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Resumo
O conceito sobre Direitos Humanos que circula nas redes sociais instigou o nosso Grupo de
Estudos e Pesquisa em Psicanálise, Educação e Representação Social (GEPPE- Rs) a
desenvolver este estudo. As discussões, os confrontos e antagonismos que acompanham os
(em) bates em torno da temática, presentes nos discursos de jovens, fizeram surgir a
necessidade de nos debruçarmos sobre o estudo das Representações Sociais (RS) sobre
Direitos Humanos que circulam nesses meios, mais especificamente no Facebook e Twitter.
Utilizamos como base para nossa investigação e análise um fato ocorrido no início de 2014,
na zona sul do Rio de Janeiro, onde um adolescente negro, suspeito de praticar assaltos, foi
agredido, desnudado e preso a um poste por um grupo que se autodenomina como justiceiros.
Tomamos como amostra, jovens com perfis no facebook e twitter, que comentavam as
postagens de fontes jornalísticas de grande repercussão nacional, contendo notícias sobre o
fato. O estudo das Representações Sociais nos dariam bases para entendermos as
aproximações e ou os distanciamentos com concepções de mundo que admitam o
reconhecimento do ser humano como um sujeito de direito, sobretudo, o direito à vida,
tomando como base o que pressupõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos na
sociedade contemporânea. Os pressupostos da pesquisa qualitativa nortearam a investigação e
a análise do discurso orientou a construção das reflexões apresentadas. Como referenciais
teóricos buscamos subsídios em Comparato (2005), Bobbio (2004) e Santos (2009) para a
discussão sobre Direitos Humanos na contemporaneidade. Moscovici (1978), Jodelet (1986) e
Matos Oliveira (2009) respaldaram a nossa discussão sobre representações sociais e mídia.
Assim, as representações sociais sobre Direitos Humanos identificadas nesses cenários,
1
Artigo apresentado no Congresso Internacional sobre Representações Sociais – CIRS/2014; São Paulo, 2014.
apontam para a aderência a pressupostos e visões de mundo que potencializam a cultura da
violência, minimizam o papel da justiça e da presença do Estado de Direito, além de existir
uma “louvação” a armamentos, repressão policial e à morte do outro.
Palavras-chave: Representações Sociais, direitos humanos e redes sociais.
Introdução
Em uma perspectiva multicultural, Santos (2009) não coaduna com a ideia dos Direitos
Humanos como Universais na sua aplicação, pois considera que um dos principais obstáculos
para que tais direitos sejam concretizados se revela no conflito “Sociedade X Estado X
Globalização”. De um lado estão as questões culturais e do outro, as disputas ideológicas e os
interesses hegemônicos de forma acentuada, o que contribui para o processo de exclusão. O
autor toma como exemplo os modos comunitários arraigados por possibilidades de viver não
hegemonicamente, e que muitas vezes são invisibilizados pela absolutização da igualdade.
“Temos o direito de sermos iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de
sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (SANTOS, 2009, p. 18). Para o
autor, o multiculturalismo progressista implica que o princípio da igualdade seja vivenciado
em sintonia com o reconhecimento da diferença.
A não efetivação do princípio da igualdade, relacionada à lógica do capitalismo e da
globalização neoliberal, enseja a má distribuição de renda, provocando a desigualdade social,
que gera a distribuição desigual, agravada pelas mazelas a ela relacionadas, gerando situações
de exclusão social. Santos (2009, p.34), aponta a possibilidade de “preencher as lacunas
encontradas em uma dada cultura com contribuições de outras na direção de uma concepção
multicultural dos Direitos Humanos”, onde as condições para que o diálogo intercultural seja
possível, ou seja, uma ‘hermenêutica diatópica’. As culturas se reconheceriam como
incompletas, e desta forma, mesmo não almejando a completude, ampliariam a consciência de
respeito ao outro.
A consolidação dos Direitos Humanos se faz pela igualdade nas oportunidades e
concretização da ideia de justiça social, que busque superar efetivamente as condições que
geram a exclusão, oportunizando o sujeito a exercer a cidadania de forma digna, dando ênfase
à pessoa humana.
