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Quando o presidente João Goulart anunciou que iria colocar em prática as

Reformas de Base, com objetivo de reduzir a concentração da renda e da terra


no país, milhares de pessoas saíram às ruas para defende-las e aprofundá-las.
Contudo, apesar do forte apoio popular às mudanças anunciadas, os setores
da sociedade ligados ao pensamento conservador protestaram contra o
governo, considerado por eles uma porta de entrada para o comunismo no
Brasil. Isso animou os golpistas, que perceberam uma importante disposição
de setores das classes médias para sustentar a derrubada do presidente por
quaisquer meios.

Brasil no início dos anos 1960


O Brasil do começo dos anos 1960, apesar de grande parte da população viver
em situação de extrema pobreza, vivia seu sonho de modernidade. A
inauguração de Brasília, obra polêmica do governo Juscelino Kubitschek, era
a síntese desse sonho, materializado numa cidade planejada, elegante, de
vanguarda, construída no Planalto Central. Boa parte da sociedade brasileira
ansiava por essa modernidade, que significava mais indústrias, mais
empregos, mais riqueza.

Mas nem todo mundo concordava em relação aos caminhos que o país deveria
tomar para conquistá-la. Para os nacionalistas de esquerda e para os
reformistas, era preciso ser um país moderno e, ao mesmo tempo,
economicamente independente e socialmente justo, equidistante dos blocos
capitalista e socialista que protagonizavam a Guerra Fria . Já para os setores
conservadores, o mais importante era a modernização econômica, integrada ao
capitalismo mundial. A incorporação política e econômica dos mais pobres
poderia vir mais tarde.

Durante o governo JK essas duas correntes até se equilibraram, mas ao longo


da gestão de João Goulart o dilema político se acirrou. Era preciso decidir:
escolhia-se um caminho ou o outro.

Em 1961, o vice-presidente da República, o trabalhista João Goulart, conhecido


também por Jango, assumiu a presidência em meio a uma crise política
provocada pela renúncia de Jânio Quadros. Para tornar a situação ainda mais
crítica, Jango tinha herdado uma grave crise financeira dos governos de JK e
de Jânio Quadros, com grande endividamento externo. A partir de 1962, a
economia se arrastava a uma taxa de crescimento de 1,5% ao ano, em
contraste com a média de 7% da década anterior. Em consequência disso,
enfrentava a queda da produção e dos salários. Crescia a frustração entre as
massas de trabalhadores, com aumento das reivindicações, infindável
sucessão de greves operárias e lutas camponesas.

Neste momento João Goulart, contava com a aprovação popular. Pesquisas


feitas pelo Ibope em março de 1964, e mantidas em sigilo até a década de
1990, mostravam o grande apoio a Jango, 45% achavam seu governo ótimo ou
bom. Também indicavam que ele era o candidato favorito às eleições que
deveriam se realizar em 1965, com 49% das intenções de voto. E, ainda, que
59% apoiavam suas propostas de Reformas de BaseFecharReformas de
Base de Jango: As reformas de base eram constituídas por reformas no
campo socioeconômico e político, que dependiam de leis e, em alguns casos,
de mudança constitucional para se efetivarem. Eram elas: reforma agrária,
reforma urbana, reforma universitária, reforma fiscal ou tributária, reforma
política (nesse caso, o eixo era o voto dos não alfabetizados)..

Jango enfrentava a resistência da maioria dos parlamentares de um Congresso


conservador. Mesmo assim, conseguiu a aprovação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), a criação da Eletrobrás e da Universidade
de Brasília (UnB).

Em 1961, obrigado pelos setores militares de direita a aceitar o


parlamentarismo para poder tomar posse na presidência, João Goulart lutou
desde o começo pela volta do presidencialismo. Em janeiro de 1963, com 90%
de votos a favor num plebiscito, recuperou os poderes de chefe de governo.

