Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Para compreender o que é referido como graffiti em São Paulo foi Mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social
preciso esquecer o muro e descobrir na dimensão prática a sua chave
(PPGAS) da Universidade de São Paulo
de entendimento. Esse movimento permitiu identificar uma maneira (USP, Brasil) e colaboradora do Grupo de
Estudos de Antropologia da Cidade (Geac).
particular de usar os espaços da cidade, que engloba diferentes
Possui bacharelado em ciências sociais
processualidades do fazer: estética, corporal, política e pela USP e pós-graduação lato sensu em
epistemológica, o que confere uma dimensão tática do ponto de vista teoria e práticas da comunicação pela
Fundação Cásper Líbero (São Paulo,
do tempo. Este trabalho procura refletir sobre tais aspectos a partir Brasil).
de pesquisa de mestrado em andamentoque vem investigando desde
E-mail: gabs.leal@gmail.com
2016 os usos da rua do graffiti na cidade de São Paulo.
Palavras-chave: graffiti, usos da rua, táticas, práticas de espaço,
Recebido em: 05/12/2017
antropologia urbana Aprovado em: 21/12/2017
também foram e ainda são fator de influência – seja enquanto fonte 5. Trata-se de uma interação intrincada
imbricada em conflitos, convergências, mas,
de inspiração, instrumento ou desafio para a transposição de sobretudo, em coexistências. Tais práticas
configuram figuras complexas e a compreensão
grandes distâncias –, a qual viu um desenvolvimento multisituado desta convivência não deve ser tida como
da prática, sobretudo nas suas bordas e margens, conformando monolítica e fixa, mas como uma relação em
constante rearranjo, a qual se dá em espaços
extensas redes de sociabilidades e de trocas. Por fim, é preciso ainda intersticiais de negociação da diferença –
emprestando para este contexto, com as
chamar atenção para um terceiro aspecto do contexto do devidas mediações, a categoria analítica de
interstício de Homi Bhabha (1999). Esta noção
desenvolvimento local do graffiti: o pixo 4, tão presente no espaço
abre a possibilidade de reconhecer nessa
urbano de São Paulo quanto os graffiti, e a relação estabelecida interação hibridismos, adensando a percepção e
apreensão dessa coexistência. São práticas que
entre eles que marca ambos5. possuem origens próximas, carregando em
comum um uso intenso da rua e uma dimensão
De volta aos termos de empréstimo. É importante notar que
de trocas e sociabilidades para além dos muros.
a existência desse conjunto de termos não implica a não existência Muitos desses sujeitos convivem desde a
infância, moram no mesmo bairro das bordas
e o não uso de termos em português, como “grafite” ou “grafiteiro”. da cidade e há aqueles que realizam ambos os
tipos de inscrições. Se, por um lado, é possível
O que as etnografias vêm indicando é que eles são pouco utilizados identificar diferenças nas escolhas estéticas, nos
nas conversas e materiais que circulam entre quem pinta na rua. modos de fazer e nos espaços de sociabilidades,
por outro lado, também é possível reconhecer
Por sua vez, costumam ser empregados nos diálogos com pessoas vivências, experiências e significados
compartilhados. Suas fronteiras se tocam e se
fora deste circuito e, sobretudo, em outros registros e escalas, como deslocam constantemente, conformando os
nos meios de comunicação de massa, emque o uso do termo graffiti interstícios a partir dos quais as representações
são construídas, valores e identidades são
é pontual e por vezes acompanhado da sua “tradução”. Nesses negociados, o que, por sua vez, demarca
profundamente os usos do espaço urbano.
outros contextos, o que se nota é um uso pragmático no emprego do
6. A modalidade mural é caracterizada por
termo “grafite”, que busca defini-lo através de polarizações (como composições de grandes dimensões, elaboradas
por um ou mais artistas, podendo ou não ser
arte/não arte, beleza/feiura) e opera em um sentido coletivizador, classificada como graffiti. Como ouvi inúmeras
como se toda tinta em um muro fosse graffiti ou como se graffiti vezes durante o trabalho de campo: “nem todo
mural é graffiti e nem todo graffiti é mural”. O
fosse apenas a modalidade mural6, obliterando diversidades, mural fine art é a sua versão patrocinada ou
comercial, que não comporta as demais
complexidades, controvérsias e convergências que se dão além dos dimensões extra-muro que vem sendo aqui
muros. Esses usos revelam que os termos graffiti e “grafite” abordadas, uma vez que possui uma outra
finalidade e é feita por demanda. Um mesmo
pertencem a domínios distintos e mostram a interação dessas artista pode produzir ambas modalidades, o
graffiti mural ou o mural fine art.
diferentes representações7.
7. Esses diferentes usos discursivos têm sido
Apesar das diferenças de significados e escala, aqueles que evidenciados nas reportagens em torno das
recentes repressões e apagamentos de
pintam na rua estão expostos e tem de lidar com ambas. A esse inscrições promovidos pela atual gestão
respeito, recorro novamente ao texto de Manuela Carneiro da municipal da cidade de São Paulo através do
programa “Cidade Linda” e do processo de
Cunha (2017), voltando-me agora à distinção entre cultura e criminalização de diferentes práticas de
inscrições intensificado com a aprovação da Lei
“cultura”8. Nesse contexto, ela chama atenção ao fato de que as “Disque-Pichação” (PL 56/2005). Esse tema não
pessoas vivem ao mesmo tempo na cultura e na “cultura”, as quais será abordado nesse trabalho, mas vem sendo
acompanhado na presente pesquisa desde o
analiticamente constituem esferas ancoradas em diferentes início de 2017.
Zerando o muro
Referências