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Metaphysica generalis em Aristoteles?1

1. O problema
Vimos que a tripartição do conhecimento teorético corresponde a uma tripartição do
ser em realidades de tipo físico, em realidades de tipo matemático (alma, alma do mundo)
e em realidades de tipo teológico. Neste contexto, a matemática é o estudo das realidades
separadas e vem considerada como tal desde o primeiro Aristóteles. O que é verdadeiro
para a matemática deve ser a fortiori verdadeiro também para a filosofia primeira.
Devemos esperar que os seus objetos sejam separados de modo ainda mais profundo com
respeito a quanto o são os entes matemáticos. De fato, a filosofia primeira é frequentemente
designada por Aristóteles como teologia. Quem poderia duvidar que os objetos da teologia
são separados?
Entretanto, Aristóteles mudara sua opinião sobre o status dos entes matemáticos (e
portanto, implicitamente mais que explicitamente, com respeito à ciência matemática). Se
verifica em Aristóteles uma mudança similar no que tange aos objetos da teologia e da
teologia (a filosofia primeira)?2
O presente capítulo será dedicado a um exame desse problema. Esse exame se
reconduzirá, ao mesmo tempo, ao problema que emergira no capítulo III do presente livro,
mas que permanecera irresolvido. Naquele capítulo vimos como São Tomás, quando
interpretava a tripartição do ser e do conhecimento em Boécio, era conduzido a efetuar o
equivalente a uma clara distinção entre metaphysica generalis e metaphysica specialis. São
Tomás, juntamente com o último Aristóteles, rejeitara a teoria da existência separada dos
entes matemáticos: estes são apenas objetos de abstração. Não obstante, se a filosofia
primeira foi posta acima da matemática, a hipótese mais conveniente era a de que também
os seus objetos fossem [161] somente objetos de abstração. Uma tal interpretação da
filosofia primeira teria que resolver-se em uma concepção da metafísica como metafísica

1
Segundo R. Eisler, Wörterbuch der Philosophischen Begriffe (19284), pelos termos metaphysica generalis
e metaphysica specialis, em conjunto com a sua definição precisa, somos devedores de Micraelius, um autor
de resto pouco conhecido na história da filosofia (sobre Micraelius veja-se, Allg. Deutsche Biographie). Esses
termos, de fato, são apropriados e serão usados para indicar a diferença entre a metafísica como conhecimento
da realidade transcendente (Deus, a alma incorpórea, os anjos) e a metafísica como ciência do ser no sentido
disso que é comum a tudo o que é (como disse com especial clareza Pedro da Fonseca: o objeto da metafísica
é o ente enquanto é comum a Deus e às criaturas (ens quaternus est commune Deo et creaturis), Commentarii
in libros Metaphysicorum, 2 voll. [Lyon 1591], vol. I, p. 490-504).
2
W. Jaeger respondera a esta pergunta em sentido afirmativo (Aristoteles, 19552, p. 200-236). De acordo
com Jaeger, o conceito de metafísica sofreu a seguinte evolução: na sua primeira fase (platônica), para
Aristóteles, a metafísica se identificava com a teologia. Na sua segunda fase (semi-platônica), a mesma
assumira para Aristóteles um significado similar à lógica metafísica (ou dialética); a definição da metafísica
como ciência do ser enquanto ser pertence, a este segundo período. Na sua terceira fase, Aristóteles
pretendera interpretar a metafísica como se fosse fundada sobre, ou como se compreendesse, a física. Essa
linha evolutiva conclui assim com um total naturalismo, que tem Straton como seu representante.
generalis. Em outros termos, uma vez eliminado o status dos entes matemáticos como
separados, a filosofia primeira, quando se referisse a esta no contexto de uma tripartição
do conhecimento, parece designar a metahysica generalis. Até que ponto é justificada uma
tal interpretação?
Esse mesmo problema pode ser também enunciado de modo mais conciso. Ora
Aristóteles se refere à filosofia primeira considerando-a como teologia; ora se refere à
mesma considerando-a como ciência do ser enquanto ser. O primeiro referimento parece
conduzir a uma metafísica specialis; o segundo a uma metaphysica generalis. Qual é a
relação entre os dois?

