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Artigo

SANTOS, Carlos Victor; SILVA, Gabriel


CONFLUÊNCIAS
Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito
ISSN 1678-7145 || EISSN 2318-4558

ENTRE A ACADEMIA E OS
TRIBUNAIS: a construção social
do direito constitucional brasileiro
Carlos Victor Nascimento dos Santos
Doutorando em Teoria do Estado e Direito da Constitucional no PPGD/PUC.
E-mail: carlosvictor@oi.com.br

Gabriel Borges da Silva


Doutorando em Sociologia e Direito no PPGSD/UFF
E-mail: gabrielborgesadv@yahoo.com.br
RESUMO
O presente artigo tem o objetivo de ampliar as discussões acerca da produção do direito constitucional
brasileiro para além do fortalecimento do Supremo Tribunal Federal e mudança de papel político da Cor-
te. Elementos como (i) a delimitação dos autores que se tornaram referências, (ii) a distância entre teorias
e realidade social, (iii) a expansão dos programas de pós-graduação em Direito e o aumento da circulação
de ideias que envolvam matérias constitucionais, além (iv) das relações entre professores/pesquisadores e
juristas, são incorporados à discussão como movimentos capazes de influenciar a construção social do
direito constitucional brasileiro. Da breve análise de tais movimentos, a disputa pelo conhecimento no
campo jurídico e o processo de constitucionalização do debate político tornam-se elementos centrais à
compreensão do direito constitucional brasileiro enquanto categoria autônoma no discurso jurídico.
Palavras-chave: Academia; Prática Jurídica; Disputas
ABSTRACT
This paper aims of increasing the discussions about the production of Brazilian constitutional law, besides
the argument of the Brazilian Supreme Court strengthening and changing political role it. Elements as (i)
the delimitation of the authors who have become references, (ii) the distance between theory and social
reality, (iii) the expansion of graduate studies programs in law, increasing the circulation of ideas involving
constitutional law, in addition (iv) the relationship between teachers/researchers and jurists, are incorporated
into the discussion as movements can influence the social construction of the Brazilian constitutional law.
The brief analysis of the mentioned movements, the competition for knowledge in the juridical field and the
transformation of the political discussion in juridical and constitutional become important elements to the
understanding of Brazilian constitutional law as an independent category in juridical discourse.
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Key-words: Academy; Work of Jurists; Competitions.
ENTRE A ACADEMIA E OS TRIBUNAIS

INTRODUÇÃO da competência do Supremo Tribunal


Não é incomum autores de direito Federal para apreciar demandas jurídi-
constitucional, ou áreas próximas, argu- cas, a ampliação do acesso à jurisdição
mentarem no sentido da inexistência de constitucional, a criação de mecanismos
uma metodologia própria ao estudo do protetivos aos direitos fundamentais ante
direito constitucional, embora seja uma a inércia do Poder Legislativo – manda-
categoria que tem crescido tanto em nú- do de injunção, dentre outras medidas,
mero quanto em importância no discur- ampliaram as discussões jurídicas em
so jurídico. No direito norte-americano, relação às mudanças no direito constitu-
por exemplo, Bruce Ackerman ao escre- cional. As significativas mudanças atri-
ver We the people, em seus três volumes, buíram ao direito constitucional brasilei-
apresenta um método específico ao es- ro uma maior visibilidade, e não sobres-
tudo do direito constitucional norte-a- salência, em relação a outras áreas jurídi-
mericano: a partir da história política cas, como o direito civil, por exemplo1. O
do país, o autor vem traçando a forma que permite alguns autores brasileiros a
como o país foi construindo e consoli- defesa de ocorrência de um constitucio-
dando esta categoria até torná-la fun- nalismo brasileiro somente, ou principal-
damental também na compreensão do mente, a partir da Constituição de 1988
discurso jurídico local. Outros métodos (BARROSO, 2001; SARMENTO, 2011).
de mesmo poder explicativo não estão Esse movimento de expansão do
descartados, mas, nos Estados Unidos, a direito constitucional brasileiro pós-
história política do país é capaz de expli- 88 defendido, por exemplo, por auto-
car diversos fenômenos, como o suposto res como Barroso (2001) e Sarmento
nascimento do controle de constitucio- (2011), impactou também no aumento
nalidade a partir de uma briga política da discussão pública a partir da consti-
na sucessão presidencial de John Adams tucionalização de debates políticos. Isto
a Thomas Jefferson, conhecido também é, juristas utilizam cada vez mais ar-
pelo leading case Marbury vs. Maddison 1
Para ilustrar o exemplo, é possível citar uma possível mo-
(SANTIAGO, 2015). vimentação de autores, na década de 90, ao iniciar traba-
lhos com o objetivo de aproximar ainda mais o direito civil
Diferentemente da lógica brevemen- e o direito constitucional, sob a liderança dos professores
te desenhada acima, no Brasil, o direito Maria Celina Bodin de Moraes e Gustavo Tepedino, tendo
como trabalhos de referência:
constitucional ganhou maior evidência BODIN de MORAES, Maria Celina. A Caminho de um
no campo jurídico nacional, para usar Direito Civil Constitucional. Direito, Estado e Sociedade,
Brasil, v. 1, p. 59-73, 1991.
uma expressão de Bourdieu (1998), prin- ______________________________. A Constitucionali-
cipalmente após a promulgação da Cons- zação do Direito Civil. Revista Brasileira de Direito Com-
parado, Rio de Janeiro, v. 17, n.17, p. 79-89, 1999.
tituição Federal de 1988. Na hipótese, TEPEDINO, Gustavo. A Constitucionalização do novo Có-
importantes mudanças como o aumento digo Civil. Revista trimestral de Direito Civil, v. 15, 2003.

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gumentos fundamentados em normas interesses: a compreensão do funciona-


constitucionais para adentrar ao campo mento da Corte a partir principalmente
político com a segurança de uma “im- da investigação de como os seus ministros
parcialidade aparente” por se utilizar de decidem. Neste sentido, a pergunta central
argumentos jurídico-constitucionais. deste texto é: se juristas, professores e pes-
Diante do cenário acima descrito, com- quisadores, apesar dos diferentes métodos
preender a forma como o direito constitu- e interesses, analisam um mesmo objeto,
cional se tornou uma categoria fundamen- buscando resposta a uma mesma pergunta,
tal à explicação do discurso jurídico brasi- por que não se unem em prol de um mes-
leiro tornou-se um desafio principalmente mo objetivo? A resposta será construída a
entre juristas e acadêmicos. Diante da difi- partir da demonstração de que, na ausência
culdade em apontar um método de estudo de uma metodologia específica à compre-
capaz de unir estes diferente profissionais, ensão de como o direito constitucional se
é possível indicar um objeto de estudo em tornou uma categoria explicativa do discur-
comum entre eles: o Supremo Tribunal Fe- so jurídico nacional, a disputa entre juris-
deral, órgão que vem ganhando cada vez tas, professores e pesquisadores pelo “o que
mais notoriedade no cenário jurídico na- é dito” e “como é dito” contribui também à
cional, principalmente após a transmissão construção, consolidação e, principalmen-
ao vivo de suas sessões de julgamento pela te, compreensão do direito constitucional
TV Justiça. E utilizando o STF como objeto enquanto categoria autônoma de estudo no
de investigação, podemos destacar: de um discurso jurídico brasileiro.
lado, os integrantes de carreiras jurídicas Para refletirmos estas questões, além
tradicionais (advogados, representantes de contribuir à construção do argumen-
do Ministério Público, juízes, defensores to mencionado acima, discutiremos: (i)
públicos, dentre outros), que buscam um que autores são utilizados como referên-
prognóstico das decisões judiciais a fim cia no direito constitucional brasileiro;
de preencher um interesse específico; e de (ii) o debate acerca de teorias surgidas
outro, professores e pesquisadores que, por possivelmente nos sistemas jurídico nor-
meio da investigação realizado diante da te-americano e alemão, e a importação e
análise de decisões judiciais, análise com- aplicação de estudos e pesquisas à reali-
portamental, ou ainda pelo estabelecimen- dade social brasileira sem a devida refle-
to de diálogos interdisciplinares como a xividade ou análise de adequação; (iii) o
realização de pesquisas empíricas, buscam aumento dos programas de pós-gradua-
compreender o funcionamento da Corte. ção stricto sensu em Direito no Brasil, e
Além do objeto de pesquisa unir os (iv) a disputa existente entre acadêmicos
diferentes grupos acima, outro elemento e membros de carreiras jurídicas tradi-
também é responsável por aproximar seus cionais pelo conhecimento jurídico.
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QUEM DEFINE AS REFERÊNCIAS O primeiro grupo identificado pos-


