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António Hohlfeldt

mudar por completo as ênfases da hipótese da espiral de si-


lêncio como até aqui desenvolvidas.
Seja como for, não apenas como desdobramento ou apli-
cação do agenda setting, a hipótese da espiral de silêncio é
um campo de pesquisa que nos deve alertar para o fato de 6. A P E S Q U I S A EM C O M U N I C A Ç Ã O NA
que todos os que trabalhamos com a comunicação social não AMÉRICA LATINA
podemos ser nem preconceituosos nem ingénuos: a mídia, se
não tem aquele poder absoluto que se lhe emprestou até a dé- Christo Bergei*
cada dos anos 20, por certo possui uma força ainda de todo
não dimensionada, graças às diferentes estratégias com que é
sucessivamente apropriada por diferentes grupos, políticos
ou não, em nossa sociedade. E cabe a nós, que trabalhamos
com este processo, mantermo-nos permanentemente alertas São demandas políticas e sociais, mais do que inquieta-
e preparados para compreendê-lo e aprofundar nosso conhe- ções científicas, o que impulsiona a produção de conheci-
cimento sobre ele. mento em comunicação na América Latina- — o que aconte-
ceu, também, com a Communicatión Research nos Estados
Unidos, cuja motivação foi o impacto social dos meios de
comunicação de massa, e com a produção da Escola de
Frankfurt, na Alemanha, que teve o nazismo como fenóme-
no inspirador de seus estudos sobre a Indústria Cultural. Na
América Latina, as marcas da dependência estrutural, que
evoca uma cultura do silêncio e da submissão mas, também,
de resistência e de luta, são o pano de fundo da busca por
compreender o que acontecia com a comunicação e demarca
as fronteiras do emergente campo de estudo.
Observar o desenvolvimento dos estudos de comunica-
çãona^América Latina, portanto, é considerar, em primeiro
lug^r/as relações'que estes têm com o contexto da época.
Nlúitos caminhos podem ser seguidos para contar esta histó-
ria, que ainda é recente. Nós vamos contá-la identificando^os
cenfrosjde estudo, as publicações e os autores que fundaram
e"3ê7ám_rump ao^campo, jájjue esse se esjruturou na conjun-
çacTénírje, a^afirmação disciplinaria doj_estudos^ejua institu-
cjonalização no interior da universidade.
* Professora da UFRGS.
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uirisfa Beiger
A pesquisa em comunicação na América Latina
Ao empreendermos a viagem de retorno ao nosso passa-
do teórico, buscando as pegadas deixadas pelos fundadores, Diz Bettrán: "As áreas que recebem influência mais direta
observamos com B e l t r a n l o^i e e s d e_ a década de 30 da orientação norte-americana, são a difusão de inovações na
encontram-se esfoHp^spjjreT o jpjnalismo vinculados à dis- agricultura, a estrutura e função dos meios impressos e eletrô-
cussão sobre a liberdadejie imprensa e legislação. Os méto- nicos, as; experiências de comunicação educativa, os progra-
dos historiográfico e bibliográfico preponderam e nada indi- mas especiais de educação rural" (1976). O Ciespaljbi, du-
ca que um campo de estudo específico se faz necessário. É rantejrausjde duas décadas, a principal ponte wi'fre^especia-
pela tradição de transpor e incorporar questões alheias que a listas, as escorETe"os diversos centros de reflexãp_e,_com a di-
influência norte-americaria ingressa na América Latina, tra- fusão de suas publicações,'iniciou e sustentou um importante
zendo, junto com os temas e os métodos, p Centro que irá esforço de reflexão sobre os problemas da comunicação, além
oportunizar os primeiros estudos de^comunicasão najregi ao de ter formado um centro de documentação especializado, re-
- cTCiespal (Centro Internacional de"Es^dios_g^peri orêsjde gistrando a memória histórica sobre os meios da região.
TêTTõcIisrriõ^pãrã America Latina), fundado no contexto dã Em um seminário na Costa Rica, em 1973, que marcou a
Aliança para o Progresso, quê era a resposta do governo produção teórica na região, pois foi o primeiro encontro or-
Kennedy ao novo cenário latino-americano. A revolução cu- ganizado entre os pesquisadores latino-americanos, o Cies-
bana obrigou os Estados Unidos a revisarem sua política ex- pal foi avaliado e redirecionado. Conta Beltrán, sobre as crí-
terior: eles deviam, a qualquer custo, impedir a expansão ticas ao Centro:
deste movimento. Durante o governo de John F. Kennedy, 'Primeiro, que lhe falta um marco conceituai próprio; se-
foi idealizado um plano de ajuda à América Latina em maté- gundo, quê a adoção se deu sem juízo crítico; terceiro,
ria de saúde^ educação e de melhoria para as zonas rurais. que lhe falta um mínimo de sistematização; quarto, que
Criado_emJ_959, pela Unesco, OEA e governo do Equa-
,.>•••• há uma ênfase exagerada no descritivo e quantitativo
dor, o Ciespal se instala em Quito, oferecendo cursos para o com exclusão de uma visão qualitativa profunda; quinto,
aperfeiçoamento de profísslonãís~que atuam em comunica- que se prefere analisar os fenómenos de comunicação
fora do contexto das variáveis políticas, sociais, econó-
ção de massa da região. Na sequência, são realizadas pesqui- micas e culturais; sexto, que há uma preferência por te-
sas e seminários com pesquisadores reconhecidos, como mas limitados de pesquisa e uma excessiva concentra-
Wilbur Schramm, Raymond Nixon, JoHn McNelly, Jacques ção em meios massivos e especialmente na imprensa;
Kayser e Joffre Dumazedier, marcando tanto os temas esco- sétimo, que há uma ausência total de políticas e planos
lhidos — comunicação e modernização, rádio e^teleeducação, li- para orientar a pesquisa em geral, ou seja, a pesquisa é
derança de opinião -, como as metodologias - pesquisa acidental, não é racional; oitavo, que há uma falta de co-
quantitativa e análise de conteúdo -, além da formação das ordenação que tem como resultado o desconhecimento,
primeiras gerações de pesquisadores. Adescrição predomi- a duplicação de esforços, o desaproveitamento de expe-
nou_sobrejaanálise e ali foi desenvolvido o modelo dirusTcT- riências e a perda de sentido; e, em nono, que se traba-
nista, instrumental adotãdopara a comunicaçãoilmram lha, de preferência, de forma não interdisciplinar mas
fodaaAmérica Cãtina^que originou a <^ojtojnjâ comunica- em enclausuramento de disciplinas (1981).
ção ou extensão^ problematizadaj. posteriormente, por Paulo O documento final afirmava:
Freire no Chile.
Com uma metodologia esboçada por latino-americanos
: para América Latina, com um instrumento de trabalho
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Christa Berger A pesquisa em comunicação na América Latina
muito mais depurado e crítico, se deve chegar ao desco- cação, como a análise permanente dos diferentes meios e de
brimento de toda a inter-relação económica, política, so- sua incidência no âmbito nacional" (Aguirre, 1981). António
cial e cultural que configura as estruturas de dominação Pasquali será o nome mais importante do ININCO, mas na
e poder que, muitas vezes, condicionam e determinam Venezuela se sobressaem também outros pesquisadores,
os sistemas de comunicação imperantes. Estes critérios como Marta Colomina, Hector Mújica, Eleazar Dias Rangel
não traduzem uma ótica regionalista ou localizada, ao e Lu do viço Silva. Desta fornia, Venezuela e Equador são as
contrário, sinalizam difnensões básicas para o progresso primeiras sedes das pesquisas em comunicação. Ciespal ex-
da ciência da comunicação. Neste sentido, o contexto
,,.,, "\l das sociedades chamadas do Terceiro Mundo pode pandindo, na primeira fase, sua perspectiva desenvolvimen-
^^ contar com a possibilidade privilegiada de desenvolver tista por toda a região e ININCO dando guarida à preocupa-
'•^ novos caminhos, tanto teóricos como metodológicos ção pela introdução acrítica das novas tecnologias, aprofun-
,/ ,' (apud Beltrán, ibiderri). dando, assim, as raízes da dependência.
