Sie sind auf Seite 1von 16
A NOVA FACE DO MOVIMENTO OPERARIO NA PRIMEIRA REPUBLICA ** EMILIA VIOTTI DA COSTA* N&o hd campo mais controverso na historiografia brasileira de nossos dias do que a histérla do movimento operérie. Além dos deba- tes que brotam naturalmente de querelas académicas, em consequén- cia da crescente competigao nos meios universitérios, existem outros, mais significativos que derivam dos conflitos ideoldgicos e politicos do momento. Estes sio particularmente intensos no Brasil de hoje, quando a reabertura recoloca o problema da participacao politica dos operérios, dando margem a um renovado debate entre as varias fac- ces da esquerda brasileira que disputam, entre si, a lderanca do movimento operario. Comunistas, trotskistas, socialistas, democrata-cristfios, sindicalis- tas, populistas, neo-anarquistas, e todos os outros grupos politicos que se possa imaginar, reescrevem a histéria do movimento operdrio a partir de sua perspectiva. Nas suas interpretacées do passado ecoam as lutas do presente. Mais do que o estudo do passado a historia é, dentro desse contexto, instrumento da agéo presente, pretexto para justificar praticas politicas contemporaneas. Nem mesmo os histo- Yiadores que se definem em termos estritamente profissionais conse- guem escapar a essa contingéncia. Quem nao estiver consciente do viés nfio teré condigdes para avaliar adequadamente a historiografia A preocupacao com questdes politicas nao € nova e nem mesmo peculiar & histéria do movimento operario (se bem que seja talvez mais intensa neste campo do que em outros). O que é novo na his- toriografia em questao 6 a maior preocupacao dos historiadores em ancorarem suas conclusdes em bases empiricas mais sdlidas. Esta ‘tendéncia resulta, em parte, das exigéncias académicas que tém levado a uma crescente profissionalizagiéo do historiador e, em parte, da mul- tipticagSio de arquivos e centros de pesquisa dedicados ao estudo da classe operdria © suas lutas, Haja, visto o arquivo Edgard Lenenroth na Universidade de Campinas e a Fundacio Giangiacomo Feltrinelli, para citar apenas dois dos que tém sido mais utilizados nos iltimos tempos. © acesso a novos documentos tem contribufdo, tanto quanto © debate politico dos tltimos anos, para a revisio das imagens tradi- cionais da classe operdria e da sua participacao politica na Primeira Repitblica, Para isso também tem contribuide a influéncia de alguns pesquisadores estrangeiros cujas obras sugeriram qfestdes novas e propuseram novos tipos de abordagem. Nao é por acaso que a partir dos estudos de E, P. Thompson, Michelle Perrot, Stefano Merli, Cor- R. bras, Hist, S80 Paulo, 2 (4): 217-252, set. 1982 218 nelius Castoriadis, Juan Martinez-Alier, os pesquisadores brasileiros estejam prestando maior atenc&o A cultura operdria, as condigdes de trabalho nas fabrieas e ao impacto das transformagées tecnoldgicas no movimento operario. Pouco a pouco vemos surgir uma literatura que enriquece a nossa visio dando-nos um quadro cada vez mais complexo e variegado Tnfelizmente muitas dessas novas pesquisas permanecem ignoradas do publico, perdidas em teses de mestrado e doutoramento gue jamais chegam a ser publicadas — um dos absurdos da vida académica bra- sileira, Recentemente, no entanto, vieram & luz duas colecdes de documentos que, pela sta riqueza de informaées, constituem impor- tante contribuicio para a revisio que esta em curso. A primeira é a colecdo publicada por Edgard Carone, sob o titulo: Movimento Ope- rério no Brasil, 1877-1944 (1), a segunda. os dois volumes editados por Paulo Sérglo Pinheito e Michael Hall: A classe operdria no Brasil, 1889-1930. (2) A leitura dessas obras que juntas contém mais de mil paginas de documentos, leva-nos a por em questéo algumas das afirmagoes cor- rentes na literatura sobre o movimento operdrio. O que se segue Go algumas das reflexdes que nos vieram A mente ao percorrer aque- Jas paginas. Ao divulgé-las esperamos nao s6 apontar algumas la- cunas como indicar novos caminhos de investigacao. O movimento operdrio no Brasil no periodo que val de 1889 a 1930 € em geral descrito como tendo sido dominado pelos anarquistas, imigrantes, na sua maioria italianos ou espanhéis que, fugindo a per- seguigdes politicas na Europa, refugiaram-se no Brasil trazendo con- sigo sua experiéncla politica. Seriam eles os responsaveis pelas greves, organizacdes operarias e demonstracées de massa que agitaram a Pri- meira Repiblica. Divididos, no entanto, por conflitos étnicos, sepa- yados por barreiras linguisticas os anarquistas teriam sucumbido A severa Tepressio desencadeada contra eles pelas classes dominantes para as quais a “questao operaria” era uma “questdo de policia e nao de politica” Ameacatos de deportac&o, as vezes deportados, constantemente petseguidos pela policia, encarcerados, figurando nas listas negras que cireulavam de méo em mo entre os industrials, os lideres anarguistas tiveram sua acio cerceada. Em 1922, sob o impacto da Revalucio Russa alguns anarguistas criaram o Partido Comunista. A partir de entGo, a influéncia anarquiste. entraria em recesso e, segundo alguns autores, 0 proprio movimento operério perderia seu impeto. O golpe fal no movimento operario teria sido dado por Getiilio Vargas, 0 qual, depois de 1930 criaria uma estrutura.“corporativista”, “atrelan- do” © movimento operdrio ao Estado, ao mesmo tempo que reprimiria com violéncia as liderangas auténomas. Essas medidas coincidiram com uma profunda transformacdo na composicio da classe operéria, © que veio a facilitar esse process de “domesticacao” do movimento operario. Trabalhadores brasilciros substituiriam os imigrantes. 