AO DIREITO CONSTITUCIONAL sui, dentre os autores que o compõem,
BRASILEIRO? o mais citado pelos ministros do Supre-
Em recente pesquisa realizada por mo: José Afonso do Silva. Acompanham
Lorenzetto e Kenicke (2013), publica- José Afonso da Silva os seguintes auto-
da no site Conjur, foram demonstrados res: Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
os autores brasileiros que escreveram Celso Ribeiro Bastos, Luis Pinto Ferrei-
sobre direito constitucional que foram ra, Pontes de Miranda, Raul Machado
mais citados no Supremo Tribunal Fe- Horta, Francisco Campos, Rui Barbosa
deral. A pesquisa teve como lapso tem- e João Barbalho. Esse primeiro grupo de
poral o período compreendido entre autores possui trabalhos publicados em
1988 e 2012, sendo realizada a partir da um período de grandes transformações
base de dados disponibilizada pelo Su- em relação ao funcionamento do STF,
premo Tribunal Federal em seu site ofi- competências e ingerências sofridas di-
cial. Os dados obtidos ficaram restritos retamente pelo Chefe do Poder Executi-
ao controle concentrado de constitucio- vo (BRANDÃO, 2012). Neste período,
nalidade (ADI, ADC, ADO e ADPF), dá-se destaque aos diversos diplomas
totalizando 1003 casos analisados den- normativos responsáveis por organizar
tre as ações julgadas total ou parcial- o Estado brasileiro, orientar o funciona-
mente procedentes. A lista alcançada mento de instituições políticas, além de
não é extensa, apresentando setenta e definir suas competências e delimitar o
quatro diferentes autores citados pelo rol de direitos fundamentais existentes.
STF no controle abstrato ao longo de Dentre os diversos marcos normati-
vinte e quatro anos analisados. vos existentes à época, capazes inclusive
Dos setenta e quatro autores listados de influenciar a leitura do direito cons-
na pesquisa, basta-nos destacar os vinte titucional atual, estão as constituições
primeiros para elaboração e compreen- brasileiras de 1891, 1934, 1937, 1946 e
são do argumento criado ao longo do 1967/69, além da Reforma Constitucio-
texto. Os vinte autores mais citados nos nal de 1926. As constantes mudanças
votos apresentados pelos ministros do legislativas permitiram que os autores
STF podem representar ao menos três mencionados produzissem frequentes
diferentes grupos: um composto por (i) comentários e, por ser à época uma co-
autores mais clássicos, um por (ii) minis- munidade restrita a dominar um saber
tros e ex-ministros do Supremo e outro tão específico, os autores tornaram-se
por (iii) autores mais recentes. Abaixo, referência nos temas abordados. A par-
destacaremos e teceremos breves carac- tir daí, estudos cada vez mais extensos
terísticas sobre cada um desses grupos. foram publicados por tais autores, es-
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timulando a produção jurídica em um ponsáveis por orientar o entendimento


período não apenas de poucos especia- da Corte diante de casos em que a sua
listas, mas também de baixa difusão ao resolução não encontrava amparo legal.
acesso à informação, como o “Curso O segundo grupo identificado é
de Direito constitucional”, de Manoel composto por ministros e ex-ministros
Gonçalves Ferreira Filho, por exemplo. do Supremo Tribunal Federal, incluindo
Em 1967, Manoel Gonçalves Fer- dentre os mais citados: Gilmar Ferreira
reira Filho publicou uma das primeiras Mendes, Eros Roberto grau, Carmem
obras a sistematizar o estudo do direito Lúcia Antunes Rocha, Luis Roberto
constitucional em um único exemplar, Barroso, Carlos Maximiliano Perei-
escrevendo a história política do Estado ra dos Santos e Carlos Ayres Britto. O
brasileiro a partir das suas constituições, grupo citado reflete a existência de uma
o que foi seguido por diversos autores rede de autores que, ao mesmo tempo
que escreveram em momento posterior. em que julga, fundamenta suas decisões
O estudo e ensino do direito constitucio- com citações a textos próprios e a dos
nal brasileiro passou, então, a ser feito colegas de julgamento. E com o aumen-
a partir de diplomas normativos, com to da competência da Suprema Corte e
baixo aprofundamento no contexto his- o recebimento de um volume cada vez
tórico-político, capaz de ter sido influen- maior de processos para julgamento,
ciado pelo autoritarismo vivido pelo ainda que se considerem os processos
Estado brasileiro à época, estimulando repetitivos, o número de citações a si
duas grandes questões: (i) a impossibi- mesmo e aos próprios colegas tende a
lidade do relato às experiências vividas aumentar. O que pode ser capaz de criar
por autores no período da escrita e (ii) e consolidar uma legitimidade teórica
a reprodução irrefletida dessa produção por meio da repetição e falta de contes-
jurídica por autores mais contemporâ- tação, já que se trata da última instância
neos, que contribuem à transformação a apreciar uma questão jurídica no país.
das teses e argumentos lançados ao ce- A legitimidade teórica construída
nário jurídico por autores mais tradicio- acima se torna referência inclusive no
nais em dogmas. Tais eventos contribuí- ensino do direito constitucional atual,
ram à construção de um saber acerca do quando universidades que prezam por
direito constitucional brasileiro capaz um ensino tradicional estimulam seus
de orientar inclusive os ministros da Su- alunos a tomarem o posicionamento do
prema Corte em um período em que a Supremo Tribunal Federal não apenas
informação e o conhecimento técnico- como o último posicionamento possí-
-jurídico eram restritos. Isto é, os autores vel sobre a questão jurídica apreciada,
mencionados acima foram também res- mas como o único ou o mais correto
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entendimento. Esses processos, além de reconhecimento também de sua com-