'f"— Com a vitória de Salvador Allende no Chile, em 1970, é
E a partir desta avaliação, critica e ambiciosa, que o Ci- criado o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacio-
espal busca raízes na América Latina, introduzindo em seus nal), vinculado à Universidade Católica do Chile. Coordena-
cursos a preocupação pela comunicação popular, pela pes- do por Armand Mattelart e integrado por Hector Schmucler,
quisa participante, substituindo os professores estrangeiros Hugo Assmann, Michele Mattelart, Mabel Piccini e Ariel
por argentinos (Daniel Prierto), chilenos (Eduardo Contre- Dorfman, este centro terá uma importância fundamental na
ras Budge), brasileiros (Luiz Gonzaga Mota), com a inten- região por realizar pesquisas sobre o domínio das multina-
ção de propiciar uma compreensão mais afinada com a rea- cionais na comunicação latino-americana, desde uma pers-
lidade da região. pectiva marxista, introduzindo conceitos como ideologia, re-
Na década de 60, a Venezuela se sobressaía na América lações de poder, conflitos de classe. Esta perspectiva, inau-
Latina por aliar as vantagens oferecidas pela indústria petro- gurada no Chile da Unidade Popular, já vinha sendo ensaia-
leira e o desabrochar da democracia, sendo um dos primeiros da pelo grupo desde 1965, com as pesquisas antropológi-
países do mundo a ter televisão com investimentos comer- cas/demográficas/comunicacionais, e contava, também, com
ciais significativos. É também com a televisão que os inves- a participação de Paulo Freire, estendendo-se, posteriormen-
timentos norte-americanos se fazem presentes na Indústria te, por toda a América Latina e marcando a fisionomia dos
Cultural, primeiro na Venezuela e depois, com o mesmo mo- estudos latino-americanos da comunicação.
delo, por toda a América Latina. Assim, em 1959, ao mesmo Como consequência do golpe militar chileno, este grupo
tempo em que o Ciespal é criado no Equador, surge o Institu- se desfaz. Mas, alguns de seus membros, bem como a pers-
to Venezuelano de Investigaciones de Prensa de Ia Universi- pectiva teórica ali iniciada, voltam a se encontrar no México,
dad Central, cuja primeira pesquisa buscou saber Quê publi- em torno do ILET (Instituto Latinoamericano de Estúdios
co Ia prensa venezolana durante Ia dictadura?, comprovan- Transnacionales). O núcleo do Instituto era formado por exi-
do a procedência oficial do noticiário. Este centro será a ori- lados chilenos (Juan Somavia - seu diretor —, Fernando Re-
gem do ININCO (Instituto de Investigaciones de Ia Comuni- yes Mata e Diego Portales), argentinos (Hector Schmucler e
cación), fundado em 1973, que terá por objetivo: "a pesquisa Mabel Piccini) e o peruano Rafael Roncagliolo. O conselho
da comunicação social ou.de massas, que compreende tanto assessor contava.com experts como Beltrán, Capriles, Ha-
o estudo teórico e metodológico dos problemas da comuni- melink, Mattelart, Pasquali e Schiller. Praticamente as duas
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A pesquisa em comunicação na América Lotina
Christa Bergei
O desenvolvimento da pesquisa nestes centros permite
primeiras gerações de pensadores da comunicação da Amé- observar algumas questões:
rica Latina encontraram-se no ILET, que teve a receptivida-
de do governo mexicano do presidente Echeverría e apoio de 1. é o funcionalismo, através do difusionismo e do ex-
instituições europeias, como a Fundação Dag Hammarskjold tensionismo, que encontra abrigo no Ciespal, inau-
e o Foro do Terceiro Mundo. A capacidade académica e o re- gurando as preocupações com a comunicação na re-
nome de seus integrantes fez com que o ILET se transfor- gião;
masse na principal instituição latino-americana difusora de 2. as rupturas com esta perspectiva ocorrem entre o
propostas alternativas para a democratização dos meios de final dos anos 60 e início dos anos 70 - propiciadas
comunicação no continente, sendo seu diretor convidado a pelo encontro da Costa Rica, redirecionando o Ci-
participar da Comissão McBride da Unesco. espal, e fortalecidas através do ININCO e CEREN;
Este quadro situa o início institucional da pesquisa na 3. o estudo da comunicação inicia pela preocupação
América Latina, que se organizou em torno dos Centros de em compreender a imprensa, tanto nas pesquisas pio-
Pesquisa: neiras e independentes como no Ciespal e no insti-
CENTRO DE LOCAL PERÍODO ORIENTAÇÃO tuto que dá origem ao ININCO;
PESQUISA
4. funcionalismo e marxismo disputam a abordagem
Ciespal Quito 1959-1973 Divulgação do modelo da comunicação, mas também a sociologia e a se-
norte-americano, exten-
sionismo e inovações. miologia reivindicam para si o problema.
Ciespal Quito 1973- Referencial latino-ame- É entre o final dos anos 60 e início dos 70 que se inaugura
ricano. Diagnóstico e uma reflexão efetivamente latino-americana sobre a comu-
planejamento em comu- nicação, pois as condições estruturais do subdesenvolvimen-
nicação.
to passam a ser consideradas e incorporadas na análise dos
Instituto Vene- Venezuela 1 959- 1973 Pesquisa sobre história meios. A marca da reflexão é o panorama político da região.
zuelano de e legislação da impren-
Investigaciones sa.
E não era por acaso, pois na década de 60, como ensina
de Prensa Hobsbawm (1995), o centro de gravidade do consenso que
ININCO Venezuela 1973- António Pasquali — pes-
faz fluir a história girou para a esquerda. Se na Europa o
quisa crítica e propositi- Maio de 68 aponta este giro, na América Latina primeiro é
va. para Cuba, depois para o Chile, que os olhares se dirigem. Gi-
CEREN Chile 1970-1973 Teoria da dependên- rar para a esquerda, na América Latina, significava opor-se
cia, crítica ao sistema ao american way oflifè e sonhar e propor uma nova socieda-
internacional de comu- de. A efervescência libertadora que tomo^ conta do conti-
nicação. nente (não de forma homogénea, é claro) passava tanto pelas
ILET México 1976-1985 Informação internacio- propostas dos movimentos guerrilheiros como pelas revi-
nal e estrutura transna- sões do que se entendia por cultura, educação, vida política.
cional - livre fluxo de Naquele período, as concepções de mundo colocavam-se em
informação, democrati-
zação da comunicação. pólos opostos:
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Chiista Berger
A pesquisa em comunicação na América Latina
- frente ao exército oficial se propunham milícias po-
pulares; Duas revistas expressam a preocupação com a comuni-
- frente à Igreja oficial, a teologia da libertação; cação, marcando claramente suas posições: Comunicación y
Cultura (n. l, julho de 1973), ligada ao CEREN, eLenguajes
-frente aos sindicatos pelegos, organizações de base; (n. l, abril de 1974), da Associação Argentina de Semiótica.
— frente aos meios de comunicação e à cultura trans- Neste período, a sociologia e a semiologia disputavam a he-
nacional a denúncia e, ao mesmo tempo, a criação de gemonia na explicação do mundo e as duas revistas repre-
formas alternativas na comunicação popular (Entel sentavam esta oposição.
