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URRÍCULO?
Pesquisas pós-críticas em
E D U C A Ç Ã O
214
3RA C O R A Z Z A
EDITORA
• VOZES
Este livro apresenta 6 textos,
derivados de atividades de Sandra Corazza
pesquisa no campo do currículo.
Pesquisa que integra as atividades
desenvolvidas pela área temática
Pós-currículo, diferença e
subjetivàção de infantis, do
Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.
Trabalhando com as chamadas
"filosofias da diferença", tal
I que quer um currículo?
pesquisa articula isomorfismos
entre a pedagogia, a medicina
Pesquisas pós-críticas em Educação
clínica e a jurisprudência penal,
para significar as tecnologias
avaliativas em curso nas escolas
brasileiras. Debruça-se sobre a
ética do currículo, para
"liccionalizar" os seus mais novos
personagens infantis: El Nino e La
Nina. Analisa o dispositivo de
"eidadanidadc", operado pelos
Parâmelros Curriculares Nacionais
paia o Ensino Fundamental, que
onlologiza um "infantil-cidadão"
neoliberal. Indaga sobre a
inquietante similaridade discursiva
encontrada entre o Projeto
( 'onsliluinle Escolar, do Governo
1 )emocrático e Popular do Rio
Glande do Sul, e os PCNs do
Ministério da Educação do
(ioverno federal. Caracteriza a
pesquisa pós-crítica de um
currículo como uma pesquisa de
"invenção", cujo mote é: "Aquilo
de que não se pode saber, é preciso
pesquisá-lo". Além de lançar um
"manifesto por um pós-currículo",
^ EDITORA
cujo alvo é a mudança de todas as VOZES
tradicionais unidades, sob as quais
vimos estudando, ensinando,
Petrópolis
escrevendo e pesquisando a
2001 ^
Educação.
BIBLIOTECA SETQRIM. Pi EDUCAÇÃO
03 / ( ( , 0 b © 2 0 0 1 , Editora Vozes Ltda.
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Brasil
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qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou
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e m qualquer sistema ou banco de dados sem p e r m i s s ã o
escrita da Editora.
Ao Hugo, amado,
Editoração e org. literária: Otaviano M . Cunha que me proporciona vontade de viver,
lutar, escrever.
I S B N 85.326.2587-8
Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.
Sumário
Agradeço
1. O que quer u m currículo?, 9
2. Olhos de poder sobre o currículo, 22
• a T o m a z T a d e u da Silva, pelas várias parcerias de
trabalho, dentre as quais, esta: os estudos de currículo. 3. C u r r í c u l o como m o d o de subjetivação do infantil, 56
• à PROPESQ/UFRGS, FAPERGS e CNPq, pelo apoio 4. Governamentalidade m o r a l do c u r r í c u l o nacional, 77
e incentivo à pesquisa. 5. C u r r í c u l o s alternativos-oficiais: o(s) risco(s) do
• às/aos colegas do G T C u r r í c u l o , da Associação Na- hibridismo, 97
cional de P ó s - G r a d u a ç ã o e Pesquisa e m E d u c a ç ã o , pela 6. Manifesto p o r u m p ó s - c u r r í c u l o , 128
acolhida e pluralidade de i n t e r l o c u ç ã o .
Referências bibliográficas, 143
• a L í d i o Peretti, Editor cultural da Vozes, pela gene-
rosidade do "desafio", que resultou na c o m p o s i ç ã o deste
livro.
1
O que quer um currículo?
É
Que título de livro é este: O que quer um currículo? U m
c u r r í c u l o "quer" alguma coisa? Antes de responder a esta
q u e s t ã o , é preciso perguntar: - O que, afinal de contas,
" é " u m currículo, para querer alguma coisa? Será algum
eu, i n d i v í d u o , pessoa, sujeito do conhecimento, da cons-
ciência, do direito, da ciência, do inconsciente? Estará
este título dotando u m c u r r í c u l o de predicados antropo-
mórficos, ao modo m o d e r n o , humanizador de todos os
seres do universo? T e r á este livro escolhido operar "em
espelho" com u m c u r r í c u l o , animando-o com uma e s p é -
cie de individualidade humana, que, a l é m disto, é habita-
da p o r apetites, anseios, vontades, quereres?
N o d o m í n i o de uma " m e t a f ó r i c a " do currículo, cons-
tituída pelas teorias da linguagem estruturalista e pós-es-
liuturalista, podemos pensar que o que u m currículo " é "
0 uma linguagem. A o conceber u m currículo como u m a
linguagem, nele identificamos significantes, significados,
sons, imagens, conceitos, falas, língua, posições discursi-
vas, r e p r e s e n t a ç õ e s , m e t á f o r a s , m e t o n í m i a s , ironias, i n -
venções, fluxos, cortes... Assim como o dotamos de u m
Ciirííter eminentemente construcionista.
Ao atribuir essa c o n d i ç ã o "linguajeira" a u m currícu-
lo, dizemos que a natureza de sua discursividade é arbi-
9
traria e ficcional, por ser h i s t ó r i c a e socialmente construí- que n ã o existe esta linguagem toda, n e m este terceiro lo-
da. Que seu discurso fornece apenas u m a das tantas ma- cus, que n ã o é n e m a fala de u m currículo, n e m os seus/suas
neiras de formular o m u n d o , de interpretar o m u n d o , e interlocutores/as.
de atribuir-lhe sentidos. Que sua sintaxe e s e m â n t i c a t ê m
uma função constitutiva daquilo que enuncia como sendo Por isso, a significação daquilo que u m c u r r í c u l o ex-
"escola", "aluno/a", "professor/a", "pedagogia", e inclusi- pressa em palavras está sempre suspensa a u m alhures,
ve " c u r r í c u l o " . Que as palavras que u m currículo utiliza que é, invariavelmente, u m a cadeia incompleta de signifi-
para nomear as "coisas", "fatos", "realidade", "sujeitos" cantes. Cadeia que suspende, adia, remete sua p r ó p r i a
são produtos de seu sistema de significação, ou de significa- significação a u m outro enunciado, e assim interminavel-
ções, que disputa com outros sistemas^ Que u m currículo, como mente. Se u m c u r r í c u l o , como ser falante, deseja na l i n -
linguagem, é uma prática social, discursiva e não-discursi- guagem - sendo seu desejo u m efeito da linguagem - ,
va, que se corporifica em instituições, saberes, normas, n ã o é porque lhe falte alguma coisa. Se alguma coisa falta,
p r e s c r i ç õ e s morais, regulamentos, programas, relações, na linguagem de u m currículo, é u m a ú l t i m a palavra que
valores, modos de ser sujeito. & traga em si mesma u m a significação plena, para a qual
n e n h u m dizer a mais seria necessário.
Podemos, agora, p r o p o r u m silogismo para o funcio-
Falante
namento de u m currículo, significado como ser falante:
lá, onde u m c u r r í c u l o fala, u m c u r r í c u l o n ã o sabe o que
Sendo u m dispositivo saber-poder-verdade de lingua-
diz. Se u m c u r r í c u l o fala, u m currículo quer. Lá, onde u m
gem, n ã o é n e n h u m absurdo imaginar que u m currículo
c u r r í c u l o quer, ele n ã o sabe o que quer. A linguagem de
possa ser visto e pensado como u m a espécie de "ser falan-
u m c u r r í c u l o é tudo de que ele d i s p õ e para i m p u t a r algu-
te" - e isto só é ficção em parte. T a m b é m torna-se plausível
ma vontade aos outros. Mas, quando diz o que quer, u m
afirmar, em termos freudo-lacanianos, que u m currículo,
currículo confunde-o com as expectativas desses outros.
sendo u m ser que fala, logo quer. E p o r isto que podemos Deste m o d o , sempre outro, o que quer u m c u r r í c u l o é
dirigir-lhe a pergunta psicanalítica do desejo: - Che vuoi? apenas efeito de suas falações, e eles, os seus outros, tam-
E m sua resposta, u m currículo vai nos dizer o que quer. b é m n ã o sabem o que dizem. Porque é somente o "Gran-
Mas, n ó s retrucaremos: - O que está dizendo? O que quer de Outro", lugar do tesouro da linguagem, quem pode
dizer, com isto que está dizendo? O que você quer? ensinar a u m c u r r í c u l o o que diz.
Na fala-ação, que derrama pelo m u n d o da Cultura, Sendo assim, u m currículo n ã o é nunca amo e senhor
da Pedagogia e da Escola, u m c u r r í c u l o , como qualquer do que diz, n e m do que faz. Cativo da p r ó p r i a linguagem,
ser falante, pode ser concebido como regido pelo funcio- u m c u r r í c u l o é incapaz de vê-la como o seu maior "pro-
namento da linguagem, tal como é formulado pela Psica- blema". Quando fala, pensa que está utilizando a lingua-
nálise. E n t ã o , aquilo que enuncia espera sempre sua sig- gem, mas é a linguagem que o utiliza^Ele sempre diz
nificação de algum outro lugar, de u m enunciado a mais, mais do que quer e, ao mesmo tempo, diz sempre outra
e a t é mesmo da linguagem "toda", ou seja: de u m sistema c
coisa Ao falar, u m currículo é levado a l é m de si p r ó p r i o ,
total de linguagem, que u m c u r r í c u l o imagina ser, no f i - pois o sentido do que diz encontra-se na linguagem de
nal, o fruto de seus esforços linguajeiros. O problema é sua é p o c a e lugar, na qual está enredado.
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T a m b é m ao agir, u m currículo sempre significa algo pesquisador/a d á fala a vários " u m currículo", a interroga-
diferente do que faz e faz algo diferente do que significa. ção do desejo torna-se u m operador metafórico - uso da
Este "algo diferente" é dado na r e l a ç ã o existente entre as m e t á f o r a como " m é t o d o " - , com efeitos de ricochete.
coisas significadas nos fazeres de u m c u r r í c u l o e os signos
Nessa metaforicidade, a pergunta - O que quer...?, fei-
usados para significá-las. T a l r e l a ç ã o só pode ser especifi-
to u m bumerangue, bate de volta naquela/e que pesquisa.
cada pela identificação do m o d o linguístico em que foi
E n t ã o , tendo p a r t i d o dos ditos conhecidos de u m currícu-
formulado o sistema de signos, com os quais nomeia os
lo, esta pergunta remaneja a m e t á f o r a , trabalhando para
objetos que povoam a superfície de inscrição de sua l i n -
tornar "estranho" o que o/a pesquisador/a considerava
guagem. Deriva d a í , que u m currículo n ã o pode, n e m
"familiar" na linguagem de u m currículo. C o m o efeito
deve, ser tomado "ao p é da letra", porque este "ao p é . . . "
deste investimento m e t a f ó r i c o , criado pela c o n d i ç ã o de
n ã o existe. O que existe é a equivocidade do querer-dizer
pesquisa, cada um/a (ou o grupo de pesquisa) é compeli-
de u m currículo, fornecida p o r suas significações cons-
do/a a indagar: - O que eu quero (queremos nós) com u m
tantemente diferidas.
c u r r í c u l o , como ser falante? O que posso (podemos) fazer
As formas linguísticas que u m c u r r í c u l o usa, para falar com isto? Assim, persegue-se "a boa m e t á f o r a " , que de-
e agir, n ã o t ê m referentes específicos na realidade. Por manda analisar nossos quereres, fazeres e dizeres consti-
isto, o que ele n ã o sabe é que somente o "seu" m o d o de tuidores do funcionamento de u m currículo.
discurso é que possibilita e sanciona o "seu" campo epis-
Funcionamento, que n ã o implica em pensar um/a pes-
t e m o l ó g i c o e "suas" atividades e estratégias de enuncia-
quisador/a como dotado/a de uma suprema intencionali-
ção. Parece que ele n e m quer saber que sua linguagem
dade e m a n c i p a t ó r i a , de ser fonte e finalidade de qual-
n ã o apenas "representa" o m u n d o das coisas, mas tam-
quer significado transcendental, ou agente consciente e
b é m fabrica este m u n d o , as p r ó p r i a s coisas, e a modalida-
livre de alguma p r á t i c a social r e v o l u c i o n á r i a . Mas, mais
de das relações entre as coisas. O que u m c u r r í c u l o n ã o
humildemente, em poder analisar u m currículo e o que
consegue descobrir é o aspecto gerativo de sua p r ó p r i a
vimos querendo c o m ele, enquanto educadoras/es, etica-
linguagem. Assim, obscurece, para si mesmo, a compre-
mente r e s p o n s á v e i s pela criação, funcionamento e conse-
e n s ã o de sua natureza criada.
q u ê n c i a s de sua linguagem.
Responsabilidade que, claro, n ã o evita que as conse-
Nós q u ê n c i a s de u m c u r r í c u l o restem sempre abertas, e que
u m c u r r í c u l o diga sempre mais do que p r e t e n d í a m o s que
Porque u m currículo é uma linguagem, pode-se, nas dissesse, faça mais do que deveria fazer, crie o que n ã o tí-
atividades de pesquisa a c a d é m i c a e escolar, formular a nhamos previsto. Que compreenda t a m b é m tudo aquilo
pergunta: - O que quer...? E, ao fazê-la, criar condições para que, para nós, ainda é não-sujeito, sem-sentido, in-signi-
que cada pesquisador/a trabalhe n ã o sobre "o C u r r í c u l o " , ficante, i n i - m a g i n á v e l , in-descritível, im-previsto, in-de-
como u m conjunto de currículos, que demandaria uma terminado, i m - p e n e t r á v e l , i n - n a r r á v e l , in-dizível.
resposta unívoca. Mas, enfatizar o termo " u m currículo",
para justificar a diversidade das respostas que são encon- A l é m desse seu c a r á t e r inefável, p o r ser u m a lingua-
tradas nas investigações. Se, neste tipo de pesquisa, cada gem, u m c u r r í c u l o t a m b é m produz ideias, p r á t i c a s coleti-
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vas e individuais, sujeitos que existem, vivem, sofrem e calizada na rede discursiva das r e l a ç õ e s de poder-sa-
alegram-se, n u m m u n d o que se produz atravessado por ber-subjetividade, que é o que lhe constitui como falante.
complexas redes de r e l a ç õ e s , que v ã o desde as e c o n ô m i - Mas, em todo o trabalho de pesquisa com muitos " u m
co-sociais a t é as tramas amorosas e transferenciais. A o f i m c u r r í c u l o " , é possível encontrar u m a iterabilidade das
e ao cabo, u m c u r r í c u l o , como ser de linguagem, somos respostas que cada currículo fornece. Ousa-se, assim,
n ó s . E o que linguajamos como g e r a ç ã o , raça, g é n e r o , lo- u m a resposta geral, que é dada para ser d e s c o n s t r u í d a .
cal institucional, r e l i g i ã o , ecologia,' outridade, o r i e n t a ç ã o Invariavelmente, quando perguntado, u m c u r r í c u l o cos-
sexual, território geopolítico, fluxos de desejo. O que pos- tuma responder que quer " u m sujeito", que lhe permita
s u í m o s de consciência, e t a m b é m de inconsciência, em reconhecer-se nele. Por isto, qualquer c u r r í c u l o , seja ele
r e l a ç ã o às posições de sujeito que nos foram legadas, e qual for, tem "vontade de sujeito" - pode ser dito, para
que ocupamos. lembrar Nietzsche.
U m c u r r í c u l o é o que dizemos e fazemos... com ele, Só que, ao c o n t r á r i o do desejo da Psicanálise, que é
p o r ele, nele. E nosso passado que veio, o presente que é sempre da o r d e m do inconsciente, essa "vontade de sujei-
nosso problema e limite, e o futuro que queremos muda- to" de u m currículo n ã o é e m nada "inconsciente". T a l
do. E a c o m p r e s s ã o de nossa temporalidade e e s p a ç o . U m vontade define-se e positiva-se no p r ó p r i o funcionamen-
"espectro", que remete a todos os nossos outros, e expri- to de sua linguagem, que realiza o sujeito que quer. "Quer"
me nossa sujeição ao " O u t r o " da linguagem. U m currícu- como? Como u m ser factível: sujeito daquele currículo e
lo é a precariedade dos seres multifacéticos e polimorfos sujeito à q u e l e c u r r í c u l o .
que somos. Nossa p r ó p r i a linguagem c o n t e m p o r â n e a ,
que constitui uma pletora de "eus" e de " n ã o - e u s " , que fa- O problema é que n ã o h á sujeitos perenes, que corres-
lam e são silenciados em u m c u r r í c u l o . p o n d a m às palavras de u m currículo, porque sua lingua-
gem é opaca. U m a linguagem que isola o sujeito mesmo
Isto é u m c u r r í c u l o : u m ser falante, como nós, efeito e
que quer e cria, dentro do universo de seu discurso, pensa-
derivado da linguagem. Hoje, sem intimidade, n ã o mais
mento e ação. O problema é que u m currículo n ã o sabe
básico, n e m fundamental, verdadeiro, a u t ê n t i c o . U m ser
nunca que a constituição de seu campo discursivo é u m ato
sem c o e r ê n c i a e sem profundidade. Que experimenta re-
"poético", enquanto criação de u m d o m í n i o específico de
lações fracionadas, c o n s t r u í d a s ao redor de p e d a ç o s de
objetivação. D o m í n i o finito de u m a determinada o c o r r ê n -
falas de cada u m . Que pode (pode?) ser qualquer coisa,
cia ficcional, no qual são protocolados e sancionados mo-
em qualquer momento. Que n ã o sabe mais para onde vai,
dos específicos de r e p r e s e n t a ç ã o , de c o n t e ú d o s e de rela-
mas que, mesmo assim, continua em frente, querendo sa-
ber das c o n d i ç õ e s históricas e políticas, que produzem as ções, enquanto outros são excluídos e nem formulados.
verdades linguajeiras de u m c u r r í c u l o . Por isso, quem pesquisa O que quer um currículo? ne-
cessita indagar à opacidade e à "coisidade" c o n s t r u í d a da
linguagem de u m currículo: - Se quer u m sujeito, se é u m
Vontade
sujeito que é querido, que sujeito é este? O cartesiano,
kantiano, husserliano? O sujeito do modernismo, do ro-
Como u m ser de linguagem, quando lhe interrogam -
mantismo, da psicanálise, do p ó s - m o d e r n i s m o ? U m a m á -
Che vuoi? - , u m currículo d á a sua resposta particular, lo-
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quina, autopoiese de p r o d u ç ã o , que se inventa no p r ó - como Deus, A H u m a n i d a d e , A N a ç ã o , A Classe, O G é n e -
p r i o acontecendo? ro, A Linguagem? U m sujeito do liberalismo capitalístico
da burguesia? U m dos efeitos mais positivos do biopoder
U m c u r r í c u l o "quer" u m sujeito que pensa, logo é?
e da biopolítica? U m a i n v e n ç ã o do humanismo de todas
Que duvida de tudo, a t é de sua capacidade de conhecer?
as ciências sociais e humanas? U m a individualidade, u m a
Que, j u s t o p o r esta sua d ú v i d a estratégica, pode ter a cer-
totalidade, criadas pelo dispositivo disciplinar da norma-
teza de que é autocognoscível e autotransparente? U m
lização moderna? U m i n d i v í d u o derivado das tecnologias
sujeito com capacidade de observação sistemática e de ra-
de governo dos Estados neoliberais? U m sujeito d e r r i s ó -
ciocínio rigoroso, liberado do erro, do místico, do tirâni-
rio, abjecto, maltratado? U m louco, que n ã o consegue es-
co? Que atua, movido pela universalidade da sua cons-
capar do E s p í r i t o Maligno, e nem de sua incessante dis-
ciência, anotando, quantificando, comparando? Que faz
r u p ç ã o como sujeito? U m devir, u m tornar-se, u m arran-
sua r a z ã o triunfar contra a e m o ç ã o , o m é t o d o contra os
j a m e n t o coletivo de e n u n c i a ç ã o e m a q u í n i c o do desejo?
instintos, a ciência contra a arte? U m c u r r í c u l o deseja u m
U m "nada de sujeito", que o modo do discurso de u m cur-
sujeito progressista, que encarne o progresso? Que seja
rículo condena ao limbo dos seres que n ã o p o d e m ser vis-
rentável, produtivo, próspero?
tos n e m ditos?
U m c u r r í c u l o "quer" u m ser a u t ó n o m o , que promova
u m a sociedade de iguais, livres e fraternos? Anseia por
u m agente m o r a l responsável? Dotado de u m a alma inte- Verdade
rior, profunda e misteriosa, habitada por p a i x õ e s incon-
troláveis? U m sujeito movido pelo amor ao p r ó x i m o , t ã o Quem, como n ó s , trabalha com as teorias pós-críticas,
imenso quanto o amor que tem por si p r ó p r i o ? Que p r i o - no t e r r i t ó r i o da E d u c a ç ã o , n ã o faz mais a pesquisa "do
riza o sentimento moral, ao invés da racionalidade? U m C u r r í c u l o " , no sentido global. Pesquisa que requeria,
sujeito que possui u m eu essencial, c o n s t i t u í d o p o r emo- como resultados, explicações totalizantes e unificadoras
ções intensas? sobre a verdade e o verdadeiro do C u r r í c u l o . Explicações
sobre "a T e o r i a " ou "a Prática" do C u r r í c u l o , que costu-
U m c u r r í c u l o "quer" u m ser dividido, clivado, em afâ- mavam reinar sem qualquer partilha. Menos pretensiosa-
nise p e r p é t u a ? U m eu, que responda pela ilusão de cora- mente, o/a pesquisador/a pós-crítico/a analisa as vicissitu-
pletude pessoal, mantida no j o g o da d i n â m i c a pulsional? des do desejo p o r u m sujeito e os acidentes da linguagem
U m sujeito desconhecido para si, que necessita subme- de cada c u r r í c u l o : daquele " u m c u r r í c u l o " específico, que
ter-se a técnicas de auto-exame e de autoconhecimento? escolheu para investigar - sendo, ao mesmo tempo, tam-
U m ser imbricado na sexualidade e verdade interior, só b é m "escolhido/a" p o r ela. Escolhas que se consubstan-
reveladas por u m a h e r m e n ê u t i c a do eu? Que busca a ver- ciam em outra ética de trabalho, em outra linguagem de
dade de si, que sempre lhe escapa, p o r estar a l é m de sua crítica, e e m outras r e l a ç õ e s com "a verdade" de sua p r ó -
consciência? U m sujeito forçado a estar sempre em movi- pria pesquisa.
mento, impulsionado por forças que desconhece?
A pesquisa pós-crítica de u m currículo rejeita tanto a
U m c u r r í c u l o "quer" u m sujeito que interpele os i n d i - lógica quanto a empiricidade totalizadoras da verdade
víduos concretos, para sujeitá-los a u m Sujeito Absoluto, "do C u r r í c u l o " . O que ela diz é "a falta de verdade" deste
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tipo de investigação, p o r indagar: - Como, em que condi-
0 que é um currículo ? O que um currículo quer? Que sujeito
ções, esta verdade chegou a ser verdadeira? Quais as rela-
ele quer? A pesquisa pós-crítica protesta a responder, de
ções de poder que possibilitaram a c o n s t r u ç ã o de tal ver-
modo "verdadeiro", a essas questões, em nome da p r ó p r i a
dade? Quais os efeitos de verdade sobre o sujeito que ela
linguagem com que as analisa. Essas são questões, p o r ex-
assujeita? Só que, quando responde a estas q u e s t õ e s , o/a
celência, para as quais "evidência" alguma oferece seu apoio.
pesquisador/a formula u m a "verdade", derivada da sua
Diferentemente, de quando se tratava de saber o que era e
pesquisa, cuja t e n d ê n c i a é instalar-se e funcionar em po-
o que queria a Teoria ou a Prática do Currículo, jamais se
sição de verdade.
está segura/o dessas respostas. Para a pesquisa pós-crítica,
Ocorre que a verdade, e x t r a í d a da pesquisa pós-críti- u m currículo n ã o é em nada u m "mistério", ao qual se atri-
ca, n ã o tem c o n d i ç õ e s de funcionar nessa posição, porque buía u m tanto de mistificação ou mentira. T a l pesquisa
a linguagem da t e o r i z a ç ã o - usada para pesquisar a ver- n ã o identifica u m currículo como uma espécie de "escon-
dade linguajeira de u m c u r r í c u l o - n ã o pretende, n e m diz derijo", que dissimularia algo, nefasto ou n ã o . Do que quer
tudo. Por causa desta característica da linguagem pós-crí- u m currículo, a pesquisa pós-crítica n ã o formula uma ver-
tica, a verdade que resulta da pesquisa é sempre u m semi- dade absoluta, mas "verdades" sempre parciais.
dizer, uma verdade que n ã o pode ser dita toda. H á u m Por isso, os seus "resultados" encontram-se abertos
impossível de dizer, na linguagem com que se pesquisa, pelas possibilidades de outras linguagens, que responde-
que a pesquisa encarna. r ã o à pergunta O que quer um currículo? de modo diferen-
Assim, o/a pesquisador/a pós-crítico/a renuncia tanto te, m ú l t i p l o , disseminado. C o n t i n u a m sendo q u e s t õ e s e
ao saber consolidado quanto ao p r ó p r i o acervo de conhe- p r o b l e m á t i c a s de pesquisa, n ã o resultados. Estão, perma-
cimentos obtidos p o r suas investigações. E, incessante- nentemente, atentos aos detalhes dissonantes da lingua-
mente, c o m e ç a tudo de novo. Diferente de Wittgenstein, gem de u m currículo, à temporalidade de seu a posteriori,
para quem "aquilo de que n ã o se pode falar, é preciso em que as significações ganham sentidos só depois. Mes-
calá-lo", a o p e r a ç ã o de pesquisa pós-crítica define-se pela mo depois de obtidos, tais "resultados" ainda buscam as
articulações complexas entre o seu objeto de estudo - u m
m á x i m a impossível: - A q u i l o de que n ã o se pode saber, é
currículo - e a linguagem pós-crítica usada para falar des-
preciso pesquisá-lo.
te objeto. Objeto e linguagem, coisa e palavra, entendi-
N ã o que a pesquisa pós-crítica seja "imperfeita". N ã o dos como processos que se refletem e retratam, sempre.
que p e r t e n ç a a uma ordem de imperfeição, que uma pes-
Ao realizar a pesquisa pós-crítica de u m currículo, en-
quisa mais aplicada, mais sistemática, de mais tempo, per-
tendido como linguagem, o/a pesquisador/a busca o encon-
mitiria preencher. Mas, porque funciona como a p r ó p r i a
tro sempre faltoso com u m semidizer, que ele/a n ã o conse-
forma de saber pós-crítico: u m saber que n ã o permite sa-
gue designar no discurso, senão como lacuna. Busca a signi-
ber tudo. A pesquisa pós-crítica elabora saberes que, por mais
ficação que poderia ter sido esquecida, e aquela sempre
operativos que sejam, n ã o deixam de ser criações, experimen-
nova, jamais esgotada, nem definitivamente fixada. Aquela
tações. Saberes que significam muito mais u m não-saber,
que escapara, sim, porque nunca antes pudera ter sido atri-
uma ignorância necessária ao/à pesquisador/a, que sabe
buída, nem possibilitada ou permitida, pelas formas anteri-
que nenhuma pesquisa p o d e r á remediar.
ores de fazer a pesquisa "do Currículo". T o m a os enuncia-
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dos dos discursos curriculares que analisa pelo avesso, e des- Exige t a m b é m que, para ser pesquisador/a, cada um/a
taca, deles, outras redes de significação. opere na p e n u m b r a do que n ã o sabe direito o que é: na
penumbra da eficácia simbólica da linguagem. Que per-
A pesquisa pós-crítica é u m a pesquisa de " i n v e n ç ã o " ,
corra os rizomas das significações culturais, que o/a ferti-
n ã o de " c o m p r o v a ç ã o " do que j á foi sistematizado. Sua
lizam, para praticar a pesquisa educacional de forma p o é -
p r i n c i p a l c o n t r i b u i ç ã o é apenas a de ser a p r o v e i t á v e l p o r
tica. Pesquisar-poetar: viver, em uma palavra. Arriscar,
outros/as pesquisadores/as, como u m a "sementeira" de
assumir o risco da morte, que é estar viva/o. E, assim, rea-
sentidos imprevistos. Ela i m p l o d e o sistema consensual
lizar sua sina e situação de estar no m u n d o , viva/o, sem
das formas e m que habitualmente compreendemos, fala-
considerar-se u m p r o d u t o acabado.
mos e escutamos u m a linguagem curricular. I m p l o s ã o de
sentidos que, no m í n i m o , faz "saltar" o que estava ainda
não-significado, o que era a-significante. C o m o sua p r i n -
cipal tarefa política, a pesquisa pós-crítica quer transfor-
mar o funcionamento da linguagem de u m currículo, na
d i r e ç ã o de modificar as suas c o n d i ç õ e s de e n u n c i a ç ã o ,
fornecendo-lhe planos infinitos de possíveis.
Para realizar tal tipo de pesquisa, é preciso estudar as
teorias pós-críticas, para, depois, pô-las provisoriamente
de lado. I r ao encontro do objeto sem as teorias. Deixar à
margem o aprendido, para fazer com que, da originalida-
de do objeto saltem, como " r ã z i n h a s " , os sentidos novos.
Assim, cada pesquisador/a pode n o m i n a r com novas sig-
nificações o seu objeto que, em função disto, p o d e r á ad-
q u i r i r outros sentidos. E t a m b é m para que d a í possa sur-
gir u m a nova teoria, que emerja da j u n ç ã o entre a teori-
zação e o objeto.
As teorias pós-críticas orientam a a t e n ç ã o do/a pesqui-
sador/a para certas unidades analíticas, mas n ã o lhe forne-
cem nenhuma "solução" para os problemas que está consi-
derando. O que elas fazem surgir são outros sentidos para
u m currículo, que, depois, vão ser cotejados com as outras
teorias de sentido. T a l prática de pesquisa exige u m grau
razoável de tolerância à "frustração" a c a d é m i c a , represen-
tada pelas incertezas da verdade; pela falha de solução
para o problema pesquisado; pelo e s g a r ç a m e n t o de qual-
quer unidade dos resultados; e pela capacidade de supor-
tar tudo o que, apesar dos esforços, não-faz-sentido.
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Desde a conceitualização p ó s - e s t r u t u r a l i s t a , e m suas
c o n t r i b u i ç õ e s para o campo da teoria do currículo, consti-
tuirei o instrumental " ó t i c o " para realizar algumas opera-
ções analíticas sobre o conjunto interdiscursivo formado
2 por três positividades, quais sejam: o discurso d i d á t i c o , o
da medicina clínica e o discurso da j u r i s p r u d ê n c i a penal.
Olhos de poder sobre o currículo* Criada esta r e g i ã o de interpositividade, as o p e r a ç õ e s des-
c r e v e r ã o os isomorfismos que a atravessam e p r o d u z e m
as tecnologias avaliativas dos pareceres escritos e de suas
correlatas, a o b s e r v a ç ã o e a auto-avaliação.
Obrigarei tais olhares a entrarem n u m a espécie de
Os "olhos" que olhara as crianças na escola e na sala jogo, ao modo foucaultiano, que nos leve a: 1) estranhá-los
de aula n ã o s ã o nunca isentos, sequer desinteressados, e, p o r isto, desnaturalizá-los enquanto instrumentos de
m u i t o menos descritivos. Seus "olhares" - sejam curricu- uma humanizante d e s c r i ç ã o das crianças e de seus de-
lares, didáticos, p e d a g ó g i c o s , psicológicos, sociológicos, sempenhos escolares; 2) olhá-los com outros olhos, p o r
filosóficos, a n t r o p o l ó g i c o s - estão historicamente com- focá-los com a lente de u m a e s t r a t é g i c a tecnologia educa-
prometidos em determinadas relações de poder-saber e cional de poder, controle, r e g u l a ç ã o , n o r m a l i z a ç ã o e dis-
implicados na c o n s t i t u i ç ã o de certas políticas de identida- ciplinamento moral da infância-escolar; 3) enunciá-los em
de e de r e p r e s e n t a ç ã o culturais, e n ã o de outras.
uma linguagem, n ã o essencializada, mas de inspiração ge-
Este trabalho b u s c a r á dar outra visibilidade a u m des- nealógica; 4) pensar em suas implicações para as atuais re-
ses olhares - o do dispositivo (cf. Foucault, 1979) avaliati- lações entre currículo, subjetividade e poder; 5) ler sua
vo dos Pareceres Descritivos. Dispositivo que, como se textualidade, como u m a das mais discriminatórias p r o d u -
sabe, é amplamente utilizado em instituições escolares ções culturais da biopolítica escolar; 6) reinterrogar as evi-
c o n t e m p o r â n e a s e valorizado como u m a forma progres- d ê n c i a s de seus efeitos de poder, saber e verdade para a
sista, d e m o c r á t i c a , e a t é e m a n c i p a t ó r i a de realizar o pro- p r á t i c a curricular, as c r i a n ç a s e seus grupos sociais.
cesso de avaliação das/os estudantes. Pela a t r i b u i ç ã o de
tais significados, u m a forma de avaliar que inclua, entre Mas isso é alguma coisa que este texto conseguirá, ou
seus instrumentos, os Pareceres Descritivos, costuma ser n ã o , produzir em seu curso e ao seu final. Por ora, na p r i -
contraposta à q u e l a s formas que deles prescinde, as quais meira parte - Usos e costumes - , iniciarei a o p e r a ç ã o p o r u m
por isto são consideradas conservadoras, repressoras, au- elemento simples da p r á t i c a avaliativa dos Pareceres Des-
toritárias. Este é o j e i t o como estamos habituadas/os a qua- critivos; isto é, p o r u m a breve descrição de seus "usos e cos-
lificar, pensar e falar dos Pareceres. tumes", investigados em escolas integrantes das redes m u -
nicipal e estadual de ensino da cidade de Porto Alegre.
Na segunda parte - Continuidades didáticas - , indicarei
* Este texto foi publicado, primeiramente, pela revista Educação & Realidade. Porto u m duplo seguimento: o primeiro, encontrado em uma re-
Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS, v. 21, n . l , jan.-jun./1996: 46-70.
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visão da literatura didática, feita em textos integrantes de Usos e costumes
duas posições bem conhecidas das/os educadoras/es bra-
sileiras/os - quais sejam, a D i d á t i c a T r a d i c i o n a l e a Didá- Para u m a breve descrição dos Pareceres Descritivos, é
tica Fundamental (cf. Candau, 1985) - ; e o segundo, refe- suficiente dizer que tais documentos escolares consistem
rente à existência de uma l i n h a c o n t í n u a , que estende as em u m a ficha individual, preenchida pelas/os professo-
significações vistas na p r á t i c a escolar pesquisada a t é as ras/es, com dados acerca do desempenho escolar de cada
o r i e n t a ç õ e s fornecidas pelos textos didáticos. aluno e aluna, em u m determinado p e r í o d o letivo.
Na terceira parte - Ver, saber - , acompanharei as des- N o discurso p e d a g ó g i c o escolar, os Pareceres n ã o são
crições de Foucault (1987a) acerca das e x p e r i ê n c i a s e pe- considerados e m si mesmos enquanto "instrumentos de
dagogias produtoras do poder-saber clínico, a fim de ana- avaliação" - tais como as provas, testes, exames - , j á que
lisar o conjunto intertextual c o n s t i t u í d o pelas f o r m a ç õ e s eles n ã o "servem" para avaliar as crianças. E m vez disto,
discursivas da medicina e da pedagogia, as quais colocam são classificados na mesma categoria do Boletim Escolar
em j o g o práticas a n á l o g a s de "ver, saber". Re-descreverei enquanto "instrumentos de e x p r e s s ã o dos resultados da
alguns modos pelos quais a pedagogia moderna se apro- avaliação", podendo fazer parte do p r ó p r i o texto do bo-
p r i o u e reterritorializou as positividades m é d i c a s de letim, ou v i r anexados a ele, em u m a folha à parte.
olhar e de p r o d u z i r saber, para criar e p ô r a funcionar os Assim, são significados e praticados pelas escolas e
dispositivos avaliativos da o b s e r v a ç ã o , auto-avaliação e professoras como u m instrumento a ser utilizado, somen-
pareceres escritos. te, " a p ó s " a realização de todo o processo de avaliação,
feito p o r meio de outros instrumentos que n ã o eles p r ó -
Na parte intitulada Dispositivo de penalização normativa,
estabelecerei correlações entre a forma de p e n a l i z a ç ã o prios. Seu p r o p ó s i t o declarado é o de comunicar - aos
normativa moderna (Foucault, 1987b) e a avaliação esco- p a i s / m ã e s ou r e s p o n s á v e i s pela c r i a n ç a e, em algumas es-
lar, articulando esta r e g i ã o de interpositividade com a colas, à p r ó p r i a c r i a n ç a e t a m b é m à equipe diretiva - os
terceira, das f o r m a ç õ e s clínicas. Farei isto para mostrar as progressos e as dificuldades individuais, fornecer suges-
regularidades discursivas e não-discursivas que constituí- tões de como melhorar, bem como apontar os resultados
r a m algumas das atuais tecnologias escolares de normali- parciais/finais do processo de aprendizagem.
zação, ou seja, as mesmas que estabelecem as relações de P o r é m , encontrei a i m p l e m e n t a ç ã o de alguns meca-
força de u m infantil-escolar consigo mesmo. nismos utilizados durante o processo avaliativo, que ape-
Finalmente, em Olhos inocentes? Só se forem os nossos, a nas "funcionam" porque a a d o ç ã o dos pareceres assim o
p a r t i r das pequenas rupturas óticas das partes anteriores exige, tais como: a) auto-avaliações e registros descritivos
indagarei sobre o p o r q u ê de tudo isso, para prosseguir leitos pelas/os alunas/os sobre seus desempenhos; b) ano-
suspendendo as costumeiras significações e p r á t i c a s pe- tações sistemáticas - diárias, semanais e mensais - feitas
d a g ó g i c a s dos Pareceres Descritivos. E, ao i r fazendo as- pelas professoras em seus Diários de Classe, onde regis-
sim, continuar olhando e dizendo algo u m pouco dife- tram observações sobre si p r ó p r i a s e sobre as crianças; c)
rente acerca do poder p r o d u t i v o desses "olhos", que i n - escrita de pareceres, parciais ou finais, realizados por
sistem em se manter bem abertos, e a t é "espichados" so- pais, m ã e s , familiares e r e s p o n s á v e i s pelos/as alunos/as;
bre o c u r r í c u l o da E d u c a ç ã o Infantil. d) fichas escritas para r e u n i õ e s p e d a g ó g i c a s - ou escritas
UFRGS
BIBLIOTECA SETORIAL OE E D U C A Ç Ã O 2 5
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ó t i m a s " para descrever o "verdadeiro" desempenho esco-
durante sua r e a l i z a ç ã o - contendo apontamentos sobre o
trabalho de sala de aula, a t u r m a e cada aluno/a. lar de cada aluna/o.
Foram encontrados dois tipos de "agendas ocultas", a
Desse m o d o , a utilização dos Pareceres Descritivos -
serem seguidas no m o m e n t o de escrever os pareceres: 1)
alegadamente u m mero instrumento de e x p r e s s ã o / c o m u -
nicação dos resultados da avaliação - provoca modifica- as do p r i m e i r o tipo são aquelas de p r o d u ç ã o recente feita
ções concretas no tipo e na forma de avaliação escolar, e pelas p r ó p r i a s professoras, ou de m o d o solitário, p o r
n ã o somente "expressa" ou "comunica" os resultados ob- cada uma; ou em r e u n i õ e s de classes paralelas, nas esco-
tidos p o r outros mecanismos. E m sua materialidade fun- las que m a n t ê m atendimento pluridocente e nas que i m -
cional, os pareceres n ã o somente expressam e comuni- plementam u m trabalho p e d a g ó g i c o organizado e siste-
cam, mas ativamente produzem meios e instrumentos ava- m á t i c o ; 2) as do segundo tipo consistem em "fichas pa-
liativos, exercícios de regulação, procedimentos de objeti- dronizadas" (já amarelecidas), integradas p o r itens de
ficação e subjetivação dos/as infantis. condutas e comportamentos observáveis, cuja g é n e s e re-
conhecida data do p e r í o d o tecnicista dos anos setenta,
Costumam ser escritos individualmente pela profes- mas que ainda m a n t ê m plena vigência e legitimidade como
sora r e s p o n s á v e l p o r cada turma. O u e n t ã o , s ã o produzi- guias de avaliação, embora n ã o tenham sido objeto de
dos nos Conselhos de Classe, naquelas escolas que man- análise recente pelas professoras.
t ê m esta instância avaliativa para turmas unidocentes -
reunindo professoras/es dos setores administrativo, peda- T a n t o n u m quanto n o u t r o tipo, os itens referem-se a:
gógico e as professoras de uma mesma série; b e m como na responsabilidade; cuidado com a a p a r ê n c i a e com o ma-
situação de atendimento pluridocente a uma mesma tur- terial escolar; r e l a ç õ e s com colegas e professora; pontua-
ma do C u r r í c u l o p o r Atividades, como foi encontrado nas lidade e assiduidade; aproveitamento nas disciplinas/áre-
as
4 séries do Ensino Fundamental, em algumas escolas da as de conhecimento; p a r t i c i p a ç ã o nas aulas; desenvolvi-
rede m u n i c i p a l de ensino. mento cognitivo, afetivo, psicomotor; h á b i t o s de higiene.
Orientando-se p o r suas agendas ocultas, as professoras
E m algumas escolas, o c o n t e ú d o do que aparece escri-
encontram ali s u g e s t õ e s de á r e a s ou de comportamentos
to nos Pareceres Descritivos fica exclusivamente a critério
a serem observados, e mesmo modelos de frases p a d r o n i -
da professora de classe. E m outras, a c o o r d e n a ç ã o peda-
zadas, que as auxiliam na descrição da c r i a n ç a e de seu
gógica fornece o r i e n t a ç õ e s gerais sobre sua e l a b o r a ç ã o ,
rendimento escolar.
apontando a necessidade de que os pareceres estejam em
c o n s o n â n c i a com os objetivos e c o n t e ú d o s m í n i m o s esta- A e l a b o r a ç ã o dos pareceres pelas professoras e sua
belecidos nos planos de ensino, ou com aqueles efetiva- posterior entrega aos familiares e responsáveis seguem a
mente trabalhados em aula. As professoras acreditam ser periodicidade escolar bimestral, divisão do tempo escolar
i m p r e s c i n d í v e l realizar registros continuados das ocor- dominante no sistema p ú b l i c o brasileiro, h á mais o u me-
rências em sala de aula e dos comportamentos i n d i v i - nos trinta anos. Estes escritos acompanham as notas ou
duais das crianças. Para que, de tal a c ú m u l o - gradual, conceitos e mesmo os substituem, como foi o caso das
constante, cumulativo e, de p r e f e r ê n c i a , cooperativo - , duas primeiras séries do Ensino Fundamental, no Rio
possam retirar evidências, que as d o t e m de " c o n d i ç õ e s Grande do Sul, e m que as escolas, se assim decidissem,
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solicitavam a u t o r i z a ç ã o à Secretaria Estadual de Educa- Mas, e no discurso d i d á t i c o , legitimado pela comuni-
ção - para as primeiras séries, desde 1989, e para as se- dade científica educacional, o que é dito em relação aos
gundas, desde 1990 - , ficando liberadas para emitir ape- Pareceres Descritivos? H a v e r á aí alguma dissonância, rup-
nas Pareceres Descritivos durante o ano letivo e, ao final turas, descontinuidades? O u os "usos e costumes", falados
deste, indicar se a/o aluna/o f o i "Aprovado" o u "Reprova- nas escolas pesquisadas, p o d e m ser homologados com tal
do" , sem necessidade de expressar os resultados da avali- discurso? Ainda mais: dentro deste mesmo discurso, é
a ç ã o através de Notas ou Conceitos, o b r i g a t ó r i o s para as possível constatar diferenças entre os textos de u m a d i d á -
outras séries do sistema de ensino. tica tradicional e aqueles de uma outra, que p ô s a p r i m e i -
ra em q u e s t ã o ? A busca de alguma resposta a estas per-
As professoras das Séries Iniciais consideram os Parece- guntas constitui o p r ó x i m o lance.
res como bastante avançados em relação aos "impiedosos"
n ú m e r o s das notas, e mesmo em relação às precariedades
discriminativas dos conceitos. E as escolas, que trabalham Continuidades didáticas
com os Pareceres (ao invés de com notas ou conceitos, ou
que os fazem acompanhar de Pareceres), são t a m b é m consi- Se percorrermos o tema da Avaliação - tal como apa-
deradas bastante avançadas - e até mesmo dignas de serem rece na literatura d i d á t i c a brasileira dos ú l t i m o s trinta o u
incluídas na categoria de "escolas cidadãs" - , no que se refe- quarenta anos - , encontraremos, a l é m das provas e dos
re ao caráter democrático de sua avaliação. testes (em suas diversas formas), outros instrumentos e
técnicas de avaliação, tais como: o b s e r v a ç ã o , auto-avalia-
T a m b é m foi referido pelas professoras que, nos cur- çao, entrevista, estudo de caso, q u e s t i o n á r i o , sociometria,
sos de f o r m a ç ã o p o r elas realizados, seja nas faculdades a n e d o t á r i o , sistema de categorias, fichas padronizadas.
de E d u c a ç ã o ou nas escolas de M a g i s t é r i o , os pareceres
Desses instrumentos, para analisar, em seu entrecru-
escritos eram utilizados para descrever o desempenho de
zamento com os Pareceres Descritivos, destaquei a "ob-
suas/seus professoras/es, a avaliação da disciplina, ou o
servação continuada do desempenho da criança pela pro-
seu p r ó p r i o aproveitamento. C o m este exercício, acredi-
fessora" e a "auto-avaliação", em função da frequência com
tavam - elas p r ó p r i a s e as/os professoras/es - que as/os fu-
que, de forma alinhada, costumam estar presentes, tanto
turas/os educadoras/es i n c o r p o r a r i a m tal instrumento em
nos textos didáticos quanto na p r á t i c a p e d a g ó g i c a esco-
sua p r á t i c a p e d a g ó g i c a , a p e r f e i ç o a n d o - o e democratizan-
lar; bem como pelas indicações encontradas, em ambos
do-o sempre mais.
Os d o m í n i o s , de que estes constituem os dois instrumen-
Essas são evidências facilmente e n c o n t r á v e i s em esco- tos i m p r e s c i n d í v e i s para u m a adequada e corre ta p r o d u -
las alinhadas no campo das pedagogias ditas progressis- ção dos Pareceres Descritivos.
tas, conscientizadoras, e m a n c i p a t ó r i a s . " E v i d ê n c i a s " das
Conforme Pura Martins (1989), foi a teoria da Escola
quais temos nos ocupado m u i t o pouco, deixando de rea-
Nova aquela que modificou os procedimentos avaliativos
lizar uma análise pós-crítica diferenciada que possa, no
da Escola Tradicional, deslocando-os da "evocação dos
m í n i m o , dissipar a insistente familiaridade c o m que este
conhecimentos memorizados", realizada através de " i n -
tipo de p r á t i c a vem sendo realizado no e s p a ç o institucio-
( e r r o g a t ó r i o s orais, provas e trabalhos escritos" para a
nal da escola.
28 29
"auto-avaliação e a observação do comportamento do
ciplina a p ó s u m a Prova" e "Trabalho em G r u p o " (ib.:
aluno" (ib.: 56). 455-458). Quanto à o b s e r v a ç ã o dos alunos feita pelo p r o -
Nesta d i r e ç ã o , T u r r a et alii (1980) dedicam nina cx- fessor, sugere a "Ficha do Professor", enfatizando a con-
tensa parte de seu prestigiado livro aos instrumentos <• .1 v e n i ê n c i a de que a ficha contenha dados referentes aos se-
técnica da o b s e r v a ç ã o , afirmando <|ue esla se constitui guintes aspectos: 1) comportamento inicial do educando
como "uma i m p o r t a n t e técnica de c o m p r e e n s ã o , possibi- em u m curso o u ano letivo, do qual cita como exemplos de
litando o conhecimento do aluno e do grupo de alunos" questões a serem feitas: "É introvertido ou extrovertido?"
(ao fornecer dados para a "avaliação diagnostica, lorniat i- "Que aspectos negativos apresenta?"; 2) suas aspirações e
va e somativa"); a l é m de ser uma técnica de "investiga- aptidões, com interrogações como: "Qual seu nível mental?"
ç ã o " e t a m b é m de "ensino", cujas vantagens seriam as de "E ambicioso?" ; 3) comportamento e rendimento escolar
"estudar os f e n ó m e n o s em sua variedade", p e r m i t i r "<> re- atuais, perguntando: "Interessa-se pela disciplina?" "Os
gistro de dados enquanto ocorrem", e n ã o requerer "co- resultados obtidos estão de acordo com as expectativas?"
o p e r a ç ã o p o r parte de quem é observado" (ih.: 199). Para "Nota-se algo perturbando-o?" (ib.: 458-460).
estas autoras, a "história do uso da o b s e r v a ç ã o remonta
Para n ã o ficar apenas no "setor de conhecimentos",
ao início dos tempos", sendo o "mais universal dos atos
Nérici recomenda que seria "interessante [...] que de m ê s
mentais do h o m e m " (ib.: 202), empregado no campo
em m ê s ou dois em dois meses t a m b é m fosse apreciado o
educacional "para relatar várias atividades e característi-
comportamento do educando. E nada impediria que se es-
cas de c r i a n ç a s , adolescentes e adultos" (ib.: 20IJ).
tabelecesse u m critério de notas mensais ou bimensais que
N é r i c i (1985), outro "clássico" da literatura cliclálica incluísse, t a m b é m , o comportamento" (ib.: 492). Sugere
tradicional, enfatiza a auto-avaliação para verificação da que a nota final seja dada "com base em 60% sobre a verifi-
aprendizagem, como u m "meio altamente educativo, ca- cação de conhecimentos e 40% sobre a avaliação do com-
paz de levar o educando a relletir sobre si mesmo e a to- portamento". Os aspectos do comportamento a serem ava-
mar c o n s c i ê n c i a da sua realidade como estudante" (ib.: liados consistiriam em: "respeito e c o n s i d e r a ç ã o pelos co-
453). Calcada na o p e r a ç ã o de "tomada de consciência", o legas; c o o p e r a ç ã o ; altruísmo; atitudes morais (veracidade,
autor indica que a auto-avaliação deve ter como objelivos solidariedade, honorabilidade, etc); o r d e m nos trabalhos;
educativos levar o educando a conscientizar-se de: um pontualidade; senso de responsabilidade; p e r s e v e r a n ç a ;
conjunto de valores; sua realidade humana; sua partici- controle emocional; hábitos higiénicos" (ib.: 493-497).
p a ç ã o na r e a l i z a ç ã o da sua p r ó p r i a vida; seus deveres de
Acerca da e x p r e s s ã o do aproveitamento do/a aluno/a,
estudante; suas deficiências escolares, por falta de- apti-
encontramos em Schmitz (1984) a r e l e g a ç ã o a segundo
d õ e s , de preparo anterior ou de insuficiente a t e n ç ã o dis-
plano "da forma como este aproveitamento é registrado
pensada aos estudos (ib.: 453-454); e assim por diante.
(seja nota, seja m e n ç ã o ) " , e o p r i m a d o de que "tanto o
Dentre as fichas de auto-avaliação, a serem preenchi- professor como cada aluno e a família t o m e m conheci-
das pelas/os alunas/os sobre seus p r ó p r i o s comportamen- mento da situação real". Como afirma: " M e l h o r do que
tos e atitudes, N é r i c i indica as fichas de: "Comportamen- u m a c o m u n i c a ç ã o vaga e indeterminada é relatar-lhes o
to Pessoal e Social", "Disciplina,ou Área de Estudo", "Dis- que de fato representa o aproveitamento do educando. A
incerteza, a d ú v i d a s ã o piores do que a c o m u n i c a ç ã o clara

