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Para isto, os autores argumentam que o léxico, mais que mero “repertório de
palavras existentes numa determinada língua” - definição esta dada pelo site Google, -
seria “o elemento que detém a capacidade maior de manifestar as relações de ordem
política, social e econômica que ocorrem nas diversas esferas sociais, manifestando-se
como uma espécie de reflexo da vida de um povo, com os registros que resultam de sua
história e de seus contatos.” (p.2). Porém, “em nome de uma ética vigente”, o léxico
obsceno torna-se um tabu linguístico, passando a servir a situações restritas, como
“descarga afetiva, injúria, coloquialismos e até mesmo como expressão carinhosa”.
(PRETI Apud VALADARES & SANTOS, p. 2-4).
Torna-se fácil inferir, a partir da pesquisa acima, que o trabalho com o léxico é
extenso, flexível. O léxico vulgar, em específico, não escapa disto, ao contrário, o seu uso
no discurso mobiliza uma série de estratégias por parte do enunciador e do enunciatário
dentro do processo de interação verbal: funções linguísticas, figuras de linguagem, de
pensamento e de palavra, entre outra série de recursos são empregados nessa interação.
Em outras palavras: As negociações constantes entre enunciador e enunciatário são
processos ricos, dinâmicos, tornando-se não parte do processo de interação verbal, mas
sendo o próprio processo.
Apesar da reiteração dos autores sobre a relação léxico e vida social, parece
relegado a outrem a tarefa de mostrar como se dá a relação entre os sujeitos da interação
quando o léxico vulgar lhe faz parte, isto é, como, nas relações de comunicação
linguística, o uso do léxico vulgar afeta os sujeitos da interação verbal, fazendo que estes
mobilizem estratégias discursivas tanto para o empregar este léxico como para responder-
lhe.
1
BRAGA, Henrique Santos; MÓDULO, Marcelo. A construção de propagandas com verbos transitivos
sem complementos. Revista UNINTER de Comunicação. v. 3, n.5, p. 75 – 78, dez 2015.
abaixo, em caracteres amarelos, “Sorvete grátis”. Novamente, um olhar
machista, sexista, que ainda permeia a sociedade atual e que tem a sua
contraparte linguística no complemento à sua direita, instanciado como Ø
(vazio): “CHUPA Ø QUE É DOCE”. Esse Ø (vazio) é preenchido no
português brasileiro por todo um contexto semântico-pragmático
proporcionado pelo verbo “chupar”. (p. 77).
Podemos inferir ainda que o mesmo fenômeno ocorre na fala vulgar do contexto
brasileiro, quando o tabu linguístico está inserido. Em frases como 1), por exemplo, claro
fica o sentido do verbo e seu complemento Ø, não preenchido lexicalmente. Na verdade,
o sentido do verbo é modificado justamente pelo seu complemento, não preenchido
lexicalmente, porque caracterizado como tabu linguístico, integrante do léxico vulgar,
segundo a perspectiva aqui apresentada.
Se o tabu linguístico está relacionado a uma ética vigente, seu uso ou não-uso está,
consequentemente, condicionado a um prestígio linguístico, subordinado às relações de
forças simbólicas. Bourdieu colocará a interação verbal como um mercado linguístico,
em que o produto a ser vendido são as palavras. O falante coloca sua produção linguística,
agora produto, no mercado, prevendo o preço que lhes será atribuído, e esse preço
“depende mais de quem fala e de como fala do que propriamente do conteúdo da fala”. E
ainda:
Concluímos que o léxico vulgar gera mais ou menos prestígio enquanto produto
no mercado linguístico, a depender da norma deste. Esta norma, ainda de acordo com
Bourdieu, é geralmente baseada na língua que domina o mercado. Ou seja, o léxico
vulgar pode aparecer explícito, como nos exemplos trazidos no artigo de Valadares e
Santos, ou implícito, como visto no caso do complemento Ø, a depender primeiro, de
quem fala, ou seja, da posição do falante na estrutura social, e do mercado linguístico
normatizado, ou seja, tendo um padrão como referência para valor daquele produto, das
regras existentes no mercado linguístico. Em outras palavras, as relações de força
materiais e simbólicas influenciam diretamente na explicitação ou implicitação do léxico
vulgar, pois este é um produto linguístico, vinculado à imagem de quem o fala. As
“questões éticas”, citadas anteriormente, são nada mais que as regras de aceitabilidade do
mercado linguístico, vindas da língua tida como referência da norma. Podemos refletir,
por último, sobre a relevância do fator quem fala nessa discussão: ao julgar o valor do
produto linguístico (por exemplo, aqui, o léxico vulgar regional baiano), não se julga, ou,
mais radicalmente nas palavras de Bagno, condena-se o produto, mas sim o sujeito que a
fala, pois “os modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos
fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos particulares e
denegrir ou condenar uma variedade linguística é condenar os seres humanos que a falam”
(BAGNO, 2015, p. 18). Logo, o julgamento recai sempre sobre aquele que fala: ao julgar-
se uma produção linguística, julga-se um produto fruto de uma identidade, de longa
trajetória até sua produção, produto este sempre em situação de negociação na interação
verbal, mediado pelos valores do mercado linguístico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SOARES, Magda. Linguagem e escola. Uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1992.
9° ed.