e falhas da atual
2ro namente sociológica de Adorno - é repetida em sua sodÕ!õgia soc1e a e , orno acrescenta, logo em seguida: "Ao mesmo tempo,
~ música. Sem interesse pelo ambiente específico dos compositores e a música encontra-se separada dessa mesma sociedade pela l!!ais E_rofun iª
. de seus ouvintes, em níveis de classe social, Adorno enfatizou, em vez fissura roduzida ela p.Jóprià sociedade em questão." 81 O processo de
disso, as implicações objetivas das pró rias obr .CLseotido da revelação alienação, diferencia ção e racionalização (caracterizado por Weber como
das contradi ões a sociedade burguesa. modernização e, por Lukács, como reificação capitalista) tem como conse-
1
f Uma terceira premissa o argumento de Adorno era o caráter insepa-
J..\ rável da relação entre o meiito estético e o conteúdo social, que contraria
) I a crença da maioria dos sociólogos da música. Como escreveu ao seu
qüência a ruptura da íntima vinculação da música com as ráticas e rituais
da vida cotidiana. Sua separaçãÕn uma esfera toda sua, ay«:!gada música
pura celebrada por estudiosos da estética como Hanslick, não significa,
amigo, o compositor Ernst Krenek, em 1932, "A questão social só pode todavia, que tenha logrado alcançar uma verdadeira libertação da reificação
ser fonnulada de maneira significativa com base na questão da qualidade e alienação que ela parece ter deixado para trás. E111...P.rimeiro
lu ar, argu-
estética . Em outras palavras, a sociologia não deve questionar o modo mentava Adorno, boa part ~ música tomou-se, de fato, U_!!lamerc~
como a música funciona, mas o modo como ela se posiciona diante de produzida apenas para a venda no mercado e é, por conseguinte, parte
antinomias sociais fundamentais; [trata-se de verificar] se ela se dispõe da uilo ue eíecfiamaria indústria cultural. E, em segundo lugar, mesmo
a dominar essas antinomias ou se lhes permite permanecer ou até mesmo que alguma música seja- e~ &res istir a e~e destino, seu conte~do
as escamoteia. E essa questão leva, tão-só, àquilo que é imanente à forma tem de reflefif at risie situ ação que produziu a divisão entre arte e vida,
82
da obra, tomada em si mesma. 79 divisão que "não pode ser corrigida na música, mas apenas na sociedade".
O intento inicial de Adorno objetivando investigar a situaça:o social - O fato de alguma música poder transcender, em lugar de simplesmente
da música surgiu no ensaio com o qual contribuiu para os primeiros refletir, a sociedade existente é algo de que Adorno não duvidava mas,
números da Zeitschrift, ensaio de caráter muito mais teórico que a miríade [segundo ele], isso só poderia ocorrer se a música se recusasse a manter-se
de críticas e análises que ele escrevera para publicações como Anbruch, presa em suas contradições:
Pult und Taktstock, Zeitschrift für Musik e Der Scheinwerfer na década
A música será tanto melhor uanto mais profundamente for capaz de expressar
anterior. Era de igual modo muito mais claramente marxista, tão mais, - nas an momias de sua própria linguagem orm - a. exigência aa -s[:uação
de fato, que ele desistiu de incluí-lo em suas coletâneas posteriores após socia0 de conclamar à mÜdança através de -sua lingiiagemc odificada de
seu retomo à Alemanha. A razão que ele mesmo apontou para distanciar-se wí~eil~A música não deve olhar ã sociedade com um horror d~sesperado.
dessa tentativa foi dada numa roda de rodapé em sua Introduction to the Ela cumpre sua funçaosõci al, de modo mais preciso, através do seu próprio
Sociology of Music, onde indicou como erro do seu ensaio "a identificação material e de acordo com suas próprias leis formais - problemas que a música
contém em si mesma, nas células mais Lntirnasde sua té~
imediata entre o conceito de produção musical e a precedência da esfera
econômica da produção, sem levar em consideraçã'o o ponto até o qual Essa tarefa leva a música a assemelha_r-se à teoria social crítica, ~
aquilo que podemos chamar produção já pressupõe a produção social e continua Adorno, porqu e um a e outra podenam negar o status quo. Ela
depende dela, tanto quanto se encont ra separado dela". 80 Esta explicação se assemelha à teoria, além disso, em função d:._sua resistência à cons-
sugere um afrouxamento da relação causal que ele postulou anteriormente ciência empírica do ouvinte médio.
ent re a superestrutu ra e a base sócio-econômica, mas mostra que ele era Em 1932, Adorno ainda não estava totalmente pronto para separar
'j> intransigente quanto à vinculação entre arte e sociedade, mesmo quando a teoria crítica ou a música crítica, de forma completa, do seu impacto
1 a primeira parecia muito mais autônoma.
No ensaio original, com efeito , a causalidade que ele propõe de
prático . Assim como a teoria , afirmou ele, "A música que alcançou a
autoconsciência referente à sua função social entrará numa relação dialé-
forma alguma foi formulada em termos simplistas. Embo ra comece dizen- tica com a prá,xis." 84 Enquanto a "Gebrauchsmusik" (música utilitária),

122 123
bem-intencionada, mas em última instância impotente, de um Hindennith Configurando-se como uma espécie de decodificação, a composição
ou a "Gemeinschaftmusik" (música comunitária) de um Eisler tentavam n!fo é redutível ao seu momento construtivo, a objetificação da subjetivi-
alcançar essa relação através de um impacto imediato sobre seus ouvintes, dade do compositor; ela contém igualmentLYm_momento necessário
somente a música que recusava a comunicabilidade fácil poderia ser de mlmesÉ_;_Q_ papel central da mimesis na teoria estética geral de AdÕrÍ}~
considerada verd adeiramen te revolucionária: será melhor esclarecido adiante, mas, em termos musicais, ele significava,
inter a za, que os sons puros também constituem expressão- de uma reáli-
No âmbito da atual sociedade, esse tipo de música encontra uma resistência
veemente que supera a resistência contra toda música utilitária ou comuni- dadesocial externa. O "material musical", como ele gostava de chamar
tária, pouco importando a acentuação literária ou política que possa ter. Não as combinações tonais, ao mesmo tempo forma e conteúdo, disponível
obstante, essa resistência parece indicar que a função dialética dessa música a todo compositor num momento particular, relaciona-se com a realidade
já é perceptível na prática, mesmo que apenas e tão-SÓcomo força negativa, material da sociedade. A racionalização desta última tem seu efeito indi-
isto é, como "destruição". 85
reto sobre a racionalização da primeira. Embora, como vimos, quisesse ~
Para entender por que Adorno sentia que apenas uma certa versão dis.tin@i a...té~cnic.a_produtivª- artística d~ ~enologia no sel}!ido amp!9,
dessa inacessível música "destrutiva" era verdadeiramente crítica, devemos Adorno era sensível às formas elas uais as duas poderiam ser relacionadas.