contribuir à baixa reflexividade acerca das petência técnica-jurídica demonstrada
resoluções jurídicas buscadas e assumidas nas teses e argumentações desenvolvi-
pelo STF, parecem estimular a criação do das perante o Supremo Tribunal Fede-
que alguns alunos e professores chamam ral, principalmente após o aumento de
de “argumento de autoridade”. Em relação visibilidade pública que possui a partir
a este último aspecto, Kant de Lima (2001) da transmissão ao vivo de suas sessões
destaca que o próprio Direito se exerce de julgamento, fenômeno inaugurado
como uma imposição das autoridades pela TV Justiça em novembro de 2002.
que dominam o conhecimento jurídico e Resumindo, os autores mais citados
a “competência para a interpretação cor- pelos ministros do Supremo Tribunal
reta da aplicação particularizada das pres- Federal são aqueles que, em um pri-
crições gerais” (KANT DE LIMA, 2001: meiro momento, orientaram a Corte
109). A observação de Kant de Lima não quando diante do baixo conhecimento
se restringe tão somente ao direito cons- técnico disponível devido, dentre outros
titucional, mas ao Direito enquanto um motivos, aos poucos canais de acesso à
fenômeno social, que atua reproduzindo informação ou baixa qualificação dos
compilações dogmáticas que servem ape- juristas à época. Depois, os próprios mi-
nas à particularização de um saber que se nistros se tornam fonte de produção de
exerce como uma imposição das autorida- conhecimento técnico a partir da citação
des que dominam o conhecimento jurídico constante aos seus próprios textos e aos
(KANT DE LIMA, 2001). de seus colegas. E por último, diante da
Por fim, o último grupo identificado cada vez mais crescente visibilidade pú-
é formado por aqueles que atuam cons- blica do STF, atuar perante o órgão tor-
tantemente perante ao Supremo quer nou-se um mecanismo de atribuição de
seja por meio de sustentações orais, credibilidade às funções desempenhadas
representando conhecidas profissões pelos detentores das mais variadas pro-
jurídicas como advogado, promotor, fissões jurídicas. Os três diferentes gru-
dentre outras, ou pela elaboração de pa- pos identificados na análise dos vinte
receres capazes de instruir o processo e autores mais citados pelos ministros do
influenciar posicionamentos dos minis- Supremo na pesquisa de Lorenzetto e
tros durante o julgamento. São eles: Ives Kenicke (2013) apresentam relação di-
Gandra da Silva Martins, Alexandre reta com o próprio STF, demonstrando
de Moraes, José Cretella Júnior, Paulo também porque o discurso constitucio-
Gustavo Gonet Branco e Paulo Bonavi- nal sustentado pelos mais diversos au-
des. Estes buscam confiabilidade acerca tores, nas mais diversas perspectivas e
do exercício de suas funções a partir do períodos da história constitucional bra-
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sileira, estão de alguma forma relaciona- reito constitucional (como o controle de


dos ao Supremo Tribunal Federal. constitucionalidade com Rui Barbosa, por
Assim, no presente tópico, foram exemplo). E os autores que escreviam so-
mapeados alguns autores capazes não bre o direito constitucional brasileiro, por
apenas de contribuir à autonomização ser um tema muito incipiente ainda à épo-
do direito constitucional2 enquanto ca- ca, o faziam estabelecendo relações com a
tegoria explicativa do discurso jurídico teoria do Estado. Esse processo pode ser
no Brasil, mas de impulsionar o seu en- notado por meio da leitura dos textos de
sino por intermédio de seus próprios Manoel Gonçalves Ferreira Filho. O autor
textos. O que nos sugere a reflexão a realizou em sua tese de doutorado um es-
respeito de aspectos fundamentais nos tudo comparado do estatuto constitucio-
textos de diversos autores do direito nal dos partidos políticos no Brasil, Itália,
constitucional brasileiro, como o uso França e Alemanha. O contato com o Di-
excessivo de teorias importadas do di- reito Constitucional francês e alemão foi
reito norte-americano e alemão e apli- determinante em sua trajetória acadêmica,
cadas ao direito brasileiro sem a devida permitindo uma formação que abrangesse
adequação à sua realidade social, ques- duas distintas Escolas de Direito Público.
tões específicas do tópico seguinte. Em 1967, Manoel Gonçalves Ferreira Fi-
lho publica um dos estudos mais aprofun-
TEORIAS E REALIDADE SOCIAL: dados sobre o direito constitucional brasi-
COMO APROXIMÁ-LAS? leiro à época, intitulada “Curso de Direito
Conforme brevemente destacado no Constitucional” e, em seguida, torna-se
tópico anterior, a partir da análise dos au- professor titular da Universidade de São
tores que escreveram sobre o direito cons- Paulo, difundindo a sua experiência inter-
titucional brasileiro, é possível perceber nacional e conhecimentos adquiridos
quão nova é esta categoria de análise. No Além da experiência internacional
Brasil, ela começa a ganhar força a par- do autor mencionado acima, também
tir, principalmente, do século XX com os merece a de Rui Barbosa, que desponta-
autores citados no tópico anterior, o que va dentre os autores de sua época como
pode ser notado a partir das publicações exímio conhecedor do sistema jurídico
nacionais existentes sobre temas de di- norte-americano, incorporando várias
2
O processo de autonomização do direito constitucional
de suas teorias ao direito brasileiro,
discutido no presente texto não representa uma dissociação principalmente em relação ao contro-
do Direito. Não desejamos argumentar no sentido de
uma separação do direito constitucional do Direito ou
le de constitucionalidade (LYNCH,
discurso jurídico. Referimo-nos à representação de forma 2008). Isto é, o domínio de um língua
sistemática de um conjunto de estudos voltados para uma
área específica do saber: o direito constitucional, assim
estrangeira difundida, relação com pro-
como ocorre com o direito civil, por exemplo. fessores e pesquisadores, realização de
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estudos comparados, busca de teorias a Entretanto, quem fez a pesquisa sequer se


partir da necessidade de fundamentar atentou ao fato de o livro em espanhol ser
teses, interpretações e argumentações a tradução de uma publicação alemã. O
jurídicas são elementos que também caso é solucionado à luz da tese encontra-
contribuíram à criação e consolidação da e passa a ser parâmetro de resolução
do direito constitucional brasileiro en- para casos semelhantes, permitindo que a
quanto categoria autônoma no Direito. própria repetição de casos e teses seme-
Os processos brevemente narrados lhantes passe a ser incorporadas ao dis-
acima contribuem à reflexão de como, curso nativo dos juristas. Pronto: está bre-
em um período de pouco aprofunda- vemente narrada a possibilidade de uma
mento do direito constitucional, as te- tese estrangeira alemã ser incorporada ao
orias estrangeiras se incorporam aos sistema jurídico brasileiro sem qualquer
nossos estudos. Os autores menciona- análise da viabilidade de sua adequação.
dos são apenas exemplos de que a expe- Apesar de o exemplo acima parecer
riência internacional, quer seja a estudo exagerado, o principal eixo de análise é
ou trabalho, pode influenciar na elabo- a incorporação de teorias estrangeiras
ração de teses e argumentos jurídicos, ao direito brasileiro sem análise de sua
que se incorporam não apenas em seus adequação em realidade social distin-
estudos, mas também em posiciona- ta. Sobre o tema, em palestra proferida
mentos de ministros da Suprema Corte, no Brasil, o jurista alemão Claus Roxin
no ensino do Direito e, sobretudo, ao apresentou surpresa com a utilização
que alguns autores chamam de raciocí- de sua teoria do domínio do fato no
nio jurídico (SCHAUER, 2009). julgamento da Ação Penal n.º 140 pelo
Nesse sentido, é no mínimo questio- STF, conhecida também como “mensa-
nável a remissão à origem de quaisquer lão”. Segundo o jurista, a teoria do do-
teses e argumentos tipicamente consti- mínio do fato foi aprimorada em con-
tucionais aplicados ao direito brasileiro. texto completamente diverso3. Ou seja,
Exemplo: quando diante de um caso de 3
Veja-se trecho de entrevista de Claus Roxin sobre a teoria
difícil resolução não é improvável que do domínio do fato:
“Folha – O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
surja a necessidade de consulta a textos Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do
jurídicos que contribuam ao seu esclare- nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro
de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando
cimento. Sob este raciocínio, suponha- para que se execute um delito, tem de responder como autor e
mos que, iniciado o processo de pesquisa, não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas
é encontrado um texto em espanhol que conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra
discute o mesmo assunto ou assunto co- a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da
Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a
nexo. Em seguida, é feita uma adequação teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo
da tese encontrada ao caso em análise. desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal

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os sistemas jurídico norte-americano e constitucional vigente, preocupando-se


alemão utilizados como exemplo nes- em verificar uma correspondência entre
se texto representam também modelos algumas instituições políticas e a estru-
que exercem influência sobre um siste- tura social do país. A crítica de Oliveira
ma jurídico ainda em formação, dada a Vianna pretendia diminuir o distancia-
jovialidade de algumas categorias que mento percebido pelo autor entre as nor-
são fundamentais à sua compreensão, mas constitucionais, as teorias utilizadas
como o direito constitucional aqui dis- com fins explicativos e a realidade política
cutido. E também por ser recente na his- e constitucional brasileira4.
tória do Direito no Brasil, o direito cons- O cenário acima nos atenta a im-
titucional deve sim sofrer influências de portantes questões. A primeira refere-se
experiências internacionais que apresen- à influência de autores clássicos, assim
tam um sistema e discurso jurídico um qualificados em relação ao momento em
pouco mais consolidado em compara- que produziram suas obras e a frequên-
ção ao Brasil. O presente tópico não está cia em que lhes são feita referências, na
tecendo críticas à importação em si de construção dogmática do conhecimento
teorias estrangeiras e sua aplicação ao jurídico. A segunda está diretamente re-
direito brasileiro, mas à importação sem lacionada à importação de teorias de pa-
reflexividade e sem análise de adequação íses cêntricos sob o argumento de maior
à realidade social aqui existente. coerência e organização do trabalho in-
Apesar do espanto de Claus Roxin, telectual, capaz de criar inclusive uma
ele não é o único, tampouco o primeiro, a dependência de modelos culturais por
identificar inadequações na aplicação de países ideo-americanos. Nas palavras de
teorias estrangeiras ao direito brasileiro. Lynch (2013, 734-735):
Oliveira Vianna (1927), questionou a uti-
lização de modelos jurídicos que não re- Os europeus e norte-ameri-
fletissem a formação do Estado brasileiro, canos seriam “adiantados”, “de-
realizando um estudo sobre a realidade senvolvidos”, “civilizados”, “pri-
Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a
4
adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Veja-se trecho da obra do autor:
Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori “Todas essas considerações nos deixam ver que o problema
[presidente entre 1990 e 2000]. da nossa organisação política é muito mais complexo do que
Folha - É possível usar a teoria para fundamentar a parece áquelles que pensam poder resolve-lo com simples
condenação de um acusado supondo sua participação reformas constitucionais. De certo, os que assim pensam
apenas pelo fato de sua posição hierárquica? são espíritos que ainda cultivam a velha crença supersticiosa
Claus Roxin - Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no no poder das formulas escriptas e devem naturalmente ser
topo de uma organização tem também que ter comandado esse também espíritos bem-aventurados, ou, pelo menos, com
fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.” a bem-aventurança assegurada; porque o que os factos têm
Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/denuncias/ demonstrado e a experiencia comprovado é que somente
jurista-alemao-repreende-o-stf-pelo-mau-uso-de-sua- pela virtude dos textos constitucionais não conseguiremos
teoria-do-dominio-do-fato.html>. Acesso em 21.mar.2015. reorganisação alguma. (sic)” (VIANNA, 1927, p. 63)

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meiro mundo”, ao passo que os vogados, por exemplo). Somados a estes


ibero-americanos eram “atrasa- fatores, devemos considerar também os
dos”; “subdesenvolvidos”; “bár- ministros do STF que apresentam deter-
baros” ou “semibárbaros”. Era minados rótulos de justificações às suas
como se prevalecesse uma di- decisões de modo a manipular conceitos
visão internacional do trabalho jurídicos ou adotá-los em um contexto
intelectual: na geografia do mun- completamente diverso o qual ele foi en-
do, o “centro”, o “lugar” produzia saiado quando do seu surgimento.
o “universal” (filosofia, teoria, Em conferência pronunciada na
ciência); ao passo que cabia à pe- Universidade de Friburg, ao destacar a
riferia aplicá-lo às suas circuns- internacionalização da vida intelectual,
tâncias particulares. Esse proces- Pierre Bourdieu (1989) aponta proble-
so por que os autores periféricos mas estruturais na circulação das ideias:
“aplicavam” a teoria cêntrica textos que circulam sem seus contextos,
dava origem a um tipo de refle- não carregando consigo o seu campo de
xão menor, espécie de rescaldo produção; e a reinterpretação dos re-
da anterior: precário, fragmentá- ceptores de tais textos a partir da estru-
rio, contingente ou assistemático, tura do campo de recepção que possui.
válido somente dentro de seus Nas palavras de Bourdieu (1989):
próprios limites (nacionais).
Assim, o sentido e a função
De acordo com Lynch, há um movi- de uma obra estrangeira são de-
mento feito por autores ibero-america- terminados pelo menos tanto
nos em incorporar aos seus pensamen- pelo campo de recepção como
tos teorias de países cêntricos, como pelo campo de origem. Primei-
tentativa de integrarem uma elite inte- ramente, porque o sentido e a
lectual não periférica capaz de orientar função no campo original são
a produção do conhecimento de uma frequentemente completamente
área específica do saber. ignorados. E também porque a
Por fim, outra importante questão transferência de um campo na-
diz respeito à circulação e utilização das cional a outro se faz através de
ideias desenvolvidas por tais autores, uma série de operações sociais:
além dos argumentos ou teorias desen- uma operação de seleção (o que
volvidas ou lançadas ao direito brasileiro se traduz? O que se publica?
por aqueles que acumularam experiên- quem traduz? quem publica?);
cia perante a atuação no Supremo Tribu- uma operação de marcação (de
nal Federal (ministros aposentados e ad- um produto anteriormente ‘des-
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marcado’) através da casa de paz de desprezar todo o processo narra-


