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CASO CONCRETO:
Sendo assim, a par da informação de que Valfrida possuía uma patrimônio em comum
com Silvana no valor de R$300.000,00 (trezentos mil reais), com a dissolução do
casamento, Silvana terá o direito à meação deste patrimônio comum, ou seja, terá direito
ao valor correspondente a R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).
Cumpre informar, como bem destaca Venosa (2015), não se deve confundir meação com
herança, uma vez que a meação nada tenha a ver com o direito sucessório, sendo
decorrência da dissolução da sociedade conjugal, o qual pode ocorrer também entre
cônjuges vivos, sendo avaliada de acordo com o regime de bens que regulava o
casamento.
Isto posto, excluída a parte correspondente de meação de Silvana, tem-se que o
patrimônio de herança deixado por Valfrida tem o valor de R$650.000,00 (seiscentos e
cinquenta mil reais), que corresponde à soma dos R$500.000,00 (quinhentos mil reais)
referentes ao seu patrimônio particular e à metade de seu patrimônio comum com
Silvana, calculada no valor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).
Resta saber, então, quem são os herdeiros de Valfrida e, para tanto, recorrer-se-á ao que
determina o Código Civil de 2002, em seus artigos 1788 e 1829.
O primeiro dispositivo (art. 1.788) estabelece que, morrendo a pessoa sem testamento,
transmite a herança aos herdeiros legítimos, os quais, por sua vez, estão definidos, na
ordem estabelecida do artigo 1.829 deste Código, qual seja:
Evidente perceber então que, por Valfrida não ter deixado nenhum testamento e por seu
regime de casamento com Silvana ter sido o de separação obrigatória de bens, cabe a
transmissão de seu patrimônio de herança, no valor acima calculado em R$650.000,00
(seiscentos e cinquenta mil reais) única e exclusivamente à sua filha de prenome Daniela,
na condição de descendente que, conforme o ditame legal, não concorre com a cônjuge
sobrevivente.
Do quanto acima explicitado, pode-se questionar a vocação hereditária das três enteadas
de Valfrida, em virtude do vínculo socioafetivo estabelecido entre esta e aquelas, filhas
adotadas por Silvana antes da união com a de cujus,.
Tal dúvida normalmente surge a partir da interpretação do artigo 227, parágrafo 6º da
Constituição Federal vigente, uma vez que a filiação, segundo observa a jurista Maria
Berenice Dias (1999) “envolve não apenas a adoção, como também ‘parentescos de outra
origem’, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da
consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade
surgida como elemento de ordem cultural”.
Tem-se que durante toda a união do casal, Valfrida tratou as filhas de Silvana como se
suas fossem, o que caracteriza a posse de estado de filho para as suas enteadas, quando,
segundo Dias (2016), as pessoas desfrutam de situação jurídica que não corresponde à
verdade. A autora explica sobre a posse de estado de filho como fato que comprova a
filiação socioafetiva e, para que seja reconhecida, é importante observar três aspectos:
(a) tractatus - quando o filho é tratado como tal, criado, educado e
apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio - usa o
nome da família e assim se apresenta; e (c) reputatio - é conhecido pela
opinião pública como pertencente à família de seus pais. Confere-se à
aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera
satisfatória.
A autora explica também que a filiação socioafetiva “funda-se na cláusula geral de tutela
da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na
formação da identidade e definição da personalidade”, além dos princípios da boa-fé
objetiva e da afetividade e a proibição de comportamento contraditório.
Ocorre que a posse de estado de filho, por si só, não produz efeitos jurídicos, sendo
indispensável a declaração de vontade das partes filiadas, sem vícios de vontade e com a
consciência da irrevogabilidade e incondicionalidade desta decisão (BARBOSA, 2017) o
que se efetiva por meio da obtenção do registro civil da paternidade socioafetiva. Neste
sentido, tem-se o acórdão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellize, nos autos do
Recurso Especial n. 1330.404/RS:
Diante do exposto, considerando que Valfrida veio a óbito sem registrar a maternidade
socioafetiva, que efetivaria o reconhecimento da posse de estado de filhas de suas
enteadas, conclui-se que estas não podem configurar como suas herdeiras, reafirmando,
com esta análise, que apenas a sua filha Daniela é sua única e exclusiva herdeira.
Poderiam, no entanto, as enteadas buscarem o reconhecimento de maternidade
socioafetiva post mortem, haja a vista o Superior Tribunal de Justiça já admite esta
possibilidade, contanto que a pretensão esteja respaldada com comprovações que não
gerem dúvida acerca da posse de estado de filho.