examinar com mais atenção seu arrazoado geral a respeito da relação entre ~ m da produção, havia a reprodução <lã-música, uma distinção
música e sociedade. Mediante complicadas análises da produção, da repro- gerada a partir da divisão do trabalho entre compositor e intérprete,
dução e do consümo da música, Adorno explorou virtualmente todas as partitura e realização instrumental, concerto e transmissão ou preserva-
facetas dessa relação. O mais importante, todavia, era a produção, já que ção técnicas. Com resultados notáveis, Adorno explorou todas as facetas
"a distribuição e recepção sociais da música são um mero epifénômeno; da reprodução, as várias mediações entre produtor e consumidor, na
a essência reside na constituição social ob"etiva da própria música". 86 era burguesa. Seja quanto à relação entre a música de câmara e o espaço
Põr produç o e musica ele designava o processo de composição, que privado da casa burguesa, seja quanto à sinistra ligação entre regentes
ele pretendia recuperar das noções igualmente falaciosas segundo as extravagantes e dominadores e o Führerprinzip [princípio autoritário] do
quais [a composição] representava o gênio soberano do compositor fascismo ou o impacto das transmissões radiofônicas sobre a destrui-
ou o domínio absoluto deste por forças externas. Segundo ele, toda çli'oda aura da música, Adorno tinha comentários rovocativos e ori~
música genuína é ''um campo de força composto por momentos cons- a fazer a respeito das im lica ões da rodução na vida musi Q...Q._ci.d.ente.
trutivos e miméticos e não menos esgotado em qualquer dos tipos de O fato de ele valorizar a própria distinção entre produção e reprodução
momentos que qualquer outro campo desse tipo". 87 O verdadeiro "sujei- como um emblema da não-identidade entre a essência abstrata e a apa-
to musical", portanto, "não é individual, mas coletivo" ,88 uma combina- rência sensual da música, a idéia do compositor e a interpretação do
ção entre as habilidades pessoais do compositor e os meios colocados à músico, é atestado pela sua implacabilidade com relação ao virtual colapso
sua disposição, legados pelo passado. A produção musical, por conseguinte, dessa distinção na música eletrônica da metade do século XX. A des-dife-
não é inteiramente autônoma, nem redutível à produção social que reflete renciação que esse colapso implica marcou ê..crescente integração da nega-
de maneira parcial. A composição, como disse Adorno ao um tanto cético ça:o musical no mundo administrado: "O desenvolvimento tecnológico,
Krenek, "é um tipo de decifração (ou, igualmente, de autolembrança); entendido a princípio como extramusical e, depois, salvaguardado por
o 'texto' é observado durante o tempo suficiente para que se ilumine intenções composicionais, converge com o desenvolvimento musical
a si mesmo; e essa súbita explosão de iluminação, a centelha em que interno. Se as obras de arte se tomam sua própria reprodução, é portanto
repousa o 'sentido' , é o momento produtivo ... Não retendo negar o lado previsível que as reproduções venham a se transfonnar em obras." 90
b"etivo da ·alética, mas apenas sua 'autarquia', ue constitui recisa- O resultado toma-se perigosamente próximo d , processo de instrumenta-
mente aquilo que a dialética eve negar; eis a razão pela qual o conceito lização da arte que tem lugar na indústria cu tur : tensã'o entre
maten sta dialético é tão importante para mun.'''8 técnica e conteúdo é necessariamente ainda mais reduzida. Quanto menos

124 125
a representação musical continua a configurar-se como representação menores. "Se isso resultou na racionalização da produção material, então
de alguma coisa, tanto mais a essência dos instrumentos passa a ser compa- Bach foi o primeiro a cristalizar a idéia do trabalho racionalmente consti-
91
"'. tível com a essência daquilo que é objeto de representação . tuído , a idéia do domm io estético da natureza." 96
o-Ji Por fim, Adorno também investigou a recepção da música, embora O apogeu do domínio musical da natureza, iniciado por Bach, teria
{ QJ.,~'-\ com muito mais ceticismo qu~ demonstrado por sociólogos da música ocorrido, de acordo com Adorno, no século XX. O ponto alto da técnica
voltados para os dados empíricos. A partir de sua dissecação da "regressão da variação progressiva foi situado por ele bem antes, na obra de Beethoven,
~O-- da audição", em seu ensaio de 1938 na Zeitschrift, e até sua tipologia especificamente em seu chamado período médio (considerado normal-

r ;--.\.,O-,dos ouvintes, no livro de 1962, Introduction to the Sociology of Music,

1,
Adorno lamentou o declmio da capacidade de responder, de forma crítica e
inteligente, à música, urg_ eclmi_Q_J>are o ao crescente poder da indústria
mente como um período iniciado com a Terceira Sinfonia, em 1803
ou 1804, e que se estendeu até mais ou menos 1819, com sua Sonata
para Piano, Opus 106). Embora Adorno jamais tenha concluído a inves-
~ / cultural. mbora seja fácil de!e~t~ o menoscabo do especialista arrogante tigação filosófica de Beethoven que iniciou na década de 30 - está pre-
em suas observações, Adorno rns1sha que: vista a publicação do manuscrito no volume 21 das Collected Works -, jJ
ficou evidente, para todos os comentaristas, que Beethoven foi o com- ~O-
A condição predominante envolvida na tipologia crítica não é a deficiência positor que representava , em sua opinião, o modelo da mais eleyada
daqueles que ouvem de uma e não de outra forma. Não é sequer a deficiência feãfização musical, a peêlra e toque de jõ dosÕ sse us julgamentos de
do sistema, da indústria cultural que alimenta o estado de espírito das pessoas figuras posteriores. 9 .,- - - - - - •
de modo a melhor se capacitar a explorá-las. Trata-se, em vez disso, da condi-
ção que surge das camadas sociológicas mais baixas: da condição que surge Ha muito "ãvinculação entre Beethoven e a idade her óica da alta
da separação entre trabalho intelectual e manual, ou entre formas elevadas cultura burguesâ, a época revolucionária a partir a qu emergiram,
e inferiores de arte; mais tarde, na semicultura socializada; no final das igualmente, o 1 e mo alemão e o pensamento - ãiafétíco, constituía
contas, do fato de a consciência certa no mundo errado ser impossível e do umpÕn tõ 6asíco dacrítica music . Ooras-como Eroica, Fidelio e ãNona
fato de que até os modos de reação social à música estão escravizados à falta Sinfonia podem ser facilmente consideradas ex pressões da autoconfiança
de consciência.93 crescente da burguesia como a suposta classe universal que representa
a humanidade. Ainda que os estudiosos de sua obra freqüen temente
A sensibilidade de Adorno às ambigüidades e contradições implícitas discordem quanto à exata relação entre Beethoven e os eventos extra-
em todo tipo de audição ou de critica que ele pudesse defender também musicais do seu período ou discutam em tomo da determinação de uma
está presente em seus copiosos escritos a respeito do desenvolvimento maior proximidade com Kant ou com Hegel, 98 a notável mediação entre
imanente da própria linguagem musical. Não havia compositor, n..:E1 elementos clássicos (ou do Iluminismo) e românticos em sua música fê-lo
mesmo Schoenberg, ue escapasse às a orlas da cultura roduzida pela parecer a tipificação da cultura burguesa em seu momento de maior

I 1 e ca o Iluminismo. Para Adorno, essa dialética surgiu essenci


em termos musicais:C"oma obra de Bach, cuja modernidade ele defendeu
ente,

num ensaio dirigido contra tentativas recentes de int erpretar a música de


triunfo.