edição, a coleção, o tradutor e o do por Bourdieu nas linhas acima.
prefaciador (que apresenta a obra Em um caso difícil, por exemplo, não
se apropriando e anexando a sua é incomum que um ministro do STF de-
própria visão e, em todo caso, a senvolva argumentações a partir da im-
uma problemática inscrita no portação de uma alternativa produzida
campo de recepção e que faz ape- em contexto diverso ao vivido pelo Estado
nas raramente o trabalho de re- brasileiro. Segundo Santos e Silva (2012),
construção do campo de origem, “ministros do STF sequer observam a di-
primeiro porque é muitíssimo ferença entre o significado que a expressão
difícil); uma operação de leitura ou instituto pode ter ganhado em seu con-
enfim, os leitores aplicam à obra texto de surgimento e os usos e sentidos
categorias de percepção e proble- que lhe está concedendo em sua utilização”
máticas que são o produto de um (SANTOS & SILVA, 2012: 10). Em pesqui-
campo de produção diferente. sa recente feita a partir da leitura de todos
os acórdãos no STF que faziam menção à
O alerta acima nos remete a im- expressão “mutação constitucional”, San-
portantes questões quando diante da tos (2015) identificou ao menos seis sig-
utilização de uma teoria estrangei- nificados distintos à mesma expressão, o
ra: como obter acesso a uma rede de que corrobora a já discutida falta de rigor
conhecimentos que não representa a metodológico na utilização de conceitos
nossa língua nativa e não faz parte de jurídicos pelos juristas brasileiros.
nosso cotidiano e, posteriormente, re- A circulação de ideias por meio das
produzi-los a partir de nossas próprias teses, interpretações e argumentações
concepções? A nossa concepção repre- jurídicas, frutos do contraditório re-
senta uma descrição do conhecimento presentado tanto nos tribunais quanto
adquirido, uma adaptação ao contexto na academia, contribuem à sustentação
que queremos analisar ou uma crítica dos chamados “argumentos de autori-
à criação ou uso de tal conhecimento? dade”, em detrimento da autoridade do
Essas representam algumas das impor- argumento (KANT DE LIMA, 2001).
tantes questões que devemos levar em Fato relacionado à atividade prática do
consideração ao fazermos uso de uma jurista, que se desenvolve com base em
teoria estrangeira em nossos estudos e dogmas construídos em um processo
pesquisas. E o que chama atenção no legislativo e depois interpretados por
Direito brasileiro é a inexistência de autoridades do campo jurídico. Dian-
uma metodologia própria à utilização te desse raciocínio, é possível inferir a
de conceitos e institutos jurídicos, ca- existência de pesquisas no Direito que
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ENTRE A ACADEMIA E OS TRIBUNAIS

são produzidas a partir desses dogmas, que exercício de sua autoridade. E o exercí-
se consolidam por meio da jurisprudência5 cio de tal autoridade não está restrito
e da produção de “manuais de Direito”6. somente ao julgador, ao passo que no
O jurista, então, reproduz e discute campo jurídico ela pode ser construída
os dogmas e suas interpretações, esta- com base na deferência a determinado
belecendo uma disputa entre estas, de autor, não necessariamente pelos re-
modo a identificar um “argumento ven- sultados obtidos em sua pesquisa, mas
cedor”. Essa prática reflete o “contradi- pelo status adquirido no campo jurídi-
tório” utilizado nos tribunais, marcado co. Segundo Silva (2014), esse processo
pela disputa de teses jurídicas, com o fito de concessão de legitimidade no campo
de convencer o julgador sobre qual ar- do Direito de interpretação do dogma,
gumento este deve escolher para aplicar sem que o intérprete assuma tal posi-
ao caso em análise (BAPTISTA; KANT ção, permite a criação de autoridades.
DE LIMA, 2010). Ou seja, a tese ven- Como consequência, “o pesquisador7
cedora não é necessariamente a melhor acaba por perder sua autoridade en-
tese ou aquela que mais se aproxima quanto autor daquilo que escreve, pois
da realidade a ser aplicada, mas aque- o que vale é o argumento de autoridade
la escolhida pelo julgador, com base no e não necessariamente a autoridade do
argumento” (SILVA, 2014: 30).
5
Entendida neste trabalho como a consolidação de um Por fim, este tópico explicita outra
entendimento do colegiado em relação à determinada
matéria, alcançados tanto por meio (i) reiteradas decisões característica relacionada ao direito
em um mesmo sentido, quanto (ii) por posicionamento constitucional brasileiro: a forma pecu-
único do colegiado.
6
liar de circulação das ideias por meio de
“Os livros utilizados na faculdade de Direito são chamados
de Manuais. Os Manuais trazem a interpretação de teses, interpretações e argumentações
determinado jurista sobre a lei que o manual abrange. Estes tipicamente constitucionais, ganhando
juristas são chamados de Doutrinadores. E aquilo que é
produzido nos manuais é utilizado nas peças processuais, espaço e notoriedade não pela sua apli-
nas decisões do Poder Judiciário e nas pesquisas no campo cabilidade prática, mas pela “autorida-
do Direito. Estas geralmente discutem os posicionamentos
dos doutrinadores, de modo a utilizá-los para confirmar ou de” de quem as utiliza. O movimento
comprovar determinado argumento jurídico. A questão é identificado nos sugere a análise de ou-
que os manuais são releituras de uma autoridade jurídica
a respeito de determinada lei. É um conhecimento
tro importante aspecto: os espaços utili-
técnico, que não gera consenso entre a própria técnica que zados como arena de debates ao cenário
esta posta. Não é incomum que os manuais discordem
uns dos outros, trazendo “teses” opostas. Isto faz parte
descrito acima, como as pós-gradua-
da lógica do tribunal e o jurista, quando parte de um ções em Direito e os tribunais, questões
processo judicial, utiliza esses doutrinadores de modo a
confirmar um argumento que lhe é favorável. Porém, a
discutidas nos tópicos seguintes.
faculdade de Direito internaliza essa lógica do tribunal. E
7
as pesquisas muitas vezes são defesas de ponto de vistas, Leia-se a expressão “pesquisador” como forma de abranger
sem comprovação empírica, mas fundadas em dogmas, todos aqueles que empenham esforços intelectuais na
jurisprudências e/ou doutrinadores.” (SILVA, 2014, p.30) produção do conhecimento, como o jurista, por exemplo.

CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 17, nº 2, 2015. pp. 64-85 75
SANTOS, Carlos Victor; SILVA, Gabriel

O PAPEL EXERCIDO PELAS nos moldes estabelecidos pelo Decreto,


P Ó S - G R A D UA Ç Õ E S   N A n.º 19.852, de 1931: um professor cate-
CONSTRUÇÃO DO DIREITO drático da área orientava um aluno por
CONSTITUCIONAL um período de dois anos, enquanto este
No primeiro tópico, foram apresen- aluno apresentava uma tese ao final do
tadas algumas breves reflexões sobre curso, apresentando semelhanças ao
autores do direito constitucional capa- modelo europeu de estudos doutorais
zes de influenciar os estudos da matéria. (OLIVEIRA, 1995; FÁVERO, 1989).
Em seguida, foram tecidos comentários Esse processo é importante para no-
a respeito das teorias constitucionais no tar que mestrados e doutorados come-
direito brasileiro desenvolvidas ou im- çam a ser implementados no Brasil na
portadas por tais autores, estabelecendo- década de 30, em um período que vários
-se sem uma relação de adequação com autores considerados clássicos no direi-
a realidade social. Nas próximas linhas, to constitucional brasileiro já estavam
discutiremos um dos locais onde autores publicando seus textos. Cerca de duas
do direito constitucional, suas teses, in- décadas depois, os cursos de mestrados
terpretações e argumentações poderiam e doutorados foram se consolidando
ganhar fôlego, além de instruir profun- como um espaço de discussão e reflexão
das reflexões acerca do direito brasileiro: acadêmica a respeito de teorias e pesqui-
os programas de pós-graduação stricto sas a partir das teses desenvolvidas por
sensu em Direito existentes no país. seus estudantes. O processo é brevemen-
A opção de análise pelos programas te narrado por Santos (2002) ao demons-
de pós-graduação stricto sensu (mestra- trar que em 1952 foi firmado o primeiro
dos e doutorados) foi feita devido o ca- acordo entre universidades americanas
ráter de formação, aprofundamento na e brasileiras oficializando o intercâmbio
área de concentração e preparação para entre ambas, dando início a uma série de
atuação no ensino e estímulo à pesquisa acordos entre universidades brasileiras e
(SANTOS, 2002). No Brasil, o primei- estrangeiras, possibilitando muitos estu-
ro programa de pós-graduação stricto dantes brasileiros a estudar no exterior e
sensu foi inaugurado pelo Decreto n.º muitos estrangeiros fazerem pesquisa no
19.851 de 11 de abril de 1931, conhe- Brasil (SANTOS, 2002).
cido também como Reforma Francis- Com a implantação do modelo eu-
co Campos, permitindo que cursos de ropeu de estudos doutorais e os convê-
doutorado fossem criados no Rio de Ja- nios com diversas universidades ame-
neiro, capital do país à época. No mes- ricanas, fica clara a influência de dois
mo ano, foi criado o doutorado em Di- diferentes modelos de estudos, ensino
reito na Universidade do Rio de Janeiro, e pesquisa sobre o objeto aqui em aná-
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ENTRE A ACADEMIA E OS TRIBUNAIS

lise: o direito constitucional brasileiro. gação da Constituição Federal de 1988,