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e definida do nível em que o aluno se encontra na realida- ria psicogenética de Jean Piaget), coerente com u m a peda-
de" (ib.: 159). gogia libertadora, conscientizadora das diferenças sociais
N o sentido de evitar tais incertezas e d ú v i d a s , Selimil/. e culturais", e na "teoria das medidas referenciadas a crité-
orienta o/a professor/a para que comunique "com sinceri- r i o " de Heraldo Marellin Vianna (ib.: 23-24).
dade e clareza, aos alunos e seus pais, os pontos cm que Hoffmann p r o p õ e u m a avaliação a ser realizada como
eles estão b e m e aqueles nos quais necessitam de mais es- "acompanhamento no processo de desenvolvimento", p o r
forço e trabalho". Para atingir tais p r o p ó s i t o s , esta comu- meio de: " o b s e r v a ç ã o da criança, fundamentada n o co-
nicação deve ser "simplificada, fazendo-se tanto quanto nhecimento de suas etapas de desenvolvimento"; "opor-
possível da mesma forma, fácil de interpretar e suficien- t u n i z a ç ã o de novos desafios com base na o b s e r v a ç ã o e re-
temente descritiva, para que os r e s p o n s á v e i s entendam o flexão teórica"; "registro das manifestações das crianças e
que significa". E enfatiza: "Deveria ser acompanhada de de aspectos significativos de seu desenvolvimento"; "diá-
parecer descritivo" (ib.: 160). logo frequente e sistemático entre os adultos que l i d a m
J á no campo da inicialmente chamada Didática Fun- com a criança e os pais ou r e s p o n s á v e i s " (ib.: 104). Para
damental, Kenski (1989) d á prosseguimento ãs posições operacionalizar tais processos avaliativos, sugere os "rela-
da Didática Tradicional, ao atribuir grande i m p o r t â n c i a tórios de avaliação", cujas a n o t a ç õ e s devem ser "frequen-
à auto-avaliação, aqui ligada à "opção por um ensino trans- tes, sobre o cotidiano de cada criança, de modo a subsidi-
formador", o que implica, conforme a autora, que essa ca- ar permanentemente o trabalho j u n t o a ela, desvelando
pacidade - a de auto-avaliar-se - "se volte para dentro de caminhos ao educador para ajudá-la a ampliar suas con-
si mesmo nas suas relações com o conhecimento e com os quistas" (ib.: 107).
outros, através da auto-crítica, da auto-avaliação" (//;.: MO). Kramer et alii (1989) fornecem três tipos de estratégias
T a m b é m Mizukami (1980), ao caracterizar a "aborda- para realizar a avaliação em u m a Pré-Escola, cuja educa-
gem sociocultural" do processo de ensino, reitera estas ção esteja "voltada para a cidadania" (ib.: 104), quais se-
posições ao afirmar: " A verdadeira avaliação do processo j a m : 1) "análises e discussões p e r i ó d i c a s sobre o trabalho
consiste na a u t o - a v a l i a ç ã o e/ou avaliação m ú t u a e perma- p e d a g ó g i c o " ; 2) "observações e registros sistemáticos"; 3)
nente da p r á t i c a educativa p o r professor e alunos. | . . . | No "arquivos contendo planos e materiais referentes aos te-
processo de avaliação proposto, tanto os alunos quanto os mas, relatórios das c r i a n ç a s " (ib.: 96).
professores s a b e r ã o quais suas dificuldades, quais seus Indicam como instrumentos para a realização das ob-
progressos" (ib.: 102). servações: 1) "caderno de observações", para registro l i -
Dentro do paradigma construtivista, I l o í l m a n n (1991) vre, pela professora, de "acontecimentos novos", "con-
ressalta o papel e o valor da obsci-vação o da e x p r e s s ã o de quistas e/ou mudanças, de determinadas crianças", e ano-
seus resultados aos pais e responsáveis, ao elaborar uma tações de "algumas i n t e r p r e t a ç õ e s sobre suas p r ó p r i a s
"Proposta de Avaliação" para a Pré-Escola. T a l proposta atitudes e sentimentos"; 2) "relatórios de avaliação" i n d i -
deve estar baseada "na análise dos princípios inerentes a viduais, nos quais a professora registra a n o t a ç õ e s feitas
uma proposta construtivista de e d u c a ç ã o (a partir da leo- diariamente de "três a cinco crianças", que posteriormen-
te s e r ã o discutidos "com a supervisora" e entregues aos

32 33
pais; 3) " c a l e n d á r i o s mensais", para as atividades realiza- sentido: seu c a r á t e r progressista, participativo, h u m a n i -
das na t u r m a e, em outra v e r s ã o , os " c a l e n d á r i o s mensais zador e pleno de cidadania.
individuais", "onde cada c r i a n ç a escreve ou desenha dia- Continuidade dupla, sem d ú v i d a sustentada pela v i -
riamente o que faz ou a atividade preferida do dia, ele." g ê n c i a de u m imperativo p e d a g ó g i c o mais duradouro do
(ib.: 97). que aquele que pensamos (ou queremos) que seja novo ou
Assim como nas p r o d u ç õ e s didáticas consideradas tra- renovado, no campo da p r á t i c a teórica didática, bem
dicionais, t a m b é m no tipo de texto da Didática Renovada, como da p r á t i c a escolar, qual seja: C o n h e ç a mais e me-
o trabalho com as famílias é destacado como uma estraté- lhor a criança-escolar, para mais e m e l h o r g o v e r n á - l a .
gia importante para conhecer melhor as/os alunas/os: " lius-
É possível ainda fazer aparecer, na regularidade da
camos [...] o i n t e r c â m b i o escola-famílias, visando o melhor
f o r m a ç ã o discursiva (cf. Foucault, 1972) p e d a g ó g i c a con-
conhecimento das crianças e, portanto, uma maior quali-
t e m p o r â n e a - j á aqui, de maneira n ã o t ã o explícita - , ou-
dade para o trabalho p e d a g ó g i c o " (ib.: 102).
tras continuidades. Pois, se, entre u m registro de discurso
Percorrendo por alguns textos da Didática Tradicio- d i d á t i c o e o outro (assim como entre tais registros e a p r á -
nal e da D i d á t i c a Renovada, foi possível configurar suas tica escolar), existem m u d a n ç a s sim, e m r e l a ç ã o aos for-
respectivas posições acerca dos Pareceres Descritivos (e matos das fichas e registros, n ã o encontrei quaisquer
dos correlatos instrumentos de o b s e r v a ç ã o e auto-avalia- t r a n s f o r m a ç õ e s no que se refere ao seguinte:
ção). Posições que tornaram visível n ã o uma ruptura sig-
1) O p e r a ç ã o realizada, qual seja, a p r á t i c a discursiva
nificativa, mas uma coesa unidade de discurso, expressa
de que as professoras observem as crianças para melhor
na forte valorização dos mesmos inslruinenlos/técnicas e
descrevê-las, preferencialmente registrando "tudo" o que
na i m p o r t â n c i a de divulgar às famílias e responsáveis pe-
" v ê e m " , sem deixar nada de fora. O u e n t ã o , no mesmo
las c r i a n ç a s os registros produzidos por sua aplicação.
d i a p a s ã o , levar as crianças a se auto-observarem, através
As duas t e n d ê n c i a s didáticas que, a princípio, signiíica- da p r á t i c a da auto-avaliação, para que m e l h o r possam
ram-se como antagónicas, confronlando-sc nos anos 80, descrever-se. Dizendo e escrevendo como são, do que
denotaram (ao menos na revisão feita) estarem afinal ala- gostam e do que n ã o gostam, o que sentem, como agem
vancadas por u m mesmo enunciado: aquele do discurso em diferentes situações, o que amam e o que odeiam, o
educacional e p e d a g ó g i c o da Modernidade, que sustenta a que esperam, em que acreditam, o que temem, como gos-
prática de que quanto mais se conhece, melhor se educa. tariam que o m u n d o , as coisas, as pessoas fossem, como
são suas r e l a ç õ e s com os outros. Exemplar desta p o s i ç ã o é
Foi verificada, t a m b é m , a p r e s e n ç a desla linha contí-
a seguinte "Ficha de Auto-Avaliação Bimestral" aplicada
nua estendida entre os p o s t u l a d o s / o r i e n t a ç õ e s dos textos
em 1994 a u m a t u r m a de 4 série, de u m a escola estadual
a

d i d á t i c o s e as p r á t i c a s escolares com os Pareceres Descri-


de Porto Alegre:
tivos. Nestes três domínios discursivos, as justificaiivas apre-
sentadas, para a utilização dos instrumentos da observa-
ção, auto-avaliação e pareceres, p o s s u í a m um mesmo

34 35
F i c h a de Auto-Avaliação Bimestral

Como sou Sempre Nunca As vezes


1) Presto auxílio aos outros quando me pedem.
2) Sinto prazer em participar do meu grupo.
3) Quando tenho algo a dizer, levanto a mão e espero
minha vez de falar.
4) Em aula, falo baixo para não atrapalhar os outros.
5) Considero-me um bom companheiro de grupo.
Como cuido do meu estudo
\ Compareço às aulas com todo material necessário.
11 Apresento os temas nas datas marcadas.
1 5 i Sou assíduo e pontual às aulas.
- 1 PTCS;O atenção quando a professora explica.
1 5) Participo das aulas dando opiniões.
6) Gosto de vir para a aula.

Como cuido do meu ambiente Sempre Nunca As vezes


1) Sinto que esta escola também é minha, por isto cuido
dela.
2) Uso o banheiro e bebedouro antes de entrar e no
recreio, cuidando da higiene.
3) Coloco o lixo nos locais adequados.
4) Na hora da merenda, no refeitório, mostro educação.
Como meus colegas são comigo Péssimo Regular Bom
Como minha família é comigo
Como minha professora é comigo
Como me saí neste bimestre - Por quê?
2) O p ç õ e s teóricas, j á que, na tríplice tcxlualidade como outros grupos sociais ou subjetividades em desvan-
pesquisada, a escolha recai sobre aquilo mesmo que é tagem ou forclusão cultural.
fundamento da pedagogia moderna, ou seja, a necessida-
de de "conhecer": esquadrinhando, categorizando, clas- 5) C o n t e ú d o dos aspectos observados (e/ou auto-ava-
sificando, expondo, identificando, descrevendo, caracte- liados), os quais dizem respeito a atitudes, sentimentos,
rizando, narrando, contando minuciosamente. Km suma, comportamentos, etapas de desenvolvimento, caracterís-
ativamente p r o d u z i n d o , ao representar e lixar a identi- ticas, níveis de consciência, a s p i r a ç õ e s , a p t i d õ e s , prefe-
dade do infantil-escolar (e, p o r d e c o r r ê n c i a , de suas cul- r ê n c i a s , e m o ç õ e s , capacidades de a d a p t a ç ã o , desejos. Em
turas e grupos sociais), para p o d e r e saber e d u c á - l o . suma, que inscrevem aspectos morais, constituidores de
Como se "existisse" verdadeiramente u m "ser-inlanlil" uma verdadeira ontologia-escolar (cf. Larrosa, 1994) es-
em si-mesmo, apartado do que dele "os outros" dizem, do pecífica. Ontologia que n ã o descreve u m infantil essencial
que dele "os outros" representam, d o que a ele "os ou- (mesmo p o r q u e este n ã o existe), mas p r o d u z u m a essên-
tros" atribuem como sendo sua subjetividade particular e cia de infantil-escolar, u m universal e g e n é r i c o sujeito,
identidade social. O u seja, como se pudesse "existir" u m dotando-o de qualidades em nada alheias à q u e l a s habili-
"ser" que fosse independente, livre, a u t ó n o m o de ser u m dades, atitudes, condutas, que, supostamente, estavam
ser da linguagem, narrado e representado conforme de- apenas sendo observadas, para depois serem simples-
terminadas políticas culturais e de r e p r e s e n t a ç ã o (cl. Co- mente descritas.
razza, 1995a; 1995b; 1995c; 1990). T a n t o no discurso da Didática Tradicional e da Didáti-
3) Posição e papel da professora, enquanto aquela ca Renovada quanto na prática escolar com ele transversa-
profissional que, de posse de uma grade (visível ou invisí- lizada, n ã o encontrei diferenças n e m rupturas nos enunci-
vel) de comportamentos e atitudes, anota, segundo u m ados que sustentam as práticas avaliativas da observação,
c ó d i g o ali constante, para decifrá-lo antes, durante e de- da auto-avaliação e dos Pareceres, no que concerne a:
pois. O u , dito de outro modo: o que é observado já estava 1) Objeto: é u m ú n i c o e mesmo objeto discursivo so-
estabelecido, pelo fato mesmo da seleção do que seria ob- bre o qual se elaboram essas séries de enunciados d i d á t i -
servado haver sido antecipadamente feita, em função das cos, qual seja, a criança-de-escola.
p r á t i c a s e ideais culturais vigentes.
2) Forma e tipo de encadeamento: repete-se uma cons-
4) " E n d e r e ç o " para onde vão aqueles relatórios, regis- tância da e n u n c i a ç ã o descritiva e u m conjunto de regras,
tros, notas, produzidos no e s p a ç o da instituição escolar, que tornam possíveis as descrições (e autodescrições) esco-
cujos d e s t i n a t á r i o s são, a p r i n c í p i o , outros adultos e, em lares, mediatizadas p o r prescrições, instrumentos, proto-
seguida, a p r ó p r i a criança. C r i a n ç a que, de modo irreme- colos padronizados, r e g u l a m e n t a ç õ e s institucionais.
diável, através de mecanismos parentais de p r é m i o ou de
3) Sistema dos conceitos: produzidos p o r u m a mesma
castigo, aí deve se reconhecer, ver sua verdade representa-
arquitetura conceituai, ou seja, aquela c o n s t r u í d a p o r con-
da, identificar-se consigo mesma, reencontrar seu si-mes-
ceitos morais e escolares.
ma. Porque criança n ã o fala, é falada; n ã o se representa, é
representada; n ã o tem desejos, quereres, "estares a f i m " , 4) Identidade e persistência dos temas: existência de
mas é desejada, querida, "ficada a f i m " (ou n ã o ) . Assim uma mesma unidade temática, expressa p o r aquilo que é

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T a m b é m para a p r á t i c a moderna da avaliação esco-
e que deve ser a criança, cuja identidade foi, é, e continua
lar, a o b s e r v a ç ã o a d q u i r i u u m alto valor e elevado estatu-
sendo estabelecida pela escola.
to de verdade. Por isto, i m p o r t a analisar as a p r o x i m a ç õ e s
Dou por suspenso este exercício de identificação das deste dispositivo escolar a dispositivos de o u t r o campo
continuidades didáticas, o qual descreveu tanto a obseiva- discursivo, o da medicina - que ocupa u m lugar determi-
ção (e u m a sua versão, a auto-avaliação) quanto os Parece- nante na "arquitetura de conjunto das ciências huma-
res Descritivos, que realizam investimentos no corpo polí- nas", porque mais do que qualquer outro, está p r ó x i m o
tico das crianças, ao operarem como tecnologias de domi- "da disposição a n t r o p o l ó g i c a que as fundamenta" (Fou-
n a ç ã o , vigilância e n o r m a l i z a ç ã o . C o m isto, ficamos libera- cault, 1987a: 228). Indicarei algumas modalidades que
das/os para prosseguir nossas o p e r a ç õ e s analíticas, sob o tal deslocamento assume na p r á t i c a curricular, levan-
registro do "Ver" e do "Saber", a f i m de tornar possível do-nos a pensar como os dois diferentes tipos de discur-
uma r e d e s c r i ç ã o de como a pedagogia moderna se apro- so, no que se refere à observação, p o d e m ter sido forma-
p r i o u e reterritorializou as modalidades m é d i c a s de olhar dos a partir de regras a n á l o g a s .
e de produzir saber, objetivando constituir alguns de seus
dispositivos p e d a g ó g i c o s de avaliação, por colocar em jogo Consultando textos m é d i c o s dos séculos X V I I I e X I X ,
a positividade do olhar e do registro descritivo. Foucault t r a t a r á do lugar privilegiado concedido pela clí-
nica moderna à o b s e r v a ç ã o e aos saberes d a í derivados.
I n d i c a r á que o p r i m e i r o olhar clínico que observa é aque-
Ver, saber le que se a b s t é m de qualquer i n t e r v e n ç ã o , pois que é
m u d o e sem gesto, j á que nada busca de oculto, de outras
Encontrando-se incorporada a quase todos os campos coisas que n ã o aquelas ali presentes: " H i p ó c r a t e s só se
do conhecimento científico, a técnica da observação é ateve à observação, desprezando todos os sistemas. So-
considerada u m dos mais importantes instrumentos para mente seguindo seus passos a medicina p ô d e ser aperfei-
identificação e descrição da dita realidade física e natural, ç o a d a " (Foucault, 1987a: 121).
e t a m b é m da assim chamada realidade social e cultural.
Erigida como central pelo paradigma positivista da ciên- Na t e m á t i c a do clínico, a pureza do olhar estava liga-
cia moderna, sua l e g i t i m a ç ã o embasou-se na c o n c e p ç ã o da a u m certo silêncio que p e r m i t i a escutar, porque este
de que existem tais realidades, c o n s t i t u í d a s por seus m ú l - pressupunha a i n t e r r u p ç ã o dos discursos loquazes dos
tiplos elementos, os quais j á t ê m ali uma existência con- sistemas, a s u s p e n s ã o de toda teoria, à beira do leito do
creta, esperando para serem descobertos e reconhecidos. doente. Era tal m o d o de olhar que p e r m i t i a reduzir os
Elementos que d ã o a ver sua verdade, justamente por p r o p ó s i t o s da i m a g i n a ç ã o , j á que estes sempre antecipa-
meio dos atos de o b s e r v a ç ã o , desde que realizados de vam aquilo que se percebia, descobriam relações ilusórias,
modo científico pelo sujeito consciente e u n i t á r i o da Ra- e faziam falar o que era inacessível aos sentidos.
zão. Integra este postulado a ideia de que a linguagem
Essa forma d é o b s e r v a ç ã o - e s p o n t â n e a e ocasional -
humana nada mais é do que u m instrumento que expres-
n ã o podia coexistir com a e x p e r i m e n t a ç ã o , desde que
sa e representa as coisas existentes, e delas afirma, elabo-
aquele que observava, lia a natureza; enquanto aquele
ra categorias, classifica-as e as discrimina em suas verda-
que fazia a e x p e r i ê n c i a , a interrogava. Embora n ã o se p u -
deiras substâncias.