1995). Ambas tinham em comum a preocupação pelo papel dos
O primeiro obstáculo à concretização do sonho socialista intelectuais nos processos de transformação. No número l
na América Latina foi a implantação de ditaduras militares de Lenguajes, o comité editorial sustentava que, frente à con-
no Cone Sul, interrompendo processos avançados, como no tradição entre processos de mobilização popular e luta políti-
Chile, ou em gestação, como no Brasil, Argentina e Uruguai. ca pela libertação e os saberes provenientes dos países que
E, com1 elas, a experiência da perseguição, da expulsão e da detinham a dominação, os intelectuais deviam fazer um es-
integração forçada pelo exílio, propiciando a criação de cen- forço para interpretar as contradições com produção de co-
tros de estudo como o ILEf, no México. nhecimentos próprios. Inspirados no estruturalismo e na se-
f '. • miologia, propunham: i
E neste contexto contraditório - de sonho e luta pelo so-
cialismo e de intervenção militar e do capital norte-america- Nosso campo de trabalho será o da produção social da
no - que a Comunicação de Massa, como investimento eco- significação, este campo que a ideologia burguesa cha-
ma "a cultura". Daremos também uma importância par-
nómico e projeto de dominação, é introduzida e sedimentada ticular às chamadas "Comunicações Massivas". Quanto
no continente. Comunicação identificada com a televisão (e à modalidade, sublinhamos ao mesmo tempo a necessi-
esta com modernização), e com financiamento norte-ameri- dade de inserçãç na estratégia das lutas populares contra
cano (e este com desenvolvimento), formando o pano de a exploração interna e externa e a necessidade de produ-
fundo e a motivação para a produção de uma pesquisa crítica ção de teoria, de conhecimento. Ambas necessidades são,
sobre o projeto de comunicação massiva que se instalava e a nosso ver, igualmente prioritárias: se desprezamos a
ganhava adesões. primeira, nos instalamos automaticamente no ciclo bem
conhecido por boa parte da produção "intelectual" lati-
no-americana: marginalização crescente da luta política,
1. As revistas inaugurais orientação crescente aos centros internacionais de pro-
dução de conhecimento, dissociação completa da reali-
Se as ideias necessitam de: um suporte físico para circu- dade nacional. Se desconhecemos a segunda, não tere-
lar, este suporte também é parte da história de seu tempo. As mos mais que escolher entre dois caminhos também bas-
revistas académicas são o modo como as descobertas, os con- tante trilhados: a mistificação intelectual ou o oportunis-
ceitos, as críticas e os pesquisadores se tornam conhecidos. mo político.
As revistas de comunicação estiveram inicialmente ligadas
aos centros de estudo, assim como hoje estão ligadas aos Althusser, Barthes, Greimas foram autores de referência
programas de pós-graduação. importante para as duas revistas.
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Chrisío Berger A pesquisa em comunicação na America Lanna
Também Comunicación y Cultura reivindicava a produ- vá e a democratização da informação. Chasquí cumpriu um
ção teórica aliada à prática - a crítica e a militância andando importante papel na discussão dos currículos de comunica-
de mãos dadas. Diziam os editores, no primeiro número: ção para as escolas da região, bem como divulgou experiên-
cias nacionais e populares de comunicação, tornando conhe-
A função que se propõem cumprir Comunicación y Cul- cidos os autores destas propostas e os autores das perspecti-
tura é a de se estabelecer como órgão de vinculação e de vas teóricas latino-americanas. Inovou, também, no sentido
expressão das diversas experiências que estão sendo
gestadas nos países latino-americanos no campo da co-
de não só trazer artigos, como sessões de debate, relato de
municação massiva. Evidentemente, não se trata de as- experiências e longas entrevistas.
sumir qualquer experiência, mas as que favorecem aos O ILET não chegou a editar uma revista, mas publicou,
processos de libertação total de nossas sociedades de- durante treze anos, os Cuadernos dei ILET, que, sem perio-
pendentes. Esta norma de prioridade política será a linha dicidade definida, alimentaram o debate político sobre a co-
de demarcação que traçará a revista para recolher suas municação, revelando o caráter militante do centro. Os Cua-
temáticas, seus centros de interesse, seus leitores e cola-
boradores. dernos defendiam que "a transnacionalização dbs meios de
comunicação, responsável pela homogeneização da cultura,
Comunicación y Cultura foi a revista pioneira dedicada exigia novas abordagens". Segundo o ILET, é no campo po-
exclusivamente à pesquisa em comunicação. Mattelart, que lítico e não técnico que se dá a luta contra a transnacionaliza-
foi seu editor na fase chilena, recorda: ção (apud Motta, 1989).
Eu me lembro bem da polémica entre as posturas de Ve- Diálogos de Ia Comunicación é a revista da Felafacs que
rón versus Schmucler e Matterlart ou de Comunicación vem desempenhando a função de tornar visíveis as problemá-
y Cultura contra Lenguajes. Tínhamos, por um lado, ticas e os autores latino-americanos e se apresenta como a "re-
uma visão inspirada na análise do discurso e, por outro, vista teórica das faculdades de comunicação". Três áreas se
uma visão inspirada na economia política. Na minha destacam em suas edições: a discussão de temáticas atuais, o
opinião, foi um período histórico fecundo, apesar das
oposições que se refletiam em todas as partes, por exem-
ensino de comunicação e informes de pesquisas.
plo, o campo da comunicação dominado pela economia No México surgiram duas revistas, no final dos anos 80:
política se constituiu contra ou em oposição à análise Comunicación y Sociedad, editada pelo Departamento de
cultural e uns e outros reprovavam tanto ser demasiado Estudos de Comunicação Social da Universidade de Guadala-
materialista como idealista (in: Causas y Azares, inver- jára com Q "objetivo de socializar os resultados e avanços das
no de 1996).
investigações", e Culturas Contemporâneas, do Programa
A revista continuou existindo mesmo depois de encerra- Cultural da Universidade de Colima, enfatizando os fenóme-
das as atividades do CEREN, primeiro em Buenos Aires, de- nos sociais e comunicacionais desde a perspectiva da cultura.
pois na cidade do México, publicando treze edições, a última Em 1999, a Cátedra Unesco, sediada no Brasil sob a res-
em março de 1985. ponsabilidade de José Marques de Melo, criou uma revista
Chasquí, publicada por Ciespal, acompanhou a trajetória digital, chamada Pensamento Comunicacional Latino-Ameri-
do centro. Na sua segunda etapa, a revista anunciava que en- cano, ligada ao Acervo do Pensamento Latino-Àmericano
tre seus temas prioritários estariam a comunicação alternati- da Universidade Metodista de São Bernardo.
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Christa Berger
A pesquisa em comunicação na América Latina
2. Os pais fundadores publicitárias (...) Assim, pois, a perspectiva original
considerou a pesquisa sobre os meios de comunicação
Numa enquête realizada com 50 pesquisadores latino-ame- desde o ponto de vista dos estudos de mercado. Daí seu
ricanos, por Gómez Palácios em 1992 (apud Fuentes Navar- caráter preponderantemente instrumental (in: Maltelart,
ro, 1992), sobre as principais influências teóricas na região, 1981).
o resultado aponta: em primeiro lugar estão os trabalhos de
.Armand Mattelart e seu grupo no Chile; em segundo, Antó- Também na revista Comunicación y Cultura, Mattelart
nio Pasquali, da:Venezuela; em terceiro, Luis Ramiro Bel- publica sistematicamente. Já na primeira edição ele escrevia
trán, da Colômbia; em quarto, Eliseo Verón, da Argentina e, "Prefiguración de Ia ideologia burguesa", e no segundo,
"Los médios de comunicación de masas: Ia ideologia de Ia
em quinto, Paulo Freire, do Brasil, mas com seus trabalhos prensa liberal en Chile". Muitos anos depois, falando sobre
produzidos desde o Chile. Todos imbuídos de uma aborda- sua experiência no Chile, ele dizia:
gem crítica da comunicação, vinculando-a à realidade de
seus países e na perspectiva do continente unificado. De cer- Y es a partir de esa experiência que aprendi una cosa
ta forma, esse resultado confirma o que dissemos no início esencial: que no hay una teoria de Ia comunicación sin
do texto: a comunicação, quando pensada na América Lati- una teoria de Ias clases sociales, sin una teoria dei Esta-
na, foi sempre uma questão de política. do, sin una teoria de Ias ideologias. Pêro más aún: he lle-
gado a Ia conclusión de que no habrá teoria crítica y
Armand Mattelart, presente no Chile desde o princípio do práctica crítica de Ia comunicación, si no empezamos a
governo da Unidade Popular, coordena o CEREN, onde, a pe- ligar el problema de Ia comunicación con el problema de
dido do presidente Salvador Allende, é realizada a primeira Ia teoria dei partido, con Ia teoria de Ia organización de
pesquisa sobre multinacionais, intitulada Agressão desde o masas (1981).
espaço. Esta pesquisa buscava identificar e compreender a O mais importante nestes escritos iniciais de Mattelart e
campanha internacional contra o governo socialista realizada dos intelectuais que trabalharam com ele é a busca de apor-
através da SIP (Sociedade Interamericana:de Prensa), as agên- tar elementos conceituais para tomar distância frente aos
cias internacionais de notícias e outras publicações. O Centro, fenómenos mediáticos e de propor novos modos de fazer
editando os Cuadernos de Ia Realidad Nacional, enfatizou a comunicação.