2. Análise de <<Metafísica>> Γ: a expressão <<ser enquanto ser>> resulta equivalente


à expressão <<suprema esfera do ser>>
Os livros Γ e Ε da Metafísica parecem ter em comum uma grande dificuldade. De
um lado, ambos falam de parte do ser e afirmam que alguns ramos do conhecimento
consideram tais partes. A sapiência (teologia) considera a parte suprassensível do ser (isto
é, a esfera suprema do suprassensível, se de tal esfera não existe mais de uma). De outro
lado, a diferença desses braços parciais do conhecimento, assim lemos nesses dois livros,
há um outro ramo que considera o ser enquanto ser, sem reportar-se às diversas esferas do
ser. Também este tipo de conhecimento parece ser designado por Aristóteles como
sapiência.
Parece estarmos assistindo ao nascimento da metaphysica generalis como distinta da
metaphysica specialis.
Esse nascimento parece ser acompanhado de fortíssimas dores.
Portanto, em Γ 1 Aristóteles anuncia primeiramente que é sua intenção falar do ser
enquanto ser (1003 a 21-26) e explica que o termo <<ser>> não é equivoco (2, 1003 a 33
– 1003 b 16). Essa explicação consiste em dizer que, em última instância, tudo o que é, é
em referimento às substâncias (ουσίαι). O <<ser enquanto ser>> vem contraposto a <<uma
certa parte delimitada do ser>>. Todos os outros ramos do conhecimento considerando
este último; somente a sapiência (metafísica) considera o ser enquanto serde modo
universal. O desenvolvimento do pensamento, que era iniciado deste modo, termina com a
seguinte frase: se o que é, é originariamente uma substância (ουσία), o filósofo deve
conhecer os princípios e a causa das ουσίαι (2, 1003 b 17-19).
Essa frase conecta-se a Γ 1, 1003 a 26-32. A concatenação da ideia pode ser
apresentada na seguinte maneira. A metafísica é a ciência do ser enquanto ser ou, como
também se pode dizer, dos elementos, dos princípios e das causas do ser enquanto ser. O
<<ser>> se refere de [162] modo último às ουσίαι; portanto, a metafísica é a investigação
dos elementos, dos princípios e das causas das ουσίαι. Isso corresponde à seção de abertura
de Metafísica, Λ 1, 1069 a 18-19: o objeto da nossa indagação é a ουσία, enquanto as causas
e os princípios que tentamos averiguar são aqueles das ουσίαι. Essa frase, por sua vez,
conecta-se a Metafísica, Α 1, 981 a 28, na qual a metafísica é distinguida das espécies
subordinadas de conhecimento enquanto é conhecimento das causas; a Metafísica, Α 1,
981 a 28-29, em que a metafísica é distinguida dos outros ramos do conhecimento que
consideram as causas enquanto é conhecimento das causas e dos princípios originários
(primeiros), (cf. 982 a 2; Α 2, 982 a 5; 982 b 9-10); e a Metafísica, Α 2, 983 a 8-10, que
desenvolve o caráter <<divino>> da metafísica como ciência das causas primeiras
lembrando que a divindade é sempre tomada como uma causa e um princípio originário
(primeiro) (e, o que, além do presente contexto, se é sempre considerado que essa conhece
as causas primeiras).
É bem claro o modo como Aristóteles examina a história da filosofia à luz do
pressuposto que todos os filósofos buscaram descobrir os princípios supremos de todas as
coisas (metafísica, Α 3, 983 b 3-4; o termo <<tudo>> aparece, por exemplo, em 983 b 8;
Α 5, 985 b 26).
Portanto, Aristóteles afirma que a investigação do ser enquanto ser é essencialmente
idêntica à investigação dos elementos, dos princípios e das causas de tudo o que é, e tudo
o que é, é em última instância ουσία (ou ουσίαι).
O singular (ουσία) e o plural (ουσίαι) se alternam. Ora, que coisa significa o plural
ουσίαι? Obviamente pode significar uma destas duas coisas: ou uma pluralidade de ουσίαι,
isto é, de realidades individuais que se encontram sobre o mesmo plano existencial ou
diferentes espécies de ser. É evidente que Aristóteles não indica com ουσίαι diversas
realidades individuais (Sócrates, uma planta, uma pedra), mas, ao invés disso, diversas
espécies de ουσία. Se é quase tentado a explicar esse fato dizendo que, se bem todas as
ουσίαι como realidades individuais têm em comum o fato que somente em relação a elas
pode ser plena e propriamente aplicado o verbo “ser”, não obstante “ser” não significa
precisamente a mesma coisa nas diversas espécies (ordens) de ουσίαι. “Ser” no caso de
uma ουσία incorruptível, a qual pode ser um ente matemático, não é de fato a mesma coisa
que “ser” no caso de uma ουσία que seja incorruptível no modo em que supunha que fossem
incorruptíveis as Ideias de Platão.
Esse tipo de diferença entre os diversos significados do [163] termo “ser” é
naturalmente diverso da diferença entre os diversos significados de “ser” quando aplicado
às ουσίαι (individuais) de um lado e, de outro, às suas propriedades e relações (nenhuma
das quais existe em sentido pleno e autêntico).
Pode-se portanto dizer: em Metafísica, Γ, o objeto da metafísica vem apresentado
desde o início ou com a definição de ser enquanto ser, ou com aquela de ουσία, ou com
aquela de princípio, de cause, e de elementos da ουσία, e o uso do termo ουσία supõe desde
o início que há diversas espécies de ουσία, uma só das quais será o objeto da metafísica.
Para Aristóteles, nunca vem à mente que o termo ser enquanto ser se refere a todos os seres,
à diferença ουσία, que, sendo sempre uma ουσία particular, designaria somente uma parte
de todos os seres. “Ser enquanto ser” e “uma espécie de ουσία” não são termos que se
excluem de modo recíproco.