B) De que forma pode ser feito o inventário dos bens deixados por Valfrida e qual a quota
parte de cada herdeiro.
O inventário dos bens hereditários, previsto no artigo 1.991 do CC/2002, pode ser
definido como um levantamento pormenorizado dos bens que compõem a herança
deixada pelo de cujus, retomando aqui, apenas para facilitar a compreensão, a definição
sobre herança já apresentada na questão anterior, ou seja, o conjunto de direitos e
obrigações que se transmitem aos herdeiros de uma pessoa em função do falecimento
desta, denominada de cujus.
Dias (2016) esclarece que não se deve confundir a abertura do inventário com a abertura
da sucessão, pois a transmissão da herança é imediata, pelo princípio de saisine.
Desta forma, a abertura do inventário tem a utilidade de detalhar e determinar a herança,
o que se traduz, conforme a mencionada autora, em um benefício aos herdeiros,
considerando que a lei determina aos herdeiros que respondam pelas dívidas do de cujus
no limite da herança (artigos 1.792, 1.881 e 1.997 do CC/2002) e, estando esta herança
delimitada e devidamente separada no espólio, não corre o risco de haver confusão com
os bens particulares dos herdeiros.
Retomando o caso concreto, o inventário da herança de Valfrida, em virtude de sua
herdeira ser incapaz em razão de sua idade, conforme o artigo 610 do CPC/2015, será
judicial, devendo ser instaurado dentro de 02 (dois) meses da abertura da sucessão (óbito
de Valfrida), de acordo com o que dispõe o artigo 611 deste Código.
O fóro para ajuizamento da ação de inventário deverá ser o de último domicílio da de
cujus, sendo vedada às partes a escolha de outro foro (artigo 96 CPC).
Os artigos 615 e 616 do CPC estabelecem quem possui legitimidade para requerer o
inventário. Sendo Daniela incapaz e sua mãe a cônjuge supértite, caberá então a Silvana
requerer a abertura do processo, juntando ao requerimento a certidão de óbito de
Valfrida.
A partir de então, uma vez protocolada a ação de inventário, o juiz nomeará o
inventariante de acordo com a ordem estabelecida no artigo 617 do CPC, sendo a
prioridade garantido ao “cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse
convivendo com o outro ao tempo da morte deste” (inciso I, art. 617 CPC/2015), no caso
em tela, Silvana, que também dispõe de legitimidade de representar a sua filha que figura
na condição de herdeira menor (inciso IV, art. 617 CPC/2015).
Cumpre informar, conforme destaca Venosa (2015), que a relação de bens inventariados
(herança), em juízo, passa a receber o nome de espólio, que não é pessoa jurídica,
“porém a lei lhe outorgou personalidade processual (trata-se de uma entidade com
personalidade anômala ou reduzida, como denominamos), cabendo sua representação
ativa e passiva ao inventariante (arts. 12, V, e 991, I, do CPC)”.Por ser a própria herança em
juízo, trata-se o espólio de bem imóvel e indivisível.
Outrossim, Venosa (2015) leciona que cabe ao inventariante desempenhar a atividade de
auxiliar do juízo no inventário. “Trata-se, sem dúvida, de um encargo público, de um
munus (Monteiro, 1977, v. 6:38). A ele cabe a guarda, administração e defesa dos bens da
herança. Os herdeiros, em geral, também, como veremos, podem defender os bens da
herança, mas a função administrativa do inventariante é a primeira que se ressalta”. Os
artigos 618, 619 e 620 do CPC descrevem detalhadamente as atribuições do inventariante.
Cumpre relembrar que Silvana não é herdeira, mas sim, meeira de Valfrida. Neste sentido,
Venosa (2015) esclarece:
Ainda assim, mesmo não devendo a meação ser confundida com a herança, a
transmissão do valor correspondente ao direito de meação de Silvana, calculado em R$
150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) só ocorrerá após a homologação da partilha,
conforme disposto no artigo 651 do CPC 2015, que determina a ordem de organização da
disposição dos bens da partilha, a saber: primeiro, as dívidas atendidas; segundo, a
meação do cônjuge; terceiro, a meação disponível; e, por fim, quinhões hereditários, a
começar pelo coerdeiro mais velho, que neste caso, caberá apenas a totalidade da
herança à filha adotada Daniela, no valor de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil
reais).
REFERÊNCIAS:
DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das
famílias. 7. ed. Salvador: Editora Atlas. 2015
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013.