questão da comunicação, em várias edições, tomando conhe- António Pasquali, professor de filosofia e ética da Uni-
cido Mattelart, que passou a refletir, sistematicamente, nela. O versidade Central da Venezuela, participa da fundação da es-
número três foi dedicado aos meios de comunicação. Matte- cola de jornalismo e, trabalhando com teorias audiovisuais,
lart participava com três ensaios, que logo se transformaram escreve para a primeira antologia do curso - "Os intelectuais
em leitura obrigatória para-a crítica dos meios: "El marco dei e a linguagem audiovisual" —, iniciando, ali, seu percurso de
análisis ideológico", "Estructura dei poder informativo y de- teórico da comunicação. Já no primeiro livro, Comunicación
pendência" e "La mitologia de Ia juventud en un diário oficial". y cultura de masas (1963), dá início à análise dos mecanis-
No primeiro, Mattelart faz uma crítica contundente à pesquisa mos de dependência cultural que, anos mais tarde, retomará
em comunicação proveniente dos Estados Unidos: em Compreender Ia comunicación (1970), quando as rela-
Com efeito, estas pesquisas surgiram principalmente ções entre comunicação e política estão mais entrelaçadas.
i como resposta a uma demanda de empresas comerciais Nesta obra, ele comenta a importância da Escola de Frank-
furt, dizendo:
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A pesquisa em comunicação na América Latina
Para quem se ocupa da fundamentação teórica das co-
municações, Frankfurt é uma obrigatória estação de O terceiro citado é Luis Ramiro Beltrán, cujo trabalho
trânsito e reflexão. A seus principais autores devemos, principal é o livro Comunicação dominada, apresentado no
saibamos ou não, quase todos os argumentos críticos Brasil pela editora Paz e "terra como "inscrevendo-se no
que hoje passam por lugares comuns e um descobrimen- conjunto dos trabalhos pautados na busca incessante da iden-
to destinado a marcar época: a de que a livre e competiti- tidade cultural (...), procurando integrar o fenómeno da co-
va Indústria Cultural (fórmula cunhada por eles) repro- municação no conjunto das políticas de dominação econó-
duz, mutaíis mutandis., os esquemas da manipulação au- mica e política sem fugir ao domínio específico dos meios de
toritária teorizados e praticados por Goebbels (1979).
comunicação como instrumentos de intervenção cultural"
Pasquali considerava que a bibliografia frankfurteana (1982). Na página 29, encontramos: "O imperialismo cultu-
era toda uma "mina ainda inexplorada" que agora estava ao ral através da comunicação não é um fenómeno ocasional e
alcance dos pesquisadores latino-americanos. Para Alicia fortuito. Para os países 'imperiais', trata-se de um processo
Entel1, Pasquali é um dos estudiosos da comunicação deste vital destinado a assegurar e manter a dominação económica
período mais influenciado pelos frankfurtèanos, principal- e a hegemonia política sobre os demais. Este é, evidentemen-
mente por Marcuse, tentando, inclusive, cruzar em seus estu- te, o caso das relações (entre os Estados Unidos e a América
dos a teoria crítica com a teoria da dependência: Latina". A partir desta compreensão, busca identificar os me-
Por específicas e bem conhecidas razões, a América La-
canismos que transmitem a influência noríe-americana: as
tina é hoje um dos principais cenários mundiais da dialé- agências internacionais de notícia e de publicidade, as firmas
tica dependência-independência, o que a converte de internacionais de opinião pública, as pesquisas de mercado e
fato em um dos mais importantes campos de confronto relações públicas, os exportadores de materiais de programa-
entre a razão instrumental, iluminista e de dominação, e ção impressos, auditivos e audiovisuais, entre outros, dando
a razão crítica, ética e libertadora (1999). como exemplo que no Chile de Allende "surpreendentemen-
te" havia aumentado a importação de programas de TV nor-
Na sua obra, Pasquali denuncia o movimento existente te-americanos.
entre a estrutura transnacional de poder e a instalação da
Indústria Cultural na América Latina e a concomitante ne- A ironia do "surpreendentemente" fica por conta do in-
cessidade de defesa da identidade cultural regional. vestimento da burguesia chilena na aquisição da programa-
ção norte-americana com o objetivo de confrontá-la com a
Em 1973 foi criado o ININCO, onde, junto com Pasqua- produção realizada no governo de Allende e que começava a
li, o grupo de pesquisadores desenvolveu, além de estudos ser bem recebida. Beltrán irá produzir os primeiros balanços
teóricos, projetos de políticas de comunicação para a Vene- da área como Premisas, Objetosy métodos fôramos en Ia in-
zuela, como é o caso do Projeto Ratelve de Radiodifusão, em vestigación sobre comunicación en América Latina — com
que eram analisadas quatro possibilidades para implantar um uma versão em 1976, outra em 1978 e publicado em versão
sistema misto entre serviços privados e públicos. mais completa na coletânea coordenada por Moragás Spá
(1989) - e Estado y perspectivas de Ia investigación en co-
municación social en America Latina — apresentado na Se-
1. Alicia Entcl escreveu um livro sobre a Escola de Frankfurt em que, no capítulo dedicado
à sua influência na América Latina, a Venezuela é reconhecida como um dos centros mais mana Internacional de Comunicação, em Bogotá, em 1980.
expressivos. Em 1999, a Universidade Católica da Bolívia criou a Cátedra
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Christa Berger : A pesquisa em comunicação na América Latina
Luis Ramiro Beltrán, em reconhecimento à trajetória deste ender os processos latino-americanos pela história não-oficial.
pesquisador. O primeiro resultado encontra-se no livro Inves- Ele dedicava seu livro "aos desamparados do mundo e a
tigación sobre comunicación en Latinoamérica (Inicio, tras- quem, descobrindo-se entre eles, com eles sofrem e com eles
cendencia y proyección). , lutam". Tanto Armand Mattelart como Jesus Martin Barbero
afirmam, em suas obras, a contribuição de Freire à constru-
Na Argentina, Eliseo Verón apresenta, em um seminário ção de suas perspectivas teóricas.
de linguística, em 1967, um texto de análise da imprensa. O
que ele faz ali é retirar a problemática ideológica do marco Na maioria dos textos produzidos nesta girada à esquer-
da sociologia do conhecimento, trazendo-a para a análise da da percebe-se que a pesquisa, na perspectiva crítica, confun-
comunicação. É no Centro de Investigaciones Sociales dei de-se com o comprometimento político: era preciso denun-
Instituto Torcuato: di Telia que Verón, Prieto e Masotta de- ciar o funcionalismo, a televisão comercial, os fluxos inter-
senvolverão a preocupação pela interpretação ideológica dos nacionais da notícia, as histórias em quadrinho, as políticas
meios e buscarão uma síntese teórica entre psicanálise, mar- de comunicação (ou a falta delas), as corporações multina-
xismo e linguística estrutural, que encontrou ampla reper- cionais, a Indústria Cultural, a estrutura transnacional de in-
cussão em toda a América Latina. A possibilidade de tornar formação, o cinema de Hollywood, a manipulação ideológi-
aparente o que até então estava oculto dá à pesquisa semióti- ca, a publicidade e as pesquisas de opinião, as novas tecnolo-
ca um caráter progressista e comprometido* principalmente gias, a miséria da informação, o imperialismo cultural. Estas
pela apropriação do conceito de ideologia. Para Verón, "a são as modalidades discursivas que (d)enunciam a comuni-
ideologia é o modo natural de existência da dimensão signi- cação de massa nos anos 60/70. O panorama resultante das
ficativa dos sistemas de relações" (1968). pesquisas, nesta perspectiva, era sombrio: da economia polí-
tica à semiologia, dos marxistas aos estruturalistas, da uni-
Mattelart e Verón, por caminhos diferentes, concorda- versidade aos centros de pesquisa, tudo desembocava na crí-
vam que o modo de produção é que determina a forma como tica aos meios — sua estrutura produtiva, sua programação,
o ideológico opera e que a análise deveria buscar esclarecer o suas mensagens e sua recepção. A convergência da análise
seu princípio organizativo. Concluíam que o princípio orga- ideológica com a da teoria da dependência económica torna-
nizativo era exatamente o que não podia aparecer, não era va clara e concreta a complexa rede de dominação. E nisto
manifesto nem acessível à consciência das pessoas, e, muito todos estavam de acordo, quando escreviam naquele tempo,
menos, às técnicas convencionais da análise de conteúdo. tanto na teoria da comunicação como na literatura: os Esta-
Paulo Freire é incluído entre os pesquisadores da comu- dos Unidos eram os nossos inimigos e as palavras eram as
nicação por um livro — Comunicação ou extensão^-, escrito nossas armas. Por isso, se escrevia tanto, se publicava tanto.
em 1968, no Chile. Sem tratar da comunicação massiva, este Neste sentido, vale lembrar o livro Bom dia para os de-
livro orientou muitas interpretações na área, pois nele está funtos, do peruano Manuel Scorza, que descreve o conflito
contida a crítica principal aos meios de comunicação de mas- entre os moradores de um pequeno povoado e uma compa-
sa: de corísistirem em meros instrumentos de transmissão, de nhia de mineração norte-americana (Cerro de Pasco Corpo-
tratarem os destinatários como receptores passivos e de im- ration), entre 1950 e 1962, e que é exemplar da visão lati-
possibilitarem relações dialógidas. O livro Pedagogia do opri- no-americana sobre as intenções dos norte-americanos de se
mido confirma Paulo Freire entre os que buscavam compre- instalarem aqui e da função destinada à literatura.