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desse confundir a o b s e r v a ç ã o com a e x p e r i m e n t a ç ã o - que fosse possível a c o m p a r a ç ã o , o novo saber passou a
pois esta era o resultado ou o efeito, enquanto aquela era exigir u m d o m í n i o neutro e h o m o g é n e o em todas as suas
o meio ou a causa - , elas n ã o se e x c l u í a m , j á que a obser- partes. Assim como exigiu u m d o m í n i o aberto, sem p r i n -
v a ç ã o conduzia, naturalmente, à e x p e r i ê n c i a . cípio de seleção ou de e x c l u s ã o a qualquer forma de ocor-
Mas, se isto devia suceder, a experiência licava obriga- rência patológica.
da a interrogar apenas no vocabulário c no interior da lin- As enfermarias ofereceram este d o m í n i o , em que tam-
guagem que lhe haviam sido propostos pelas coisas obser- b é m foi formado o d o m í n i o p e d a g ó g i c o , ocupado pelo
vadas. De maneira tal, que as questões a serem leilas só po- professor e seus alunos, onde o ato de reconhecer e o es-
deriam ser fundadas caso fossem respostas a uma q u e s t ã o forço de conhecer realizar-se-ão em u m ú n i c o movimen-
sem pergunta, a uma resposta absoluta que n ã o implicava to. N ã o existia mais aquele que sabia e aquele que ignora-
nenhuma linguagem anterior porque era, em sentido es- va, mas aquele que descobria e aqueles diante dos quais se
trito, a primeira palavra. Assim conformou-se o inaugural descobria. A clínica hospitalar possibilitou a m a n i f e s t a ç ã o
olhar analítico que, embora estivesse isento de toda inter- da verdade m é d i c a , j á que, mesmo n ã o sendo transparen-
v e n ç ã o , reconstituía a g é n e s e da c o m p o s i ç ã o . Porque esta te à verdade, a refração que lhe era p r ó p r i a permitia, p o r
g é n e s e nada mais era do que a sintaxe da linguagem, que sua constância, a análise desta verdade.
as p r ó p r i a s coisas falavam em seu silêncio o r i g i n á r i o .
Como o que nos interessa analisar aqui é o olhar pe-
Somente com a o r g a n i z a ç ã o a institucionalização de d a g ó g i c o , que se vale da o b s e r v a ç ã o e da a u t o - o b s e r v a ç ã o
dois d o m í n i o s conjugados - o hospitalar e o p e d a g ó g i c o - , para executar o trabalho descritivo do infantil-escolar,
é que ocorreram t r a n s f o r m a ç õ e s no olhar clínico que cabe apontar algumas analogias entre tais montagens clí-
apenas olhava, sem intervir. N o d o m í n i o hospitalar, o es- nicas e as nossas, escolares. Se tomarmos a p r o d u ç ã o mo-
p e t á c u l o que se dava a ver - reunindo em u m mesmo lu- derna do sentimento de infância, investigado por Aries
gar, muitos doentes - criou c o n d i ç õ e s de possibilidade (1981), é possível pensar que o olhar medieval, dirigido
para que fossem colocadas à parte as modificações pelas ao pequeno adulto - que simplesmente ainda n ã o havia
quais passavam as d o e n ç a s : em termos de regiões, esta- crescido e que transitava, indistintamente, pelo e s p a ç o
ções, naturezas diferenciadas de tratamentos, ele. K, a par p ú b l i c o - , constituiu este p r i m e i r o modo de observar. O u
disso, para que fossem buscadas suas constAnciãs, as quais seja, que era u m olhar puro, mudo, sem gestos, anterior a
garantiriam os graus certos de previsão e de certezas. toda i n t e r v e n ç ã o , e fiel ao imediatamente sensível.
Antes de ser institucionalizada, a d o e n ç a era, em cada C o m o aparecimento do d o m í n i o escolar - concomi-
família e comunidade, tratada com determinados cuida- tante ao da família conjugal burguesa - e dos saberes a ele
dos, dentro de u m regime especial, e tomada na singula- correlacionados, u m a outra c o n f i g u r a ç ã o passou a ser
ridade das c o n d i ç õ e s físicas particulares onde aparecia, o produzida. Se temos muitas e diversas crianças juntas -
que fazia de cada u m a algo i n c o m p a r á v e l à outra. Desde uma "coleção d é crianças", portanto - , as variações ficam
que o conhecimento m é d i c o d e í i n i u - s e em termos de como que anuladas e os efeitos das r e p e t i ç õ e s é que v ã o
c o n s t â n c i a e frequência, as particularidades acabaram delinear os fundamentos da verdade sobre cada c r i a n ç a
sendo significadas como inconvenientes e negativas. Para da e d u c a ç ã o moderna, que ali c o m e ç a v a a ser conjugada,

42 43
em sua c o n d i ç ã o de enunciabilidade, e a ser olhada, em Deparamo-nos aqui com o i n q u é r i t o ideal, delineado
sua nova situação de visibilidade. por Pinel, para o qual se tratava, no início, de apenas ob-
servar, olhando o estado atual da d o e n ç a em suas mani-
Para isto, fora preciso situar esta c r i a n ç a em u m espa-
festações. [ O u t r o n ã o é o índice geral da a p r o x i m a ç ã o da
ço coletivo e h o m o g é n e o , u m e s p a ç o neutro e aberto, que
professora à criança. E m seu p r i m e i r o contato com a cri-
reorganizasse o campo de sua e d u c a ç ã o e onde o saber
ança, o m o m e n t o é preferencialmente visual.] A p ó s este
p e d a g ó g i c o se instaurasse, ao mesmo tempo em que ins-
m o m e n t o ótico, o clínico que seguisse a Pinel tomava no-
taurava e redefinia o estatuto social do novo sujeilo-infan-
tas no interior do mesmo exame. [Na p r á t i c a p e d a g ó g i c a ,
til. Fora n e c e s s á r i o criar outro e s p a ç o social, em muito si-
a professora que segue as o r i e n t a ç õ e s fornecidas, tanto
milar ao da enfermaria, para que o olhar p e d a g ó g i c o n ã o
pela escola quanto pela literatura didática, anota tudo
cessasse mais de objetivar tal sujeito, penetrando em seus
aquilo que atingiu seus sentidos de observadora. Para,
e s p a ç o s mais í n t i m o s e inesperados, transformando-o em
logo depois - como o clínico - , interrogar a c r i a n ç a sobre
foco de sua o b s e r v a ç ã o , e investindo seu corpo de poder,
si mesma, usualmente sob a forma da auto-avaliação.] E m
ao t o m á - l o como objeto de saber.
tais i n q u é r i t o s ideais, tem-se, portanto, u m a forma mista
Esse novo olhar educacional é u m olhar que ilumina do percebido e do falado, da q u e s t ã o e da o b s e r v a ç ã o , da
u m sujeito nascente, saído de trevas indefinidas. I Im olhar pergunta e do visto.
que conhece u m sujeito desconhecido, a t é e n t ã o mera có-
O segundo m o m e n t o da o b s e r v a ç ã o ficava colocado
pia em carbono do adulto. E, claro, u m olhar que liberta
sob o signo da linguagem e t a m b é m da r e m e m o r a ç ã o dos
este sujeito indistinto da c a r ê n c i a de infância, ao modo da
desenvolvimentos e das incidências sucessivas, onde se
e x p e r i ê n c i a visual do Iluminismo, pois que é o olhar lan-
tratava [tanto para o doente e seus familiares, na clínica,
ç a d o pelo sujeito adulto racional, integrante <le um corpo
quanto para a criança e seus familiares, na escola] de relatar
social t a m b é m racional.
o que foi, em dado momento, p e r c e p t í v e l sobre si-mes-
Vejamos, u m pouco mais detidamente, as análises da ma, sobre seus h á b i t o s , sua vida passada. [É impossível
clínica e do saber m é d i c o s realizadas por Foucault, quan- n ã o lembrar da p r á t i c a rotineira, principalmente na Edu-
to ao entrecruzamento do olhar e das q u e s t õ e s a ele com- cação Infantil, de realizar entrevistas preliminares com os
binadas, em c o r r e l a ç ã o com os dispositivos de avaliação p a i s / m ã e s / r e s p o n s á v e i s pela criança. B e m como da p r á t i -
p e d a g ó g i c a : a o b s e r v a ç ã o , a a u t o - a v a l i a ç ã o e os parece- ca, cada vez mais frequente, de professoras das Séries I n i -
res escritos. ciais p r o p o r e m , ao início do ano letivo, como u m a das ati-
vidades, a p r o d u ç ã o das chamadas " H i s t ó r i a s de Vida".
E m tal d i r e ç ã o , para que a escola moderna estabele-
Histórias em que a criança, auxiliada p o r sua família, res-
cesse e legitimasse esses novos dispositivos, podemos
gata aspectos integrantes de seu nascimento e p r i m e i r a
pensar que foram requeridos os mesmos meios necessári-
infância, através de fotografias, á l b u n s de m e m ó r i a , teste-
os para a c o n s t i t u i ç ã o do poder m é d i c o , dentro do d o m í -
munhos dos adultos, de i r m ã o s e i r m ã s mais velhos/as, re-
nio que Foucault chama de "medicina dos sintomas".
gistros de l e m b r a n ç a s , e t c ]
Quais sejam:
N o movimento pendular dessa alternância, o terceiro
1) A l t e r n â n c i a dos momentos falados e dos momentos
momento é novamente u m momento percebido, pois é
percebidos em uma o b s e r v a ç ã o .

44 45
necessário dar conta, dia a p ó s dia, do progresso da d o e n ç a cias do pensamento clínico, isto é, o "quadro". [Da mes-
na clínica [bem como do estado do infantil-aprendiz na ma forma como, no campo educacional, os quadros teóri-
sala de aula]. Progresso que se refere à sua evolução, ao cos h e g e m ó n i c o s da pedagogia devem fornecer, à profes-
aparecimento eventual de novos f e n ó m e n o s , ao estágio de sora-que-observa, os indicadores técnicos da situação da
suas atitudes, aos efeitos da d o e n ç a [na clínica] e aos eleitos criança. A q u i pode servir de exemplo p a r a d i g m á t i c o "o
do ensino [no desenvolvimento da/o aprendi/.]. quadro" do desenvolvimento cognitivo infantil, p r o d u z i -
do pela epistemologia g e n é t i c a piagetiana, o qual possi-
Por fim, no ú l t i m o tempo, chegava-se à palavra, a (mal, bilita que, a cada segmento visível observado, seja a t r i b u í -
para o clínico, deveria ser uma palavra capaz de expres- do u m valor significativo, quando e n t ã o o mesmo quadro
sar suas p r e s c r i ç õ e s para o regime de c o n v a l e s c e n ç a do passa a ter t a m b é m uma função de análise, operando como
doente. [Enquanto que, para a professora, na escola, con- c r i t é r i o de avaliação do desenvolvimento da criança e de
siste naquela palavra que enuncia p r e s c r i ç õ e s (cf. Coraz- seu desempenho curricular.]
za, 1995a: 51-52) e n d e r e ç a d a s à criança e seus familiares,
e que é materializada nos Pareceres Descritivos.] P o r é m , a estrutura analítica [tanto da clínica quanto
da escola] n ã o é dada pelo quadro, mas é anterior a ele,
Fazendo equivaler " d o e n ç a " à "criança", teremos en- porque a c o r r e l a ç ã o entre o visível e o e n u n c i á v e l j á esta-
contrado u m a das muitas similaridades do dispositivo da va fixada em u m a priori essencial, fornecido pela configu-
observação, no saber clínico e no saber p e d a g ó g i c o , to- r a ç ã o conceituai que engendrou o p r ó p r i o quadro. Deste
mando a liberdade de usar a seguinte a f i r m a ç ã o de Fou- modo, tal quadro só tem como função repartir o que é v i -
cault (1987a: 127): "Nesta p u l s a ç ã o regular da palavra e sível, no interior de u m a c o n f i g u r a ç ã o previamente dada.
do olhar, a d o e n ç a [a criança] pouco a pouco pronuncia [Na escola, o que a professora observa de visível na crian-
sua verdade; verdade que ela d á a ver e a ouvir, e cujo tex- ça está enquadrado nas categorias, etapas, níveis, ordens,
to, que no entanto só tem u m sentido, n ã o pode ser resti- fixados pelo a priori essencial aos enunciados. É p o r isto
t u í d o , em sua totalidade indubitável, a n ã o sei- por dois que tal quadro n ã o faz conhecer, mas permite, quando
sentidos: o que olha e o que escuta". m u i t o , reconhecer.]
2) O esforço para definir uma forma e s t a t u t á r i a de 3) O ideal de u m a descrição exaustiva.
c o r r e l a ç ã o entre o olhar e a linguagem.
Por ser dotado de u m aspecto arbitrário e tautológico, o
O problema t e ó r i c o e p r á t i c o colocado para os clíni- quadro vai conduzir o saber clínico [e t a m b é m o saber peda-
cos [e, como podemos pensar, t a m b é m para as professo- gógico] a u m outro problema: o de correlacionar o visível e
ras] foi o de saber se seria possível lazer entrai em uma o enunciável, por meio de uma descrição que seja dupla-
r e p r e s e n t a ç ã o , espacialmente legível e conceilualmente mente fiel. De u m lado, fiel em relação a seu objeto e, de ou-
coerente, aquilo que era visto pelo olhar - a sintomatolo- tro, em relação à linguagem utilizada para descrevê-lo.
gia visível - e o que era dito na análise verbal.
Quanto ao objeto, n ã o pode haver lacunas, e quanto à
Trabalhando com abscissas e ordenadas, na clínica, linguagem, n ã o deve existir n e n h u m desvio na transcri-
foram feitas diversas tentativas para correlacionar o visí- ção do objeto. A esta ú l t i m a cabe uma dupla função: ser
vel e o enunciável, pois este problema se manifestava em exata, ao estabelecer uma c o r r e l a ç ã o rigorosa entre cada
uma dificuldade técnica, bastante reveladora das r x i g ê n -

46 47
setor do visível e u m elemento e n u n c i á v e l que lhe corres- parte, a nossa, que educa educadoras/es. Que transmite
ponda o mais possível. E, ao mesmo tempo, por operar tecnologias de governo e formas de subjetivação do i n -
assim, com u m v o c a b u l á r i o constante e fixo, precisa exer- fantil, a fim de que sirvam como "mestres da verdade" so-
cer u m a função denominadora que autorize a compara- bre a infância-escolar, ao exigir sua descritibilidade total
ção, a g e n e r a l i z a ç ã o e a colocação no interior de u m con- e exaustiva. U m a fala que ensina - às/aos professoras/es,
j u n t o . E a descrição - ou melhor, o labor implícito da l i n - aos p a i s / m ã e s , aos grupos e às p r ó p r i a s crianças - quem
guagem na d e s c r i ç ã o - que, mais seguramente do que o são as "crianças", de quais qualidades e características s ã o
quadro, garante, na clínica, a t r a n s f o r m a ç ã o do sintoma dotadas, p o r quais etapas d e v e r ã o passar, para, finalmen-
em signo, a passagem do doente à d o e n ç a , o acesso do i n - te, transformarem-se naquele sujeito " n o r m a l ' requerido
dividual ao conceituai. pela escola, pela cultura, pela sociedade.

Torna-se possível pensar que, no caso p e d a g ó g i c o , é o É desse m o d o que a linguagem dos Pareceres Descri-
trabalho implícito da linguagem na d e s c r i ç ã o dos Parece- tivos ensina: olhando analítica e racionalmente o que era
res Descritivos que garante a transformação dos sintomas - invisível da c r i a n ç a - em palavras clínicas, a seus sinto-
representados pelos ditos "problemas de aprendizagem" mas. Levando-a a interrogar a si-mesma e interrogando
- e m signos. Signos que realizam a passagem do infantil à os/as adultos/as que com ela vivem. Enunciando, na mes-
criança-de-escola, e o acesso do singular ao conceituai, ma linguagem, seus atributos finalmente visíveis. E, ao
isto é, à categoria de infância-escolar n o r m a l , por autori- agir assim, transmitindo a nova arquitetura de u m ser
zar a c o m p a r a ç ã o , a g e n e r a l i z a ç ã o e a colocação do i n d i - que, na escola da Modernidade, acabara de nascer.
vidual no interior de u m conjunto.
Como deixar de ver aqui a montagem feita pelas pe-
Dispositivo de penalização normativa
dagogias modernas em d i r e ç ã o ao "ver" a criança, e ao
mesmo tempo, dela "saber"? C o m o n ã o reconhecer as Quase t e r m i n a n d o este ensaio, é p o s s í v e l continuar
formas de e x p e r i ê n c i a visual p e d a g ó g i c a , as quais, previa- pensando os Pareceres Descritivos como u m dos disposi-
mente apontadas, d ã o a i m p r e s s ã o que se está a conhecer, tivos constituidores da p e n a l i z a ç ã o n o r m a t i v a da escola.
quando na verdade, no m á x i m o se "reconhece" aquilo Dispositivo que deve, tal como aconteceu na j u r i s p r u -
que no quadro j á estava estabelecido e legitimado como d ê n c i a penal moderna, atuar sobre o c o r a ç ã o , o intelec-
conhecido? Como n ã o encontrar - na observação, na au- to, a vontade, as d i s p o s i ç õ e s , e n ã o mais t r i p u d i a r sobre
to-avaliação e nos pareceres - este "olho que fala", objeti- o corpo, como era p r ó p r i o do antigo suplício fazer (cf.
vante e examinador? O l h o que, ao olhar e falar, enuncia a Foucault, 1987b).
verdade da criança-de-escola, g e n é r i c a e universal, con-
ceitualmente normalizada e des-singularizada. K, como Este transvasamento só é descritível p o r saber-se que
duas faces da mesma moeda, u m olho que, ao mesmo a passagem dos suplícios do corpo criminoso - p r ó p r i o s
tempo olha e fala de u m corpo particular, sobre o qual se da é p o c a clássica -.para o controle, r e g u l a ç ã o e modifica-
exerce a força normalizadora desse g e n é r i c o . ção da alma criminosa moderna realizou u m trajeto que
deixou de enfocar o p r ó p r i o ato transgressor do c ó d i g o , e
U m modo de olhar - curricular, d i d á t i c o , p e d a g ó g i -
passou a focar as sombras, escondidas p o r trás dos ele-
co, investigador, etc. - eme é ensinado por uma (ida. Em

48 49
mentos da causa. T a l como a medicina dos sintomas obri- escola dos castigos físicos o objeto declarado era o conhe-
gou-se a trocar de olhar, para enfim saber, cientificamen- cimento acumulado pela humanidade e sua meta a aqui-
te, das sombras da d o e n ç a . sição deste saber, na escola nova, ativa e epistemofílica, o
Tratemos de alguns movimentos desta p r á t i c a jurídi- objeto passa a ser o corpo cognitivo/alma moral, e a nor-
ca, em r e l a ç ã o com a atual p e n a l i z a ç ã o normativa peda- malidade destes é que se torna o desiderato da nova arte
gógica, primeiramente, p o r nos situar na escola dos casti- de educar.
gos corporais. Nesta - em suas versões da p a l m a t ó r i a , ajoe- Outra aliança entre o ver e o dizer fazia-se presente.
lhar em g r ã o s de m i l h o , ter as orelhas puxadas, ver-se en- N ã o era mais u m olhar esgazeado, baço, lento e vago que
cerrado no quarto escuro, ser beliscado/a, surrado/a o observava; mas, sim, u m olhar loquaz que esquadrinhava
que ainda operava era uma forma de j u r i s p r u d ê n c i a pe- o corpo visível e a alma invisível - tanto do criminoso
nal-escolar, baseada na p r o i b i ç ã o , isto é, u m m o d o de pe- quanto do doente, e t a m b é m da criança - , trazendo-os à
nalização exercido p o r meio da lei. luz, fazendo-os existir no preciso, e precioso, m o m e n t o
Pouco a pouco, tal j u r i s p r u d ê n c i a vai dar lugar ao de f u l g u r a ç ã o do seu embate com o poder de conhecer.
" c h a p é u de b u r r o " , ao "ficar sem recreio", à assinatura no U m olhar que, mais do que examinar, fundava u m sujeito
"livro de o c o r r ê n c i a s " , à ironia e à h u m i l h a ç ã o públicas. e, em torno dele, organizava uma linguagem racional.
As c o r r e ç õ e s passam a ser enfaticamente morais, porque Olhar que se tornava o d e p o s i t á r i o e a fonte da clareza. E
m o r a l é a tónica da nova escola, e morais s e r ã o e n t ã o suas tinha o poder de trazer à luz u m a verdade que ele só rece-
penalidades. bia à medida que lhe dava à luz. O qual, ao abrir-se, abria
a verdade de uma p r i m e i r a abertura.
Essa "suavização" punitiva somente pode ser entendi-
da a partir de outra c o n f i g u r a ç ã o , estabelecida por novas Inaugurara-se, assim, a vigilância aberta à e v i d ê n c i a
visibilidades e por novos enunciados. | T a n i b é m aqui, dos c o n t e ú d o s visíveis, dados a ver pelo corpo, e a s a n ç ã o
como na clínica, é de t r a n s f o r m a ç õ e s no visível e no enun- normalizadora, dada a saber pela alma. E m função de ne-
ciável de que se trata.] A r e o r g a n i z a ç ã o espacial da escola cessidades p r á t i c a s sociais, e dos investimentos feitos p o r
de massas e sua verbalização pediam uma outra objetiva- todos os saberes das ciências humanas, estabeleceu-se, p o r
ção: aquela que devia i r de um/a a um/a, para formar u m este olhar, mais do que u m ideal, u m p a d r ã o : o da norma-
conjunto, distribuindo-os/as em espaços quadriculariza- lidade - clínica, penal e escolar.
dos, e aí buscar suas regularidades, estabelecer classifica-
À sua a p l i c a ç ã o n ã o era suficiente o que esse olhar via,
ções, fundar p a d r õ e s [assim como no hospi(al|. Uma ob-
mas t a m b é m era preciso interrogar o que ele n ã o via. Era
j e t i v a ç ã o que n ã o definisse apenas a fornia o r i g i n á r i a de
preciso n ã o mais somente ler o visível, mas t a m b é m des-
toda verdade, mas que principalmente prescrevesse as re-
cobrir os segredos das almas: da d o e n ç a , do crime e da i n -
gras de exercício pertinentes a tal verdade.
fância. Para que esse olhar m o d e r n o pudesse p r o n u n c i a r
De que/quem era a necessidade de ser objetivado pelo sobre o i n d i v í d u o discursos de estrutura científica, que
olhar, ser falado e prescrito de outro modo? Justo de u m fornecessem dele uma descritibilidade cristalina. Luz e
corpo que passava a ser enunciado como eminentemente sombra, visível e invisível, alma e corpo: estes são os regis-
cognitivo, regido por uma alma moral. Enquanto que na tros que conformaram os saberes m é d i c o s , penais e peda-

ims
BIBLIOTECA SETORIAL DE EDUCAÇÃO
50
gógicos e que ainda definem, respectivamente, o doente, p r i o . U m passo mais s e r á dado pelo saber clínico, através
o criminoso e a criança-de-escola. da o r d e m "Abram alguns c a d á v e r e s " (Foucault, 1987a:
141-168), que inaugura a medicina a n á t o m o - p a t o l ó g i c a ,
É assim que a instituição escolar, auxiliada pelas ciên-
onde a morte, de invisível se faz visível: " O que era funda-
cias da e d u c a ç ã o , passa a perguntar pelo que ainda estava
mentalmente invisível se oferece, subitamente, à clarida-
nas sombras, ou seja, pelas causas que levam a criança a
de do olhar, em u m movimento aparentemente t ã o sim-
ser o que é, a fazer o que faz, a dizer o que diz, a sentir o
ples, t ã o imediato, que parece a recompensa natural de
que sente. Se, para j u l g a r a verdade de u m crime, o i n -
u m a e x p e r i ê n c i a mais bem realizada" (ib.: 225). [ O "pas-
q u é r i t o clássico buscava determinar quem era seu autor e
so-a-mais" para a pedagogia m o d e r n a t e r á sido, certa-
aplicar-lhe u m a s a n ç ã o legal, para o j u l g a m e n t o penal
mente, n ã o o de abrir o c é r e b r o daquele corpo cognitivo,
m o d e r n o havia u m a q u e s t ã o b e m diferente do que seria a
mas o de descrever, a t é a e x a u s t ã o , seu desenvolvimento
verdade de u m crime: interrogar sobre o processo causal e p i s t ê m i c o : trabalho m u i t o b e m feito pelas psicologias
que o produziu. N ã o mais, simplesmente, se o fato estava epistemológicas.]
comprovado, se era delituoso, mas t a m b é m : " O que é re-
almente esse fato, o que significa essa violência ou esse
crime? E m que nível ou em que campo da realidade deve- Olhos inocentes? S ó se forem os nossos
r á ser colocado? Fantasma, r e a ç ã o psicótica, e p i s ó d i o de
d e l í r i o , perversidade?" (Foucault, 1987b: 23). Chega a hora de indagar: p o r que s e r á que pude l i -
Pouco a pouco, vamos entrando em uma escola que bertar algumas analogias entre p r á t i c a s discursivas e
abandona a p e n a l i z a ç ã o p o r meio da lei para penalizar não-discursivas - à p r i m e i r a vista, inteiramente diferen-
através da norma. É ela que i n d a g a r á pelas causas do que tes (como o saber clínico, o discurso j u r í d i c o , a pedago-
via como "delitos escolares", em r e l a ç ã o à q u e l a criança gia) - , que acabaram conjugando os mesmos elementos
que n ã o se adequava ao p a d r ã o de normalidade estabele- da observação, da auto-avaliação e dos pareceres? Como
cido pelos saberes educacionais. Para esta instituição, ser- foi possível mostrar alguns i s o m o r f í s m o s entre tais p r á t i -
v i r ã o as mesmas perguntas que Foucault atribui à busca cas e, assim fazendo, apontar que seus elementos avaliati-
da verdade penal moderna, quais sejam: Que medida to- vos p o d e m ter sido formados a p a r t i r de regras a n á l o g a s ?
mar que seja apropriada? Como prever a evolução do su- Quais as necessidades e interesses que foram colocados
jeito? De que m o d o será ele mais seguramente corrigido? em j o g o e que movimentaram a investidura e a ressignifi-
cação destes mecanismos de u m a p r á t i c a discursiva e
Isto nos coloca diante de todo u m conjunto de julga- não-discursiva para outras? O u ainda, p o r que será que a
mentos apreciativos, d i a g n ó s t i c o s , p r o g n ó s t i c o s , norma- escola t e m sistematicamente silenciado sobre a história
tivos. C a í m o s aqui, de cheio, em uma "escola dos sinto- g e n e a l ó g i c a de seus instrumentos avaliativos, obliterando
mas e das causas" (similar à medicina dos sintomas e à j u - os procedimentos táticos e e s t r a t é g i c o s da constituição de
r i s p r u d ê n c i a penal causal], que chega como uma de nos- subjetividades e de identidades sociais?
sas h e r a n ç a s a t é os tempos de hoje. I l e r a n ç a apenas tor-
nada possível pela p r o d u ç ã o das ciências humanas, que M ú l t i p l a s respostas são possíveis, por certo. P o r é m ,
objetificam o humano, levando-o a perguntar sobre si p r ó - no registro deste ensaio, cabe pontuar a u r g ê n c i a da insti-
tuição escolar em controlar, regular e normalizar a p o p u -

52 53
lação infantil, parcela c o n s i d e r á v e l da p o p u l a ç ã o geral. medir, decifrar e, t a m b é m , de p u n i r e penalizar; realizan-
Segmento populacional infantil, que, no m o m e n t o em do, desta forma, uma das mais sofisticadas sínteses entre
que a escola aparece, t a m b é m estava sendo problematiza- os dispositivos da j u r i s p r u d ê n c i a penal e os da penaliza-
da, p o r uma necessidade inelutável de ser integrada, cor- ção pela norma.
rigida, governada.
I n s t i t u í d o s p o r este novo complexo científico-peda-
Para isso, era n e c e s s á r i o p r o d u z i r de uma vez este gógico, os Pareceres Descritivos exercem u m novo poder
novo sujeito social: o infantil-escolar. P r o d u ç ã o inserida de j u l g a r , p o r colocar a criança em processo permanente
na vontade de poder e de verdade das (psico)pedagogias de claridade, de p r o d u ç ã o , de n o r m a l i z a ç ã o e patologiza-
emergentes, que se pretendiam científicas. Era p r á t i c o e ção, a t é que ela mesma interiorize sua p r ó p r i a transpa-
estrategicamente n e c e s s á r i o constituir, sobre a base da r ê n c i a e possa se tornar u m civilizado i n d i v í d u o ocidental
escola, r e l a ç õ e s de poder-saber (cf. Foucault, 1988), ma- auto-normalizado. A suavidade de seu olhar, dita huma-
nifestas na d i s p o s i ç ã o de agir para estruturar o campo nizante, está investida como técnica de poder, e é isto que
possível de ações de tal sujeito. Fechando suas portas a to- o discurso educacional c o n t e m p o r â n e o prossegue, reite-
das as outras possibilidades, que n ã o aquelas definidas radamente, escamoteando. Até quando c o n t i n u a r á olhan-
pelas r e l a ç õ e s de poder-saber atuantes na sociedade oci- do para esses olhos de poder sobre o c u r r í c u l o , de manei-
dental adulta, machista, branca, heterossexual, burguesa, ra inocente?
j u d a i c o - c r i s t ã , e u r o c ê n t r i c a , colonialista.

E tal sociedade que, desde e n t ã o , se autoriza como


fundamentalmente clínica em r e l a ç ã o ao humano, como
normalizadora e reabilitadora das patologias individuais.
Esta sociedade que prossegue, com pequenas variações,
sendo a mesma onde nos educaram e onde educamos
nossos/as alunos/as. E ela que fabrica o dispositivo dos Pa-
receres Descritivos: p r á t i c a discursiva e n ã o discursiva
que persiste na p r o d u ç ã o do corpo-alma da criança-esco-
lar, fundada no p a d r ã o de normalidade estabelecido pelo
e n t r e l a ç a m e n t o dos saberes científicos e das técnicas (psi-
co)pedagógicas.

Os Pareceres constituem este conjunto de poderes e


verdades curriculares que tornam visível e enunciável o
que n ã o era, sem eles. Pois, em que outro dispositivo es-
colar é possível tornar visíveis as causas e as origens dos
delitos e, ao mesmo tempo, t a m b é m explicar sua sinto-
matologia? Os Pareceres consistem em uma prática da
vontade e do poder de disciplinar, corrigir, comparar,

54
55
Porque n ã o f o r m u l a m qualquer política subjetivadora
prescritiva, essas teorias convidam-nos a expor a astúcia
do autoconhecimento, renunciando às p r á t i c a s que nos

3 aprisionam às p r ó p r i a s identificações. Incitam-nos a fa-


zer u m a ontologia histórica e crítica das subjetividades,
tornando-as "estranhas"; a desmascarar a c o n t i n g ê n c i a
Currículo como modo de subjetivação de suas verdades fixadas; a desenterrar suas raízes histó-
do infantil ricas; a descobrir o funcionamento dos processos de sub-
j e t i v a ç ã o que ocorrem em u m d o m í n i o particular de sa-
ber-poder.

N o campo da T e o r i a do C u r r í c u l o - " u m saber espe-


cializado sobre os nexos entre o p r ó p r i o saber e a subjeti-
As teorias pós-críticas em Educação nos levam a questio-
vidade" (Silva, 1995a: 192) - , esse é u m projeto de traba-
nar as subjetividades de personagens por demais familia-
lho que diz respeito ao que somos, ao que fazemos e como
res. A perguntar, p o r exemplo: De que modo e por que,
nos significamos. N ã o se trata de nenhuma proposta de
nisso que chamamos "o Ocidente", o humano foi objetiva-
m u d a n ç a dos comportamentos ou dos sentimentos, cal-
do como infantil, aluno, mulher, anormal, homem, bran-
cada em ideais r e g u l a t ó r i o s , mas de u m a problematiza-
co, doente, homossexual, louca, criminoso, brasileira? Tais
ção da cultura que vivemos, do c u r r í c u l o que desenvolve-
teorias nos fazem suspender a naturalidade a-histórica mos e do tipo de i n d i v i d u a l i z a ç ã o que ambos s u p õ e m .
com que postulamos uma antropologia constitutiva ou Projeto, no qual a crítica do que estivéramos fazendo e
qualquer ontologia transcendental. A duvidar da certeza pensando demande, a u m só tempo, a análise histórica de
dos sistemas de r e p r e s e n t a ç ã o que definem identidade e nossos limites e u m a e x p e r i m e n t a ç ã o das possibilidades
diferença. A negar as evidências culturais e sociais de gera- de transgredi-los. T r a b a l h o intelectual e político, articu-
ção, classe, sexo, g é n e r o , raça, etnia, nacionalidade... lador de novas formas de subjetividade que disputam e se
E m sua c o n t e s t a ç ã o das subjetividades modernas, as o p õ e m às individualidades d o g m á t i c a s que a c r e d i t á v a -
teorias pós-críticas n ã o apontam nenhum tetos perfeccio- mos serem as nossas.
nista, salvacionista o u progressista. Elas n ã o s u p õ e m uma
Conceber o c u r r í c u l o como modo de subjetivação i m p l i -
exegese, pela qual buscariam a i n t e r p r e t a ç ã o mais coinci-
ca analisar seus conhecimentos, linguagens, formas de ra-
dente com o sujeito "real". N ã o constituem uma doutrina
ciocínio, ciências, tipos de e x p e r i ê n c i a , técnicas n o r m a t i -
geral sobre o que é "bom ser", nem u m corpo de princí-
vas, enquanto vinculados às r e l a ç õ e s de saber e de poder
pios i m u t á v e i s do que é "certo fazer". T a m p o u c o norma-
que atravessam os corpos para gravar-se nas consciências.
tizam as condutas humanas, escorando-as em verdades
Investigar o currículo como prática subjetivadora exige iso-
seguras ou em fundamentos racionais.
lar e reconceptualizar u m a d i m e n s ã o específica, derivada

56 57
desses poderes e saberes, mas que n ã o depende deles m a m os humanos em sujeitos. T e n d o analisado a constitui-
nem a eles se reduz: a d i m e n s ã o da subjetividade. ção do sujeito do discurso e nas práticas divisoras - corres-
pondentes, respectivamente, aos eixos do saber e do poder - ,
A o nos p r o p o r a pesquisar tal d i m e n s ã o , podemos no domínio ético, Foucault (1984; 1985; 1990a; 1991; 1994b;
operar n o t e r r i t ó r i o da "ética de si" - configurado pela 1995a; 1995b; 1996; 1997) trabalha com a objetivação do
p r o d u ç ã o do chamado " ú l t i m o Foucault" (cf. Bernauer 8c sujeito na relação de si consigo p r ó p r i o .
Rasmussen, 1991). Essa ética faz com que deixemos de to-
Para isso, distingue na história das morais:
lerar nossas c o n d i ç õ e s subjetivadoras, coligando-nos na
a ç ã o e na reflexão críticas; c o m que percebamos a violên- 1) Código moral - E m p r i m e i r o lugar, p o r m o r a l enten-
cia das auto-identificações, nos desprendamos de nossas de-se u m conjunto de valores e regras de a ç ã o propostos
individualidades, expondo os custos de havei' podido, a t é aos i n d i v í d u o s e aos grupos, p o r i n t e r m é d i o de aparelhos
e n t ã o , dizer a verdade sobre n ó s mesmas/os, e coloque- prescritivos diversos, como a família, as instituições edu-
mos em aberto sua rejeição (cf. Rajchman, 1993). Ao cativas, as igrejas, etc. Acontece dessas regras e valores se-
abandonar "o valor" das subjetividades plenas, unificadas r e m formulados numa doutrina coerente e n u m ensina-
e soberanas - b e m como o de suas condutas diante do mento e x p l í c i t o ; mas, acontece, t a m b é m , de serem trans-
Bem e do M a l - , articulamos n ã o mais regras codificadas mitidos de maneira difusa, sem f o r m a r e m u m conjunto
do saber, n e m regras coercitivas do poder, mas "regras sistemático. Pode-se chamar " c ó d i g o m o r a l " a esse con-
facultativas" na r e l a ç ã o a si (cf. Deleu/.e, 1992a: 123; j u n t o prescritivo.
1992b: 141), éticas e estéticas, que produzem a i n v e n ç ã o
2) Moralidade dos comportamentos - Por m o r a l enten-
de novas possibilidades e de novos estilos de vida.
de-se o comportamento efetivo dos i n d i v í d u o s em rela-
Se o estudo da moral do currículo, a t é e n t ã o , julgava ção às regras e valores que lhe são propostos. Designa-se
nossas ações e i n t e n ç õ e s , referindo-as a valores transcen- a maneira pela qual eles se submetem mais o u menos a
dentes, a ética do currículo - no sentido de ética de si - u m p r i n c í p i o de conduta, obedecem o u resistem a uma
pode, agora, avaliar o que fazemos e dizemos, em função i n t e r d i ç ã o ou a uma p r e s c r i ç ã o , respeitam ou n ã o u m
do m o d o de existência que isto implica. Lutando contra a conjunto de valores. O estudo deste aspecto da m o r a l de-
s u b m i s s ã o das subjetividades modernas, tanto a teoria termina de que maneira, e com que margens de variação
quanto a p r á t i c a do currículo p o d e m , assim, cruzar suas ou de t r a n s g r e s s ã o , os i n d i v í d u o s ou os grupos se condu-
fronteiras morais para lidar com novas e improváveis for- zem em r e f e r ê n c i a a u m sistema prescritivo, que é explíci-
mas de subjetivação, estabelecer novas e impensadas rela- ta ou implicitamente dado em sua cultura, e do qual eles
ções e efetuar outra e x p e r i m e n t a ç ã o ética. t ê m uma consciência mais ou menos clara. Esse nível é o
que se chama a "moralidade dos comportamentos".

