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Harun Farocki no Paço das Artes

MARÇO 24, 2016

A primeira leitura que eu fiz da exposição de Harun Farocki ocorreu


antes mesmo de eu ter visitado a própria no Paço das Artes. Essa leitura parte
da icônica imagem que ilustra o website do espaço, no caso, um frame retirado
de um dos filmes-instalações de Farocki.
Nessa imagem, vemos o herói virtual em primeira pessoa (first person)
segurando uma arma, seu longo cano traça uma linha em perspectiva até o seu
alvo em segundo plano: uma menina que detém uma certa verossimilhança com
as nativas pintadas por Gauguin. Há aqui um forte contraste entre a figura
masculina que olha e que está munida de poder bélico, e a figura feminina que,
de costas e aparentemente desprotegida, não percebe que está sendo observada.

Ao ver essa imagem, que faz parte do filme-instalação Parallel IV,


cheguei a acreditar que a exposição giraria apenas em torno dos limites éticos
dos video games, porém a discussão de Farocki se ramifica em outras
problemáticas pertencentes a esse e a outros tipos contemporâneos de imagens
técnicas.
Vale notar que Farocki se utiliza fundamentalmente dos códigos lineares
do cinema para falar desse espaço virtual, labiríntico e supostamente open
world dos video games, caso contrário, haveria um joystick para que
pudéssemos interagir com as projeções. Talvez seja pelo uso de uma outra
linguagem, que Farocki consegue se distanciar e expor as contradições e limites
da imagética dos video games, já que de outra maneira, ficaríamos por demais
absortos, e impregnados da falsa e sedutora realidade que os mundos virtuais
dos games nos propiciam.
Dentro da exposição, desinibidamente assisti os filmes fora de
sequência: Parallel IV, Interface, Catch Phrases – Catch Images, Parallel II,
Parallel I e Parallel III. E algumas vezes, os assisti do meio para o final/do
começo para o meio. Abaixo, irei tentar resumidamente descrever alguns dos
pensamentos que tive em cada parte da exposição.
Parallel I: Nesse filme, a historicidade dos video games é revelada
através de quatro elementos plásticos-virtuais: grama, água, fogo e nuvem. No
início, os video games, de maneira similar à empreitada plástica neo-
impressionista, parte do fato de que pequenos quadrados de luzes coloridas
(pixels) justapostos conseguem formar imagens maiores (sprites).
Farocki demonstra a evolução dessas materialidades virtuais, que nos dias de
hoje, atingem um alto padrão fotorrealista. Porém, essas imagens não são nada
mais do que ilusões, assim como a fotografia e o cinema demonstraram ser com
o passar do tempo. Entretanto, ao observarmos as atuais construções de imagens
virtuais nos games, percebemos o quanto a constituição ilusória dessas imagens
parece ser manipulável ao infinito: uma superfície pode estar coberta de água,
parecer com um oceano, mas por dentro ser oca, vazia de tudo; nuvens podem
ser esticadas, redimencionadas, reagrupadas em alguns clicks por um designer;
cada folha de uma árvore pode ser programada a reagir a um vento que não
existe, causando uma ilusória sensação de que suas folhas farfalham à brisa
passante. Essas manipulações virtuais, ao meu ver, parecem inaugurar um novo
tipo de mimese, onde a natureza não é apenas copiada pelo artista, mas deve ser
recriada por meio de processos que envolvem códigos, simulações físicas e
probabilidades matemáticas.
Parallel II: Os vídeos games atuais, ao contrário dos filmes, propõem
uma maior liberdade de exploração e interação com seus mundos virtuais. Hoje
é muito comum ouvir o termo sandbox para designar os games onde se pode
fazer de tudo e de todos os jeitos. Farocki contradiz essa falsa sensação de
liberdade que os games pretendem dar aos seus jogadores, ao expor suas
insuficiências, que muitas das vezes são atreladas às punições ou aos
surreais bugs e glitches. Isso fica evidente quando vemos nos filmes um
jogador morrer instantaneamente ao tentar cruzar uma barreira limítrofe, ou
quando assistimos a cena de um jogador que, ao ignorar o aviso de que ele
estava deixando uma área segura do jogo, acaba caindo em queda livre num
limbo virtual infinito.
No final, a voz em off que narra o filme pergunta: quão longe nosso
destemido herói poderá ir? Talvez a melhor resposta para essa pergunta seria:
até aonde permitirem que ele vá.
Parallel III: Nesse filme, Farocki nos transporta com um travelling para
frente direto para a ação que está ocorrendo dentro de um jogo de guerra. É essa
a visão de mundo pertencente ao jogador, limitada como os quatro quantos de
uma fotografia, mas que é atraente e ilusória demais para que o mesmo perceba
que está acorrentado à ela. Com um travelling para trás, Farocki nos leva para