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A pesquisa em comunicação na América Latina
O fato de o termo Indústria Cultural estar presente em
todos os textos de comunicação da época não imprime uni- Mattelart conta como surgiu o livro:
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dade de análise aos autores, nem os filia, automaticamente, à Devido ao estatuto de garantias constitucionais que Allende
Escola de Frankfurt, que assim conceituou o fenómeno. Para : havia assinado^ com a democracia cristã e devido ao con-
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lis •- alguns, o termo permite a descrição do funcionamento da trato da editora do Estado, os trabalhadores da UP que
produção industrial da cultura. Para outros, a cultura se trans- trabalhavam ali deviam seguir prodiizindo os materiais
forma em ideologia, ao ser veiculada na Indústria Cultural. do inimigo: deviam publicar as tiras cómicas de Walt
Para outros, ainda, é o caráter mercantil da cultura industrial Disney e outros produtos que se produziam ali anterior-
que merece a designação. mente. E se realizamos este estudo sobre um dos produ-
tos mais famosos de Disney não foi porque estivéssemos
Resumidamente, podemos dizer que a pesquisa que esta- obcecados por ele, mas porque o considerávamos um
mos analisando concentrou-se em duas áreas temáticas: símbolo de toda a ofensiva ideológica cotidiana do im-
perialismo contra o Chile e todos os povos oprimidos.
l. estudo da estrutura de poder dos meios de comuni- Assim, esta pesquisa se realizou a partir de uma discus-
cação — transnacional e nacional — e as estratégias são que tivemos com os trabalhadores, sobre o fato de
de dominação dos países capitalistas; que eles deviam seguir publicando materiais que iam
2. estudo sobre as formações discursivas e as mensa- contra sua consciência política. Uma vez realizado, este
gens da cultura de massas desde suas estruturas de estudo foi utilizado como mais um material para discus-
significação. sões em grupos sobre o que significava a ideologia do
imperialismo e sua penetração através de meios tão
Os pesquisadores latino-americanos consideraram, em suas "inocentes" (l981).
análises, a estrutura e a função mercantil dos meios, bem
como reconheceram, na cultura, expressão das contradições Em uma entrevista para Causas y Azares, o autor diz que
dominantes. Em ambos os casos - nos que buscam revelar os este livro teve o privilégio de ser censurado nos Estados Uni-
aspectos estruturais do discurso de massas na sua articulação dos e que nele já estava interiorizado o problema.da recep-
com a ideologia dominante e naqueles que acentuam' a relação ção. O livro foi transformado em:um clássico e tornou-se um
de dependência entre economia e cultura — se acumulou um dos mais vendidos na América Latina: foram 30 edições em
considerável material empírico. Material, portanto, de análi- espanhol e 15 em línguas estrangeiras, totalizando l milhão
ses conjunturais, mas estas destacaram mais a unidade global de exemplares (1996).
da dominação, enfatizando a homogeneidade das formas de Na mesma perspectiva, era publicado na Argentina um li-
poder do que as especificidades que o material empírico podia vro representativo desta inquietação: Neocapitalismoy comu-
fornecer, favorecendo as interpretações generalistas. nicación de masa, de Heriberto Muraro (1974). Sua caracte-
São exemplares destas duas perspectivas os livros Para ler rística principal é a descrição minuciosa das formas de pro-
o Pato Donald, de Armand Mattelart e Ariel Dorfman, Q O im- priedade dos meios incluídos num sistema macroeconômico,
pério norte-americano das Comunicações, de Herbert Schiller. analisado com referências a Barán, Sweezy e Celso Furtado.
E exemplar, também, que as duas obras que cristalizaram a po- Mas, também, com referências a Adorno e Horkheimer, para
sição crítica na América Latina tenham sido escritas por estran- adentrar na análise ideológica. Há um capítulo do livro dedi-
geiros: Mattelart é belga e Schiller é norte-americano. cado à teoria da manipulação comunicacional em que o autor
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ippr
Chrisío Berger
A pesquisa em comunicação na América Latina
revisa as teses de Marcuse e expressa a preocupação pelas gar, de pensar a comunicação com as teorias da sociedade
possibilidades de manipulação das opções políticas. (com mais ênfase ora nos aspectos económicos, ora nos políti-
Da Argentina, ainda que Verón tenha sido o autor mais cos), mas, sempre, com o- tom de perplexidade na busca por
influente, a perspectiva de análise que recai sobre a econo- decifrar as relações culturais existentes no capitalismo.
mia e a política teve impacto e seguidores, com obras como Com o contexto favorável à crítica e com a pressa com
La dominaciôn imperialista en Ia Argentina, de Carlos Vi- que estes contextos pedem respostas, os estudiosos tomaram a
las, t Dependência y empresas mulíinacionales, de Salvador comunicação como fenómeno evidente para demonstrar suas
Lozada. Sem contar que Schmucler e Landi também con- hipóteses teóricas e provar seu ponto de vista político. Mas,
quistaram lugar de destaque ao relacionar cultura política e esta posição, pela repetição, pela simplificação e pelo mecani-
meios de comunicação. cismo da abordagem, esgotou-se: foi quando denunciar já não
Retornando, outra vez, aos autores citados como referên- bastava - nem na política, nem na teoria. Foi quando, também,
cia e que estamos considerando como a geração que, desde a se confundiu a teoria crítica da Escola de Frankfurt com as
comunicação, pensou a América Latina, ou desde a América apropriações ligeiras e se passou a criticar indistintamente
Latina compreendeu o processo de comunicação massiva, úrria e outras. Entre as inúmeras apreciações e balanços da
observamos que todos tiveram a preocupação de explicar o época, destaca-se a revisão sistemática realizada por Jesus
desenvolvimento cultural na relação corri o desenvolvimento Martin Barbero, primeiramente, apontando as dificuldades do
do capitalismo — da indústria cultural latino-americana com pensamento crítico em romper com o funcionalismo:
o imperialismo norte-americano -, destacando-se, tanto nos A pesquisa crítica em ciências sociais e particularmente
analistas da estrutura de poder como nos analistas do discur- no que se refere à comunicação de massa foi definida
so, o conceito de ideologia. Com as análises conjunturais, es- quase sempre na América Latina por sua ruptura com o
ses autores pensavam dar sequência ao pensamento marxis- funcionalismo. Mas talvez essa ruptura tenha sido mais
ta, pois complementavam com pesquisa empírica as refle- afetiva que efetiva. Ao funcionalismo se o desqualifica
xões propositivas iniciais. "em teoria", mas segue-se trabalhando a partir dele na
prática. Frequentemente rompeu-se somente com seu jar-
Ludovico Silva, em Teoria y practica de Ia ideologia, gão, mas não com a racionalidade que o sustenta. E assim
explicita os caminhos da reflexão proposta: seguimos presos em seu esquema (...) o instrumentalismo
Como é possível estudar à ideologia que se difunde no funcionalista, por mais que se revista da terminologia mar-
subdesenvolvimento, isolada do subdesenvolvimento? xista, não pode romper com o verticalismo e a unidirecio-
Isolar a televisão de seu contexto, o subdesenvolvimen- nalidade do processo comunicativo, pois alimenta-se dis-
to, é praticar o mesmo absurdo teórico, entre outras ra- so (...) Porque, o que o modelo funcionalista impede pen-
zões porque a televisão juntamente com outros meios sar é a história e a dominação, precisamente o que ele ra-
massivos constitui a mais genuína expressão ideológica cionaliza, isto é, oculta e justifica (1980).