Adorno se sentiu atraído por Beethoven, em parte, por essa mesma
razão. Como ponto culminante do processo de secularização que libertou
Bach como expressão do Ser arcaico. 94 Endossando a visão schoenberguiana a música do emaranhado religioso em que estivera, processo que Adorno
de Bach, Adorno afirmou que foi esse compositor quem primeiro intro- julgava ter-se iniciado com Bach, Beethoven representava o momen to
duziu a "técnica da variação progressiva, que mais adiante tomou-se a mais elevado do humanismo bu rguês, a mais clara personifica ção êl a
técnica composicional básica do classicismo vienense". 95 A fonte social razão
dessa ruptura , especulava ele, fora a transform ação da produção artesa- ...._,__prática em- termos sensuais, a maior realização da subjetivid,ade
-
ativa no material musical objetivo. Não mais dependente da obrigação
nal em produção manufatur eira, que teve como significado a racionaliza- de agradar a patrocinadores aristocratas , à maneira de Mozart ou Haydn,
ção do processo de produção através de sua decomposição em elementos Beethoven estava ligado ao novo público criado pela emancipação da

126 127
burguesia, público capaz de apreciar a beleza de sua música e de identi- das maiores sinfonias de Beethoven, da força da repressão esmagadora, de
ficar-se com a sua verdade . Na sonata, forma que Beethoven levou à perfei- um autoritário "f assim que deve ser"; a utiliza ção excessiva de gestos deco-
ção em suas sinfonias e quartetos de cordas, o antigo ideal da obra de rativos, que se sobrepõem aos eventos musicais - eis o t nbut o que Beethoven
viu-se obrigado a pagar ao caráter ideológico, cuja atração se estende até
arte como um todo orgânico foi efetivamente realizado:
mesmo à música mais sublime, sempre a significar liberdade atravé s da contfuua
não-liberdade. 100
A afinidade com aquele libertarismo buzguês que permeia a músíca de Beethoven
é uma afinidade da totalidade revelada de maneira dinâmica. Precisamente
pela combinação perfeita entre si mesmo s, nos termos de suas próprias leis, Não obstante, se Adorno algum dia teve uma visão positiva da
corno a transformação, negação e confirmação de si mesmos e do todo, sem obra de arte reconciliada como pre figuraçlfo de um todo social racional-
f se voltarem para fora, seus movimentos conseguem assemelhar-se ao mundo, mente totalizado , mas não-dominant e, o objeto dessa visão _EOsitiv -ªJ oi
cuja força os move; eles não o fazem atravé s da imitação deste mundo . 99 a música do período médio de Beethoven. -
n re anto, o interesse e Adorno por Beethoven não se restringia
A frase essencial aqui é "totalidade revelada de maneira dinâmica", às composições mais afirmativas deste. Com efeito , os dois fragmentos
que demonstra o apreço de Ado:110_ p~a _ dimimsão- progressivamente publicados do seu projeto mai s ampl o, "Beethoven's Late Sty le" e "Alie-
temporal da música e p~a !)OSsibilidade d~ alcanE_I a totalida de através nated Masterpiece: the Missa Solemnis", 10 1 foram dedicados ao cont ro-
dos usos magis trai s__de repetições de temas que se assemelham às reconci - ve~o terceiro período de Beethoven , que durou mais ou menos de 1819
liações dialéti cas d~e.nar:r11mo logia de Hege
l.- onsiderando-se que Adorno a 1928. Em lugar de atribu ir as mudanças no estilo de Beetho ven às suas
era hostil aos usos afirmativos da totalidade - sob as formas que exami- enfermidades pessoais, como se fez algumas vezes, Adorno as exp licou
namos em capítulos anteriores -, parece surpreendente vê-lo, inequivoca - em termos mais gerais , como um reflexo da cre s~nte cris~ da revolu ção
mente favorável a eles no tocante à música. Contudo, há, para ele, uma burguesa, que perdeu seu impulso após a derrota de Napo leão. Todavia,
diferença crucial entre a t otalidade em termo s teóricos e em termos ao contrano de Hegel, Beeffiõven se recusou a reconciliar-se com as novas
musicai s. Enquanto a primeira é por essência conceitua! e por isso ameaça realidades da Europa do período da Restauração ; sua obra do pe ríodo
dominar as particularidade s não-id ênticas e heterogêneas agrupadas sob final, com a grande exceção da Nona Sinfonia, ainda afirmativa (que,
ela, esta última se reveste de um caráter não-conceitua! e, portanto, é para dizer a verdade, Beethoven planejara já em 1812), lutou contra o
menos inclinada a eliminar a diversid ade . O momento irredutivelmente colapso da súttese revolucionária. As obras finais de Beethoven , em parti -
mimético da música tem como significado que esta jamais pode ser inte- cular os últimos quartetos , segundo afirmou Adorno , · perrnanceram ,
gralmente uma construção do sujeito dominante, ao contrário do que simultaneamente, subjetivas e objetivas, mas sem a mediação dos dois
dizem as filosofias idealista e positivista. Nesse sentido, Beethoven estàva pólos que ele conseguira atingir antes:
mais próximo de um holism o materialista hlstórico que os grandes filó-
sofos de sua época, com sua hos tilidade à "preponderância do objeto" . A paisagem fragmentada da obra é objet iva; a luz, que sozinha a faz irradiar,
Num aspecto, contudo, Beethoven compartilhava uma fraqueza é subjetiva. Beethoven não produz urna síntese harmonio sa de sses extremos.
com seus contemporâneos filosóficos, já que, tal como as totalizaçõe s Pelo contrár io , ele os separa, corno a força da dissociação, no tempo, talvez
daqueles, a sua revestia-se de uma dimensão inevitavelmente ideológica . para pre servá-los eternamente. Na história d a art e, as últimas obras são
catástrofes . 102
A burguesia, afinal de contas, não era uma classe genuinamente universal .
Tal como os jacobinos da Revolução Francesa , ou Kant, com sua asser-
A "catástrofe" particular em que Adorno estava inter essado era
ção de uma liberdade que deveria estar em todos os homens , havia uma
a MissaSolemnis, que se mostrou ininteligível à maioria dos seus prime iros
qualidade forçada na celebr ação da emancipação de Beethoven:
ouvintes. Ao retomar à forma apar ente mente arcaica da missa religiosa,
A assunção, por parte _dos gestos afirmativos de repetiçã'o de ternas de algumas o compositor, ainda um humanista secular, registrou o fracasso da

128 129
emancipaçlro burguesa do seu passado pré-ilústrado. Ao desapontar as Beethoven não conseguiu obter seja as totalizações dialéticas do seu
expectativas dos seus ouvintes, ele registrou a crescente alienação do segundo período seja as destotalizações alegóricas do terceiro . As aná-
artista com relação ao público , que se aprofundava à medida que o século lises desse fracasso , por parte de Adorno, apresentavam - como Rose
107
transcorria. Talvez o mais significativo de tudo seja o fato de que, ao Rosengard Subotnik recentemente observou - uma tendência de
abandonar a forma da sonata, com sua variação progressiva, em favor de homogeneização da música num úrúco padr ão essencial. Talvez a pnnci-
formas contrapontais mais estáticas , ele questionou o atingimento da pal causa da quafülãâne t:rtWamen e m lfe renciada da crítica de Adorno
genuína autonomia por parte do sujeito burguês. Tendo deixado de ser seja a falta de um referente dinâmico, externo à música, para o qual
um modelo de totalidade orgânica baseada em reconciliações dialéticas , ele pudesse voltar- se, tomando- o como a fonte de uma ruptura musical.