Desde a invenção da grande teoria, proposta por Moscovici (1978), na obra La Psychanalyse,
son image et son publique, que a comunicação é elemento intrínseco das representações
socais. Na contemporaneidade, os meios de comunicação de massa se constituem como fortes
veículos de difusão e de circulação de representações sociais. Segundo Matos Oliveira (2009,
p. 214), “essa explosão da mídia nos incita a discutir o espaço que essa tem ocupado na
constituição das relações sociais”. Por tal motivo, realizar um estudo sobre os discursos da
juventude que circulam nas redes sociais, sob a ótica das Representações Sociais, poderá
apontar respostas sobre como determinados grupos concebem os direitos humanos e como
este objeto vem sendo tratado, bem como, as consequências dessa representação para o
desenvolvimento das práticas instauradas.
Para Moscovici (1978), toda representação social se estrutura no tripé: informação, imagem e
atitude. A informação diz respeito à organização dos conhecimentos que o grupo tem do
objeto social; a imagem, que se projeta a partir da informação, corresponde a ideia que se faz
desse objeto associada a um conteúdo selecionado e preciso sobre ele; e, a atitude, se
configura como uma dimensão em que a representação social fornece a orientação para a
ação.
Diante disso, é possível dizer que as redes sociais não se configuram apenas como espaço
virtual de divulgação, difusão e propagação de ideias, mas como lugar que orienta práticas
sociais. Como qualquer mídia, “os discursos por ela tornados visíveis participam de um
processo constante de construção da realidade dos indivíduos, sustenta formas de pensar e
agir dos sujeitos sociais, constrói verdades, fabrica estereótipos, controla a opinião pública e
faz gerar nas pessoas e nos grupos o sentimento de pertença [...]” (MATOS OLIVEIRA, 2009,
p. 214). É certo que neste espaço midiático são os sujeitos que postam, validam, concordam
ou não, comentam e replicam as ideias, criando assim uma rede de informações que trazem
em seu bojo valores, histórias, saberes de diferentes atores sociais e que subliminarmente, vão
se constituindo em representações sociais. Estas, conforme afirma Jodelet (1986), possuem a
propriedade de interação entre o sensível e a ideia, entre a percepção e o conceito. Assim, a
formação das representações sociais está ligada às informações que circulam sobre
determinado objeto ou fenômeno social.
De acordo com Pinto (2009), as condições de produção e circulação das representações
sociais possuem seus referenciais na cultura, na linguagem, na comunicação e na sociedade;
logo, diz da relação estabelecida entre o contexto sócio-histórico e o aparecimento e a
propagação das representações sociais. Nesse sentido, os jovens produzem e reproduzem
informações que expressam uma ideia quando postam fotos, vídeos, comentários sobre
questões refrentes aos direitos humanos, construindo assim, uma consciência subjetiva nos
espaços sociais.
Direitos humanos em questão: a circulação dos discursos da juventude nas redes sociais
Tomando o episódio ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, no mês de janeiro deste ano e a
leitura da fala de um dos jovens "justiceiros", branco e de classe média, ao explicar a sua ação
naquela noite, é possível identificar uma compreensão enviesada sobre os Direitos Humanos.
Eis sua afirmação: "A gente sai em uma ronda para procurar esses criminosos. A gente bate,
dá uma lição de moral, impõe respeito em cima deles e depois libera, é como se nós fossemos
os policiais do bairro" (declaração dada ao programa Fantástico, TV Globo, em fevereiro de
2014). Nesse episódio, emergiu o pensamento/sentimento de uma parte da sociedade apoiando
as ações desses "justiceiros", refletindo uma “relação histórica de segregação que vem desde a
escravidão” (GOMES, 2014). Foi com essa vertente que representações sociais sobre direitos
humanos vieram à tona; a aderência dos discursos com a perspectiva de que é correto “fazer
justiça com as próprias mãos” nos trouxe a constatação de que as RS identificadas são
afinadas com a naturalização da violência, com movimentos reacionários e práticas
conservadoras que ameaçam avanços conquistados nas últimas décadas, sobretudo dos grupos
minoritários historicamente excluídos e às margens da condição de serem sujeitos de direitos,
de fato!
As assertivas, amplamente divulgadas nas redes sociais, tais como: "se tiver com peninha,
leve para casa", "bandido bom, é bandido morto", estão contidas nos discursos manifestados e
com mais amplitude em perfis de jovens de classe média, revelando que há no Brasil um
conceito de sociedade inimiga que “explica como o povo brasileiro vive de forma altamente
segmentada, apesar de todo o avanço dos últimos anos, e que parte da população não
compreende que a pobreza e a violência são resultantes de injustiças estruturais" (GOMES,
2014, p.2).