Ética e subjetividade 3) Cuidado de si - U m a coisa é uma regra de conduta;


outra, a conduta que se pode m e d i r em r e l a ç ã o às regras.
O conceito de "ética", para Foucault, está articulado à Mas, outra coisa ainda é a maneira pela qual é n e c e s s á r i o
história dos diferentes modos <le objelivação que iransfor- conduzir-se". Isto é, a maneira pela qual cada um/a se

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deve constituir a si mesmo/a como "sujeito moral", agin- c ó d i g o s e regras do saber e do poder, juntam-se a eles e
do em referência aos elementos prescritivos do c ó d i g o se desdobram, p r o d u z i n d o outras p r á t i c a s . As p r á t i c a s
moral. Este terceiro nível é o do "cuidado de si", ou o do de si n ã o s ã o "inventadas" pelos i n d i v í d u o s , mas consti-
"relacionamento consigo p r ó p r i o " -rapportà soi - , em que t u e m esquemas que eles encontram em sua cultura e que
o sujeito realiza u m determinado modo de sujeição, efetu- lhe s ã o propostos, sugeridos, impostos pela sociedade e
ando trabalhos sobre si mesmo - as "práticas de si" - , me- grupos sociais.
diante os quais é incitado a a d q u i r i r u m a natureza moral As condições das práticas variam com a história; p o r
e a se constituir como sujeito moral de suas ações. isto, n ã o são apodícticas, mas p r o b l e m á t i c a s . E m cada for-
Os elementos do código, o comportamento efetivo dos m a ç ã o histórica, o que estas condições apresentam é a ma-
indivíduos e os elementos das práticas de si coexistem, re- neira através da qual os seguintes problemas se colocam:
1) Que posso eu saber? O que posso ver e enunciar em tais
lacionam-se, t ê m u m a relativa autonomia, ora u m é enfati-
condições de luz e de linguagem? 2) Que posso fazer? A
zado em detrimento de outro. Sendo que o jogo entre es-
que poder visar e que resistências opor? 3) Que posso ser?
sas relações, afastamentos, d o m i n a ç õ e s é eme determinam
Como me p r o d u z i r como sujeito? Nas três q u e s t õ e s , o
as ações "boas" o u " m á s " . Por isto, a ética de si é c o n s t r u í d a
"Eu" n ã o designa u m sujeito universal, mas u m conjunto
na história, p o r cada f o r m a ç ã o histórica; está imersa em
de posições singulares ocupadas n u m "Fala-se/Vê-se, C o m -
relações de poder-saber; é resultado de uma determinada bate-se, Vive-se" (cf. Deleuze, 1991: 122).
correlação de forças em uma dada sociedade; e está desti-
nada a constituir u m certo tipo de subjetividade.
O "sujeito"
N ã o se trata - como nas filosofias da consciência ou no
humanismo - de o p o r o sujeito ao c ó d i g o repressivo dos E m tal c o n f i g u r a ç ã o ética n ã o h á sujeito, mas p r o d u -
sistemas de legislação moral; e, portanto, de esperar que ções de subjetividade. Se existe a l g u m "sujeito", este n ã o
tem identidade. Por isto mesmo, a subjetividade tem de
"as q u e s t õ e s éticas" sejam resolvidas pela revolta contra
ser produzida, em diferentes momentos e em diferentes
os c ó d i g o s , o u pela retirada de seus interditos. Trata-se
quadros institucionais, como objeto de conhecimento pos-
de perceber os modos de p r o d u ç ã o deste sujeito, através
sível, desejável e i n d i s p e n s á v e l .
das t r a n s f o r m a ç õ e s das relações consigo mesmo, com seu
a r c a b o u ç o t é c n i c o e seus efeitos de poder e de saber. Aqui, o sujeito n ã o integra nenhuma teoria a priori de
sujeito. N ã o é u m dado, u m a essência, u m fundamento,
O "sujeito" aparece como uma derivada, como o p r o - u m universal. N ã o possui nenhuma natureza humana mo-
d u t o de u m a s u b j e t i v a ç ã o . Ele é c o n s t i t u í d o em p r á t i c a s nolítica isolada. N ã o t e m u m a natureza t e ó r i c a o u natu-
"verdadeiras", o u seja: em p r á t i c a s historicamente anali- ral. N ã o é dotado de qualquer natureza intrínseca, seja
sáveis. Estas p r á t i c a s - n e c e s s á r i a s para a c o n s t i t u i ç ã o do o n t o l ó g i c a , d e o n t o l ó g i c a , ascética, teleológica, o u esca-
sujeito - p o d e m ser encontradas em todas as culturas, de to-teológica.
formas diferentes. E s t ã o sujeitas a m ú l t i p l a s combina-
O sujeito n ã o é uma unidade indivisível. N ã o é u m a
ções, d ã o - s e em r i t m o s diversos, e suas v a r i a ç õ e s consti-
particularidade. N ã o é a exemplificação de u m a natureza
tuem os modos de subjetivação. Elas operam por sob os

60 61
c o m u m . Nele, a o n t o g ê n e s e n ã o repete a filogênese da verdade? Quer sejam jogos que adotam a forma de uma
espécie. N ã o h á na subjetividade uma f o r m a ú n i c a , apli- ciência, ou de u m modelo científico? Quer sejam aqueles
cável a todos/as. Nela, nada h á de privado. O sujeito i n d i - que p o d e m ser encontrados em instituições o u e m p r á t i -
vidual e o social n ã o se o p õ e m entre si como entidades cas de controle? Respondendo a isso, pode-se encontrar
absolutas, cada qual exigindo a d i s s o l u ç ã o do outro, mas que o conceito de sujeito é u m dos efeitos dos procedi-
e s t ã o vinculados numa h i s t ó r i a c o m u m : a da individua- mentos de verdade, pelos quais ele se fez n e c e s s á r i o .
ção, seja ela coletiva ou particular.
O sujeito é uma "forma", n e m sempre i d ê n t i c a a si Modos de subjetivação
mesma. Existem r e l a ç õ e s e i n t e r f e r ê n c i a s entre as dife-
rentes formas de sujeito, mas n ã o estamos diante do mes- A subjetivação é a r e l a ç ã o consigo que renasce sem-
m o tipo de sujeito. E m cada caso - na r e l a ç ã o educacio- pre, em vários lugares e sob m ú l t i p l a s formas. Afetando a
nal, sexual, e c o n ó m i c a , amorosa, etc. - , estabelecem-se, si, a f ó r m u l a geral da subjetivação consiste e m p r o d u z i r
e m r e l a ç ã o a si mesmo, formas de r e l a ç õ e s diferentes. O efeitos sobre si mesmo/a. Estes efeitos n ã o s ã o reflexos
passivos das e x p e r i ê n c i a s humanas, mas t ê m , articulados
que interessa é a constituição histórica dessas diferentes
aos c ó d i g o s morais, uma eficácia constitutiva, subjetiva-
formas de sujeito, em r e l a ç ã o com o poder e com os jogos
dora e de governo.
de verdade.
As "histórias dos sujeitos" n ã o dependem de uma feno- Os i n d i v í d u o s são a m a t é r i a sobre a qual se realiza o
menologia, articulada p o r relações dialéticas entre si e o trabalho de subjetivação. Eles n ã o são "nada" sem a for-
outro, mas das múltiplas formas que o si-mesmo pode to- ma na qual a e x p e r i ê n c i a ética os modela, e n ã o t ê m ver-
mar. As histórias dos processos de subjetivação n ã o depen- dadeiramente "ser", independente deste trabalho de sub-
d e m de jogos intersubjetivos, e sim das condições pelas j e t i v a ç ã o . H á sujeitos porque certo tipo de r e l a ç ã o com o
quais se pode problematizar uma liberdade que se sustenta si-mesmo foi c o n s t i t u í d o em uma cultura, e t a m b é m por-
em u m sujeito. J á que a liberdade é certa forma de relação que os i n d i v í d u o s prestam a si uma determinada forma
do i n d i v í d u o consigo mesmo (cf. Rajchman, 1987). de a t e n ç ã o , nela reconhecendo-se como sujeitos.

O sujeito é c o n s t i t u í d o pela liberdade e t a m b é m pela Para estudar a d i m e n s ã o da subjetividade, é i m p o r -


verdade. E m u m mesmo e ú n i c o nível de análise, institui- tante investigar as p r á t i c a s de subjetivação, do mesmo
ções, poderes e saberes v í n c u l a m - s e com formas de reco- m o d o como é necessário estudar e comparar as técnicas
nhecimento, isto é, com u m certo tipo de subjetivação. de p r o d u ç ã o de objetos e de d i r e ç ã o dos humanos através
Subjetivação que se constitui, e é efeito de e x p e r i ê n c i a s do governo. Mas é difícil estudar estas técnicas de si, p o r
reais que experimentam o sujeito; constituição que de- dois motivos: I ) elas n ã o exigem o mesmo aparelho ma-
o

terial que a p r o d u ç ã o de objetos e são, portanto, técnicas


pende da forma que o sujeito assume no jogo de verdade,
frequentemente invisíveis; 2 ) na maioria das vezes, estão
o
em u m momento histórico dado.
ligadas às técnicas de d i r e ç ã o dos outros.
Acerca das relações entre sujeito e verdade, cabe i n -
dagar: Como o sujeito faz parle de uma determinada re- O que n ã o se pode perder de vista é que o sujeito sujei-
p r e s e n t a ç ã o da verdade? C o m o ele entra nos jogos de tado ao saber, ao poder e à verdade de seu tempo é, p o r
isto mesmo, u m sujeito m o r a l . Sujeito, cujas e x p e r i ê n c i a s

62 63
" C r i s e " da experiência subjetivante do infantil
de si destinam-se a manifestar uma verdade e sua a d e s ã o
a esta verdade. Sujeito que, ao exercer ações - onde é, ao Vinculados/as à ética, através das p r á t i c a s de si, nos
mesmo tempo, o objetivo, o d o m í n i o em que elas se apli- convertemos em sujeitos morais, a p a r t i r de certa r e l a ç ã o
cam, e o sujeito que age - , implica-se no governo de si p o r de cada um/a consigo mesmo/a e, em c o n s e q u ê n c i a , com
si, em a r t i c u l a ç ã o com as relações com os outros. Sujeito, os/as outros/as. Para o currículo, concebido como modo de
cuja "arte de governo" destina-se a d i r i g i r a p r ó p r i a con- subjetivação, o ser-si acha-se codificado e recodificado pelo
duta e as dos outros. saber educacional. E, mais do que isto, torna-se o que está
em j o g o no poder p e d a g ó g i c o : ele é diagramatizado de
Para a T e o r i a do C u r r í c u l o , enfatizar a ética - e n ã o a
modo moral.
moral - implica pesquisar a q u e s t ã o das p r á t i c a s formado-
ras do i n d i v í d u o na r e l a ç ã o com a cultura, com a educa- O infantil é u m a das várias subjetividades diagramati-
ção e com a pedagogia modernas. Para realizar a genea- zadas por nossos currículos, de maneira que sua subjeti-
logia de "suas" subjetividades, o c u r r í c u l o precisa histori- v a ç ã o se transforma e m sujeição, nos dois modos de assu-
cizar as formas de subjetivação m o r a l e as p r á t i c a s de si jeitamento foucaultiano: I ) sujeito aos outros, pelo con-
o

que se destinam a assegurar tais formas. Para fazer com trole e pela d e p e n d ê n c i a , com todos os procedimentos de
que a ontologia das subjetividades que c o m p õ e m o currí- i n d i v i d u a ç ã o que o poder disciplinar instaura, atingindo
culo torne-se suscetível de uma história, n ã o basta com- a interioridade daqueles que ele chama "seus sujeitos";
provar que existem múltiplas - e, às vezes, c o n t r a d i t ó r i a s - 2 ) sujeito a si mesmo e apegado à p r ó p r i a identidade,
o

doutrinas do sujeito no campo curricular. Mas, de modo mediante a c o n s c i ê n c i a e o conhecimento de si, com to-
mais radical, demonstrar que, ali, o sujeito se constitui. das as técnicas das ciências humanas e morais que for-
Pesquisar as forças subjetivadoras do c u r r í c u l o visa res- m a m " u m saber do sujeito".
ponder à seguinte q u e s t ã o : - Pelo funcionamento de u m
determinado currículo, como e por que "suas" subjetivi- Entretanto, quando formulei uma história da infanti-
dades se c o n s t i t u í r a m de certo modo, através de u m n ú - lidade, em m i n h a tese de doutorado (Corazza, 1998b),
mero determinado de p r á t i c a s de si, que são jogos de ver- isolei uma "crise de subjetivação" desse infantil. Isto é,
dade, p r á t i c a s de poder, relações de saber? uma "dificuldade ética", na maneira como o infantil de
nosso tempo se constitui como sujeito moral de suas con-
Analisando o tipo de r e l a ç ã o que cada subjetividade dutas. T a l dificuldade encontra-se consubstanciada no
m a n t é m consigo mesma, podemos e n t ã o descrever como chamado "fim-de-infância". Derivadas dessa história, as
u m i n d i v í d u o reconhecido pelo c u r r í c u l o - e reconhecen- q u e s t õ e s são as seguintes: - Q u e m é e como é o infantil de
do-se no c u r r í c u l o - constituiu-se como sujeito moral. E agora? Como podemos caracterizar sua infantilidade, seu
desse m o d o que u m a ética do currículo nos lega a tarefa de modo de ser infantil? Como podemos dizer e pensar sua
formular u m a teoria histórica e social da subjetividade, que forma-sujeito? De quais "nomes" podemos c h a m á - l a ?
combine os eixos da constituição e da subjetivação. E nos
Ao ensaiar alguma resposta a essas q u e s t õ e s , este tra-
atribui a responsabilidade pela realização de uma história
balho - a p a r t i r deste p o n t o - integra uma "ficção ou fan-
das práticas de subjetividade, articulada às relações de poder
tasia educacional", ao m o d o de Green & B i g u m (1995).
e às formas de saber curriculares.
Aproveitando-se do desenho ficcional, fantasioso, argu-

65
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i
menta que está emergindo, e m nossas p r á t i c a s culturais, forças do humano entrassem em r e l a ç ã o com novas for-
uma nova subjetividade infantil, com u m a constituição ças, que se esquivassem à da r e p r e s e n t a ç ã o e a destituís-
radicalmente diferente daquela desenhada pelo currícu- sem. N o século X I X , estas forças foram as da vida, do tra-
lo. T a l argumento d á a pensar que, talvez, na p r á t i c a e na balho e da linguagem: as forças da finitude que promove-
teoria curriculares, estejamos empregando modos de sub- ram, p o r seu conjunto, "o humano". Tais forças entraram
j e t i v a ç ã o para u m infantil que n ã o é o mesmo deste nosso em r e l a ç ã o com outras, de m o d o a compor uma outra coi-
tempo presente. sa ainda, que n ã o fosse mais Deus, nem o humano, e para
Aponta t a m b é m que, em nossas relações com esta nova que a morte deste, concatenada com a de Deus, formasse
subjetividade, é possível que tenha chegado a hora de es- novos compostos.
quecer os velhos poderes, que n ã o se exercem mais; os ve-
O infantil moderno i n t e g r o u a forma composta desse
lhos saberes, que n ã o são mais úteis; as velhas crenças, nas
novo ser antropologizado como uma das e s t r a t é g i a s para
quais nem cremos mais; e os velhos modos de nos produzir
afirmar sua finitude e n e g á - l a totalmente. Se recordava a
como sujeitos, que n ã o correspondem mais às subjetivida-
cada humano as limitações do que vive, trabalha e fala, a
des que vimos constituindo (cf. Deleuze, 1991).
u m só tempo, era o espelho que refletia o sonho de sua
Sugere, em função disso, que, lá de dentro de nossos p r e s u n ç ã o infinita. Como o Mesmo e o O u t r o , o P r ó x i m o
currículos, o infantil zomba de nós. Talvez, porque ele sai- e o L o n g í n q u o , este infantil ingressou no diagrama disci-
ba que n ó s somos aqueles e aquelas que ainda acham que plinar, tomando parte das medidas da Razão, do trabalho
as coisas se passam como se os modos de subjetivação tives- da Verdade e das tecnologias de Poder.
sem vida longa. Talvez, porque perceba que n ó s o escuta-
mos e olhamos, como se fosse uma subjetividade que ainda Movido por forças de a t r a ç ã o e de r e p u l s ã o , o infantil
brinca de ser grega, cristã..., enquanto o que ele vem ar- n ã o foi nunca u m "outro" qualquer, mas o p r ó x i m o i m -
mando é o exercício de novas práticas de liberdade. plicado por uma ambiguidade. A quem se constituiu como
diferente, mas de quem se quis sempre livrar, por ser o
mais familiar e o mais estranho, p o r n ã o ser o mesmo e
História da infantilidade
ser, no s u b t e r r â n e o , n ó s - m e s m o s / a s . A ideia desse "ou-
Estudando u m dos modos que torna u m ser humano tro" do/a adulto/a foi objeto de teorias, que disseram a
"sujeito", a história da infantilidade escolheu este mesmo verdade de sua subjetividade, e de p r á t i c a s de governo,
d o m í n i o para descrever a racionalidade específica pela destinadas a modificar sua economia no real e a m u d a r
qual o humano foi objetivado e aprendeu a se reconhecer seu futuro.
como u m sujeito-infantil.
T e m a de o p e r a ç õ e s políticas, de i n t e r v e n ç õ e s e c o n ó -
Na Idade Clássica, todas as forças do humano eram micas, de campanhas de m o r a l i z a ç ã o , escolarização, vaci-
referidas a uma força de r e p r e s e n t a ç ã o que e x t r a í a o que
n a ç ã o , o infantil foi, p o r m u i t o tempo, nosso Fort-Da.
nele havia de elevável ao infinito. De maneira que o con-
Jogo de carretel que mostrava a face do Mesmo - subja-
j u n t o das forças compusessem Deus, n ã o o humano, e que
cente a tudo que somos, g u a r d i ã o do segredo mais p r o -
este só pudesse aparecer entre ordens de infinito. Para
fundo de nossa essência, de nossa definição e funciona-
surgir como u m composto específico, foi preciso que as

66 67
mento - , ao qual r o g á v a m o s a t r i b u i ç ã o de sentido, deco- A infantilização deveria ser forte para consertar o i n -
dificação e d o m í n i o . Jogo de vai-e-vem, que trazia o pe- fantil errado, fazê-lo entrar em r e t i d ã o , corrigir sua dire-
queno-outro, condenado à e x c l u s ã o , do qual nos esforçá- ção, r e p a r á - l o , restituir a infantilidade que lhe pertence,
vamos p o r conjurar o perigo interior de devoramento; ao vingá-lo, d e s f o r r á - l o . Castigar o m u n d o , o tempo e o so-
qual p r e c i s á v a m o s educar, para lhe reduzir a perigosa al- cial que dele r o u b a m a infância que é, que deve ser a sua.
teridade; e d e f i n í a m o s , para r e g u l á - l o . T o r n a r a j u n t a r , recolocar na o r d e m , p ô r no lugar, corri-
g i r a tortuosidade da infância. Todas tarefas das tecnolo-
Na ú l t i m a d é c a d a do século X X , u m certo sentimento
gias de Estado, das técnicas de governo de si e dos/as ou-
de calamidade generalizada fez-se implicar em sensações
tros/as, da atividade educacional, p e d a g ó g i c a , curricular,
de alarme e desassossego social para enunciar "o fim da
e de todas as r e l a ç õ e s disciplinares que s u p õ e m formas de
infância". Aqui-e-agora, soa u m alerta: - N ã o existe mais
controle ou direcionamento.
este "outro"! U m a u r g ê n c i a : - E preciso libertar o infantil
da modelagem adulta! Fazê-lo ser infantil de novo! E u m N ó s vivemos a e x p e r i ê n c i a do fim-de-infância. Para
clamor: - Asseguremos seu direito a u m a infância feliz! onde vai a infância se tudo continuar como está? E neces-
Lutemos pela infância-sem-fim! sária u m a grande c o n j u r a ç ã o contra o fim-de-infância.
Nova m o b i l i z a ç ã o para lutar contra este fim, e contra
A f i r m a esse d i a g n ó s t i c o do fim-de-infância que o i n -
tudo o que ele representa e c o n t i n u a r á a representar.
fantil e n t r o u e m d e c a d ê n c i a m o r a l , está desonrado, cor-
Para o combater, exorcizando-o, atos de decidir, de assu-
r o m p i d o , desregrado, pervertido: encontra-se out ofjoint
m i r cada um/a e todos/as a responsabilidade de salvar a
(cf. Derrida, 1994). A infância n ã o anda bem, vai mal, n ã o
infância, de comprometer-se com ela de m o d o performa-
funciona, n ã o se passa direito, n ã o anda como deveria an-
tivo. Na realização dessa escatologia messiânica, é neces-
dar. E u m desastre, u m fracasso, uma i n a d e q u a ç ã o . Facil-
sária uma Santa Aliança, que opere o advento da T e r r a
mente nos deslocamos do infantil moralmente desajusta-
Prometida de u m a infância-sem-fim.
d o ao que é injusto: à injustiça da imoralidade de uma i n -
fância roubada, perdida, negada. U m dos feitiços - e n c a n t a ç ã o m á g i c a - destinado a
evocar, a fazer v i r o infantil que n ã o está presente, é o
O dispositivo de infantilidade deveria consertar este
"A-B-C". E m nossos dias, de uma infância profanada, é o
tempo de infância que anda de revés. Deveria fazer j u s t i -
da Escola. Nos dias de Rousseau, de u m a infância a ser
ça, endireitar as coisas, a história, o m u n d o , a sociedade,
amadurecida, o feitiço foi o da e d u c a ç ã o prescrita como
a nova o r d e m m u n d i a l , a é p o c a , o tempo, os/as adul-
u m sistema de suplência, destinado a reconstituir o mais
tos/as, as r e l a ç õ e s . Colocar o infantil do lado direito, no
naturalmente possível o edifício da Natureza. Nos dois
reto caminho, recolocar nos eixos uma infância descon-
tempos, que constituem uma mesma série histórica, a i n -
j u n t a d a . A f i m de que, em conformidade com as regras de
fância é a p r i m e i r a m a n i f e s t a ç ã o da deficiência que cha-
seu j u s t o funcionamento, a infância avance direito, e se-
ma a s u p l ê n c i a .
gundo o direito, na d i r e ç ã o certa: um infantil com uma
infância-sem-fim. A pedagogia e o currículo esclarecem os paradoxos de
tal suplemento: é preciso ajudar os infantis a suprir o que