219 Vindos das zonas rurais, analfabetos e politicamente inexperientes, habituados @ relagdes paternalistas, esses trabalhadores nao tinham consciéncia de classe ¢ seriam presa facil das manipulacdes do estado populista. Essa é em poucas palavras e de forma bastante resumida e simplificada a imagem que prevalece na maioria dos estudos sobre © assunto. (3) Evidentemente é impossivel numa breve apresentacéo registrar as diferencas sutis entre os varios autores. Nem todos, por exemplo, se limitam a falar s6 nos anarquistas. Ha aqueles que se referem também aos sovialistas, aos catélicos ¢ aos sindicalistas, se bem que em geral, de forma bastante superficial, (4) Também, dependendo de suas ‘simpatias pessoais, os analistas dao explicacdes diferentes para o que eles avaliam como sendo “a fraqueza” ou “o fracasso” do movimento operério. Uns culpam aos comunistas, outros aos anar- quistas. Todos culpam a polfcia. Alguns, argumentam que os anar- quistas foram derrotados por causa de sua estratégia inadequada, de seu internacfonalismo, sua incapacidade de lidar com problemas na- cionais mais amplos. (5) Outros argumentam que o anarquismo teve sucesso enquanto predominaram os artesios, mas a parlir do mo- mento em que 0s operdrios passaram a predominar no movimento os anarquistas estavam condenados a perder a lideranea, devido ao seu carater pequeno-burgués. (6) Hé ainda aqueles que véem na repres- so a causa fundamental do “fracasso”” do movimento operario. As divergéncias entre os historiadores vio além da explicacdo do sucesso ou insucesso dos anarquistas. Eles também discordam na sua interpretacdo da politica operaria de Vargas. Para uns, Getiilio foi o intérprete dos industriais. (7) Segundo outros, os industrials, m 1930, ndo tinham um projeto do qual Vargas pudesse ser 0 exe- cutor, (8) Influenciados pela retériea populista alguns véem em Vargas 0 “pai dos pobres”. Para outros, no passou de um politico esperto, o primeiro a reconhecer que a questSo operdria era uma questo nao s6 de polfcia como também de politica. Levando em conta esas nuances pode-se dizer que o quadro ante- riormente tragado apresenta as linhas mestras da historiografia do movimento operrlo na Primeira Repiblica Algumas dessas nogées encontram plena confirmagio nas duas colegdes de documentos consultadas. Outras, no entanto, aparecem moditicadas. A repressdo, por exemplo, é amplamente documentade. Ha em ambas colegdes um sem ntimero de evidéncias que testemu- nham a incessante perseguicéo de que eram vitimas as organizagdes operarias e suas liderancas. A repressio, no entanto, parece ter sido muito mais sutil e sofisticada do que se tem, em geral, reconhecido. Nao se tratava apenas de proibir demonstragdes dperarias, despedir lideres, deportar ou encarcerar “‘trabalhadores indesejéveis”, invadir sindicatos, destruir a imprensa operdria. Ia-se ainda mals longe. Ja nessa época a burguesia respondia ao internacionalismo dos operdrios, internacionalizando a represséo, © governo italiano, por exemplo, 220 manteye um “attaché” militar em So Paulo, de 1901 a 1915, com ‘0 objetivo de fiscalizar as atividades de elementos radicais de nacio- nalidade italiana. (9) Da mesma forma, quando os ingleses invadi- ram os escritérios de uma organizacio soviética em Londres, eles se apressaram em fornecer As autoridades brasileiras o nome dos brasi- Jeiros que tinham conexfo com a Terceira Internecional. (10) Por- tanto, a articulagio da repressio ao nivel internacional nao é uma inveng&io das tltimas décadas, Esta é apenas uma forma de repres- séo que ainda nao foi estudada. Ha ainda outras formas que tam- bém no receberam a atengéo devida. Com o intuito de defender seus interesses comuns, aumentar a produtividade ao trabalho e neu- tralizar a resistencia operaria os industriais criaram associagSes como 0 Centro dos Industriais de Fiacdo e Tecelagem, ou o Centro das Indiistrias do Estado de Séo Paulo. Estes centros exerciam. vigilin- cia sobre os Mderes operirios ¢ mantinham freqientes contatos com 2 policia. Num memorando de 1921, por exemplo, o Centro dos Indus- triais de Fiagdo e Tecelagem recomendava a seus associados que expur- gussem o pessoal das fabrieas de “agitadores profissionais que operam na classe operdria com um fermento de desordem e de morte”. Ao mesmo tempo informava que qualquer associado que quisesse se livrar de um “agitador” nada mais tinha a fazer do que se comunicar com © Centro, este providenciaria imediatamente para que aquele elemento perigoso “‘fosse afastado da fébrica pela policla e identificado” . A sua ficha seria “comunicada as fébricas associadas”, “tal e qual como se fara com os ladroes” (sic). (11) Néo muito diferente deste era o tom de uma circular de 1923. Naquela ocasiio, recsiosos de que a reve dos gréficos se estendesse as indiistrias textels, os industrials © a policia mais uma vez se uniram. O Centro informou aos associa~ dos que a policia de Capturas e Investigacdes tomara a resolugio de “ir prendendo todos os operdrios em tecidos que Ihe fossem aponta- dos como mentores de sua classe, no tocante a reivindicagdes mais ‘ou menos cabiveis” (1). (12) O Centro concitava seus associados a Ihe enviarem o nome, residéneia, sinais caracteristicos ete., do operé- rio em questiio, que ‘ele se incumbiria imediatamente de fazer com que o operario apontado desaparecesse por algun tempo, até que passasse a atmosfera de agitacao. ‘A preocupacdo em identificar a lideranca operdria era constante Tanto é assim que j4 em 1921 0 Centro enviava ao ministro da Agri- cultura, Industria @ Coméreio uma carta na qual sugeria a. adoc&o de carteiras profissionais que permitissem identificar os trabalhado- res, (13) Essa medida seria posta em pratica alguns anos mais tarde por Vargas. * Considerando-se as boas relagdes entre o Centro, a. policia do Estado e o Gabinete de Investigagées no é de se estranhar que um ano apés, aquele comentasse, numa circular