Fortalecido, Jango acelerou os esforços em favor das Reformas de Base, que


eram 16, com destaque para a reforma agrária, reforma da educação, reforma
urbana, reforma bancária, reforma tributária controle das atividades das
empresas estrangeiras, reforma eleitoral, salário família e direito de greve.
Embora acusadas por seus opositores de “comunizantes”, as reformas
propostas por Goulart eram todas capitalistas, mantinham-se dentro das
instituições democráticas, tinham o sentido de romper entraves, como o
monopólio da propriedade da terra, que impediam um amplo desenvolvimento
econômico e uma melhor distribuição da riqueza.

As tensões se agravaram com as grandes mobilizações populares pelas


reformas de base. Elas tiveram seu auge no comício da Central do Brasil, em
13 de março de 1964, quando Jango defendeu as reformas em curso, com
grande apoio das pessoas que compareceram em massa.

O comício foi organizado por setores políticos de esquerda que exigiam um


maior compromisso do presidente João Goulart com as reformas que ele
mesmo propusera. Ao aderir e comparecer ao comício, o presidente sinalizava
para as esquerdas que ele deixava de ser moderado e hesitante, como às
vezes era acusado. Para os setores conservadores, a presença do presidente
no comício era sinal de que tinha optado por um caminho de “subversão da
ordem”. Vários oradores se revezaram no palanque e o comício foi encerrado
pelo próprio presidente, que prometia as tão esperadas reformas.

Esse ato abalou os setores da sociedade contrários a Jango. Em resposta, no


dia 19 de março, ocorreu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em
São Paulo, arquitetada pelos setores conservadores, e convocada por
entidades cívicas e religiosas de direita, em seu esforço de luta contra o
comunismo. A marcha colocou nas ruas da capital paulista cerca de 400 mil
pessoas, uma multidão nunca antes vista, que protestavam contra o governo
considerado por elas como a porta de entrada para o comunismo no Brasil.
Isso animou os golpistas, que perceberam uma disposição de amplos setores
das classes médias em apoiar a deposição de João Goulart.
No dia 25 de março, ocorreu a revolta de marinheiros que reivindicavam
representação política. Em 30 de março, Jango fez um discurso pró-reformas,
numa assembleia de sargentos. Os marinheiros queriam melhores condições
de trabalho e direitos civis, pois nem casar eles podiam sem a autorização dos
superiores.

O Golpe de 1964 foi realizado por uma coligação de forças e interesses,


composta pelo grande empresariado brasileiro, por latifundiários – proprietários
de grandes parcelas de terras, e por empresas estrangeiras instaladas no país,
sobretudo aquelas ligadas ao setor automobilístico. A conspiração contou com
a participação de setores das Forças Armadas, aos quais a maioria da
oficialidade acabou aderindo, diante da passividade da liderança militar
legalista, ou seja, aquela que era contra um golpe de força contra o presidente
eleito.

Acenando com o espantalho do comunismo, visto como sinônimo de regimes


violentos e totalitários, a Igreja Católica contribuiu para disseminar o medo do
governo de Jango entre a população e arrastou multidões às ruas, clamando
por liberdade. Manifestações que também serviram de justificativa para o golpe
militar contra as liberdades democráticas.

A situação da politica interna no Brasil criava todas as condições para um


golpe, mas o encorajamento do governo dos Estados Unidos talvez tenha sido
fator decisivo para que ocorresse de fato o golpe. Na preparação da tomada de
poder, a diplomacia norte-americana, comandada pelo embaixador dos EUA no
Brasil, Lincoln Gordon, praticamente coordenou a conspiração entre
empresários e militares, dando garantia de apoio material e militar.

Em 31 de março, as tropas golpistas começam a se deslocar de Minas Gerais


para o Rio de Janeiro. Na mesma data, teve início a Operação Brother Sam,
da Marinha dos EUA, para apoiar o golpe que iria derrubar o governo
constitucional. Mas nem foi preciso, pois a situação militar se resolveu
internamente, pois não houve resistência organizada aos golpistas.

