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Contetido e alcance da competéncia para editar normas gerais de direito tributario (art. 18, § 1.°, do texto constitucional) Geraipo ATALIBA Professor nas Faculdades de Direlto da. Universidade de Séo Paulo e da Uni- versidede Catélica de S50 Paulo Duas correntes doutrinérias se formaram formulando propostas para interpretagao do § 1° do art. 18 do texto constitucional. A primeira — que chamaremos de corrente tricotémica — entende que nesse dispositive se contém trés regras: a) a Unido editara normas gerais de direito tributario; b) a Unido editaré regras sobre conflitos de competéncia em matéria tributaria; ©) a Unido editara normas que regulam limitacdes constitucionais ao poder de tributar. ‘A segunda corrente, a que chamariamos dicotdmica, vé neste texto constitucional a outorga de competéncia ao Congresso Nacional para que edite normas gerais de direito tributdrio, com os seguintes conteiidos: a) preceitos reguladores de conflitos de competéncia em matéria tri- butéria; e b) normas que regulem limitagées constitucionais ao poder de tributar. Esta segunda corrente atribut um campo delimitado, preciso, cireuns- crito e reduzido as normas gerais, ao contrario da primeira, que quer ver nas normas gerais um verdadeiro superdireito, intermediando entre a Cons- tituigio e a lei ordindria. ‘Tese apresentada no II! Congresso Brasileiro de Direlto Constitucional, realizado em Belo Horizonte — MG, de 17 a 21 de malo de 1982, sob o patrocinio da Faculdade de Direito da UFMG, do Instituto Brasileiro de Direlto Constitucional e da Fundaggo Prof. 4. do Valle. R. Inf. legisl. Brasilia a, 19 n. 75 jul./set, 1982 83 Sem reproduzirmos toda discussio que a esse respeito se travou, opta- mos decididamente pela segunda corrente (a dicotémica). As razGes pelas quais optamos por esta corrente serdo aqui sintetica- mente expostas, Elas emergem, a nosso ver, naturalmente, de uma viséo juridica global da Constituigao e sua concepgdo sistemdtica, que obriga a teconhecer a superioridade e prevaléncia dos principios — especialmente o federal — sobre as simples regras. Optamos pela corrente dicotémica, desenvolvendo raciocinios que CARVALHO PINTO cultivara em meditagao que justificou estudo publicado em 1945 (RDA, vols. XII e XII). Na verdade, é no direito constitucional —- na consideragdo de seus postulados fundamentais —- que esto as razées que, a nosso ver, obrigam uma concepedo estrita da faculdade do Congresso para editar tals normas gerais. B o sistema constitucional, assim nos parece, que conduz a verificar a absoluta excepcionalidade dessa competéncia, o que postula adocao de interpretacdo restritiva 4 faculdade prevista no § 1° do art. 18 e as leis complementares que, com base nela, se editem (v. nosso estudo sobre o tema in RDP, vol. 10, pgs. 45 e segs.). & uma interpretacio literal a que conduz A tese predominante — a tricotémica, A interpretacdo sistematica aponta caminho que leva a solugdo oposta, por nés propugnada. Impoe-se considerar a oportuna ponderagdo de PAULO BARROS CARVALHO: o texto literal da norma juridica é 0 ponto de partida dos trabalhos exegéticos, jamais ponto de chegada. Co- Me¢a-se, necessariamente, a tarefa hermenéutica pelos textos escritos das normas. Mas nao pode ficar singelamente nisso a tarefa cientifica. A chamada “interpretagio literal” 6 absolutamente inaceitivel. Nao é interpretacdo. & mero pressuposto de interpretagéo, como o sinala BARROS CARVALHO, Além do mais, a Emenda Constitucional n° 1, de 69, é tao cheia de falhas, redundancias, repeticdes e imperfeigdes técnicas que, em nenhuma hipétese, pode o intérprete valer-se do simples texto, para encontrar solugio que desvende o significado, contetido e alcance de seus mandamentos. Os exemplos que, a esse respeito, se podem invocar sao os mais abun- dantes. As manifestas deficiéncias de redacao desse texto o tornam, mais do que qualquer outro, imprestavel para qualquer espécie de lavor sim- plificado, Sao principios constitucionais fundamentaveis — que pairam