do subdesenvolvimento (1971)
Se a reflexão dos ano-* 7U não se filia automaticamente a 3. A terceira geração aponta alternativas
Escola de Frankfurt, tomando-a rnais como inspiração do que
como método, são estes textos e autores que atuaiizam a teoria Naquele período - segunda metade dos anos 70 - na bus-
crítica no que ela oferece de possibilidades em primeiro lu- ca por sair do impasse da crítica teoricista e acompanhando
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tnnsra cerger A pesquisa em comunicação na América Latina
i as circunstâncias históricas, dois caminhos se apresentaram Por outra trilha, os pesquisadores latino-americanos de-
aos estudiosos da comunicação. sembarcam nos projetos de comunicação popular e alternati-
va3. Contreras Budge observa:
Por uma trilha, os pesquisadores da comunicação desem-
barcam na Comissão Internacional para o Estudo dos Proble- Seja pelos vaivéns políticos da região, pelas oportunida-
mas da Comunicação, proposta pela Unesco em 1977, que des perdidas, pelo próprio cansaço de um teoricismo es-
produz o relatório denominado Nova Ordem Mundial da In- téril, pelo fluxo e refluxo das modas comunicacionais, o
formação e da Comunicação — NOMIC — onde aflora uma fato é que de repente foram descobertas as práticas da
América Latina pensada desde o Estado - altiva, solidária, comunicação popular. Descoberta do mesmo modo como
esperançosa de reverter o processo em curso para descoloni- se descobriu a América, pensando que se tratava da
índia. E descobertas no sentido de destaparmos os olhos
zar a informação e retirar o entretenimento do limbo da alie-
do teoricismo e contemplar, admirados, aquilo que ha-
nação. Com dois latino-americanos na comissão (Gabriel víamos ignorado (1984).
Garcia Márquez, da Colômbia, e Juan Somavia, do Chile),
entre os dezesseis membros, o documento final, de 500 pági- Por todos os lados surgiam experiências de inversão dos
nas, previa fontes de informação alternativas para cobrir os usos dos meios. O cassete-fórunvde Mário Kaplun no Uru-
acontecimentos: o fluxo de informação atravessaria os paí- guai, as rádios mineiras na Bolívia, a imprensa alternativa no
ses através do nosso olhar - subdesenvolvidos, mas em pro- Brasil, evidenciavam um outro acesso e uma nova possibili-
cesso de libertação. A democratização da informação acom- dade para os meios. A esquerda académica, em crise política
panharia o ressurgimento da democracia política e o desen- e teórica, abraçou com entusiasmo esta "outra" comunica-
volvimento de projetos económicos nacionais na região. A ção, protagonizada pelas classes subalternas, buscando, atra-
América Latina aparece vitoriosa nos textos de proposição vés dela, a possibilidade de se transformar no intelectual or-
das políticas de Comunicação para os países subdesenvolvi- gânico descrito por Gramsci que começava a substituir as re-
dos ou em desenvolvimento. À cultura latino-americana se ferências a Frankfurt, ocorrendo, posteriormente, o mesmo
insurgiria contra a dominação cultural estrangeira, lutando fenómeno de esvaziamento da teoria pela apropriação super-
contra a desigualdade nos fóruns internacionais2. ficial e mecanicista. A pesquisa-denúncia dos anos 70 foi
OILET (Instituto Latinoamericano de Estúdios Transna- sendo substituída pela pesquisa-ação, nos anos 80, uma pers-
cionales), sediado no México, representa, e sustenta esta pectiva não só comprometida como também militante para o
perspectiva. Ao enfatizar o conceito de dependência, analisa trabalho académico.
o fenómeno da dominação através da estrutura e funciona-
Na sequência da denúncia em relação à comunicação
mento do sistema transnacional de comunicação, da infor-
mação internacional e, considerando o relatório da Unesco, transnacional e dominadora havia, por um lado, alternativas
aponta possibilidades de resistência, via, por exemplo, agên- de políticas nacionais de comunicação, pensadas na luta por
cias regionais de notícias. Estas reflexões foram reunidas no transformar o Estado, e, por outro, perspectivas de alteração
livro A informação na nova ordem internacional (1976), desde políticas de comunicação popular. Projetos políticos,
também um marco das publicações latino-americanas.
3. Na America Latina este é um tema fartamente tratado, principalmente através de artigos.
Máximo Gririberg escreveu um dos primeiros livros, A comunicação alternativa na Améri-
2. O relatório foi publicado cm livro, Um mundo e muitas vozes, publicado no Brasil pela ca Latina, situando o tema. São referências importantes: Maria Cristina Mata, Alfredo Pai-
Fundação Getúlio Vargas cm conjunto com a Uncsco, em 1985. va, Rosa Maria Alfaro, Patrícia Anzola.
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Christo Berger
A pesquisa em comunicação na América Latina
mais que propostas teóricas, mobilizaram pesquisadores e
frutificaram junto a setores organizados da sociedade. mas em situação de dominação, e, além do mais, não existe
em estado "puro", mas, como qualquer outra manifestação
O que se observa, então, é que não há coincidência entre cultural, é uma prática ambígua, fragmentária, "contamina-
o surgimento da comunicação popular e o interesse académi- da". A pesquisa da comunicação popular e alternativa intro-
co despertado por ela. Formas populares de expressão, de re- duziu, também, uma preocupação com outras modalidades
sistência e de contestação existiram desde sempre, assim de fazer pesquisa. Eduardo Contreras Budge afirma:
como alternativas à cultura dominante. Mas é ao final dos
É necessário que os métodos de estudo concordem com
anos 70, início dos 80, que estas formas são transformadas os objetos. Se o objeto são práticas comunicativas alter-
em objeto de estudo. Todavia, isso não; aconteceu gratuita- nativas, também deverá buscar-se a congruência meto-
mente nem como mero fenómeno de moda, mas como resul- dológica. Os métodos não são simples instrumentos, são
tado do contexto social. As lutas populares estavam sendo pontos de vista, são cristalizações de enunciados teóri-
redimensionadas pelos grupos políticos e a atividade do re- cos (1984).
ceptor revista pelos estudiosos da comunicação. O receptor
deixava de ser identificado com a massa amorfa e uniforme, Daí surgir uma proposta de pesquisa-ação, pesquisa par-
passiva e manipulável, passando a ocupar o lugar do domi- ticipativa, pesquisa militante. Aliás, é este o caráter da pes-
nado — o trabalhador organizado, a feminista, o militante -, quisa nos anos 80: a militância define desde a opção pelo ob-
cujas apropriações expressavam um receptor crítico. jeto até.a metodologia. Esgotada a pesquisa-denúncia, os es-
tudiosos da comunicação foram a campo instrumentalizados
A introdução do estudo da comunicação popular alterou e orientados pela pesquisa-ação.
a pauta da teoria da comunicação: solicitou outras referên- Barbero (1984) identifica no surgimento do interesse pelo
cias teóricas e metodológicas; propiciou um deslocamento estudo da comunicação popular não somente os limites do
do espaço universitário (precisou ir aos bairros populares modelo hegemónico, mas a pressão dos acontecimentos e
para pesquisar); deixou de lado a exclusividade de tratar de processos sociais que foram transformando tanto a relevân-
meios, canais e mensagens, para tratar da cultura. A incorpo- cia social dos objetos-problema como os parâmetros desde
ração do popular à teoria da comunicação propiciou rever a os quais era possível pensar os novos objetos. O interesse
comunicação de massa, estudada em si, para pô-la em pers- pelo popular na pesquisa em comunicação, afirma o autor,
pectiva, em relação. surge a partir da valorização de setores críticos aos processos
Ao manejar a bibliografia latino-americana sobre a "ou- de democratização na América Latina. Valorização que se
acha ligada ao conteúdo que o popular assumia: novas arti-
tra" comunicação, :constatamos que as designações popular culações e mediações da sociedade civil, sentido social dos
e alternativa são usadas indiscriminadamente, porque são conflitos para além das vinculações político-partidárias, re-
entendidas desde o objetivo de "buscar alterar o injusto, alte- conhecimento de experiências coletivas.
