Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Stephen Turner
Tradução do inglês de Alexandre Braga Massella
novembro 2014 73
forma adquiridos para que nos tornemos membros sociais (Simmel chama
isso de socialização) –, mas algo mais básico e universal, algo que é parte da
essência do intelecto, a saber, um senso de nosso próprio ego e dos conteúdos
de nossa consciência.
Em primeiro lugar, vemos o outro em alguma medida generalizado, talvez porque não
esteja em nosso poder representar plenamente em nós mesmos uma individualidade
diferente da nossa. Toda reconstrução (Nachbilden) de uma alma é determinada pela
similaridade com ela. [...] É como se todo homem tivesse em si mesmo um núcleo
de individualidade mais profundo que não pode ser subjetivamente reproduzido
por outro homem cuja individualidade mais profunda é essencialmente diferente
(Idem, p. 378).
A questão agora é: o que está na base, de forma universal e a priori, que pressupostos
devem ser operativos, para que os procedimentos concretos particulares na consciência
do indivíduo possam ser de fato processos de socialização? Quais elementos estão neles
contidos neles que possibilitam que o seu resultado seja, dito de forma abstrata, a cons-
trução do indivíduo em uma unidade societária? (Idem, p. 377).
novembro 2014 75
novembro 2014 77
novembro 2014 79
O renascimento
Por que esse ponto de partida que parecia promissor não vingou e por que
o modelo padrão de ciência social passou a predominar a partir da década
de 1920? A resposta é complexa. Na ciência do cérebro e na psicologia do
desenvolvimento, o que mudou desde 1900 foi o elenco de processos e de
fatos que podem ser usados para estabelecer correspondências. Na teoria
social, as mudanças aumentaram a lista de coisas que podem fazer parte da
relação de correspondência, mas, ao mesmo tempo, obscureceram a questão
a respeito do que precisa entrar nesta relação. As aplicações contemporâneas
da neurociência à ciência social não ajudam muito, pois a maior parte da
pesquisa interessante está sendo feita na neuroeconomia, em que a teoria-alvo
é bem clara: trata-se do egoísmo da escolha racional. No caso da teoria social,
a teoria-alvo não é evidente, salvo o que seria o modelo padrão de ciência
social. Há muitos conceitos na tradição da teoria social que fogem, porém,
ao âmbito do modelo padrão ou têm com ele uma relação problemática.
Apesar disso, há algumas poucas distinções que são claras. Empatia,
simulação, espelhamento, compreensão, introspecção simpática, assunção
do papel do outro, aprendizado, hábito e conceitos similares estão ligados.
Normas, “sociedade”, cultura, frameworks compartilhados e “socialização”
como “internalização de normas” também estão ligados e, além disso, consti-
tuem o modelo padrão de ciência social; também estão presentes em grande
parte da literatura filosófica relativa à normatividade, em que aparecem
associados a ideias como a de intencionalidade coletiva e a de pressupostos
compartilhados. A distinção entre os dois conjuntos de conceitos está vin-
culada a outras, como a distinção entre o conceitual e o não conceitual, o
incorporado e o ideal, o implícito e o explícito e assim por diante.
Essas duas famílias de conceitos não se misturam muito bem. Cada uma
alega uma correspondência com a neurociência e a literatura sobre o desen-
volvimento. Cada uma pretende, também, explicar os fatos sociais relevantes
ou proporcionar mecanismos suficientes para explicá-los. O mesmo vale para
o material filosoficamente relevante, como os “significados”. Se há ou não
algo que as duas famílias não podem explicar – e o que seria de fato necessário
para explicar tais coisas –, como no passado, isto ainda é fonte de intenso
debate. Mas há certa contaminação entre as categorias e há termos usados,
por vezes de forma ingênua, sem a devida atenção às diferenças entre as duas
famílias. Michael Tomasella e Melinda Carpenter (2005), por exemplo, es-
tudam a empatia e o comportamento altruísta, que eles mostram começar
bem cedo, no estágio pré-linguístico e presumivelmente pré-conceitual; em
contrapartida, sugerem que o comportamento cooperativo que descrevem
é um exemplo de intencionalidade coletiva ou compartilhada. Se há ou não
diferença empírica entre o comportamento cooperativo e a intencionalidade
coletiva, ou mesmo se a noção de intenção compartilhada faz sentido, é uma
questão aberta que os dados apresentados pelos autores não permitem decidir.
