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SELVA DE ESTRELAS
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A missão foi cumprida, tendo a morte
como glória... mas promessa é dívida...!
Lionel Erskine era sargento e servia a bordo da Kostana. Além disso era técnico de
conversores de símbolos. Olhou para o relógio. Dali a uma hora e dez minutos a
espaçonave pousaria no primeiro planeta de oxigênio. Até lá o conversor de símbolos
com o respectivo acessório deveria ser posto a funcionar.
Três companheiros seus examinaram pela enésima vez o circuito de saída. Tinham
desmontado dois aparelhos, para certificar-se de que as ligações do conversor com a qual
estavam trabalhando realmente estavam em ordem.
— Droga! — suspirou Hal Pillar, atirando sobre a mesa de ensaios a ferramenta
com a qual estivera trabalhando. — Desisto! Quem quiser que experimente esta
geringonça.
Olhou obstinadamente para o lado e acomodou-se numa poltrona articulada. Ficou
ainda mais obstinado ao retribuir o olhar enérgico de Lionel Erskine.
— É, pelo que estou vendo, vou ser deixado na mão — disse Erskine num tom
propositadamente agressivo.
Hal Pillar não reagiu.
Seu exemplo foi contagiante. Dali a cinco minutos Aurel Gargin também começou a
praguejar, enfiou as mãos nos bolsos e assobiou uma melodia.
Este comportamento também só mereceu uma observação mordaz de Erskine.
Walter Zims, que parecia bastante contrariado, enfiou violentamente um bloco de
comandos na respectiva trilha. Graças à construção sólida do conversor de símbolos, o
tratamento inamistoso não causou dano ao mecanismo.
— Não adianta — resmungou Zims. — Por que vamos iludir-nos? Eu lhe fiz uma
pergunta, Lionel. Foi você que teve essa idéia fabulosa. Foi você que nos arrastou até a
sala de comando, para falarmos com o comandante. Foi você que abriu a boca. E, agora,
todos nós passamos por convencidos. Você pelo menos poderia responder quando alguém
lhe faz uma pergunta. Por que devemos enganar-nos a nós mesmos, dizendo que
entendemos alguma coisa disto? Não entendemos coisa alguma! Somos uns principiantes,
ou então as fitas estão virgens e o tal do Ooff nos fez de bobos.
Walter Zims sentou num banco.
Três homens acabavam de largar o trabalho. Três conversores de símbolos pequenos
haviam sido desmontados. O sargento Lionel Erskine levantou-se. Lançou um olhar para
Hal Pillar, para Aurel Gargin e para Walter Zims. Depois disse em tom frio:
— Isto é uma ordem! Vamos para o trabalho. Enfatizo a palavra trabalho. Isto
significa que também devemos forçar a cabeça. Se não fizerem isso, conhecerão o outro
lado do sargento Erskine, um lado com o qual ainda não estão familiarizados. Não se
preocupem. Não os denunciarei ao major. Saberei arranjar-me sem vocês. Querem uma
prova?
De repente Hal Pillar não pôde deixar de fixar os olhos nas duas medalhas que
Erskine trazia sobre o peito. A ordem da cauda do cometa ainda não fora conferida a cem
pessoas em toda a Frota! E Lionel Erskine já a usava há quatro anos. E há quatro anos
fizera jus, graças à sua atuação em Berleban, no setor de Orion, ao anel de Saturno de 1 a
classe. Se não fosse sua intervenção, três espaçonaves do Império teriam sido destruídas.
As condecorações hipnotizaram Hal Pillar. Levantou-se da poltrona articulada e
procurou assumir uma atitude obstinada. Mas ele mesmo teve de constatar que não
conseguiria.
Erskine fitava-o ininterruptamente. Pillar pegou as ferramentas que acabara de atirar
sobre a mesa de ensaios. Erskine continuava a fitá-lo.
— Está aparecendo alguma coisa em mim? — perguntou Pillar em tom agressivo.
— Você é um amotinado!
— Nunca esquecerei que você me disse isso, Lionel! — ameaçou Pillar.
— Eu também não esquecerei. Mas vamos aguardar. Vejamos quem consegue dar o
primeiro lance, meu caro cabo Pillar. Faça o favor de usar a cabeça além das mãos! Ainda
dispomos de vinte e cinco minutos até o pouso da nave. Neste vinte e cinco minutos não
teremos ura minuto de descanso. Entendido?
Lionel Erskine não se iludiu. Não havia clima para um trabalho produtivo.
Walter Zims, que voltou a segurar o medidor de fases, teve uma expressão tão
obstinada no rosto que era de se esperar que a qualquer momento atiraria o aparelho
contra a parede. Aurel Gargin deixou correr a fita a seu lado. Atrás deles Erskine
trabalhava com a regulagem intermediária do computador positrônico.
— Mais caldo? — perguntou Pillar.
Gargin não levantou os olhos.
— Suba mais dez por cento.
Pillar aumentou o suprimento de energia em dez por cento.
— Nada — resmungou Aurel Gargin. — Nem consigo modificar a velocidade do
transportador de fita. Gostaria...
Walter Zims, que se encontrava a seu lado, estremeceu.
— Deixe-me ver! — aproximou-se, empurrando os outros para o lado. Lionel
Erskine não lhe deu atenção. Sentia-se satisfeito porque a tensão estava diminuindo.
Zims pegou outro aparelho.
— Aqui está tudo claro — disse de si para si. — Aqui também. O mecanismo de
freio e de comando. Hum... vamos experimentar desta forma.
Voltou a descansar o aparelho.
— O que andou fazendo? — perguntou Gargin.
Zims fez como se não tivesse ouvido a pergunta.
— Mande mais caldo, Pillar.
— Está ligado.
— Lionel! — gritou Gargin. — Venha com o medidor de variofreqüências e procure
medir a saída.
Lionel pôs a mão na prateleira e tirou o instrumento. Não sabia aonde Aurel Gargin
queria chegar. Mas preferiu não fazer perguntas.
— Coloque aqui, Lionel! — disse Gargin, apontando para certo lugar.
O sargento atravessou toda a escala do instrumento.
Este não deu sinal de vida.
— Nada, Lionel?
O que estaria esperando o Zims?
— Nada. Até eu quase chego a acreditar que as três fitas estão vazias. Mas ainda
temos um pouco de tempo. O que está fazendo, Zims?
Será que Zims não ouvira a pergunta?
Erskine olhou-o por cima do ombro.
— Está mudando a ligação? Por quê?
— Nem sabemos se com os vermes do pavor as rotações também são feitas no
sentido horário — respondeu Walter Zims sem levantar os olhos.
Hal Pillar deu uma risada irônica. Gargin fez um sinal de desprezo. Zims já mudara
a ligação.
— Vamos começar tudo de novo!
Diante das circunstâncias, Zims acabara de assumir o comando da equipe de quatro
homens.
Lionel Erskine saiu do zero e passou para a primeira faixa de seu medidor de vario
freqüências.
Não aconteceu nada, conforme se esperava. Passou para a faixa seguinte. Walter
Zims manipulava a velocidade da fita.
— Passou? — limitou-se a perguntar.
— Passei. Irei para a terceira faixa — respondeu o sargento.
— Não adianta! — afirmou Aurel Gargin.
Sua previsão parecia confirmar-se. O pequeno instrumento de medida de Erskine só
tinha seis faixas. As faixas 5 e 6 correspondiam às freqüências dos hiperimpulsos. Atrás
delas não havia mais nada, segundo afirmavam os aconenses, os arcônidas e os cientistas
terranos. Mas desde o momento em que se travara conhecimento com os vermes do
pavor, muita gente passou a duvidar disso.
Lionel Erskine soltou um gemido e olhou para o relógio. Se a Kostana pousasse
pontualmente, poderiam encerrar seu trabalho improdutivo dali a dezoito minutos.
— Faixa seis! — anunciou Erskine.
Demonstrando uma paciência admirável, Zims regulou a velocidade da fita
hipnosug.
O medidor de variofreqüências trabalhava na faixa para a qual era regulado, com
base num processo de rastreamento positrônico.
De repente o ponteiro se moveu, atravessou rapidamente a escala e entortou-se no
pino.
— Pare! — gritou Lionel Erskine. — Meu Deus, quebramos e medidor de
variofreqüências! — seus olhos brilhavam, e seu coração exultava ao ver Zims rir a seu
lado.
— Que idiotice! — gritou Walter Zims, procurando reduzir seu mérito consistente
na descoberta de que entre os vermes do pavor os giros normalmente são feitos no
sentido anti-horário. Enquanto a interminável fita corria no sentido errado, o conversor de
símbolos recebia impulsos que não lhe diziam nada. Graças à sua estrutura, ele nem os
transferia aos diferentes estágios, mas simplesmente os apagava.
O sargento mandou que Aurel Gargin fosse ao depósito para trazer outro medidor de
variofreqüência. Este aparelho permitiria a Zims regular exatamente a velocidade da fita.
— Será que o conversor de símbolos também transmitirá impulsos hipno-
sugestivos, aos quais os jovens vermes do pavor reagirão? — perguntou Hal Pillar.
Não havia nenhuma hostilidade em sua voz.
— Não senti nenhuma influência sugestiva — explicou Gargin.
— Ainda bem — disse Zims. — Se tivesse sentido, você seria um verme do pavor.
Além disso, preocupações desse tipo representarão uma simples perda de tempo. Diante
da inteligência que se costuma atribuir aos vermes do pavor, não seria de esperar que
cometessem uma tolice. De quanto tempo ainda dispomos?
Lionel Erskine olhou para o relógio.
— Justamente do tempo suficiente para aprontar este conversor. Acho que em seis
minutos conseguiremos, se todo mundo puser mãos à obra. A Kostana pousará dentro de
seis minutos.
Entreolharam-se. Todos pareciam ter esquecido a discussão que haviam travado há
pouco. O orgulho que sentiam por terem cumprido a tarefa fez com que todos
trabalhassem com entusiasmo. Nem ouviram o Capitão Yak entrar. Ele não trazia muitas
esperanças. Mas quando viu os quatro tripulantes colocarem o revestimento do conversor
de símbolos, seus olhos brilharam, dando-lhe nova esperança.
Finalmente Walter Zims notou sua presença.
— O capitão está aqui — disse, dirigindo-se a Erskine.
O sargento apresentou seu relato.
— Senhor, o conversor de símbolos com o respectivo acessório está em condições
de funcionar, se estivermos avaliando corretamente o processo de hipno-sugestão dos
vermes do pavor!
Um ligeiro abalo sacudiu a Kostana. O veículo espacial acabara de pousar num
mundo de oxigênio desabitado, para largar um dos três vermes do pavor.
— Acabam de terminar o trabalho? — perguntou Yak.
— Terminamos há seis minutos, senhor — respondeu Lionel Erskine, orgulhoso. —
O cabo Zims descobriu a origem do problema.
O cabo interveio na conversa.
— Isso não tem muita importância, senhor. Estávamos a ponto de desistir. Se não
fosse o sargento Erskine, a esta hora estaríamos escondendo o rosto de vergonha. Ele nos
pôs a trabalhar. Não me pergunte como.
O Capitão Clark deu uma risada. Lançou um olhar ligeiro para o sargento.
Imaginava que o mesmo devia ter esquentado o inferno para os três cabos. Então Clark
voltou ao assunto:
— Como devo interpretar a restrição que o senhor acaba de formular, sargento?
— Não temos meios de verificar se os impulsos emitidos pela fita hipnosug
influenciam os vermes do pavor.
Yak refletiu.
— Geralmente o caminho mais simples é o melhor. Perguntaremos ao verme do
pavor que será descarregado aqui e lhe pediremos que ponha a funcionar o conversor com
o respectivo acessório. Depois disso deverá estar em condições de informar se sofreu
qualquer influência sugestiva e o que significavam as paraordens. Erskine, chame um
robô trabalhador para que leve o aparelho para fora.
— Podemos ir também, senhor? — perguntou Erskine.
— Naturalmente. Afinal, se nossa missão ainda se transformar num êxito completo,
devemos isso aos senhores.
***
Na última mensagem da Explorer 5207, os sistemas em cujos planetas seriam
descarregados os vermes do pavor não foram identificados pela designação usual EX,
mas pela palavra “Labin”, que era uma abreviatura da expressão “laboratório de
incubação”.
Quando os tripulantes da Kostana desceram a rampa, seguindo o verme do pavor, os
mesmos tiveram a impressão de que estavam penetrando numa porção de ar
incandescente.
Havia dois sóis no céu verde. Uma delas era uma estrela gigante, enquanto a outra
era pequena e derramava uma luz branca como a neve. Qualquer ser humano que se
atrevesse a olhar para este sol ficaria cego por algumas horas. Um vento quente forte e
constante uivava em torno dos homens. Estes tiveram a impressão de que não
conseguiriam respirar e o suor porejava-lhes por todo o corpo.