Esboçou-se alguma resistência no meio sindical e no movimento estudantil,


entretanto, essa resistência foi desorganizada e desestimulada pela própria
atitude de João Goulart, que por saber da ameaça de intervenção
estadunidense no país teria desistido de resistir quando foi do Rio de Janeiro,
local estratégico para a resistência, para Brasília e, dali, para o Rio Grande do
Sul. Ainda houve alguma discussão entre Jango e Leonel Brizola se era
possível resistir a partir do RS, mas o presidente não assumiu esta opção.
Como muitos outros, Jango achava que seria um “golpe passageiro”, e dali a
alguns anos, novas eleições seriam convocadas. Afinal, fora assim em 1945 e
em 1954, por ocasião das intervenções militares para depois Getúlio Vargas.

Desde o início a ditadura militar buscou ter um aparato legal, como forma de se
institucionalizar e de se legitimar perante a opinião pública, sobretudo a liberal,
que tinha apoiado a destituição de Jango. Nesse sentido, o golpe contou com
apoio de setores ancorados no Congresso Nacional e de juristas
conservadores. Foi formalizado na madrugada do dia 2 de abril, no Congresso
Nacional, mas sem amparo na Constituição, pois o cargo foi declarado vago
enquanto o presidente continuava no território nacional e sem ter renunciado
nem sofrido impeachment. Somente numa dessas três circunstâncias, além da
morte, isso poderia acontecer.

O presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazilli, foi empossado como


presidente interino. Os políticos golpistas tentaram assumir o controle do
movimento, mas foram surpreendidos: os militares não devolveram o poder aos
civis, sinalizaram que tinham chegado para ficar. Imediatamente criaram um
Comando Revolucionário formado pelo general Costa e Silva (autonomeado
ministro da Guerra), o almirante Rademaker, e o brigadeiro Correia de Melo.

Chamar a deposição de João Goulart de “golpe” ou de “revolução” revelava, e


ainda revela, a linha ideológica da pessoa. Para a direita, sobretudo militar, o
que estava em curso era uma revolução que iria modernizar economicamente o
país, dentro da ordem. Para a esquerda e para os setores democráticos em
geral, não havia dúvidas: tratava-se de um golpe de Estado, um movimento de
uma elite, apoiada pelo Exército, contra um presidente eleito. A historiografia
convencionou chamar o acontecimento de golpe, pelo caráter
antirrevolucionário e antirreformista do movimento civil-militar que derrubou
Jango.

No dia 9 de abril de 1964, declarando que “a revolução vitoriosa se investe no


exercício do Poder Constituinte”, esse comando baixou o primeiro Ato
Institucional, que convocou o Congresso a eleger um novo presidente com
poderes muito ampliados. No mesmo dia, o Congresso, já amputado em 41
mandatos cassados, submeteu-se ao poder das armas, elegendo o
general Humberto Castelo Branco à presidência. Entre os deputados federais
cassados nessa ocasião, estavam Leonel Brizola, Rubens Paiva, Plínio Arruda
Sampaio e Francisco Julião.

O movimento militar dava, assim, seu primeiro passo. Um movimento que se


impôs com a justificativa de deixar o Brasil livre da “ameaça comunista” e da
corrupção, e que desde o início procurou se institucionalizar. Dessa forma,
pretendia criar uma nova “legalidade”, que evitasse as pressões da sociedade
e do sistema político-partidário sobre o Estado, considerado como um espaço
de decisão política acima dos interesses sociais, pretensamente técnico e
administrativo, comandado pelos militares e pelos civis “tecnocratas”.

Entretanto, o primeiro Ato Institucional já configurava o novo regime como uma


ditadura. Explicitamente afastava o princípio da soberania popular, ao declarar
que “a revolução vitoriosa como Poder Constituinte se legitima por si mesma”.
Dessa forma, concedeu amplos poderes ao Executivo para decretar Estado de
sítio e suspender os direitos políticos dos cidadãos por até dez anos; cassar
mandatos políticos sem a necessária apreciação judicial; também suspendeu
as garantias constitucionais ou legais de estabilidade no cargo, ficando assim o
governo livre para demitir, dispensar, reformar ou transferir servidores públicos.

