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Por que uma pessoa se mata?

Entenda o suicídio.

Por
CONTI outra

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O desespero beira o insuportável. A cada dia, o sofrimento – físico ou


emocional – fica mais intenso e viver torna-se um fardo pesado e
angustiante. Sua dor parece incomunicável; por mais que você tente
expressar a tristeza que sente, ninguém parece escutá-lo ou
compreendê-lo. A vida perde o sentido. O mundo ao seu redor fica
insosso. Você sonha com a possibilidade de fechar os olhos e acordar
num mundo totalmente diferente, no qual suas necessidades sejam
saciadas e você se sinta outro. Será que a morte é o passaporte para
essa nova vida?
Robin Williams ,by
Matt Sayles. O ator cometeu suicídio em 11 de agosto de 2014.
Ele tinha um histórico de problemas com álcool e outras drogas assim
como depressão diagnosticada.
Atire a primeira pedra quem nunca pensou em morrer para escapar
de uma sensação de dor ou de impotência extremas. Parece comum
ao ser humano experimentar, pelo menos uma vez na vida, um
momento de profundo desespero e de grande falta de esperança. Os
adjetivos são mesmo esses: extremo, insuportável, profundo. Mas,
aos poucos, os seus sentimentos e idéias se reorganizam. Suas
experiências cotidianas passam a fazer sentido novamente e você
consegue restabelecer a confiança em si mesmo. Você descobre uma
saída, procura apoio, encontra compreensão. Aquele desejo
autodestrutivo, aquela vontade de resolver todos os problemas num
golpe só, se dilui. E você segue adiante. Muitos, no entanto, não
conseguem encontrar uma alternativa. O suicídio, para esses, parece
ser a última cartada, o xeque-mate contra o sofrimento, um gran
finale para uma vida aparentemente sem sentido, para um presente
pesado demais ou para um futuro por demais amedrontador. E eles
se matam.

Imperscrutável, no limite, o suicídio não tem explicações objetivas.


Agride, estarrece, silencia. Continua sendo tabu, motivo de vergonha
ou de condenação, sinônimo de loucura, assunto proibido na conversa
com filhos, pais, amigos e até mesmo com o terapeuta. Mas as
estatísticas mostram que o suicídio precisa, sim, ser discutido. Trata-
se, além de uma expressão inequívoca de sofrimento individual, de
um sério problema de saúde pública. Segundo o relatório da
Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 815 mil pessoas se
mataram no ano 2000 em todo o mundo – uma taxa de 14,5 para
cada 100 mil habitantes. Isso significa um suicídio a cada 40
segundos. A “violência autodirigida”, como o suicídio é classificado
pela OMS, é hoje a 14ª causa de morte no mundo inteiro. E a terceira
entre pessoas de 15 a 44 anos, de ambos os sexos. Não pode mais
ser ignorada.

Casos de suicídio muitas vezes são deliberadamente mascarados nas


estatísticas oficiais. Suicídios de crianças tidos como morte acidental
ou acidentes de automóvel, causados por jovens que dirigem
alcoolizados e em alta velocidade: para os especialistas, esses são,
sim, atos suicidas. “Se você investigar a vida dessas crianças e
jovens semanas ou meses antes da morte, pode identificar sinais de
que algo não ia bem”, diz a psicóloga Ingrid Esslinger, do Laboratório
de Estudos sobre a Morte da Universidade de São Paulo (USP). A
poeta americana Sylvia Plath (1932-1963) tentou se matar duas
vezes antes de concretizar o suicídio (tais experiências levaram-na a
escrever o romance A Redoma de Vidro). Uma das vezes foi um
“acidente de carro”. Aparentemente, Sylvia perdera os sentidos no
volante e deixara o carro sair da estrada e ir ao encontro de um
aeródromo. Segundo o crítico literário Alfred Alvarez, amigo da poeta,
a própria Sylvia admitiu que saíra intencionalmente da estrada, com
o objetivo de morrer.