— Aqui ninguém pode viver! — exclamou um dos oficiais, exausto. Outro homem
apontou para o tapete de musgo verde-claro que se estendia até a parede de rocha
marrom-avermelhada.
Subiram no tapete de musgo e afundaram até os joelhos. Parecia macio que nem
seda e apresentava uma estranha tecitura de fios grosseiros. Um homem arrancou um
pedaço. No mesmo instante ficou completamente molhado com uma infinidade de
esguichos muito finos.
— Já compreendo por que durante a manobra de aproximação não vimos um único
lago. Foi só esta vegetação verde-clara! — exclamou o Capitão Yak, perplexo. — Este
musgo é um gigantesco reservatório de água.
Também fez sua experiência. Enfiou a mão no musgo, arrancou o que conseguiu
segurar e deixou que a água fria o molhasse.
O exemplo de Yak fez escola. As duas dezenas de homens que seguiam o verme do
pavor — este já tinha uma boa dianteira e estava parado junto ao paredão de rocha —
paravam constantemente, arrancavam pedaços de musgo e liberavam veios de água que
os molhavam.
Dessa forma a atmosfera impregnada de calor tornou-se um pouco mais suportável.
O estado de ânimo dos homens melhorava constantemente. Caminharam cada vez mais
depressa em direção ao paredão marrom-avermelhado, em cujo interior pretendiam fundir
uma caverna para o verme do pavor.
Normalmente os vermes do pavor executam este trabalho no início da idade de
postura. Inicialmente, porém, não se previra que os indivíduos desta espécie deixariam de
cumprir esta tarefa. Acontece que pouco antes do pouso os três vermes gigantes haviam
dito ao major que não dispunham de tempo para isso. Haviam dito também que estavam
prestes a perder seu ego, e os humanos teriam de ajudá-los, pois haviam sido eles, os
humanos, que levaram tanto tempo para descobrir os planetas em que poderiam ser
deixados.
Faro Urgina concordara prontamente. Por isso duas dezenas de homens estavam a
caminho do paredão, juntamente com alguns robôs trabalhadores, a fim de fundirem uma
caverna para o verme do pavor.
Enquanto a rocha começava a derreter sob a ação dos raios energéticos
concentrados e o calor nas proximidades tornava-se ainda mais forte, o Capitão Yak, o
sargento Erskine e os três cabos perguntaram ao verme do pavor o que eles desejavam
saber.
— Por que os terranos duvidam da palavra de nosso porta-voz Ooff? — disse a voz
transmitida pelo conversor de símbolos.
Yak insistiu em que fosse feita pelo menos uma experiência com a fita hipnosug,
mas logo se viu que o pensamento do verme era inteiramente lógico.
— Querem que sob a influência da compulsão hipno-sugestiva eu desista da tarefa
de minha vida e abandone meu ego sem ter feito nada pela conservação de minha
espécie? — perguntou.
Os homens tiveram que dar-se por satisfeitos. Tentaram explicar ao verme do pavor
o funcionamento do conversor de símbolos e a forma de manipular seus controles, mas o
verme do pavor respondeu com uma observação:
— Só vocês sabem que somos seres inteligentes, mas confiam menos em nós que os
benévolos, para os quais não passamos de feras selvagens.
O Capitão Yak ordenou aos quatro homens que voltassem para a Kostana. Enquanto
caminhavam para a nave, ninguém disse uma única palavra. Só voltaram a conversar no
interior da nave. Ninguém se sentia muito contente com a lição que o verme do pavor
lhes dera com sua última observação.
Hal Pillar deu vazão à sua contrariedade, mas logo foi interrompido pelo Capitão
Yak.
— Seu ponto de vista não é correto, Pillar. Realmente cometemos um erro em não
confiar na capacidade técnica do verme do pavor. Isto nunca deveria ter acontecido. Mas
não daremos prova de muita inteligência se não estivermos dispostos a receber lições de
outras raças.
— Acontece que ainda não sabemos se aquela fita realmente irradia hipno-impulsos
— objetou Pillar.
— Quanto a mim, não tenho a menor dúvida de que a fita irradiará estes impulsos
— disse Yak em tom convicto. — O senhor também deveria dar-se por satisfeito com
isso, Pillar.
Duas horas depois dessa conversa a Kostana decolou em direção a Labin 2, o nono
planeta de um grande sistema que possuía um total de vinte e um planetas, onde seria
descarregado o segundo verme do pavor.
Com a operação de fixação de rota, a Explorer 5207 prestara um serviço inestimável
à Kostana. O pequeno veículo espacial, que não media mais de cem metros de diâmetro,
foi-se aproximando de Labin 2, passando entre imensos campos gravitacionais,
reforçados a cada instante por hiperenergias que irrompiam entre eles. A rota levou-os
através da concentração de Hiesse. Só aqui se teve uma visão real da inacreditável
proximidade dos diversos sóis. E a concentração era cercada de todos os lados por um
verdadeiro oceano de estrelas. Em alguns pontos este tinha o aspecto de uma muralha que
ninguém conseguiria atravessar.
Ali tinha-se uma visão clara do que aconteceria aos humanos se estes um dia
chegassem ao centro da Galáxia. Muitos astrofísicos eram de opinião que o centro da Via
Láctea era uma zona cheia de hidrogênio incandescente, onde sóis submergiam e outros
sóis nasciam. Os cientistas ficaram muito decepcionados quando notaram que as
fotografias do planetário de Impos não revelavam nada sobre as condições reinantes no
centro da Via Láctea.
Pela terceira vez tornou-se necessário fazer um novo ajuste do sistema de
rastreamento energético da sala de comando da Kostana. Também três vezes o Major
Faro Urgina observara que os campos defensivos da nave foram solicitados ao máximo
de sua potência. Ninguém soube dar uma explicação física para estas cargas energéticas.
Lamentaram a proibição de comunicar-se livremente pelo rádio. Gostariam tanto de
chamar a Explorer 5207, que se mantinha em posição de espera, para pedir a esta que lhes
desse uma interpretação dos fenômenos.
A equipe científica da nave exploradora certamente estaria em condições de
fornecer uma explicação sobre as perturbações verificadas em seu sistema de
rastreamento. Se não fosse o computador positrônico, a nave estaria perdida em meio a
esta condensação esférica de estrelas. Nem se podia pensar em passar para o vôo linear
no semi-espaço. Faro Urgina consultara o computador a este respeito, mas além de uma
advertência enérgica só recebera um terminante “impossível” incluído na mensagem
codificada.
Bastante contrariado, Urgina continuava a examinar a chapa de plástico. No
momento a Kostana desenvolvia 0,83 vezes a velocidade da luz. A pequena espaçonave
aproximava-se das coordenadas que a Explorer 5207 lhe recomendara. A partir dali o
veículo espacial prosseguiria no semi-espaço, onde atingiria Labin 2 em vôo linear. No
momento a distância era de 3,95 anos-luz.
Urgina virou-se para Yak e fez sinal para que ele se aproximasse.
— O que acha, Yak? — perguntou, entregando-lhe a placa fornecida pelo cérebro
positrônico.
Yak leu com muita atenção os sinais codificados. Fitou o comandante e disse:
— A nave exploradora tem um computador bem maior que o nosso. E graças à sua
equipe científica, a sala de comando dessa nave deve dispor de um volume muito maior
de dados que nós. Só assim se explica que a 5207 nos tenha sugerido o ingresso imediato
no semi-espaço. O senhor acha que podemos agir de outra forma, major? Os dois vermes
do pavor que temos a bordo estão quase morrendo. Se não fizermos tudo que estiver ao
nosso alcance para descarregá-los quanto antes, será um desastre.
— Acredita que neste caso os vermes do pavor emitirão hiperimpulsos para acusar-
nos de termos violado o contrato?
Urgina fitou o capitão com uma expressão tensa.
— Isso mesmo, major! — respondeu Yak em tom firme.
Faro Urgina adiou sua decisão. A advertência de seu cérebro positrônico de bordo
pesava bastante. Teve suas dúvidas sobre se o pessoal da 5207 calculara sua rota com o
necessário cuidado.
— Decida logo, major — advertiu Yak. — Levaremos menos de um minuto para
atingir o ponto assinalado pelas coordenadas que nos foram fornecidas. Não se esqueça
de que dificilmente teremos possibilidade de calcular nossa própria rota. Além disso o
vôo no espaço normal consumiria algumas décadas.
Vinte e oito segundos antes do momento em que a Kostana atingiria o ponto
previamente fixado no interior da concentração estelar, o Major Urgina tomou sua
decisão:
— Entraremos no semi-espaço!
A reação do piloto foi imediata. Os maquinismos da nave reagiram prontamente aos
controles. Um rugido sacudiu a Kostana.
A seguir veio a fase de transição. Diante do primeiro aviso, concluiu-se que uma
catástrofe era iminente. O rastreador de relevo falhara, e era o único meio de orientação
no semi-espaço.
A tela estava apagada. Não se via uma única sombra. Três homens retiraram o
revestimento.
— Fiquem longe disso — disse o Capitão Yak, que se aproximou tranqüilamente.
O Major Urgina não interveio. Clark fizera vários cursos sobre rastreadores de
relevo. Entre os homens que se encontravam a bordo da nave, era o que havia concluído o
maior número de cursos.
Pediu certos aparelhos de controle, que lhe foram entregues apressadamente.
— Dou-lhe dez minutos, Yak. Em hipótese alguma me arriscarei a correr pelo semi-
espaço por mais tempo.
Urgina, o homem nascido em Bell-09, acabara de dirigir um ultimato ao capitão.
— Até lá descobrirei o defeito, major — respondeu Yak, sem tirar os olhos do
aparelho. — Se é que existe um defeito — acrescentou.
— O que quer dizer com isso, Yak?
O capitão não teve tempo para conversar. O comandante teria de esperar.
— Quero a projeção dos mapas! — ordenou o major.
Depois da decolagem de Labin 1, haviam sido tiradas fotos em direção a Labin 2,
por meio do telescópio eletrônico. O computador positrônico de bordo forneceu a
projeção numa questão de segundos. As reproduções mudavam constantemente,
parecendo mostrar novas regiões a cada instante. Mas uma pessoa conhecedora do
assunto saberia que não era assim. Fotografias em infravermelho eram substituídas por
outras em ultravioleta, e estas eram tiradas, por sua vez, em diversos comprimentos de
onda.
Quando a oitava fotografia foi projetada na tela, os homens que se encontravam na
sala de comando tiveram a impressão de que uma mão invisível lhes comprimia a
garganta.
A Kostana voava diretamente para uma rádio-estrela invisível!...
Não poderiam sair do semi-espaço e mergulhar no espaço normal naquele momento,
nem dali a dez minutos. O pequeno veículo espacial teria de permanecer por mais algum
tempo na área de libração.
— O que houve? — perguntou Yak, que sentiu a aflição reinante na sala de
comando.
Sem dizer uma palavra, Urgina apontou para a projeção.
Clark Yak foi informado sobre o comprimento de onda em que havia sido tirada a
fotografia.
— Neste caso não tenho mais nada a fazer no rastreador de relevo. Mas gostaria de
dizer umas boas aos idiotas da 5207. Não poderiam ter-nos informado de que esta maldita
radioestrela irradia ondas desdobradas? Calling, traga as grades três e dezessete. Acho
que com elas conseguiremos resolver o caso.
Aquilo que Clark Yak chamara de grades antes pareciam peças de gelatina em
folhas. Mas as áreas lapidadas eram feitas de um material duro que nem aço.
Clark Yak arrancou alguns contatos do rastreador de relevo, abriu o revestimento na
parte superior do aparelho e enfiou as grades.
— Liguem! — ordenou.
Os contatos ligaram-se com um estalido. O rastreador de relevo voltou a receber seu
suprimento de energia, mas continuou morto.
— Desliguem!
Yak esperou que o aparelho fosse desligado. Colocou a grade 17 à frente da grade 3.
— Liguem!
O olho da Kostana voltou a funcionar. A tensão reinante na sala de comando
diminuiu.
— O que são ondas desdobradas, Yak? — perguntou Urgina.
— É um nome que se usa à falta de uma palavra mais adequada para designar um
fenômeno inexplicável. Diante das radioestrelas de certo tipo verificou-se
invariavelmente a falha dos rastreadores de relevo de uma nave em vôo linear. Pelo que
se diz, esta falha é provocada por uma superposição múltipla de todas as hiperondas. Para
corrigir o defeito, basta colocar as grades três e dezessete à maneira de uma peneira na
frente do setor de entrada do aparelho. Até mesmo o Professor Kalup gostaria de saber
por que, como aconteceu aqui, a grade dezessete muitas vezes tem de ser colocada à
frente da grade três. Além disso ainda não se encontrou qualquer resposta à pergunta
principal: por que as grades provocam esse efeito? Todas estas observações foram feitas
há menos de seis meses.