3. A metafísica como investigação dos contrários dos quais é constituída, em sentido


primário, a suprema esfera do ser e, em sentido derivado, toda outra realidade
Aristóteles procede demonstrando que <<ser>> e <<uno>> são essencialmente uma
única e mesma coisa. Portanto é tarefa de um único e mesmo ramo do conhecimento estudar
coisas como a identidade, a semelhança etc., as quais são todos espécies do uno ou do ser.
E, diz Aristóteles, todos os contrários (εναντια) podem ser reduzidos a este princípio
(Metafísica, 1003 b 34 – 1004 a 1)
A introdução do termo <<contrário>> ocorre de maneira surpreendente. Mas,
evidentemente, Aristóteles presume que o braço do conhecimento que estuda as diferentes
espécies de ser enquanto ser (ou do uno) deva estudar também os seus contrários. Ainda,
parece que seja implícito (embora não venha expresso claramente neste ponto) que estes
contrários são, por exemplo, ser e não-ser, uno e não-uno (muitos), identidade e
diversidade, semelhança e dessemelhança etc.
Em suma, Aristóteles afirma: tudo isso que é, é de modo último redutível a contrários;
todos os contrários são em última instância reconduzíveis à oposição: ser – não-ser (ou
Uno e muitos).
Isso é surpreendente. Essa não é propriamente a doutrina acadêmica e/ou pitagórica?
Aristóteles introduz imediatamente a distinção entre três ramos da filosofia, como se
tivesse esquecido que o seu propósito era aquele de tratar da metaphysica generalis, que
prescinde da diferença entre os seres e se concentra no que é comum a todos os seres (1004
a 2-9).
[164]
Mas ele deixa de lado essa distinção para retomar a discussão do argumento em
questão – de qual? Devemos supor que seja o do estudo do ser enquanto ser. Mas o que
lemos? Uma demonstração segundo a qual pertence a um único ramo do conhecimento (=
a filosofia) o estudo dos contrários (αντικείμενα): o uno e o múltiplo, o idêntico e o diverso,
o semelhante e o dessemelhante, o igual e o desigual. Aristóteles esclarece que a negação
(o não-uno) pode ser lógica ou real (απόφασις ou στέρησις). Do mesmo modo, esclarece
que todos esses pares de contrários se reconduzem em última instância à antítese Uno-
múltiplo (1004 a 9-21).

[168]