“Todos já pensamos em suicídio em algum momento na vida. É um


pensamento humano. Se não desejamos nos matar, ao menos
cogitamos morrer – morrer para escapar do sofrimento, para nos
vingar, para chamar a atenção ou para ficar na história”, diz o
psiquiatra e psicanalista Roosevelt Smeke Cassorla, da Sociedade
Brasileira de Psicanálise, um dos maiores especialistas brasileiros em
suicídio. “Mas resolvemos continuar vivos e melhorar as nossas
condições de vida. O suicídio, então, soa como um desatino. A
pergunta que fica é: por que algumas pessoas desistem e outras
não?”

Por trás do comportamento suicida há uma combinação de fatores


biológicos, emocionais, socioculturais, filosóficos e até religiosos que,
embaralhados, culminam numa manifestação exacerbada contra si
mesmo. Para decifrá-los, os estudiosos recorrem à “autópsia
psicológica”, um procedimento que tem por finalidade reconstruir a
biografia da pessoa falecida por meio de entrevistas e, assim,
delinear as características psicossociais que a levaram à morte
violenta.

“Existem causas imediatas predisponentes – como perda do emprego,


fracasso amoroso, morte de um ente querido ou falência financeira –
que agem como o último empurrão para o suicídio”, diz a psicóloga
Blanca Guevara Werlang, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC-RS), especialista em autópsia psicológica. “A
análise das características psicossociais do indivíduo, porém, revela
os motivos que, ao longo da vida, o auxiliaram a estruturar o
comportamento suicida. Pode mostrar as razões para morrer que
estavam enraizadas no estilo de vida e na personalidade.”

Fenômeno complexo, o suicídio configura um assassinato, em que


vítima e agressor são a mesma pessoa. “A definição de suicídio
implica necessariamente um desejo consciente de morrer e a noção
clara de que o ato executado pode resultar nisso. Caso contrário, é
considerado morte por acidente ou negligência”, diz o psiquiatra José
Manoel Bertolote, líder da Equipe de Controle de Transtornos Mentais
e Cerebrais do Departamento de Saúde Mental e Toxicomanias da
OMS.

O fato de estar consciente de que vai efetuar um ato suicida não


elimina, no entanto, o estado de confusão mental que o indivíduo
experimenta momentos antes da ação. “Ele não sabe se quer morrer
ou viver, se quer dormir ou ficar acordado, fugir da dor, agredir outra
pessoa ou, de fato, encontrar o mundo com o qual fantasia”, diz
Roosevelt. Afinal, o suicida tem diante de si duas iniciativas
complexas e contraditórias a conciliar naquele momento: tirar a vida
e morrer. O suicídio ocorreria, então, num instante em que a pessoa
se encontra quase fora de si, fragmentada, com os mecanismos de
defesa do ego abalados e, por isso, “livre” para atacar a si mesma.

Há suicídios e suicídios. Por isso, os especialistas costumam avaliar a


tentativa de se matar ou o ato propriamente dito a partir de duas
variáveis: a intencionalidade e a letalidade. A primeira diz respeito à
consciência e à voluntariedade no planejamento e na preparação do
ato suicida. A segunda, ao grau de prejuízo físico que a pessoa se
inflige. Existem casos em que o indivíduo demonstra evidente
intenção de morrer e alto grau de letalidade, ao optar por um método
eficiente. Em outras ocorrências, a vontade de morrer é fraca, apesar
de voluntária, e o método escolhido é pouco prejudicial. Ou seja: há
casos de suicidas propriamente ditos. E há casos em que a pessoa só
está pedindo socorro, implorando para ser resgatada. Claro que há
quem não queira enfaticamente a morte mas, por usar um meio
perigoso, acabe sendo bem-sucedido.

E outros, cujo objetivo é mesmo acabar com a própria vida, por


desconhecimento da maneira mais efetiva de causar danos graves a
si mesmos, acabam sobrevivendo. (Aliás, esses, se não receberem
tratamento adequado, são candidatos a uma nova tentativa.)