— Isso não me deixou mais inteligente que antes — disse Urgina, contrariado. —
As tais das radioestrelas invisíveis pertencem à classe de sóis que há algum tempo foram
catalogadas na lista das estrelas proibidas?
— Sim, senhor. No último curso de rastreadores de relevo que fiz foram
mencionadas oitenta e três estrelas deste tipo. Nem os aconenses nem os arcônidas
sabiam da existência desses sóis. Ou melhor, eles os conheciam como corpos celestes,
mas não sabiam que os mesmos desencadeiam um fenômeno que se torna perceptível no
semi-espaço e no hiperespaço.
Urgina parecia cada vez mais contrariado.
— Deixe para lá. Não compreendo como a 5207 não nos advertiu sobre a existência
desta radioestrela.
O piloto chamou.
— Fim do vôo linear dentro de dois minutos, tempo padrão, senhor.
No rastreador de relevo via-se Labin 2, a estrela à qual se dirigiam. Mas ainda não
se notava o menor sinal de seus 21 planetas.
Os motores de impulsos foram ligados assim que a nave mergulhou no conjunto
espácio-temporal comum. A tela acendeu-se e mostrou que estavam cercados de estrelas
por todos os lados.
— As pessoas que calcularam a rota na 5207 não estavam dormindo — disse
Urgina, chamando a atenção de Yak para o fato de terem saído no interior do sistema
Labin 2.
A Kostana cruzou duas órbitas planetárias, desenvolvendo metade da velocidade da
luz. Seguiu em direção ao oitavo planeta, onde seria descarregado outro verme do pavor.
O sargento Erskine comunicou que mais dois conversores simbólicos de tamanho
reduzido estavam prontos para serem usados, juntamente com o respectivo acessório. Os
dois vermes do pavor foram avisados que o pouso provavelmente ocorreria dentro de
pouco mais de uma hora.
O Capitão Clark Yak assumiu a direção do comando que derreteria uma caverna na
rocha para o segundo verme do pavor. O sargento Erskine e os três cabos não mais se
mostraram interessados numa visita ao mundo desconhecido, quando souberam que a
temperatura média do mesmo era de 27,8 graus. A sauna que haviam levado no planeta
anterior bastava.
Duas horas e oito minutos depois do pouso a eclusa principal da Kostana voltou a
fechar-se. A rampa foi recolhida, e a nave preparou-se para dirigir-se a seu último destino,
Labin 3, que era um sol amarelo comum.
4
Reginald Bell estava bastante nervoso quando entrou no escritório de Perry Rhodan.
Quando ainda se encontrava na porta, gritou:
— Acabo de ter uma palestra com Atlan. Por causa de certo ponto da mesma quase
perdi a fala.
Rhodan não usou suas reduzidas capacidades telepáticas para ler os pensamentos de
Bell, o que lhe permitiria saber mais depressa o que deixava o amigo tão alegre.
— Gordo — preferiu dizer — já o vi repreender Gucky várias vezes para que ele
relate tudo objetivamente e na devida ordem, quando o mesmo parece transbordar de
entusiasmo. Posso pedir-lhe que siga essa recomendação?
— Pode! — respondeu Bell, alegre. No momento não seria capaz de aborrecer-se
com coisa alguma. Acomodou-se na poltrona articulada e esfregou as mãos. — Perry,
você deve lembrar-se de que enviamos um cruzador da classe Cidade para Tombstone.
Pois bem. Este cruzador está no caminho de volta para a Terra.
— Você se refere à nave que se dirigiu ao sistema de Leyden com fitas virgens
hipnosug?
— Naturalmente. O cruzador deveria pousar em Tombstone e procurar reter os
paraimpulsos dos vermes do pavor nas fitas, recorrendo ao auxílio dessas criaturas.
Depois disso a nave se dirigiria à concentração estelar de Hiesse a fim de entregar as fitas
preparadas à Kostana. Mas quando o cruzador pousou no mundo dos vermes do pavor,
constatou-se que a tripulação da Kostana levou muito a sério a incumbência de
descarregar três vermes do pavor em três planetas diferentes.
— Tropeçou no ponto em que os vermes do pavor recém-saídos do casulo
costumam irradiar hiperimpulsos. E esses homens chegaram à mesma conclusão que nós.
A ação que se esperava dos jovens vermes do pavor só poderia ser impedida por meio de
um processo hipno-sugestivo.
— Quando a Kostana saiu com sua carga de Tombstone, em direção à concentração
de Hiesse, levava consigo três fitas hipnosug nas quais haviam sido gravadas os
paraimpulsos dos vermes do pavor. Dessa forma, a missão que seria desempenhada pela
nave que iria atrás da Kostana tornou-se sem efeito. No momento esta nave está fazendo
a segunda travessia do semi-espaço, com alguns milhares de registros hipno-sugestivos
gravados em fita. Deverá chegar dentro de duas ou três horas. Alvesleben já foi avisado.
Ele já mobilizou oito equipes de pesquisa, que se preparam para a nova tarefa.
Bell ficou calado. Perry Rhodan lançou-lhe um olhar penetrante. O gorducho não
gostou nem um pouco.
— Até parece que você não está contente por ter uns rapazes tão inteligentes a
bordo da Kostana — disse, decepcionado.
— Por que Alvesleben mobilizou oito equipes de uma vez? Tem receio de que
aconteça alguma coisa?
Rhodan atingira com o sentimento o núcleo amargo da questão. Bell resmungou
alguma coisa, que felizmente não foi entendida por Rhodan. Havia em seu rosto uma
expressão de nervosismo e contrariedade.
— O Alvesleben é um pessimista inveterado. Não compartilho de metade de suas
dúvidas. O mais engraçado é que ninguém consegue convencê-lo de que nossos
conversores de símbolos são capazes de irradiar os paraimpulsos dos vermes do pavor.
Além disso, chegou a afirmar que os tripulantes de um cruzador da classe Cidade não
dispõem dos instrumentos necessários para fazer uma verificação cabal da combinação de
aparelhos. É claro que isso não passa de uma tolice rematada. Não pensa como eu?
Rhodan continuou calmo.
— Gordo, ainda me lembro que certa vez você disse, todo entusiasmado, que
Alvesleben merece o dinheiro que ganha. Por que faz tanta questão de pintá-lo como
pessimista?
Reginald Bell levantou-se e começou a caminhar de um lado para outro.
— Porque deu uma ducha fria no meu entusiasmo. Se não o tivesse interrompido, a
esta hora ainda estaria desfiando seus mas e poréns.
— Não vamos discutir mais sobre isto, Bell. Esperemos até que a nave tenha
pousado e Alvesleben possa dispor das fitas. Interessar-me-ei pessoalmente pelo caso,
que para mim é muito importante. Afinal, da solução deste problema depende que
sejamos ou não envolvidos numa guerra com os blues.
Um sorriso teimoso apareceu no rosto de Bell.
— E eu me interessarei pelo caso porque quero ver um grupo de gente prática
derrotar estes teóricos que se julgam tão inteligentes.
— Você realmente está convencido disso, gordo? Ou só fala assim porque a verdade
é amarga demais?
— Estou convencido de que os homens que se encontram na Kostana fizeram um
trabalho de boa qualidade. As pessoas que conseguiram esta proeza deveriam receber
uma promoção, e mais: uma condecoração.
— Estou de acordo, desde que realmente seja como você diz. Avise-me assim que as
fitas estiverem em poder de Alvesleben.
Dali a quatro horas Bell voltou a entrar em contato com Perry Rhodan.
— Está bem. Encontramo-nos no escritório de Alvesleben.
Quando entrou no laboratório, Rhodan testemunhou uma discussão muito animada.
Grande parte dos especialistas afirmava que as fitas hipnosug trazidas de Tombstone
estavam vazias. Nem desconfiavam de que a bordo da Kostana fora afirmada a mesma
coisa.
Naquele momento um pequeno conversor de símbolos, do tipo que cada espaçonave
leva alguns a bordo, e um aparelho maior estavam sendo examinados, para verificar se
havia algum defeito técnico. Rhodan e Bell foram de um grupo ao outro. Todos os canais
de intercomunicação estavam ocupados o tempo todo. Qualquer perito, de quem se
desconfiasse de que pudesse saber qualquer coisa sobre os hiperimpulsos dos vermes do
pavor, era consultado.
O grupo de peritos que afirmava não haver nada gravado nas fitas cresceu para o
dobro. Alvesleben mantinha-se teimosamente junto a uma mesa, observando uma dúzia
de instrumentos acoplados a um computador positrônico. Vermelho! De novo. Alvesleben
olhou para o lado. Rhodan e Reginald Bell estavam a seu lado. O cientista respirava
fortemente.
— Daqui a pouco também acreditarei, senhor.
— Acreditará que não há nada gravado nas fitas?
— Isso mesmo.
— Em que fundamenta essa suposição? — perguntou Bell.
Alvesleben dava a impressão de que não sabia o que dizer.
— Não posso indicar nenhum fundamento. Nem sequer posso afirmar
categoricamente que não há nada gravado nestas fitas. Observamos uma delas com o
aparelho de resolução de espectro e notamos uma estranha disposição das moléculas.
Para fazer uma comparação, mandamos preparar uma fita vazia por um dos nossos
sugestores. Ao exame no aparelho de resolução espectral, a mesma revelou uma
disposição muito diferente das moléculas. A comparação entre os dois quadros não
permite qualquer avaliação.
— Não se notaram impulsos nos estágios de saída? — perguntou Bell.
— Nenhum impulso, senhor. Se houvesse impulsos, ao menos o medidor de
variofreqüências deveria reagir aos mesmos. Acontece que o mesmo não deu o menor
sinal. Já não me atrevo a nutrir a esperança de que os tripulantes da Kostana tenham
conseguido montar um conjunto utilizável com o conversor de símbolos e a fita
hipnosug.
Perry Rhodan lançou um olhar para Bell, mas este abanou a cabeça. O gordo não
queria partilhar as preocupações de Alvesleben.
— Já concluiu a série completa de experiências, Alvesleben? — perguntou Bell.
— Não; ainda faltam muitas. Estamos agindo sistematicamente. Podemos levar
alguns dias para alcançar um resultado conclusivo.
— Hum! — fez Perry Rhodan.
Bell logo compreendeu que dali a pouco viria uma das célebres idéias do amigo.
Alvesleben lançou um olhar indagador para o chefe.
Rhodan perguntou, então:
— Já pensou em recorrer, no curso das experiências, ao conversor de símbolos por
meio do qual Tyll Leyden conversou em certa oportunidade com Ooff? Pelo que me
consta, a memória do conversor deve ter registrado paraimpulsos dos vermes do pavor.
— Obrigado pelo conselho, senhor. É possível que este aparelho nos ajude.
Perry Rhodan e Bell saíram do laboratório e mandaram que o planador os levasse de
volta ao edifício principal de Terrânia.
— Ainda está convencido de que a tripulação da Kostana conseguiu arranjar-se com
as três fitas hipnosug?
— Estou sim. Mesmo que você queira rir de mim, quero dizer que, desde o
momento em que vi o bando de teóricos trabalhando, tenho certeza de que para os
homens da Kostana o conjunto conversor de símbolos-fita hipnosug é uma questão de
rotina. Até senti coceira na ponta dos dedos, de tanta vontade de fazer algumas
experiências. Será que ninguém se lembra de fazer correr a fita de trás para frente?
— Examinei algumas fitas, gordo. Todas elas foram bobinadas de forma normal.
— E daí? Isso não significa nada.
— Podemos voltar. Ou você prefere falar com Alvesleben pelo intercomunicador?
— Deixe para lá — respondeu Reginald Bell, bastante contrariado. — Isso tem
tempo. Direi a Alvesleben quando lhe fizer outra visita. Se é que até lá ele e seus peritos
ainda não se lembraram disso.
A próxima visita foi feita de noite.
As oito equipes de pesquisa não haviam progredido nem um pouco.
Perry Rhodan não pôde acompanhar Bell, porque de sua agenda constava a visita de
uma delegação dos saltadores do planeta Archetz. Sua depressão ameaçava estender-se a
Bell, mas a natureza robusta deste resistiu às influências negativas.
— Já tentou fazer correr isso de trás para a frente, Alvesleben? — vociferou Bell. —
No sentido anti-horário?
Um sorriso presunçoso apareceu no rosto de Alvesleben, que nem desconfiava que
com isso deixava Bell furioso. Mas este soube controlar-se e até ficou calado diante da
resposta:
— Não custa experimentar, se bem que não espero nenhum resultado interessante.
Teve razão.
Nada aconteceu, nenhuma indicação, nenhuma reação dos aparelhos.
O estágio final do conversor de símbolos continuou morto.