a música de Beethoven do período final atingiu a totali zação que atingiu, Ao contrário de Lukács, que também mapeou o decürúo da cultura bur-
seja ela qual for, à força: guesa após sua idade heróica, Adorno n ão tinha fé na emergência de
sua suces.çora prol etária. Assim, ainda que ethoven possa ter sido o
Embora a categor ia da totalidade , que nas obras de Beethoven sempre é a equivalente musical. em certo s aspectos, de ICant ou Hegef, não havia
principal, resulte em outra s obras do desenvolviment o interno de suas partes compositores que se configurassem como paralelos de Marx. ~ão
individuais, sua manutenção, na Missa, só é alcançada ao preço de uma espécie Õásica residia no fato de "Jam ais ter sido permitido que o proletanado
de nivelamento. O princípio onipresente da estilização já não tolera nada
verdadeiramente peculiar e reduz o caráter da obra ao nível da escolástica. se constituísse a si mesmo como sujeito musical; uma tal função criativa
Esses motivos e t emas resistem à nomeação. A falta de contraste s dialéticos, foi impo ssibilitada, tanto em termos de sua posição no interior do sistema
substituído s pela mera oposição entre frases fechadas, por vezes enfraqu ece - no qual ele nlro passava de objeto de dominaçlro -, quanto em função
a totalid ade. 100 J: , • tu " 108
do uso de fatores repressivos que 1ormaram sua propna na reza .
Mesmo no século XX, quando compositores marxistas como Eisler tenta-
Mas o elemento que tomava a Missa tão importante, aos olhos de ram criar , de maneira autoconsciente, uma música coletiva capaz de
Adorno, era menos sua fraca tentativa de preservar alguma espécie de expressar e estimular a consciência revolucionária da classe operária,
totalidade que sua disp osição para chamar a alienação pelo nome. Para Adorno dificilmente pôde esconder seu desdém. 109 O úrúco sujeito musical
dizer em termos que Adorno tomou empre stado a Benjamin, ela passou que ele levou a sério foi o sujeito burguês, cuja desintegração o Beethoven
a assumir a forma alegórica que se recusava a reconstruir as ruínas de do peáodo final foi o primeiro a registrar.
um todo fragmentado através do simbolismo. A uilo que Baudelaire Aquilo que tomou a maioria da música posterior do século XIX
logo viria a expressar em conJlgu___ra_ções oéticas, com sua crítica interna wn anátema para Adorno foi precisamente sua incapacidade de entrar
da poesia lírica, -- Beethoven conseguiu atingir em sua música: num acordo com essa mudança. Da mesma manei ra que a indústria cultural
avançada, a música ou retendia _apresent ar-se como resultado da atuação
Ele expô s o clássico como classicizante. Ele rejeit ou o afirmativo , aquilo que, de um sujeito in ividual ainda criativo, que foi levado a um extremo pelo
de forma não-crítica, endossava o Ser na idéia do classicamente sinfônico ...
romanti smo , ou buscava novas formas de coletivid ade, como no caso da
Nesse momento , ele transcendeu o espírito burguê s, cuja mais elevada expre s-
são musical foi sua própria obra. Algo present e ao seu próprio gênio, a parte procura :-i,or p arte -de Wagner, de um a regeneração do Volk alemão através
mais profunda deste, recusava-se a reconciliar, numa imagem única, aquilo de umarevi vescênciã da comurúda de mítica .. A verdadeira decadência da
que não está reconciliado. !OS cultura burguesa - e Adorno usou explicitame e esse ermo , embora
tenha atacado Lukács por empregá-lo - 110 era mais evidente, cm~ efeito,
As tentat ivas posteriores de reafirmar a urúdade simbólica , tais em Wagner, cuja significação Adorno explorou num livro iniciado n_?,
':a.
como as feitas por Schubert, resultaram num todo estrutural frágil, mais finãl dos anos 30 e publicado-- em 1952. 111
cristalino que orgânico. 106 í!ZlFClrôf- Wãgiíér foi profundamente !?arcado por aquilo que
De fato, virtualmente toda a música do século XIX depois de considerava o vínculo entre a música de Wagner, seu •~
------------------ -----
130 131
social" e as forças regressivas da sociedade burguesa que alimentaram, fraqueza do ego que levará às personalidades autoritárias de nossa própria
em última tnstâneta , o fascismo. m ora sempre se mostrasse um tanto
época. .
dublo quanto à ópera (com a grande exceção feita às obras de Berg), em O reverso dos motivos wagnerianos atomizados e não desenvolVIdos,
função da inferiÓridade desta com relação ã música sem imagens, à música
de acordo com Adorno, era a aparência exterior de totalidade imposta
pura, e de sua confiança numa aura já em decadência, sua animosidade à música a partir de fora, que recebe justificação ideológica através do
a Wagner foi claramente influenciada por fatores de ordem não-musical.
conceito de Gesamtkunstwerk [obra de arte total]:
Baseando sua argumentação na "antropologia" dos primeiros movimentos
~ de protesto burgueses, esboçada por Horkheimer em seu ensaio "O Egoísmo No dúbio quid pro quo de elementos gestuais, expressivos e estruturais no qual
1 ~~ e o Movimento de Libertação", 112 Adorno insistia na continuidade ~ssen- a forma wagneriana se alimenta, o que se espera que surja _éalgo semelhante
~ ~ cial ent re as crenças racistas, anti-semttas, de Wagner, sua personalidade a uma totalidade épica, uma perl'eita e completa unificação entre o interior
sadomasoqms a e autoritária e sua musica. Tal como ietzsche, antes e o exterior. A música de Wagner simula essa unidade entre o interno e o
de es e mumeros ou ros estüdiosos,"depois , Adorno recusou-se a absolver externo, entre sujeito e objeto, em lugar de dar forma à ruptura e~tre ele~.
Destarte, o processo de composição transforma-se em agente da ideologia
a música de Wagner da contaminação das idéias e da personalidade antes mesmo de esta última ser importada para os dramas musicais através
wagnerianas. da literatura. 115
O aspecto mais interessante de sua análise, para os nossos objetivos,
refere-se à própria música, que tipificou, por excelência, a degeneração Paraencobrir as realidades sociais ainda contraditórias que se propôs
da autoconsciência musical burguesa após as obras finais de Beethoven. a resolver através da ordem musical, W~_gnerdesenvolveu as téc~ cas~ -
Ao contrário de críticos mais recentes, como Joseph Kerman, que vêem magóricas que mais tarde seriam tão características da indústria cultural.