sobre as greves do ano anterior, que nunea batere em vio as portas das diferentes seccdes da policia. (14) Pouco a pouco, no entanto, a tarefa de fiscalizar os 221 operarios passou para as mos do Estado. Em 1927, 0 Centro dos In- dustriais de Fiacao e Tecelagem informava que a partir daquela date a delegacia de Ordem Politica e Social estava identificando “todo o operariado do Estado de Sio Paulo, da Capital e do Interior"! Espe- yava o Centro poder, dentro de algum tempo e de acordo com aquele Delegacia, “fornecer, aos ilustres socios, uma ficha completa dos inde- sejavels cujos nomes e delitos Ihe forem comunteados’, Mandaria a cada associado “uma ficha completa” com o “nome do delingiiente, a sua filiacdo, estado civil, impressio do polegar e fotografia”, assim, cada empresa poderia formar seu arquivo de “indesejaveis”. (15) Fiscalizagio e represséo nfio eram, no entanto, as tinicas formas de controle. Havia outras mais sutis. “Principios cientificos” de admi- nistracdo do trablho ja estavam sendo postos em pratica em algumas companhias, Essa informagio certamente nao surpreendera os que sabem que Roberto Simonsen, vice-presidente do Centro das Indtis- trias de Séo Paulo, 4 discutia Taylorismo em 1919 em seu livro © Trabalho Moderno. Nessa época j4 havia também industrials que procuravam introdurir em suas fabricas servigos assistenciais, tais como ereches, escolas maternais, campos esportivos e outros tipos de “diversdo” para os operdrios. Com a mesma preocupagao de estender © seu controle sobre a vida do operdrio criavam as primeiras vilas operarias, como a famosa Vila Zélia. (16) controle estendia-se também & manipulacio ideoldgica. Os in- teresses dos industriais eram sempre apresentados como interesse da nago. Os que criavam tropecos & Tealizagio daqueles interesses “promovendo lutas de classes” ou “tentando criar leis perturbadoras do trabalho”, cometiam crime de lesa-patria. Além de manipularem as idéias nacionalistas em seu beneficio, os empresdrios nfo hesita- vam em caracterizar a fébrica como uma grande familia e o patrao como pai benevolente. “O patréo”, dizia uma circular do Centro dos Industriais de Fiagho e Tecelagem datada de abril de 1924, “é mais alguma coisa que patrao — é amigo e, digamos, um pouco pai dos que trabalham a seu lado”. A circular louvava a “generosidade” do Conde Matarazzo e de Rodolfo Crespi pela decisio de coneederem um prémio de 5%, sobre o total dos salérios ganhos no ano, a todo oper rio que completasse um ano de servico, a contar do dia 10 de marco de 1924, (17) Na sua fala os industriais enfatizavam sempre a “comunhiio de interesses” entre Capital e Trabalho — uma retérica que contrastava de forma chocante com a tendéncia que eles tinham de identificar 05 Iideres operarios com agitadores profissionais e as reivindicacoes oper4rias com crimes contra a sociedade e a nacig. (18) Através da documentaeao ora divulgada formamos um quadro mais complexo nao s6 da visio do mundo e dos métodos dos empre- sdrios eomo também de suas conexées com o Estado e a Imprensa, (19) Os artigos de jomais reproduzidos em ambas colecdes revelam, fre~ qientemente, a intenc&o, por parte da Imprensa, de desmoralizar a 222 lideranca operaria e promover divisdes entre os trabalhadores, conde- nando os “maus” operdrios ¢ louvando os “bons”. Tipico dessa ten- déncia é a publicidade dada a um encontro entre alguns “lderes ope- rarios” e o Presidente Washington Luiz em 1929. O discurso que o presidente da Unido dos Estivadores fez na ocasiio foi muito elogiado pelo Jornal do Brasil. Nesso discurso, aquele manifestara o apoio dos trabalhadores ao Governo e o seu reptidio “As doutrinas vermelhas” defendidas por “maus brasileiros que a troco do vil metal nfo trepi- dam em vender a sua honra, trair a sua Patria, atentar contra o seu proprio lar”. (2) Igual publicidade fol dada pelo A Noite — outro jornal de ampla circulacio — visita dos mesmos “lideres operdrios” ao chefe da policia: Coriolano de Goes. Segundo o jernal, o vice-pre- sidente da Unido dos Operdrios Estivadores hipotecara a “solidariedade das classes trabalhistas aco das autoridades contra as idéias demo- Tidoras dos comunistas”. (21) Nesse discurso que foi transcrito na integra fixavam-se as imagens tantas vezes reproduzidas desde entdo: 0 “bom” e o “mau” operario. O primeiro, levava ao patrao e as auto- ridades sua solldariedade e apoio. O segundo, tentava envolver o operariado “num turbilhao de revolta as leis e aos homens piblicos”, pregava a luta de classes e falava em revolucao. Apesar de sua insisténcia na import&ncia do respeito as leis, os empresdrios néo pareciam se sentir obrigados a respeiti-las. Tanto 6 assim que as leis passadas pelo governo, com o objetivo de diminuir © conflito entre Capital ¢ Trabalho, longe de recederem o seu apoio foram freqientemente objeto de oposiciio e critica e s6 raramenté foram obedecidas. (22) Em 1929, 0 Centro Industrial do Brasil con- denou ao Cédigo de Menores, (23) No ano seguinte o Centro dos In- dustriais de Fiagdo e Tecelagem dirigia uma carta ao Ministro do ‘Trabalho criticando a lei de férlas. (24 Esta, como outras leis visando a proteger os trabalhadores, estava, sendo sistematicamente desrespei- tada. (25) Sua existéncia, no entanto, causava apreensao entre os industriais, os quais pareciam irritados com a acdo de alguns funcio- narios piblicos mais zelosos que exigiam o cumprimento da lei. Iguaimente apreensivos ficavam os industriais quando algum jor- nalista desavisado, se dispunha, por alguma razio, a dar cobertura simpitice a5 greves e reivindicagées operarias. A emergéncia de gru- pos de classe média, relativamente independentes, e sua alianca cir- cunstancial com a ‘classe operdria constituiam a seus olhos uma ameaca. © que nos espanta hoje, depois