O que estimulou inclusive a criação de concedendo ao STF maior segurança e li-
novos programas de mestrado e douto- berdade no julgamento, características da
rado a partir da década de 60, devido transição democrática que o país viveu.
à ampliação de possibilidade de estudos Além disso, a Constituição ampliou a sua
no exterior (SANTOS, 2002). atuação a partir da inflação de proces-
Esse primeiro movimento da expansão sos que o tribunal sofreu após mudanças
dos programas de mestrado e doutorado no em suas competências para julgamento
Brasil, demonstrando a influência dos mo- (BRANDÃO, 2012). Em poucos anos, o
delos norte-americano e europeu sobre os Supremo Tribunal Federal passou a ser o
estudos aqui realizados coincide com outro órgão de vital importância nas discussões
movimento: o do aumento gradual do pro- públicas sobre o cenário jurídico e polí-
tagonismo da Corte Constitucional na dis- tico do país decidindo questões como: o
cussão de questões jurídicas e políticas fun- conceito de família (ADI n.º 4.277, Rel.
damentais ao país. O Supremo Tribunal Fe- Min. Ayres Britto), o que é raça (HC n.º
deral apresenta grandes ingerências acome- 82.424, Rel. Min. Moreira Alves), cotas
tidas principalmente pelo Chefe do Poder raciais (ADPF n.º 186, Rel. Min. Joaquim
Executivo ao longo de sua história. Brandão Barbosa), planos econômicos (RE n.º 141,
(2012), nas primeiras páginas de sua tese de 190, Rel. Min. Nelson Jobim), o impeach-
doutorado, aponta como o STF sofria perse- ment do então Presidente da República
guição do Poder Executivo, com constantes Fernando Collor de Mello (MS n.º 21.564,
alterações em seu número de ministros e de- Rel. Min. Octavio Gallotti), dentre outros.
cisões cassadas, além de apresentar dificul- Assumindo o status de intérprete da
dades em discutir e decidir questões centrais Constituição, o Supremo Tribunal Federal
no cenário político e jurídico do país. foi ganhando um protagonismo na discus-
Mesmo diante de todas essas questões, são pública, contribuindo também à ele-
o Supremo Tribunal Federal surgia cada vação do direito constitucional à categoria
vez mais no cenário político como centro fundamental na compreensão de tais ques-
de discussões jurídicas de fundamental tões. E o movimento de expansão dos pro-
relevância à vida do cidadão brasileiro. gramas de mestrado e doutorado no país
Tanto no sentido de ser o órgão máximo coincidiu com esta mudança de papel do
do Poder Judiciário do país quanto em re- STF enquanto instituição jurídica. O que
lação ao alcance de suas decisões, que po- permitiu uma maior visibilidade pública da
dem atingir todos os órgãos administrati- instituição a partir da grande repercussão
vos e jurídicos do país, devendo por eles de suas decisões ao tratar questões políticas
ser seguidas e respeitadas. Este cenário fundamentais à vida do cidadão brasileiro
também recebeu influência da promul- em questões jurídico-constitucionais.
CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 17, nº 2, 2015. pp. 64-85 77
SANTOS, Carlos Victor; SILVA, Gabriel

Os dois movimentos narrados acima, possuem um programa relacionado dire-


que partiram de épocas semelhantes ou tamente ao direito constitucional: Univer-
próximas, podem demonstrar um insti- sidade Federal Fluminense – Programa
gante cenário de investigação: o tratamento em Direito Constitucional, Instituto Bra-
de questões políticas pelo Supremo Tribu- siliense de Direito Público – Programa
nal Federal como questões jurídico-consti- em Direito Constitucional, Universidade
tucionais. O que parece ter sido percebido de Itaúna – Programa em Direitos Fun-
pelos programas de pós-graduação stricto damentais, Universidade da Amazônia
sensu em Direito do país, local considera- – Programa em Direitos Fundamentais,
do fundamental à discussão e reflexão de Universidade de Ribeirão Preto – Progra-
tais fenômenos, a partir da criação (i) em ma em Direitos Coletivos e Cidadania; e
demasia de áreas de concentração que en- as únicas a obterem um curso de mestra-
volvam diretamente o direito constitucio- do e doutorado: Universidade de Fortale-
nal e (ii) programas que só possuem o di- za – Programa em Direito Constitucional,
reito constitucional como objeto de estudo. e Instituição Toledo de Ensino - Sistema
Em breve pesquisa realizada sobre os Constitucional de garantia de direitos.
programas de pós-graduação stricto sensu Em uma primeira impressão, é possível
reconhecidos e recomendados pela Coor- descaracterizar o dado de existir aparente-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal mente apenas sete instituições a terem um
de Nível Superior (CAPES) na área de Programa de Pós-graduação stricto sensu
Direito8, foram identificadas oitenta e oito em Direito Constitucional, se considerar-
instituições superiores que possuem um mos que elas existem em um universo de
curso de mestrado, dentre as quais, doze oitenta e oito instituições. No entanto, o
possuem um curso de doutorado. Não foi dado que deve ser extraído da breve e sim-
possível, por meio desta fonte, (i) obter a ples pesquisa acima é o de que, além dos
data em que foram implementados, o que programas de pós-graduação stricto sensu
permitiria mapear o período em que o em Direito no Brasil estarem fazendo uma
crescimento destes programas se tornam opção por especialização em matérias na
mais visíveis, (ii) tampouco mapear quais formação de seus alunos, o direito consti-
e quantos deles há áreas de concentração tucional é a matéria que apresenta o maior
e pesquisa em direito constitucional. No número de opções a tal especialização, ve-
entanto, foi possível perceber que de to- jamos: Ciências Criminais, apenas a Ponti-
das as instituições alcançadas, sete delas fícia Universidade Católica do Rio Grande
8
Dados disponíveis em: http://conteudoweb.capes.gov.br/
do Sul; Direito Agrário e Ambiental, Uni-
conteudoweb/oCursosServlet?acao=pesquisarIes&codigo- versidade Federal de Goiás, Universidade
Area=60100001&descricaoArea=&descricaoAreaConhe-
cimento=DIREITO&descricaoAreaAvaliacao=DIREITO.
Federal de Mato Grosso e Escola Superior
Acesso em 22.fev.2015. Dom Helder Câmara/MG; Direito da Re-
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ENTRE A ACADEMIA E OS TRIBUNAIS