Wagner como o compositor que levou a realização sinfônica de Beethoven Afiigaaa vida real, semelhante a um sonho, e a supressão voluntariosa
para a ópera, 113 Adorno descreveu esses dois compositores como diame- das ongens pro utlvas a música estavam especialmente evide~
trahnente opostos:-E nquan o as sm ornas e ee oven eram exemp os - liostiliêiade de Wagner ao tempo histórico em favor da recorrência mític~
- de obras coerentemênte to talizadas, nas q_uaissujeitos fortes re ~vam "A ausência de toda pr ogressãõ liarmônica real", apontou Adorno, "trans -
~ e e fonna objetiva, as óperas de Wagner careciam de forma-se em emblema fantasmagórico do tempo imobilizado."
116
O dina•
1 o o pJIDClp J.Q....
r.e e__ esenv:olyimento ou ae subjetividade inufua.
Sua famosa utilização da "melodia ~ "e ra semelhante à "má infini-
mismo de um Beethoven é substituído pela ·temporalidade espacializada
de uma cultura burguesa que já não segue uma direção ascendente. O gesto
dade" de Hegel, uma interminável sucessão de mudanças sem direção e de Wagner é essencialmente imutável e atemporal. Repetindo-se impotente-
sem qualquer resolução real. Em lugar de expressar a luta triunfal do mente a si mesma, a música abandona a luta no âmbito do quadro temporal
homem burguês clássico pela sua própria afirmação, as óperas de Wagner que dominara na sinfonia. 117 Relegando toda esperança real de mudança
traíam a capitulação do homem burguês do último período a forças reifi- social, o sujeito burguês enfraquecido, representado nas óperas de Wagner,
cantes que se encontravam fora do seu controle. aceita o destino cruel como necessidade, identificando-se, assim, com o

~
,M.tecipando a indústria cultural e a regressão da audição no século agressor.
XX, Wa er recorreu a técnicas como o leitmotiv, ~ corres ondiam A esar de toda sua hostilidade àrraigada por Wagner, Adorno, ~!1·
à ruptura da totalização orgânica em sua música. Entre outros propósitos tudo , ~ão se re~usou a ver algo de redentor em sua músi~ No uso wagne-
dessa música, afinnou A orno, po e ser encontrada "uma função-merca- rianodÓ - cromatismo, reconhecia Adorno, foi preparada a emancipação
doria, que se assemelha mais à função de um anúncio: anteE!pan09 a da dissonância. Apesar de Wagner ter tentado transfigurar o sofrimento
prática univers a cultura de massa que surgiria mais tarde. a música expresso dessa dissonância, em lugar de encará-lo de frente, como o
é feita para ser lembrada, tem como alvo o d esmemona · do " . n-. o---'
s le1t•
. Beethoven do período fmal fizera, seu enfraquecimento da tonalidade
motivs servem aos interesses escusos do equivalente musical dessa teve efetivamente uma função progressista. Na verdade, conclui Adorno,
132
133
"Não há um elemento decadente na música de Wagner do qual uma mente chamada "nova música" da segunda Escola Vienense de Schoenberg e dos
produtiva não possa extrair as forçâs do~ ... Assim sendo, Wagner seus seguidores. Esperando encontrar um antídoto qualquer contra a
não é tão-só profeta voluntário e diligente lacaio do imperialismo e do decadência na música do nosso século, foi para a música deles que Adorno
terrorismo da fase final da burguesia. Ele possui, igualmente, a capacida- se voltou. Seu ensaio sobre Schoenberg como o "compositor dialético"
de do neurórico no sentido de contemplar sua própria decadência e de se encerra, significativamente , através da colocaçã"o do nome deste na
transcendê-la numa· imagem que aquele olhar que a tudo consome pode "paisagem em que o sonho de liberdade encontrou pela primeira vez seu
suportar". 118 tom consciente: Beethoven". 125 Ele também foi um mestre nas "varia-
Nesse ponto, talvez; as melhores evidências sejam aqueles notáveis ções progressivas" .126
119
trechos de "música negra, abrupta, estraçalhada" do terceiro ato de Mas, paradoxalmente, no caso de Schoenberg, a razão pela qual
Tristão, que subvertem intencionalmente sua visã"o da transfiguraçã"o ele foi incluído nessa paisagem deve-se precisamente à sua maior realiza-
através da morte. ção, a derrubada definitiva da tonalidade de Beethoven e da música ociden-
O reverso da decadência prometido em Wagner não pode, contudo, tal como um todo. ~ante o pe_ríodo que A~'ia-Ciu: hamar
manifestar-se da forma afirmativa que marcou o segundo período de "década heróica" da música moderna, que teve início com o Georgelieder
Beethoven. Quando se fazem tentativas de alcançar isso, por parte de em 1907, Schoenberg ertou a música a rama armomzante d~ de
compositores que Adorno admirava, como Mahler, ele afirma que essas tonal dominante. Ao fazê=iu-;-e1epermitiu que a dissonância, a música sem
tentativas contêm, não obstante, um momento negativo que mostra a uma ca enc1a conclusiva, emergisse como const ituinte essencial, e não
percepção dessa impossibilidade, uma espécie de autocrítica que os impede acidental, das peças musicais como um todo. 127 a fase atonal de Schoenberg
de ser meramente ideológicos. 120 Quando são feitas tentativas similares também foi a mais expressionista, pois a dissonância figura entre os veículos
por parte de compositores com os quais sua atitude é ambivalente, tais expressivos mais poderosos da música.
como Bartok ou J anacek, ele explica seus traços afirmativos em termos Mas aquilo que tinha expressão nas variações atonais de Schoenberg
de "extraterritorialidade" 121 dos compositores, habitantes da periferia não era o poder do sujeito soberano , algumas vezes afirmado de forma
da Europa, onde a racionalização do mundo administrado ainda nã"opene- estridente por outros expressionistas, mas antes a Angst que acompanha
trara plenamente uma cultura folclórica anterior. Quando as tentativas sua ruptura. Ademais, a dialética de Schoenberg era materialista em sua apre-
são feitas por parte de compositores que não o agradam, tais como Sibelius, sentação desse terror, "pois o movimento é situado no interior do próprio
Hindermith ou, em especial, Stravinsky, 122 ele os ataca, classificando-os material. A força produtiva que incita esse movimento envolve a realidade
de regressivamente anti-subjetivos e cúmplices das piores formas de de um impulso psíquico - o impulso na direção da expressão não-dissimu-
128
reificação. lada e não inibida da psique e do inconsciente per se" . Esse impulso ,
Os defensores dos compositores que ele atacava logo apontaram entretanto, levanta-se contra as limitaç ões objetivas do material musical,
que esses julgamentos com freqüência pareciam arbitrários. Por que, que não o podem acomodar. "A verdadeira realização essencial de Schoen-
por exemplo, o finlandês Sibelius seria menos extraterritorial que o húngaro berg" , alegou Adorno, "é o fato de ele, desde suas primeiras obras, .. . ja-
Bartok ou o checo Janacek? Por que Mahler seria menos volkisch que mais ter-se comportado 'expressionisticamente', superpondo suas intenções
123
Stravinsky, cujo cosmopolitismo era tão evidente? Seria efetivamente subjetivas a um material heterog êneo de modo autoritário e sem considera-
possível avaliar toda a música nos tennos dos mesmos critérios filosóficos ção." 129 Ele permite, ao invés, que a verdade do material , cujas contradi-
e ~ociais - uma questão que o próprio Adorno levantou tacitamente quan - ções foram encobertas por Wagner e outr os compositores afirmativos, se
do admitiu que a obra do seu amigo Krenek situava-se fora de suas cate- manifeste. Tal como o puri smo lingüístico de Karl Kraus e a severidade
gorias normais? 124 arquitetônic a de Adolf Loos, a música de Schoenberg despreza a ornamen-
Muitos dos julgamentos feitos por Adorno quiçá podem ser melhor tação· falsamente consoladora da arte pr ecedente , para mostrar, despido de
explicados por meio do seu treinamento particular, nos anos 20, na tudo, um mundo do qual o calor humano fugira.