de meio século desses aconteci- mentos, € 0 receio que 08 empresarios parecem ter dos operdrios. Afinal de contas, como o proprio vice-presidente do Centro das Indis- trias de Sdo Paulo reconhecia no seu discurso inaugural em 1928, o3 operdrios constituiam apenas um pequeno nimero: 300.000, num pais de trinta milhées de habitantes! (26) Daqueles apenas a minoria es- tava organizada e o nimero dos que podiam ser considerados radicais era ainda menor. E, de fato, como a histéria viria demonstrar, eles 223 no constituiam ameaga séria para quem contava com o apolo pra- ticamente irrestrito das autoridades. Pode-se conjecturar que o terror dos indusiriais provinha em parte da irreconeiliavel retérica de Iuta de classes usada por alguns lideres operdrios. A critiea destes ao ca- pitalismo como sistema, seu apelo ao operariado para que se unisse na luta contra o capital, devem ter soado suficientemente ameagado- Tes sos industriais para deixa-los preocupados, Sua ansiedade deve ter crescido por ocasido da extraordindria greve de 1917 e provavel- mente se agravou, ainda mais, face & agitacio de varios setores da populacdo, durante as revoltas de 1922 e 1924. Mais elarmante do que todos aqueles episédios, no entanto, deve ter sido 0 espectro da Revolucao Russa de 1917, cujo valor simbélico foi incalculavel. Para os operarios ela pareceu anunciar o inicio de uma nova era. Para os industriais, 0 comeco do fim. Mesmo considerando-se todos esses fa- iores, a reacio dos empresarios parece excessiva e talvez sO uma expli- cagiic psicanalitica satisfaca. O exagerado receio que eles parecem ter dos operdrios talvez brote de um profundo sentimento de culpa e do temor da punigéo (ou desejo de punic&o?) que em geral 0 acom- panha. Quem eram esses trabalhadores que causavam tanta apreensio aos empresdrios? Eram eles de fata anarquistas, estrangeiros que tinham ‘vindo ao Brasil semear desordem ¢ descontentamento entre os “bons e ordeiros” trabalhadores nacionals, como alegavam os in- dustriais. os agentes de policia, e os jornalistas? E como até mesmo os historiadores nos fizeram erer? A lista das numerosas organizagdes que compGem as Federacies anarquistas bem como as dos participantes dos congressos operarios de 1906, 1908 e 1913 publicados por Michael Hall e Paulo Sérgio Pi- nheiro nos levam a duvidar dessa caracterizacio. Onde esperavamos encontrar nomes italianos, nos defrontamos com nomes de origern portuguesa e talvez espanhola, (27) No estado atual das pesquisas é ainda dificil dizer quantos eram brasileiros. Mas a leitura destas e outras fontes (principalmente as memérias de militantes que tém sida publicadas nos iiltimos anos) nos leva a crer que o papel dos brasi- Jeiros no movimento operirio da Primetra Repiblica tem sido sub-es- timado, Ficamos também convencidos de que a imagem de um mo- vimento operfrio controlado totalmente por anarguistas precisa ser revista. Mais atencéo deve ser dada a outros grupos, principalmente 0s sindicalistas, os socialistas © os catélicos que raramente tém cha- mado atenc&o. (28) Tanto no livro de Carone quanto nos de Hall e Pinheiro existe documenteeso suficiente para demonstrar que aque- Jas prpoa foram mata numtneon @ mass atiroa da que & histenlograa tem sugerido. : Alguém poderia perguntar porque entdo os anarquistas tém absor- vido todas as atengies? Como se explica a preeminéncia que Ihes tém sido dada no movimento operario? Por que se tem identificado anar- quista com estrangeiro? 224 Provayelmente varias razdes explicam essas tendéncias. Com sua retérica de Iutas de classes e suas taticas de agdo direta, seu enyolvi- mento em greves e demonstracées piiblicas os anarquistas desperta- ram mais receio e hostilidade do que qualquer outto grupo. Além disso, a apiniio de que o movimento operdrio estava controlado por um grupo de estrangeiros anarquistas ¢ agitadores era freqiientemente expressa, tanto pelos jornalistas, quanto pelos industriais, com a in- tengio de desmoralizar o movimento operario perante a opiniao pi- blica. Nao é de espantar, portanto, que cles proptios acabassem por acreditar nisso. Essa opinido foi reforeada pela constante persegui- cdo gos anarquistas e pela repercussio que os casos de deportacao tiveram. For outro lado, quem poderia duvider que os anarquistas monopolizassem 0 movimento operario, se eles cram os primeiros a se declararem responsivels por qualquer greve ou manifestacio pu- blica? Tudo isso acabou por dar aos anarquistas uma visibilidade que outros grupos nao tinham. Dessa forma, a imagem de um movimento operdrio controlado. exclusivamente por anarquistas estrangeiros aca- bou por prevalecer. Tanto mais que a maioria dos que escreveram sobré 0 movimento operario na Primeira Repliblica estudaram esse movimento em Sdo Paulo, um estado em que nao s6 os anarquistas eram particularmente ativos, como também o imigrante representava grande parcela da forca de trabalho. No entanto, até mesmo em Sao Paulo havia muitos trabalhadores nacionais. Segundo o Censo indus- trial de 1920, 60% dos 93.998 trabalhadores registrados cram de na- cionalidade brasileira, Nos demais estados, talvez com excegio do Rio Grande do Sul, o nimere de trabalhadores nacionzis era ainda maior. # preciso, portanto, examinar essa questdo com mais cuidado, pois a partir do momento que reconhecermos @ participacao do trabalhador nacional nos movimentos operarios da Primelra Repiiblica, algumas das nocées tradicionais ruiro por terra e novas questées surgirac. Como falar-se ento da inexperiéncia politica do trabalhador brasileiro? Como expliear 0 sucesso do anarquismo entre cles? Teria a massa dos trabalhadores nacionais preferido apoiar as organizagées sindica- listas € as catélicas? Como se relacionaram eles com os operarios es- trangeiros? Qual a sua