Como consequência imediata, houve uma onda de cassações de mandatos de


opositores, de demissão de servidores militares e civis, e numerosas prisões.
Nos primeiros 90 dias, milhares de pessoas foram presas, ocorreram as
primeiras torturas e assassinatos. Até junho, tinham sido cassados os direitos
políticos de 441 pessoas, entre elas os dos ex-presidentes Juscelino
Kubitschek, Jânio Quadros, e João Goulart, de seis governadores, 55
congressistas, diplomatas, militares, sindicalistas, intelectuais. Além disso,
2.985 funcionários públicos civis e 2.757 militares foram demitidos ou forçados
à aposentadoria nesses dois primeiros meses. Também foi elaborada uma lista
de 5 mil “inimigos” do regime. A ditadura já começou implacável!

MAX STIRNER
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Johan Caspar Schmidt nasceu em 1806 em Beyreuth, filho de um fabricante de flautas.


De família pobre, seu pai morreu quando ainda era bem novo o segundo casamento de
sua mãe os fizeram viajar durante algum tempo pelo norte da Alemanha.

Com vinte anos, Johan entra para a faculdade de filosofia, em Berlim. Na época, assistiu
às aulas de Hegel, e o idealismo alemão prevalecia. Outro mestre seu, que muito o
influenciou foi Feuerbach. Por dificuldades de saúde de sua mãe, Stirner é obrigado a
largar o curso várias vezes. Consegue concluir a graduação em 1835, mas não conquista
nenhuma vaga como professor de filosofia.

Em 1837, casa-se pela primeira vez, mas a mulher viria a morrer no parto meses depois.
Então torna-se professor, em Berlim, na escola privada “Instituição educativa de
senhoritas de boa disposição”. Johan vive então uma vida simples, correta, sóbria e
quase sem necessidades. É por essa época que começa a frequentar o “Clube dos
Doutores”, que daria origem ao círculo berlinense dos “Livres”.

Era na Hippel’s Weinstube, localizada em uma das ruas mais movimentadas de Berlim,
o local onde os jovens hegelianos se reuniam para beber uma boa cerveja e discutir os
mais variados assuntos: política, teologia, socialismo. Boêmio e iconoclastas, poucos
podiam resistir às críticas dos hegelianos de esquerda. Stirner, homem de maneiras
suaves, frequentou por dez anos os Livres, mas estava sempre no canto, fumando seu
charuto, com um sorriso irônico, e um olhar penetrante por trás dos óculos com armação
de aço.

Forte e concentrado em si, o modo reservado de Stirner nos impede de dar muitos
detalhes de sua vida. Mas foi em 1843, com 37 anos, que Johan Caspar Schmidt atinge
o apogeu de sua vida. Casa-se com Marie Danhardt, uma jovem loira, afável, tão
sonhadora quanto ele e possuidora de uma certa riqueza, a cerimônia aconteceu no
apartamento de Stirner e foi tipicamente boêmia, com a noiva chegando em trajes
comuns.
Um ano depois lança sua obra principal: “O Único e a sua Propriedade” com o
pseudônimo de Max Stirner. O contraste entre o homem e a obra parecem dar conta de
um autêntico Devir-Escritor. O livro é proibido imediatamente e apreendido por ordem
do ministro do Interior. De ascensão meteórica, tudo acaba tão rapidamente quanto
começou. Depois do sucesso extremamente passageiro, o livro só voltou a chamar
atenção como obra antecessora dos escritos de Nietzsche. Como consequência, o
anarquista é demitido de seu emprego. Começa então a trabalhar com traduções de
economistas e outros pensadores para sobreviver.
Ele e a mulher tentam montar uma leiteira em Berlim, mas, ambos inexperientes,
deixaram o dote da mulher lhes escapar pelas mãos. Vivendo um casamento infeliz, sua
mulher o deixa, indo para a Inglaterra e depois para a Austrália. Stirner fazia muitas
dívidas, aos poucos foi mergulhando na pobreza, dormia em quartos baratos, se
alimentava frugalmente. Mesmo depois do fracasso de seu livro, o autor continuou a
escrever. Agenciava negócios entre pequenos comerciantes e continuava trabalhando
com traduções.