“Minha cabeça não recupera”


Dados da OMS indicam que o suicídio geralmente aparece associado a
doenças mentais – sendo que a mais comum, atualmente, é a
depressão, responsável por 30% dos casos relatados em todo o
mundo. Estima-se que uma em cada quatro pessoas sofrerá de
depressão ao longo da vida. Entre os subtipos, a depressão bipolar –
em que fases de euforia e apatia profundas se alternam – parece ser
a de maior risco. O alcoolismo responde por 18% dos casos de
suicídio, a esquizofrenia por 14% e os transtornos de personalidade –
como a personalidade limítrofe e a personalidade anti-social – por
13%. Os casos restantes são relacionados a outros diagnósticos
psiquiátricos.

Estudos de autópsia psicológica (feitos com base em entrevistas com


amigos, familiares e médicos do suicida) mostram que mais de 90%
das pessoas que se mataram no mundo tinham alguma doença
mental. Entretanto, doenças psiquiátricas não são condição suficiente
para o comportamento suicida, já que outros fatores – emocionais,
socioculturais e filosóficos – também entram em jogo. Na verdade,
essas doenças provocam uma vulnerabilidade maior ao suicídio. “É
comum que a pessoa, quando está com depressão, tenha
pensamentos pessimistas, ache que a vida não vale a pena e que
talvez fosse melhor morrer”, diz o psiquiatra Humberto Corrêa, da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Mas a maioria dos
deprimidos não tentará se matar. Somente os mais impulsivos e
agressivos procuram o suicídio.”

Hoje, sabe-se que indivíduos com alteração no metabolismo da


serotonina – um dos mensageiros químicos mais importantes do
nosso cérebro – apresentam maior risco de suicídio que os demais.
Em sua pesquisa sobre a genética do comportamento suicida,
Humberto analisou pacientes com depressão e esquizofrenia e
constatou que todos aqueles que haviam tentado se matar tinham a
chamada função serotoninérgica diminuída. (Ou seja, problemas no
conjunto das etapas que envolvem a participação da serotonina: sua
síntese, sua ligação com os receptores celulares e seu transporte. Se
há falha em alguma etapa, a atuação desse neurotransmissor se
reduz.)

“Quanto maior a intencionalidade suicida e mais letal o método


usado, menor a função cerebral da serotonina”, diz Humberto. O
próximo passo é pesquisar que genes ligados ao funcionamento da
serotonina – são mais de 20 – poderiam estar mais associados ao
comportamento suicida. Diversos grupos internacionais dedicam-se a
estudos desse tipo. O psiquiatra Pavel Hrdina, diretor do Laboratório
de Neurofarmacologia da Universidade de Ottawa, Canadá, descobriu
que pacientes depressivos portadores de uma mutação no gene
responsável por codificar um dos receptores da serotonina
apresentavam duas vezes mais chances de cometer suicídio que
aqueles sem a mutação. “A alteração nesse gene aumenta o risco de
ideação suicida e de tentativas de autodestruição em casos de
depressão grave”, diz Hrdina. Os cientistas tentam agora entender a
relação direta entre a serotonina e o suicídio.

“Há uma forte evidência de que a serotonina inibe o comportamento


violento, agressivo e impulsivo. Mas o que sabemos sobre a ligação
entre esses comportamentos e o suicídio?”, escreve a psiquiatra
americana Kay Redfield Jamison, portadora de depressão bipolar,
familiarizada com a ideação suicida (ela mesma já tentou se matar) e
autora do livro Quando a Noite Cai. “Embora muitos pacientes
tenham planos bem formulados para o suicídio, a
cronometragem definitiva e a decisão final para a ação
costumam ser determinadas por impulso.” Portanto, os
fatores biológicos são particularmente importantes para a
decisão sobre quando apertar o botão “morrer”.