acima dos demais principios constitucionais — o da autonomia do Estado e o da au- tonomia dos Munieipios (arts. 13 e 15). Como principios, encerram exigéncias integrais, como diz AGUSTIN GORDILLO. Nao 6 dificil demonstrar tecnicamente o cunho de piinetpios desses preceitos. Nao € dificil salientar os valores radicais e basicos que eles encerram, ry R. Inf, legisl. Brasitia a. 19 n, 75 jut/set. 1982 KELSEN ensina que a importancia do valor encerrado ou protegido num preceito se deduz pela sang3o a que sua desatengo corresponde. Ai estd o critério tecnico para se determinar a escala de gravidade ou impor- t4ncia dos valores juridicos e correspondentes normas que os consagram. Tal critério est4 Jonge de poder ser reputado arcano, reservado aos iniciados. Pelo contrario, é quase intuitive e acessivel a qualquer pessoa aplicvel por qualquer um que seja capaz de despir-se de preconceitos. Até o homem da rua sabe que o homicidio é mais grave que o roubo, pela inten- sidade da sancio, muito mais drastica no primeiro caso. Pois as sangdes previstas pela Constituigdo, nos casos de desrespeito as autonomias estadual e municipal, sao das mais radicais que o sistema prevé. Efetivamente, se o Presidente da Repitblica viola a autonomia dos Estados, comete crime de responsabilidade, cuja sancdo é a perda do cargo; se o Congresso, a sua lei 6 declarada inconstitucional pelo Supremo Tri- ‘punal Federal. Se um Estado desrespeita a autonomia doutro, declara-se seu ato invélido; se 0 ato tiver efeitos materiais concretos, sofre interven- gao federal. ‘A autonomia dos Municipios, de seu lado, & protegida contra as viola- gies dos Estados por inimeras formas, a principal das quais consiste ‘na cominagao de intervengio federal. Esta implica suspensao, para aquele Es- tado, do principio federal (“autonomia reciproca entre Unido e Estados”, na sintética formulacéo do saudoso A. SAMPAIO DORIA). Tao grave é a violagio da autonomia dos Municipios que se suspende a autonomia do Estado que a perpetra, com a intervencao de todos os demais Estados, no recalcitrante, com o fim de preservar ou restabelecer a supremacia do pacto federal e a intangibilidade dos principios que ele consagra (v, RAUL MA- CHADO HORTA, OSWALDO TRIGUEIRO e ERNESTO LEME). Como prinefpios fundamentais, suas exigéncias condicionam a propria compreensao de outros principios e, com maior razio, de simples regras constitucionais. Em outras palavras: nao é poss{vel interpretar outros principios cons- titucionais — e menos ainda simples regras constitucionais — de modo a contrariar as diretrizes ou a orientagao geral contida ou fixada nos princi- pios fundamentais. Bfetivamente, 6 redondamente equivocado, e, pois, rejeitavel o resul- tado de qualquer lavor exegético — desenvolvido a propésito assim de outros princ{pios ou regras constitucionais, como de preceitos legais — que conduza a negar ou anular as exigéncias dos principios bisicos como 0 sio a repiiblica, a federacdo e a autonomia municipal. Estados e Municipios sio auténomos, e essa autonomia é politica, ex- pressando-se, portanto, em matéria legislativa, de modo precipuo. As pes- soas juridicas publicas — Unido, Estados e Municipios — sao qualificadas por CIRNE LIMA como politicas, pelo fato de serem necessérias e consti- tucionais. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO atribui 4 sua compe- téncia legislativa originaria 0 cunho politico de sua capacidade. R. inf. legist. Brasilia 2, 19 n. 75 [ul/set. 1982 a5 Cada qual emana as leis proprias, extraindo a sua competéncia do pré- prio texto constitucional. Assim, 6 a mesma norma que serve de suporte e fonte para seus poderes. E essa norma, a Constituicao, Ihes atribui igual intensidade e qualidade de poderes (a tnica diferenca est na quantidade). A mais conspicua das competéncias estatais, manifestacdo primaria de po- der, esté na legistagdo em cardter inaugural. Esta, Estados e Municipios a tém, em igualdade de condigdes com a Unio. Aceitar a corrente tricotémica importa estabelecer hierarquia entre as normas federais, estaduais