rar o opressor, alterar a inércia histórica que traz dominações
sufocantes" (Marta, 1983), Assim, a década de 80, teve, claramente identificadas,
duas linhas de pesquisa:
Os estudiosos da comunicação estavam aptos a reconhe-
cer a comunicação popular e alternativa como um "dado" da l. Políticas Públicas/Nacionais de Comunicação - re-
realidade na América Latina - que não acontece "en el aire", atualizando a questão da dependência e ampliando
o tema, com a questão da tecnologia e da democra-
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u n i o u ociyci
A pesquiso em comunicação na wiiemu LUIUIU
cia, havia um projeto de intervenção na comunica- com as disciplinas já não são tão claras. A constatação da ne-
ção pública desde o Estado; cessidade, primeiro, de revisões e de releituras - logo, de no-
2. Comunicação Popular e Alternativa - ampliando a vas proposições teórico-metodológicas — é a tónica deste pe-
noção de comunicação para além da Indústria Cul- ríodo. Jesus Martin Barbero afirma que os pesquisadores en-
tural, havia um projeto de intervenção cultural des- contravam-se em um processo de construção de um novo
de os movimentos sociais. modelo de análise, onde à cultura cabia o papel de mediação
social e teórica da comunicação com o popular, com a vida
Mantendo a tradição dos estudos de comunicação de cotidiana, com os meios. Desta convergência de preocupa-
oposição entre isto ou aquilo, estes temas já continham as ções, conforme o autor (1983), a pesquisa em comunicação
questões que viriam pautar os rumos do período seguinte: a na América Latina receberia seu "tônus" caracterizador. Ele
problemática da cultura e da recepção esclarecidas pela no- sugeria que se começasse a estudar:
ção de mediação.
a) o ambíguo processo de gestação do massivo a par-
tir do popular;
4. O projeto é pensar desde a comunicação
b) os modos de presença/ausência, de afirmação/ne-
Chegamos, assimj ao final dos anos 80 carregados de li- gação, de confisco e de de-formação da memória
vros que discorriam sobre os sistemas de comunicação e seu popular nos atuais processos de "massmediación";
poder de manipulação ideológica e outros que ensinavam a c) os usos populares do massivo, tanto da assimilação
produzir formas alternativas e populares de comunicação; na quanto da ressemantização.
bagagem, se confundiam relatórios, projetos e cartas de in-
tenção de intelectuais ativos e governantes (NOII, Políticas Este caminho proposto por Barbero foi realizado por mui-
Nacionais de Comunicação) com manuais de outros intelec- tos pesquisadores na América Latina: por ele mesmo, por
tuais, também engajados, para produzir um jornal alternati- Néstor Garcia Canclini, por Maria Cristina Mata, por Jorge
vo, um vídeo popular, uma rádio livre ou um mural com o Gonzalez, por Rosa Maria Alfaro. É quando a pesquisa se in-
povo. Os dois caminhos andados são devedores da pesquisa dependentiza do estudo dos meios para compreender a vida
realizada nos anos 60 e 70 — o primeiro já se vislumbrava na cotidiana, onde os meios ingressam detendo um lugar.
preocupação por políticas públicas de comunicação desde o Barbero é considerado o "formulador das questões" e o
ININCO e o segundo encontrava-se nas análises do CEREN, impulsionador do campo no sentido de sua renovação, pois,
quando Mattelart sugeria a produção de quadrinhos alterna- junto com as revisões, ele formulou um projeto transdiscipli-
tivos aos dominantes personagens imperialistas. nar para pensar desde a comunicação. Desde a comunicação,
Se até os anos 80 os contornos que demarcavam o campo diz Raul Fuentes (1999), são observados processos e dimen-
da comunicação conservavam bastante nitidez, pois se podia sões que incorporam perguntas e saberes históricos, antropo-
identificar com precisão os estudos sobre a estrutura transna- lógicos, estéticos; ao mesmo tempo que a história, a sociolo-
cional da comunicação, a comunicação participativa/popular gia, a antropologia e a ciência política se encarregam dos meios
e a problemática das políticas públicas de comunicação, no e dos modos como operam as indústrias culturais. Para ele, a
início dos anos 90 as fronteiras entre as linhas e a relação transdisciplinaridade nos estudos de comunicação não signi-
fica a dissolução de seus objetos nos objetos das ciências so-
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Christa Berger
A pesquisa em comunicação na América Latina
ciais, mas a construção das articulações - mediações e inter- mas de resistência, afirma o autor, ainda que reconheça, em
textualidades - que marcam sua especificidade.
A perspectiva que vai, então, se afirmando entre os pes-

r outros momentos, a relatividade da resistência. Neste texto,


Barbero incorpora os aportes da Escola de Birmingham4,
como Canclini fez em As culturas populares no capitalismo
quisadores é: a comunicação deve ser tratada no cenário da
cultura, que na América Latina encontra eco na sua formação (1982), e em Culturas híbridas (l998).(No México a pesqui-
híbrida, que propicia múltiplas mediações na recepção das sa de recepção tem bom desenvolvimento, principalmente
mensagens. Neste enunciado estão postas as palavras-chave na relação com a educação, trabalhada por Guillermo Oroz-
que nomeiam as preocupações que dão a identidade da pes- co(1987, 1988, 1989).
quisa nos anos 90 e que vão sendo atualizadas pelos pesqui- Mais tarde, o tema volta, repensado, à luz de outras avali-
sadores de referência. ações. "Os estudos de recepção, ao se transformarem em mo-
A revisão que Armand e Michele Mattelart realizaram so- dismo, esqueceram também que a comunicação é um pro-
bre seu trabalho aponta nesta direção. Em uma entrevista rea- cesso, reduzindo o problema da recepção à audiência", afir-
lizada por Mário Kaplun, cujo título é Los Mattelart hoy: en- mou Michele Mattelart em Porto Alegre (4 de nov. de 2000).
tre Ia continuidady Ia ruptura, encontramos esta afirmação: Na medida em que estes estudos enfatizaram o pólo receptor,
isolado do processo de comunicação e fora do contexto em
O que mudou em nossa trajetória nestes últimos quinze
anos é que finalmente aprendemos que a classe não re-
que se dá a recepção, a prometida ruptura não aconteceu.
solve tudo. Nem contém tudo. Junto à problemática de As categorias com as quais ingressamos nos anos 90 não
classe há outros interesses. E este é o aporte, o ensina- são mais nem a de ideologia, nem a de dependência, ainda
mento dos chamados movimentos sociais, o movimento que estas tenham sido incorporadas ao discurso como um todo,
feminino, o ecológico, o dos direitos humanos. (...) Diria mas a de mediação e a de hibridação, que permitem repensar
que o novo está na incorporação do receptor como pólo a relação do popular com o massivo, da comunicação com os
gravitante, ao que se reconhece por fim uma espécie de movimentos sociais, do receptor com o meio, todas "media-
liberdade de leitura das mensagens que consome; uma
possibilidade de apropriar-se destes produtos. E é muito das" pelas estruturas socioculturais.
importante sublinhar esta mudança, esta nova capacida- Nos anos 90, o contexto é enunciado através da proble-
de de entender o processo bipolar da comunicação, que mática da globalização e da mundialização. Como diz Octa-
vem romper com o modelo linear de pensamento com o vio.Ianni:
qual, antes, se abordava o problema (1988).
Na medida em que o capitalismo continua a processar a
Há consenso, entre os estudiosos da comunicação, de globalização do mundo, emergem relações, processos e
que a pesquisa de recepção trouxe novas perspectivas para o estruturas próprias desse mundo. Este é um aspecto fun-
campo de estudo, não só por superar as limitações impostas damental da grande transformação que se acha em curso
pelas pesquisas de efeito, de audiências, de usos e gratifica- no mundo contemporâneo: o desenvolvimento extensi-
ções, como por propiciar a compreensão de todo o processo.
"Toda a problemática do mal-falado receptor está sendo re- 4. Os Cultural Studies ingressaram na América Latina, onde já se desenvolvia uma pesqui-
sa de resgate da cultura popular e uma critica á divisão elitista entre alta e baixa cultura.
pensada radicalmente" (Barbero, 1980). Existiria a cumpli- Barbero e Canclini incorporam aportes evidentes de Williams e Hall, para traçar um pano-
cidade dos receptores na dominação, mas também nas for- rama das Culturas Híbridas, mas, também na Argentina, principalmente através da revista
Púnto de Vista, esta escola se tomou conhecida.