participagiio na lideranga do movimento ope- rério? De onde lhes vinha sua experiéncia politica? Finalmente, qual a participagio dos pretos no movimento operirio? Provavelmente por causa da identificagZo que fazem entre movi- mento operario e imigrante, os que tém estudado a histéria do mo- vimento operdtio na Primetra Repiiblica raramente mencionam a presenea de pretos e mulatos. Em geral se repete que depois da abo- licko os imigrantes substituiram os ex-escrawos na forca de trabalho, tendo aqueles sido marginalizados nesse processo. (28) Até que ponto essa impressiio corresponde a realidade? Como os historiadores tém ignorado o papel dos pretos eles tam- bém nao registram conflitos raciais. Uma das poueas excegdes é 0 historiador americano Sheldon Maram, mas mesmo este autor con- 225 sidera 0 conflito étnico mais importante do que o racial. (30) No entanto, Jules Droz, delegado da Internacional Comunista 4 América Latina observava em 1929: “Ainda que néo existam preconceitos de raga no Brasil, segundo as informagdes de nossos camaradas (grifo nosso), uma coisa chama logo a atencdo... Os coolies brasileiros, os trabalhadores da estiva, os homens de trabalho pesado sho todos ho- mens de cor, enquanto que os comissdrios, os contramestres, agueles que manejam a pena e os funcionarios, as mulheres bem vestidas, etc., so todos brancos”. (31) Evidentemente, o que escapava aos olhos da lideranga operiria, nfo escapava ao arguto observador: havia pretos e mulatos entre o operariado, mas a estes estavam Teservadas as profissbes mais infimas. Apesar disso, a historiografia continua a ignorar a sua presenca. # preciso indagar até que ponto a ceguelra dg lideranea em relacio aos problemas raciais contribuiu para alienar pretas e mulatos do movimento operfirio. Diante da indiferenca das liderangas teriam eles tentado criar assoclag6es indepentes com o objetivo precipuo de defender seus interesses? Essas sio questdes que ainda aguardam resposta. Outra curiosa falha na literatura sobre o movimento operirio é a falta de informagao sobre o papel das mulheres. No entanto, em algumas indistrias — as textels por exemplo — clas constituiam a grande maioria. Um relatério do Departamento Estadual do Tra- Dalho, reproduzido por Hall e Pinheiro, registra num total de 10.204 trabalhadores, 2.668 homens, 6.800 mulheres e 75 criancas. Naa obstante sua notavel participacio na fore do trabalho, as mulheres 86 Taramente so mencionadas nos estudos sobre a classe operaria e quando © sho, aparece como vitimas passivas da opressio. Maram, comparando 0 “insucesso” do movimento operério no Brasil com seu “sucesso” na Argentina, argumenta que uma das razdes dessa dife- renga reside no fato de que no Brasil havia um maior ntimero de mulheres e criangas entre os trabalhadores. (33) Infelizmente, nas duas colecées que examninamos nao hé documen- tos suficientes para modificar essa imagem. O tmico que se refere diretamente & participacéo de mulheres é um manifesto, reproduzido por Carone, assinado por trés operdrias, concitando suas companheiras @ apolarem os trabalhadores em suas Iutas. O manifesto parece con- firmar a impressio geral de que as mulheres s6 raramente participa- vam do movimento operario. (34) H4, no entanto, algumas evidén- cias indiretas que nos fazem suspeitar que a sua presenca foi muito mais significativa do que tem sido reconhecido. Um relatério sobre violéncia policial contra operarios, apresentado A CAmara dos Depu- tados em 1919, menciona dois incidentes envolvendo mulheres, (36) Sabemos também por outras fontes que as operartas textels freqien- temente fizeram greves e participaram de piquetes, protestando contra reduc&o de salérios, multas ¢ abusos fiscais. Basta ver o arrolamento feito por Paula Beiguelman em Os Companhelros de Sie Paulo. (36) Mulheres tambérn participaram ativamente do Partido Comunista, 226 como se pode deduzir de algumas autobiogratias de lideres comunistas Tecentemente publicadas. Apesar de tudo, a historiografia sobre 0 movimento operario continua a ignord-las. Pode-se argumentar que a falta de debates sobre a condicho das mulheres nos congressos operdrios, com excecio das discusses sobre equalizagéo de salarios e das reivindicagdes sobre igualdade de direi- tos que aparecem na plataforma dos varios partidos socialistas, (37) a auséncla de mulheres das liderancas operérias e finalmente o siléncio da historiografia é indicativa de que as mulheres, de fato, tiveram um papel secundario no movimento operario. & mais provavel, no entanto, que esse siléncio seja resultado de um viés néo apenas por parte da lideranca operdria como também por parte dos historiadores. 86 pesquisas futuras poderiio esclarecer este problema. Outro aspecto que salta 4 vista quando percorremos os documen- tos ora divulgados é a maneira insuficiente pela qual tem sido tratado © proprio movimento anarquista. Apesar do interesse que despertou pouco se conhece sobre ele. A tendéncia da maioria dos historiadores é traté-lo como se fosse um grupo mais ou menos coeso, Sob o rétulo de anarquismo, no entanto, existe uma yariedade de grupos, freqtien- temente hostis uns aos outros, divergindo quanto as téticas a serem adotadas e os propésitos a serem atingidos. (38) Isso fica evidente pela leitura dos jornais operdrios reproduzides por Carone. (39) Os conflitos também esto documentados nas minutas dos Congressos Operarios, divulgados por Hall e Pinheiro. (40) Carone identifica pelo menos dois grupos distintos; um que recomenda uma estratégia gra- dualista. Outro que prega a agdo direta, Para Hall e Pinheiro ha também dois grupos: um anarquista, outro anarco-sindicalista, Estes ao que parece, mais sindicalistas do que revolucionarios, 0 que pro- vavelmente ajuda a explicar a direciio que o movimento operério