5. Análise de <<Metafísica>> Ε 1, em que é novamente suposta a equivalência das


expressões “ser enquanto ser” e “suprema esfera do ser”
O que dizer de Metafísica, Ε 1?
As causas e os princípios, no conhecimento dos quais consistiria a sapiência
(Metafísica, A 2, 982 b 8-10), devem ser as causas e os princípios do ser enquanto ser, isto
é, não devem ser os princípios de um gênero particular de ser. Esta é a razão pela qual nem
a física nem a matemática são sapiência, embora ambas sejam parte do conhecimento
especulativo. A física considera somente o que é mutável e não é separável da matéria. O
status da matemática não é de todo claro. Somente a teologia, que considera o que é imóvel
e separado da matéria, pode pretender ser a verdadeira sapiência (1025 b 3 – 1026 a 23).
Um desenvolvimento desconcertante. Ele inicia com o conceito de ser enquanto ser
e termina com o conceito de teologia. Qual é o objeto da sapiência?
Como que para aumentar a confusão, Aristóteles prossegue mediante a posição
seguinte problema: a teologia concerne apenas a um gênero particular do ser ou tange
alguma coisa de universal? Além de tudo, há um problema similar no concernente à
matemática: os ramos singulares da matemática (geometria, astronomia) dizem respeito a
gêneros particulares dos entes matemáticos, mas é também uma disciplina geral que é
comum a todos os entes matemáticos. O que dizer, portanto, da teologia?
Há, responde Aristóteles, uma esfera do ser imutável além e acima do ser mutável; a
teologia considera esta esfera do ser imutável e, portanto [ou: neste sentido do termo, ou:
por esta mesma razão], a teologia é [ou considera o que é] universal. Essa mesma teologia
trata também do ser enquanto ser (1026 a 23-32).
Aqui a confusão parece chegar ao seu grau mais elevado. A sapiência. Assim somos
levados a pensar, não deve ter como seu objeto um gênero particular de ser; ela deve
concernir ao que simplesmente é considerado no seu ser. Esta é claramente a metaphysica
generalis. De que modo, portanto, Aristóteles pode afirmar que a teologia é a sapiência,
enquanto define a teologia por intermédio de seu objeto, que é somente um [169] gênero
particular de ser? Como podemos afirmar que a teologia é universal enquanto concerne à
esfera suprema do ser? Se assumimos o termo <<universal>> neste sentido, como é
possível dizer que a teologia diz respeito ao ser enquanto ser? Qual é a diferença entre a
<<universalidade>> da teologia no primeiro e no segundo sentido da palavra? A metafísica
ou é generalis ou é specialis; se a metafísica é generalis, ou o é porque, por alguma razão
inescrutável, o gênero particular de ser atribuído à teologia é descrito como universal, ou
porque ela considera o ser enquanto ser, mas ver todos estes <<ou-ou>> substituídos pelo
<<e-e>> é muito desconcertante.