135
134
Se a grande realização atonal de Schoenberg foi produzida pelas apenas confirmam o envelhecimento da nova musica, a neutralizaça:o
restrições do material musical, com toda a sua hlstória sedimentada, do seu aspecto crítico, a exaustã o de sua capacidade de chocar. Como
o mesmo ocorreu com o estágio posterior do seu desenvolvimento, o Adorno lamentou, nos anos 50, "O elemento esquecido atualmente é o
serialismo de doze tons, para o qual ele se voltou após a interrupção fato de a técnica dos doze tons não ter significação, exceto na medida
de sua atividade de composição, entre 1918 e 1923. Adorno sempre se em que serve para manter unidas forças musicais centrífugas, recalcitrantes
sentiu profundamente ambivalente quanto a esse aspecto da "nova música" . e mais ou menos explosivas . A não ser acompanhada por esse corolário
Já em 1929, 130 ele apontou as implicações sinistras da tentativa de e por essa contradiça:o , essa técnica não se justifica e não passa de perda
Schoenberg no sentido de restaurar a ordem após a explosão da tonalidade . de tempo.
Enquanto a obra de Webem e a de Berg ainda permanecem fiéis a Angst ompositores como Pierre Boulez, em seu esforço por "torcer o
do sujeito tomado insignificante, a obra de Schoenberg, em seu período pescoço" 135 da subjetividade, reprimem , por conseguinte, a angústia
final, começou - apesar de suas intenções - a identificar-se mais com as expressionista que ainda palpita sob a superfície da primeira fase de
forças da dominação. A culpa, a bem da verdade, não era propriamente Schoenberg. Eles representam a versão do século XX, ainda mais pertur-
de Schoenberg: "Essas obras são magníficas em seu fracasso". afirmava badora, do abrandamento das ten sões dinâmicas da música, iniciado no
Adorno. "N[o é o compositor que fracassa em sua obra; trata -se, em século XIX após o período final da obra de Beethoven. Assim sendo,
lugar disso, da negação da o bra em s1· pe 1a lú stona.
, . " 131 Por est a raz ão, os Thomas Mann estava certo - ou, pelo menos, de acordo com a visão
dois pólos de Philosophy of Modem Music, Schoenberg e Stravinsky, desesperada de Adorno a respeito da situação então vigente - quando
começam a convergir. levou Adrian Leverkühn, no final de Doctor Faustus, a "retomar" a
Adorno mostrava-se essencialmente antipático ao serialismo, porque Nona Sinfonia de Beethoven, explicando que "aquilo que os seres humanos
o
o via como a tirania do mÚodo sob re mate rial, um fracas so,' no âmbito tomaram objeto de luta e razão da destruição de fortalezas, aquilo qu e os
da própria técnica artística , ainda mais funesto que a invasão da técnica extáticos exultantemente anunciaram - é o não-ser" .136
pela tecnologia, promovida pela indústria cultural. Embora Schoenberg Na verdade, não foi fácil localizar o ponto em que Adorno pensou
freqüentemente insistisse que defendia "composições de doze tons e que a promessa da Nona Sinfonia poderia estar efetivamente mais próxima
não composições de doze tons", sua injunção para que se evitasse repetir da realização. Se houve uma oportunidade perdida, como Negative Dialectics
qualquer nota até que todas as onze remanescentes soassem equivalia à sugeriu com relação à promessa da filosofia dialética , Adorno não tomou
sentença de morte da contingência. racionaliza ão da música, descrita sua expressão musical muito clara. Na realidade, como vimos, ele sentia
or Max Weber, alcançou seu apogeu, or conse inte , na esc a de doze que a própria Nona Sinfonia era uma obra por demais afirmativa para os
_tons, a versão musical do donúnio da natu reza descrito em últimos anos da carreira de Beethov en, que tiveram como epítome, em
Enlightenment : lugar dela, a "alienada" Missa Solemnis. Quando escreveu sobre o final
do século XIX , Adorno considerou típica a fantasmagoria protofascista
A racionalidade total da música é sua organização tot al. Por meio da organi- de Wagner, e não o humanismo heróico de Verdi - cujas óperas freqüen-
zação, a música liberta busca reconstituir sua totalidade perdida - o poder e temente estiveram vinculadas aos melhores momentos do Risorgimento
a força responsavelmente comprometedores, perdidos, de Beethoven. A
música logra alcançá-los, tão-só , à custa de sua própria liberdade e, por conse- italiano . 137 No século XX, a revolução atonal de Scho enb rg_n:_presentou
138
guinte, fracassa. Beethoven reprodu ziu o significado da tonalidad e a partir para Adorno "a me e esespero que sobreviveu ao naufrágio "2
da liberdade subjetiva. A nova ordenação da técrúca de doze tons virtual· a a orna mor e do sujeito burguês levada a cabo pela calamidad ~ d_! I
mente extingue o sujeito. 132 Guerra Mundial e do fascismo. as para Ado rno , mesmo nõs seus momen-
tos mais marxistas, nãõ avta indícios de uma nova alternativa nas revolu-
·Em resumo, _§.çhaenb.erg .. o comp osito r dialétic2,i "leva a dialéti g ções socialistas - dá mes~ épo;;a. F orçan o-se um pouco a imaginação ,
a int errom er-se" :1'33 Aqueles que de maneira servil duplicam seu método o russo Stravinsky poderia ter sido visto como prefiguração de um novo

136 137
sujeito coletivo e na:o de um objetivismo regressivo. Mas, com efeito, Goethe" -, que ele pretendia proferir em Berlim, pouco depois do assassi-
a im · ~ão de Adorno foi forçada numa direçã"o bem diferente, e nato do estudante Benno Ohnesorg, pela polícia , durante a visita do Xá do
---:!) Stravinsky ornou-se, malgré !ui, o com ositor do fascismo. Sem qualquer Irã. 139 As severas críticas contra a arte engajada, partidária , que ele diri~ ,ti
tra que e fascúuo pela alma russa ue inspirou o jovem Lukács e a Sartre e Brecht ãlguns anos antes, também tmham como alvo, claramente, V"~ l
B oc , A orno via na música de Stravinsky apenas repressão primitivist~ uma teoria estética explicitamente engagé. -
combinada a autoritarismo sadomasoquista. - Seria ilifíCil alegar que sua ~o , foi pre_ci~en te sua convicção de que a arte genuína
intuição falhou quando ele tratou da União Soviética; mas, em termos contém um momento utópico que aponta para uma utura transforma ção
musicais, aquilo que quase se poderia denominar sua fetichização do política e social que levou a fuga de Adorno para a estética a assumir Üm
sujeito burguês agonizante tinha como significado seu fechamento a caráter político, no sentido mais profundo dõ termo. -A incã pacidade do
quaisquer outras alternativas potenciais. ·marxismo vulgar no sentido de enxergar além dã .funçifo ideológica ou
e verdade que havia poucos exemplos específicos de música, na instrumental da arte era uma infelicidade:
metàae do seculo XX, ara os quais Adorno poderia voltar-se em busca
de alívio ara a sua visão satumina da decadência da música.-:f../ãclãhavi a Devemos estar especialmente precavidos contra a atual tendência insuperável
de remotament e redentor na ~úsica popular que fosse comparável ao de estender por demasia, em. toda e qualquer oportunidade, o conceito de
'-J> novo cinema ue ele come ou,~ autelosll:Ilente, a elo iar nos anos 60.