Stirner não tinha dinheiro não pagar seus credores. Não era mais visto por mais
ninguém, não se ouvia falar dele, nem de nenhuma publicação, nenhuma notícia, nem
cartas, nada. Em 1853 é preso, pela segunda vez, por não pagar suas dívidas. A situação
melhora um pouco apenas depois da morte de sua mãe, quando recebe uma uma
pequena herança. Passa a viver como locatário na casa de uma senhoria, onde encontra
um pouco de paz e tranquilidade para seus anos finais.

Stirner morreu em 25 de junho de 1856, devido a infecção da picada de uma mosca


envenenada, poucas pessoas comparecem ao funeral.

Uma coisa sou eu, outras são meus escritos” – Nietzsche, Ecce Homo, por que escrevo
livros tão bons, §1
Stirner não foi um grande nome no anarquismo, nem na política, nem na filosofia. Não
pode ser comparado com Kropotkin, Bakunin ou Marx… mas sua história e seus
escritos são, com o perdão do trocadilho, únicos. Em sua principal obra, “O Único e a
sua Propriedade”, vemos emergir um homem de vitalidade incomparável! Podemos
fazer novamente das palavras de Nietzsche as de Stirner, pois suas ideias são como uma
bomba, capaz de tirar qualquer um de seu sossego teórico.

Em “O Único e a sua Propriedade”, Stirner:

…se dedica a abalar todos os pilares sobre os quais o homem de nosso tempo edificou
sua morada de membro da Sociedade: Deus, Estado, Igreja, religião, causa, moral,
moralidade, liberdade, justiça, bem público, abnegação, devotamento, lei, direito
divino, direito do povo, piedade, honra, patriotismo, justiça, hierarquia, verdade, em
resumo, os ideias de toda espécie” – Émile Armand, Max Stirner e o anarquismo
individualista, p. 85
O Único e a sua Propriedade

Há, em todo a obra, um vigor indisciplinado, agressivo. Ele é escrito em um tom


apaixonado e claramente anti-intelectual. Stirner parte de Hegel, ou melhor, do
pensamento da esquerda hegeliana, para chegar na completa negação de todos os
absolutos e instituições. Seu objetivo é destruir toda doutrina moral, política e filosófica
para colocar em seu lugar o Único. O Eu-proprietário, como aboslutamente Egoísta,
definido como uma singularidade própria, o Único como diferença pura!
Para isso, Stirner não poupa tanto liberais quanto os socialistas… ele é anarquista até
mesmo dentro do anarquismo! Suas ideias vêm carregadas de força, uma brutalidade
quase física. Que os fracos de espírito (ou da cabeça) confundirão suas ideias, disso
não temos dúvida. Por isso a necessidade de trabalhar seu pensamento aqui,
juntamente com outros filósofos essenciais. Que seja possível fazer nossas palavras
chegarem aos ouvidos de quem precisa ouvir o que é uma verdadeiro anarquista!
Stirner critica o caráter autoritário e antindividualista da sociedade. Com relação ao
autoritarismo, já sabemos bem e não precisamos nos alongar, mas com relação ao
antindividualismo a coisa se torna um pouco mais complexa. Outras correntes
anarquistas criticam exatamente o individualismo moderno, como pode então Stirner
dizer o contrário? Uma coisa é dizer que estamos mais isolados, e por isso mais fracos,
mas nem por isso somo mais individualistas, porque os valores são todos os mesmos,
lutamos pelas mesmas coisas, desejamos as mesmas coisas, temos os mesmos medos.