6. Solução da aparente contradição na definição de metafísica: o caráter acadêmico e


neoplatônico do conceito de ser enquanto ser
Omitimos o restante do Livro Ε; ele não tem nenhuma relação com a questão do
objeto da metafísica.
De que modo, portanto, podemos sair de toda esta confusão?
É muito simples. O Aristóteles que escrevera os livros Γ e Ε 1 da Metafisica, no período
em que os escrevera, não era consciente do fato que o ser enquanto ser de que ele falava
poderia ser interpretado como abstrato ou como formal; ele não era consciente do fato de
que estava dando azo a uma metaphyísica genertalis como distinta da metaphysica
specialis3. Não se pode negar que pode ser legítimo interpretar Aristóteles deste modo, se
com legítimo entendemos o que é logicamente implícito ou que é implícito em outros
passos que tratam do conceito de ser; mas se pode afirmar que Aristóteles não era
3
Provavelmente jamais tornou-se consciente: cf. E. v. Ivánka, Die Behandlung der Metaphysik in Jaegers
Aristoteles, in Scholastik, 7 (1932), p. 1-29; Ivánka cita Metafísica, Ζ 1, 1028 b 13-15; 11, 1037 a 10-16; 17,
1041 a 6-9. Todos estes passos são considerados por Jaeger como muito mais tardios que os livros Γ, Ε, Κ, e
não obstante eles descrevem toda a metafísica como conhecimento do suprassensível, ou seja, próprio de uma
única esfera do ser.
consciente. Ao contrário, ele considera o ser enquanto ser como um elemento, como
alguma coisa de continuamente presente em tudo que é. Isso equivale a dizer que os livros
Γ e Ε 1 da Metafisica foram escritos na tradição acadêmica.
Segundo essa tradição há diversas esferas do ser; há pelo menos uma esfera além e
acima da esfera do ser sensível. Há alguns encadeamentos entre estas esferas, de modo que
a esfera superior pode ser definida <<causa>> (em um certo sentido) da esfera inferior;
além disso, a esfera suprema é <<composta de>> (ou <<derivada de>>) dois elementos
contrários que podem ser convenientemente chamados Uno e múltiplo, com o explícito
acordo que esses não são <<abstracta>> ou meros predicados (diversamente de como são
considerados em Metafísica, Ι 2, 1053 b 11 [cf. [170] Ν 1, 1087 b 33 – 1088 a 14]; 1054 a
9 – 194). Do momento que a esfera superior é a <<causa>> da esfera inferior, os elementos
da superior devem ser de algum modo presentes também na inferior (nas esferas inferiores,
se houver muitas). Neste sentido, os elementos de todos os seres são uma cópia de
contrários, o ser e o não-ser, o Uno e o múltiplo.
Ora, é evidente que estes elementos são presentes de modo muito mais claro na esfera
superior que na esfera inferior. Se, portanto, a sapiência é o estudo dos princípios supremos
e dos elementos, se é filósofo estudando a esfera suprema do ser em conjunto com os seus
elementos, o Um e o múltiplo. Em outros termos, estudando o ser e o não-ser, o Um e o
múltiplo como elementos não os estudamos como <<abstracta>>. Ao contrário, todas as
vezes que falamos do ser e do não-ser, ou do Uno e dos muitos, permanecemos dentro do
âmbito da esfera suprema do ser. A <<teologia>>, a <<metafísica>>, a <<sapiência>>, são
portanto o estudo seja da suprema esfera do ser, seja dos elementos. Aqui não pode haver
nenhuma diferença entre uma metaphysica generalis e uma metaphysica specialis,
enquanto nem o ser, nem o não-ser, nem o Uno, nem o múltiplo são considerados como
<<abstracta>>.
O caráter do ser e do Uno como um elemento pode ser descrito sublinhando que isso
que nós entendemos é o ser enquanto ser e o Uno enquanto Uno, ou seja, não entendemos
o ser e o Uno como um adjetivo ou como uma qualidade que inera a outra coisa ou como
um predicado. É evidente que, no interior do sistema acadêmico, o Uno é entendido como
uma realidade antes que como uma qualidade (embora se possa talvez discutir se ele pode
ainda existir fora da realidade à qual confere unidade). Portanto, estudar o ser enquanto ser
é uma tarefa legítima da teologia.
É propriamente este o motivo pelo qual os livros Γ e Ε 1 da Metafisica se adequam
ao modelo da reflexão acadêmica. Se todo ser é uno, é <<uno>> e ser (quodcumque ens est
unum), a diferença entre uma pesquisa voltada ao ser enquanto ser e uma investigação
voltada ao uno enquanto uno é em realidade muito tênue. As duas pesquisas constituem
em última instância os ramos de um único e mesmo problema. O que é que confere o ser a
uma coisa, ou seja, o que é que torna essa coisa <<coisa>> ou uma coisa? Quando
perguntamos: <<O que é que confere o ser a uma coisa?>>, não queremos dizer: que é que
torna uma coisa vermelha ou verde, [171] pesada ou leve. Entendemos propriamente: o que
é que a torna um ser, não um cavalo ou uma mesa. Nos livros Γ e Ε 1 da Metafisica,
Aristóteles fala propriamente desse gênero de ser, do ser como um elemento equivalente
ao Uno.
Com essa explicação desaparece quase toda a dificuldade dos livros Γ e Ε 1. Além
disso, agora podemos compreender perfeitamente porque no exame do ser enquanto ser
encontramos referências às diversas esferas do ser. Aristóteles afirma que isso que se pode