ideologia. Pois a ideologia é inve1dade - falsa consciência, mentira. Ela se
manifesta no fracasso das obras de arte, em sua própria falsidade intrínseca,
Da mesma forma, não havia compositores sérios, com a possível exceção e pode ser desvelada pela crítica. . .. A grandeza aas obras de arte reside tão-só
de Johh Cage, cÓm sua uti lizaçao ctr s11:êrreltr s:..._!!!..~ r~ ckett, em seu poder de permitir que sejam ouvidas as coisas que a ideologia oculta. 140
muito mais atraentes. Se artistas com õ po der crítico de um Webern
ou de um- Berg estivessem vivos hoje, refletiu ele em 1956, seu individua- Segundo Adorno, de que forma esse poder se manifesta? Para fazer
lismo ser-lhes-ia retirado pelos poderes da administração, em permanente justiça à sua resposta, seria necessário realizar uma cuidadosa leitura das
expansão, no Ocidente e no Oriente. · mais de quinhentas pági~as da Aesthetic Iheory, escrita no estilo caraété-
E, no entanto, conquanto pareça ter sido incap az de descobrir risticamente paratáric , antI:SÍstemático en[Õ° cuinulativo e :Oomo.
qualquer figura ou tendência musical específica para aplaudir, Adorno, am em sena necessano ter ul:tíeõinpt e o em asamento nas teorias esté-
não obstante, se recusou a renegar sua crença de que a arté ainda se ticas do idealismo alemão, que foram, ao mesmo tempo , um estímulo e
configurava como o mais provável repositório da negação do mundo uma frustração do ponto de vista de sua própria posição. É impossível
administrado. Essa retirada estratégica para o domínio da estética, que fazê-lo neste curto espaço e, posto que já tocamos em vários dos temas
pode ser observada já em sua Dialectic of Enlightenment, senão antes, centrais, desnecessário . Em vez de oferecer uma paráfrase da discussão
recebeu sua mais ampla expressifo na obra que Adorno esforçava-se por não parafraseável do livro como um todo, seria mais proveitoso enfocar
terminar quando a morte o colheu em 1969. Tendo permanecido como apenas quatro dos seus ponto s fundamentai s: o momento mimét ico da
um busto inacabado (tal como Passagenwerk, de Benjamin, ou Oratorio, arte e sua relação com a beleza natural; a desestetização da arte e sua
de Schoenberg, dois projetos que Adorno admírava muito), Aesthetic re ação com a modernização; a 1 éia de experiência estetica e sua relação
Iheory forneceu, assim, um final apropriadamente inconcluso para sua com a teona; e o conteúdo de ~erdade a arte e sua r~lação com a
carreira. autonomia .
A obra foi es ·ta no decorrer do roblemático eriodo em ue A relação entre arte e sociedade postulada por A~é, ~ orno
a div~ re Adorno e o movimento estudantil alemão estava vimos, m~ais indireta e complicada que a teori~ do_reflexo d:,!"endida_ I)
chegwdo ao seu au_ge.Em junho de 1967, ele afirmou provoc àtívãineííte ~ ica marxista vulgar. Com efeito , para Adorno, uma das virtudes
--/)sua preferência pela estética sobre a política, através do gesto de recusa essenciais da arte é seu caráter mimético. Há, afirmava ele, duas implica-
d'ãlfüiããnça do tema de uma palestra - "O Classicismo da Ifigênia de ções desse termo; a pnmeua delas sugere a imitação da realidade social

138 139
corrente, ao passo que a segunda sugere a Éllitaçl!o da realidade na.tJJIJ!,l, é produzido pela mescla incômoda de momentos núméticos e construtivos,
transformada pelo social, mas ainda irredutível a ele. Adorno afirmava sensuais e racionais. Mas, como vimos, as técnicas utilizadas na produção
que a arte genuína cont m ambos os tipos de númese. Como ele o disse estética não são a mesma cois:/-que os meios tecnológicos em que se
em suas "Idéias Sobre a Sociologia da Música: "Através de sua pura mate- baseiam as forças sociais de produ ção. Embora a racionalização da técnica
rialidade, a música é a arte na qual o impulso mimético pré-racional estética possa ser relacionada com a racionalizaçã'o da sociedade, como
afirma-se irredutivelmente a si mesmo e se manifesta de modo simul- Adorno sugeriu em sua critica da escala de doze tons, ela também deve
tâneo em constelações, com a marcha do progressivo donúnio do natural resistir a essa racionalizaçl!o, como ele deixou implícito em sua defesa
e do material". 141 da música atonal e das peças de Beckett. Mas ambos os tipos de raciona- 2,)
{ Baseando-se na noçã'o benjaminiana da faculdade númética como a lização são promovidos pelo que Adorno denominou "desestetização da
fonte sensual e onomatopaica da linguagem, 142 Adorno afirmava que a arte", 143 que para ele sigrúfica sua liberta ão p.rngr_essiY-a
_dº-...l;ontexto
arte ex ressa não apenas o sofrimento dos homens causado ela in"ustiça nútico, cultu e ritu a o e que ela emergiu,JS.Sim como _a_b~sca
social, como tàmbé mo sõfrimeirto- dãnãiu reza que os homens domin ar.,am de suas leis internas e esenvolVImento.
ue forma tao mflexivel. A preponderância do objeto, que ele defendia A argumentação de Adorno em favor do valor da desestatiza çã'o
em termos filosóficos-:-estava evidente de maneira mais clara nas obras de era uma critica implícita da alternativa benjanúniana entre arte dotada
arte, irredutíveis às suas origens meramente construtivas e subjetivas. de aura e arte mergulhada na vida cotidiana; sua própria preferência
Seu momento mimético é intrinsecamente utópico, pois preserva uma recaía sobre uma terceira alternativa, uma arte que expõe suas origens
memória da unidade pré-histórica entre o homem e a natureza (ela própria produtivas (e que , portanto, perde sua aura), mas que, não obstante ,
recapitulada - talvez - nas memórias da infância do homem civilizado) e resiste à penetração de forças produtivas externas. Tal como os formct-
é, por conseguinte, uma prefiguraçlío de uma possível restauração dessa listas russos e os desconstrucionistas mais recentes , Adorno valorizava
condição no futuro. certos tipos de arte modernista em virtude do fato de eles destruírem
A mimese estética também contém um momento utópico em sua a ilusão de beleza orgânica e totalizada que subjazia à estética tradicional .