A participação genética no suicídio vem sendo pesquisada desde a


década de 1920. Um estudo feito na Dinamarca mostrou que os
parentes biológicos de pessoas que foram adotadas quando recém-
nascidas e que se suicidaram posteriormente tinham taxas de suicídio
significativamente maiores que as observadas entre os parentes
adotivos. Entre gêmeos idênticos, de acordo com uma pesquisa
americana, a possibilidade de um irmão se matar caso o outro já
tenha se suicidado gira em torno de 15%. Para os gêmeos não-
idênticos, a taxa cai para 2% ou 3%.

Tal componente genético poderia explicar, em parte, os casos de


suicídio numa mesma família. Filhos de pais depressivos teriam uma
predisposição maior à doença. Por isso, muitos especialistas incluem
os parentes de um suicida no grupo de risco. Mas, no caso de padrão
familiar para o suicídio, não só a genética pode exercer influência
sobre o comportamento, mas também o modelo presente naquele
núcleo social. Filhos podem se inspirar na solução que pais suicidas
encontraram, por exemplo, de usar a morte como saída para um
conflito.

“Desculpa, não consegui”

O escritor italiano Cesare Pavese (1908-1950), 12 anos antes de se


matar com barbitúricos, tinha escrito: “Ninguém nunca deixa de
ter um bom motivo para o suicídio”. A angústia existencial do
suicida sempre vai fornecer justificativas para a sua morte. Ele
sempre poderá enxergar a vida sem sentido ou ver prevalecer em si
um sentimento neurótico de desvalia, derrota e de baixa auto-estima.
Daí a criação de fantasias em torno da morte. Como se trata de um
fenômeno pouco entendido e também considerado tabu, o suicídio
geralmente é recriado de acordo com as expectativas do indivíduo. O
suicida não pensa, por exemplo, que vai se decompor e virar pó.

“O suicídio é um ato de linguagem, de comunicação. Como


vivemos numa rede de relacionamentos, a nossa morte
significa algo para as outras pessoas”, diz a psicóloga Maria
Luiza Dias Garcia, coordenadora da Clínica de Psicoterapia Laços, em
São Paulo, que analisou mensagens (bilhetes, cartas, gravações)
deixadas por suicidas no livro Suicídio – Testemunhos do Adeus.
“Constatei, pelos discursos, que o suicida está num quadro de
embotamento, como se estivesse afogado nas próprias emoções. Ele
não aproveita os vínculos sociais para partilhar seus sentimentos e vê
o mundo de uma maneira muito própria.” O suicídio, então, torna-
se um meio de expressão, uma fala que não pôde ser dita.

Os especialistas costumam diferenciar as tentativas de suicídio do ato


em si, uma vez que, de acordo com a intencionalidade e a letalidade,
o gesto pode assumir sentidos diferentes. As tentativas de se matar
são vistas como um grito por ajuda, sintoma de uma falha tanto no
sistema familiar quanto no grupo social. “O indivíduo não consegue
pedir socorro de outro modo, então opta por um ato extremo”, diz a
psicóloga Denise Gimenez Ramos, da PUC de São Paulo. “Por que ele
não foi ouvido? Todos dão conselhos, mas ninguém ouve o que ele
tem a dizer. Esse indivíduo, portanto, fica com a impressão de que
não existe para o mundo.”

Incapazes de comunicar a própria dor, os suicidas recorrem a


algumas fantasias para justificar a si mesmos a autodestruição. A
busca de uma outra vida é uma das mais comuns. O indivíduo
enxerga no suicídio a oportunidade de interromper uma existência
infeliz e recomeçar, com uma nova chance para acertar. Matar-se
também pode ser um jeito de acelerar o reencontro com pessoas
queridas já mortas – o pai, a avó, um amigo, o cônjuge. Outras
fantasias comuns acerca do suicídio: gesto de vingança ou rebeldia,
castigo e autopenitência. “A ideia da não-existência é tão
insuportável que a mente humana inevitavelmente recorre às
fantasias para levar adiante o projeto de auto-aniquilamento”, diz
Roosevelt Cassorla. Mas o indivíduo nem sempre tem acesso
consciente a essas fantasias.