Para Bell a experiência malsucedida representou um tremendo golpe. Uma dúzia de
peritos discutia perto dele. Os pensamentos de Bell vagavam em torno do problema
aparentemente insolúvel. Não queria conformar-se com a idéia de que os vermes do
pavor os haviam enganado.
Reginald Bell praguejou. Sempre demonstrara diante de Rhodan sua antipatia pelos
teóricos, já que ele, que também era um perito em sua área, sempre permanecera no
terreno prático. Os cientistas pareciam indignados. Bell notou. Ficou aborrecido por não
se ter controlado melhor. E dentro deste estado de espírito exclamou:
— Agora eu vou fazer um teste. Alguém quer ajudar?
Alvesleben foi o único que respondeu ao convite.
— Ninguém foi convidado para assistir ao espetáculo! — disse Bell em tom áspero,
dando as costas aos cientistas, que fugiram do lugar.
Sorriu para Alvesleben.
— Vamos começar? — perguntou no tom de quem está atrás de uma aventura.
O cientista foi contaminado pelo espírito juvenil de Alvesleben.
— Estou muito curioso — disse. — O que pretende fazer?
— Manipular os aparelhos, Alvesleben. Inverta os pólos do aparelho acessório. Se é
que a fita deve correr de trás para frente, não poderá fazer mal inverter a polarização do
aparelho. Que cara é essa?
Alvesleben, que criara fama em sua área porque em seu trabalho sempre seguia um
sistema, viu-se obrigado, diante do dinamismo de Bell, a abandonar todos os princípios
que aprendera.
Além disso, aquele homem de cavanhaque ficou surpreso ao notar que era muito
fácil seguir as instruções aparentemente desordenadas de Bell. Sentiu-se tomado de uma
vontade de trabalhar que há muito não experimentava. Estava bastante curioso para ver o
resultado da experiência.
— Pronto — disse Alvesleben.
— Enfie na máquina — ordenou Bell, que segurava um medidor de
variofreqüências.
Naquelas salas nunca haviam sido transmitidas instruções em tais termos.
— Mande o caldo!
Alvesleben fitou-o com uma expressão de espanto.
— O caldo?
No mesmo instante compreendeu e riu.
Os homens que serviam nas espaçonaves raramente usavam a palavra energia.
Costumavam falar em caldo.
A experiência começou. Foram interrompidos duas vezes. Bell não permitiu que
ninguém passasse pela porta.
Os dois nem desconfiavam de que a bordo da Kostana a mesma série de
experiências fora realizada, na mesma ordem, com pleno sucesso.
— Então? — perguntou Bell a seu colaborador, em cujos olhos brilhava um fogo
juvenil.
— O senhor sabe improvisar muito bem — exclamou Alvesleben, entusiasmado.
— Que nada! — respondeu Bell. — Os ocupantes da Kostana também descobriram
como lidar com o problema. Serão promovidos e condecorados. Mas como poderemos
saber se os paraimpulsos agem sobre os vermes do pavor?
— É simples — disse Alvesleben em tom impulsivo. — Devemos acreditar nas
incríveis faculdades dos vermes do pavor, e também devemos confiar em que os mesmos
tenham preparado as fitas de maneira tal que os espécimes jovens de sua raça sejam
impedidos de anunciar sua presença por meio de um hiperimpulso irradiado para
Tombstone.
— O senhor estaria disposto a assumir este risco, Alvesleben?
— O senhor, com seu jeito impulsivo, fez com que um velho como eu criasse
coragem para isto. Foi um prazer trabalhar com o senhor.
Enquanto Reginald Bell se encontrava no planador que o levou de volta ao edifício
principal, onde relataria o ocorrido a Perry Rhodan, ele se sentiu como um jovem de vinte
anos.
Cantou. Podia tomar essa liberdade, pois estava só, já que o robô não contava.
Sua voz não era bonita, mas forte. E era só o que importava.
***
O sistema Labin 3 apareceu nas telas da Kostana, diante de um fundo formado por
um mar de estrelas que parecia impenetrável. A muralha cintilante feita de milhões de
sóis conferia um aspecto irreal à estrela amarela. O veículo espacial teria de passar junto
ao sol, para atingir o planeta que era o quarto entre oito. Tal qual acontece no Sol terrano,
gigantescas protuberâncias precipitavam-se espaço adentro, descreviam curvaturas depois
de algumas centenas de milhares de quilômetros e voltavam a cair lentamente sobre o sol
desconhecido.
Entre os homens que se encontravam na sala de comando, muito poucos se
interessaram pelo espetáculo deslumbrante. A maioria dedicava sua atenção aos
instrumentos, aparelhos de rastreamento e sistemas de segurança. Até mesmo na área de
Labin 3 reinavam condições físicas extraordinárias, que não permitiam que se cruzasse
normalmente o espaço. O piloto e o co-piloto estavam sentados em sua poltrona, prontos
para entrar em ação. Três oficiais prestavam atenção ao computador positrônico, que
registrava os resultados das medições e os impulsos de comando da nave. A análise do
espectro solar não revelou nada de extraordinário. As medições da massa e da gravidade
indicavam que se tratava de uma estrela normal em meio ao respectivo grupo.
Mas ninguém confiava neste sol.
A Kostana passou a 45 milhões de quilômetros do mesmo. Para evitar que os
homens que se encontravam na sala de comando fossem ofuscados, a tela panorâmica foi
parcialmente escurecida por meio da oclusão dos diafragmas. Uma luz tranqüilizadora
parecia entrar na sala de comando.
Demorou alguns minutos até que o primeiro ocupante da sala de comando
experimentasse uma sensação desagradável diante dessa luz. Dentro de pouco tempo esta
opinião foi compartilhada por outros. Clark Yak foi o último a fazer esta constatação
surpreendente.
A seguir passou-se a trabalhar febrilmente na interpretação dos dados relativos à luz
daquela estrela. Com exceção de sua potência expressa em lumens, os resultados mais
uma vez não revelaram qualquer característica especial. O Major Urgina, que teve uma
sensação desagradável mais intensa que os outros, diante do efeito calmante da luz,
dirigiu-se em voz alta ao Capitão Yak:
— Será que a radioestrela invisível a que o senhor aludiu não é responsável por
isso?
Clark Yak era o único que continuava a estudar o fenômeno.
Suspeitava daquele sol amarelo completamente normal. Quando estava a ponto de
realizar as primeiras medições, alguém o chamou pelo intercomunicador. O sargento
Lionel Erskine estava do outro lado da linha.
— Senhor, permita que eu pergunte se na sala de comando foi observado algo de
anormal.
— Algo de anormal? — repetiu Yak, perplexo.
O major interveio na conversa.
— Será que esta luz esquisita não é uma coisa anormal?
Lionel Erskine ouvira a pergunta.
— Sua presença ainda é notada?
As pessoas que se encontravam na sala de comando entreolharam-se. Cada um
perscrutou seus sentimentos.
— Tudo voltou ao normal — constatou um dos oficiais, ainda um tanto inseguro.
— Até parece que o vento a levou — afirmou o Major Urgina.
— Obrigado, senhor — disse Erskine. — E agora?
Os homens que se encontravam na sala de comando encolheram-se, como se uma
força invisível ameaçasse tomar conta deles. O major natural de Bell-09 não demonstrou
nenhum senso de humor.
— Que diabo está fazendo, sargento?
— Estamos experimentando a última fita hipnosug, senhor.
— Pois desligue ou faça qualquer outra coisa para evitar que essa bobagem
continue! — berrou Faro Urgina no intercomunicador.
— Vá até lá e veja o que esses idiotas estão fazendo — disse, dirigindo-se ao
Capitão Yak.
Clark Yak saiu correndo, pegou o grande elevador antigravitacional e desceu para o
convés em que o sargento Erskine e os três cabos faziam suas experiências.
Quando entrou na sala em que se encontravam, lançou-lhes um olhar ameaçador. Os
quatro não se abalaram com sua repreensão.
— Tem algo a dizer em sua defesa, sargento Erskine? — gritou.
— Não sei por que está tão nervoso — respondeu o homem com a maior
tranqüilidade. — Deveria dar-nos os parabéns por termos provado que a fita contém
impulsos hipno-sugestivos. Em vez disso nos recrimina.
— O que quer dizer com isso? — a pergunta foi formulada ainda em voz alta.
— Durante o último curso sobre conversores de símbolos que freqüentei, ouvi uma
conferência sobre a Parafísica Teórica.
Houve muita coisa que eu não compreendi, porque a conferência se destinava aos
engenheiros. Mas sempre entendi alguma coisa, e usei os conhecimentos assim
adquiridos para fazer minhas experiências.
“Partimos do valor apurado com o medidor de variofreqüências em seis, colocamos
algumas faixas de reflexos no setor de saída, fizemos uma série de experiências com este
dispositivo e utilizamos outro conversor de símbolos. Está aqui.
“É claro que cientificamente nossas experiências não têm validade. O fato é que
constatamos a presença dessa estranha luz tranqüilizadora numa área de três metros e
reconhecemos sua origem. Aumentamos paulatinamente a potência dos dois conversores.
Quando consultamos a sala de comando, só tínhamos atingido a décima parte da potência
máxima.
“É só, senhor.”
Clark Yak não sabia o que dizer. Não tinha por que condenar as experiências
realizadas por aqueles homens. Mas havia um ponto na exposição de Erskine que ele não
entendia.
— O que são áreas reflexológicas, sargento?
— Trata-se de uma expressão pouco feliz da Física das ondulações. As áreas
reflexológicas representam certos tipos de moduladores que refletem as ondas
moduladas, isto é, não as deixam sair. Se usarmos várias áreas reflexológicas, a potência
de cada um dos moduladores cresce segundo certo expoente, atingindo freqüências muito
diferentes da freqüência inicial.
— Por quê?
— Passamos por isso durante a experiência, senhor. Segundo as informações de
Ooff, a fita tem impulsos gravados que impedem os jovens vermes do pavor de irradiar
hipermensagens de socorro para Tombstone. Estes impulsos ficam situados em faixas de
freqüência que não atingem o ser humano. Utilizando as áreas reflexológicas,
conseguimos modificá-las a tal ponto que não têm mais nada em comum com os
impulsos originais. Mas nem por isso perderam o efeito hipno-sugestivo. É o que
acabamos de verificar.
— Bem! Não sei se conseguirei impedir que os senhores recebam uma pena de
censura. O comandante não aceitará sua argumentação com a mesma facilidade que eu.
Não se lembraram da possibilidade de que suas experiências poderiam colocar em perigo
todos os ocupantes desta nave? Afinal, os impulsos modulados poderiam ter provocado
um choque sugestivo que paralisasse toda a tripulação. Em hipótese alguma as
experiências podem prosseguir. Desmontem isso.
O sargento Erskine não acreditou no que acabara de ouvir.
— Desmontar isto? — perguntou, estupefato.
Hal Pillar, Walter Zims e Aurel Gargin também fitaram o capitão com uma
expressão de perplexidade.
— Não poderíamos experimentar com uma potência bem reduzida? — perguntou
Aurel Gargin na esperança de fazer o oficial mudar de opinião.
— Não. Na situação em que nos encontramos, no interior da concentração de
Hiesse, uma experiência deste tipo é uma ação suicida. Reflitam um pouco. Experiências
em base hipno-sugestiva! Repito o que já disse: desmontem tudo.
Quando o Capitão Clark Yak se retirou, a mesa de ensaios estava vazia. O conversor
de símbolos com o respectivo aparelho suplementar estava junto à porta, pronto para ser
levado.
Quando Yak entrou na sala de comando, os primeiros resultados do sistema de
rastreamento a respeito do quarto planeta estavam chegando. Confirmavam as
informações fornecidas pela Explorer 5207. A Kostana desceu para 5 000 metros e
contornou o planeta, mas os homens procuraram em vão por um oceano. Até onde
alcançava a tela panorâmica, só se viam desertos de pedra e areia. A cor do oxido de ferro
era predominante. Viram-se algumas faixas, identificadas como aglomerações de
minúsculas samambaias e líquens. Portanto, devia haver ao menos vestígios de água no
planeta.
A cadeia de montanhas que mal sobressaía sobre a linha de horizonte quando a nave
se aproximava, vinda do espaço, voltou a aparecer. A Kostana saiu da noite e voou para o
dia claro. À medida que se aproximava das rochas entrecortadas, que a rigor não
mereciam o nome de cadeia de montanhas, a temperatura na superfície ia subindo. A
temperatura máxima foi de 13,4 graus.
A Kostana foi baixando lentamente. O último verme do pavor foi informado de que
o pouso estava iminente, mas o lagarto rastejante parecia esperar o fim. Nem reagiu à
notícia.
— Era só o que faltava — disse Faro Urgina, contrariado. — Há uma coisa que não
consigo compreender, Yak. Por que as naves exploradoras 5207 e 6955 levaram tanto
tempo para localizar os três planetas, se isto aqui é uma aglomeração enorme de estrelas?