afirmação da aparência sensual, que os filósofos, desde Platão, haviam Como ele o afirmou na última frase de Philosophy of Modem Music,
revelado a tendência a considerar inferior ãs essências ideais. Em função "Talvez a arte só venha a ser autêntica quando se tiver tornado completa-
de sua apreciação desse aspecto da mimese, Adorno contestou Hegel, mente livre da idéia de autenticidade - do conceito de ser assim e não
que relegara a arte , hierarquicamente, a uma condição inferior à da religião de outro modo." 144 Há, em outras palavras, um jargão de autenticidade
e à da filosofia. Apesar de todo o seu ceticismo quanto à ênfase de Kant estétic o que nl!o é menos penúcioso que sua con traparte filosófica, pois
no gosto e no julgamento subjetivos em questões estéticas, ele se sentiu tenta ressuscitar a aura de uma bela ilusão que o modernismo inflexivel-
atraído pela defesa kantiana da beleza natural, que Hegel considerara mente minou. Sua admissã'o do "feio" , do dissonante, na arte - que
inferior à sua contraparte artificial. Pois a beleza natural representa a começou com o fascírúo romântico pelo grotesco - é um indício da
dependência do homem frente a um objeto que não foi criado por ele; crescente capacidade da arte no sentido de colocar-se a si mesma em
é, por conseguinte, um paradigma da não -identidade, que tem como base questão . 145 Embora permaneça inevitavelmente ilusória num mundo
uma relação tema e respeitosa entre o homem e a natureza. não livre, a arte desestetizada se conhece a si mesma como tal . Ela se
Adorno, contudo, não equacionava a arte à rnimese da natureza recusa a tentar reencantar o mun do desencantado. Ela pode evitar o
per se, mas à númese da beleza natural ,._que req~er uma capacidade perigo, sempre presente, de que a arte se transforme num consolo afirma-
~ mana de ~ sponder afirmativamente à forma . Portanto : sendo a b_el~ za tivo através do fornecimento de um refúgio ilusório da núséria real.
funçlío dâ forma, a arte também é uma construção organizada, a obJetifi- Por conseguinte, Adorno buscou na experiência estética desesteti-
cação da subjetividade, vinculada à racionalizaçã'o do mundo social. zada, paradoxalment e, o antídoto mais provável contra a reificação. Como
Aquilo que Adorno gostava de denominar caráter "enigmático" da arte observamos ao discutir sua tipologia dos ouvintes, Adorno jamais afirmou

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que qualquer versão particular dessa experiência pudesse escapar ao d:ir:o
provocado ao sujeito pela dialética do Iluminismo. Entretanto, ele sentia
efetivamente que a experiência da arte, privatizada como tende a ser,
futura que imitará o que há de mais utópico na arte. Pois só na mais
extrema falta de utilidade dessas obras, que teimosamente resistem a
todas as tentativas de instrumentalização, o presente domínio por parte
da razão instrumental é d~safiado. Embora, no sofrimento que registram,
era, não s ante a me or ae_iesa__çontrao d~núnio a souto o mu9do
{ ~dministrado. Em Aesthetic Theory, e~ enfatizou as caracteásticas tempo- essas obras reflitam o atual dilema da humanidade, sua simples existência
rais semelhantes a um processo, dessas expenenc1as, que têm como base como expressão estética desse sofrimento aponta para além dessa "paz
a ~emória e a antecipação,ert ão a repetição ~~!_êmpre- rguãl-;-gerada como um estado de distinção sem dominação" cuja realização, apesar
elã indústria cultural. 146 Ademais, como uma resposta crítica a uma de tudo, Adorno recusou-se a considerar impossível.
obra de arte vai além e urna resposta emocional imediata aos seus efeitos, Mas, para dar a volta final no parafuso, Adorno reconheceu que
a experiência estética genuína envolve inevitavelmente a reflexão teórica a própria fetichização da autonomia poderia constituir um obstáculo
Esta é a razão por que, embora a filosofia cática seja inadequada sem à realização de sua utopia. Como alertou em um dos seus ensaios sobre
experiência estética, essa experiência necessita da filosofia cática para a cultura: ·
dela retirar suas implicações contraditórias. Nesse sentido, mesmo a mais
autônoma obra de arte necessita de algo que esteja fora dela para Mediante o sacrifício de sua possível relação com a práxis, o próprio conceito
de cultura transfonna-se em instância de organização; aquilo que há de tão
complementá-la provocativamente inútil na cultura é uansfonnado numa negatividade tolerada
Só uma combinação dialética de experiência estética e filosofia
ou mesmo em algo negativamente út il - um lubrüicante do sistema, algo
crítica - ou aquilo que Adorno teria denominado urna constelação dinâ- que existe em função de alguma outra coisa, uma inverdade, ou ainda, bens da
mica - pode revelar o que ele chamava conteúdo de verdade (Wahrheits- indústria cultural preparados sob medida para o consumidor. 149
gehalt) de urna obra de arte. Como ele afirmava desde seu estudo sobre
\ . Kiekegaard, a arte é mais ue imediaticidade subjetiva e irracional; ela Em outras palavras, não há posições livres de risco para o teórico
íjJ'1-----também contém um significado cogniti~o, 4!!_eªRonta para a ver~ad~. crítico nesse mundo imperfeito ; não há meios para derivar idéias não
Verdade, para Adorno, não era, como VlffiOS, urna mera correspondenc1a prejudicadas de uma vida prejudicada A medida da admirável integridade
entre proposições e um referente externo do mundo real, mas antes um de Adorno como pensador, aquilo que se poderia considerar a marca do
conceito que também contém ressonâncias normativas, referindo-se a seu heroísmo intelectual, foi sua recusa a retroceder diante dessa amarga
urna futura sociedade "verdadeira". Esse último sentido aparece em verdade, mesmo no plano da estética, o próprio plano no qual suas espe-
asserções como: _"No mundo em que vivemos, sempre há coisas para as ranças de redenção estavam mais tenazmente arraigadas.
quais a arte se configura como o único remédio; sempre há urna contra-
dição entre aquilo que é e aquilo que é verdadeiro, entre arranjos para
viver e humanidade. 147
A gênese do que poderíamos denominar o amor de Adorno pela
verpade foi a experiência de dor preservada nas obras do modernismo
que mais se aproximaram da Angst expressionista Pois, como ele o disse,
em Negative Dialectics: "A necessidade de dar voz ao sofrimento é urna
condição de toda verdade." 148 Se há um momento positivo na verdade
estética, ele só está evidente nas obras que se esforçam por alcançar a
mais profunda autonomia frente à sociedade atual, desafiando a acessibi-
lidade e o impacto popular imediatos. Ao recusar a aceitação da unidade
entre a arte e a vida presente, essas obras mantêm a esperança de uma vida
143
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