e municipais, hierarquia esta incompativel com © texto constitucional, como irretorquivelmente o demonstrou SOUTO MAIOR BORGES, no seu Lei Complementar Tributéria. A Constituiggo brasileira nfo adota nenhuma hierarquia das leis. Prevé, isto sim, uma divisio de competéncias por critério material. A corrente tricotémica opta por uma solugao que convém aos Estados unitarios, como é 0 caso, por exemplo, da Espanha, da Italia, da Franca, que sao paises cuja elaboracdo doutrindria de direito tributdrio exerce maior influéncia sobre nés. Aliés, a inspiracdo préxima do Cédigo Tributario Nacional est na LGT (Ley General Tributaria) espanhola, em cujo regime constitucional sé havia — A época em que expedida — um poder legife- ante: 0 Estado nacional; e também no RAO (Cédigo Tributario Alemao), que foi editado para um sistema tributdrio tipico de Estado unitério — a despeito de a Alemanha ser federal — por razées histéricas. E ai esta a razio pela qual — com tanta facilidade e de modo acritico e precipitado — aqui se julgou facil adotar a corrente tricotémica. A avas- saladora e sufocante influéncia da doutrina européia é a causa principal (ao lado do descuido do estudo do nosso direito constitucional) do predominio dessa corrente, entre nds. Seria uma incoeréncia inaceitével — em qualquer contexto juridico normative — admitir que a Canstituigio pudesse outorgar uma competéncia legislativa como essa, de modo tao amplo, tdo lasso e tio confuso, como decorreria da simples “leitura” a que se pretende atribuir foros de inter- pretagao da disposi¢ao do § 19 do art. 18. Na verdade, num contexto sistemstico rigido, como € 0 caso do nosso — em que se estabelecem competéncias privativas e diversos dispositivos ten- dentes a evitar conflitos entre as pessoas tributantes, a salvaguardar as respectivas autonomia e independéncia de cada pessoa —, a existéncia de uma disposicéo com o contetido que propée a corrente tricotémica seria uma exerescéncia. Ela sozinha importaria destruicao, negagao do restante do sistema, o que o intérprete nao pode deduzir, nem ter como correto. Além do mais, pretender — como o faz a chamada corrente tricotémica — a existéncia de uma competéncia isolada atribufda a legislagio comple- mentar, no sentido de fixar normas gerais de direito tributério, implica necessariamente no esforco prévio de ser estabelecido o campo de incidén- cia dessas normas. Quem afirmar que, no nosso sistema, é possivel a exis- téncia de tais normas gerais, com conteddo prdprio e especifico (além dos fixados no § 19 do art. 18), deve, antes, demonstrar qual a matéria tipica a6 R. inf. legisl. Brasitia a 19 n, 75 jubdset. 1982 dessas normas. E deve, ao fazé-lo, concomitantemente respeitar as auto- nomias constitucionalmente asseguradas e a privatividade das competéncias privativas, Isto porque normas gerais de direito tributério néo so quaisquer nor- mas de direito tributdrio; ao contrario, a digao do qualificativo “‘gerais” j4 demonstra que se trata de certas e especiais normas e, portanto, implica obrigatoriamente uma limitagdo, restricao do campo de atuacdo do legisla- dor complementar. Efetivamente, normas gerais nao sao normas tributarias ordindrias. Estas sio de competéncia do legislador ordindrio de cada pessoa constitucional. Ora, esse esforgo tem sido desenvolvido pela doutrina brasileira, até presentemente, muito embora de maneira infrutifera e inconvincente. Tudo que ultrapasse o reduzido campo — constitucionalmente previsto — consis- tente na disciplina de conflitos e regulagéo de limitagées invade a area do legislador ordingrio. Por isso, nfo foi possivel encontrar sequer um minimo de consenso no sentido do que se deve entender pela expressao “normas gerais de direito tributario”, por parte dos sustentadores da corrente tricotémica. Esse questionamento ja surgia durante os proprios trabalhos de elabo- racéo do projeto que acabou resultando no Cédigo Tributario Nacional. CARLOS ROCHA GUIMARAES foi quem, & época, de modo mais claro, colocou o problema. A comissio elaboradora, nos