Tenho a impressão de que o pessoal das duas naves não quis trabalhar.
— Pode ser — disse Yak, esquivando-se a uma resposta categórica. Não queria
pronunciar-se sobre a afirmativa de Urgina. — É possível que os tripulantes das duas
naves enfrentassem maiores dificuldades de astronavegação que nós. Afinal, foi por causa
deles que conseguimos chegar ao destino nesta selva de estrelas.
— Talvez... — o major não estava satisfeito. Dali em diante teve que dedicar toda
sua atenção às operações de pouso.
A Kostana descansou suavemente sobre o anel de colunas telescópicas de apoio, a
cem metros do flanco de uma cadeia de montanhas de pedra.
O comando que desembarcaria no planeta estava de prontidão junto à eclusa
principal. Quando esta se abriu e a rampa foi descida entre as titânicas colunas de apoio,
os homens tiveram de saltar para o lado para não serem esmagados pelo verme do pavor,
que de repente parecia ter recuperado a vitalidade. Mas quando o gigantesco réptil deu o
primeiro salto em direção ao paredão de rocha e voltou a tocar o chão a menos de 70
metros de distância, todo mundo se deu conta de que o mesmo estava moribundo.
Era de admirar, mas naquele planeta desolado a composição do ar atmosférico era
quase idêntica à da atmosfera terrana. Face à temperatura média relativamente baixa —
11,3 graus — podia-se dispensar o traje protetor pelo meio-dia.
Juntamente com os robôs trabalhadores, uns vinte homens atravessaram a vegetação
formada por samambaias baixas, que provocava uma sensação estranha ao contato,
lembrando o couro.
Deram trinta passos e atingiram o lugar indicado. Os robôs já se encontravam junto
ao verme do pavor, que aproveitara o tempo de espera para sondar a composição da
rocha. Indicou o lugar em que deveria ser fundida a caverna. Na região já havia sistemas
de cavernas naturais.
Urgina e Yak acompanharam os trabalhos pela tela de imagem.
— Bem que poderíamos aproveitar a oportunidade para andar um pouco — disse o
major. — Quer vir comigo?
O capitão parecia hesitar.
— Nesse caso a sala de comando ficaria parcialmente desguarnecida.
— O senhor gosta de criar caso, hein!
Esta observação deixou Clark Yak bastante contrariado, se bem que ele não tivesse a
intenção de dar uma resposta tão mordaz.
— Acontece que tenho senso de responsabilidade, senhor.
Os olhos de Faro Urgina chamejaram.
— Está aludindo ao meu mundo, Bell-09, Capitão Yak?
— De forma alguma! Muito menos tive a intenção de criticar o senhor. Mas a nave
não pode ficar desguarnecida.
— Lá me vem o senhor novamente com esse seu senso de responsabilidade,
capitão! — ironizou Urgina. Virou-se sobre os calcanhares e saiu da sala de comando,
bastante aborrecido.
O Capitão Yak fitou seus companheiros com uma expressão indagadora.
— Será que eu falei demais? — perguntou.
Os homens fizeram um sinal negativo. O único que quis falar foi o Tenente Brooks.
— A partir do momento em que fomos atingidos por essa luz tranqüilizadora, o
comportamento do comandante mudou bastante.
Alguns dos oficiais riram. Ninguém percebera a mudança que se processara com o
comandante. Mas Brooks insistiu no que acabara de afirmar.
— Tem o olhar inquieto. É possível que vocês não tenham percebido, mas eu notei.
E o tom de voz que usou ao dar a ordem de pousar? Então, o que dizem?
O piloto resolveu participar da palestra.
— É verdade — disse. — Prefiro não dizer o que pensei. O comandante realmente
nunca se comportou assim.
Mas a maioria dos oficiais disse que não tinha percebido nada de anormal no
comandante. O Capitão Yak aborreceu-se por ter servido de estopim para esta conversa.
Olhou casualmente para a tela de imagem. Empertigou-se, levantou-se e chegou
mais perto.
— Ampliação máxima. Rápido! — exclamou, nervoso.
Teve a impressão de ter visto movimentos entre as rochas que guardavam a entrada
de um vale.
A ampliação da imagem saltou para o máximo. As rochas pareciam ter o tamanho
de uma casa. Mas entre elas nada se movia.
“Estive enganado”, pensou Clark Yak, mas logo voltou a ter suas dúvidas. Vira
perfeitamente um movimento entre as rochas.
A sala de comando estava mergulhada em silêncio. Yak sentiu os olhares
indagadores pousados sobre ele. Por enquanto não explicou o motivo por que mandara
regular a imagem para a ampliação máxima.
“Devo estar enganado”, pensou. “A 5207 examinou este planeta. E essa nave
dispõe de controles que lhe permitem verificar se um planeta está ou não habitado.”
— Volte para o normal! — ordenou. Virou-se e notou os olhares dos outros. —
Devo ter-me enganado, mas tive a impressão de ter visto um movimento entre as rochas.
Isso acontece a qualquer um.
Apesar disso teve uma sensação nada agradável quando voltou a acomodar-se na
poltrona, e não encontrou nenhuma explicação para a mesma.
Um dos oficiais foi sacudido por um tremor.
— Esse sargento devia ser preso! — disse.
Clark Yak aguçou o ouvido.
— O senhor também continua com esta sensação esquisita?
— Naturalmente. Gostaria de fugir de mim mesmo. Provavelmente reajo muito bem
aos choques hipno-sugestivos. Estou com a testa banhada em suor.
— Saia um pouco. Dizem que lá fora a temperatura está muito agradável —
recomendou Yak. — Mais alguém tem vontade de dar um passeio?
Todo mundo riu.
De repente vieram dois homens da sala de rádio. Pareciam muito tensos.
— Podemos pegar um pouco de ar puro, senhor? — perguntaram, dirigindo-se a
Yak.
Se os dois saíssem, ainda haveria três homens na sala de rádio. Como havia ordem
para não usar o radiotransmissor, três homens seriam suficientes para controlar os
instrumentos. O Capitão Yak deu permissão para que os dois saíssem da nave.
— Quase chego a acreditar que o senhor tem razão — disse, dirigindo-se a Brooks,
assim que a escotilha se fechou atrás dos dois homens. — Parece que realmente houve
modificações no comportamento do comandante. Parece que com sua última experiência
o sargento Erskine nos meteu numa boa, não é mesmo?
O intercomunicador chamou. Dezessete homens que se encontravam em três
depósitos diferentes pediram licença para sair por pouco tempo da nave. Indicaram a
mesma justificativa. Yak disse que queria falar com os respectivos oficiais de convés.
Estes não objetaram nada a que os homens abandonassem seus postos.
— Parece que neste planeta deserto só há mesmo micróbios — argumentou um
deles. — E sempre soubemos lidar com estes microorganismos. Mas não estou gostando
do aspecto dos quatro homens que pediram permissão para sair da nave. Parecem
nervosos e doentes.
— Deixe-os sair!
Clark Yak olhava constantemente para o lugar da tela em que parecia ter observado
movimentos entre as rochas. O vale que cortava a cadeia de montanhas ficava a menos de
dois quilômetros do lugar em que os raios energéticos estavam abrindo uma caverna na
rocha, tangendo ininterruptamente para o céu nuvens de gás proveniente da fusão da
rocha.
“Até parece que estou sendo contaminado por uma psicose coletiva que se espalha
nesta nave”, pensou, bastante contrariado. “Maldita experiência!”
O pessoal da eclusa chamou.
— Comandante subindo a bordo!
Clark Yak respirou profundamente e sentiu-se aliviado. A vontade de andar um
pouco lá fora tornava-se cada vez mais forte.
Quando entrou na sala de comando, Faro Urgina nem olhou para ele.
— O senhor está dispensado do serviço, capitão! — disse Urgina com a voz
arranhada, ao passar perto dele.
Yak estremeceu. Esteve a ponto de dar uma resposta grosseira, mas conseguiu
controlar-se.
— Não entendeu, capitão? O senhor está dispensado do serviço — repetiu o Major
Urgina.
Yak abandonou a sala de comando, fervendo de raiva. Enquanto caminhava em
direção à eclusa, tomou a decisão de que esta seria a última vez que viajaria sob o
comando do Major Urgina. Na primeira oportunidade, mudaria para outra nave.
5
Há várias horas estavam sentados, encostados uns aos outros e sentindo um frio
terrível. Devia ser noite, pois há muito não enxergavam a mão na frente do rosto. A maior
diferença entre o cinza da atmosfera impregnada de areia e a noite de verdade era a
temperatura, que se aproximava cada vez mais do zero.
Ao contrário de Erskine e Zims, o Capitão Clark ainda não dormira um minuto que
fosse. Sabia perfeitamente que o quarto planeta do sistema Labin 3 seria seu túmulo.
Mesmo que acontecesse um milagre, e o comandante da Explorer 5207, Beto Hiesse, se
preocupasse com a ausência da Kostana, para eles seria tarde.
Seus corpos estavam contaminados de radiações. Era bem verdade que havia
remédios muito eficientes, que eliminavam os danos produzidos pelos raios radioativos,
mas nem mesmo estes remédios seriam capazes de salvar um organismo fortemente
atingido pelas radiações. Pelo menos três dias se passariam antes que a Explorer 5207
iniciasse as buscas destinadas a localizar a pequena espaçonave na concentração de
Hiesse. Em virtude do elevado teor de radiações na atmosfera deste mundo, os
instrumentos da nave exploradora logo descobririam o lugar em que a Kostana fora
destruída. Também encontrariam os três homens — porém mortos.
Alguma coisa o atingiu. Clark Yak passou a mão pelo rosto. Além da areia fina,
havia um pingo de chuva em sua pele. Dali a alguns minutos já não teve a menor dúvida.
Estava chovendo.
Com isso as coisas ficariam ainda piores, pois a chuva despejaria a poeira radioativa
sobre eles. Parte da mesma, que talvez viesse ao chão a milhares de quilômetros de
distância, cairia ali mesmo.
A chuva ficou mais forte. Erskine e Zims foram despertados do sono leve.
— Era só o que faltava — disse o sargento, comentando o fenômeno da natureza. —
Não faz mal. Assim não demorará tanto.
Reconhecera a situação em que se encontravam.
Era uma chuva morna, o que parecia estranho face à temperatura reduzida do ar.
Nenhum dos três homens interessou-se pelo fenômeno. Dentro de pouco tempo ficaram
completamente encharcados.
A chuva pelo menos tinha uma coisa de bom: limpava a atmosfera impregnada de
massas de poeira.
Pela terceira vez Zims sugeriu que avançassem até o paredão de pedra e se
abrigassem na caverna do verme do pavor. O Capitão Clark não concordou.
Walter Zims não se deu por satisfeito.
— Por quê? Não perturbaremos o verme gigantesco e não ficaremos expostos à
chuva radioativa. Será que esta chuva realmente é radioativa? Será que com a queda da
Kostana foram liberadas radiações que não sejam limpas? Não acredito. Não sinto nada, a
não ser uma terrível fome.
O Capitão Clark Yak não chegou a responder.
Um raio atravessou a escuridão.
Mas não foi só isso: um matraquear infernal rompeu o ruído da chuva!...
Os três levantaram-se de um salto. Mais uma vez uma luminosidade verde
atravessou a noite. O matraquear tornava-se cada vez mais selvagem. Aqueles homens
nunca haviam ouvido nada igual. Os lampejos já vinham de três lados diferentes.
— Fogo de armas térmicas! — gritou Lionel Erskine, entusiasmado. — Isso é... —
interrompeu-se e parecia respirar com dificuldade. — Santo Deus, em que estão atirando
com desintegradores?
“Taque-taque-taque.” Línguas de fogo surgiram em vários pontos. O número de
raios de luz parecia multiplicar-se por dez.
— Já não compreendo mais nada, mas acho que deveríamos procurar aproximar-nos
do front — disse o Capitão Yak.
— Front? Que front? — perguntou Walter Zims.
— Veremos... — Yak não estava disposto a dizer muita coisa. De repente lembrou-
se de uma coisa: lembrou-se de ter visto um movimento na entrada de um vale estreito,
entre dois blocos de pedra quando a bordo da nave. Ao mandar ampliar a imagem ao
máximo, não vira mais nada.
Taque-taque-taque — era o ruído que se ouvia no meio da noite. O fogo das armas
energéticas tornara-se menos nutrido, mas o matraquear aumentara.
— O que é isso? — esbravejou o sargento Erskine.
— Pela grande Via Láctea! — gritou Zims. — São metralhadoras! Há séculos os
povos da Terra se combatiam com esse tipo de arma. Já vi um negócio destes num museu,
mas...
— Sim — disse Yak — mas de onde vêm essas metralhadoras?