O resultado de uma pesquisa recente, realizada nos dias 13 e 14 de Fevereiro pela organização
Geledés Instituto da Mulher Negra, revela que 79% da população carioca afirmam que os
justiceiros agiram mal! Entretanto, esse juízo de valor não aparece com a mesma proporção
nos comentários dos usuários jovens das redes sociais, principalmente quando a fonte das
notícias é vinculada nos jornais online ligados a fortes organizações que centralizam o poder
midiático nacional, a exemplo o jornal Folha de São Paulo! As representações sociais que
aparecem são marcadas pela intolerância e apoiam as práticas violentas. O perfil dos sujeitos
indica que pertencem a grupos sociais mais abastados e representantes da classe dominante no
país. Eis alguns indicativos: são brancos, tem nível superior e tem renda mensal acima de dez
salários mínimos (GELEDES, 2014).
Tanto no Facebook quanto no Twitter, além das centenas de comentários após algumas
matérias jornalísticas sobre o uso do “pelourinho pós-moderno” (ROMÃO, 2014), as RS
sobre Direitos Humanos relativizam-se quando aparece a “legítima defesa” como parâmetro;
argumento esse que está estreitamente ligado à “inoperância” do Estado, no que se refere à
segurança dos “cidadãos de bem”. Eis algumas falas: “não eh barbárie, só eh autodefesa
preventiva da sociedade contra vagabundo!#justiceiros” [sic] (Jovem1). “Em 1 dia prenderam
14 dos tais "justiceiros". Já os marginais que MORAM nas praças do Flamengo e
assaltam/agridem inocentes há ANOS, nada!” (Jovem2). “Aliás, no Rio de Janeiro bandido
tem zona e bate ponto todo dia no mesmo local. Só não prende quem não quer. Avante,
Justiceiros de moto” (Jovem3).
Questões sociais, culturais, educacionais, econômicas, bem como questões étnicas, são
tratadas com ironia, cinismo e uma raiva contida que emerge em toda a sua virulência, em
discursos que tratam os Direitos Humanos, como o “direito dos manos”, relacionando-os com
a impunidade e morosidade da Justiça brasileira. Ridicularizam aqueles que defendem o
direito de todos em apresentar sua defesa, quando afirmam: “[...] qualquer um que responder
com violência aos 'negros, pobres e excluídos da sociedade' é visto como burguês e opressor.
Essa é uma lógica ridícula! Na boca de quem defende veementemente o ladrão, as vítimas da
violência são eles e não quem é agredido”.
(In) Conclusões
As representações expressas nos discursos de jovens em Redes Sociais (Facebook e Twitter),
assim como em toda mídia virtual (alguns sites, revistas e jornais on-line), revelam um
sensível aumento da indiferença em relação aos menos favorecidos, ao mesmo tempo em que
diminui o interesse em buscar alternativas que possam diminuir ou mesmo eliminar os
elementos responsáveis pelo distanciamento abismal entre pobres e ricos (distribuição
equitativa de renda; oportunidades isonômicas independente de classe, cor ou gênero em
todos os níveis etc.).
Nessa conjuntura, o retorno à concepção de “hermenêutica diatópica” de Santos (2009), na
qual a relação humana se dá no multicampo cultural, estabelecendo os elos que devem
sustentar/redimensionar as tensões que estão subjacentes na inter-relação Sociedade - Estado
– Globalização, tomando a concepção de ser humano enquanto pessoa que está imersa em
múltiplas relações num contínuo processo de construção da sua subjetividade e identidade, é
uma necessidade!
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fernando Barcellos. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris, 1999.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
MORAIS, José Luiz Bolzan de. “Fragmentos para um discurso concretista e uma prática dos
direitos Humanos”. In Revista do Direito. Santa Cruz do Sul, nº 13, jan./jun. 2000, p. 49).
ROMÃO, Marcos. O caso do jovem negro nu e preso pelo pescoço a um poste no Rio.
http://www.afropress.com/post.asp?id=16003. Acesso em 15.03.2014
SANTOS, Boaventura Souza (org.) Reconhecer para libertar. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.