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24/05/2018 Brexit, a xenofobia não explica tudo - Le Monde Diplomatique

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AS RAZÕES DA INDIGNAÇÃO

Brexit, a xenofobia não


explica tudo
EDIÇÃO - 109

por Paul Mason

agosto 3, 2016

Analistas enfatizaram as características racistas do voto em


favor do Brexit, como uma a rmação anti-imigrantes. Mas
nada foi dito sobre os determinantes sociais do resultado:
austeridade, desemprego em massa, aumento da pobreza
etc. Flagelos que levam os menos favorecidos a lutar entre
siPaul Mason

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Abilheteira de uma pequena estação de trem do País de Gales passava o


tempo, absorvida por uma conversa com um colega. Este se lamentava:
“Não é mais possível comprar brinquedos cor-de-rosa para meninas, é
preciso que eles sejam cinza”. Ela respondeu: “É semelhante ao que
acontece com a palavra golliwog…”.1 Os dois agentes de uma grande
companhia ferroviária, de uniforme, defendiam seu ponto de vista diante
dos clientes, sem o menor constrangimento.

Durante a campanha em torno do referendo pela permanência ou não do


Reino Unido no seio da União Europeia,2 ouvia-se por toda parte esse
tipo de discussão, por menos que se prestasse atenção: breves e
incoerentes manifestações de racismo, súbitas revoltas contra o
“politicamente correto”. Eu mesmo, oriundo de uma cidade operária,
compreendia o que essas pessoas queriam exprimir, para além das

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propostas xenófobas. Uma falsa rebelião dos marginalizados se armava


contra os valores de uma elite socialmente liberal e seu projeto de
sempre: o pertencimento à União Europeia.

Nessa conversa, como em milhões de outras, ninguém precisava usar a


palavra “Europa”. O referendo representava apenas uma ocasião de
manifestar seu desagrado, de dizer “Estamos fartos”. Fartos da
morosidade, fartos das ruas comerciais decrépitas, fartos dos baixos
salários, fartos das mentiras dos políticos e da maneira pela qual eles
governam baseados no medo. No dia da consulta, 56% dos eleitores
desse reduto do Partido Trabalhista votaram a favor da saída da União
Europeia.

Sinais anunciavam isso. Nas eleições gerais de maio de 2015, o Partido


para a Independência do Reino Unido (Ukip) irrompera nos antigos vales
mineiros do País de Gales, éis ao Partido Trabalhista desde sua criação
em 1901. Em âmbito nacional, nas eleições europeias de 2014, o Ukip
conquistou 25% dos votos, concentrados no mesmo tipo de cidade:
pequena, sem graça, com empregos mal remunerados no setor privado e
com uma quantidade de imigração apenas su ciente para lembrar a todo
mundo as a rmações dos economistas – a chegada de pessoas do Leste
Europeu puxa para baixo os salários em razão da entrada na
concorrência dos trabalhadores orquestrada pelas diretivas europeias.

Sensação inexorável de desastre

Compreender o Brexit é medir a irrupção dessa xenofobia por longo


tempo subjacente em regiões trabalhistas empobrecidas e constatar sua
fusão com o nacionalismo conservador tradicional nas periferias e nas
zonas rurais. Basta observar o mapa dos resultados: as grandes cidades
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inglesas e o conjunto da Escócia votaram pela permanência na União


Europeia, enquanto as cidades e vilarejos pobres da Inglaterra e do País
de Gales preferiram sair. Mesmo a presença de duas universidades, de
uma importante comunidade asiática e de uma economia urbana
orescente não conseguiu fazer cidades como Nottingham e
Birmingham se bandearem para o campo euró lo. Ao votarem contra a
Europa, esses municípios zeram de uma revolta que amadurece há anos
um evento histórico decisivo, e isso em razão de três fatores principais.

Primeiramente, o neoliberalismo, do qual o reino foi um dos laboratórios,


está se fragmentando. No início dos anos 1980, a primeira-ministra
Margaret Thatcher conduziu uma política que transformou uma recessão

em colapso industrial e social a m de prejudicar a coesão dos bastiões


operários. Por décadas, a margem de negociação dos assalariados foi
largamente reduzida. Durante os anos 1990 e 2000, tanto aqui como no
mundo ocidental, o recurso ao crédito serviu para preencher o fosso
entre os rendimentos que se estagnavam e o crescimento econômico.