– Primeiro mal entendido: o egoísmo de Stirner não é um solipsismo fechado ao mundo,


muito pelo contrário, o Único se abre ao mundo para torná-lo sua propriedade, para
submetê-lo às suas forças. O Egoísmo é aberto às forças que o atravessam apenas
enquanto egoísta. Por isso o Único não nega a multiplicidade nem em si mesmo, nem
nos outros. Há uma diferença enorme entre o egoísmo de Stirner, crítico do Estado e da
moral burguesa, e o egoísmo acomodado e alienado dos tempos de hoje.
– Segundo mal entendido: nenhum anarquista, seja Bakunin, Kropotkin, cairá nesta
ladainha de “guerra de todos contra todos”. Stirner também não. O que existe aqui é
uma aposta não no homem, mas no egoísta, que é único e singular. Existe uma guerra,
claro, tensões, lutas, mas existe também associações, tréguas, alianças. Claro, o Único
se interessa por tudo aquilo que pode vir a ser sua propriedade, por isso ele está tão
longe dos projetos libertários baseados na solidariedade ou na compaixão, mas ele sabe
também que para sua empreitada precisará sempre de outras pessoas.
Stirner acredita em associações egoístas. Ele acredita que o homem pode se relacionar
diretamente sem precisar ser contido por leis ou mandamentos divinos. Depois de
queimar as bíblias, não sairemos por aí matando pessoas. Essa é a ilusão que o
impotente tem do potente. Nós nos associamos e nos ajudamos mutuamente muito mais
do que nos destruímos. E Stirner aposta que o Único age da mesma maneira, mas
levando em conta apenas a sua singularidade.

Para fins exclusivamente didáticos, poderíamos dizer: “O Além-do-Homem e


sua Vontade de Potência“, ou também “O Conatus e seus Afetos Ativos“. Mas, como
dissemos, isso nos serve exclusivamente como primeiro passo para embarcar no
pensamento deste autor tão subversivo quanto desconhecido. As analogias são sempre
limitadas e “O Único e a sua Propriedade” é, com o perdão da repetição, único.
É no papel que lhe cabe como solitário rapsodo da singularidade de todos os seres
humanos que Stirner reivindica um lugar na história do anarquismo” George
Woodcock, História das ideias e movimentos anarquistas, Vol. 1, p. 115
Textos de Stirner:
– Minha causa e a causa de nada

– Três metamorfoses: Materialista (criança) – Idealista (Jovem) – Egoísta (O Único)

– O que é Psicologia para Stirner?

– Série: Eu Proprietário
FOUCAULT – O TÉCNICO
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Analisar como o pensamento e a vida se interligam produzindo um tipo de verdade;


insistir sobre a aceleração que as ideias obtém das ações; averiguar o quanto essa prática
filosófica unívoca produz de intensidade; foram os objetivos de Foucault em suas
últimas aulas no ano de 1984. Bem formado, o filósofo grego apresenta na Ágora os três
pólos da manifestação da verdade: a Alethéia e o dizer-a-verdade; a Politeia e o
governo; a Ethopoiesis e a formação de si.

Condições e formas do dizer-a-verdade, de um lado; estruturas e regras da politeia


(isto é, organização das relações de poder), de outro; enfim, modalidades de formação
do ethos no qual o indivíduo se constitui como sujeito moral da sua conduta: são três
polos ao mesmo tempo irredutíveis e irredutivelmente ligados uns aos outros. Aletheia,
politeia, éthos: é a irredutibilidade essencial desses três pólos, e é sua relação
necessária e mútua, é a estrutura de chamamento de um ao outro e do outro a um que,
creio, sustentou a própria existência de todo o discurso filosófico desde a Grécia até
nós”
– Foucault, A Coragem da Verdade, p. 59
Olhando para os gregos e para a raiz da filosofia, encontramos uma verdade que toma
corpo no mundo, que se implica em relações com o outro e que volta a si mesma da
mesma maneira que o cinzel encontra o mármore. É na figura do parresiasta onde essa
irredutibilidade de um polo aos outros alcança seu auge. A parresia é o modo de
veridicção que mais nos interessa. É nele que encontramos o pensamento colado na
vida: saber prático, cortante, arma e ferramenta.