O psicólogo Valdemar Angerami-Camon, do Centro de Psicoterapia


Existencial, chefiou por quatro anos o Serviço de Atendimento aos
Casos de Urgência e Suicídio da Secretaria Municipal de Saúde de São
Paulo e constatou como tais fantasias estão presentes na mente
daqueles que querem se matar. “O que me impressionava eram
as pessoas que tentavam suicídio dizerem que não queriam
morrer”, diz Valdemar. “Como alguém tenta o suicídio e diz que não
quer morrer? Na verdade, queriam acabar com uma situação de
desespero. Como não conseguiam ver outra alternativa, recorriam ao
suicídio. Mas, ao depararem com a possibilidade concreta da morte,
percebiam que não queriam, de fato, morrer.”

O psiquiatra Claudemir Rapeli, da Universidade Estadual de Campinas


(Unicamp), autor de dois extensos trabalhos sobre suicídio, também
constatou esse sentimento em boa parte dos suicidas que atendeu no
Hospital das Clínicas de Campinas. “O arrependimento é imediato.
Reconhecem que foi uma atitude impulsiva, desesperada,
ansiosa.” Claudemir conta a história de um rapaz de 18 anos que
tentou suicídio tomando um agrotóxico letal. (A substância provoca,
em algumas semanas, uma espécie de fibrose pulmonar que impede
a respiração normal e o indivíduo morre sufocado.) “Quando ele
começou a sentir que não ia melhorar, que os médicos não podiam
fazer mais nada, o pânico dele foi comovente”, afirma. “A motivação
foi banal – uma briga com a namorada por achar que ela o estava
traindo. Tomou o veneno para livrar-se da rejeição, mas não queria a
morte. Ele pedia a todos os médicos que não o deixassem morrer.”

Você pode argumentar que muita gente se vê em situações de


grande desespero ou solidão existencial e, mesmo assim, não busca o
suicídio. O que faz a diferença? Na verdade, não existe uma
personalidade suicida – existe, sim, uma vulnerabilidade
emocional (que pode ser trabalhada com o apoio de um parente, um
psicoterapeuta ou um amigo). “Quem tem uma estrutura de ego
frágil pode não suportar uma grande perda ou um momento de crise
e, num impulso, acaba cometendo o suicídio”, diz Ingrid Esslinger. O
ego se constitui a partir dos primeiros vínculos afetivos, do modo com
que o bebê foi cuidado pelas figuras de apego e da educação que a
criança recebeu. Um ego fraco não tolera a frustração, não tem
capacidade de espera, não suporta lidar com a impotência, com os
limites e com os “nãos” que a vida impõe.

“O sistema mata!”

Mesmo sendo resultado de uma escolha individual, o suicídio também


é visto como uma questão social. O pioneiro no estudo desse campo
foi o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), com o clássico
O Suicídio, de 1897. “Existem vários estudos comprovando a
influência da cultura, do ambiente e da religião sobre as taxas de
suicídio, seja como facilitadores, seja como limitantes”, afirma José
Manoel Bertolote. Ele e a equipe do Departamento de Saúde Mental e
Toxicomanias da OMS publicaram recentemente um estudo, numa
revista científica norueguesa, mostrando que as taxas de suicídio
mais baixas encontram-se em países islâmicos, seguidos de países
hinduístas, cristãos (mais baixas em católicos que em protestantes) e
budistas, nessa ordem.

As taxas mais altas vêm de países “ateus”, que compunham o antigo


bloco comunista: Lituânia, Letônia, Estônia, Rússia, Cuba e China. A
religião aparece, portanto, como um mecanismo de “proteção”
contra o comportamento suicida(todas as crenças religiosas
condenam, em maior ou menor grau, o suicídio).

Combinada a outras influências, a religião pode ser também fator de


estímulo para os “suicídios altruístas ou heroicos”, na definição de
Durkheim. Cada membro do grupo está disposto a sacrificar a sua
vida em prol das crenças. “Os casos mais recentes são os dos
homens-bomba entre os palestinos e dos suicidas de 11 de setembro,
relacionados a situações políticas muito específicas e à crença
religiosa islâmica”, afirma Maria Cecília de Souza Minayo, doutora em
Saúde Pública e professora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no
Rio de Janeiro.