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lhes falta, seja e m inteligência, seja em força, seja em tudo - Perdeu-se a finalidade moderna do infantil? Sua u t i l i -
o que for necessidade moral. Todo o lempo da e d u c a ç ã o dade? Sua função? A forma-infantil teria capturado tan-
e toda a sua o r g a n i z a ç ã o são regidos por esle mal necessá- tas r e l a ç õ e s de poder p o r que uma o p e r a ç ã o de infantili-
rio: suprir o que falta. Esta é a oportunidade da H u m a n i - zação c o n t í n u a produziu-se, na o r d e m p e d a g ó g i c a , j u d i -
dade. O que s e r á dela se n ã o faltar nada e nenhuma sub- ciária, e c o n ó m i c a , familiar, sexual, visando a u m a inte-
jetividade a que suprir? g r a ç ã o global? O u essa forma, tal como subjetivada pela
Modernidade, estaria se desidentificando e se enrique-
A i n f â n c i a - p o r - v i r , do porvir, e o infantil recuperado
cendo de novas e diversas identificações?
em sua s e x u a ç ã o , educabilidade, d e p e n d ê n c i a , m o d o de
ser, s ã o acontecimentos de unia injunção penhorada,
que prescreve fazer v i r isto mesmo, sob a forma de u m a A nova subjetividade
p r e s e n ç a plena. Promessa infinita e forma determinada:
O momento presente da história da infantilidade apon-
i n s u s t e n t á v e i s , quando menos, porque exigem o desres-
ta o advento de uma nova luz e de u m novo m o d o de
peito pela singularidade e alteridade do o u t r o . Espera
e n u n c i a ç ã o do infantil. Suas figuras e m b l e m á t i c a s são El
sem horizonte de espera. Hospitalidade com todas as
Nino e La Nina. Ele e ela demarcam - em nossa prosa, nos
r e s t r i ç õ e s devidas. C u m p r i m e n t o sem signo deboas-vin-
limites de nosso m u n d o e na escrita das coisas - a fratura
das. Porque, de imediato, deve-se reiniciai os trabalhos -
da infantilidade moderna.
de d i s j u n ç ã o .
Afinal, elas são as crianças mais mal-educadas de hoje.
Abertura ao que vem, este ideal da infância-sem-fim
N ã o sabem ler, nunca foram à Escola; n ã o são tiranizadas
n ã o é proposto como um ideal regulador infinito e p ó l o de
pela cultura midiática, n ã o assistem televisão, n e m t ê m
uma tarefa sem fim: é um acontecimento. Pois, o ideal da
computador. N ã o precisam resolver n e n h u m complexo
infância-sem-fim j á teria acontecido, já se teria apresenta-
de É d i p o , n ã o t ê m pai n e m m ã e . N ã o são expropriadas
do em sua forma de ideal. Este acontecimento teria, desde
n e m violentadas; parece a t é que n ã o brincam.
os Tempos Modernos, marcado o l i m de uma história fini-
ta. Esse ideal é, a u m só tempo, infinito e finito. Infinito, O Menino Jesus inaugurou o sentimento ocidental de
porque permanece uma t e n d ê n c i a a longo prazo. E, con- infância. Quatrocentos anos depois, esse doce M e n i n o se
tudo, finito, porque aconteceu já, como ideal, e sua histó- transforma em uma mancha vermelha sobre o Pacífico.
ria de infantilidade está, desde e n t ã o , d e s c o n t í n u a . N o século X V I I I , tal f e n ó m e n o foi batizado com o nome
de El Nino, n u m misto de r e v e r ê n c i a e temor à q u e l e jesu-
O fim do infantil, como limite a n t r o p o l ó g i c o , anunci- zinho. El Nifio é t ã o terrível e monstruoso, que uma de
ou-se ao pensamento ocidental depois do l i m do huma- suas ú l t i m a s estrepolias é desacelerar a r o t a ç ã o da Terra;
no, como infinidade de seu telos: a infinidade de seu f i m . fazendo com que, no ú l t i m o ano, cada dia de nossas vidas
Perguntar se "o fim" n ã o é somente o fim de u m certo sofra u m a c r é s c i m o de 6 d é c i m o s de m i l é s i m o de segun-
conceito é muito fácil. E preciso complicar - porque as coi- do. La Nina é sua i r m ã . Para falar dela, é preciso antes co-
sas estão longe de serem simples - u m pouco o esquema nhecer quem é El Nino, porque ela n ã o existe sem ele. H á
de tais d i a g n ó s t i c o s , para indagar do " f i m " que interessa: quem a chame de Anti-El Nino. A Menina resfria as á g u a s
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do oceano, trazendo mais i n u n d a ç õ e s e secas, só que em
cada, sexuada - , escorando-a na armadura nostálgica da
r e g i õ e s trocadas do Planeta.
"Identidade".
Esses "Meninos" - ainda ditos no masculino - são duas
O "bom infante" acabou. Ele é uma figura de areia en-
faces de u m mesmo f e n ó m e n o . Sua previsão, uma q u e s t ã o
tre uma m a r é vazante e outra montante. U m a c o m p o s i ç ã o
de vida o u morte. O grande desafio é conhecê-los melhor,
que só aparece entre duas outras: a de u m passado que o
controlar suas condutas, governá-los - do mesmo modo
ignorava, a de u m futuro que n ã o o r e c o n h e c e r á mais. O
como fizemos com "os meninos" modernos. Los Ninos são
que fará o humano moderno sem este infante? A radicali-
os significantes do que é infantil, hoje. Desenham o negati-
zação da finitude implica promover diferentes práticas de
vo do " M u n d o da C r i a n ç a " da Modernidade. Encerram
liberdade, ao redor dos modos pelos quais fomos subjeti-
u m ciclo de p r o b l e m a t i z a ç õ e s , iniciado com a inocência
vados/as como infantis. E novas formas de luta contra a
daquele menino-morto. Seus furores e flagelos entram em
m o d e l i z a ç ã o adulto-infantil, que nos ligou a n ó s e nos sub-
nossos conhecimentos, ainda n ã o tornados razoáveis.
meteu ao olhar e à palavra do "Sujeito-Verdadeiro".
O dispositivo de infantilidade criou u m excesso de
Talvez, tenhamos de i n t e r r o m p e r a subida da ladeira,
identificação nos espelhos, levando o humano a perder
do "sempre mais infância", do "sempre mais verdade do
uma de suas figuras de objetivação. Provocando o esface-
infantil", a qual tantos séculos nos fadaram. E inventar,
lamento da imagem de seu "eu", a confusão e a c o n v u l s ã o
de A a Z, uma r e l a ç ã o , uma ética, e u m m o d o de vida com
de suas r e p r e s e n t a ç õ e s . Pois, se acontece de o infantil fi-
os infantis, ainda indizíveis. A q u i , onde acaba uma deter-
car demasiadamente colado a n ó s , como é que vamos de-
minada c o n d i ç ã o histórica "de infantil", precisamente
cifrar este pequeno-outro, para apreender que somos o
aqui, u m a nova história da infantilidade c o m e ç a . La Nina
Grande-Outro?
e El Nino são o a n ú n c i o de uma "nova aurora" de nossas
Los Ninos estão desequilibrando as relações conheci- vidas, da qual n ã o sentiremos tantas saudades assim.
das. Dissipando-se nas brumas de uma infância revisita-
da. Realizando uma experiência-limite, sem funções trans-
cendentais. Desgarrando-se de si e de n ó s , de m o d o a se Despedida e luta
subjetivarem como sujeitos-outros. Mostrando a m i s é r i a
E m nossa h i s t ó r i a presente n ã o desaparece u m con-
do infantil familiar. A p o n t a n d o que n ã o basta dar "o p ã o
ceito de infantil n e m u m conceito de infância. N ã o se
da infância" a quem tem fome dela, mas que é n e c e s s á r i o
afasta u m infantil existente que se ultrapassa em d i r e ç ã o
deixar de p r o d u z i r este mesmo tipo de fome.
a u m super-infantil, nem uma infância que se ultrapassa
S e r á tudo isso uma r u p t u r a de sentido, que pode o r i - em d i r e ç ã o a uma pós-infância. A q u e s t ã o n ã o é a do com-
ginar focos mutantes de a u t o - r e f e r e n c i a ç ã o ? I n d i c a r á a posto infantil, conceptual ou existente, perceptível e enun-
complexificação de nossa subjetividade, a ser feita de or- ciável. A q u e s t ã o é a das forças componentes desta subje-
q u e s t r a ç õ e s inusitadas? C o n d i ç ã o p r e c á r i a , sem d ú v i d a , tividade: com quais outras forças se combinam e qual é o
porque a m e a ç a d a pelas linhas de força reativas que, e m composto que delas a d v é m ?
p â n i c o , preservam "a infância" - dependente, adulta, edu-
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Quando a e d u c a ç ã o , a pedagogia e o currícuLo pre- des. Se é isso que acontece, pela p o r ç ã o de indivíduos mo-
tendem reconstituir a unidade perdida do infantil - assim dernos que ainda somos, podemos prosseguir a forma de
como das outras subjetividades que produzem - n ã o es- luta contra aquilo que nos liga a n ó s mesmas/os e nos sub-
t a r ã o levando ao extremo as marcas, os signos e a g r a m á - mete, deste modo, aos outros: lutas contra a sujeição, as for-
tica de infantis que s ã o dos séculos precedentes? Embora mas de subjetivação e de submissão de nossa subjetividade.
adivinhem no horizonte as silhuetas.de novos sujeitos, rei- Podemos, então, promover novas práticas de liberdade ao
teram suas p r á t i c a s de subjetivação modernas, justo para redor das formas pelas quais fomos subjetivadas/os, e que
negar a d i s p e r s ã o de quem é, ainda, t ã o n e c e s s á r i o ? nos foram impostas h á tantos séculos. E m tais relações revi-
vidas, as subjetividades curriculares - como o infantil - pa-
E se todas as subjetividades fabricadas por nossas p r á t i -
recem lutar com armas c o n t e m p o r â n e a s .
cas educacionais estiverem desequilibrando as relações co-
nhecidas? Aniquilando-se, dissociando-se? Dessubjetivan- A q u i , onde termina u m certo conceito específico de
do-se em novas experiências, que as desgarram de si, de subjetividade, no mesmo lugar, no mesmo limite; aqui,
modo a n ã o c o n s t i t u í r e m mais "o sujeito" como tal? Se es- onde acaba u m a determinada c o n d i ç ã o histórica de seu
sas subjetividades estiverem revelando e operando outra valor e reconhecimento; precisamente aqui, novas histó-
linha de força, c o n t r á r i a àquela atuante na relação especu- rias c o m e ç a m . As subjetividades do c u r r í c u l o t ê m agora a
lar com a subjetividade padrão-ocidental? E se nossos "mais oportunidade de anunciar-se, de prometer-se, de reco-
queridos" sujeitos do currículo estiverem mostrando a m i - m e ç a r - s e : como a humanidade outra. Se a pesquisa de
séria moral de seus modos de subjetivação, que teimam em u m a moral do currículo aferrolhou, neutralizou e anulou
julgá-los como "certos" ou "errados", ao invés de i m p l i - sua historicidade, trata-se de pensar u m a outra forma de
cá-los em outra ética e estética da existência? história: a ser escrita no t e r r i t ó r i o da ética do currículo, em
outro registro do político.
É possível pensar que a "morte" de subjetividades,
por demais familiares, seja o c o n t r á r i o da morte. Talvez, De u m político-trágico, como para Nietzsche (1974a,
as p r á t i c a s feitas para " m a t á - l a s " liberem finalmente suas 1974b; 1991a; 1991b; 1991c; s.d.). N ã o residente na an-
linguagens, no exterior de seu mutismo. Como o canto gústia ou na tristeza, n e m na nostalgia da unidade p e r d i -
das sereias, talvez sua sedução consista no vazio que abrem, da. Tampouco, resultado de c o m p e n s a ç ã o , d e p r e c i a ç ã o ,
na imobilidade fascinante que provocam naqueles/as que acusação, queixa, falta, c o n d e n a ç ã o , descontentamento,
as escutam. I m o b i l i d a d e de pedra, em rostos sem expres- ressentimento. N e m solução m o r a l da dor, do medo, da
são e sem olhos. Silêncio em bocas, que são apenas uma piedade, da d o e n ç a , do erro, da culpa, do crime, da res-
linha fina. Olhos e bocas que, talvez, n ã o queiram mais ponsabilidade, do pecado. Mas, definindo-se na m u l t i p l i -
ser apenas desenhos tatuados sobre os p r ó p r i o s rostos. cidade, na diversidade da a f i r m a ç ã o , na alegria plural, no
riso alegre do ser do devir.
Pode ser que tenha chegado a hora da despedida. E, no
mesmo momento, o advento de uma luminosidade e de u m D a n ç a - j o g o - s o n h o a n t i d i a l é t i c o e anti-religioso -
modo de enunciação que, finalmente, acabem por reconhe- leve, móvel, a é r e o , u b í q u o , inocente, gracioso, p u e r i l , i r -
cer na diversidade a singularidade de todas as subjetivida- reverente - de D i o n í s i o - C r i a n ç a , com seus brinquedos.
74 UFRGS 7 5
BIBLIOTECA SETORIAL DE EDUCAÇÃO
De D i o n í s i o - C o n s t e l a ç ã o , com A r i a d n e n o c é u como es-
trela d a n ç a n t e . De D i o n í s i o - S e n h o r - d o - E t e r n o - R e t o r -
no, que reproduz o diverso n o c o r a ç ã o da síntese kantia-
na. Repete a d i f e r e n ç a , pela vontade de poder r e u n i d a
às forças postas em r e l a ç ã o pelo acaso. C o n t r a r i a a adia- 4
foria. Nega o estado t e r m i n a l e o de e q u i l í b r i o . E, acima
de t u d o isso, o p õ e - s e a nosso caro, e t ã o custoso, Princí- Governamentalidade moral do
pio de Identidade. currículo nacional
O currículo nacional brasileiro tem "moral"? Institui
u m c ó d i g o , u m sistema, uma doutrina moral? Indica o que
é b o m e o que é mau dizer, pensar, sentir? Estabelece p a r â -
metros para j u l g a r a conduta humana diante do bem e do
mal? Aponta valores e regras de ação, necessários para
uma vida moralmente boa? Formula técnicas de coerção e
práticas de autoconstituição, para moralizar indivíduos e
grupos escolarizados? O currículo nacional prescreve uma
e d u c a ç ã o moral? E m caso afirmativo, de que tipo é a sua
moralidade? Quais são suas leis, verdades e finalidades
morais? Q u e m é o sujeito que pretende moralizar?
Essas questões nortearam a realização da pesquisa Cur-
rículo e pós-estruturalismo: modos de subjetivação do infantil (Co-
razza, 1998a), da qual deriva este trabalho. Nele, articulo
os conceitos foucaultianos de "governamentalidade" e
"subjetivação", para problematizar a moral do currículo
nacional. Currículo formulado pelos PCNs - Parâmetros
a a
Curriculares Nacionais - I a 4 série (Brasil, 1997a; 1997b;
1997c) - , entendido como uma forma de governamentali-
zação de cada indivíduo e da p o p u l a ç ã o . Governamentali-
zação operada pela racionalidade política do Estado brasi-
leiro, aliada à técnica empresarial da expertise psicomoral.
E que "funciona", por realizar uma r e p r e s e n t a ç ã o específi-
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ca da moral, inscrever objetivações p r ó p r i a s a u m currículo investe uma certa epistemologia do infantil, através da
moral e constituir u m sujeito moral. listagem de objetivos, atividades d i d á t i c a s , critérios de
avaliação, c o n t e ú d o s , etc. Racionalidade que transforma
o infantil escolarizado em u m "objeto": conhecível, calcu-
O " m é t o d o " para ler o c u r r í c u l o moral
lável e a d m i n i s t r á v e l . E, na mesma o p e r a ç ã o linguística,
O m é t o d o utilizado na investigação consistiu em des- que o transforma em u m "sujeito", que deve ter sua con-
crever o que o discurso dos PCNs "faz", e em n ã o pressu- duta conduzida pelas condutas prescritas no c u r r í c u l o na-
por nada mais. E m n ã o pressupor que existem i n t e n ç õ e s cional, de m o d o a se conduzir moralmente.
implícitas, condutas idealizadas, relações de causa-efeito, Assim, concentrei-me menos no que a linguagem dos
qualquer "objeto natural" chamado aluno, professor, ci- PCNs "representa", e m u i t o mais em que pensar e agir
d a d ã o , democracia, e d u c a ç ã o moral, p a r â m e t r o s nacio- ela conecta, quais os sonhos que ela possibilita que os i n -
nais... Considerei que a p r á t i c a dos PCNs é o que este dis- fantis sonhem, e o que ela os impele a fazer (cf. Rose,
curso objetiva no que diz acerca de como os i n d i v í d u o s 1997). E m suma, compreendi a linguagem dos PCNs co-
devem ser, o que devem fazer, como devem relacionar-se mo u m "discurso", no sentido foucaultiano (cf. Foucault,
na sociedade e consigo mesmos. Foi assim que l i a condu- 1972). Por isto, tomei esse discurso em seu aspecto mate-
ta p r á t i c a de governo dos PCNs: pelo que é efetivamente rial, isto é, em seus "ditos". Ditos integrados a tecnologias
enunciado em sua p r á t i c a discursiva. de governo dos infantis, que os levam a pensar e dizer
Embora, sem d ú v i d a , existissem outras objetivações a coisas particulares; e t a m b é m a técnicas de autogoverno,
serem analisadas, a p r o d u ç ã o do "infantil-moral" foi a por meio das quais os infantis adquirem u m a certa natu-
que me interessou pesquisar no discurso dos PCNs. Bus- reza moral.
quei distinguir a foiça de suas palavras, em seu poder de A p a r t i r da materialidade de seus componentes l i n -
habilitar os infantis a viverem tipos particulares de expe- guísticos - significados menos como "signos", compostos
riências morais, e a se tornarem determinados tipos de por relações entre significados e significantes, e mais como
sujeitos. Verificar como a sua " l í n g u a " transforma o que marcas de inscrição de p r á t i c a s - , concebi os PCNs como
os infantis p o d e m ser e, deste modo, o que p o d e m se tor- u m "governante" da p o p u l a ç ã o infantil. Governante que
nar. Examinar suas asserções de verdade, que t o r n a m os n ã o é u m i n d i v í d u o ou grupo político, n e m se corporifica
infantis moralmente governáveis. Entender sua função em alguma entidade central ou mecanismo b u r o c r á t i c o .
governamental, assim: como u m dispositivo, que confor- Isso pode a t é acontecer. Mas, mais fortemente: gover-
ma moralmente os infantis, seus corpos, e m o ç õ e s , cren- nante que consegue governar, por ter sua p r á t i c a confor-
ças, comportamentos. Ler assim sua texiualidade: como mada a u m certo diagrama de forças políticas, e a u m con-
u m texto-condutor da conduta moral dos infantis. j u n t o de tecnologias administrativas, que enunciam sua
Para tratar desse c a r á t e r discursivo da governamenta- p r ó p r i a r a z ã o e a do Estado.
lidade (cf. M i l l e r & Rose, 1993), a t r i b u í uma a t e n ç ã o es- Pensei os PCNs como u m derivativo da "lógica" go-
pecial à linguagem dos PCNs. Mas, o que dela procurei vernamental, que rege todos os currículos nacionais das
extrair foi a sua racionalidade política. Racionalidade que democracias (neo)liberais, ou seja: como u m a das táticas
c o n t e m p o r â n e a s de governo desta nossa "era da gover-
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namentalidade" (cf. Foucault, 1990b). Forma de governo Devido a esse m é t o d o de leitura consegui neutralizar
que faz o Estado brasileiro integrar os PCNs ao conjunto alguns "fantasmas" da linguagem curricular que insistem
de p r á t i c a s que atuam, de m o d o supletivo, nas institui- em separar o d o m í n i o da teoria e da prática, ou o c u r r í c u -
ções tradicionais. Mentalidade e linguagem de governo lo formal do currículo em a ç ã o , apontando que é preciso
que levam o Estado a expressar-se nesta g r a m á t i c a gover- verificar se aquilo que aparece escrito nos PCNs é, "de
namental: a do " c u r r í c u l o nacional". Analisei o texto dos fato", aplicado nas escolas. O u , que defendem que o texto
PCNs como uma f u n ç ã o - l u g a r de linguagem governa- dos PCNs foi escrito para ser lido pelos/as professores/as
mental, que estrutura formas calculadas de a ç ã o sobre as adultos/as e que, portanto, n ã o pode subjetivar qualquer
forças, atividades e r e l a ç õ e s de cada i n d i v í d u o e da p o p u - aluno/a infantil, j á que n e n h u m o lerá. O u , que se esfor-
lação, para atingir fins sociais e políticos (cf. Rose, 1998).
ç a m em afirmar que os PCNs n ã o estão sendo usados nas
Desse modo, n ã o "critiquei" o Governo que escreveu escolas brasileiras, tal como "deveriam". O u mesmo, que
o currículo nacional, em sua ideologia, interesses de clas- negam a esse c u r r í c u l o seu c a r á t e r de positividade e fun-
se, poder e c o n ó m i c o , formas de p r o d u ç ã o - embora reco- ção constitutiva da realidade e dos sujeitos.
n h e ç a o valor desse tipo de crítica. Operei uma "pós-críti-
Para justificar toda a pesquisa, adotei, centralmente,
ca", ao examinar como os PCNs funcionam para o Gover-
o argumento que afirma que, para se compreender as for-
no que os escreveu: enquanto uma das formas privilegia-
mas c o n t e m p o r â n e a s da g o v e r n a m e n t a l i z a ç ã o liberal, é
das de governamentalizar o Estado. Forma disposta p o r
técnicas de poder, modos de saber e efeitos de verdade, n e c e s s á r i o analisar n ã o apenas seus grandes esquemas
que positivam a e d u c a ç ã o m o r a l dos/as escolarizados/as; políticos, o p e r a ç õ e s e c o n ó m i c a s , o mercado livre, a glo-
fazem da a d m i n i s t r a ç ã o de sua subjetividade u m a i m p o r - balização excludente... mas t a m b é m mecanismos aparen-
tante tecnologia de governo; e transformam o campo do temente "humildes", que t o r n a m possível governar (cf.
currículo numa nova, abrangente e eficaz tática de gover- M i l l e r & Rose, 1993). Por isso, examinei como, através de
no do Estado. u m desses mecanismos - no caso, os PCNs - , a vontade de
governo do Estado incide sobre os infantis nacionais que
E m função dessa perspectiva, nunca acreditei no ob- são, sem d ú v i d a , uma de suas p r e o c u p a ç õ e s de governo.
j e t o " i n f a n t i l - c i d a d ã o " - que queria analisar - , j á que este
n ã o passa de u m correlato da prática de governo dos PCNs. Preparado, escrito, editado e divulgado pelo Estado
Prática que cria, dentre outros, t a m b é m o "objeto natu- brasileiro, o currículo nacional é uma de suas formas p r i -
r a l " Parâmetros Curriculares Nacionais. Objeto que, p o r sua vilegiadas de controle e r e g u l a ç ã o , funcionando como
vez, n ã o passa de u m correlato das p r á t i c a s de governo do p r i n c í p i o e m é t o d o para racionalizar as p r ó p r i a s p r á t i c a s
Governo que o formula. Governo que, analisado do p o n - governamentais. P r i n c í p i o e m é t o d o , que fazem dos i n -
to de vista de sua racionalidade governamental - como fantis, ao mesmo tempo, objetos da a ç ã o governamental,
todo liberalismo dito " a v a n ç a d o " - , do que mais necessita b e m como parceiros v o l u n t á r i o s de seu governo (cf. Bur-
é maximizar a g o v e r n a m e n t a l i z a ç ã o de seu Estado. E chell, 1996). C u r r í c u l o nacional de u m Estado (neo)libe-
que, para isto, se utiliza, dentre outros, do dispositivo cur- ral, que conduz as condutas humanas, em nome da liber-
ricular, posto a funcionar em todo o t e r r i t ó r i o nacional, e dade e autonomia daquelas/es que são governadas/os, fun-
aplicado a todos os i n d i v í d u o s escolarizados. damentalmente, como "eus" psicomorais.