O parresiasta encarna a sua verdade, mas não é o único tipo que encontramos entre os
gregos a trabalhar com ela. Começamos então a analisar os outros três tipos para
contrastar com a parresía. Falávamos primeiro do profeta: seguido por crentes,
revelando sua verdade por enigmas, emprestando sua voz aos deuses, fornecendo
imagens do porvir. Neste segundo texto vamos pensar o técnico. Como ele é
reconhecido como sendo alguém que fala a verdade?
O que caracteriza o técnico, antes de mais nada, é o fato de que ele detém um saber
prático. Uma tekhné, uma técnica. Estamos falando dos mestres, dos professores. Seu
pensamento é tomado como verdade por ter uma materialidade inquestionável. Pensem
no ferreiro e sua afiadíssima espada e impenetrável armadura, ninguém questiona sua
verdade brônzea. Ao contrário, a ele se juntam por um laço de aprendizado.
O técnico fala em nome de uma tradição. Ele representa uma casa, uma escola. Ele deve
passar seu saber adiante, deve formar seus alunos. Ele quer sem dúvida ser superado.
Sua dádiva é o ensino, é a entrega daquilo que tem de mais verdadeiro. Sua realização é
ver suas lições passadas adiante, formando linhagens, desenvolvendo-se em novas
áreas. Pela voz de um grande mestre, erigem-se o tronco de um saber sólido e os ramos
carregados de frutos.
Lyonel Feininger

A verdade do técnico é maior do que ele mesmo. Ele empresta seu pensamento e seu
corpo a um fazer que existe desde antes dele, que foi transmitido a ele por um mestre,
por um pai, uma mãe ou pela própria physis. É por isso mesmo que sua prática assegura
sua sobrevivência, é o seu meio de vida e é também o seu dever. Mostrar como se faz do
jeito mais claro possível, instruir uma prática num determinado sentido, evitar mal
entendimentos e maus usos, ser responsável pela continuidade de um ofício.

Rodeado de aprendizes, o técnico fala aos poucos, de maneira clara e temperada e tenta
responder todas as perguntas. Ele precisa transmitir o que pensa deixando o mínimo de
brechas. Ele não foge do assunto, não desvia do fazer, alia teoria e prática. Ele mostra o
que pensa em ato e com segurança, ele está autorizado pelo próprio alcance de sua
prática. O bom mestre permite que o questionem, pois além de estar seguro do
conhecimento que detém, sabe também que não pode deixar passar uma oportunidade
de mostrar sua proficiência.

Esquematicamente, vemos cada um dos modos do dizer-a-verdade se apresentando


segundo três variáveis: o vínculo, o domínio e o modo de palavra. Assim, o técnico
possui essas três características e as apresenta na seguinte forma:
1. Qual o vínculo entre o técnico e seu interlocutor? A aula pode ser particular ou
pode ser dada em grupo, mas possui sempre um vínculo de filiação. Há uma
relação construtiva entre o técnico e quem o ouve. Todos que lá estão
acreditam que podem aprender algo com o enunciador.
2. Qual o domínio do técnico? É a tradição, um passado que dura no presente.
Um acúmulo de experiência que se apresenta exuberante. O campo de saber
de onde o técnico fala, que o permite desempenhar sua função, é esse passado
de aprimoramento.
3. Qual o modo de palavra do técnico? A maneira pela qual a técnica se enuncia é
a didática. Ele fala francamente, mas pouco a pouco. Ele usa passos curtos,
bem calculados. Estabelece exames para ter a certeza de estar sendo
acompanhado.
Para entender melhor, vamos comparar esses três pontos com aquilo que sabemos sobre
a parresía:

1. O primeiro ponto é já a principal diferença. O técnico vive através do


ensinamento, é o seu saber prático que assegura sua sobrevivência, seja como
profissão ou como subsistência. Ora, com a parresía se passa exatamente o
contrário. A fala franca e direta é também corajosa e arriscada. Se não tomar
cuidado, o parresiasta, ao revelar o que pensa, pode botar tudo a perder. A
sinceridade como única aposta possível coloca em risco a relação ali
estabelecida. Ao falar com os poderosos e soberanos na corte, ou para uma
multidão enraivecida, o parresiasta arrisca a própria vida. O próprio risco é a
maneira pela qual o parresiasta se vincula aos seus ouvintes. É por isso que
dizemos que a parresía é o modo da coragem, ou que o parresiasta porta a
coragem da verdade.
2. A tradição construída geração por geração num passado longínquo se
apresenta num presente de transmissão. Assim, parresiasta e técnico estão no
presente. Mas percebam como é diferente a colocação. O parresiasta fala de
um presente denso, espesso, sem passado, sem futuro, pura presença. Ele
manifesta sua verdade num domínio de singularidade, onde importa menos o
que passou do que o que se passa.
3. Ambos tem a fala clara e direta. Mas o parresiasta não quer ensinar nada. Ele
deixa a didática de lado. Seu papel é radicalmente outro, ele questiona o
pretenso saber. Ele mostra a multiplicidade subjacente em uma aparente
unidade. Ele desconstrói o saber instituído trazendo à luz suas incongruências.
Ele é o mau aluno e o péssimo professor.
Chegaremos a parresía em momento oportuno, vamos seguir com a figura do técnico na
filosofia. Para que saibamos bem a potência de um bom ensinamento e importância de
um bom professor, trazemos como exemplo de técnico trazemos (Platão e sua
Academia) Epicuro e seu Jardim!
“Nada é o suficiente para quem o suficiente é pouco”
– Epicuro, Carta sobre a Felicidade
O epicurismo foi uma das escolas helênicas com maior número de seguidores. Através
de seus discípulos, o pensamento de Epicuro atravessou o mar mediterrâneo. Através
de suas cartas, suas ideias alcançaram a ásia. São vários os fatores que fazem dele um
dos grandes mestres da filosofia antiga.
O epicurismo é uma prática de bem viver. Um hedonismo simples, bem trabalho em
seus princípios: é possível evitar a dor e, mais do que isso, é possível ter prazer. É uma
aposta na capacidade de estar no mundo de maneira potente sem ignorar as dificuldades
que isso necessariamente coloca a todos. Fundamentalmente, Epicuro afirma que
filosofamos com um corpo e a partir dele, que devemos colocar a dor em seu lugar na
busca de um prazer supremo.

O epicurismo é um ensinamento livre. Não há distinção de gênero, classe social ou


idade: todos podem filosofar, nunca é tarde demais para começar. É radicalmente
diferente de outras escolas, como a platônica, por exemplo, onde só os homens podiam
frequentar e só os ricos conseguiam permanecer. O jardim como sala de aula de uma
didática da experimentação. Sem paredes, é só chegar e ouvir o que o filósofo tem a
ensinar.

Epicuro promoveu entre os atenienses uma filosofia verdadeiramente ética, incitando a


usar o pensamento na busca pela liberdade. Ataraxia não é a negação dos desejos e do
corpo, ao contrário, é a afirmação de uma vida calma, serena e feliz. Pensamentos como
“Os deuses não se importam conosco, então porque nos importamos com eles?”; ou “A
morte só chega quando nós já fomos embora, então porque nos importamos com ela?”
são verdadeiros exercícios práticos de libertação.

Epikouros, etimologicamente, é aquele que socorre. Epicuro parece ter levado seu nome
muito a sério, pois foi um dos pioneiros a pensar a filosofia como uma espécie de
medicina, uma terapêutica da alma, um cuidado com o corpo. Ao longo de sua vida,
passou adiante suas lições básicas, seu tetrapharmakon. Seu último pedido, antes da
morte, é aquele mesmo de todos os grandes mestres: “lembrem-se de meus
ensinamentos“.

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