Três homens estavam parados no meio da chuva e da noite impenetrável, escutando
atentamente. O matraquear não diminuía. Vez por outra a escuridão era rompida por um
lampejo.
— Zims, o senhor ainda me deve uma resposta — disse o capitão. — De onde vêm
as metralhadoras?
— Não faço a menor idéia. Não estamos sós no planeta.
Lionel Erskine protestou contra a observação, resmungando alguma coisa. Yak ficou
calado. Zims não estava de acordo.
— Acha que minha opinião é absurda, capitão.
— Infelizmente não, Zims. Se essa gente que faz taque-taque ainda usa trajes
espaciais, acho que já sei quem decolou com a Kostana.
Esta observação fez com que Lionel Erskine se lembrasse do que vira na eclusa da
Kostana, pouco antes de a mesma realizar aquela decolagem maluca. Vira homens que
vestiam trajes espaciais.
Mas não teve tempo para fazer qualquer comentário a este respeito.
— Vamos andando! — ordenou Yak. — Tenham cuidado para não atrair o fogo
energético de nossos companheiros. Quero saber quem continua vivo, e principalmente
quem está atirando com metralhadoras.
— Devem ser os homens com trajes espaciais que vi na eclusa principal de nossa
bela Kostana — interveio Lionel Erskine.
Foram atravessando a noite chuvosa. Levavam desintegradores e armas de
impulsos, que finalmente não tinham sido perdidas durante os acontecimentos
inexplicáveis que se haviam verificado.
Zims contou os passos. Quando chegou a trezentos, alguma coisa chiou perto de seu
ouvido. Era uma música diabólica, que fez com que os três imediatamente procurassem
abrigo.
Mas o chiado continuou. Até tiveram a impressão que passava por cima de suas
costas.
— Infravermelho! — gritou Lionel Erskine.
Yak e Zims, que se encontravam à sua esquerda e direita, praguejaram. O inimigo
desconhecido via-os por meio de aparelhos infravermelhos.
— O que vem a ser uma metralhadora, Zims?
— É uma construção metálica que expele projéteis através da pressão de uma
explosão. Ai...! — soou seu grito de dor. — Para trás, capitão.
— Onde foi atingido, Zims?
— De raspão, no ombro esquerdo. Vou separar-me dos senhores.
— Iremos com o senhor — disse o Capitão Yak.
Se o inimigo podia vê-los por meio dos raios infravermelhos, a vantagem estava do
lado deles, apesar das armas antiquadas que usavam. Assim que o capitão e seus
companheiros fizeram o primeiro movimento, ouviu-se o matraquear infernal vindo de
todos os lados.
Comprimiram-se contra o solo, enquanto os projéteis zumbiam por cima de suas
cabeças.
— Temos de recuar, senão ainda nos pegarão! — gritou Yak. No mesmo instante
viram-se feixes de raios que romperam a escuridão. Alguma coisa que os três não viram
foi destruída com um estrondo. Na mesma hora cessou o matraquear infernal vindo de
um dos lados. Não perderam tempo: recuaram, rastejando na areia úmida. Zims voltou a
gemer baixinho. O ferimento no ombro incomodava mais do que ele queria confessar.
Nenhum deles, porém, prestou atenção à direção em que rastejavam.
— Será que vocês enlouqueceram? — gritou Clark Yak, quando um raio de
impulsos finíssimo tocou a areia, bem à sua frente.
O raio desapareceu.
— Quem vem aí?
— O Capitão Clark Yak, o sargento Erskine e o cabo Zims — gritou o capitão.
Ouviram-se exclamações de espanto.
— Não se levantem! — gritou alguém. — Os caras estão nos observando pelo
infravermelho.
— Acha que ainda não percebemos? — perguntou Lionel Erskine. — Que caras são
estes?
— Talvez sejam piratas que se estabeleceram neste setor da Via Láctea — disse
Zims.
Não tiveram mais tempo de falar. Era muito cansativo avançar rastejando sobre a
barriga. Finalmente atingiram os companheiros, que formavam um grupo de onze
homens. Retiraram-se até o flanco da rocha. Yak perguntou pelo Major Faro Urgina.
— Está morto. Foi atingido pela primeira salva — disse alguém. — O senhor é o
último oficial vivo.
Ouviu Zims dar um gemido.
— Alguém sabe como tratar uma ferida nestas condições precárias?
Um dos homens observou que sua situação era muito crítica, já que se defrontavam
com um inimigo que sabia o que queria.
— Mas Zims precisa de tratamento. Entendido? — gritou Yak, indignado.
Mas tratá-lo com quê? Não havia ataduras. As roupas dos homens estavam
encharcadas. Finalmente um dos homens encontrou num dos bolsos do uniforme um
pequeno estojo ara de primeiros socorros. Segundo as normas, todos deveriam ter levado
um estojo destes, mas viu-se que dificilmente havia alguém que se preocupasse com isso.
Enquanto dois homens cuidavam da ferida de Zims, Yak pediu que lhe contassem o
que tinha acontecido.
Um cabo pertencente ao grupo de onze homens iniciou o relato. Começou pela
queda da Kostana e pela liberação das energias da mesma.
— Muitos foram mortos pela onda de pressão. Tivemos muito trabalho para reunir
os que restavam. Éramos trinta e dois homens. O Major Urgina só sofrerá uma ligeira
contusão. Estava em ótimas condições. Lembrou-se, então, da entrada do vale recortado
no meio das rochas, que vira na tela panorâmica. Fomos avançando passo a passo em
meio à tempestade e às massas de areia. Por três vezes desviamo-nos do rumo. Levamos
mais de uma hora para chegar ao paredão. Depois seguimos rente ao mesmo, em fila
indiana. A tempestade foi diminuindo. Depois de algum tempo começou a chover.
“Um dos oficiais, não sei qual foi, tinha um medidor de radiações. Quando a chuva
começou a cair, pensamos que receberíamos um banho de lixo radioativo. Mas não foi
nada disso.”
Iak interrompeu o cabo.
— Quer dizer que durante a explosão não foram liberadas radiações?
— Isso mesmo. Não tivemos a menor dificuldade em acreditar no milagre. Quando
disseram que a chuva não continha poeiras radioativas, chegamos a acreditar que o pior
tinha passado.
“Quando a notícia de que a ponta da fila acabara de chegar ao destino correu de
homem para homem, ouvimos pela primeira vez o matraquear em meio à chuva noturna.
“O major foi um dos primeiros que tombaram. Quando compreendemos que
estávamos sendo observados por meio de visores infravermelhos e que atiravam contra
nós com armas antiquadas, já haviam morrido dezoito homens.
“A certa altura um grupo de três homens viu pequenas chamas na escuridão.
Começaram a atirar com as armas de radiações na direção das mesmas. Ouviu-se um
terrível estrondo do lado dos atacantes. Tivemos alguns minutos de paz, e pudemos
retirar-nos. Mas os inimigos que se encontravam do outro lado devem ter-nos seguido.
Mais uma vez abriram fogo contra nós com essas malditas metralhadoras, e novamente
sofremos algumas perdas. Quando atiraram contra o senhor e seus companheiros, mais
uma vez vimos chamas, e os raios de nossas armas provocaram uma segunda explosão.
Aí foi quando o senhor apareceu.”
— O senhor falou nuns caras, cabo. Por quê? — perguntou Yak em tom enérgico.
Ninguém podia ver o rosto do outro, mas Yak teve a impressão de ter notado um
sorriso do cabo.
— Durante o primeiro ataque encontramos um dos atacantes, senhor. Infelizmente
estava morto. Usava traje espacial cinza-marrom, de um tipo muito primitivo. O mais
incrível é que se tratava de um dos nossos.
— Um dos nossos?! Como!
— Infelizmente não cheguei a vê-lo, e os que o viram estão mortos. Mas foram
unânimes em dizer que viram o rosto de um terrano.
Alguém avisou Yak de que o curativo da ferida de Zims estava concluído.
— Foi atingido de raspão, senhor. É muito doloroso, mas não é perigoso.
O capitão agradeceu. Não confiava nas informações que o cabo lhe fornecera.
Aquelas metralhadoras, que na Terra só eram encontradas em museus, não combinavam
com a afirmação de que o inimigo morto era um terrano. E havia outra circunstância que
dava o que pensar: a queda da Kostana. Só mesmo um leigo em astronáutica, que não
entendesse nada das modernas naves esféricas, seria capaz de fazer cair uma unidade
desse tipo, pertencente à Frota do Império; porque um pirata saberia lidar tranqüilamente
com um veículo espacial como este.
Finalmente, o inimigo não poderia pertencer à raça dos terranos, porque no tempo
em que no planeta Terra se usavam metralhadoras, ainda não havia vôos espaciais
tripulados.
Yak não externou esses pensamentos.
— Como puderam reconhecer o morto em seu traje espacial numa escuridão destas?
— Um dos trinta e dois homens de nosso grupo possuía uma lâmpada portátil,
senhor. Agora não temos mais nenhuma.
— Daqui a pouco não precisaremos mais de lâmpadas — exclamou alguém que se
encontrava mais ao fundo. — Se não estou muito enganado, o dia está começando a raiar.
Realmente era verdade. Em certo lugar um tom de cinza apareceu entre os véus de
chuva cada vez mais tênues. Era o sinal de que um novo dia estava para raiar no quarto
mundo de Labin 3.
O Capitão Yak procurou ativar seus conhecimentos sobre combates em superfície,
que adquirira na academia espacial. Eram ao todo quatorze homens. Constataram que
cada um possuía duas armas de radiações.
— Alguém tem um minicomunicador? Ninguém respondeu.
A chuva continuava a cair lentamente. Mais ao longe o cinza começava a tornar-se
mais claro. Mas em torno deles a escuridão ainda era completa.
Yak colheu outras informações.
Assim que o grupo de 32 homens se reunira, o mesmo foi comandado por Urgina e
outro oficial. Os outros tripulantes haviam sido vitimados pela onda de pressão, ou
tinham perecido de outra forma na tempestade de areia.
Yak pediu que todos lhe dessem seu nome.
Um terço dos homens ele não conhecia apenas pelo nome. Destacou um e mandou
que este se dirigisse ao lugar em que a tripulação da Kostana fora atingida pela onda de
pressão. Deveria tirar os minicomunicadores dos oficiais mortos.
— Precisamos de pelo menos seis comunicadores — advertiu Yak. — Se juntarmos
estes ao meu aparelho, estaremos em condições de vencer as distâncias astronômicas que
nos separam da Explorer 5207. Não se esqueçam de trazer também as pulseiras.
Tratava-se de fitas que não eram simples pulseiras, pois serviam de elementos de
ligação, permitindo ligar os minicomunicadores em circuitos paralelos. Transformava a
série de aparelhos num transmissor de hiper-rádio que, conforme o número de unidades
ligadas, era capaz de vencer vários anos-luz de distância.
O chuvisco parou. A luz do dia começou a encher aquele desolado mundo desértico.
Os homens mantinham-se imóveis, com o corpo comprimido contra a rocha. Em sua
maioria haviam tirado as armas dos companheiros mortos. Por isso no momento não
estavam muito receosos de ficarem indefesos diante do inimigo. Mas o Capitão Clark Yak
desistiria de bom grado das armas de radiações, se possuísse um único projetor hipnótico.
Enquanto refletia a este respeito, a luz se fez de repente em sua mente. Clark Yak já
conhecia a origem da catástrofe. Ela tivera início com a experiência do sargento Lionel
Erskine, que resolvera modular os impulsos expedidos pela fita hipno-sugestiva. Esta
experiência exercera uma influência hipno-sugestiva sobre os tripulantes da Kostana. É
bem verdade que naquele momento Clark não conseguiu reconhecer o que havia
acontecido depois disso.
Não guardara a menor lembrança a respeito do tempo decorrido entre o momento
em que abandonara a sala de comando e aquele em que despertara.
— Está clareando, senhor.
O capitão olhou para os lados. Havia blocos de pedra de uns dois metros de altura
junto ao paredão, dispostos na maior confusão. Representavam uma proteção ideal na
direção do vale em que se encontrava o inimigo. Bastava que ele e seus companheiros se
abrigassem atrás dessas pedras, para, por meio de suas armas de radiações, impedir o
inimigo de avançar em direção do deserto.
Yak transmitiu suas instruções. Diante de seus comandos, um grupo correu para a
direita e outro para a esquerda. A pressa realmente era necessária, pois logo se ouviu o
fogo das metralhadoras e o ruído provocado pelo impacto dos projéteis contra o paredão.
O fogo de metralhadora, que não provocou vítimas, mostrou que parte dos inimigos se
encontrava na borda do deserto.