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Cidadania: a matéria moral do infantil política do Governo. Derivada dessa objetivação anterior,
é que o Governo se autoriza a dispor que o Estado, a Esco-
la e o C u r r í c u l o sejam c o n s t i t u í d o s como agentes morali-
Objetos "de época"
zadores dos "infantis" - sejam eles os pequenos c i d a d ã o s ,
Cidadania, alunos/as, infância... e o p r ó p r i o texto cur- ou a p o p u l a ç ã o brasileira.
ricular t ê m suas existências e condutas expressas pela Ao afirmar que o " i n f a n t i l - c i d a d ã o " n ã o é u m objeto
g r a m á t i c a m o r a l dos PCNs. Essas "coisas" são enuncia- natural, mas "de é p o c a " , criado pela p r á t i c a curricular
das, e permanecem ligadas, de acordo com regras técni- dos PCNs, n ã o basta, simplesmente, constatar que as ati-
cas e sociais, produzidas p o r determinadas p r á t i c a s histó- tudes educativas diante do infantil variaram, na história
ricas. P o r é m , tais coisas n ã o sabem que as p r á t i c a s e re- da Pedagogia e do C u r r í c u l o . E sim, que é preciso distin-
gras i m p õ e m - s e a elas. Elas n ã o sabem que n ã o sabem. guir as p r á t i c a s de governo que foram necessárias para a
N ã o sabem que n ã o sabem, porque são pequenos "ob- e m e r g ê n c i a desse objeto específico. Encontram-se p r á t i -
jetos de é p o c a " (cf. Veyne, 1995): raros, jamais vistos, cas, m u i t o b e m datadas e localizadas, que objetivaram, e
nunca dantes imaginados... n ã o fosse pela criação discur- subjetivaram, o infantil deste m o d o : como u m sujeito po-
siva do c u r r í c u l o nacional. Objetos que são o que é feito lítico de direitos e deveres.
deles, p o r m ú l t i p l a s objetivações correlacionadas, e por
p r á t i c a s discursivas h e t e r o g é n e a s : as da C o n s t i t u i ç ã o de Dispositivo de "cidadanidade"
1988, da L D B 9.394/96, do Estatuto da C r i a n ç a e do Ado-
lescente, das legislações educacionais sobre E d u c a ç ã o É possível significar a cidadania como u m dispositivo
M o r a l de 1826, 1909, 1942, 1961, 1971... e dos PCNs. de "cidadanidade" - se fosse p e r m i t i d o escrever desta
forma - , enquanto u m a i n v e n ç ã o do liberalismo do sécu-
Desse modo, n ã o se está diante de u m currículo en- lo X I X . " L i b e r a l i s m o " c o m p r e e n d i d o n ã o como refle-
t e n d i d o como o do "objeto i n f a n t i l " , tomado como "cau- x õ e s normativas e filosóficas sobre a arte de governar,
sa p r i m e i r a " e " f i m ú l t i m o " da E d u c a ç ã o Nacional. Mas, n e m como u m t i p o de sociedade, e sim como u m a racio-
de u m c u r r í c u l o de r e l a ç õ e s poder-saber-verdade, no nalidade de governo (cf. G o r d o n , 1991; H u n t e r , 1994;
qual, dentre outros objetos, é criado o "infantil-cida- Rose, 1996a). Racionalidade p r o d u z i d a p o r u m a série
d ã o " . Se este infantil pareceria d e t e r m i n a r a iniciativa de problemas p r á t i c o s , relativos à governabilidade de
do Governo de p r o d u z i r u m c u r r í c u l o nacional, é, justa- i n d i v í d u o s , famílias, p o p u l a ç ã o , mercados, capital. Pro-
mente, a p r á t i c a do Governo de p r o d u z i r este currículo blemas de u m a racionalidade, derivados da necessidade
que determina tal objeto. de estabelecer limites à autoridade política, em r e l a ç ã o à
P o r é m , para que o infantil seja percebido como obje- vida e c o n ó m i c a e industrial; às liberdades p ú b l i c a s de
to de governo, é preciso que o Governo que o escreveu te- d i s c u s s ã o e e x p r e s s ã o do pensamento; à p r á t i c a religio-
nha, antes, objetivado todos/as os/as seus/suas governa- sa e à autoridade familiar. O sujeito objetivado p o r essa
dos/as como u m "povo-infantil". Povo que - por sua con- racionalidade é a t r i b u í d o de u m a m o r a l i d a d e individua-
dição de infantilidade - deve ser educado e moralizado, lizadora, cuja natureza deve ser assegurada, em oposi-
através de várias táticas de governo, para o exercício de ção à m o r a l i d a d e p ú b l i c a .
u m a certa cidadania, t a m b é m ela objetivada pela p r á t i c a
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Desde o início do século X X , emerge uma nova fór- las normas de u m "social", sem nenhuma exterioridade, e
mula para o exercício do governo liberal. Os governan- governado pelo nexo entre segurança, paz e prosperida-
tes, em nome da "sociedade", s ã o impelidos a aceitarem a de, afiançadas pelo Estado de Bem-Estar Social.
o b r i g a ç ã o de administrar os efeitos indesejáveis da vida
Desde meados do século X X , m u d a n ç a s estratégicas
industrial, do trabalho assalariado e d o e s p a ç o urbano.
são canalizadas por críticas feitas a esse Welfare State, d i -
Para o governo da conduta social, que e n t ã o se i m p õ e ,
ante de suas supostas falhas nos campos dos direitos i n d i -
n ã o bastava tornar inviolável a o p o s i ç ã o entre p ú b l i c o e
viduais, costumes privados, finanças públicas. As demo-
privado, Estado e sociedade civil. Era preciso t a m b é m go-
cracias liberais a v a n ç a d a s constituem-se enquanto tais,
vernar nos interesses da moralidade e da o r d e m social.
incorporando essas críticas. Elas desgovernamentalizam
Criar regras para governar, que adaptassem as condutas
o Estado e desestatizam suas p r á t i c a s sociais de governo.
dos i n d i v í d u o s a u m a forma normalizadora. Forma pela
Provocam, assim, u m enfraquecimento da autoridade dos
qual a sociedade se tornasse visível para si mesma, graças
aparelhos de governo político. Paralelamente, incremen-
à a d o ç ã o de u m rigoroso p r i n c í p i o de a u t o - r e f e r ê n c i a ,
tam a autoridade da expertise científica, técnica e m o r a l ,
que padronizava comportamentos, fazia de cada indiví-
em r e l a ç ã o a uma gama ampliada de objetivos sociais, e às
duo a medida do outro, e registrava todos os desvios e re-
a s p i r a ç õ e s de cada i n d i v í d u o , que busca sua civilidade,
sistências (cf. Ewald, 1993).
a p e r f e i ç o a m e n t o e progresso (cf. Rose, 1996a). O sujeito
Para isso, o governo do "social" deveria tornar-se ope- objetivado como "liberal a v a n ç a d o " , ou "neoliberal", n ã o
rável n ã o só em seu aparelho político de Estado, mas tam- é mais aquele referenciado à "sociedade". E m e m b r o de
b é m "à distância": organizando ações calculadas sobre a u m a "comunidade", de fidelidade h e t e r o g é n e a , que a d m i -
conduta de cada i n d i v í d u o e da p o p u l a ç ã o , através do nistra e regula as r e l a ç õ e s morais entre os i n d i v í d u o s e
tempo e do e s p a ç o (cf. Rose, 1996a). Esta f ó r m u l a sancio- entre os segmentos da p o p u l a ç ã o . N ã o sendo mais gerido
nou u m tipo de "autoridade", calcada na r e i v i n d i c a ç ã o de pelo social, o i n d i v í d u o é agora governado por sua auto-
conhecimento, neutralidade e eficácia social. C r i o u uma n o m i z a ç ã o regulada, r e s p o n s a b i l i z a ç ã o ativa, a u t o d o m í -
expertise, investida pelos saberes científicos e humanos, e nio, auto-satisfação, a u t o c a p a c i t a ç ã o , a u t o p r o m o ç ã o , au-
organizada ao redor das atividades de vários i n d i v í d u o s to-realização...
instruídos, cuja autoridade moral e técnica permanecia l i -
Cada u m desses projetos liberais para governar as
gada ao aparelho de governo formal.
condutas e objetivar a subjetividade dos/as governados/as
T a l deslocamento transforma o Estado liberal em u m n ã o se extingue totalmente, para dar lugar ao surgimento
centro polimorfo, operador de forças que constroem, ca- de novas formas de reflexão, transformadas em p r á t i c a s
nalizam e controlam comportamentos e indivíduos distan- de governo. Entre eles, h á continuidades, variações de
tes. Centro plural, que n ã o estabelece apenas regras dire- ênfases, cruzamentos, embora t a m b é m existam rupturas.
tas para guiar a conduta individual ou de grupos, mas ou- De todo modo, foi essa racionalidade liberal de governo
torga autoridade a uma variedade de experts, para operar o que criou o " i n f a n t i l - c i d a d ã o " . Que fez com que sua saú-
governo normalizado do social. O sujeito deste governo é de, bem-estar, criação e e d u c a ç ã o estivessem ligados ao
ressignificado como u m sujeito de necessidades, atitudes e pensamento e às responsabilidades dos Estados. Ela co-
relações. Sujeito objetivado como "social", produzido pe- nectou, inextricavelmente, esse infantil às aspirações go-
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vernamentais das autoridades. Dispôs programas, proje- tuoso da sociedade brasileira (Brasil, 1997a: 70); 2 ) sua o
tos, legislação, assistência social, práticas m é d i c a s , finan- o
"natureza d e m o c r á t i c a " ; 3 ) o " c a r á t e r abstrato dos valo-
ciamentos, vigilância sanitária, escolarização... para fazer res" transmitidos pelo c u r r í c u l o (ib.: 72). Relacionando
da infância u m dos d o m í n i o s mais intensamente gover- essa moralidade aos atributos e qualidades infantis, as/os
nados da existência pessoal no Ocidente. Viabilizou tec- que escrevem os PCNs produzem-se, a u m só tempo,
nologias de governo, que abriram a vida dos infantis, seus como " e m p r e s á r i a s / o s morais" e como "técnicas/os da
ambientes, famílias, subjetividade, aos poderes sociais e subjetividade". Objetivadas/os deste m o d o - e investi-
políticos (cf. Rose, 1991). das/os dessa dupla e complementar função pelo p r ó p r i o
A o instituir a infância como uma ideia e u m alvo de texto do c u r r í c u l o nacional - , esses/as e m p r e s á r i o s / a s - t é c -
governo, a racionalidade liberal funcionou pela e x t e n s ã o nicos/as aumentam as linhas de força da governamentali-
da cidadania ao infantil. Associando a n o ç ã o de igualda- zação do Estado, e a m p l i a m a autoridade governamental
de humana básica à de p a r t i c i p a ç ã o total, essa nova visibi- do c u r r í c u l o sobre os infantis nas r e l a ç õ e s com suas famí-
lidade objetivou o infantil como membro da sociedade. lias, grupos, e consigo mesmos.
Promovendo o desenvolvimento cognitivo e m o r a l das Se a Escola n ã o se empenhar em sua tarefa de morali-
novas g e r a ç õ e s , a e d u c a ç ã o universal e o b r i g a t ó r i a foi a zar os " i n d i v í d u o s que c o m p õ e m este p a í s , [...] o p r ó p r i o
p r á t i c a decisiva para estabelecer os direitos e os deveres exercício da cidadania será seriamente prejudicado, para
infantis. Ela conferiu aos infantis a qualidade de "cidadãos", n ã o dizer, impossível" (ib.: 73). Sob essa a m e a ç a de p r o -
fixou-lhes a natureza de "cidadania", e garantiu-lhes a pos- p o r ç õ e s nacionais, a c u r r i c u l a r i z a ç ã o da m o r a l infantil
sibilidade de p a r t i c i p a ç ã o gradativa no exercício do po- torna-se crucial para estabelecer capacidades e condutas
der político. individuais, que estejam em c o n s o n â n c i a com a racionali-
A o mesmo tempo em que a cidadania infantil torna- dade de governo neoliberal. Envolvidos/as pela força go-
va-se - p o r efeito dos p r i n c í p i o s de igualdade, participa- vernamental dessa a m e a ç a , as/os e m p r e s á r i a s / o s - t é c n i -
ção e cidadania - u m encargo estatal, adquiria t a m b é m cas/os do M E C descobrem que suas palavras criam novas
u m a forma subjetiva. A c i d a d a n i z a ç ã o do infantil implica- tecnologias políticas e novas técnicas de investimentos
va o conhecimento de seu psiquismo, como uma superfí- pessoais, pelas quais os infantis devem aprender a guiar
cie de aplicação das habilidades dos técnicos da subjetivi- suas condutas.
dade. A cidadania estatizava-se, transmudando-se em Ao operarem a formação moral dos infantis-cidadãos, re-
m a t é r i a "psi". Feita, e n t ã o , modo de governo e forma de querida pelo governo de Estado, os/as empresários/as-técni-
subjetivação, a cidadania p õ e a funcionar u m potente dis- cos/as fazem o currículo nacional funcionar como u m
positivo de saber, verdade e poder: aquele que cidadani- grande conjunto m a q u í n i c o de r e g u l a ç ã o pública da mo-
za os infantis liberais. ralidade, que age na sociedade, na Escola e na p r ó p r i a
subjetividade infantil. Providos/as da mesma racionalida-
Técnica empresarial da subjetividade de do Governo, esses/as e m p r e s á r i o s / a s n ã o d i s p õ e m ape-
nas de u m know-how técnico de d o m i n a ç ã o , mas de meca-
Os PCNs destacam três pontos imprescindíveis "para nismos de sujeição, que possibilitam o autogoverno racio-
o
educar moralmente": I ) o "núcleo moral" n ã o preconcei- nal dos infantis.
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governamentais (cf. Usher 8c Edwards, 1994; Rose,
Embora p a r e ç a m fundamentar suas n o r m a t i z a ç õ e s na
1996b). A vontade de governo do Estado neoliberal inse-
e v i d ê n c i a da p r ó p r i a "realidade" dos infantis, esta só é re tal expertise no texto curricular, sob a rubrica de "cientí-
evidente para quem, como elas/es, sabe como "olhá-la" fica", investindo-a de c a r á t e r técnico. Mas, t a m b é m a i n -
(cf. Rose, 1997). Seu v o c a b u l á r i o de e s t r a t é g i a s r e g u l a t ó - troduz como p r á t i c a governamental, que submete os
rias, as palavras com as quais pensam e descrevem as/os comportamentos infantis à m o r a l do c u r r í c u l o , vigia sua
pequenas/os cidadãs/ãos, os modos como f o r m u l a m seus o b e d i ê n c i a e pune as t r a n s g r e s s õ e s .
problemas e prescrevem as soluções s ã o retirados dos sa-
beres p s i c o p e d a g ó g i c o s mais atuais. Saberes que articu- Usando as teorias psi, transformadas em técnicas de
lam as r e l a ç õ e s complexas e circulares entre o governo governo, os PCNs constituem-se em u m c ó d i g o m o r a l i -
das/os outras/os e o governo de si mesma/o. zante e em u m sistema normalizador, cuja forma t e c n o l ó -
gica estabelece mecanismos, espaços e tempos para agir
sobre as condutas. Produzem formas de a u t o - r e g u l a ç ã o e
Saberes psicomorais autocontrole morais, que incitam os infantis a resolverem
problemas sociais específicos, tal como: "E ou n ã o ético
A r e t ó r i c a do cientismo psicológico apoia as reivindi-
roubar u m r e m é d i o , cujo p r e ç o é inacessível, para salvar
cações de verdade dos/as experts do c u r r í c u l o nacional.
a l g u é m que, sem ele, morreria?" Ao colocar os infantis d i -
Ela é sua inestimável aliada " e p i s t ê m i c a " , que produz as
ante deste "dilema m o r a l " - "privilegiar o valor 'vida'
c o n d i ç õ e s para o governo dos infantis, tal como escre-
(salvar a l g u é m da morte) ou o valor 'propriedade priva-
vem: "Para saber como educar moralmente é preciso [...]
da' (no sentido de n ã o roubar)" (Brasil, 1997a: 69) - , o
saber o que a Ciência Psicológica tem a dizer sobre os
currículo nacional apela à liberdade e à autonomia de
processos de l e g i t i m a ç ã o , por parte do i n d i v í d u o , de va- cada i n d i v í d u o , a quem cabe decidir o problema social da
lores e regras morais" (Brasil, 1997a: 73). Esta Ciência s a ú d e pública, como se fosse u m dilema m o r a l particular.
enuncia que as famílias e a sociedade brasileira v ê m sen-
do prejudiciais aos infantis, ao n ã o lhes proporcionar Espalhando poderes legais, práticas de j u l g a m e n t o e
c o n d i ç õ e s de bem-estar psíquico, social e familiar. Ela pautas de n o r m a l i z a ç ã o , essas tecnologias humanas psi-
exacerba o p â n i c o moral de hoje acerca do "sintoma so- comorais fazem com que os infantis produzam verdades
cial" de fim-de-infância, pelo qual a p o p u l a ç ã o infantil sobre si mesmos, ativem a identificação consigo e valori-
encarna u m conjunto de ansiedades sociais (cf. Corazza, zem a e x p e r i ê n c i a de autoconhecimento. Como o grande
" e m p r e s á r i o " nacional da subjetividade infantil, os PCNs
1998b; 2000a). Aproveita e redimensiona tal p â n i c o para
fazem da linguagem psi a c o n d i ç ã o técnica de seu gover-
justificar e aumentar o governo do Estado sobre a morali-
no racional. E deste m o d o que tal linguagem i m p o r t a
dade dos infantis brasileiros.
para a c o n s t r u ç ã o da cidadania neoliberal. Fornece ao
Prescrevendo a necessidade urgente de m o r a l i z a ç ã o Estado u m mecanismo p r á t i c o de subjetivação e determi-
dos infantis, que v ê m tendo sua infância negada, a C i ê n - na a a u t o c o n s t i t u i ç ã o do infantil como u m agente da au-
cia Psi une as a s p i r a ç õ e s t é c n i c a s - e m p r e s a r i a i s dos/as tonomia m o r a l e da cidadania r e s p o n s á v e l .
experts aos temores sociais dos grupos participantes do Os sujeitos objetivados por essas tecnologias, como
Governo. Fornece, e n t ã o , ao Estado brasileiro a força de
"pequenos c i d a d ã o s modernos", são merecedores de pro-
verdade de seus saberes e normas, para que este os torne
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teção e de e d u c a ç ã o nacionais. Mas, e m troca, precisam Ontologia infantil
subjetivar a si p r ó p r i o s como sujeitos de uma determina-
da forma: de deveres, c o o p e r a ç ã o , respeito, d i á l o g o , jus- Por meio de suas técnicas físico-políticas, o c u r r í c u l o
tiça, p a r t i c i p a ç ã o , escolhas, solidariedade, liberdade, nacional administra as necessidades dos infantis, morali-
consciência, pluralidade, etc. E m suma, devem consti- za suas condutas, estabelece e gere seus dilemas morais,
tuir-se do mesmo m o d o que todos os sujeitos do Governo indexa-os a verdades que constrangem sua moralidade.
neoliberal: objetos de governo, alvos das práticas subjeti- O c u r r í c u l o faz do infantil u m objeto de conhecimento
vadoras do Estado e agentes ativos de seu p r ó p r i o gover- para os/as outros/as e, simultaneamente, u m a "matriz"
no - para que fique garantido "o bem de todos" (Brasil, para compreender a si p r ó p r i o . Pela p r á t i c a da cidada-
1997a: 72). nia, produz u m tipo específico de e d u c a ç ã o moral, que
estabelece tecnologias de si, com as quais o infantil efetua
T o d a a psicologia, a epistemologia, a pedagogia, a
certas o p e r a ç õ e s sobre seu corpo e desejos, de modo a
política, a cultura do c u r r í c u l o nacional incide sobre este
transformar-se a si mesmo, e agir no estado m o r a l de "ci-
ú n i c o ponto: na moralidade dos/as governados/as. Os
dadanidade".
PCNs fazem da moralidade infantil u m tema de governo,
e sobre ele operam suas estratégias e táticas de Estado. É Nos PCNs, o trabalho ontológico de constituição do i n -
o poder político do Estado que governa tal moralidade, fantil, para construir u m determinado sujeito moral, si-
articulando a r e g u l a m e n t a ç ã o pública das condutas m o - tua-se na intersecção das técnicas de d o m i n a ç ã o com as
rais com as capacidades subjetivas, emocionais e intelec- tecnologias do eu (Foucault, 1994a; 1995b), ensejando u m
tuais dos infantis. Como u m a de suas formas infra-estatais movimento r e c í p r o c o de governo e autogoverno. Ao mes-
de poder, os PCNs executam investimentos a n á t o m o - p o - mo tempo em que p r o m o v e m a d o m i n a ç ã o do Estado,
líticos sobre a p o p u l a ç ã o infantil, desencadeando u m a dos/as professores/as e do currículo sobre os infantis, os
tecnologia de cada c o r p o - e s p é c i e , a ser trabalhado em PCNs t a m b é m instituem modos de subjetivação, através
detalhe pelo c u r r í c u l o . dos quais as técnicas do eu integram-se às estruturas de co-
Através dos PNCs, o Estado brasileiro c o n s t r ó i u m re- e r ç ã o do Governo, da d o c ê n c i a e da escolarização. E desta
gime moral, p o r meio do qual governa as vidas das/os pe- maneira que os PCNs tratam o infantil: assujeitando-o ao
quenas/os cidadãs/ãos. Suas práticas curriculares objeti- Estado brasileiro, à escola, e ao currículo, pelo controle e
vam u m p o v o - c i d a d ã o , e a n ó s , educadores e educadoras, r e g u l a ç ã o de sua c o n d i ç ã o c i d a d ã ; e sujeitando-o a si mes-
t a m b é m como "governantes" deste povo. Apoiadas no su- mo, pelo apego à sua identidade de pequeno c i d a d ã o .
porte das técnicas específicas para exercer a cidadania, as
Os PCNs disciplinam os infantis, prescrevendo o que
p r á t i c a s curriculares do Estado c o m p õ e m e d e c o m p õ e m
devem fazer como c i d a d ã o s , induzindo-os a agirem de
forças, vigiam, medem, selecionam, classificam, hierar-
acordo c o m a série b e m articulada dos códigos d e m o c r á -
quizam, gratificam e p u n e m os desvios em função de suas
ticos, para que se m o v i m e n t e m dentro do currículo e en-
normas morais. Objetivam todos e todas como "almas
carnem "a E d u c a ç ã o Nacional". Os infantis-cidadãos cons-
morais", que devem ser guiadas pelos estreitos e fascinan-
tituem u m a p o p u l a ç ã o que o c u r r í c u l o administra, para
tes caminhos da cidadania, da virtude e do bem: salvas do
que sua cidadania se desenvolva em conformidade com a
preconceito, da d i s c r i m i n a ç ã o , da injustiça, da falta de
sociedade neoliberal, e que a p r ó p r i a política curricular
respeito e da ausência de solidariedade.
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seja exercida. A l é m dessa o p e r a ç ã o disciplinador a, A o i m p o r limites e restrições, fornecer conselhos e ob-
pode-se encontrar no c u r r í c u l o toda u m a arte de gover- jetivos a atingir, estabelecer regras e normas para contro-
nar os infantis, que aponta para uma determinada her- lar as condutas, l a n ç a r m ã o de i n ú m e r a s técnicas de sujei-
m e n ê u t i c a do eu (cf. Foucault, 1997). ção, o texto dos PCNs governa a moralidade infantil, mas
deixa inquestionados os fatores sociais e e c o n ó m i c o s da
Arte de governar e de intervir, cujo ponto-chave é a g o v e r n a m e n t a l i z a ç ã o política do Estado brasileiro, que
p r á t i c a da cidadania. H e r m e n ê u t i c a , cuja verdade é aque- d i s p õ e m os "males morais". E nesse m o v i m e n t o d u p l o ,
la atinente ao c i d a d ã o , tal como criado pela governamen- que os PCNs organizam sua "cruzada de m o r a l i z a ç ã o " ,
talização liberal. Fazendo da h e r m e n ê u t i c a do infantil-ci- em que o governo da p o p u l a ç ã o liga-se às a s p i r a ç õ e s dos
d a d ã o u m d o m í n i o a ser governado, os PCNs t o r n a m o
i n d i v í d u o s p o r maior s e g u r a n ç a , mais efetivo progresso,
infantil u m a entidade inteligível. Baseados no conheci-
mais perfeita cidadania e democracia plena.
mento positivo desse "eu", encontram formas de anali-
sá-lo e avaliá-lo, de identificar seus problemas e de conce- Profilaxia de u m lado, produtividade extrema de ou-
ber as justas soluções psicomorais. Os PCNs funcionam, tro: pela n o ç ã o de cidadania, pode-se apreender o que,
v ê m funcionando, porque tanto estabelecem a necessida- no c u r r í c u l o nacional, foi reconhecido - pelo trabalho de i
de estatal e pública de governar a infância quanto coorde- pesquisa - como a "substância ética" (cf. Foucault, 1990a, !
n a m u m nível de compromisso subjetivo dos infantis, i n - 1995a) do infantil. E referindo-se à p r á t i c a da cidadania
citando-os a governarem suas condutas, atitudes e valo- que o infantil pode responder à pergunta: - Q u a l o aspec-
res, de acordo com os termos liberais c i d a d ã o s . O poder to ou a parte de m i m , ou do meu comportamento, que é
político, j u r í d i c o e administrativo dessa tática de governo - relacionado à conduta moral? Nos PCNs, o campo de si |
que são os PCNs - fica consubstanciado no m o n i t o r a m e n - mesmo do infantil - que é o mais i m p o r t a n t e para a m o -
to, nas sanções e no detalhamento das condutas nacio- ralização curricular - é o campo c i d a d ã o . A parte do com-
nais, estudantis, sexuais, éticas. portamento infantil - relacionado à conduta m o r a l - é a
O c u r r í c u l o nacional p r o p õ e - s e a ser u m a solução parte c i d a d ã . A substância ética do sujeito infantil - em
para o problema do governo dos i n d i v í d u o s e da popula- r e l a ç ã o com o j o g o da verdade estatal e de si mesmo - é a
ção brasileira. Ele neutraliza, pelo governo das condutas cidadania. Esta é a m a t é r i a m o r a l do infantil trabalhada
morais, as a m e a ç a s contra a riqueza, a propriedade priva- pelo c u r r í c u l o nacional. E a ú n i c a parte de seu comporta-
da, o abuso sexual, a d e s t r u i ç ã o ambiental. Ele se p r o p õ e mento que i m p o r t a para a g o v e r n a m e n t a l i z a ç ã o do Esta-
a evitar o crime, o roubo, a pobreza material e espiritual, do e para a m o r a l i z a ç ã o do currículo.
os vícios, a violência, todos os descalabros que se m u l t i p l i - Levando em conta sua p e r t e n ç a à comunidade escolar
cam na vida moderna. Ele se pretende profilático aos ma- e à sociedade, a maneira pela qual o infantil d á forma a si
les morais e u m modo profilático de a ç ã o - conduzir a
mesmo é a f o r m a - c i d a d ã o . A cidadania é a m a t é r i a - p r i m a
conduta moral. Promovendo condutas c i d a d ã s , subjetiva
de sua conduta m o r a l - surgida do valor m o r a l de ser ci-
os infantis, ao organizar sua r e l a ç ã o c i d a d ã com os outros
d a d ã o - , que o infantil aceita como tal. Ele se g o v e r n a r á
e consigo mesmos. Ele usa a tecnologia c i d a d ã , a p r o p r i -
segundo o que considere essencial a respeito desse valor.
ando-se do discurso p s i c o p e d a g ó g i c o atual - especial-
Nos PCNs, o governo de si do infantil e o governo dos ou- j
mente em sua vertente construtivista-libertadora - , para
tros somente são possíveis pela p r á t i c a e correspondentes I
fins governamentais.
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exercícios de cidadania. A substância c i d a d ã d o infantil vés do exercício da "cidadania ativa", que melhor p e r m i -
está aberta às t r a n s f o r m a ç õ e s históricas, mas o infantil te viver e ser feliz na sociedade.
nada sabe disso. Por efeitos de verdade, poder e saber da
A outra linha de força realiza a forma de sujeição re-
p r á t i c a de cidadania, o infantil pensa identificar-se em
querida pelo liberalismo a v a n ç a d o . Concebe os infantis
sua "segunda natureza": a natureza de c i d a d ã o .
como c i d a d ã o s ativos e r e s p o n s á v e i s p o r seu p r ó p r i o go-
verno. Normatiza r e l a ç õ e s de cada u m consigo mesmo,
Política da subjetividade de m o d o que suas atitudes e vivências de valores testemu-
n h e m sua autonomia m o r a l e liberdade cívica. I m p l i c a d o
O currículo nacional configura uma política "prática" como m e m b r o de comunidades, este sujeito realiza esco-
de governo e autogoverno. Política de governo da subjeti- lhas em p r o l de sua a u t o - r e a l i z a ç ã o e a u t o - a p e r f e i ç o a -
vidade, que engloba a sociedade e o Estado, o público e o mento. Assume posições morais segundo seus p r ó p r i o s j u í -
privado. E que desfaz, por esta mesma definição, qualquer zos de valor. E u m c i d a d ã o que respeita as regras morais,
oposição entre o interior e o exterior à sociedade e a cada n e c e s s á r i a s à sua identidade pessoal, e age de acordo com
indivíduo. T a l política incorpora as questões sociais às téc- elas. Que confia em suas capacidades, respeita a si p r ó -
nicas governamentais, envolvendo-as na relação de cada p r i o e c o n s t r ó i uma imagem positiva de si mesmo. E que
indivíduo consigo mesmo. Ela sintetiza a eficaz "descober- realiza, na plenitude, seu projeto de vida.
ta" do novo modo de g o v e r n a m e n t a l i z a ç ã o liberal: ope-
A política governamental dessa subjetividade liberal
rando p o r meio de estratégias e técnicas p r ó p r i a s à sua ra-
resulta em: 1) u m c ó d i g o m o r a l : p o r formular u m conjun-
cionalidade, o liberalismo subjetiva cidadãos e cidadãs como
t o de valores e regras de a ç ã o propostos, de m o d o siste-
agentes a u t ó n o m o s e livres de seu p r ó p r i o governo.
m á t i c o , aos infantis - t a m b é m aos/às professores/as, famí-
Nessa política de subjetividade do currículo nacional lias, grupos culturais - , através do aparelho prescritivo da
p o d e m ser isoladas duas bem marcadas linhas de força l i - Escola; 2) uma moralidade do comportamento: p o r nor-
berais: a do bem-estar e a da sujeição " a v a n ç a d a " . Por i n - matizar o comportamento efetivo de cada infantil, em re-
tegrar a esfera educativa, n ã o - e c o n ô m i c a , a linha de força l a ç ã o às regras e valores desse c ó d i g o ; 3) u m conjunto de
do "bem-estar" inventa os PCNs, como uma das várias tá- p r á t i c a s de si: p o r levar o infantil a realizar o modo "cida-
ticas para governar moralmente, e à distância, "o social". d ã o " de sujeição, mediante r e l a ç õ e s consigo mesmo, que
Considerando este social e a Escola como "comunidades o fazem a d q u i r i r a natureza m o r a l "cidadã", e consti-
solidárias", coloca o infantil no centro de u m grande p r o - tuir-se como sujeito m o r a l de suas ações c i d a d ã s .
j e t o político de r e c u p e r a ç ã o da infância e da cidadania i n -
Agora, nem a racionalidade de governo do Estado neo-
fantil. Articulando o governo estatal da cultura infantil ao
liberal nem a política da subjetividade de seu currículo na-
dos/as empresários/as-técnicos/as da subjetividade, elabo-
cional "submetem" totalmente os infantis - e a n ó s . Elas
ra normas sociais de solidariedade e d e p e n d ê n c i a coleti-
n ã o produzem, apenas, técnicas de d o m i n a ç ã o . Elas n ã o
va. Normas que d i r i g e m as ações infantis, c o m p õ e m suas
nos forçam, simplesmente, a fazer o que os "governantes"
e x p e r i ê n c i a s e julgamentos de forma t a m b é m social, atra-
querem. O que o seu conjunto de práticas individualizan-
tes e totalizantes faz é fortalecer nossa subjetividade mo-
94 95
derna de cidadãs e cidadãos, prendendo-rios nela. Subjeti-
vidade, cuja vontade de verdade parece ser, ainda, a de ci-
dadanizar-se mais intensamente. Subjetividade, cuja von-
tade de poder parece ser, ainda, a de ser governada como
cidadã, a u t ó n o m a e livre. Mas, será que j á n ã o chega? N ã o
teremos forjado u m outro tempo, de outras linguagens,
5
outras relações, outras formas de governo, outros modos
de subjetivação? N ã o t e r á chegado j á o nosso tempo de
Currículos alternativos-oficiais:
trabalhar no registro de u m "pós-currículo"? o(s) risco(s) do hibridismo
O n ú m e r o 21 da revista Contexto & Educação, da U n i -
j u í , de jan.-mar. de 1991, trazia como t e m á t i c a geral a
q u e s t ã o : " E x p e r i ê n c i a s alternativas". E m seu Editorial,
encontrava-se escrito: "As políticas educacionais n ã o po-
dem impor-se como se válidas para todos em toda parte;
e as propostas p e d a g ó g i c a s só v a l e m como propostas de
sujeitos concretos e m contextos d e t e r m i n a d o s de vida e
a ç ã o " . Políticas e propostas "que devem ser tidas sem-
pre como [...] alternativas". Isto é, como "distintas e es-
pecíficas", " n ã o p o d e n d o elas decorrer de alguns p r i n -
c í p i o s gerais, n e m arvorar-se em panaceia para quais-
quer situações" (p. 7).
Em 1995, em seu texto Os novos mapas culturais e o lu-
gar do currículo numa paisagem pós-moderna, Tomaz Tadeu
da Silva (1995b) argumentava que a Nova Direita, " t r i u n -
fante em tantos países", colocara a e d u c a ç ã o e o currículo
"no centro de r e e s t r u t u r a ç ã o da sociedade ao longo de
critérios baseados no funcionamento do mercado". O
plano desta "aliança ou c o m b i n a ç ã o de neoliberalismo
(económico) com neoconservadorismo (moral)" parecia,
e n t ã o , "muito claro", qual fosse: introduzir, na e d u c a ç ã o
institucionalizada, "mecanismos de controle e r e g u l a ç ã o
p r ó p r i o s da esfera da p r o d u ç ã o e do mercado", objeti-
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mocracia. Desvelaiuento da ideologia. C a ç a ao oculto do
vando "produzir resultados educacionais", ajustados às
c u r r í c u l o . Pedagogia radical, dialética, subversiva. Co-
"demandas e especificações empresariais".
nhecimento escolar e poder. Lutas contra a e d u c a ç ã o ca-
Nesse cenário, era importante que os/as educadores/as pitalista excludente, e por acesso, p e r m a n ê n c i a , sucesso
c o m e ç a s s e m "a entender as novas configurações e c o n ó - no sistema escolar. Aliança de intelectuais o r g â n i c o s com
micas, políticas e sociais" p o r meio de "uma nova ótica", sindicatos e movimentos sociais latino-americanos. Novas
que focalizasse "as d i n â m i c a s culturais e m j o g o na luta formas de a g ê n c i a , o r g a n i z a ç ã o política e profissional.
p o r hegemonia e p r e d o m í n i o político". A partir deste en- Pedagogia do o p r i m i d o . E d u c a ç ã o Popular.
tendimento, sugeria Silva, os/as educadores/as p o d e r i a m
Emergindo da articulação entre m u d a n ç a s estruturais,
c o m e ç a r sua luta pela c o n s i d e r a ç ã o e a f i r m a ç ã o de "dis-
políticas, demográficas e epistemológicas, toda essa "ex-
cursos, narrativas e saberes [...] alternativos" que contas-
p l o s ã o " redundou em uma ruptura radical dos/as educa-
sem outras histórias. H i s t ó r i a s que, p o r serem "alternati-
dores/as de esquerda com o elitismo conservador e com o
vas", minassem "a inevitabilidade e naturalidade' das
populismo reformista. Embora, por u m lado, a luta pela
narrativas dominantes" (p. 185-186).
d e m o c r a t i z a ç ã o da sociedade e da e d u c a ç ã o fosse bem " d i -
Passada uma d é c a d a de c o n t e s t a ç ã o , conflitos e p r o - fícil", p o r u m só â n g u l o - que é o que me interessa enfocar,
cessos de n e g o c i a ç ã o , vou argumentar, neste trabalho, neste trabalho - , a coisa toda parecia ser mais "fácil". Fácil,
que n ã o conseguimos realizar n e m u m a coisa nem outra. porque nós, ainda, c o n s e g u í a m o s dividir o mundo, o siste-
O u seja: que n ã o conseguimos legitimar nem consolidar ma e nosso trabalho entre os "deles" e os "nossos".
políticas, currículos, propostas p e d a g ó g i c a s ou discursos
Nossas ações e c o n c e p ç õ e s funcionavam, e n t ã o , pela
"alternativos". Por u m motivo bem simples: n ã o que te-
via de u m modelo espacial, no sentido tópico, em cima/em-
nhamos fracassado, mas, porque, em função de muitos
baixo, dentro/fora, ou no sentido m é t r i c o , perto/longe...
fatores - pertinentes à nossa c o n d i ç ã o histórica, profissio-
do poder dominante da burguesia, p r o p r i e t á r i a dos mei-
nal e subjetiva - , perdemos o r u m o , os limites e o diferen-
os de p r o d u ç ã o . Existiam "eles", nossos inimigos capita-
cial que nos p e r m i t i a m distinguir o que era "oficial" do
listas, claramente identificáveis, e " n ó s " . "Eles" ocupa-
que era "alternativo".
vam o centro de poder, que formava e consolidava a or-
dem social dividida em classes a n t a g ó n i c a s . Dentre ou-
Tempos "fáceis" aqueles! tros aparelhos ideológicos de Estado, tal centro usava a
escola para inculcar valores, condutas, modos de vida e
Desde o final dos anos 60, vivíamos, no campo educa- conhecimentos a i n d i v í d u o s destinados à p r o l e t a r i z a ç ã o .
cional crítico, uma " e x p l o s ã o " de teorias e práticas. T e o - Contra o centro "deles", o p ú n h a m o s a nossa insubordi-
rias da r e p r o d u ç ã o e c o n ó m i c a . Nova Sociologia da Edu- n a ç ã o de dominados/as críticos/as. A p ó s o necessário sui-
cação e do C u r r í c u l o . O p o s i ç ã o à política dos governos cídio de classe pequeno-burguesa, p r o p ú n h a m o s as "nos-
militares. Pedagogia libertadora e dos c o n t e ú d o s . T e o - sas" pedagogias, didáticas, metodologias, planejamentos,
rias da resistência. Práticas de e d u c a ç ã o para a cidadania. avaliações, utopias. T r a b a l h á v a m o s pela escola conscien-
Pesquisa-ação. Planejamento participativo. Movimento de tizadora que q u e r í a m o s e pelos sujeitos contestadores que
reconceptualização do currículo. Educação, trabalho e de- d e s e j á v a m o s formar.
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Do centro de seu poder "eles" p r o p u n h a m e imple- Tempos " d i f í c e i s " estes!
mentavam o " C u r r í c u l o Oficial": b u r o c r á t i c o , ideologica-
mente tecnicista, hegemonicamente explorador, repro- Hoje, nestes tempos da nova o r d e m m u n d i a l , de capi-
d u t o r de privilégios, p r o d u t o r de desigualdades. Contra talismo tardio e m escala global, de neoliberalismo gover-
sua autoridade, p r o d u z í a m o s os "Nossos C u r r í c u l o s " : al- namental e de soberania do mercado transnacional, n ã o
ternativos, marginais, paralelos, nascidos das bases. Estes h á mais u m centro fixo: seja ele de poder, de p r o d u ç ã o e
sim, c u r r í c u l o s arduamente produzidos como populares, trabalho, de capital e cultura, de f o r m a ç ã o dos sujeitos. O
e m a n c i p a t ó r i o s , r e v o l u c i o n á r i o s , socialistas. C u r r í c u l o s , conceito de "centro" é pensado como em modificação
que davam s u s t e n t a ç ã o às lutas políticas dos movimentos constante, como local n ã o fixo, como u m n ã o - l u g a r . N ã o
sociais, às identidades dos novos sujeitos da história e aos existe mais nenhuma d i n â m i c a central que explique todo
sonhos progressistas de uma futura sociedade d e m o c r á t i - o funcionamento da vida social. N ã o h á u m ú n i c o eixo
ca, mais justa e igualitária. dos processos culturais, porque os eixos estão em toda
parte, o u n ã o existem. N ã o h á explicações causais, radi-
Essa d i f e r e n c i a ç ã o entre "eles" e " n ó s " - que, hoje,
cadas nos processos e c o n ó m i c o s , que justifiquem os resul-
parece t ã o "fácil" - se, de u m lado, nos dotava de forças
para p r o d u z i r teorias e p r á t i c a s alternativas ao poder tados educacionais. N ã o h á mais enraizamento, n e m raí-
central, de outro n ã o p e r m i t i a que nos l i b e r t á s s e m o s da zes; só rizomas, só redes de poder que movem o m u n d o .
o p o s i ç ã o "oficial x alternativo". Pois, o m á x i m o que con- Redes do capital financeiro, de controle ao ar livre, do ci-