Trata-se de uma característica desses debates. Com frequência, diferentes
abordagens teóricas são revisadas para se ajustarem aos dados. São comuns
também as questões sobre o que afinal basta como explicação e sobre o que
precisa ser explicado. E há, ainda, a questão das lacunas explicativas, na qual
se alega que uma explicação fracassou em eliminar a lacuna entre o fato a ser
explicado e o que se apresenta como uma explicação1. 1. Para um extenso tratamento
desse problema em conexão
Assim, o que a evidência mostra? É certo que os experimentos estão com a questão da normativida-
sempre sujeitos à interpretação, mas alguns resultados gerais são relevantes. de, ver Turner (2010).
novembro 2014 81
novembro 2014 83
novembro 2014 85
Referências Bibliográficas
Espinas, A. V. ([1877] 1924) Des sociétés animales: étude de psychologie comparé. Nova
York, Stechert.
Gibson, J. J. (1977), “The theory of affordances”. In: Shaw, R. & Bransford, J.
(orgs.). Perceiving, acting, and knowing. Hillsdale, nj, Erlbaum.
Giddings, F. H. (1922), Studies in the theory of human society. Nova York, Macmillan.
Gopnik, A. & Repacholi, B. (1997), “Early understanding of desires: evidence from
14 and 18-month-olds”. Developmental Psychology, 33 (1): 12-21
Gopnik A. & Slaughter, V. (1991), “Young children’s understanding of changes in
their mental states”. Child Development, 62: 98-110
Hickok, G. (2009), “Eight problems for the mirror neuron theory of action un-
derstanding in monkeys and humans”. Journal of Cognitive Neuroscience, 21 (7):
1229-1243.
Iacoboni, M. (2008), Mirroring people: the new science of how we connect with others.
Nova York, Farrar, Straus and Giroux.
Kropotkin, P. (1902), Mutual aid: a factor of evolution. Londres, W. Heinemann.
O’Neill, D. K. & Chong, S. C. F. (2001), “Preschool children’s difficulty unders-
tanding the types of information obtained through the five senses”. Child Deve-
lopment, 72: 803-815.
Rizzolatti, G. (2006), Mirrors in the brain: how our minds share actions, emotions,
and experience. Nova York, Oxford University Press.
Simmel, Georg. (1910), “How is society possible?”. American Journal of Sociology,
16 (3): 372-391.
Simpson, T.; Stich, S; Carruthers, P. & Laurence, S. (2007), “Introduction: culture
and innate mind”. In: Stich, S; Carruthers, P. & Laurence, S. (orgs.). The innate
mind. Vol. 2: Culture and cognition. Oxford, Oxford University Press.
Tomasello, M. & Carpenter, M. (2005), “Intention reading and imitative learning”.
In: Hurley, S. & Chater, N. (orgs.). Perspectives on imitation: from neuroscience
to social science. Cambridge, mit Press, vol. 1
Tomasello, M. (2009), Why we cooperate. Cambridge, mit Press
Tooby, John & Cosmides, Leda. (1992), “The psychological foundations of culture”.
In: Barkow, J.; Cosmides, L. & Tooby, J. (orgs.). The adapted mind. Cambridge,
Oxford University Press.
Turner, Stephen (2010), Explaining the normative. Cambridge, Polity Press.
novembro 2014 87
Resumo
Abstract
The key question for attempts at applying neuroscience results to social topics is match-
ing: what is the relation between ordinary social and social science concepts and their
Texto enviado em 30/1/2014 e
aprovado em 27/2/2014.
physical realizations in brain processes? Answering this question depends on what is
available on each side to match. The concepts of social science produced under the
Stephen Turner é professor do
Departamento de Filosofia da influence of the standard social science model, however, are worse sources of matching
Universidade do Sul da Fló-
concepts than the social science and especially sociology of the late nineteenth century,
rida. É autor de The search for
a methodology of social science: before disciplinarization. In this period sociologists and social theorists were concerned
Durkheim, Weber, and the nine-
with issues raised by Darwin and animal studies of cooperation. The standard social
teenth century problem of cause,
probability, and action (1986), science model, in contrast, used a presupposition-like notion of culture which has
The impossible science: an ins- poor brain matches. The theoretical ideas of this earlier generation, including Franklin
titutional analysis of American
sociology, com Jonathan Turner Giddings on consciousness of kind, C. H. Cooley on the looking glass self, Max Weber
(1990), The politics of expertise on empathy, and the pervasive concern with imitation, as well as the concern with the
(2014), American sociology: from
pre-disciplinary to post-normal
child’s socialization, all prove to be better matches to current neuroscience.
(2013) e Explaining the norma- Keywords: Neuroscience; Social theory; Franklin Giddings; Mirror neurons; Empathy;
tive (2010). Organizou a edição
Max Weber; Georg Simmel; C. H. Cooley.
de The Cambridge companion to
Weber (2000) e, com Paul Roth,
The Blackwell guide to the philo-
sophy of the social sciences (2003).
E-mail: turner@usf.edu.