Embora as mulheres sejam mais propícias a ter pensamentos suicidas


que os homens, as taxas de suicídio masculino são mais elevadas. E
os métodos que eles usam são mais definitivos e violentos, como uso
de arma de fogo e enforcamento. Em média, ocorrem cerca de três
suicídios masculinos para um feminino – com exceção de algumas
regiões da Ásia, em especial na China, onde o número de mulheres
que se matam supera o de homens e há mais casos no meio rural
que nas cidades –, o que também contraria o padrão mundial.

Cada sociedade tem uma taxa mais ou menos constante de suicídios.


No caso do Brasil, a média é de 4,5 suicídios por 100 mil habitantes
nos últimos 20 anos (dados de 2000). Número relativamente baixo,
se comparado à taxa da Finlândia, por exemplo, que é de 23,4 casos
em 100 mil pessoas. As taxas brasileiras de suicídio se elevam
conforme a idade dos indivíduos, até atingir sua máxima expressão
na faixa de 70 anos ou mais, quando chegam a 7,3 suicídios em 100
mil habitantes. Dentro de um país, o Brasil ou outro, as taxas mais
altas vêm da comunidade indígena e dos imigrantes, principalmente
dos núcleos que perderam muito da sua identidade cultural. Segundo
a OMS, há fatores que claramente aumentam a probabilidade de
suicídio no grupo social. Taxas de suicídio são altas durante épocas
de recessão econômica e de forte desemprego. Também se elevam
em períodos de desintegração social e instabilidade política.

“A adolescência e a velhice são os dois momentos mais


propícios tanto para a ideação e as tentativas de suicídio
quanto para concretização do ato, por razões diferentes”, diz
Cecília. Na velhice, os motivos com freqüência se devem à depressão,
a sentimentos de rejeição e abandono e à dificuldade de aceitar
certas enfermidades dolorosas e incapacitantes, como o câncer. “Na
adolescência, os problemas de conflito familiar, de dificuldades de
identificação, os sentimentos de perda ou de inferioridade, a baixa
auto-estima, em casos específicos de personalidades com tendências
depressivas e de isolamento, podem se associar e resultar em
tentativas ou em atos de suicídio”, afirma ela.
O cansaço existencial e as crises constantes também alimentam o
desejo de morrer.

“Eu não deveria existir”

Para o filósofo e escritor argelino Albert Camus (1913-1960) só há


um problema filosófico verdadeiramente sério sobre o qual o homem
deve refletir: o suicídio. Segundo ele, a questão fundamental da
filosofia é responder se vale a pena ou não viver. “O homem vive
num clima de absurdo e pouco pode esperar da história. Esses
obstáculos colocam a existência como um problema. Novamente, a
pergunta se impõe: viver vale a pena?”, diz o filósofo Franklin
Leopoldo e Silva, da USP. “Na perspectiva de Camus, o suicídio está
sempre no horizonte do indivíduo porque a pergunta sobre a validade
da vida é permanente. Isso não significa que a morte é a única
solução. A saída pode ser o enfrentamento lúcido, ainda que um
tanto solitário, desse clima de absurdo.”

Uma reflexão filosófica mais profunda da contemporaneidade revela


que a vida não é mais considerada um valor – pois, diante da
moderna sociedade de consumo, perdeu gravemente o caráter
sagrado – e, por isso, o suicídio também foi banalizado. Tornou-se
alternativa descartável. “Já não representa mais um ato de
contestação ou um ato exemplar nem parece resultado de uma dor
psíquica insuportável, como foi no passado. O significado do suicídio
também se perde nessa tendência ao não-pensamento que assola o
mundo contemporâneo”, diz a filósofa Olgária Mattos, também da
USP. A sociedade de consumo é falsamente hedonista: promete
gratificação imediata e, ao mesmo tempo, frustra as próprias
perspectivas que oferece. O suicídio seria também uma conseqüência
dessa impulsividade: uma reação às promessas não cumpridas de
felicidade e satisfação instantâneas e à decepção que daí decorre. “O
suicídio, hoje, vem da dificuldade de entrar em contato
consigo mesmo.”