to- maria a partir de 1920: 0 declinio dos anarquistas e a fundaco em 1922 do Partido Comunista. ‘A maioria dos historiadores tem visto a criagio do Partido Comu- nista como “reflexo” da Revolugdo Soviética. Uma leitura cuidadosa das minutas dos Congressos Operirios ¢ de outros documentos cons- tantes destas colegdes sugere, no entanto, que ainda mais importante foram os problemas com que se defrontou o préprio movimento ope~ yatio nas primeitas duas décadas deste século. A Confederagdo Operdria Brasileira e as varias Federacées orga- nizadas pelos anarquistas reuniam uma grande variedade de “métiers”. Havia pedreiros, oleiros, graficos, vidraceiros, ferreiros, marmoristas, estivadores, ferrovidrios, alfaiates, carpinteiros, sapateiros, mineiros, tunileiros, ‘pintores, caixeiros, cabeleireitos,-padeitos, carroceiros & “chauffeurs”, trabathadores de hotel, garcons, opersfios de indistria textil e motahirgicos (para mencionar apenas alguns). Uns eram donos dos metos de produgdo. Outros néo. Uns eram.arteséos, outros trabalhavam em pequenas empresas familiares (manufaturas), outros ainda, em fabricas, onde se reuniam grande numero de operarios. 227 Algumas se enquadravam no setor de servigos. Outros, no da produgao industrial. Essa heterogeneidade permitia aos anarquistas promove- rem grandes mobilizagées de massa mas, ao mesmo tempo, criava sérlos problemas para organizacio do movimento. A amalgama de grupos resultava em freqlentes conflitos e desentendimentos, agra- ‘vados por diferengas étnicas e raciais e As vezes até mesmo por bar- reiras linguisticas. Sem falar nos conflitos derivados de questdes ideolégicas. As minutas dos Congressos revelam que desde 0 inicio as liderangas anarquistas estavam divididas a propésito de assuntos importantes. Alguns estavam preocupados em desenvolver a cons- ciéncia politica dos trabalhadores e em organizd-los para enfrentarem 9s patroes. Outros, com problemas que afetavam o quotidiano do operario. © debate entre esses dois grupos — que As vezes lembram 0s diflogos de Don Quixote e Sancho Panga — ndo s6 expressavam conflitos internos das liderancas como também revelavam tensdes entre a lideranga e as massas operdrias, entre os “intelectuais” anar- quistas e os trabalhadores. (41) As normas adotadas ou preconizadas pela lideranga anarquista nem sempre satisfaziam aos anseios dos trabalhadores. Estes insis- tiam na necessidade de leis que proibissem o trabalho infantil, equa- lizasser os salérios de homens e mulheres, garantissem a seguranca do trabalho, reduzissem o numero de horas, fixassem um salario mi- nimo. Sugeriam ainda o controle pelo Estado da qualidade e preco de alimentos e aluguéis. A maioria dessas demandas, evidentemente, Ppodiam constar de uma plataforma reformista. Os Iideres anarquis. tas, no entanto, em consondncia com sua postura revoluciondria ¢ sua critica tedriea do Estado — ao qual viam como o perpétuo inimigo dos trabalhadores — rejeitavam qualquer sugestdo que envolvesse sua intervencdo. Para eles a solugdo era consciéncia de classe e otgani- zagao: se os operdrios tinham problemas era porque nao eram sufi. cientemente conscientes, beligerantes e unidos para fazer face aos patrées. Os pais nfo devem mandar seus filhos ao trabalho. O tra- balho das criancas deteriorava o saldrio. As mulheres ndo deviam aceitar remuneracao inferior 4 dos homens. Os trabalhadores deviam se recusar a trabalhar quando as condicées néo fossem seguras. Como um dos lideres chegou a dizer, durante o Segundo Congresso Operario realizado em Siio Paulo em 1908: “porque antes de subir sobre um andaime ou de comecar qualquer trabalho, néo se procura inspecionar se hé ai garantias de vida e nao nos recusamos terminantemente a trabalhar quando vemos o perigo?” (42) A culpa era portanto dos trabalhadores, Consciéneia ¢ luta contra os patrdes (ndo a interven- go do Estado) eram o remédio para seus males. Quando os operarios sugeriam a criacdo de cooperativas e de fundo de greve ou desemprego, eles encontravam igual oposicio por parte das liderangas. Se bem que houvesse sempre alguém entre a lideranca que argumentasse em favor das propostas das bases, o debate sempre terminava com a maio- tia reafirmando os seus principios e recomendando que os anarquistas 228 incrementassem a sua propaganda. Fizessem mais conferéncias, pu- blicassem mais livros e artigos para educar os trabalhadores e torné-los mais conscientes. As ligas operarias deviam procurar “manter entre sets ascociados sempre vivo 0 espirito de rebeldia contra as arbitra- riedades, ndo permitindo em ocasiéo alguma que o brio de operdrios livres seja pisoteado”. (43) Greve, sabotagem, consciéncia revolucio- néria eram os instrumentos de que dispunham os trabalhadores. No entanto, quando as greves eram violentamente reprimidas pela policia, os trabalhadores encontravam como respaldo apenas uma federacio heterogénea, dividida por interesses os mais contraditérios, incapaz de coordenar a resisténcia, Nao 6 portanto de se espantar que depois da violenta repressio dos anos 1919 e 1920 alguns se convencessem da necessidade de adotar uum novo tipo de organizacao e de utilizar novas estratégias, Depois de mais de uma década de lutas, os anarquistas pouco tinham conse- guido, Os reformistas, os catélicas e os socialistas também nao tinham sido mais bem sucedidos. A legislaco trabalhista aprovada pelo go- yerno nao era obedecida. A recessio que se seguira ao apés-guerra tornara as greves pouco eficientes. Os grevistas se defrontavam com a represséio sistematica e quando pareciam ter aleangado seus objetivos, as concess6es ganhas eram logo perdidas, Os sindicatos eram inva- didos, os trabathadores despedidos, os Iideres presos, alguns deporta- dos. Nao era tarefa facil organizar homens e mulheres divididos por