s e g u í a m o s , e n t ã o , como educadoras/es críticas/os, era, b e r e s p a ç o como o nosso atual l a b o r a t ó r i o metafísico.
simplesmente, inverter a valorização h i e r á r q u i c a dos ter- Este é u m tempo de reciclagens de ideologias, conheci-
mos b i n á r i o s . A o invés de privilegiar o termo "oficial", o mentos, c o m u n i c a ç ã o . De novas tecnologias, hipertextos,
d e s v a l o r i z á v a m o s , como u m "mal", elegendo o "alternati- tecnocultura, dispositivos interativos, ambientes telemáti-
vo". A este, a t r i b u í a m o s o c a r á t e r de "verdade", de "bem", cos, luta de classes no silício. T e m p o de reconfiguração e
de "autenticidade". abolição de fronteiras entre ciência e ficção, público e p r i -
E n t o r t á v a m o s a tal "vara de L ê n i n " - como dizia al- vado, material e imaterial, humano e sobre-humano, natu-
g u é m da é p o c a - para o lado de "nossos" currículos alter- ral e sobrenatural. De fomento de novas linhas divisórias,
nativos. " L e g í t i m o s " eram somente aqueles que v i n h a m repetição de marginalizações ancestrais, m u d a n ç a s em nos-
de baixo para cima, de fora para dentro, de longe para sa ecologia física, cognitiva, afetiva, ética. De apogeu do lo-
perto do poder, que q u e r í a m o s fortalecer nas classes ex- calismo, da descentralização, da pura abstração codificada,
ploradas da sociedade. C o m este movimento, o que n ã o da m e s t i ç a g e m subjetiva. De simulação de mundos, simu-
fazíamos era desconstruir a o p o s i ç ã o "alternativo x ofici- lacros de imagens, pastiches objetais, virtualização das rea-
al". Por q u ê ? Porque ainda p o d í a m o s , t í n h a m o s condi- lidades, simbiose entre m á q u i n a e organismo.
ções de essencializar tanto u m quanto o outro termo, e as-
Neste tempo de eus saturados, monstros e ciborgues,
sim acreditar que existiam, em si mesmos, u m c u r r í c u l o
m a n i p u l a ç õ e s g e n é t i c a s , identidades clônicas do antigo
"oficial" e u m ou vários "alternativos". Se esta era uma l i -
humano moderno, Frankenstein n ã o nos mete mais medo.
m i t a ç ã o de nossa lógica b i n á r i a , ao menos ela impedia
Neste m u n d o p ó s - h u m a n o , t a m b é m o Big Brother e o Pa-
que fôssemos colocados/as, como hoje, diante do(s) ris-
nopticon n ã o p o d e m mais representar o poder. Este poder
co(s) da dissolução de fronteiras.
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BIBLIOTECA SETORIAL DE EDUCAÇÃO
de agora é menos visível, mais insidioso, sem centro fixo.
N e m p o r isto, é menos d u r o e implacável. N e m p o r isto, lar/RS, foi feita por sua p r o x i m i d a d e geográfica, p a r t i d á -
deixa de ser eficaz e eficiente, em seus privilegiamentos, ria e política. Embora, de meu ponto de vista, possa funcio-
abjeções e forclusões. Este é o tempo que nos é p r ó p r i o e nar como "exemplar". N ã o por ser u m "modelo", mas
comum. De nosso m u n d o p ó s - i n d u s t r i a l i z a d o , que to- p o r conter a possibilidade de representar outras propos-
das/os ajudamos a produzir, e cujo á p i c e de superprodu- tas educacionais e curriculares, que se p r o p õ e m a serem
ção e hiperconsumo do N o r t e encontra c o r r e s p o n d ê n c i a de esquerda, d e m o c r á t i c a s , populares, participativas, c i -
na h i p e r p a u p e r i z a ç ã o do Sul (cf. Gergen, 1992; Piscitelli, d a d ã s : n u m a palavra, "alternativas".
1995; Sarup, 1995; Silva, 2000). De modo intencional, vou enfatizar as similaridades
Porque somos sujeitos desta é p o c a e de nenhuma ou- encontradas no texto dessas duas propostas, n ã o para ne-
tra, n ã o conseguimos experienciar mais a E d u c a ç ã o e a gar as suas diferenças, pois elas existem. Mas, para forne-
Pedagogia do mesmo j e i t o que antes. Por isto, as pratica- cer alguns elementos que nos p e r m i t a m refletir sobre o
mos, enquanto os novos seres h í b r i d o s que somos. Seres que vem acontecendo com nossos currículos de educado-
que, dentre outras características, possuem, em seus faze- res/as críticos/as, que fazem oposição à política social, eco-
res, pensares e dizeres, u m a p o r ç ã o de currículo "oficial" n ó m i c a e curricular do Governo Federal. E que acabam
e outra p o r ç ã o de c u r r í c u l o "alternativo". Ao perdermos p r o p o n d o quase a mesma E d u c a ç ã o que a deste Governo.
os fatores distintivos, entre "oficial" e "alternativo", nos- A l é m das dificuldades, bem concretas, relativas à f o r m a ç ã o
sos currículos passam a ser representados pelo t r a ç o de e valorização dos/as professores/as, ao financiamento e à
u n i ã o que liga, agora, as duas palavras. gestão pública da Educação, ao marcar as s e m e l h a n ç a s dos
discursos, buscarei diagnosticar mais esta dificuldade que
Se isso que acabo de escrever merece o c r é d i t o de, m i - enfrentamos, hoje, no campo educacional: o a m á l g a m a
nimamente, parecer plausível, o que este trabalho d e v e r á entre o currículo oficial e os nossos, alternativos.
fazer, daqui a t é o seu final, é demonstrar alguma m a n i -
festação desse sinal diacrítico, encarar esse risco à risca e E m p r i m e i r o lugar, examino duas cartas de Apresenta-
avaliar os riscos de tal t r a ç a d o . ção aos/às professores/as, escritas, respectivamente, pela
Secretária de Educação do Rio Grande do Sul e pelo M i -
nistro da E d u c a ç ã o e do Desporto do Brasil (cf. Estado-RS,
Dor do hífen: PCNs-Constituinte Escolar/RS 1999: 4; Brasil, 1998b: 5). Neste momento, identifico estas
cartas; agrupo os seus parágrafos, sob títulos que deles ex-
Por mais que isto me doa - e " d ó i " - , realizarei o exer- traí; e destaco, em grifo, aquilo que considerei suas simila-
cício analítico de buscar similaridades discursivas entre o ridades discursivas (V. Anexo - 1. Duas cartas).
currículo nacional, expresso nos PCNs, e o " M o v i m e n t o
Constituinte Escolar". Movimento de "construção da Esco- E m seguida, apresento alguns fragmentos das propos-
la D e m o c r á t i c a e Popular", que "visa a definição de p r i n - tas curriculares dos PCNs e da Constituinte Escolar/RS.
cípios e diretrizes para a e d u c a ç ã o da rede p ú b l i c a esta- Para organizá-los, selecionei enunciados dos dois currí-
dual", do governo petista do Rio Grande do Sul (Esta- culos, reuni-os em temáticas, sob u m título comum, e su-
do-RS, 2000a: s.p.). Esta escolha, da Constituinte Esco- p r i m i os seus dados de identificação. Procedi deste modo,
pretendendo convidá-los/as para u m "jogo". Este consiste
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2) As duas propostas são "oficiais" - P o d e r á ser objetado:
em identificar qual proposta educacional é de quem. Qual Ora, ela n ã o p ô d e demonstrar n e n h u m "hífen", porque
é a do Governo F H C , e qual é a do Governo Olívio Dutra? n ã o examinou nenhuma proposta "alternativa". As duas
(V. Anexo.) propostas são oficiais, no sentido de "estatais". U m a , do
E s t a d o - U n i ã o , outra de u m Estado-Unidade da Federa-
ção. Ambas ocorrem dentro de instituições que servem
T u d o errado? Arrisco
aos interesses do Estado. S ã o c o n s t i t u í d a s p o r p r á t i c a s da
esfera pública que, n u m a sociedade globalizada, como a
Muitas objeções p o d e r ã o ser levantadas contra este
nossa, n ã o t ê m como se distinguir. Ambas as propostas
m o d o de análise. E u n ã o posso dar conta de todas, e n e m
dependem de financiamentos p ú b l i c o s e privados, pauta-
quero, pois n ã o é esta a m i n h a tarefa. Indico apenas
dos p o r critérios ú n i c o s de mercado. Ambas t ê m como le-
aquelas que, penso, p o d e r ã o nos ajudar a elucidar me-
gislação a c u m p r i r a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
l h o r o trabalho realizado.
Nacional, que estabeleceu, e m 1996, que a " e d u c a ç ã o , de-
1) Pra não dizer que não vi diferenças - Embora sejam ver da família e do Estado, inspirada nos p r i n c í p i o s de l i -
poucas as diferenças - ou eu n ã o as procurei, p o r u m a berdade e nos ideais de solidariedade humana, tem p o r
q u e s t ã o de " m é t o d o " - , no texto dos PCNs h á referências finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
aos "valores sociais do trabalho e da livre iniciativa". Apa- preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
rece t a m b é m a natureza e c o n ó m i c a da e d u c a ç ã o e da cul- para o trabalho". A Secretaria do RS, assim como todas as
tura: " E m função de u m a economia dependente, n ã o se secretarias estaduais e municipais de E d u c a ç ã o do Brasil,
desenvolveu [na sociedade brasileira] u m a cultura e u m t a m b é m está implicada no Plano Decenal de Educação para
sistema educacional que pudessem fortalecer a econo- Todos (1993-2003), que f o r m u l o u u m conjunto de d i r e t r i -
mia, fazendo-a caminhar para a auto-suficiência" (Brasil, zes políticas voltado para a r e c u p e r a ç ã o da escola funda-
1998b: 19). Ambos os tópicos n ã o são encontrados no mental do país.
texto da Constituinte Escolar/RS.
N o plano internacional, ambas as propostas estão atre-
Assim como n ã o constam dos PCNs os seguintes ladas à Unesco, ao Unicef, ao P N U D , ao Banco Mundial.
"pressupostos" da Constituinte Escolar/RS: 1) "Radicali- Subordinam-se ao compromisso assumido pelo Brasil, na
zação da democracia como objetivo estratégico de u m go- Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na
verno de esquerda, c o m p r o m e t i d o com os interesses da T a i l â n d i a , em 1990, que exigiu: "tornar universal a educa-
maioria - as classes populares - estimulando a co-gestão ção fundamental e ampliar as oportunidades de aprendi-
da esfera pública na d i r e ç ã o da soberania e controle po- zagem para crianças, jovens e adultos". Ambas são signatá-
pular sobre o Estado". 2) " U t o p i a como sonho impulsio- rias da Declaração de Nova Delhi, assinada pelos nove países
nador da e d u c a ç ã o e da escola que queremos e t a m b é m "em desenvolvimento", de maior contingente populacio-
do projeto de desenvolvimento s ó c i o - e c o n ô m i c o susten- nal do mundo, e que reconheceu "a e d u c a ç ã o como instru-
tável, possível e n e c e s s á r i o para a imensa maioria de mar- mento proeminente da p r o m o ç ã o dos valores humanos
ginalizados e explorados do sistema capitalista. A utopia universais, da qualidade dos recursos humanos e do res-
enquanto força impulsionadora da sociedade que quere- peito pela diversidade cultural" (Brasil, 1998b: 19).
mos construir" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
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- Isso pode estar certo. O que ainda contraponho a limitado de especialistas e consultores. J á no processo da
esta objeção é que a política educacional do Rio Grande Constituinte Escolar/RS, está havendo, desde abril de
do Sul, embora estatal, p r o p õ e - s e a ser "alternativa", no 1999, " u m processo de ampla p a r t i c i p a ç ã o popular de to-
sentido de fazer oposição à política do MEC. A CE/RS faz dos os segmentos da comunidade escolar e representa-
u m a o p ç ã o declarada pelas classes populares, como p ô d e ções da sociedade civil". Neste ano, a CE/RS realizou o
ser constatado pelos "pressupostos" de "radicalização da "Estudo da Realidade" e o "Resgate de Práticas P e d a g ó -
democracia" e de "utopia". E n t ã o , como a Constituinte o
gicas". Este " 2 M o m e n t o " p r o p i c i o u que "cada comuni-
usa quase o mesmo discurso que o c u r r í c u l o nacional, dade" refletisse "o seu fazer cotidiano e h i s t ó r i c o " e visua-
com que antagoniza? O dos PCNs n ã o integra a t r a d i ç ã o lizasse "os principais conflitos e dificuldades nele existen-
neoliberal em políticas da E d u c a ç ã o ? O u t a m b é m se des- tes". Foram escolhidos e n t ã o "25 Temas", que se articula-
tina aos grupos explorados da sociedade brasileira? O u r a m a "4 T e m á t i c a s , para serem aprofundados".
t a m b é m é de u m "governo de esquerda, c o m p r o m e t i d o
E m 2000, a Secretaria de E d u c a ç ã o / R S i m p l e m e n t o u
com os interesses da maioria?"
o
o " 3 M o m e n t o da Constituinte Escolar", denominado
3) Semânticas diferentes de um mesmo vocabulário - Pode- "Aprofundamento das T e m á t i c a s " . Nele houve "a devo-
o
lução da sistematização do 2 M o m e n t o e discussão dos
r á ser dito: O que o c u r r í c u l o nacional concebe como "ci-
dadania", "democracia", "participação", "professor", "cur- Temas e T e m á t i c a s " , p o r meio do Texto-base para as
rículo", n ã o é, de modo n e n h u m , a mesma coisa que u m pré-conferências municipais e microrregionais da Educação
Governo de esquerda concebe. Se os vocábulos s ã o os (Estado-RS, 2000c). T a l documento é "fruto da sistemati-
zação do 'Aprofundamento [...]', realizado pelas escolas,
mesmos, suas significações diferem. E n t ã o , nada daquela
passando p o r 31 S e m i n á r i o s Regionais de Sistematização
o r g a n i z a ç ã o - temáticas, títulos, destaques - é válido.
nas Delegacias de E d u c a ç ã o e na Secretaria da Educa-
- A questão é que, sim, pode ser isto: conceitos conce- ção/RS e p o r u m a sistematização em nível estadual". Este
bidos de modos diferentes. O problema é que as palavras texto buscou contemplar "o conjunto das e l a b o r a ç õ e s e
t ê m história, e, por ela, são dotadas de significações que, se p r o p o s i ç õ e s da comunidade escolar em todo o Estado", e
são fluidas e negociadas, t a m b é m fixam determinada rea- foi discutido nas p r é - c o n f e r ê n c i a s municipais, microrre-
lidade, modos de ser, pensar e agir. As palavras cons- gionais e regionais.
troem, controlam e regulam as coisas e os indivíduos, de o
O " 4 M o m e n t o da CE/RS" foi o de "Definição dos
u m modo específico, e n ã o de outros. Nos "ditos" dos dois P r i n c í p i o s e Diretrizes", desenvolvido na " C o n f e r ê n c i a
textos, encontrei uma dissipação da diferença. As mesmas Estadual de E d u c a ç ã o " , realizada em Porto Alegre, de 24
palavras são enunciadas pelos dois Governos. E n t ã o , per- a 26 de agosto. Conforme o seu Regimento, desta Confe-
gunto: Se são opositores políticos, u m do outro, n ã o deve- r ê n c i a participaram "integrantes da comunidade escolar
r i a m ter, cada um, o seu p r ó p r i o vocabulário? (pais, alunos, professores e funcionários), dos Movimentos
Popular e Sindical, das Instituições de Ensino, dos Ó r g ã o s
4) Processos diferentes - A l g u é m p o d e r á lembrar: -
Públicos, das O r g a n i z a ç õ e s N ã o - G o v e r n a m e n t a i s , dos Fó-
U m a das críticas mais recorrentemente feitas aos PCNs
runs setoriais, demais segmentos da sociedade civil, auto-
referia-se à ausência de u m processo d e m o c r á t i c o e parti-
ridades, convidados oficiais e observadores" (Estado-RS,
cipativo, em sua e l a b o r a ç ã o , que ficou restrita a u m grupo
2000b: 8).
106
107
- Claro que, visivelmente, os processos de f o r m u l a ç ã o 6) Tudo errado - Por fim, u m e s p í r i t o mais "agudo" po-
dos PCNs e da CE/RS s ã o diferenciados, em termos de re- d e r á afirmar: Está tudo errado! N ã o é nada disso. Nunca
p r e s e n t a ç ã o e de p a r t i c i p a ç ã o . Mas, p o r isto mesmo, ain- foi. Só parece que é. Ela se enganou, redondamente. Eu
da posso insistir u m pouco mais, ao redor do ponto que só poderei retrucar: T u d o b e m . Apesar da ênfase c a t e g ó -
moveu este trabalho, e problematizar: N ã o é, no m í n i m o , rica nas s e m e l h a n ç a s das duas propostas curriculares,
"estranho" que, mesmo vivendo processos de e l a b o r a ç ã o como toda pesquisa educacional, a que subsidiou esta
tão distintos, os resultados discursivos das duas propostas analítica t a m b é m está sujeita ao questionamento e à des-
apresentem tantas similaridades? c o n s t r u ç ã o . De qualquer modo, acredito que ela possa ser
5) Não disse nada do currículo efetivo - P o d e r á ser for- uma c o n t r i b u i ç ã o , dentre tantas possíveis, sobre sua te-
mulada uma quinta objeção: Ela trabalhou "apenas" com m á t i c a e m é t o d o de análise. E, se for este o caso, que pos-
o discurso escrito dos dois currículos. Apenas com o currí- sa ser útil para u m debate que, diante do que descreveu,
culo formal, manifesto, explícito, oficial, com aquele que talvez se faça n e c e s s á r i o .
é dito que se faz, o u que deve ser feito. N ã o pesquisou o
c u r r í c u l o oculto, o real, em ação, o implícito, aquele que
costuma estabelecer distâncias entre o pretendido pela O risco à risca
burocracia educacional e o que ocorre nas escolas. Ela
Mesmo em face dessas objeções, e de outras que n e m
n ã o desceu ao nível da p r á t i c a curricular das salas de aula,
pude imaginar, prossigo argumentando que nossas p r o -
nem foi às p r á t i c a s coletivas da Comunidade Escolar do
postas curriculares atuais n ã o estão "entre" o oficial e o
RS, que realiza a "Democracia Participativa", em seu M o -
alternativo. Estão no meio, no t r a ç o de u n i ã o , no hífen de
vimento Constituinte.
ligação. Que elas são fusão, associação, c o m b i n a ç ã o . Que
- Desta vez, eu confirmarei: é isto mesmo. Fiz esta nossos currículos "alternativos", produzidos em quase
" o p ç ã o de m é t o d o " porque concebo "discurso", ao modo trinta anos de trabalho nas o r g a n i z a ç õ e s n ã o - g o v e r n a -
da teorização social e cultural c o n t e m p o r â n e a , como p r á t i - mentais, sindicatos, movimentos sociais, escolas, vilas, u n i -
ca objetivadora e construcionista, disposta por técnicas de versidades, estão lá, presentes e encravados no c u r r í c u l o
poder, modos de saber e efeitos de verdade. Entendi o dis- nacional. E que este, "oficial", está t a m b é m aqui, nos cur-
curso curricular como tendo uma função governamental, rículos que organizamos e implementamos, e que ensina-
que inscreve formas calculadas de ação sobre as condutas e mos a organizar e a implementar.
relações de cada indivíduo e da p o p u l a ç ã o , para atingir
Quando a equipe "que coordenou a e l a b o r a ç ã o dos
certos objetivos sociais e políticos. U m discurso vinculado a
PCNs", comentou "algumas das restrições feitas a seu tra-
tecnologias de governo, que habilitam os indivíduos a vive-
balho", disse que a F u n d a ç ã o Carlos Chagas, a serviço do
rem tipos particulares de experiências, e a se tornarem de-
MEC, analisou "propostas curriculares oficiais existentes
terminados tipos de sujeitos. Trabalhei com tal discurso
em todos os Estados do Brasil, a l é m de algumas munici-
como u m dispositivo da g o v e r n a m e n t a l i z a ç ã o (neo)liberal,
pais". E que encontrou "uma grande identidade entre vá-
que vem transformando o campo do currículo numa nova,
rios currículos", a qual foi incorporada aos PCNs. Isto,
abrangente e eficaz tática de governo do Estado, dos/as
conforme a equipe do M E C , refutaria a crítica de que o
outros/as e de cada um/a (cf. Corazza, 2000b).
currículo nacional n ã o acolheu nem refleliu "movinien-
108
109
tos ou e x p e r i ê n c i a s " que j á estavam "acontecendo na so- liberalizados". Que eles dizem a mesma coisa que aqueles
ciedade brasileira". c u r r í c u l o s contra os quais lutamos. Que, talvez, j á tenha
A equipe n ã o se enganou. Quem, como n ó s , forma chegado o tempo em que a dissipação das diferenças nos
docentes para a e d u c a ç ã o fundamental, pode negar que, leva a n ã o saber mais quem somos, o que queremos, o que
neste trabalho, durante a d é c a d a de 80 e boa parte de 90, propomos. E m que a d i s p e r s ã o dos limites nos leva a n ã o
n ã o adotava, "por influência de uma perspectiva social e identificar mais pelo que educamos e estudamos, pesqui-
política", uma "proposta curricular voltada para a forma- samos e escrevemos, lutamos e vivemos.
ção da cidadania plena"? O u , quem pode negar que edu-
cava as/os educadoras/es, a p a r t i r de "uma proposta psi-
Avaliar o traçado
c o p e d a g ó g i c a " que considerava "o aluno como ser pen-
sante" e defendia "a ideia de trabalhar com a criança, des-
Para des-montar, des-fazer, dis-juntar o que está aí,
de pequena", com o objetivo de que ela fosse "capaz de
r e p r e s e n t a d o p e l o t r a ç o de u n i ã o e n t r e c u r r í c u l o a l -
construir sua autonomia"? - como a equipe do M E C afir-
t e r n a t i v o - o f i c i a l , penso que podemos avaliar, no sentido
m o u . As "bases psicologizantes e cognitivistas" dos PCNs
nietzscheano de "criar". Duvidar de pretensos valores
n ã o estavam t a m b é m presentes em nossas aulas? Por isto,
educacionais em si. Questionar o absolutismo dos valores
a equipe p ô d e afirmar que era "verdadeira a crítica" so-
de toda t r a d i ç ã o educacional crítica, que nos formou.
bre tais bases. Pois, acrescentava, se "o professor n ã o bus-
A f i r m a r a relatividade de valores tais como: direitos hu-
car compreender a natureza e a característica do pensa-
manos, democracia, cidadania, escolarização. Avaliar o
mento do seu aluno sobre os objetos de aprendizagem es-
valor de nossas ações e convicções, pautadas por estes va-
colar, n ã o p o d e r á planejar u m a a t u a ç ã o adequada" (cf.
lores. Suspeitar que a autonomia e a liberdade n ã o t ê m
Sanchez, 1997). Quem, nas faculdades de e d u c a ç ã o , n ã o
u m valor p o r sua natureza, mas que receberam u m dia va-
acreditou ou ensinou isto, a l g u m dia?
lor, e que fomos n ó s as/os doadoras/es. Doadores/as que
N ã o p a r t i l h o da p o s i ç ã o que postula que fomos " n ó s " , forneceram valor e sentido às palavras que estão tanto no
educadores/as críticos/as, quem elaboramos os "funda- c u r r í c u l o nacional quanto na constituinte escolar do Rio
mentos p s i c o p e d a g ó g i c o s , s o c i o a n t r o p o l ó g i c o s e episte- Grande do Sul. Que foi nossa avaliação que atribuiu valor
m o l ó g i c o s " , presentes nos PCNs. Fundamentos, que nos a esses valores. E que, portanto, ao pô-los em q u e s t ã o , po-
foram expropriados. Que "elas/es" nos tiraram, a p r o p r i - deremos p r o p o r novos p r i n c í p i o s de avaliação.
aram-se, assimilaram os resultados de nosso trabalho e
a c ú m u l o s críticos. T a m b é m n ã o é possível aceitar que fo- Fazendo isto - por mais que doa, e " d ó i " - , estaremos,
r a m "elas/es" que elaboraram e estabeleceram tais funda- p r i m e i r o , aceitando que estamos implicadas/os, sim, nes-
mentos no currículo oficial. Afinal, n ã o p o d e m tanto. T o - se risco/traço, e correndo os riscos do hibridismo políti-
dos/as n ó s fizemos, mantivemos, perpetuamos. Este é o co-educacional. Em segundo lugar, estaremos mais ap-
" h o r r o r " do hibridismo educacional e p e d a g ó g i c o , que tos/as para exercitar nossa força criativa e p r o d u z i r currí-
nos constitui atualmente. Este é o nosso " h o r r o r " político: culos que ainda n ã o existem. Para apontar nossas flechas
descobrir que aqueles cuniculos, que considerávamos "nos- e anseios a outras linguagens e teorias, diferentes concei-
sos", estão t a m b é m "capitalizados", "globalizados", "neo- tos e perspectivas, outros personagens e planos de iina-
110 1)1
n ê n c i a , novos modos de fazer pesquisa, de realizar a for- Entrega do ponto de partida
m a ç ã o docente, de praticar o c u r r í c u l o .
"Ao submeter, agora, à comunidade educacional g a ú -
Ao exercer nossa vontade criadora, justamente naqui- cha e, em especial, aos nossos educadores, o resultado
lo que nos é mais difícil de superar, poderemos, quem desse trabalho, ressaltamos, p o r o p o r t u n o , ainda, a cir-
sabe, inventar, mais u m a vez, a diferença. E n t ã o , desfazer c u n s t â n c i a de ser ele, na verdade, u m p o n t o de partida
o risco de ligação, que fez com que nossos currículos dei- para que, j u n t o s , possamos construir u m novo tempo
xassem de ser não-oficiais. Para isto, i m p o r t a perguntar para a e d u c a ç ã o no Rio Grande do Sul" (Estado-RS,
se tudo o que vimos, a t é agora, nas propostas curricula- 1999:4).
res, é tudo o que pode ser visto, e se tudo o que dissemos é
" [ . . . ] é com imensa satisfação que entregamos aos p r o -
tudo o que pode ser dito. Fabricar outros óculos e outra
fessores [...] os P a r â m e t r o s Curriculares Nacionais, com a
linguagem para ver e dizer as coisas e as palavras de "nos-
i n t e n ç ã o de ampliar e aprofundar u m debate educacional
sos" c u r r í c u l o s . Sabendo que, se o seu t r a ç a d o chegou a t é
que envolva escolas, pais, governos e sociedade e d ê o r i -
aqui, assim, é porque, como tal, foi criado. Se foi criado
gem a u m a t r a n s f o r m a ç ã o positiva no sistema educativo
assim, p o d e r á ser t r a ç a d o de outros modos.
brasileiro" (Brasil, 1998b: 5).
Esperanças
Anexo I
"Espera-se que o mesmo se constitua n u m instrumen-
to de encontro, a p a r t i r do qual, professores, alunos, es-
1. Duas cartas pecialistas possam construir, coletiva e democraticamen-
te, a e d u c a ç ã o que queremos, e cuja c o n s e c u ç ã o passa
hoje, necessariamente, pelo estabelecimento de u m Pa-
Importância do currículo
d r ã o Referencial de C u r r í c u l o " (Estado-RS, 1999: 4).
"A Secretaria de Estado da E d u c a ç ã o , através deste do- "Esperamos que os P a r â m e t r o s sirvam de apoio às
cumento, p r o p õ e à comunidade educacional g a ú c h a o de- discussões e ao desenvolvimento do projeto educativo de
bate, o aprofundamento e a reflexão em torno de u m tema sua escola, à reflexão sobre a p r á t i c a p e d a g ó g i c a , ao pla-
de indiscutível i m p o r t â n c i a para a e d u c a ç ã o brasileira e nejamento de suas aulas, à análise e seleção de materiais
rio-grandense: o currículo escolar" (Estado-RS, 1999: 4). didáticos e de recursos tecnológicos e, e m especial, que
"O papel fundamental da e d u c a ç ã o no desenvolvi- possam contribuir para sua f o r m a ç ã o e atualização pro-
mento das pessoas e das sociedades amplia-se [...] e apon- fissional" (Brasil, 1998b: 5).
ta para a necessidade de se construir u m a escola voltada
para a f o r m a ç ã o de c i d a d ã o s . [...] T a l demanda i m p õ e Processo de avanços
uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho coti-
dianamente realizado pelos professores e especialistas "Nabusca deste P a d r ã o Referencial de C u r r í c u l o , mui-
em e d u c a ç ã o do nosso p a í s " (Brasil, 1998b: 5). tos passos foram dados. Dentre eles, destaca-se a propos-
112 113
ta de R e c o n s t r u ç ã o C u r r i c u l a r [...]. Esta caminhada p r o - "Inicialmente foram elaborados documentos, em
duziu avanços na p r á t i c a p e d a g ó g i c a de muitos professo- v e r s õ e s preliminares, para serem analisados e debatidos
res, avanços estes que se deseja estendidos a todas as esco- p o r professores que atuam em diferentes graus de ensi-
las. A l é m disso, é de considerar as p r o d u ç õ e s realizadas no, p o r especialistas da e d u c a ç ã o e de outras á r e a s , a l é m
nos ú l t i m o s anos, no que se refere a c o n t e ú d o s m í n i m o s , de instituições governamentais e n ã o - g o v e r n a m e n t a i s "
seja de â m b i t o estadual, m u n i c i p a l ou p r i v a d o " (Esta- (Brasil, 1998b: 5).
do-RS, 1999: 4).
"Os documentos apresentados são o resultado de u m 2. E d u c a ç ã o inclusiva
longo trabalho que contou com a p a r t i c i p a ç ã o de muitos
educadores brasileiros e t ê m a marca de suas e x p e r i ê n - "Até hoje é uma sociedade [...] marcada p o r relações
cias e de seus estudos, p e r m i t i n d o assim que fossem p r o - sociais hierarquizadas e p o r privilégios que reproduzem
duzidos no contexto das discussões p e d a g ó g i c a s atuais" u m altíssimo nível de desigualdade, injustiça e exclusão
(Brasil, 1998b: 5). social. N a medida em que boa parte da p o p u l a ç ã o [...]
n ã o tem acesso a c o n d i ç õ e s de vida digna, encontra-se ex-
Revisão periódica do todo c l u í d a da plena p a r t i c i p a ç ã o nas decisões que determi-
nam os rumos da vida social [...]. E nesse sentido que se
"Enfatiza-se, ainda, que na f o r m a l i z a ç ã o deste docu- fala de a u s ê n c i a de cidadania, cidadania excludente ou
mento, esta Secretaria teve como p r o p ó s i t o reunir, resga- regulada [...] (Brasil, 1997a: 21).
tar e recompor n u m todo, h a r m ó n i c o e objetivo, n ã o só
"[Que] a e d u c a ç ã o se posicione na linha de frente da
os passos de muitos que nos precederam nesta j o r n a d a ,
luta contra as exclusões, c o n t r i b u i n d o para a p r o m o ç ã o e
mas t a m b é m , os estudos e f o r m u l a ç õ e s pertinentes às
i n t e g r a ç ã o de todos os brasileiros, voltando-se à constru-
á r e a s de e d u c a ç ã o e c u r r í c u l o produzidos p o r seu Depar-
ção da cidadania, n ã o como meta a ser atingida n u m futu-
tamento P e d a g ó g i c o " (Estado-RS, 1999: 4).
ro distante, mas como p r á t i c a efetiva" (Brasil, 1998b: 21).
"As críticas e sugestões apresentadas c o n t r i b u í r a m para
" [ . . . ] o aprofundamento do Capitalismo [...] e com o
a e l a b o r a ç ã o da atual v e r s ã o , que d e v e r á ser revista perio-
a v a n ç o e a c o n c e n t r a ç ã o tecnológica, com a e s p e c u l a ç ã o
dicamente, com base no acompanhamento e na avaliação
financeira, a e x p l o r a ç ã o e o desrespeito aos direitos, [...],
de sua i m p l e m e n t a ç ã o " (Brasil, 1998b: 5).
levaram a uma situação de miserabilidade, setores t ã o
significativos da p o p u l a ç ã o , que o modelo de r e g u l a ç ã o
Esforços do MEC social n ã o mais sustenta e m a n t é m a submissão do con-
j u n t o da p o p u l a ç ã o " (Estado-RS, 2000a: s.p.)
"Salienta-se, t a m b é m , o esforço do Ministério da Edu-
cação e do Desporto para o estabelecimento dos P a r â m e - " E d u c a ç ã o como u m direito de todos os c i d a d ã o s e ci-
tros Curriculares Nacionais, com o intuito de subsidiar d a d ã s , enfatizando principalmente a situação daqueles
todas as escolas brasileiras, no que se refere a u m progra- que, ao longo da história, tiveram este direito negado,
ma básico c o m u m de conhecimentos, como a p r ó p r i a de- n ã o conseguindo sequer entrar na escola ou que foram
n o m i n a ç ã o caracteriza" (Estado-RS, 1999: 4). dela e x c l u í d o s " (Estado-RS, 2000c: 5).
114 1IS
"[É] responsabilidade de todos a c o n s t r u ç ã o e a am-
3. E d u c a ç ã o de qualidade
pliação da democracia no Brasil" (Brasil, 1997a: 23).
" A e d u c a ç ã o de qualidade social, direito de todos e " [ . . . ] a Democracia em nível político e social [...] deve
dever do Estado, passa pela d e m o c r a t i z a ç ã o do acesso e ser u m regime político em que h á c o n d i ç õ e s efetivas de
garantia de p e r m a n ê n c i a e aprendizagem, na Escola Pú- socialização do poder" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
blica, independente da faixa etária, etnia, g é n e r o , o p ç ã o
" [ . . . ] que t e m na d e m o c r a t i z a ç ã o da escola seu eixo
sexual o u c o n d i ç ã o social" (Estado-RS, 2000c: 11).
central, do qual deriva o compromisso político com a via-
"Essa escola deve garantir a qualidade social da edu- bilização de u m intenso projeto participativo para con-
cação, assegurando a aprendizagem para todos [...]" cretizar u m ensino de qualidade social, vinculado à reali-
(Estado-RS, 1999: 2). dade e articulado com o projeto de desenvolvimento para
o Brasil" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
" [ . . . ] cabe ao Poder Público garantir ensino de quali-
dade para todos" (Estado-RS, 2000a: s.p.). "Democratizar o ensino significa [...] assumir a educa-
ção p ú b l i c a como u m direito de todos os c i d a d ã o s e u m
" [ . . . ] meta de qualidade o r i e n t a r á o objetivo de contri-
dever do Estado" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
b u i r para tornar a instituição educacional u m e s p a ç o d i -
n â m i c o e vivo, no qual as crianças alcancem o desenvolvi- "Democratizar é construir participativamente u m p r o -
mento integral de suas personalidades, crescendo como j e t o de e d u c a ç ã o de Qualidade Social" [...] (Estado-RS,
c i d a d ã o s , cujos direitos são reconhecidos e respeitados" 2000a: s.p.).
(Brasil, 1998c).
" [ . . . ] u m a e d u c a ç ã o básica voltada para a cidadania. 5. Cidadania
Isso n ã o se resolve apenas garantindo a oferta de vagas,
mas sim oferecendo-se u m ensino de qualidade, ministra- "Durante d é c a d a s , as camadas populares tiveram sua
do p o r professores capazes de incorporar ao seu trabalho p a r t i c i p a ç ã o reduzida à eleição de representantes políti-
os a v a n ç o s das pesquisas nas diferentes á r e a s de conheci- cos [...]. Consolidou-se assim a Democracia Representati-
mentos e de estar atentos às d i n â m i c a s sociais e suas i m - va, cujo exercício do poder é delegado a algumas pessoas
plicações no â m b i t o escolar" (Brasil, 1998b: 9). eleitas [...]. [...] entendemos que a a m p l i a ç ã o e o aprofun-
damento da Democracia, exige que todos participem efe-
"[...] uma educação de qualidade, que garanta as apren-
tivamente das decisões tomadas para o conjunto da socie-
dizagens essenciais para a f o r m a ç ã o de c i d a d ã o s a u t ó n o -
dade" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
mos, críticos e participativos" (Brasil, 1998b: 21).
[Propõe-se] "a c o n s t r u ç ã o de u m a escola voltada para
o exercício pleno da cidadania em todos os níveis e moda-
4. Democracia
lidades de ensino" (Estado-RS, 1999: 2).
" [ . . . ] a democracia é uma forma de sociabilidade que "O compromisso com a construção da cidadania [...],
penetra em todos os espaços sociais" (Brasil, 1997a: 20). eixo vertebrador da e d u c a ç ã o escolar" (Brasil, 1997a: 15).
117
116
"Como p r i n c í p i o d e m o c r á t i c o , traz a n o ç ã o de cida- " [ . . . ] partilhar com os poderes p ú b l i c o s e diferentes
dania ativa, isto é, da complementaridade entre a repre- grupos sociais, organizados ou n ã o , a responsabilidade
s e n t a ç ã o política tradicional e a p a r t i c i p a ç ã o popular no pelos destinos da vida coletiva" (Brasil, 1997a: 23).
e s p a ç o p ú b l i c o [...]" (Brasil, 1997a: 22). " P a r t i c i p a ç ã o . Como p r i n c í p i o d e m o c r á t i c o , traz a
"[...] n o ç ã o de cidadania ativa, que tem como ponto de n o ç ã o de cidadania ativa [...]. E, nesse sentido, responsa-
partida a c o m p r e e n s ã o do cidadão como portador de direi- bilidade de todos a c o n s t r u ç ã o e a a m p l i a ç ã o da democra-
tos e deveres, mas que t a m b é m o vê como criador de direitos cia no Brasil" (Brasil, 1998a: 21).
participando na gestão pública" (Brasil, 1997a: 21). " [ . . . ] compreender a cidadania como p a r t i c i p a ç ã o so-
"O exercício da cidadania, que p r e s s u p õ e a participa- cial e política, assim como exercício de direitos e deveres
ção política de todos na definição de rumos que s e r ã o as- políticos, civis e sociais [...]" (Brasil, 1997a: 7).
sumidos [...], e que se expressa na escolha de represen- "[...] mostrar a i m p o r t â n c i a da participação da comu-
tantes políticos e governantes, mas t a m b é m na participa- nidade na escola, de forma que o conhecimento aprendi-
ção em movimentos sociais, no envolvimento com temas do gere maior c o m p r e e n s ã o , integração e inserção no m u n -
e q u e s t õ e s [...] em todos os níveis da vida cotidiana [...]" do; a p r á t i c a escolar comprometida com a i n t e r d e p e n d ê n -
(Brasil, 1998a: 21). cia escola-sociedade tem como objetivo situar as pessoas
como participantes da sociedade - cidadãos - desde o p r i -
"O papel fundamental da e d u c a ç ã o no desenvolvi-
meiro dia de sua escolaridade" (Brasil, 1998b: 10).
mento das pessoas e das sociedades [...] aponta para a ne-
cessidade de se construir uma escola voltada para a for- "As políticas públicas educacionais [...] devem ser cons-
m a ç ã o de c i d a d ã o s " (Brasil, 1998b: 5). t r u í d a s com a p a r t i c i p a ç ã o da comunidade escolar" (Esta-
do-RS, 2000c: 11).
" [ . . . ] plenitude da cidadania para todos" (Brasil,
1997c: 21). "Fortalecimento da p a r t i c i p a ç ã o da comunidade na
escola e da escola na comunidade, qualificando a integra-
" [ . . . ] o exercício da cidadania numa sociedade demo- ção escola-família-sociedade" (Estado-RS, 2000c: 8).
crática" (Brasil, 1997a: 65).
" C o n s t r u ç ã o de u m processo participativo de tomada
" [ . . . ] necessidade de garantir a todos a mesma d i g n i - de decisões administrativas, financeiras e p e d a g ó g i c a s [ . . . ] "
dade e possibilidade de exercício de cidadania" (Brasil, (Estado-RS, 2000c: 8).
1997b: 22).
"Escola como e s p a ç o coletivo de c o n s t r u ç ã o de direi-
tos e deveres (ética, valores, cidadania, responsabilida-
6. P a r t i c i p a ç ã o de), de exercício de democracia participativa, d i á l o g o ,
j u s t i ç a e igualdade" (Estado-RS, 2000c: 8).
"[...] cidadão [...], criador de direitos, condição que lhe
" E d u c a ç ã o como processo participativo de c o n s t r u ç ã o
possibilita participar da gestão pública" (Brasil, 1997a: 21).
e a p r o p r i a ç ã o do conhecimento e de tecnologias para
t r a n s f o r m a ç ã o da sociedade" (Estado-RS, 2000c: 13).
118 119
" P a r t i c i p a ç ã o da comunidade na c o n s t r u ç ã o de u m a r e n ç a s (étnicas, culturais, regionais, de g é n e r o , etárias,
e d u c a ç ã o e escola comprometidas c o m o desenvolvimen- religiosas, etc.) e desigualdades (socioeconómicas) que
to social" (Estado-RS, 2000c: 13). necessitam ser levadas em conta para que a igualdade
" P a r t i c i p a ç ã o p o p u l a r como m é t o d o de g e s t ã o das seja efetivamente a l c a n ç a d a " (Brasil, 1997a: 22).
políticas públicas na á r e a de e d u c a ç ã o , estimulando e ga- "Co-responsabilidade pela vida social. Implica parti-
r a n t i n d o c o n d i ç õ e s para a c o n s t r u ç ã o coletiva da educa- lhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais,
ção que queremos" (Estado-RS, 2000a: s.p.). organizados o u n ã o , a responsabilidade pelos destinos da
vida coletiva" (Brasil, 1997a: 23).
7. Movimentos sociais " A conquista de significativos direitos sociais, nas re-
lações de trabalho, p r e v i d ê n c i a social, s a ú d e , e d u c a ç ã o e
" [ . . . ] novos sujeitos políticos se constroem, enquanto moradia, amplia a c o n c e p ç ã o restrita de cidadania. Os