Os homens colocaram-se numa posição em que estavam bem abrigados e podiam
dispor de uma boa linha de tiro. O Capitão Yak encontrou o lugar mais favorável, e
juntou depois uma dezena de pedras para construir uma posição de tiro razoavelmente
protegida contra as balas. O fogo inimigo cessou. Yak virou a cabeça e olhou para o
flanco aberto na rocha. O paredão não era liso; havia vários terraços, que se estendiam ao
longo do mesmo, em várias altitudes. Resolveu levantar a cabeça um pouco acima das
pedras atrás das quais se abrigara, para enxergar a entrada do vale. Logo voltou a ouvir o
matraquear das metralhadoras, e em torno dele zumbiam as balas em ricochete como se
fossem vespas enfurecidas.
Yak não pôde deixar de olhar constantemente para cima. Teve uma impressão
repentina de que a desgraça desabaria sobre eles, vinda do alto.
Gritou alguma coisa para o grupo que se encontrava do lado oposto. A esta distância
a comunicação não era muito boa. Demorou alguns minutos até que sua advertência fosse
bem compreendida. Perguntou se ainda não havia sinal do homem que saíra para procurar
alguns minicomunicadores. Recebeu resposta negativa.
Deu ordem a dois dos homens que se encontravam a seu lado para que não
observassem o deserto vermelho, mas as bordas dos terraços.
À medida que ia clareando, a visibilidade aumentava. Em alguns lugares havia
grandes poças de água da chuva. Junto a essas poças o verde começou a medrar.
De repente ouviu um grito estridente. O chiado inconfundível das armas
desintegradoras terranas chegou ao seu ouvido. Virou para ficar de costas e viu
confirmadas suas previsões.
O inimigo se instalara no segundo terraço e começava a atirar neles de
metralhadora.
Mas não teve nenhuma chance diante do fogo concentrado dos desintegradores
terranos. Apesar da distância relativamente grande, essas armas não deixaram de produzir
seus efeitos. Onde há pouco estivera um atacante, não se via mais nada. Ouviu-se um
grito vindo de cima. Todavia, um grito ainda mais estridente partiu do homem que se
encontrava à direita de Yak.
— Eles também têm desintegradores!
A notícia não surpreendeu o capitão. Ao saber que o inimigo os observava por meio
de aparelhos infravermelhos, logo supusera que ele iria apoderar-se dos desintegradores
de seus mortos.
Yak passou a ter cada vez mais medo do inimigo que lançava ataques tão
implacáveis e persistentes contra eles.
O primeiro ataque lançado do terraço acabara de ser rechaçado. O grupo inimigo
fora vitimado pelo fogo de seus desintegradores. Em compensação, um segundo grupo,
que se encontrava no solo, procurou desmanchar seu abrigo com os desintegradores que
tinha apanhado dos cadáveres da Kostana.
— Deixe-me passar! — disse Yak, que queria dirigir-se à ala direita de seu grupo.
Agachou-se ao lado de um homem que estava abrigado atrás de uma pedra de três metros
de grossura e lhe disse com a voz entrecortada:
— Nós não somos tão avarentos com a energia de nossas armas, quando disparamos
contra um alvo. Gostaria de saber quem ensinou esses caras em tão pouco tempo a atirar
nossas...
Não teve tempo de dizer a última palavra. Ele e Yak tiveram de recuar às pressas
para trás de outro abrigo, já que o grande bloco de pedra que se encontrava à sua frente se
desmanchou.
O fato de Yak ter-se deslocado para a ala direita de seu grupo representava certa
vantagem. Conhecia a posição aproximada do grupo inimigo que atirava contra eles com
os desintegradores que estavam em seu poder.
Enquanto saltava de um abrigo para outro, as metralhadoras voltaram a matraquear.
O chiado dos projéteis o levou a apressar-se tanto que saltou para as costas de um
homem.
O sargento Lionel Erskine esfregou o lado esquerdo do tórax. O capitão ficou
deitado no chão, comprimido contra ele, à espera de que o fogo de metralhadora cessasse.
Dali a pouco as metralhadoras se calaram.
Os primeiros raios de sol atingiram os homens. Por cima do planeta desértico
estendia-se um céu límpido. Yak e Erskine espiaram pela fenda estreita que o sargento
abrira.
Os homens que se encontravam do lado esquerdo de seu grupo deviam ter avistado
as posições de metralhadora do inimigo. Atiravam com seus desintegradores.
Ouviram-se vários estampidos saídos de uma nuvem de vapores claros que se
espalhava rapidamente para os lados. O Capitão Yak segurou o sargento Lionel Erskine
pelo ombro e obrigou-o a olhar para ele.
— Preste atenção, Erskine. Temos de subir nesse paredão. À nossa direita está um
grupo que atira contra nós com desintegradores. Se não conseguirmos colocá-lo fora de
combate bem depressa, será inútil resistir. Quer ir comigo?
— Naturalmente. Quer um? — o sargento sorriu e ofereceu um desintegrador
superpesado ao Capitão Yak. Dispunha de outra arma do mesmo tipo.
O capitão pegou a arma sem dizer uma palavra. Avisou o homem mais próximo, aos
gritos, sobre o que pretendiam fazer.
— Transmita o aviso ao outro grupo. Yak e Erskine saíram do abrigo rastejando de
quatro.
Por enquanto não tinham por que temer um ataque vindo da entrada do vale.
Estavam subindo em direção ao primeiro terraço por uma espécie de chaminé que se
abria na rocha, a uns cinco metros do paredão. Só poderiam ser vistos quando atingissem
a primeira plataforma, que se estendia a mais de quinze metros de altura, se houvesse um
inimigo na extremidade superior da chaminé.
— Caramba! — disse Erskine, quando viu pela primeira vez aquilo que Yak
designara como chaminé. Em nenhum lugar a fenda chegava a ter mais de um metro de
largura. — Vamos subir aí sem outros recursos, senhor?
— Irei na frente. Preste atenção ao que eu fizer. Dessa forma nada lhe poderá
acontecer.
Yak colocou-se no interior da chaminé, com as costas e a mão esquerda comprimida
contra um dos lados, enquanto a outra mão segurava uma saliência do lado oposto.
Levantou o pé direito e apoiou a ponta da bota numa saliência. Endireitou a perna, fez
força com a mão esquerda para afastar as costas da parede de rocha e subiu meio metro.
— Que coisa louca! — cochichou Erskine, entusiasmado. — Assim é fácil.
O sargento seguiu seu capitão. Quando tinha percorrido aproximadamente a terça
parte da chaminé, olhou para baixo. Sentiu-se inseguro. O cascalho espalhado ao acaso
deixava-o nervoso. Começou a transpirar.
— Por que está ficando para trás, Erskine? Não consegue subir mais? — gritou Yak.
— Consigo, sim! — gritou o sargento. — Já estou subindo! É fácil!
Sabia que nunca mentira tão desavergonhadamente. Enquanto subia com grande
esforço, teve a impressão de sentir uma força invisível que queria arrastá-lo para baixo.
Depois de bastante tempo voltou a ouvir a voz de Yak.
— Dê-me a mão.
Yak puxou-o para fora da chaminé. Estavam num dos terraços. Lionel Erskine quase
não conseguia acreditar.
— Encoste-se à parede, senão nos vêem de cima.
Yak deu um empurrão no sargento, e este agachou-se junto ao paredão, perto dele.
— Erskine, siga-me numa distância de dez passos. Não se esqueça de ficar
abrigado.
Confirmaram com um aceno de cabeça. Yak saiu, saltando de uma pedra para outra
e mantendo-se sempre junto ao paredão.
A chaminé descreveu uma curva ligeira em torno do paredão. Yak resmungou
alguma coisa. Por ali não havia possibilidade de abrigar-se. Clark Yak agachou-se, olhou
para trás e fez sinal para que o sargento, que estava alerta, ficasse à espera.
Clark Yak pegou as armas. Segurou o desintegrador superpesado e a arma comum.
Havia um desintegrador de reserva num dos bolsos. Saiu correndo. Quando tinha dado
cinco passos, parou desesperadamente e procurou atirar-se para trás.
À sua frente havia um raio de arma desintegradora, que parecia ter vindo do nada.
“É tarde”, pensou o Capitão Yak, e resolveu aplicar os ensinamentos que recebera
na escola de guerra da academia espacial. Num movimento rapidíssimo levantou a arma
superpesada, atirou com a segurança de um sonâmbulo e deixou-se cair para a frente.
Não conseguiu deter a queda, mas pelo menos não caiu dentro de um raio mortífero.
Na verdade, o raio desaparecera. E o homem que atirara contra ele com uma das armas
desintegradoras tiradas dos terranos, deixara de existir.
Clark Yak levantou-se de um salto. Seu joelho doía, mas ele não deu atenção a isso.
De repente sentiu-se muito seguro. Continuou a correr — trinta metros, quarenta — e de
repente viu o vale do qual deviam ter saído os atacantes desconhecidos, e de onde
provavelmente tinham observado o pouso da Kostana.
À sua frente alguma coisa balançava junto ao paredão íngreme. Fitou o ponto e
reconheceu uma corda. O inimigo usara a mesma para descer da segunda plataforma e
interceptar o caminho que passava no paredão.
Abaixou-se e apalpou o material. Não se lembrou de jamais ter posto as mãos numa
substância como esta. Resolveu não perder tempo com isso. De qualquer maneira, a
plataforma terminava dali a três metros. Foi rastejando até a borda, com uma arma em
cada mão.
Conseguiu agarrar-se à rocha com a ponta dos pés. De repente viu alguma coisa
movimentar-se entre enormes blocos de pedra, que algum dia deviam ter despencado para
baixo.
No mesmo instante lembrou-se do que vira ao contemplar esse lugar na tela da
Kostana: vira um movimento.
— Preciso descobrir quem são e por que nos atacam com uma raiva tão insensata —
disse para si mesmo.
Seu coração palpitava fortemente, não de medo, mas de surpresa. A menos de vinte
metros do lugar em que se encontrava viu seres humanos. Usavam trajes espaciais, mas
estes eram de um tipo antiquado e estranho, o que levou Yak a supor que não se tratava de
terranos.
De repente a atenção de Clark Yak foi atraída por outro imprevisto. Um terrível
estrondo fez com que olhasse para o vale estreito e muito reto. Viu uma nuvenzinha em
forma de cogumelo.
“Santo Deus”, pensou apavorado, “é um cogumelo atômico.”
Atirou-se de lado e olhou para trás. Ouvira passos. Deu um suspiro de alívio e
baixou o desintegrador superpesado. Era o sargento Lionel Erskine que se aproximava.
Os dois ficaram deitados lado a lado, junto à borda da plataforma. A nuvem atômica
em forma de cogumelo, que neste meio tempo se estendera bastante, levou Erskine a
praguejar.
— O senhor compreende isso? — perguntou aos cochichos.
Yak fez um movimento muito ligeiro com a cabeça. Apontou para baixo. Ouviu-se
um zumbido surdo que subia entre os blocos de pedra, e que aumentava a cada segundo
que passava. Os dois fitaram-se com uma expressão de dúvida. Não conseguiram
identificar o ruído.
— São mais de trezentos homens — cochichou Lionel Erskine, que fizera uma
avaliação ligeira dos diversos grupos.
Uma pedra bateu ruidosamente no terraço atrás deles. Yak ficou deitado na posição
em que se encontrava. O sargento recuou um pouco e levantou-se. Olhou para o terceiro
terraço, onde descobriu alguns homens.
— Capitão! — gritou. — Estão colocando em posição uma peça de artilharia
pesada.
O zumbido que subia do vale transformara-se no som de um órgão. Clark viu um
vulto cinzento e fosco, que contornava lentamente uma das rochas. Tratava-se de um
canhão.
Estava todo ele fortemente blindado. A peça de autopropulsão devia pesar muito
mais de duzentas toneladas. As esteiras largas reduziam a poeira pedras de vinte
centímetros de diâmetro. A peça foi avançando lentamente em direção à saída do vale. A
julgar pelos ruídos, devia haver outras peças atrás dela.
Yak não conseguiu descobrir nada acima dele. A contragosto recuou da borda do
terraço, deitando ao lado de Erskine, que estava com o corpo meio levantado.
Ainda não olhara lá para cima.
— O que é isso, Erskine? — perguntou, perplexo, ao ver uma armação longa e
maciça.
A resposta era desnecessária. Aquela armação cinzenta era uma rampa de disparo.
Um projétil em forma de foguete foi colocado sobre a rampa por uma espécie de braço
mecânico.
O sargento Erskine foi levantando a arma desintegradora.
Clark Yak baixou-a.
— Ainda é cedo, sargento. Só atire no momento em que lá em cima estiver tudo
preparado para o disparo. Voltarei à borda do terraço. Se não estou enganado, as pesadas
peças blindadas com esteira que vemos lá embaixo também são rampas de disparo.
Atiraremos no mesmo instante. O senhor fará pontaria para o terraço e eu para a rampa
pesada na saída do vale. Se possível, destrua somente a arma.