O autoconhecimento dá trabalho, exige empenho e tolerância à


frustração”, diz Olgária.

A pergunta fundamental de Camus continua a nos martelar. “O


suicídio agride porque nos diz o tempo inteiro da nossa
possibilidade de escolha. Porque, se o outro faz isso, eu
também posso ter essa escolha. Porque eu terei de me haver
com o meu próprio potencial suicida, ou com o meu próprio
desejo de morte”, diz Ingrid Esslinger.

Levado às últimas conseqüências, o suicídio também pode parecer


um ato de afronta a Deus. “Tirar a própria vida dá, ao indivíduo, a
sensação de fazer algo que é divino e entrar em contato com o
mistério”, afirma Denise Ramos. “O suicida passa da extrema
impotência – não posso mudar nada – à extrema potência – acabo
com a minha vida quando e como eu quero. Nesse momento, em sua
fantasia, se iguala a Deus por provocar também um ato que vai além
da natureza humana.”

Para o teólogo e filósofo Renold Blank, da Pontifícia Faculdade de


Teologia de São Paulo, tal atitude de achar-se o único responsável
pela própria vida ultrapassa os limites éticos. “Do ponto de vista
ético, a vida de cada ser humano tem sentido não só para si mesmo
mas para os outros também”, diz ele. “Por meio da minha vida, dou
sentido à vida dos outros e, assim, a minha existência ganha
significado. Se acabo com a minha vida, acabo com todas as
possibilidades de dar sentido à vida de outras pessoas. Falho em
minha responsabilidade com os demais.” As ações de cada indivíduo
repercutem no grande sistema de relações sociais e ganham uma
dimensão histórica – o que é feito hoje, mesmo em âmbito pessoal,
tem sempre uma conseqüência futura. O suicídio funciona, então,
como uma brusca ruptura dessa rede.

“O suicídio é um ato privado que não representa somente uma


violência contra si mesmo mas também contra mais, pelo
menos, seis pessoas. Elas são forçadas a conviver com os
sentimentos de vingança, vergonha, culpa, sofrimento psicológico,
medo de enlouquecer e de também cometer o suicídio”, afirma o
suicidologista australiano Diego De Leo, diretor da Associação
Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP, na sigla em inglês),
organização não-governamental que reúne profissionais e entidades
envolvidas no estudo do comportamento suicida.

“Sei que voceis me perdoarão”

No núcleo familiar e comunitário, a melhor prevenção é falar sem


temores sobre suicídio e saber identificar os pedidos de socorro das
pessoas próximas. “Ninguém precisa dar uma solução para os
problemas do outro, deve apenas aprender a ouvir. As pessoas
encontram as soluções dentro de si quando conversam e
refletem sobre seus conflitos e emoções”, diz Denise.