4
Este passo fala explicitamente apenas do ser e do Uno, mas implicitamente também de seus contrários.
dizer do ser enquanto ser é que todo ser (qua talis) é idêntico a si mesmo, e é somente um
outro aspecto desta autoidentidade que vem expressa no princípio de não-contradição. Ora,
Aristóteles busca descobrir porque alguns filósofos negaram implícita ou explicitamente
esse princípio. Um dos motivos alegados por Aristóteles é que eles observaram que toda
coisa em torno deles muda, de que que resultava difícil aos mesmos atingir o conceito de
autoidentidade ou de estabilidade. O princípio de não-contradição em Aristóteles é um
corolário da doutrina acadêmica segundo a qual as coisas sensíveis não permanentemente
em devir, de modo que elas não existem no pleno sentido do termo <<existir>>.
Ora, algumas afirmações de que o princípio de não-contradição é aplicável (ou
rastreável) em uma esfera do ser mais que em uma outra parece uma mera absurdidade. De
fato o é, no caso em que o ser é considerado como um abstractum e o princípio de não-
contradição como uma regra de lógica formal. Não é uma absurdidade, porém, se o ser é
considerado como um elemento e o princípio de não contradição como um princípio ôntico.
Ao contrário, resulta imediatamente evidente que o ser, como qualquer outro elemento,
pode resultar ofuscado em uma esfera e revelar-se claramente em uma outra. De modo
particular, é evidente para um platônico que as ideias e os números são mais ser que as
coisas sensíveis. Que coisa entendemos quando dizemos <<mais ser>>? Precisamente isto:
nas ideias e nos números o ser é mais potente, mais claro, mais puro. Se pode exprimir a
mesma coisa dizendo que ele é menos determinado, menos permeado de negações e, neste
sentido, mais universal. Além disso, propriamente esta afirmação – de que uma coisa pode
ser em um grau superior com respeito a uma outra – não tem nenhum sentido para um leitor
que interpreta o ser como uma categoria formal, como um abstractum, que pode ser
aplicado igualmente a, ou abstraído igualmente de todo outro [172] ser. Mas para um
platônico, se há diversos graus de ser, algumas coisas participam do ser de modo mais
pleno que outras. Portanto, o ser pode ser estudado melhor em uma coisa, menos bem em
outra. Este é precisamente o ponto de vista de Aristóteles nos livros Γ e Ε 1 da Metafisica.
Ora, é bem sabido que em muitos passos – para além dos livros Γ e Ε 1 da Metafisica
– Aristóteles criticara o conceito de ser como um elemento, reduzindo-o a um conceito
universal que pode ser aplicado igualmente a tudo o que existe. Se lemos os livros Γ e Ε 1
da Metafisica à luz de tais passos, podemos interpretá-los no sentido de que eles propõem
uma metaphysica generalis. Estudados em si mesmos, entretanto, eles não indicam que
Aristóteles os havia entendido neste sentido. Ao contrário. A introdução do problema, a
impressionante frase contida em Ε 1, segundo a qual a teologias diz respeito à ουσία imóvel
e ao ser enquanto ser, os referimentos a uma esfera suprassensível do ser como justificação
do princípio de não-contradição, tudo isso resulta perfeitamente claro e coerente apenas se
compreendemos que nos livros Γ e Ε 1 da Metafisica o ser não é um abstractum, mas um
elemento, símile a ou talvez idêntico com o Uno acadêmico (ou ainda platônico). Portanto,
é um único e mesmo ramo do conhecimento que estuda a suprema esfera do ser e o ser
enquanto ser.

7. Caráter acadêmico e neoplatônico da doutrina segundo a qual todos os seres são


reconduzíveis a dois princípios opostos
Uma outra coisa ainda resulta imediatamente clara. Relendo os livros Γ e Ε 1 da
Metafisica, descobrimos que, do princípio ao fim, vem considerada como válida e reposta
a teoria segundo a qual tudo deriva de dois princípios opostos. Isso é o que lemos em
Metafisica, Γ 2, 1003 b 36 – 1005 a 5, quando se repete que todos os seres podem ser
redutíveis (ανάγεται) ao ser e ao não-ser (1004 b 27-28) ou ao uno e aos muitos (33-34);
todos os seres são constituídos de contrários (29-30; 1005 a 3-5), ou seja, em última
instância, do uno e dos muitos. É aqui que Aristóteles se refere à sua tábua dos contrários,
sem nada que indique que nessa tábua venha criticada a doutrina dos dois princípios
opostos. Todo o passo ensina que a sapiência é a ciência dos contrários, e que todos os
contrários podem ser finalmente reconduzidos (mediante αναγωγή [redução]) à antítese
Uno-muitos, ou (considerando o fato que, sendo equivalentes o Uno e o ser, o devem ser
também os seus contrários) à antítese ser-não ser (1004 b 27-31). É realmente possível
negligenciar o fato que Aristóteles sustenta aqui a doutrina dos dois princípios opostos, tão
severamente criticada algures? Todas as coisas ou são contrárias ou consistem de
contrários, e o Uno e os muitos são os [173] princípios dos [de todos os] contrários (1005
a 3-5); isso é o que Aristóteles diz aqui, não se referindo a doutrinas de outros, mas como
sua própria convicção pessoal. É propriamente essa mesma convicção que, em Metafisica,
Λ 10, 1075 a 28-29), ele responde com frieza: <<todos os filósofos afirmam que as coisas
se geram de contrários. Mas nem a afirmação “todas as coisas”, nem a outra “de contrários”
são exatas>>. Como é possível negligenciar esta enorme diferença presente na postura de
Aristóteles?
Mas ainda uma outra coisa não deve ser negligenciada. No Livro Γ, o fato que
<<ser>> e <<Uno>> tem muitos e diversos significados não impede a Aristóteles afirmar
que devem ser elementos comuns a todos os seres, enquanto em outros lugares 5 esse mesmo
fato torna-se um argumento para demonstrar que é absurdo tentar encontrar os elementos
comuns a todos os seres; de fato, como pode um elemento qualquer ser comum a uma coisa
que é uma qualidade e a outra coisa outra que é uma quantidade?