O trabalhista Tony Blair (1997-2007) manteve a ilusão de que a riqueza


iria escoar dos centros urbanos abastados, globalizados e bem munidos
de pessoas economicamente ativas. Ao constatar que essa profecia não
se realizara, Gordon Brown, então chanceler do Tesouro Público
(ministro das Finanças), aumentou as despesas públicas, sobretudo
benefícios ligados ao emprego e à contratação de funcionários. Com a
privatização de porções inteiras do serviço público, como o
recolhimento do lixo, a ilusão foi total. Na véspera da crise de 2008, era
possível ver cidades galesas sem o menor emprego produtivo,
prisioneiras da delinquência e de males gerados pela pobreza, onde
circulavam caminhões de lixo tinindo de novos conduzidos por
empregados que recebiam salário mínimo. Essas cidades mantinham a
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cabeça fora da água unicamente graças a diversos benefícios sociais,


ligados à guarda de crianças, aos problemas mentais etc.3

Em seguida, a crise de 2008 estourou. Mal tendo chegado ao poder, o


governo conservador de David Cameron (2010-2016) começou a cortar
despesas. A falta de crédito desfechou um golpe severo nos pequenos
comércios, que se viram desertos, ou substituídos pelos três símbolos
nacionais da pobreza urbana: Poundland (onde tudo custa 1 libra
esterlina), Cash Converters (loja de penhores moderna) e os escritórios
de Citizens Advice (“conselho de cidadãos”), onde se pode entrar na la
de manhã a m de obter ajuda para renegociar a dívida, evitar o despejo
ou lutar contra pensamentos suicidas.

Nem todas as cidades compartilham a mesma sorte: Londres,


Manchester, Bristol e Leeds parecem prosperar à primeira vista,
inclusive na cena mundial. Mas, na base da escala econômica, a
empregada mal paga da Zara compra seu almoço no Subway, cujo
empregado mal pago compra sua camisa na Zara. Para eles, o problema
está menos no salário que na habitação. In ados por 375 bilhões de libras
esterlinas (cerca de R$ 1,612 trilhão) de amortização quantitativa
(quantitative easing), os preços dos imóveis atingiram tal nível que, em
Londres, vários jovens economicamente ativos dividem o mesmo quarto.
A con guração tradicional do apartamento de estudantes, em que o
menor cômodo serve para dormir, tornou-se comum mesmo entre
jovens advogados…

Ainda que a crise do neoliberalismo tenha assombrado as perspectivas


de futuro dos jovens, fortemente endividados, existe outro fator
determinante da revolta. Ela foi desencadeada em lugares que ignoram a
vida trepidante das cidades multiculturais, esse paliativo do
neoliberalismo. Ou, pelo menos, não o bastante para compensar a
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impressão dominante de desastre econômico inexorável.

Em janeiro de 2004, quando oito países do Leste Europeu passaram a


integrar o espaço de livre circulação da União Europeia, o governo de
Blair não impôs nenhuma restrição temporária. Um ministro trabalhista
previu com segurança que não mais de 30 mil migrantes viriam. Mas o
recurso a uma mão de obra europeia mais mal paga e que conhece
menos seus direitos, de fato, ocorreu. Hoje em dia, 3 milhões de pessoas
originárias da União Europeia vivem no Reino Unido; 2 milhões têm um
emprego. Contando a chegada regular de não europeus, os trabalhadores
nascidos no estrangeiro representam cerca de 17% da mão de obra.

Enquanto alguns ocupam cargos no serviço público (55 mil estrangeiros


europeus trabalham no serviço de saúde pública, o National Health
Service), a maior parte tem empregos mal remunerados no setor privado.

Eles fornecem 43% dos efetivos nas fábricas de embalagem e de


conservas. Se subirmos na cadeia de valor até as indústrias
manufatureiras, eles representam 33%. No sul de Londres, encontrei um
fabricante de protetores labiais que recrutava toda a sua mão de obra na
Lituânia.

A classe política compreendeu o impacto social da imigração maciça de


um ponto de vista teórico, mas nunca visceralmente. O mito segundo o
qual os trabalhadores britânicos eram “muito estúpidos” para ocupar
esses postos, ou “não queriam trabalhar”, adequava-se bem à retórica
neoliberal. O discurso não dava lugar à possibilidade de que esse
fenômeno tivesse a ver com os salários atrozmente baixos e com os
encargos suplementares descontados para levar o salário líquido ao
mínimo permitido por lei.

A h d i d l j
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A chegada repentina de lojas polonesas e de cafés portugueses às
cidadezinhas britânicas soava aos olhos das elites metropolitanas como
um toque de magia trazido pela globalização para a vida pacata dos
moradores. Os jornalistas, em contrapartida, viam crescer um profundo
ressentimento.