agentes de p r e s s ã o por m u d a n ç a : os sujeitos coletivos, movimentos sociais revelam as t e n s õ e s que expressam a
que passam a buscar o direito de reivindicar direitos, que desigualdade social e a luta pela crescente equidade na
se p r o p õ e m a construir u m a sociedade que responda aos p a r t i c i p a ç ã o ou a m p l i a ç ã o dos direitos, assim como da
interesses dos trabalhadores. Esses sujeitos s ã o os M o v i - r e l a ç ã o entre os direitos individuais e os coletivos e da re-
mentos Sociais Populares" (Estado-RS, 2000a: s.p.). lação entre os direitos civis, políticos, sociais e e c o n ó m i -
cos com os Direitos Humanos" (Brasil, 1998a: 20).
"A p r ó p r i a luta por E d u c a ç ã o , por escolas, por exem-
plo, o exercício desse direito de reivindicar direitos, cons-
trói nos sujeitos nova visão de sociedade, novas formas de 8. Pluralidade cultural
r e l a ç ã o entre si, u m a cultura política onde os trabalhado-
res se identificam, efetivamente, enquanto sujeitos históri- " [ . . . ] conhecer e valorizar a pluralidade do p a t r i m ô -
cos" (Estado-RS, 2000a: s.p.). nio sociocultural brasileiro, b e m como aspectos sociocul-
" [ . . . ] a cidadania deve ser compreendida como p r o d u - turais de outros povos e nações, posicionando-se contra
to de histórias sociais protagonizadas pelos grupos so- qualquer d i s c r i m i n a ç ã o baseada em diferenças culturais,
ciais, sendo, nesse processo, c o n s t i t u í d a por diferentes t i - de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras ca-
pos de direitos e instituições" (Brasil, 1998a: 19). racterísticas individuais e sociais" (Brasil, 1997a: 7).
"Novos atores, novos direitos, novas m e d i a ç õ e s e novas " [ . . . ] aprender a viver com os outros, que consiste em
instituições redefinem o espaço das práticas cidadãs, pro- desenvolver a c o m p r e e n s ã o do outro e a p e r c e p ç ã o das
pondo o desafio da s u p e r a ç ã o da marcante desigualdade i n t e r d e p e n d ê n c i a s , na realização de projetos comuns, pre-
social e e c o n ó m i c a da sociedade brasileira, com sua conse- parando-se para gerir conflitos, fortalecendo sua identi-
q u ê n c i a de exclusão de grande parte da p o p u l a ç ã o na par- dade e respeitando a dos outros, respeitando valores de
ticipação dos direitos e deveres" (Brasil, 1998a: 20). pluralismo, de c o m p r e e n s ã o m ú t u a e de busca da paz"
(Brasil, 1998b: 17).
"Igualdade de direitos [...]. Para tanto, h á que se con-
siderar o p r i n c í p i o da equidade, isto é, que existem dife- "Respeito à diversidade cultural, étnica, de g é n e r o e
o p ç ã o sexual, religiosa e política" (Estado-RS, 2000c: 8).
120
121
"A e d u c a ç ã o de qualidade social, d i r e i t o de todos e "Dignidade da pessoa humana. Implica em respeito
dever do Estado, passa pela d e m o c r a t i z a ç ã o do acesso e aos direitos humanos, r e p ú d i o à d i s c r i m i n a ç ã o de qual-
garantia de p e r m a n ê n c i a e aprendizagem, na Escola P ú - quer tipo, acesso a c o n d i ç õ e s de vida digna, respeito m ú -
blica, independente da faixa e t á r i a , etnia, g é n e r o , o p ç ã o tuo nas r e l a ç õ e s interpessoais, públicas e privadas" (Bra-
sexual ou c o n d i ç ã o social" (Estado-RS, 2000c: 11). sil, 1998a: 21).
"[...] adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,
9. Direitos humanos, valores humanistas c o o p e r a ç ã o e r e p ú d i o às injustiças, respeitando o outro e
exigindo para si o mesmo respeito" (Brasil, 1997a: 5).
" E d u c a ç ã o como base do desenvolvimento social, que
tem como centro o ser humano" (Estado-RS, 2000c: 13).
10. O sujeito da E d u c a ç ã o
"Valorização da vida com qualidade social e c o n d i ç ã o
digna de existência para todos" (Estado-RS, 2000c: 13). " [ . . . ] demanda uma e d u c a ç ã o de qualidade, que ga-
ranta as aprendizagens essenciais para a f o r m a ç ã o de ci-
" E d u c a ç ã o fundada em valores humanistas (solidarie-
d a d ã o s a u t ó n o m o s , críticos e participativos, capazes de
dade, j u s t i ç a social, honestidade, responsabilidade e res-
atuar com c o m p e t ê n c i a , dignidade e responsabilidade na
peito), como c o n d i ç ã o da c o n s t r u ç ã o social do conheci-
sociedade em que vivem e na qual esperam ver atendidas
mento" (Estado-RS, 2000c: 9).
suas necessidades individuais, sociais, políticas e e c o n ó -
"Dialogicidade como u m p r i n c í p i o ético-existencial micas" (Brasil, 1998b: 21).
de u m projeto humanista e solidário, respeitador das d i -
"Aprender a ser, para melhor desenvolver sua perso-
ferenças e da pluralidade de visões de m u n d o , p o r é m crí-
nalidade e poder agir com autonomia, expressando o p i -
tico e propositivo perante as desigualdades e injustiças
n i õ e s e assumindo as responsabilidades sociais" (Brasil,
sociais" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
1998b: 17).
"Nessa p r á t i c a de luta p o r direitos, de o r g a n i z a ç ã o e
"Posicionar-se de maneira crítica, r e s p o n s á v e l e cons-
mobilização dos trabalhadores, encontramos u m a nova
trutiva nas diferentes situações sociais, utilizando o d i á l o -
forma de r e l a ç ã o entre a E d u c a ç ã o e a c o n s t r u ç ã o do ser
go como forma de mediar conflitos e de tomar decisões
humano" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
coletivas" (Brasil, 1997a: 7).
"Possibilita [...] que seja resgatado o papel de cada u m
" E d u c a ç ã o como processo permanente de f o r m a ç ã o
enquanto sujeito do m u n d o que c o n s t r u í m o s a cada dia, e
de sujeitos a u t ó n o m o s , com p o s i ç ã o crítica frente às desi-
a partir do nosso dia-a-dia" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
gualdades e injustiças sociais" (Estado-RS, 2000c: 13).
" [ . . . ] reafirmamos o nosso compromisso com o apro-
" E d u c a ç ã o libertadora, formadora de sujeitos críticos e
fundamento do c a r á t e r humanista da escola [...] (Esta-
transformadores da realidade na perspectiva da constru-
do-RS, 2000a: s.p.).
ção de u m a sociedade mais justa" (Estado-RS, 2000c: 8).
122 123
" [ . . . ] formar sujeitos que façam da p r á t i c a da justiça, "Questionar a realidade formulando-se problemas e
da liberdade, do respeito humano, das relações fraternas tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamen-
entre homens e mulheres e da convivência h a r m ó n i c a to lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análi-
com a natureza, o centro de suas p r e o c u p a ç õ e s " (Esta- se crítica, selecionando procedimentos e verificando sua
do-RS, 2000a: s.p.). a d e q u a ç ã o " (Brasil, 1997a: 8).
"[Que a escola] seja u m espaço de práticas, de exercício "O compromisso c o m a c o n s t r u ç ã o da cidadania pede
e de conquista de direitos, de formação de sujeitos históri- necessariamente u m a p r á t i c a educacional voltada para a
cos, a u t ó n o m o s , críticos e criativos, cidadãos plenos, iden- c o m p r e e n s ã o da realidade social e dos direitos e respon-
tificados com os valores éticos e voltados à c o n s t r u ç ã o de sabilidades e m r e l a ç ã o à vida pessoal, coletiva e ambien-
u m projeto social solidário" (Estado-RS, 2000a: s.p.). tal" (Brasil, 1997a: 15).
"Concebemos a e d u c a ç ã o como u m processo de for- "Aprender a conhecer, que supõe saber selecionar, aces-
m a ç ã o e desenvolvimento da pessoa, que interage i n d i v i - sar e integrar os elementos de uma cultura geral [...] com o
dual e coletivamente [...]" (Estado-RS, 2000a: s.p.). trabalho em profundidade de alguns assuntos, com espírito
investigativo e visão crítica [...]" (Brasil, 1998b: 17).
11. C o n s t r u ç ã o do conhecimento
12. Recursos t e c n o l ó g i c o s
"[...] p a r t i c i p a ç ã o efetiva das camadas populares como
sujeitos de u m processo de p r o d u ç ã o de conhecimento e, "[...] apontar a necessidade do desenvolvimento de
ao mesmo tempo, de definições de políticas p ú b l i c a s " trabalhos que contemplem o uso das tecnologias da co-
(Estado-RS, 2000a: s.p.). m u n i c a ç ã o e da i n f o r m a ç ã o , para que todos, alunos e
professores, possam delas se apropriar e participar, bem
"Conhecimento universal compreendido como u m
como criticá-las e/ou delas usufruir" (Brasil, 1998b: 11).
direito de todos, c o n s t r u í d o coletivamente como proces-
so de desvelamento, a p r e e n s ã o e t r a n s f o r m a ç ã o da reali- " [ . . . ] saber utilizar diferentes fontes de i n f o r m a ç ã o e
dade e mediado pelo contexto histórico-social" (Esta- recursos tecnológicos para a d q u i r i r e construir conheci-
do-RS, 2000c: 9). mentos" (Brasil, 1997a: 8).
" C o n s t r u ç ã o do conhecimento c o m p r o m e t i d o com a "O acesso às tecnologias [...] deve possibilitar a quali-
t r a n s f o r m a ç ã o social, referenciado na realidade históri- ficação e inclusão social" (Estado-RS, 2000c: 11).
ca, em i n t e r a ç ã o com os diferentes saberes e valorização "Políticas p ú b l i c a s que garantam recursos t e c n o l ó g i -
da cultura popular" (Estado-RS, 2000c: 9).
cos, humanos e financeiros para o enriquecimento e qua-
"Prática educativa d e m o c r á t i c a , participativa e d i a l ó - lificação do processo ensino-aprendizagem" (Estado-RS,
gica como pressuposto do processo de c o n s t r u ç ã o social 2000c: 11).
do conhecimento" (Estado-RS, 2000c: 9).
124 UFRGS 125
BIBLIOTECA SETORIAL 0E EDUCAÇÃO
" E d u c a ç ã o como processo participativo de c o n s t r u ç ã o
"Para o professor, a escola [...] é lugar de possibilida-
e a p r o p r i a ç ã o do conhecimento e de tecnologias para
de de c o n s t r u ç ã o de relações de autonomia, de criação e
t r a n s f o r m a ç ã o da sociedade" (Estado-RS, 2000c: 13).
r e c r i a ç ã o de seu p r ó p r i o trabalho, de reconhecimento de
si, que possibilita redefinir sua r e l a ç ã o com a instituição,
13. Professores/as com o Estado, com os alunos, suas famílias e comunida-
des" (Brasil, 1997a: 53).
" [ . . . ] é fundamental a valorização profissional dos tra-
balhadores em e d u c a ç ã o , o que implica [...] em política
de f o r m a ç ã o e qualificação, ingresso exclusivamente por
concurso público e garantia de c o n d i ç õ e s dignas de tra-
balho, r e m u n e r a ç ã o e carreira" (Estado-RS, 2000a: s.p.).
" A c o n s t r u ç ã o do conhecimento como processo cole-
tivo e constante p r e s s u p õ e a f o r m a ç ã o permanente dos/as
trabalhadores/as em e d u c a ç ã o " (Estado-RS, 2000c: 9).
"Qualificação e f o r m a ç ã o de trabalhadores em educa-
ç ã o para o atendimento às diversidades, democratizando
o acesso à e d u c a ç ã o " (Estado-RS, 2000c: 11).
" [ . . . ] valorizar os trabalhos dos docentes como p r o d u -
tores, articuladores, planejadores das p r á t i c a s educativas
e como mediadores do conhecimento socialmente p r o -
duzido; destacar a i m p o r t â n c i a de que os docentes pos-
sam atuar com a diversidade existente entre os alunos e
com seus conhecimentos p r é v i o s , como fonte de aprendi-
zagem de convívio social e como meio para a aprendiza-
gem de c o n t e ú d o s específicos" (Brasil, 1998b: 11).
"Para desenvolver sua p r á t i c a os professores precisam
[...] desenvolver-se como profissionais e como sujeitos crí-
ticos na realidade em que estão, isto é, precisam poder si-
tuar-se como educadores e c i d a d ã o s , e, como tais, partici-
pantes do processo de c o n s t r u ç ã o da cidadania, de reco-
nhecimento de seus direitos e deveres, de valorização
profissional" (Brasil, 1997a: 52).
126
127
Dessa situação, decorrem duas conclusões.
a
I ) O p ó s - c u r r í c u l o é j á reconhecido p o r todos os po-
deres educacionais como u m poder.
a
2 ) J á é tempo dos pós-curriculistas e x p o r e m aberta-
6 mente, ao m u n d o inteiro, os seus modos de ver e de dizer,
Manifesto por um pós-currículo* as formas como pesquisam, os seus objetivos e as suas ten-
d ê n c i a s . E, acima de tudo, tempo de contraporem à lenda
do espectro do p ó s - c u r r í c u l o u m Manifesto de sua p r ó p r i a
posição.
Para este f i m , reuniram-se - durante 60 horas, no Se-
U m espectro ronda o currículo: o espectro do pós-cur- m i n á r i o A v a n ç a d o Pós-currículo: governo, subjetividade, iden-
rículo. Todos os poderes do velho c u r r í c u l o aliaram-se tidade, desenvolvido em 2000/1, no Programa de Pós-Gra-
para u m a santa c a ç a d a a este espectro: tecnicistas e eman- d u a ç ã o em E d u c a ç ã o da Universidade Federal do Rio
c i p a t ó r i o s , críticos e liberais, sociólogos e consensuais, Grande do Sul - pós-curriculistas das mais diversas gera-
marxistas e neoconversos, radicais c i d a d ã o s e polícias do ções, etnias, g é n e r o s , classes, ecologias, sexualidades, na-
Rei, sindicalistas e o Papa. cionalidades, artistagens, e delinearam o Manifesto se-
O n d e está o pós-curriculista que n ã o tenha sido v i l i - guinte, que é publicado p r i m e i r o em p o r t u g u ê s , depois
pendiado pelos seus a d v e r s á r i o s no poder como "entre- em jamaicano, inglês, francês, a l e m ã o , italiano, flamen-
guista" o u "alienado"? Onde está o pós-curriculista que go, d i n a m a r q u ê s , e, claro, em russo.
n ã o tenha, em resposta, brandido o ferrete das teorias
pós-críticas, tanto contra os oposicionistas mais progres-
" I - É chegada a hora de mudar todas as unidades do
sistas como contra os seus a d v e r s á r i o s mais r e a c i o n á r i o s ?
discurso da E d u c a ç ã o , dentre as quais, a de 'currí-
culo'
* Este texto foi inspirado, evidentemente, no Manifesto do Partido Comunista, de Karl
Marx e Friedrich Engels, cuja primeira edição foi publicada, em alemão, no fim
de fevereiro de 1848. Programa teórico e prático do Partido Comunista, foi pre-
I I - Praticar o trabalho negativo. Negar o conceito de
parado para ser lido e assinado no Congresso da Liga dos Comunistas - uma associ- c u r r í c u l o , pesquisando e praticando u m 'pós-currí-
ação operária internacional, de carátcr secreto - , realizado em Londres, em no-
vembro de 1847. Usei a versão das Edições Progresso, de 1987, impressa na culo'
URSS, em língua portuguesa. Na introdução e na seção X I I , por fim, realizei uma
espécie de "colagem", com alguns elementos da introdução e da parte final do 1) Libertar todo u m j o g o de n o ç õ e s que diversificam,
Manifesto do Partido Comunista, como pode ser verificado. Derivei grande parte das
operações de pensamento, de A arqueologia do saber, de Michel Foucault, especial-
cada u m a a sua maneira, o tema do c u r r í c u l o . Essas no-
mente da seção I, da Parte II: As unidades do discurso, p. :i 1 -42. Utilizei a edição ções n ã o t ê m u m a estrutura conceituai bastante rigorosa,
de Vozes/Centro do Livro Brasileiro, de 1972. T a m b é m considerei os agrupa-
mentos das três "grandes categorias de teoria [do currículo] de acordo com os
mas sua função é precisa, no campo m o d e r n o das teorias
conceitos que elas [...] enfatizam" (p. 17), realizados por Tomaz Tadeu da Silva, curriculares e das p r á t i c a s p e d a g ó g i c a s .
em Documentos de identidade - Uma introdução às teorias do atrrícuto, publicado pela
Autêntica, Belo Horizonte, em 1999.
129
128
2) É preciso colocar era q u e s t ã o todas as sínteses aca-
analisados ao lado de outros, com que m a n t ê m r e l a ç õ e s
badas, tais como: c o n t e ú d o , programa, aprendizagem,
complexas. Mas, n ã o são caracteres i n t r í n s e c o s , a u t ó c t o -
aluno, professor, didática, pedagogia, escola, e x p e r i ê n c i a
educativa, atividade docente e discente, plano de ensino, nes e universalmente r e c o n h e c í v e i s .
atitude, valor, ideologia, resistência, p a r t i c i p a ç ã o , cida-
dania, construtivismo, consciência, dialética, etc. A g r u p a -
I I I - Manter em suspenso. Suspender todas as condu-
mentos esses que, na m a i o r parte das vezes, são admitidos
tas, r e l a ç õ e s , verdades que v ê m sendo reunidas sob
antes de qualquer exame, e cuja validade é reconhecida
o nome 'currículo'
desde o início.
3) E preciso desalojar essas formas de saber e essas 1) Acima de tudo, a unidade que é preciso p ô r em sus-
forças de poder, pelas quais se tem o h á b i t o de ligar entre penso é a que se i m p õ e de maneira mais imediata: a de
si os discursos da E d u c a ç ã o . É preciso expulsá-las da som- 'currículo'. Aparentemente, pode-se a p a g á - l a sem u m arti-
bra onde reinam. E, ao invés de deixá-las valer esponta- fício extremo? N ã o é dada da maneira mais certa possível?
neamente, aceitar tratar apenas, por cuidado de m é t o d o Organizar e ensinar u m currículo implica em u m certo n ú -
e em p r i m e i r a instância, de u m a p o p u l a ç ã o de aconteci- mero e tipo de procedimentos, habilidades, relações ao sa-
mentos dispersos, à qual n e m mesmo, aqui-e-agora, con- ber, rotinas institucionais, disciplinas, aparatos escolares e
seguimos ainda nomear. culturais, tecnologias de governo. Requer livros, autores,
obras, ideias, fatos, coisas, realidade. Demanda a realiza-
4) É preciso suportar a inquietude e a incerteza, dian- ção de eus, de sujeitos, a fabricação de subjetividades.
te desses recortes ou agrupamentos, com que nos familia-
rizamos no t e r r i t ó r i o educacional. Pode-se admitir, tais 2) Desde que se observe mais de perto, as dificuldades
quais, a distinção dos tipos de discurso, a das formas, ou c o m e ç a m . A unidade ' c u r r í c u l o ' n ã o é u m a unidade fraca,
dos g é n e r o s que o p õ e m , umas às outras, C u r r í c u l o , Ensi- acessória, em r e l a ç ã o às unidades discursivas que lhe d ã o
no, Metodologia, Didática, Fundamentos da E d u c a ç ã o , apoio? Ela, por sua vez, é h o m o g é n e a e uniformemente
e t c , e que fazem delas espécies de grandes individualida- aplicável? Suas fronteiras jamais são nítidas ou rigorosa-
des históricas? mente cortadas. A l é m do nome, a l é m de sua configura-
ção interna e das formas que a autonomizam, está presa
5) N ó s p r ó p r i o s n ã o estamos seguros do uso dessas em u m sistema de r e m i s s õ e s a outras unidades: Ciência,
distinções. Com mais forte r a z ã o , quando c o m e ç a m o s a Literatura, Filosofia, Psicologia, Religião, História, Polí-
analisar conjuntos de enunciados que eram, na é p o c a de tica, Sociologia, E d u c a ç ã o Popular, E d u c a ç ã o Especial,
sua f o r m u l a ç ã o , d i s t r i b u í d o s , repartidos e caracterizados, Alfabetização, E d u c a ç ã o da C r i a n ç a de 0 a 6 anos, Forma-
de m o d o inteiramente diferente, n e n h u m deles articula- ção de Professores, P a r â m e t r o s Curriculares Nacionais,
va o campo do discurso educacional, nos séculos anterio- Referenciais Curriculares... S ã o ' n ó s ' em uma rede.
res ao X X .
3) Esse j o g o de r e m i s s õ e s n ã o é h o m ó l o g o , conforme
6) Esses recortes são sempre categorias reflexivas, se refira a u m manual de Pedagogia Tradicional, a u m
p r i n c í p i o s de classificação, regras normativas, tipos insti- tratado de Didática Renovada, a u m c o m e n t á r i o de Rous-
tucionalizados. São fatos de discurso que merecem ser seau, à Didáctica Magna de Comenius, ao C u r r í c u l o por
130
131
Complexos T e m á t i c o s , c u r r í c u l o oculto, c u r r í c u l o do ria, que jamais p o d e r á ser inteiramente apropriada. Por
empowerment, de resistência, alternativos e oficiais, etc. isto, s e r í a m o s reconduzidos a u m p o n t o indefinidamente
A q u i e lá, a unidade 'currículo', mesmo entendida como recuado, jamais presente e m nenhuma história. Este
feixe de relações, n ã o pode ser considerada como idêntica. ponto mesmo n ã o passaria de seu p r ó p r i o vazio. E, a par-
Sua unidade é variável e relativa. Desde que a interroga- t i r dele, todos os c o m e ç o s jamais p o d e r i a m deixar de ser
mos, ela perde suas evidências, n ã o se indica a si mesma, r e c o m e ç o o u ocultação.
só se constrói a partir de campos complexos de discursos. A esse tema da o r i g e m liga-se u m outro, segundo o
4) Os problemas que essa unidade levanta são mais d i - qual todo discurso curricular manifesto repousaria secre-
fíceis ainda. Aparentemente, entretanto, o que h á de tamente sobre u m j á - d i t o : seja da Cultura, da Ciência, da
mais simples? Processos p e d a g ó g i c o s , vivências de sala de Escola, da Classe, da Linguagem. Este j á - d i t o n ã o seria
aula, modos de o r g a n i z a ç ã o , rituais escolares, livros d i d á - simplesmente u m a frase j á pronunciada, u m texto j á es-
ticos e p a r a d i d á t i c o s , novas tecnologias, teorias e prescri- crito, mas t a m b é m u m jamais-dito, u m discurso sem cor-
ções p e d a g ó g i c a s , formas racionais e científicas, objetivos po, u m a voz t ã o silenciosa quanto u m sopro, u m a escritu-
de ensino, decretos educacionais... que são reunidos sob ra que n ã o é s e n ã o o vazio de seu p r ó p r i o traço.
o nome ' c u r r í c u l o ' . Esta d e n o t a ç ã o n ã o exerce u m a fun- S u p õ e - s e que tudo o que o discurso curricular formu-
ção h o m o g é n e a . Ela indica, ao se constituir, u m certo n ú - la j á se encontra articulado nesse meio-silêncio que lhe é
mero de escolhas que n ã o é fácil justificar n e m formular. p r é v i o , que continua a correr abaixo dele, mas que ele re-
E preciso integrar tudo que é dito, feito e pensado sob cobre e faz calar. O discurso manifesto do c u r r í c u l o n ã o
esta rubrica 'currículo'. E preciso j u n t a r p e d a ç o s discursi- passaria da p r e s e n ç a repressiva do que ele n ã o diz. E este
vos, e colá-los. n ã o - d i t o seria u m vazio que mina, d o interior, tudo o que
5) Vê-se que a unidade 'currículo', longe de ser dada se diz. A busca da o r i g e m destina a análise do discurso
de m o d o imediato, é c o n s t i t u í d a p o r u m a o p e r a ç ã o . Que curricular a ser a r e p e t i ç ã o de u m a origem, que escaparia
essa o p e r a ç ã o é interpretativa, j á que decifra, no texto da a toda d e t e r m i n a ç ã o histórica. Destina tal análise a ser i n -
E d u c a ç ã o , a t r a n s c r i ç ã o de alguma coisa, que ela esconde t e r p r e t a ç ã o , o u escuta de u m j á - d i t o , que seria ao mesmo
e manifesta ao mesmo tempo. O ' c u r r í c u l o ' n ã o pode ser tempo u m n ã o - d i t o .
considerado n e m como unidade imediata, nem como 7) É preciso renunciar aos temas da l o n g í n q u a pre-
u m a unidade certa, n e m como u m a unidade h o m o g é n e a , sença da o r i g e m e do n ã o - d i t o do ' c u r r í c u l o ' , que t ê m por
mas como u m a unidade histórica, política e resultado de f u n ç ã o garantir a infinita continuidade do discurso curri-
interpretações.
cular, e sua secreta p r e s e n ç a no j o g o de uma ausência
6) Para colocar fora de circuito essa unidade irrefleti- sempre reconduzida. Estar p r o n t o para acolher cada mo-
da de 'currículo', pela qual organizamos o discurso edu- mento do discurso em i r r u p ç ã o , como u m acontecimen-
cacional, precisamos renunciar a dois temas que estão l i - to. O u seja, na pontualidade em que aparece, e na disper-
gados u m ao outro e que se o p õ e m . são temporal que lhe p e r m i t e ser repetido, sabido, esque-
cido, transformado, apagado a t é nos menores traços.
Primeiro, o da o r i g e m do discurso curricular. Acredi- Que lhe p e r m i t e ficar escondido, b e m longe de todos os
tamos que h á sempre uma o r i g e m secreta e t ã o originá-
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olhares, na poeira dos textos curriculares. É preciso tratar I V - Liberar o d o m í n i o . Liberar o d o m í n i o discursivo
o discurso curricular n o j o g o de sua instância de a p a r i ç ã o . da E d u c a ç ã o de todas as n o ç õ e s ligadas a 'currículo'
8) E necessário manter e m suspenso todas essas for- 1) T o m a r por marco inicial a unidade dada: 'currículo'.
mas prévias, todas essas sínteses, que n ã o problematiza-
mos e que deixamos valer de pleno direito. N ã o , certa- 2) Mas, n ã o se colocar no interior dessa unidade duvi-
mente, recusá-las definitivamente, mas sacudir a quietu- dosa, para estudar-lhe a c o n f i g u r a ç ã o interna, ou as con-
de com a qual as aceitamos. Mostrar que elas n ã o se j u s t i - t r a d i ç õ e s secretas.
ficam por si mesmas, que são sempre o efeito de u m a 3) Apoiar-se na unidade 'currículo', apenas o tempo
c o n s t r u ç ã o de que se trata de conhecer as regras e de con- n e c e s s á r i o para perguntar que com que direito reivindica
trolar as justificações. Definir em quais c o n d i ç õ e s e em u m d o m í n i o que a especifique no espaço, e u m a continui-
vista de que análises algumas são legítimas. Indicar as dade que a individualize no tempo. Segundo que leis ela
que, de qualquer forma, n ã o p o d e m mais ser admitidas. se forma. Sobre o pano de fundo de quais acontecimentos
discursivos ela se recorta. E, se, finalmente, ela n ã o é, em
9) O 'currículo': é preciso colocar tal unidade fora de
sua individualidade aceita e institucional, o efeito de su-
uso? E preciso passar, sempre, sem ela? É preciso tomá-la
perfície de unidades mais consistentes.
por ilusão, fantasma, resultados mal obtidos, c o n s t r u ç ã o
sem legitimidade? E preciso renunciar a qualquer apoio 4) Só aceitar os conjuntos de unidades que o discurso
nela, mesmo provisório, e ajamais dar-lhe uma definição? histórico da E d u c a ç ã o p r o p õ e , para questioná-los ime-
diatamente. Para d e s p r e n d ê - l o s , e saber se podemos re-
Trata-se, de fato, de a r r a n c á - l a de sua quase e v i d ê n -
c o m p ô - l o s legitimamente. Para saber se n ã o é preciso re-
cia, de questionar os problemas que coloca. Problemati-
constituir outros conjuntos. Para recolocá-los em u m es-
zar os efeitos que vem p r o d u z i n d o . Reconhecer que tais p a ç o mais geral que, dissipando sua aparente familiarida-
efeitos n ã o são tranquilos, a partir dos quais pode-se colo- de, permite fazer sua teoria.
car outras q u e s t õ e s , sobre a estrutura, c o e r ê n c i a , sistema-
ticidade, as t r a n s f o r m a ç õ e s do c u r r í c u l o . Mas que coloca,
pelo fato de existir, todo u m feixe de q u e s t õ e s : O que é? V - O novo d o m í n i o
Como defini-la ou limitá-la? A que tipos distintos de leis
obedece? De que articulações é suscetível? A que subcon- 1) U m a vez suspensa a forma imediata de continuida-
j u n t o s pode dar lugar? Que f e n ó m e n o s específicos faz de, chamada 'currículo', todo u m d o m í n i o vai estar libe-
aparecer no t e r r i t ó r i o da E d u c a ç ã o ? Que efeitos de poder rado. U m d o m í n i o imenso, c o n s t i t u í d o pelo conjunto de
e verdade provoca? todos os enunciados efetivos, falados ou escritos, em sua
d i s p e r s ã o de acontecimento, e na instância que é p r ó p r i a
Trata-se de reconhecer que essa unidade familiar tal- a cada u m .
vez n ã o seja, afinal de contas, o que se acreditava que fosse
ao primeiro olhar. Enfim, uma unidade que exige uma teo- 2) Antes de se ocupar do 'currículo', o material que le-
rização, e que esta n ã o pode se fazer sem que a p a r e ç a o mos que tratar, em sua neutralidade primeira, é unia po-
campo dos fatos de discurso, a partir do qual é construída. p u l a ç ã o de acontecimentos, no espaço do discurso da Edu-
cação, em geral.
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3) Surge assim o projeto de u m a descrição pura dos 2) A s u p r e s s ã o sistemática da unidade inteiramente
acontecimentos discursivos da E d u c a ç ã o , como horizonte dada permite, inicialmente, restituir ao enunciado 'currí-
para a busca das unidades que aí se formam. culo' sua singularidade de acontecimento. Mostrar que
sua descontinuidade n ã o é somente u m desses grandes
acidentes, que produzem u m a falha na geologia da histó-
V I - Território dos acontecimentos discursivos ria. Mas, j á no simples fato de isolar tal enunciado, fazer
com que ele surja, em sua i r r u p ç ã o histórica. O que se
1) O território dos acontecimentos discursivos é o con- pontua é a incisão que ele constitui: sua m i n ú s c u l a e irre-
j u n t o sempre finito, e limitado, das únicas sequências l i n - dutível e m e r g ê n c i a .
guísticas que tenham sido formuladas. Elas p o d e m ser
i n u m e r á v e i s , e podem, p o r sua massa, ultrapassar toda 3) Esse enunciado ' c u r r í c u l o ' é sempre u m aconteci-
capacidade de registro, de m e m ó r i a , ou de leitura. Elas mento, que n e m a língua, n e m o sentido p o d e m esgotar
constituem, entretanto, u m conjunto finito. inteiramente. Por menos importante que o imaginemos,
em seus efeitos. Por mais facilmente esquecido, que possa
2) A descrição de acontecimentos do discurso educa-
ser a p ó s sua a p a r i ç ã o . Por pouco entendido, ou mal deci-
cional coloca a q u e s t ã o : Como apareceu u m determinado
frado que o suponhamos. Pela banalidade de seu uso.
enunciado, e n ã o outro em seu lugar?
Pelo descaso com que o temos tratado.
3) A análise do campo discursivo trata de compreender
4) Acontecimento estranho, certamente. Para come-
o enunciado na estreiteza e singularidade de seu aconteci-
çar, porque liga-se, de u m lado, a u m gesto de escrita, ou
mento. De isolar as condições de sua existência. De fixar
à a r t i c u l a ç ã o de uma palavra. Mas que, por outro lado,
seus limites da forma mais justa. De estabelecer suas corre-
abre, a si p r ó p r i o , u m a existência remanescente na me-
lações com os outros enunciados a que pode estar ligado.
De mostrar que outras formas de e n u n c i a ç ã o exclui. m ó r i a dos sujeitos, ou na materialidade dos manuscritos
e de qualquer forma de registro. E m seguida, porque é
4) Sob o que está manifesto, n ã o se busca a conversa ú n i c o , como todo acontecimento, mas aberto à r e p e t i ç ã o ,
semi-silenciosa de u m outro discurso. Deve-se mostrar à t r a n s f o r m a ç ã o , à reativação. Finalmente, porque está l i -
p o r que n ã o poderia ser outro. E m que exclui qualquer gado n ã o apenas a situações que o provocam e a conse-
outro. Como ocupa, no meio dos outros, e relacionado a q u ê n c i a s que incita. Mas, ao mesmo tempo, e segundo
eles, u m lugar que n e n h u m outro poderia ocupar. A uma modalidade inteiramente diferente, a enunciados
q u e s t ã o p r ó p r i a a uma tal análise é assim formulada: que o precedem e o seguem.
Q u a l é essa singular existência, que vem à tona no que se
diz, e em nenhuma outra parte?
V I I I - Apreender outras formas de regularidades
V I I - Para que serve? 1) Se isolarmos, em r e l a ç ã o à linguagem e ao pensa-
mento da E d u c a ç ã o , a instância do acontecimento enun-
1) Devemos perguntar-nos para que pode servir a sus- ciativo do 'currículo', é para estarmos seguros de n ã o re-
p e n s ã o da unidade admitida 'currículo', se se trata de re- lacioná-la com operadores de sínteses, puramente psico-
encontrar a unidade que fingimos questionar no início?
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lógicos, tais como a i n t e n ç ã o do autor e os temas que ado- 3) Essas relações jamais teriam sido formuladas p o r
ta. Assim como, para n ã o relacionar tal instância com o elas mesmas nos enunciados em q u e s t ã o . Diferentemente
espírito do grande conjunto teórico, com o rigor de seus das relações explícitas que são ditas pelo p r ó p r i o discur-
conceitos e c o m o projeto político que o atravessa e lhe d á so, quando assume a forma do 'currículo', o u quando se
significação. inscreve numa série de categorias da teoria do c u r r í c u l o .
2) E n t ã o , podemos apreender outras formas de regu- 4) Tais relações n ã o constituem u m a espécie de dis-
laridade, o u t r o tipo de relações, a) Relações dos enuncia- curso secreto, que anima do interior os discursos manifes-
dos entre si: mesmo que se trate de enunciados que n ã o tos. N ã o é u m a i n t e r p r e t a ç ã o dos fatos enunciativos, que
t ê m o mesmo autor, e mesmo que os autores entre si n ã o
poderia trazê-los à luz. Mas a análise de sua coexistência,
se c o n h e ç a m , b) Relações entre grupos de enunciados as-
de sua sucessão, de seu funcionamento m ú t u o , de sua de-
sim estabelecidos: mesmo que esses grupos n ã o se reme-
t e r m i n a ç ã o r e c í p r o c a , de sua t r a n s f o r m a ç ã o indepen-
tam aos mesmos d o m í n i o s , ou a d o m í n i o s vizinhos; mes-
dente ou correlativa.
mo que n ã o tenham o mesmo nível formal; mesmo que
n ã o sejam lugar de trocas determinadas, c) Relações en-
tre enunciados ou grupos de enunciados e acontecimen-
X - N ã o é sem limites
tos de uma o r d e m inteiramente diferente: técnica, e c o n ó -
mica, social, política. N ã o se pode descrever, sem limites, todas as relações
3) Fazer aparecer o e s p a ç o em que se desenvolvem os que, desse tipo de investigação, aparecem. E m u m a p r i -
acontecimentos discursivos do c u r r í c u l o , n ã o é tentar res- meira a p r o x i m a ç ã o , é preciso aceitar u m recorte p r o v i s ó -
tabelecê-lo em u m isolamento que nada poderia superar. rio: u m a r e g i ã o inicial, que a análise p e r t u r b a r á e reorga-
N ã o é fechá-lo em si mesmo. É fazer-se livre para descre- nizará, se houver necessidade.
ver, nele e fora dele, jogos de r e l a ç õ e s diferentes, m ú l t i -
plos e disseminados.
X I - C i r c u n s c r i ç ã o da r e g i ã o
I X - Tomar d e c i s õ e s controladas 1) É conveniente, empiricamente, escolher u m d o m í -
nio do 'currículo', em que as relações correm o risco de ser
1) Descrever os fatos de discurso do c u r r í c u l o liberta o numerosas, densas, e relativamente fáceis de descrever.
trabalho de pesquisa de todos os agrupamentos conside- Uma região, na qual os acontecimentos discursivos pare-
rados como unidades naturais, imediatas, universais, to- cem estar melhor ligados uns aos outros, e segundo rela-
talizantes. Temos, assim, a possibilidade de descrever ou- ções melhor decifráveis. Região, por exemplo, designada
tras unidades; p o r é m , desta vez, p o r meio de u m conjun- pelos termos gerais de 'teorias tradicionais', ou de 'teorias
to de decisões controladas. críticas', mesmo o de 'teorias pós-críticas' - p o r que n ã o ?
2) Definindo as c o n d i ç õ e s enunciativas, a partir de re- 2) Aproveitar, ao m á x i m o , a chance de apreender, em
lações corretamente descritas, podemos constituir con- u m de seus enunciados, n ã o o momento de sua estrutura
j u n t o s discursivos, que n ã o são a r b i t r á r i o s , mas que, de formal e de suas leis de c o n s t r u ç ã o , mas o de sua existên-
outro m o d o , teriam permanecido invisíveis. cia e das regras de seu aparecimento.
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3) Podemos nos d i r i g i r , t a m b é m , a grupos de discur- X I I - Por fim
sos pouco formalizados, e onde os enunciados n ã o pare-
cem se engendrar necessariamente, segundo regras de Por toda a parte, os pós-curriculistas trabalham na
p u r a sintaxe. Como, p o r exemplo, aos grupos formados e x e c u ç ã o dessas o p e r a ç õ e s . Os pós-curriculistas desde-
pelo ' c u r r í c u l o em ação', pelo ' c u r r í c u l o real', ou 'real- n h a m ocultar as suas posições e os seus p r o p ó s i t o s . Decla-
mente vivido'. ram, abertamente, que os seus fins só p o d e m ser alcança-
dos pela t r a n s f o r m a ç ã o violenta e radical de toda a or-
4) T a n t o em u m quanto em outro caso, necessitamos d e m e pesquisa c u r r i c u l a r a t é hoje existentes. As classes
escapar dos recortes da obra, do autor, seja ele individual dominantes do ' c u r r í c u l o ' p o d e m t r e m e r ante u m a re-
ou coletivo, de categorias como a de agência, origem, v o l u ç ã o p ó s - c u r r i c u l a r , inspirada pelo pensamento
p o n t o de partida. A menos que proponhamos, desde o p ó s - n i e s t z s c h e a n o da filosofia da diferença! Nela, os
início, d o m í n i o s bastante amplos, escalas c r o n o l ó g i c a s pós-curriculistas nada t ê m a perder, a n ã o ser as suas ca-
bastante vastas. deias. T ê m u m m u n d o a ganhar."
5) N ã o nos deixar p r e n d e r p o r todas essas unidades,
ou sínteses pouco refletidas, que se referem ao i n d i v í d u o
que fala, ao sujeito do discurso, ao autor do texto, enfim,
a todas as categorias a n t r o p o l ó g i c a s .
6) Considerar o conjunto dos enunciados, através dos
quais essas categorias se c o n s t i t u í r a m : o conjunto dos
enunciados que escolheram p o r objeto o sujeito dos dis-
cursos - seu p r ó p r i o sujeito - , e tentaram desenvolvê-lo Pós-curriculistas de todos os países, uni-vos!!!
como campo de conhecimentos.
7) Privilegiar os discursos dos quais se pode dizer, muito
esquematicamente, que definem as 'ciências do homem'.
8) Mas, saber que isto n ã o passa de u m p r i v i l é g i o i n i -
cial. E preciso ter sempre presente que a a n á l i s e dos
acontecimentos discursivos n ã o está, de maneira algu-
ma, l i m i t a d a a semelhante d o m í n i o . T a m b é m , que, p o r
o u t r o lado, o p r ó p r i o recorte desse d o m í n i o n ã o pode
ser considerado como definitivo, n e m como v á l i d o , de
forma absoluta. Trata-se de u m a p r i m e i r a a p r o x i m a ç ã o ,
que deve p e r m i t i r fazer aparecer r e l a ç õ e s . Justamente,
as r e l a ç õ e s que c o r r e m o risco de s u p r i m i r os limites des-
se p r i m e i r o e s b o ç o .
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A pesquisa p ó s - c r í t i c a é u m a pesquisa de
" i n v e n ç ã o " , n ã o de " c o m p r o v a ç ã o " d o que j á f o i
sistematizado. Sua p r i n c i p a l c o n t r i b u i ç ã o é
apenas a de ser a p r o v e i t á v e l p o r outros/as
pesquisadores/as c o m o u m a "sementeira" de
sentidos imprevistos. Ela i m p l o d e o sistema
consensual das formas e m que h a b i t u a l m e n t e
c o m p r e e n d e m o s , falamos e escutamos u m a
l i n g u a g e m curricular. I m p l o s ã o de sentidos que,
no m í n i m o , faz "saltar" o que estava ainda n ã o -
significado, o que era a - s i g n i f i c ã n t e . C o m o sua
p r i n c i p a l tarefa p o l í t i c a , a pesquisa p ó s - c r í t i c a
quer t r a n s f o r m a r o f u n c i o n a m e n t o da l i n g u a g e m
de u m c u r r í c u l o , na d i r e ç ã o de m o d i f i c a r as suas
c o n d i ç õ e s de e n u n c i a ç ã o , fornecendo-lhe planos
infinitos de p o s s í v e i s .
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