8. Clarificação ulterior da fórmula que descreve a metafísica como <<καθόλου ότι


πρώτη>>
Agora podemos também examinar o significado de καθόλου, tal como usado nos
livros Γ e Ε 1 da Metafisica. O καθόλου não é o abstrato (o geral, o universal); ele é o que,
enquanto concreto, é comum a todos os casos particulares. Se todos os homens têm cabelos,
essa qualidade é um καθόλου. Do momento em que o ser, considerado como um elemento,
é presente em toda parte, ele é um καθόλου. O καθόλου é um dos dois constituintes
fundamentais da esfera suprema do ser (com o não ser como o outro elemento). Essa esfera
suprema do ser <<causa>. De algum modo todas as outras esferas. Portanto, o verdadeiro
filósofo, isto é, o único que se ocupa da filosofia primeira – que é a única que concerne à
primeira (suprema) esfera do ser – trata dos elementos desta esfera suprema e portanto do
ser. Implicitamente, portanto, ele trata do ser enquanto este é presente em toda parte. Neste
sentido, a seguinte tese é perfeitamente coerente: <<a filosofia primeira concerne à esfera
suprema do ser e é um conhecimento universal, enquanto os elementos dessa esfera
suprema, ser (e não-ser), são comuns a todas [esse o significado de καθόλου] as esferas do
ser e portanto a todos os seres>>. Supomos que toda coisa seja em última instância
constituída de hidrogênio e de oxigênio, ou seja, de água; neste caso, o estudo da água
implicaria o estudo do hidrogênio e do oxigênio e portanto seria um [174] estudo do
hidrogênio e do oxigênio em geral ou destes dois elementos enquanto comuns a todas as
coisas. A ciência da água seria a ciência primeira e portanto uma ciência universal. Se,
todavia, o <<primeiro>> produto do oxigênio e do hidrogênio fosse o gás oxídrico, a
ciência que diz respeito ao gás oxídrico seria a ciência primeira e por conseguinte mais
universal, tangeria assim aos dois elementos acima mencionados como tais. Essa

5
Por exemplo, Metafisica, Α 9, 992 b 19; Ν 2, 1089 a 7; De anima, I 5, 410 a 13. Se deveria talvez acenar
ao fato que, segundo Metafisica, Γ 2, a diferença entre προς εν e καθ' εν é irrelevante para o problema em
questão, que é aquele da redutibilidade de todos os contrários a um único par principal.
comparação não faz mais que <<traduzir>> a afirmação de Aristóteles: se a esfera do
sensível fosse a única esfera do ser, a física seria a <<sapiência primeira>> e concerniria
ao ser enquanto ser, uma vez que <<ser>> significaria <<ser uma realidade física>>. Mas
uma vez que há uma esfera do ser acima da esfera do sensível, é a filosofia <<primeira>>
que estuda o <<universal>> e [portanto] a primeira esfera do ser. Já aqui (Γ 3, 1005 a 33)
o καθόλου e a ουσία primeira se apresentam tranquilamente sob o mesmo plano,
preparando-se à afirmação: enquanto primeira será universal (Ε 1, 1026 a 30-31). Na esfera
suprema, o ser se apresenta como um καθόλου. Em todas as outras esferas [o ser] se
apresenta como um ser determinado. A passagem do ser determinado ao ser enquanto ser
não ocorre mediante o que definimos como um processo de abstração, a saber, de
formalização e/ou de generalização, que prescinde do que existe de modo pleno e real, do
individual, do concreto, do particular, e se dirige para o geral (universal), que existe apenas
(ou quase somente) nos nossos pensamentos. Além disso, essa passagem efetua-se
omitindo alguns caracteres concretos, isto é, determinados, e mantendo o ser na sua forma
pura, separada (unalloyed) mas não obstante concreta e não abstrata.
Afinal, os passos acima considerados não são os únicos nos quais o καθόλου não
pode ser considerado no significado de <<universal>>, de <<geral>> etc. Talvez o passo
mais conhecido, que não seria o caso de uma tal tradução seja aquele da Física, I 1 (cf. H.
Cassirer, Aristoteles’ Schrift <<Von der seele>> [1932], pp. 14-24; W. d. Ross, Aristotle’s
Physics [1936], comentário, ad. loc.). É obvio que o termo καθόλου possui em Aristóteles
mais de um significado, e é muito importante observar que nem sempre ele significa
<<universal>> ou <<geral>>, se esse termo vem considerado no sentido de <<mais
abstrato>>, de <<mais vazio porquanto concerne o conteúdo, e portanto o mais
compreensivo>> etc.6
[175]