gulação, apenas a Fundação Getulio Vargas/ O movimento que preza pela incor-
RJ; Direito Processual Civil, Universidade poração do direito subjetivo no estudo do
Federal do Espírito Santo e Universidade direito constitucional brasileiro, ganhando
Paranaense; e Direito Humanos, Universi- força no Brasil principalmente na década
dade Regional do Noroeste do Rio Grande de 90 com a tese de livre docência de Luis
do Sul e Universidade de Tiradentes/MG. Roberto Barroso, na Universidade Estadual
Os demais programas de pós-graduação do Rio de Janeiro, chamada O Direito Cons-
são em Direito/Ciências Jurídicas. titucional e a efetividade de suas normas. A
O aumento da possibilidade de estu- obra utiliza o direito subjetivo, enquanto
do do direito constitucional enquanto ca- possibilidade de invocar o ordenamento
tegoria autônoma é superior ao de outras jurídico à tutela de um direito em especí-
categorias, como as descritas acima. O que fico, para demonstrar (i) a necessidade de
pode demonstrar um movimento volta- reconhecimento de titularidade de direitos
do ao ensino e pesquisa do direito cons- constitucionalmente previstos, (ii) a inves-
titucional no Brasil a partir de elementos tidura pelo titular do direito em determina-
como a maior visibilidade pública da corte da situação jurídica, e (iv) o nascimento de
constitucional do país ao discutir questões uma pretensão caso seu direito individual
políticas como jurídico-constitucionais e seja violado na situação jurídica indicada.
o interesse da academia pela investigação Exemplo: a Constituição Federal garante o
deste fenômeno. Tais movimentos podem direito à saúde para todos os cidadãos bra-
causar diversas conseqüências, dentre as sileiros. Um portador do vírus HIV que não
quais: (i) o aumento da discussão pública possui condições econômico-financeiras
de questões políticas em matérias constitu- de suprir com os gastos necessários ao seu
cionais, (ii) uma profusão maior de textos tratamento poderá recorrer ao Poder Judi-
que representem estudos com interpreta- ciário para ter garantido o seu direito. Isto
ções, argumentações e criação de teses jurí- é, um direito constitucionalmente previsto
dico-constitucionais, (iii) além de propor- garante ao seu titular uma pretensão peran-
cionar ao mercado de trabalho um número te particulares ou até mesmo ao Estado.
maior de profissionais habilitados e espe- Esse movimento ampliou os deba-
cializados em matérias constitucionais. E tes acerca dos limites e possibilidades da
um movimento representativo desses três Constituição Federal e o alcance do direi-
aspectos é o da incorporação da categoria to constitucional brasileiro, permitindo
“direito subjetivo” (comum ao direito civil) um discurso mais difundido sobre temas
no estudo e aplicação do direito constitu- constitucionais a partir desta nova pers-
cional brasileiro, estabelecendo uma rela- pectiva. Enfim, todos os movimentos aqui
ção maior entre essas duas áreas do saber indicados apontam não apenas o apro-
principalmente por elos processuais. fundamento da matéria pelos programas
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SANTOS, Carlos Victor; SILVA, Gabriel

de pós-graduação no Brasil, mas também titucional quanto os juristas a procurarem


o da sua inclusão nos debates constante- um maior domínio da dogmática nos pro-
mente travados por profissionais do Direi- gramas de pós-graduação em Direito, e até
to nos tribunais, transformando-o em um mesmo em cursinhos preparatórios para
discurso capaz de empoderar um argu- concursos públicos. O que contribuiu a
mento e lhe conceder vantagem compe- uma desenfreada discussão e circulação de
titiva no campo jurídico, o que será mais textos e temas constitucionais entre acadê-
bem discutido no tópico seguinte. micos e juristas, que não atuam em par-
ceria pela incompreensão do objetivo do
O DISCURSO CONSTITUCIONAL outro ou por interesses distintos. Podemos
UTILIZADO COMO VANTAGEM citar como exemplo a investigação comum
COMPARATIVA NA DISPUTA PELO a professores/pesquisadores de/em direito
CONHECIMENTO JURÍDICO constitucional e juristas de como os juízes
Dado o panorama proporcionado pe- decidem: enquanto professores e pesqui-
los programas de pós-graduação stricto sadores simulam prognósticos de deci-
sensu em Direito no país, outro aspecto sões judiciais a fim de investigar como o
é passível de breve análise: a profusão do tribunal funciona, juristas têm o interes-
direito constitucional a partir da dispu- se em saber como os julgadores decidem
ta ocorrida no campo do Direito, entre para adotar a tese mais adequada que lhe
acadêmicos e ocupantes das carreiras ju- permita um julgamento favorável ao seu
rídicas tradicionais. Destacando-se que interesse. Assim, a disputa entre ambos
tanto a expansão dos programas de pós- pelo conhecimento jurídico representa
-graduação em Direito, quanto a mudan- também um meio de ampliação do debate
ça de papel político do STF em período constitucional, considerando se embasa-
semelhante e as disputas entre carreiras rem em teorias completamente distintas e
jurídicas tradicionais pelo conhecimento aumentando consideravelmente as teses,
jurídico, contribuíram a uma busca por teorias, interpretações e argumentações
maior qualificação na área constitucional. envolvendo o direito constitucional.
Isso porque, com o cenário criado, o Há também a disputa entre os mem-
discurso constitucional permitiria o em- bros de um mesmo grupo. Professores e
poderamento de um argumento político pesquisadores em Direito, por exemplo,
ou jurídico, capaz de se colocar hierarqui- disputam um método próprio à compre-
camente superior em relação aos demais. ensão de fenômenos sociais, podendo ser
O fenômeno da constitucionalização do notado pelos diálogos interdisciplinares
discurso político ou jurídico estimulou que diversas correntes estabelecem. Di-
tanto os acadêmicos a aprofundarem estu- ferentemente, os juristas se apropriam do
dos e pesquisas envolvendo o direito cons- domínio da dogmática aprendida para
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ENTRE A ACADEMIA E OS TRIBUNAIS

incorporar ao seu trabalho prático (i) a representantes de carreiras jurídicas tra-


utilização e criação de teses, e (ii) inter- dicionais, dentre outros (MCCAIN, 1994;
pretações e argumentações jurídico-cons- SCHEINGOLD, 2004; e ROSENBERG,
titucionais capazes de manipular entendi- 2007). A arena de debates proporcionada
mentos e promover interesses particulares, pelo STF permite uma maior visibilidade
como a disputa travada entre advogados pública da disputa pelo conhecimento
e juízes, por exemplo. O campo jurídico aqui desenhada, onde os atores que ali
desenhado aponta para uma disputa pelo atuam, buscam, dentre outros fatores, re-
conhecimento a partir do contraditório, conhecimento profissional e credibilida-
capaz de confrontar teses e, por meio de de das instituições que representam.
técnicas de interpretação e argumentação, Esse processo demonstra para além das
consolidar entendimentos sobre determi- reflexões aqui apresentadas, diferentes ca-
nadas demandas ou fenômenos sociais. minhos perseguidos pelo direito constitu-
Especificamente em relação às carrei- cional brasileiro até assumir o protagonismo
ras jurídicas tradicionais, a disputa pelo que alcançou no debate jurídico nacional. O
conhecimento jurídico travada entre elas que nos remete diretamente ao objeto deste
(algumas inclusive transmitidas ao vivo texto: não seria o direito constitucional bra-
pela TV Justiça), acirra essa disputa a sileiro construído também a partir da dis-
partir principalmente da publicização do puta existente no campo jurídico? Essa é a
debate envolvendo questões políticas e ju- reflexão proposta no tópico seguinte.
rídico-constitucionais. Além de tais ques-
tões, há também uma “luta cognitiva em CONSIDERAÇÕES FINAIS:
torno do conteúdo do profissionalismo” como foi construído o direito
(BONELLI, 2005: 110). Isto é, somando-se constitucional brasileiro?
à disputa pelo conhecimento jurídico, há Após os vinte e cinco anos alcançados
uma disputa pelo reconhecimento e credi- pela Constituição Federal de 1988, in-
bilidade tanto da atuação profissional indi- cessantes debates surgiram acerca do seu
vidualmente considerada quanto das pro- impacto na sociedade brasileira. As mu-
fissões envolvidas nesta “luta cognitiva”. danças causadas pelo novo sistema cons-
E o papel de protagonismo exerci- titucional permitiram uma maior reflexão
do pelo Supremo Tribunal Federal não acerca do direito constitucional brasileiro,
é o de apenas centralizar as decisões em principalmente a partir de movimentos
última instância sobre questões consti- como o ativismo judicial (KOERNER e
tucionais, mas o de atuar como arena ao FREITAS, 2013), a judicialização da políti-
debate público travado por cada vez mais ca (VERONESE, 2009; KOERNER, 2013;
atores sociais - cidadãos, imprensa, po- e BRANDÃO, 2013) e o fortalecimento
deres legislativo e executivo, acadêmicos, do Supremo Tribunal Federal frente às
CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 17, nº 2, 2015. pp. 64-85 81
SANTOS, Carlos Victor; SILVA, Gabriel