conflitos raciais, étnicos e ideolégicos. Ao movimento operario faltava coesio e coordenacio, Apesar de todo o esforeo herdico, feito pela Uideranca operaria, no sentido de mobilizar os trabalhadores; apesar de todas as greves ¢ impressionantes demonstrag6es de massa. que eles tinham conseguido organizar; apesar de toda a sua fale, sobre a force dos trabalhadores, estes continuavam oprimidos. Uma consciéncia re- yoluciondria era algo que levava muito tempo para se desenvolver, e, até mesmo os trabalhadores mais esclarecidos e conscientes nao tinham condigGes de impedir que suas mulheres e filhos trabalhassem por miseraveis salirios, A altemativa, no mais das vezes, era a. fome. Eles também nfo tinhar condigées de se recusarem a trabalhar quando as condigées nfio eram seguras, Havia muitos “crumiros” prontos a tomar seus lugares. A esperada Revolucio parecia cada vez mais distante. Se os anarquistas no tinham sido capazes de levar os tra- balhadores a uma posicéo de forca e nao tinham conseguido siquer melhorar suas miseraveis condigdes de vida, seriam eles capazes de levar a cabo uma revolugdo que porla fim ao estado burgués e A ex- ploragao do trabalho? Atormentados por essas diividas, alguns dos que tinham Iutado durante anos entre os anarguistas comecaram a bus- car novos caminhos, Dando um balanco nas lutas*dos iltimos anos chegaram a conclusio de que a organizacio falhara. Era preciso “bus- ear novos meios, novos métodos, novos sistemas, novas normas de organizacao,” mais adaptavels e consentaneas com o ambiente brasi- leiro”, (44) Alguns chegaram a pensar em se afiliarem 4 organizacio 229 norte-americana dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) .(45) N&o tardou muito, entretanto, para que comecassem a ver na Revo- Ingo Soviética um modelo mais promissor. Esta. tinha pelo menos a vantagem de ter sido bem sucedida, E dentro desse contexto que a criag&io do Partido Comunista deve ser entendida, (4) Ao invés de ser um reflexo da Revolugao Russa, um mero produto de importagio, uma experiéncia alheia & realidade nacional, um gesto de mimica social, como as vezes tem sido descrita, a criacdo do Partido Comunista Brasileiro deve ser vista como o resul- tado das lutas e derrotes do proletariado durante as duas primeiras décadas do século XX. Néo fol por acaso que Astrojildo Pereira e outros fundadores do Partido Comunista foram inicialmente militan- tes anarquistas. Bles tinham aprendido com seus proprios erros, ‘Uma ves organizado, o Partido Comunista procurou afiliarse a Terceira intenaclonal. Foi acelto em 1924. No seu segundo congresso, em 1926, o partido decidiu participar da campanha eleitoral, apoiando as reivindicagdes que os trabalhadores vinham fazendo ha mais de uma década. Em 1927 0 Partido gozou de um curto periodo de legali- dade (de janeiro a agosto). Segundo a linha adotada pela Terceira Internacional, o Partido deu seu apoio a criagio de uma Frente Po- pular. Um ano mais tarde o Bloco Operrio e Campones (BOC) fol organizado. Incluia em sua plataforma a luta por oito horas de tra~ balho diério, quarenta e oito horas semanais, salério minimo, protecio as mulheres e proibi¢io do trabalho aos menores de quatorze anos. Os comunistas também Iutaram pela criagio de uma Confederacio Geral de Trabalhadores (CGT) para coordenar a luta dos operarios, Em 1928 o Partido registrava 1.200 membros. Um novo interlocutor tinha aparecido na cena politica. A historia dos trabalhadores du- ante o periodo Vargas nao pode ser eserita sem referéncia aos comu- nistas. Esta, no entanto é uma outra historia, Hall e Pinheiro param em 1930. Carone vai mais longe, mas a grande maloria de seus do- cumentos refere-se ao periodo anterior. Das paginas dessas duas colegdes de documentos surge uma ima- gem do movimento operdrio na Primeira Republica um. tanto diversa daquela que tratamos inicialmente. (7) Os empresdrios ganharam uma. nova dimensao. Eles parecer melhor organizados e mais sofisticados nos seus métodos repressivos, Suas relages com os trabalhadores e com 0 Estado aparecem sob uma nova luz, e eles estéo mais aptos do que antes a desempenharem seu papel no Estado corporativista. que sera criada depois de 1930, Por sua vez, os trabalhadores também esto mudados, Onde os imigrantes eram a tinica presenga vemos agora brasileiros, muitos dos quais negros e mulafos. As mulheres também foram acrescentadas ao quadro, do qual estiveram ausentes tanto tempo. © apatico trabalhador rural do esbogo original foi substituido por um mais dinmico e experiente, o qual antes de migrar para a cidade esteye envyolvido em greves nas plantagées de café do sul do pais ou nos engenhos de cana do nordeste, (48) Esta portanto pronto 230 para desempenhar um papel mais atuante no movimento operario. Os ‘anarquistas, por sua vey, nfo figurem mais como um grupo monolitico. Ha entre eles varias faccdes distintas. Os comunistas, os sindicalistas, os catélicos e os socialistas aparecem ao seu lado. No quadro, a lide- Tanga néo ocupa mais o centro. Ai estio os trabalhadores. Caberd as novas geragées incorporé-los definitivamente 4 histéria. * Livre-docente USP e Professor Assoclada da Universidade de Yale. ‘** Conferéncia. realizada no Dep. Histéria — FFLCH-USP, maio, 1982. ‘NOTAS pitel ig Eagert Catone, Movimento operitio no Brasil (1877-1944). (Sio Paulo, el, 1979). (2) Paulo Sérgio Pinheiro ¢ Michael M. Hall, A classe operiria no Brasil, 1889-1930, Documentos, (2 vols.). Vol. 1 — 0 Movimento operario — Sao Faulo, {Alfa Omega, 1979), Volume 2 — Condieées de vida e de trabalho, relagses com 3 empresarios ¢ 0 Estado, (Sio Paulo, Brasiliense, 1981). (3) Albertine Rodrigues, Sindieato'e desenvolvimento no Brasil, (S40 Pau- Jo, 1968); Aziz Simo, Sadieato € Estado, (SSo Paulo, 1968); Leoncio Rodrigues, Conilito