Conclusão

[229]
Neste contexto torna-se possível uma reinterpretação do significado do objeto da
metafísica em Aristóteles. Essa nova interpretação parece necessária, uma vez que a
interpretação usual da metafísica como conhecimento do ser enquanto ser em da suprema
esfera do ser parece conter numa contradição fundamental. O ser enquanto ser designa,
segundo a interpretação usual, o conceito mais geral e o mais vazio. O <<ser>> é o que é

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Para uma análise do conceito de καθόλου, veja-se sobretudo: D. Badareu, L’Individuel chez Arisitote, n.d.
[1936], p. 67ss.; K. v. Fritz, Philosophie und sprachlicher Ausdruck bei Demokrit, Plato und Aristoteles, n.d.
[1938], pp. 39; 64ss.; cf. J. M. Le Blond, Logique et Méthode chez Aristoteles (1939), spec. pp. 51ss; 75-83,
214, n. 4; N. Hartmann, Aristoteles und das Problem des Begriffs (1940), p. 10, publicado em: Kleinere
Schriften, vol. II (1957), p. 100-129, spec. 107ss. Em An. Post., II 19, Aristóteles parece próximo a uma
interpretação do καθόλου como designando a universalidade abstrata de um conceito que se mostra mediante
certa espécie de indução; e todos os passos em que Aristóteles ataca Platão por ter considerado a ideia seja
como universal, seja como entidade que existem separadamente, ele usa o termo καθόλου para designar o
universal abstrato. De outra parte, no passo em que o significado de καθόλου é examinado ex professo, a
saber, em An. Post., I 4, 73 b 25-74 a 3, o seu significado é <<onipresente>> mais que <<abstratamente
universal>>. Em outros termos, ém impossível afirmar que realmente o fato de que alguma coisa seja
designada por Aristóteles como καθόλου seja suficiente para demonstrar que essa alguma coisa não possa
ser entendida como alguma coisa de existente de modo separado. Em alguns passos, καθόλου e ser totalmente
separado são conceitos que se excluem reciprocamente; em outros não. Cf. F. Solmsen, Die Entwicklung,
cit., p. 84-90; W. D. Ross, Aristotle’s Prior and Posterior Analytics (1949), comentário a 73 b 25-32, p. 523.
comum a tudo o que existe. Mas a suprema esfera do ser, o divino, como é também definida
em Aristóteles, é alguma coisa de particular mais que de universal. É o primeiro ser, não o
ser universal. A interpretação aqui avançada elimina a contradição. Se estudamos os textos
em que Aristóteles expõe a sua definição da metafísica em si mesma, descobrimos que o
ser enquanto ser é entendido por Aristóteles como o ser mais pleno e não como o mais
vazio, e é tal enquanto totalmente indeterminado, a saber, não limitado. Propriamente
enquanto indeterminado, ele pode conferir ser a tudo o que existe e portanto merecer o
atributo de divino. Portanto, Aristóteles pode afirmar, sem ser [230] incoerente, que a
metafísica diz respeito a isso que é i-limitado e onipresente (essa a significação de καθόλου)
e o que é primeiro, a saber: o que é acima de todos os seres particulares e é o princípio de
seu ser; e que é, por essas razões, o mais divino. A metafísica de Aristóteles é comparável
exatamente aos outros sistemas da Academia; de fato, é no mesmo contexto que
encontramos a definição da metafísica como ciência do ser enquanto ser e a tripartição do
ser e, com isso, a tripartição do conhecimento teorético em teologia, matemática e física.
Essa última tripartição é tanto acadêmica quanto a primeira.

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