Apostando nessa fórmula, existe o serviço de prevenção ao suicídio


do Centro de Valorização da Vida (CVV), uma entidade não-
governamental de atendimento humanitário criada há 40 anos e
presente em todo o Brasil. O CVV segue os moldes dos Samaritanos,
de Londres, uma entidade fundada no início dos anos 1950 para
atender pessoas angustiadas que precisavam de apoio psicológico.
Todos os voluntários são treinados para ouvir seus interlocutores (por
telefone, carta, e-mail ou pessoalmente) sem nenhum tipo de
julgamento e respeitar sua decisão, mesmo que seja a de cometer o
suicídio. “Respeitamos o sofrimento de quem nos telefona. Ele tem a
liberdade de falar sobre o que quiser durante o tempo que for
necessário”, conta Adriana, voluntária do Posto da Vila Carrão, em
São Paulo, e assessora de comunicação do CVV. “Estamos disponíveis
para ouvir o que cada um tem a dizer sobre seus medos, dificuldades
e angústias e ajudar a revalorizar a própria vida.”
O serviço atende, em média, 1 milhão de ligações por ano. Isso
revela a necessidade que as pessoas têm de falar sobre seus
conflitos. Quando o assunto é suicídio, abrir-se pode ser terapêutico.
A experiência do CVV, dos Samaritanos e de outros programas
semelhantes demonstra que o primeiro passo para evitar o suicídio
está no resgate do sentido da existência. “O que motiva o suicida é a
falsa ideia de que sua vida não tem mais valor nem para si mesmo
nem para os outros”, diz Renold Blank. O verdadeiro desafio parece
fazer com que as pessoas percebam que sempre existe saída, não
importa a situação. Que há como se reinventar e trabalhar em si
mesmo aspectos de que gosta menos. Que nossa vida é importante
para os outros também. E que sempre há alternativa, mesmo que, a
princípio, seja dolorida. Afinal, a única coisa para a qual não há
remédio é a morte.

“Tive medo de ser o próximo”

“Era de manhã quando recebi o telefonema avisando que meu irmão


tinha se suicidado. Enforcou-se. Levei um susto muito grande, foi um
choque. No caminho até minha casa, senti vergonha por ser da
família de um suicida. Tenho três tias velhinhas, que são de uma
geração em que o suicídio era ainda mais estigmatizado – e disse a
elas que devíamos contar para todos que o meu irmão havia se
suicidado. Preferi não ocultar. O gesto dele me trouxe uma sensação
dolorida de que também poderia acontecer comigo. Tive medo de ser
o próximo. Fiquei muito assustado. Venho de um núcleo de morte –
minha mãe morreu jovem, de câncer, quando eu era criança, e meu
pai sofreu um infarto agudo há alguns anos. Não acredito que tenham
sido mortes naturais, talvez eles quisessem mesmo morrer.

Me senti muito culpado, foi inevitável. Pensei que talvez pudesse ter
feito alguma coisa. O suicídio é uma violência muito grande. Parece
uma bomba, uma explosão. Era meu irmão mais velho. Acho que ele
nunca desejou alguma coisa com empenho. Tudo, para ele, tanto
fazia, qualquer coisa estava bem. Era uma situação crônica. Ele
entrou em várias faculdades e não terminou de cursar nenhuma.
Tentou vários empregos, mas saiu de todos eles. Foi casado,
separou-se, tinha uma namorada. Aparentemente sua vida estava
estruturada. E ele não era depressivo. Talvez não estivesse vendo
perspectivas. As razões do suicídio são um mistério. Pensei muito em
quais teriam sido os motivos. Só relaxei quando assumi que não
podia entendê-los. No enterro, senti uma raiva muito, muito grande.
Naquele instante, experimentei uma profunda sensação de abandono.
Nunca tinha sentido isso antes. Meu irmão foi enterrado no mesmo
túmulo onde já estavam os meus pais.

Fiquei sozinho. Tenho muita vontade de viver. Acho que é uma


espécie de resistência – gosto de festas, brigo pela vida, vivo
intensamente, tenho amigos, curto meu trabalho, sou afetivo…
Sempre fui assim, mas o suicídio me fez ver de maneira mais
consciente que a vida é uma só. Não sou nada religioso, mas acho
que todos nascemos para ser felizes, para desfrutar.

Pensei muito nisso, logo depois do suicídio. Um dia, fiquei parado uns
15 minutos diante de uma avenida onde os carros vinham em alta
velocidade e não havia faixa de pedestres. Era só um passo, tão fácil,
e tudo se acabaria. Depois, ao visitar um novo apartamento, também
contemplei a janela demoradamente… Num ato poderia resolver tudo,
todos os meus problemas. Mas prefiro os meios mais difíceis. Não
acredito em outra maneira.”
E.S., médico e professor universitário, 45 anos

Por Maria Fernanda Vomero

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