mudanças institucionais que lhe foram zando seus próprios textos como funda-
feitas (BRANDÃO, 2011), discutindo-se mentos à tomada de decisão ou desenvol-
inclusive uma possível ampliação de suas vendo e sustentando teses, interpretações
competências por meio de suas próprias e argumentações capazes de influenciar o
decisões. A proposta aqui desenvolvida julgamento dos próprios ministros. Isto
foi a de incorporar novos movimentos é, no cenário jurídico nacional, o STF re-
ao debate acerca da produção do direito presenta também uma arena capaz de de-
constitucional brasileiro, que pouco são monstrar a disputa entre “o que é dito” no
discutidos entre autores de textos que en- direito constitucional brasileiro.
volvam matéria constitucional. Outro movimento identificado refere-
No primeiro tópico, foi feita uma refle- -se à utilização de teorias estrangeiras sem
xão a partir de uma pesquisa que mapeou a devida adequação à realidade social bra-
os autores mais citados pelos ministros do sileira, influenciado dentre outros fatores
Supremo Tribunal Federal em seus votos. pela disputa de teses e argumentos no cam-
Em breve análise apenas dos vinte auto- po jurídico, devido a aparente atribuição
res mais citados foi possível perceber a de status ao argumento que busca funda-
existência de diferentes grupos de autores mentação em uma teoria estrangeira. Esse
responsáveis por conduzir as discussões processo de fundamentação do argumento
acerca do direito constitucional brasilei- embasado em uma teoria estrangeira, uti-
ro, além de identificarmos uma aparente lizado inclusive como meio de empoderar
modernidade a respeito dos autores bra- um argumento tornando-o hierarquica-
sileiros ao tratar deste tema. O primeiro mente superior a outros que lhes são con-
grupo identificado é caracterizado pela frontados, são representados tantos nas
produção a partir de diplomas normati- discussões acadêmicas que envolvam ma-
vos, possuindo baixo aprofundamento no térias constitucionais quanto entre juristas
contexto histórico-político, talvez influen- ocupantes das carreiras jurídicas tradicio-
ciado pelo autoritarismo vivido no Estado nais. Isto é, tanto nos tribunais quanto na
brasileiro à época. O segundo grupo de academia o conflito e disputa pelo domí-
autores citados pelos ministros do STF nio do conhecimento jurídico são visíveis
são eles mesmos, e o terceiro é formado a partir (i) da utilização de autores que re-
por juristas que costumam atuar perante putam ser clássicos - atribuindo autorida-
a Corte Constitucional. Neste tópico, é de ao argumento; (ii) e da incorporação de
possível identificar que os autores que se teorias estrangeiras ao direito brasileiro –
tornaram referências no direito constitu- sofisticando e empoderando o argumento
cional brasileiro são aqueles que circulam ou tese jurídica defendida.
na Corte Constitucional do país, quer seja As percepções acima demonstram a
orientando a atuação dos ministros, utili- existência de um outro conflito: o direito
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ENTRE A ACADEMIA E OS TRIBUNAIS

constitucional produzido pelos tribunais BIBLIOGRAFIA:


e aquele proveniente da academia. Por ACKERMAN, Bruce. We the peo-
tais motivos, apresentamos nos tópicos ple: Foundations. V. 1, Harvard: 1993.
seguintes um movimento acadêmico _________________. We the people:
com a expansão dos programas de pós- Transformations. V. 2, Harvard: 2000.
-graduações em direito constitucional e _________________. We the pe-
outro representativo da disputa existente ople: The civil rights revolution. V. 3,
entre acadêmicos e carreiras jurídicas tra- Harvard: 2014.
dicionais pelo domínio do conhecimento BARROSO, Luis Roberto. Funda-
jurídico. E nos dois tópicos destinados à mentos teóricos e filosóficos do novo
descrição desses movimentos, percebeu- direito constitucional brasileiro. Revista
-se não apenas uma disputa entre pro- Diálogo Jurídico, Salvador/BA, ano 1, v.
fessores/pesquisadores e os juristas, mas 1, n.º 6, set., 2001.
também no interior de cada um destes BODIN de MORAES, Maria Celina.
grupos, abrangendo tanto “o que é dito”, A Caminho de um Direito Civil Cons-
quanto “como é dito” o direito constitu- titucional. Direito, Estado e Sociedade,
cional brasileiro (BOURDIEU, 1998). Brasil, v. 1, p. 59-73, 1991.
O cenário desenhado contribuiu ao ____________________________
aumento do estudo do direito constitu- ___. A Constitucionalização do Direi-
cional enquanto categoria autônoma no to Civil. Revista Brasileira de Direito
discurso jurídico, ampliando a produção Comparado, Rio de Janeiro, v. 17, n.17,
e circulação de textos que envolvessem a p. 79-89, 1999.
matéria. A partir disso, é possível identifi- BONELLI, Maria da Gloria. Ideo-
car um processo de constitucionalização logias do profissionalismo em disputa
do debate político e jurídico e a incorpo- na magistratura paulista. Sociologias
ração de matérias constitucionais tanto (UFRGS. Impresso), Porto Alegre, n.13,
no trabalho prático dos juristas quanto p. 110-135, 2005.
em discussões públicas a respeito de te- BOURDIEU, Pierre. As condições
mas de grande repercussão social. Tais fa- sociais da circulação internacional das
tores nos permitem a reflexão em relação ideias. In: Atos de pesquisa em Ciências
a não consolidação de um sistema consti- Sociai, 2002. Tradução de Luiz Felipe
tucional brasileiro e a sua constante pro- Martins Candido.
dução por um trajeto que segue um fluxo ________________. O poder simbólico.
que parece distanciar cada vez mais este 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
direito constitucional da nossa realidade BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judi-
social, se aproximando e sendo apropria- cial e Diálogos Constitucionais: a quem cabe
do pelo campo de disputas jurídicas. a última palavra sobre o sentido da Consti-
CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 17, nº 2, 2015. pp. 64-85 83
SANTOS, Carlos Victor; SILVA, Gabriel

tuição. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2012. LORENZETTO, Bruno Meneses;


__________________. A judiciali- KENICKE, Pedro Henrique Gallot-
zação da política: teorias, condições e o ti. José Afonso da Silva é o doutrina-
caso brasileiro. Revista de Direito Ad- dor mais citado pelo STF. Disponí-
ministrativo, v. 263, p. 175-220, 2013. vel em: <http://www.conjur.com.br/
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