O sargento Erskine confirmou com um gesto. Clark Yak voltou rastejando para a
borda do terraço. Fez um movimento repentino com a cabeça e olhou para baixo. Viu o
rosto de três desconhecidos, que por acaso olhavam em sua direção.
Um deles fez um movimento apressado. Segurou com ambas as mãos uma peça de
metal cilíndrica e alongada, que estava pendurada ao seu peito, e apontou-a para Yak.
Numa fração de segundo seus companheiros agiram da mesma forma. O capitão
compreendeu. Os inimigos queriam destruí-lo.
“Taque-taque-taque”, fez uma arma automática no interior do vale. O Capitão Yak
não conseguira acionar sua arma energética. Mas quando os projéteis mortíferos
começaram a zumbir em torno dele, disparou a arma desintegradora.
Os três desconhecidos tombaram mortos. O tiroteio terminou, mas em compensação
os inimigos que se encontravam no vale foram alarmados. E o sargento Erskine fez com
que outros inimigos entrassem em estado de alarme.
Até parecia que o mundo desértico em que se encontravam fosse desabar. Alguma
coisa explodiu no terceiro terraço com tamanho estrondo que nem mesmo a rocha resistiu
ao impacto da explosão. Embaixo do terraço o paredão estourou em grande extensão,
caindo ruidosamente sobre o segundo terraço.
O Capitão Yak retirou-se assim que disparou sua arma desintegradora.
— Erskine — gritou o mais alto que pôde. Num instante descobrira uma boa chance
para ambos.
— Capitão? — disse uma voz. O sargento saiu rastejando de uma nuvem de pó.
Dali a pouco viram-se envolvidos numa nuvem de poeira ainda mais cinzenta.
— Não faça perguntas, Erskine. Siga-me.
O sargento estava acostumado a obedecer.
A nuvem de poeira tornou-se menos espessa. A visibilidade ia aumentando. O
Capitão Yak ia avançando cada vez mais depressa. De repente Erskine pôde enxergar à
sua direita. O abismo estendia-se bem à sua frente. Até então haviam avançado sobre um
terraço de um metro de largura. Contudo, este terraço chegou ao fim.
— Salte, Erskine!
Clark Yak saltou. O sargento começou a admirar o capitão pelo seu arrojo. Também
saltou. Foi agarrado por um par de braços e sentiu-se arrastado para o lado. Os mesmos
braços comprimiram-no contra o chão. Clark Yak construiu um abrigo provisório com
pedras de vinte centímetros. Não houve necessidade de pedir a Erskine que fizesse a
mesma coisa.
Lionel Erskine segurou-se com ambas as mãos no braço do capitão. Este estremeceu
repentinamente. Ouviu um forte ruído vindo do céu sem nuvens.
— Um ponto, senhor! Um ponto bem em cima de nossa cabeça. É um foguete... um
foguete que descansa sobre um raio de fogo! Não está vendo?
A vista de Erskine era fantástica. O capitão só via um pontinho que passava
lentamente por cima do vale.
— Preste atenção aos veículos de esteira, sargento! — advertiu Yak.
Erskine soltou o braço do oficial. Yak olhou em sua direção. Arregalou os olhos. O
sargento estava rastejando de quatro; logo desapareceu atrás de uma rocha.
De repente Yak teve a impressão de que ouvira um grito abafado. Prestou atenção
ao que se passava na direção em que Lionel Erskine desaparecera, mas tudo continuou
em silêncio.
Dali a pouco apareceu o sargento. Não estava só. Arrastava um desconhecido, que
estava inconsciente.
— O que vamos fazer com isso? — perguntou Yak, aborrecido. — Para nós este
homem só representa um peso.
O pontinho no céu sem nuvens que, segundo dizia o sargento, estava repousando
sobre uma coluna de fogo, desaparecera de seu campo de visão. O barulho vindo do alto
foi cessando. Em compensação o rugido vindo do vale tornava-se cada vez mais forte.
Quatro veículos de esteira pretendiam dobrar para a esquerda, no fim do vale.
Outros saíam dos esconderijos de pedra.
— Sargento, nenhum veículo deve passar! Encarregar-me-ei dos dois que vão na
frente, e o senhor dos que vão logo atrás. Preparado?
— Estou com o objetivo na mira da arma, senhor — respondeu Erskine sem
demonstrar o menor nervosismo. Confiava no seu desintegrador superpesado, e na sua
imaginação já via todos os veículos de esteira destruídos.
— Fogo! — ordenou Yak.
Esperou até o último instante para dar a ordem. Do lugar em que se encontrava só
via metade do primeiro veículo.
Assim mesmo o veículo foi destruído. O segundo monstro blindado também deixou
de existir. Os números 3 e 4 também tiveram de ser riscados do inventário dos
desconhecidos.
— Vamos aos dois pares seguintes!
Os raios de seus desintegradores haviam traído sua posição. Clark Yak e Lionel
Erskine conseguiram destruir mais três veículos de esteira. Depois tiveram de ficar
deitados atrás dos abrigos improvisados, com as balas zumbindo em torno deles.
— Vamos dobrar o canto, senhor. Ali não poderão atingir-nos! — gritou Erskine ao
ouvido do capitão. A excursão que Lionel Erskine fizera por conta própria acabara sendo
muito útil. Ao menos sabia como era o terreno atrás de seu nicho. Achou que a fenda na
parede, de onde trouxera aquele desconhecido, pudesse representar um caminho de fuga.
— Vamos embora! — gritou Yak. Teve de esperar até que Erskine se pusesse em
movimento. Desta forma pôde observar o rosto do desconhecido por alguns segundos.
Ficou estupefato. O homem não era nenhum nativo; quanto a isso não havia dúvida.
Mas certamente era um ser humano. Não pôde estudar mais o rosto sem vida que se
desenhava atrás da chapa transparente. Seguiu o sargento, rastejando rente ao chão.
Mal atingiu o canto na rocha, voltou a ouvir o taque-taque que já conhecia, e o
chiado de um raio energético. Teve um pressentimento vago e gritou o nome de Erskine.
— Sim... senhor! Aqui... — era uma fala entrecortada.
Quando Clark Yak dobrou o canto da rocha, o sargento Lionel Erskine já estava
morto. A seu lado jazia um desconhecido. Também estava morto.
O Capitão Yak agia automaticamente. A morte do sargento deixara-o mais abalado
do que ele queria confessar.
Sabia que nenhum dos tripulantes da nave que ainda restavam escaparia vivo. Teve
uma certeza apavorante.
Os desconhecidos corriam atrás dele que nem uns loucos.
Desde o início da luta não compreendera por que agiam com tamanha determinação
e vontade de destruição. Sacrificavam-se inutilmente, para matar aqueles que se
encontravam em situação tão difícil.
Já levara dois tiros de raspão e naquele momento arrastava-se pelo segundo terraço,
que alcançara através da fenda no paredão. Já não acreditava que encontraria algum
sobrevivente da Kostana. Já sabia o que se ocultava sob a blindagem pesada dos
desajeitados veículos de esteira: eram canhões que disparavam granadas atômicas. Diante
disso já sabia por que os desconhecidos usavam trajes espaciais. Queriam proteger-se
contra as radiações nocivas de suas minicargas atômicas.
Clark Yak já vira mais de trinta cogumelos atômicos. Por trinta vezes aquelas
formas pouco agradáveis à vista haviam aparecido em frente ao flanco do maciço
montanhoso. Por igual número de vezes seu corpo desprotegido atravessara as nuvens
radioativas.
De qualquer maneira, era o fim. Mas seria menos difícil ser morto por uma bala do
que definhar lenta e penosamente sob os efeitos das radiações.
Olhou para cima e mais uma vez viu uma arma automática apontada para ele.
Atirou.
— Para a frente!
Havia um lugar em que podia descer ao primeiro terraço. Era onde se estendia a
corda que levava do segundo ao primeiro terraço. Não sabia se ainda teria forças para
descer pela mesma.
Teve forças. Dois desconhecidos que estavam no deserto atiraram contra ele, mas
não o atingiram.
Correu para a chaminé. Por que só pensava em chegar lá embaixo, onde estavam
seus companheiros mortos? Não sabia. Quando ia entrar na chaminé, voltou a ouvir o
matraquear.
Uma bala acertou, não nele, mas no seu minicomunicador.
Foi a primeira vez que Clark Yak chorou, desde que se tornara homem. Chorou de
desespero. O último fio de esperança de informar a Explorer 5207 sobre a destruição da
Kostana acabara de desvanecer-se.
Mas foi descendo pela chaminé, conseguindo chegar lá embaixo.
Quando viu os mortos, fechou os olhos.
Não pôde deixar de olhar para eles. Já não tinham armas. Os desconhecidos as
haviam tirado. Na verdade, haviam tirado tudo. Os bolsos estavam virados para fora.
Ficou de pé entre dois mortos. Por que tiveram de morrer? Por que os
desconhecidos haviam penetrado em sua espaçonave e procuraram decolar com a
mesma? Por que não fizeram nenhuma tentativa de estabelecer contatos pacíficos?
Mais uma vez ouviu um rugido vindo do céu sem nuvens. Olhou instintivamente
para cima.
Sim, era uma espaçonave que seguia seu caminho. Uma espaçonave que parecia
descansar sobre um feixe de fogo.
“São propulsores químicos!”, pensou Yak, “mas, o que importa?”
Seguiu aos tropeços, sempre encostado ao paredão. Queria afastar-se dos mortos.
Pretendia esconder-se num canto para morrer.
Clark Yak não olhava para a direita nem para a esquerda. A areia, ainda úmida da
chuva, rangia embaixo de suas botas. Quando enxergou a abertura da caverna que levava
ao labirinto do verme do pavor, teve de desviar-se de um cadáver, que estava bem longe
dos outros. Sem querer olhou seu rosto, e reconheceu-o: era o homem que ele mandara
procurar minicomunicadores junto aos oficiais mortos.
Os bolsos deste homem não haviam sido revistados.
O Capitão Yak ajoelhou a seu lado.
— Morreu de radiações — disse em voz baixa, enquanto suas mãos revistavam os
bolsos do cadáver.
Colocou oito aparelhos à sua frente. Oito minicomunicadores intactos.
Clark Yak esqueceu que estava condenado a morrer. Tirou as tomadas e os pinos de
cada pulseira e ligou um minicomunicador atrás do outro.
Não se virou ao ouvir o ruído surdo de um veículo de esteira vindo de trás.
Ligou a faixa da Explorer 5207, colocou o último minicomunicador junto à boca e
começou a falar:
— Capitão Clark Yak da Kostana chamando a Explorer 5207. Favor falar em
linguagem comum.
Ouviram-se alguns estalos. Finalmente uma voz disse:
— Aqui fala a 5-2-0-7. Por que em linguagem comum? Câmbio.
“Por que será mesmo?”, pensou Yak.
— Sou o último sobrevivente... e estou contaminado por radiações — disse para
dentro do microfone. — Kostana destruída. Foi atacada por desconhecidos no quarto
planeta. Dispõem de espaçonaves primitivas. Parece que pousaram neste mundo...
Clark Yak não ouviu o disparo e muito menos uma granada atômica que explodia
poucos metros atrás dele, levantando uma nuvem atômica que se espalhou para todos os
lados.
Mas na Explorer 5207 a explosão foi ouvida. Depois o silêncio passou a reinar na
faixa da nave. Foi um silêncio tão profundo que o oficial de rádio da 5207 nem chegou a
pedir: “Câmbio, Capitão Yak!”
No quarto planeta de Labin 3 não havia mais um único terrano que lhe pudesse
responder...
***
No mesmo instante Perry Rhodan fez uma pergunta a seu amigo Bell.
— Ainda não soube de nenhuma notícia da Kostana, Gordo?
— Não, e nem da 5207. Na minha opinião é um bom sinal. Se alguma coisa tivesse
saído errado, uma das duas naves sem dúvida teria enviado uma mensagem condensada.
Ainda continua preocupado, Perry?
— Não sei como direi... De qualquer maneira, avise-me assim que a Explorer ou a
Kostana transmitir qualquer notícia. Não se esqueça, Bell!
— Não se preocupe. Acho que nas próximas horas deveremos receber uma
mensagem da Kostana, dizendo que a nave conseguiu colocar os três vermes do pavor
nos lugares previstos. Nem poderia ser de outra forma. Afinal, o transporte de três vermes
do pavor não é uma missão de perigo máximo. Trata-se de uma simples operação de
rotina. Quando a mensagem chegar, levá-la-ei pessoalmente a você, Perry. Antes que o
dia termine, estarei com você.
— Tomara, gordo.
Rhodan retirou-se do escritório do amigo. Bell logo esqueceu as preocupações de
Perry. Tinha certeza absoluta de que a Kostana chamaria ainda no mesmo dia, para
comunicar o cumprimento da missão.
Afinal, era apenas uma operação de rotina; mas a verdade era bem outra...
***
**
*