fora da ação, até as bordas do mesmo cenário: vemos do alto um mundo
inacabado, dotado de falsos backgrounds, lacunas, barreiras e vazios. Essa é a
visão de mundo dos programadores, inacessível aos jogadores que não possuem
as ferramentas e os conhecimentos necessários (mods e hacks) que podem
corromper a estrutura pré-programada do jogo.
Em outra parte do vídeo, Farocki nos convoca a refletir sobre um
monolito virtual recoberto por uma textura que lembra um mármore, e que
sustenta em seu topo uma escultura qualquer. No plano do jogador, o bloco se
revela maciço e intransponível. No plano do programador, Farocki consegue ir
além ao colocar uma câmera virtual fazendo um travelling através do bloco,
além de ela ignorar qualquer barreira física-virtual, ela ainda revela que o objeto
por dentro é oco e que suas paredes são incompreensivelmente transparentes.
Parallel IV: Discute-se aqui a figura do herói, geralmente do
gênero masculino (reforçada pelo coçar dos genitais, por estar segurando uma
arma ou pelos punhos em riste) que em contato com o mundo virtual e seus
habitantes (ou coadjuvantes), interage e recebe os reflexos de suas ações.
Esbarrar em alguém, sacar uma arma em público ou agredir voluntariamente
uma pessoa causam reações individuais ou coletivas. Porém, apesar da aparente
máscara de realidade (textures) que recobre a pele, o cabelo, e as roupas desses
habitantes virtuais, eles reagem dentro de certas limitações impostas pelo seus
programadores. Mecanismos internos como a memória, a consciência e o livre-
arbítrio são tão mal emulados, que suas reações exteriores, através de
movimentos ou falas pré-gravadas, se tornam copiosamente repetitivas,
exageradas, robóticas, extinguindo qualquer realismo pretendido por seus
programas.
Catch Phrases – Catch Images: Em outra parte da exposição, regressamos
às inquietações de Farocki anteriores aos video games. Na primeira delas,
assistimos a uma entrevista entre o artista e o filósofo Vilém Flusser. Os dois
dialogam profundamente sobre a primeira página de um tablóide, e debatem
sobre a relação promíscua que há entre textos e imagens nesse tipo de mídia. A
capa do jornal se revela, em uma primeira leitura, por meio de sua estrutura
fragmentária, um amontoado caótico de palavras, símbolos e imagens,
manipuladas de todos os jeitos. O título sensacionalista, “Noite Sangrenta”, é
impresso com letras brancas sobre um fundo preto, o qual Flusser argumenta
que o texto, nessas condições gráficas, evidência magicamente o fato ocorrido.
Logo acima, uma foto da vítima morta é estampada com efeito de recorte. Em
outro pedaço do jornal, Farocki atenta-se para duas fotos de uma mesma mulher
vítima de homicídio: a primeira foto se sustenta pelo discurso da fotogenia
(observamos uma foto da bela e jovem vítima sorrindo para a câmera); a
segunda foto, para reforçar o discurso empático da primeira, sustenta-se no mito
maternal (nessa foto, a mulher beija um bebê). Por fim, Flusser utiliza a palavra
demagogia para sintetizar os discursos do objeto que acabara de ver.
Demagogia no seu sentido pejorativo, que traduzo por: aqueles que conduzem
o povo através de manobras sentimentais ou por falsas promessas.
Interface: Nesse último filme-instalação, vemos um
vídeo metalinguístico bifurcado em duas telas, que contém uma autoanálise do
processo de pré-produção (a escrita), produção (a imagem e o som) e de pós-
produção (o corte das imagens e dos sons) dos filmes de Farocki. Ao refletir
sobre seus processos de fabricação de imagens, o artista parece estar consciente
de sua própria idolatria, e durante todo o filme, vai comparando e sobrepondo
imagem após imagem: gravações televisionadas, sua autoimagem, imagens
estáticas, trechos de filmes, imagens dentro de imagens etc.; e essas imagens
seguem conversando com outras imagens que as espelham na tela dupla, e com
outras que as seguirão a cada frame deixado para trás. Em um outro momento
marcante, Farocki fala sobre a sensação de tatear um filme de rolo e sentir as
ranhuras desse material entre os dedos, tatear que se difere do apertar de botões
dos modernos aparelhos de vídeo daquela época, onde a imagem já não é mais
palpável, mas sim pura virtualidade, assim como hoje são os videos games.
Deixo por fim, duas dicas de leituras do filósofo Vilém Flusser, que me
auxiliaram na construção desse texto, e que discutem mais profundamente as
questões das imagens técnicas incluídas nesse post: O universo das imagens
técnicas. Elogio da superficialidade (São Paulo,2010); A Filosofia da Caixa
Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia (São Paulo, 1983).

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