industrial ¢ sindicalismo no Brasil, (Sio Paulo, 1966); Suter Brandao Lopes, Crise do Brasil arcaico (S40 Paulo, 1967) e Socledade industrial na Brasil (Sho Paulo, 1964); Edgar Rodrigues, Sindicalismo e soeialismo ‘no Brasil 1675- 1918, (Rio de Janeiro, 1969); Mauricio Vinhas, Estudos sobre o proletariado brasileiro (Rio de Janeiro, 1970); Timothy Harding, A Political History of the Organized Labor Movement in Brazil. Ph. D. Dissertation, Stanford University, 2973; Kenneth Paul Erickson, The Brasilian Corporate’ State and Working. ‘Class Polities (Berkeley, 1977); Sheldom Maram, Anarchists, immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920 (Ph. D. Dissertation, University. of ‘California, Santa Barbars, 1973). (O livro de Kenneth Paul Erickson fol. tra- duzido para o portugués sob 0 titulo: Sindiealismo no processo politico no Brasil (Sio Paulo, Brasiliense, 1979). Sheldom Maram fol tambem traduzido e pu- Dileado sob o titulo Anarquistas, imigrantes ¢ 0 movimento operario brasileiro, 1890-1920, (R.J., Paz ¢ Terra, 1979) - (4) Veja-se Boris Fausto, Trabalho urbano ¢ conflito social 1890-1920, (S30 Panlo, 1970; ‘Sheldon Maram, op. cit, ¢ John W.P. Dulles, Anarchists and ‘communists in Brazil 1900-1935, traduzido para o portagués sob o titulo: Anar- ‘quistas ¢ Comunistas no Brasil 1990-1935, (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977). <5) Jover Telles, Movimento sindical mo Brasil, (S80 Paulo, 1981); ve- rardo Dias, Histéria das intas soelais no Brasil, (3. ed. a0 Paulo, 1977); Ragara Carone, A Republiea Velhe (1890-1920) Instituicoes © Classes’ Socials, 438 ed, Sao Paulo, 1972); Antonio Mendes Jr, e Ricardo Maranbéo, Brasil Historia, Texto ¢ Consulta, Repiiblica Velha, (Sao Paulo, 1979). (8) " Boris Fausto, op. elt,; Leoncio Martins Rodrigues, Trabathadores, sin- dicates © industrializac&o, (B40 Paulo, 1974). Para wma opinifio diversa veja-se a obra de Sheldon Maram Ja citada. - (1) Edgard Carone, A Repablica Nova, 1980-1937, (3,° ed., So Paulo, 1977). (8) Boris Fausto, 'A Revolueso de 1930. Historiografia e Historia, (Sic Paulo, 1970). (8) "Paulo Sergio Pinhelro ¢ Michael M. Hall, op. eit,, vol. 1, p. 109, 110) “Idem, p. 307. 231 (42) Idem, vol. (42) Idem, vol. 3 (18) Idem, vol. 2, (14) Idem, vol. 2, (15) Idem, vol. 2, 4-325, 6) Michael Hall e Paulo Sergio Pinheiro — Immigrazione ¢ movimento operaio in Brasile un interpretazione. In: Jose Luls Del Rolo, ed, Lavoratori im Brasile, Immigrazione e Industrializzazione nello Stato di Sa0 Paulo, (Mi- Jano, 1981). Veja-se também Edgar Salvador De Decca, Dimensées histérieas do insucesso politico. Tese de doutoramento USP, 1979, publicado sob o titulo: © siléncio dos vencidos, (Séo Paulo, 1981). QD, Pinheiro e Hall, vol. IL, pg. 208. Para um valioso cxemplo das relagées “paternalistas” adotadas na empresa ver o admirdvel estuda de José de Souza ‘Martins, Conde Matarazo, o empresirio ¢ 2 empresa, (Sio Paulo, 1976). 8) Magnifico exemplo da retérica patronal é 0 discurso feito a 1 de majo de 1920 na Vila Operatia da firma Pereira Carneiro e Cia. em presenca do Ministro da Viacao e do prefeito de Niteréi e dos operarios da empresa, transcrito as pgs. 187-194, V. 2 da obra de Pinheiro e Hall. (19) Pare uma andlise da maneira pela qual a imprensa reagia As greves operarias yeja-se Barbara Weinstein — “Impressées da elite sobre 08 movi- mentos da classe operdria, A cobertura da greve om O Estado de Sao Paulo’ 3902-1907". In: Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado, O bravo matutino, imprensa ¢ ideologia: o jornal 0 Estado de Sao Paulo, (Sio Paulo, 1980), 135- 176. Para uma visao oposta, isto é, para o ponto de vista da imprensa operdrla, veja-se Maria Navareth Ferreira, A imprensa operaria no Brasil, 1280-1920, (Petropolis, 1978), 20-Pinhetro e Holl, vol, 2, pgs, 325-826. (21) Idem, pg, 327-328, (22) Sobre a legisiacao social nesse periado veja-se Angela Maria de Cas- tro Gomes, Burguesia e trabalho, Politica e legistaeao social no Brasil. 1917- 1937, (Rio de Janeiro, 1979). Para o estudo da ideologia dos empresarios veja-se ainda Marisa Saens Leme, A ideologia dos industriais brasileiros 1919-1945, (Petropolis, 1978) e Luiz Werneck Vinnna, Liberalismo e Sindicato no Brasil, (Rio de Janeiro, 1976), 23) Pinheiro e Hall, vol. 2, pg. 233. (2) Idem, vol. 2, pg. 285-237. (25) Veja-se ainda os argumentos dos industrials de calcados contra alguns regulamentos de. Departamento Nacional de Satide Piblica relativas ao tra- halho de menores e mulheres, Pinhelro e Hall, v. 2, pg. 209-210. (28) Pinheiro e Hall, vol. 2, pg. 226. (27) Observe-se a lista dos individuos que apresentaram suas credenciais como representantes dos seus respectivos centros, ligas e unides 20 Primeiro Congresso Operario, realizado em 1906, do qual salu a COB (Confederacio Operaria Brasileira). Paulo Sergio Pinhelro e Michael M. Hall, vol. 1, pg. 44-45. (28) ‘Um dos poucos a dar amplo desenvolvimento aa estudo de grupos néo anarquistas ¢ John W.F. Dulles em sua obra anteriormente citada Anarquistas comunistas no Brasil. (29) Exemplificador dessa posiedo é Florestan Fernandes, A integracio do negro na sociednde de classes, (2* ed., 2 yols., S40 Paulo, 1965). (80) Sheldon Maram, op. off., pg. 30-31. (31), Pinhelro ¢ Hall, vol. 1, pg. $10, Carta de Jules Drex & sua mulher, datada de 2 de maio de 1929. (32) Pinheiro ¢ Hall, vol, 2, pg, 61, Relatério do Chefe Wa segio de infor- macoes do Departamento Estadual do Trabalho do Geverno de Si0 Paulo ao @iretor do departamento sobre trinta. e uma fAbrieas de tecidos da capital do Estado, uma em Santos e outra em Sio Bernardo). (33) Sheldon Maram, Labor and the Left in Brasil, 1890-1924 a movement aborted, Hispanic American Historical Review, 57(2): 254-272, may 1977. 201, 38

Das könnte Ihnen auch gefallen