Acrescente-se a isso o terceiro fator, a austeridade, e o quadro estará


completo. Quando as supressões de cargos dizimam os serviços
públicos, não é de admirar que alguns se perguntem se a crise não seria

mais suportável com menos imigrantes. Os que ousavam fazer essa


pergunta eram tidos como xenófobos.

Cameron tinha prometido reduzir a imigração a “dezenas de milhares”.


No ano passado, o saldo migratório líquido atingiu 330 mil pessoas,4 cuja
maioria vinha da União Europeia e o resto do sistema de admissão por
pontos dependente das necessidades do empregador. O movimento em
favor do Brexit concentrou-se nesse dado, brandindo a ameaça de que a
população poderia aumentar em 1 milhão a cada três anos sob o efeito da
imigração europeia, de que os baixos salários não poderiam melhorar e
de que mesmo um governo conservador não teria vontade de agir.

O governo recusou-se a adotar medidas para desencorajar a imigração


de europeus no nível macroeconômico. Nas negociações de fevereiro de
2016, Cameron não se deu nem mesmo ao trabalho de solicitar
formalmente ajustes nas regras de livre circulação.

Todas as condições se encontravam reunidas para que a imigração


chegasse ao cerne do debate, em torno do qual se articulariam todas as
outras questões. Ao longo dos últimos dias da campanha, uma vez que o
assassino da deputada Jo Cox5 forçou uma diminuição na retórica
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antimigratória, o povo britânico foi confrontado com a mensagem clara

do campo eurófobo: deixar a Europa e controlar a imigração ou car e


lidar com uma imigração sem limites, com a redução dos salários e as
tensões culturais.

A elite política, aí incluída a ala esquerda do Partido Trabalhista, supunha


que a adesão a essa mensagem não passaria de um patamar de 40%. No
m, como 30% dos eleitores de origem asiática e 22% dos eleitores
negros votaram pelo Brexit, a maioria antieuropeia atingiu 52%.6 Os
jovens, entre os quais 75% apoiavam o pertencimento à União Europeia,
foram o único grupo a se abster em quantidade. Menos da metade dos
britânicos com menos de 24 anos foi votar, contra 75% das pessoas de
idade.

Assiste-se ao colapso dos pilares da centro-esquerda desde os anos 1970:


o pertencimento à União Europeia, a ênfase colocada sobre seu capítulo
social e sobre a aproximação com os outros membros. Por enquanto, a
classe política e a sociedade britânicas parecem divididas em dois
campos: um simbolizado pelo white van man (literalmente, “o homem da
van branca”), estereótipo do trabalhador manual que estudou pouco e
exibe a bandeira nacional no vidro do carro; o outro representado por
um hipster de barba, cujas viagens artísticas a Berlim e as férias da moda
em Ibiza poderiam se revelar mais difíceis de organizar.

O Partido Trabalhista devia antes encontrar o meio de reunir essas duas


tribos sociológicas no seio das quatro nações que compõem o Reino
Unido. Ele deve agora elaborar uma proposta de justiça social e
democracia para uma população desestabilizada por tantas incertezas.
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Paul Mason, jornalista, é autor de PostCapitalism: A Guide to Our Future


[Pós-capitalismo: um guia para nosso futuro], Allen Lane, 2015. Uma
versão deste artigo foi publicada na edição inglesa do Le Monde
Diplomatique.

1          A palavra faz referência a uma boneca de seda de rosto negro que
gura em livros para crianças do século XIX. Ela é utilizada como injúria
racista.

2          Ler nossa seleção de arquivos, “Brexit, avant après” [Brexit, antes
depois], 25 jun. 2016. Disponível em: www.monde-diplomatique.fr.

3          Ler Philippe Marlière, “Un néotravaillisme très conservateur” [Um


neotrabalhismo muito conservador], Le Monde Diplomatique, maio 2005.

4          “UK Perspectives 2016 – International migration to and from the


UK” [Reino Unido Perspectivas 2016 – Migração internacional para o
Reino Unido e dele proveniente], Of ce of National Statistics [Escritório
de Estatísticas Nacionais], Londres, 26 maio 2016.

5          Deputada trabalhista assassinada por um militante de extrema


direita, em 16 de junho de 2016, em plena campanha.

6          “How the United Kingdom voted on Thursday… and why” [Como o
Reino Unido votou na quinta-feira… e por quê], Lord Ashcroft Polls, 24
jun. 2016

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