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Chiistc Beiger A pesquisa em comunicação na América Latina
vo e intensivo do capitalismo continua a alcançar, absor- ganha legitimidade científica e operacionalidade enquan-
ver e reabsorver os mais diversos espaços, modos de vida, to a de comunicação se desloca e se aloja em campos
trabalho e cultura (1995). distantes: a filosofia, a hermenêutica. A brecha entre o
í S'""': 3
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otimismo tecnológico e o ceticismo político se agiganta
Portanto, as razões de fundo que orientaram a denúncia e encobre o sentido da crítica.
&
dos modos de atuação da comunicação na América Latina
permanecem, mas o modelo da "pesquisa-denúncia" ficou Abre-se caminho então à consciência crescente do esta-
tuto transdisciplinar do estudo da comunicação, eviden-
fora de lugar. Por outro lado, também os dois caminhos sub- ciada pela multidimensionálidade dos processos comu-
sequentes se perderam: as ilusões do Estado' capazes de nicativos e sua gravitação cada dia mais forte sobre os
transformar o mundo da cultura, com a aquiescência de orga- movimentos de desterritorialização e hibridações que a
nismos internacionais como a ONU e a Unesco, já foram en- modernidade latina produz. Nesta nova perspectiva, "in-
terradas, e a comunicação popular e alternativa, capazes de dústria cultural" e "comunicação massiva" são os nomes
se contraporem com êxito à Indústria Cultural, também já dos novos processos de produção e circulação da cultu-
não pertencem à agenda temática da área. ra, que corresponde não só a inovações tecnológicas mas
a novas formas de sensibilidade. E que têm, senão sua
A nova década iniciou com os intelectuais perplexos origem, pelo menos seu correlato mais decisivo nas no-
frente aos desdobramentos da comunicação em todas as ins- vas formas de sociabilidade com que as pessoas enfren-
tâncias da vida social, legitimando o campo de estudo da co- tam a heterogeneidade simbólica e o crescimento da ci-
municação como um campo transdisciplinar no interior das dade. É desde as novas maneiras de juntar-se e exclu-
ciências sociais. Novamente é Barbero quem sintetiza os ru- ísse, de (des)conhecer e (re)conhecer-se, que adquire
mos da pesquisa: espessura social e relevância cognitiva o que passa em e
pelos meios e as novas tecnologias de comunicação.
Desde o começo dos anos 90, a configuração dos estu- Pois é desde ali que os meios passaram a constituir o pú-
dos de comunicação mostra mudanças de fundo, que blico, a mediar na produção de imaginários que de al-
provêm não só, nem principalmente, dos deslizamentos
gum modo integram a desgarrada experiência urbana
internos ao próprio campo mas de um movimento geral
dos cidadãos: seja substituindo a teatralidade de rua da
nas ciências sociais. Os processos impulsionados pela política pela sua espetacularização televisiva ou desma-
globalização económica e tecnológica ultrapassam por
terializando a cultura e retirando da história, mediante
completo os alcances da teoria da dependência e do im- tecnologias que, como as redes telemáticas ou os ví-
perialismo, obrigando a pensar uma trama nova de terri- deo-games, propõem a hiperrealidade e a descontinuida-
tórios e de atores, de contradições e de conflitos. Os dês-'
locamentos com que se buscará refazer conceituai e me- de como hábitos perceptivos dominantes (1999).
todologicamente o campo da comunicação virá da expe- Novamente a pesquisa em comunicação é exemplar para
riência dos movimentos sociais e da reflexão que propi- a observação, por um lado, do movimento da história política
ciam os estudos culturais.
e cultural do continente, e, por outro, das configurações das
Inicia-se, então, uma expansão dos limites que demarca- ciências sociais, porque seu objeto de estudo está fortemente
vamlo campo da comunicação: as fronteiras e as topo- ancorado na vida cotidiana e porque aponta a direção hege-
grafias não são as mesmas de apenas dez anos atrás. A mónica deste mundo. Por isso, a reunião da tecnologia com o
ideia da informação, associada à inovação tecnológica, consumo, e destas com a política e a cultura, inscrevem-se
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Girista Berger
A pesquisa em comunicação no Américo Latina
entre os temas atuais que exemplificam a continuidade das
preocupações que fundaram o campo. Raul Fuentes exemplifica o pesquisador académico que
faz questão de evidenciar as marcas do lugar de onde fala ao
António Pasquali, o que primeiro falou criticamente da projetar as perspectivas da pesquisa em comunicação para o
comunicação produzida na América Latina e o segundo co- século XXI:
locado na pesquisa sobre as influências na região, reuniu ar-
tigos e conferências suas no livro El ordén reina, onde per- ... proponho um esforço comunitário centrado na formu-
gunta: "Que fazer depois de 25 anos de intensa atividade lação de um projeto que, a partir de uma definição ética
(quer dizer, ideológica, político-moral) das funções so-
buscando transformar o sistema de comunicação da América ciais que pode desempenhar a pesquisa de comunicação
Latina"? Na resposta, ele constata: "Todo este enorme traba- no sistema mundo de transição histórica em que vivere-
lho deve ser qualificado hoje, com lucidez, como um fracas- mos, pelo menos, nas próximas duas décadas, estabeleça
so". A primeira razão para o fracasso é, na opinião de Pas- espaços de discussão e de construção coletiva, sistemáti-
quali, "porque esta pesquisa não soube convencer os poderes • ca e rigorosa, das opções que no terreno teórico-metodo-
democraticamente constituídos, não soube convencer as for- lógico e epistemológico, por uma parte, e na organização
ças políticas e as bases populares, consumidoras de bens cul- das práticas de pesquisa, por outra, poderiam adotar-se
turais". Nesta nova fase, para ele, é "imperativo suscitar um como utopia comunicacional, como produção social de
discurso transacadêmico, transpolítico e transideológico, sentido sobre a produção social de sentido (1999).
tanto sobre a comunicação como sobre a cultura" (1991).
Referências bibliográficas
Com esta observação de Pasquali, confirmamos a pre-
missa de que a pesquisa na América Latina sobre a comuni- AGUIRRE, Jesus Maria. De Ia práctica periodística a Ia investi-
cação teve um compromisso político e que buscou ocupar gación comunicacional. Caracas: Fondo de Publicaciones Fun-
um lugar nas lutas populares do continente: dación Polar/UCAB, 1996.
a democratização da sociedade, a defesa de sua sobera- —. La ideologia como mensaje y masaje. Caracas: Monte Ávila
nia económica, política e cultural, e o desenvolvimento Editores, 1981.
em sua acepção mais ampla. Em função destes fins, des- ARMAND E MICHÈLE MATTELART. Zero Hora, Porto Ale-
te compromisso com o futuro da sociedade, a investiga- gre, 4 nov. 2000. Caderno de Cultura, p. 3-4. Entrevista.
ção devia ser rigorosa, não voluntarista ou dogmática
(Beltrán; Cardona, 1982). BARRIOS, Leoncio. "La formación de investigadores de Ia co-
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Este compromisso ou preocupação continua presente em BELTRÁN, Luis Ramiro. Investigación sobre comunicación en
muitos pesquisadores e nas formulações de pesquisas e proje- latinoamerica (inicio, trascendencía y proyección). Bolívia:
tos conjuntos, assumindo a modalidade de luta plausível para Plural, 2000.
o novo milénio. Hoje, a pesquisa em comunicação é realizada —. "Premisas, objetos y métodos foráneos en Ia investigación so-
nos programas de pós-graduação - mestrados e doutorados — bre comunicación en America Latina (1976, 1978)". In:
que se expandem e devem propiciar a qualidade teórica e me- MORAGÁS SPÁ, Miquel de. Sociologia de Ia comunicación de
todológica reivindicada durante todo o percurso, deixando masas. Barcelona: Gustavo Gili, 1985, v. I.
vislumbrar a tradição de compromisso social já sedimentada.
—. Estado y perspectiva de Ia investigación en comunicación so-
cial en America Latina. Memórias de Ia Semana de Ia Comuni-
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