seus debates, ampla e profundamente questionou o alcance dessa expressio versada no texto constitucional, nao tendo sido possivel sequer, entre seus membros, chegar-se a alguma con- clusio satisfatéria sobre o que se deveria entender por “normas gerais de direito tributério”. Ea tal ponto chegou a inconsisténcia, nessa rea, que, no texto apro- vado, “o Cédigo Tributario Nacional’ acabou por incluir — como se fossem normas gerais de direito tributario — disposigdes atinentes A descrigio da propria hipétese de incidéncia dos tributos, de modo exaustivo. (Isto 6 um rematado absurdo. Essa lei ou repete a Constituicao e 6 inécua; ou amplia ou restringe 0 que no texto magno se contém e 6, assim, inconstitucional. Em todas as hipéteses flagrantemente descabido, despropositado.) Ora, regular essa matéria 6, pode-se dizer, a fundamental tarefa re- servada pela Constituigao aos legisladores ordinarios da Unido, dos Estados e dos Municipios. E reservada de modo privativo e exaustivo. Efetivamente, na medida em que haja o texto constitucional atribuido competéncias privativas e exclusivas, em matéria tributdria, 4 legislacao ordinaria dessas pessoas, é evidente e notério que a descricéo dos varios tributos em particular constitui a tarefa fundamental e a mais importante que a essa legislacéo reservou o texto constitucional. Nao cabe, pois, no nosso sistema, lei nenhuma que nfo a ordindria de cada pessoa politica competente, cuidando de hipéteses de incidéncia tributéria. t. legis, Brasilia a. 19 n. 75 jul./set. 1982 a ‘A despeito das respeitabilfssimas opinides em contrério, pensamos que isso parece ndo se compadecer com o sistema constitucional brasileiro, Essa concepcao se justificou quando da elaborago do projeto que se transformou na Emenda Constitucional n? 18, quando a paixéo dos debates levou todas as atengdes a centrarem-se no subsistema tributario, o que acarretou o olvido do contexto geral do sistema juridico nacional. Exame sereno da disciplina constitucional nessa matéria parece con- duzir efetivamente a conclusio radicalmente diversa da prevalecente e ja traduzida em farta legislacdo, jurisprudéncia e doutrina. Entender possivel haver normas gerais além dos casos expressamente previstos no § 1° do art. 18 é converter o Estado brasileiro — em matéria tributdria — em Estado unitério, 0 que desmente todo o sentido do con- junto de normas, que forma o subsistema constitucional tributario, dentro do sistema constitucional. Os preceitos da Constituicdo que tratam da matéria tributéria — e da competéncia tributdria principalmente — nao tém outro significado sendo estabelecer os critérios de atuagfo e de funcionamento das autonomias, matéria tributaria. Portanto, sao regras especificas, assecuratérias dos efeitos e da eficdcia do prinefpio federal ¢ do principio da autonomia municipal, no que & ma- téria tributaria concerne. Apontam, pois, em sentido radicalmente oposto aquele expressado no Cédigo Tributério Nacional e de modo geral aceito pela doutrina. (Note-se que essa doutrina é exatamente aquela que adota como um de seus pres- supostos a autonomia do direito tribut4rio. Esta tese tem sido justificacdo para que nfo se estudem os demais ramos do direito, inclusive o constitu- cional. De modo geral, quem afirma a autonomia do direito tributério — no Brasil entendida como autonomia diante dos outros ramos de direito — se permite sd estudar a legislagao tributéria, nisso tentando fazer-se eximio. Escusa-se, assim, de estudar a Constituigao e de examinar suas exigéncias, E, quando com elas esbarra, nao sabe o que fazer. E termina por negé-las, como no caso das normas gerais.) Af est evidente um dos maleficios das falaciosas teorias autonomistas, que fazem praga da desconsideracio pela unidade fundamental do direito e incindibilidade do sistema juridico e terminam por negligenciar a supre- macia da Constituigéo e o ctinho sistemético da ordenacao juridica, contra as sAbias e candentes adverténcias de ALFREDO BECKER. ‘Nao surpreende, pois, que diante de um problema desse porte fiquem com a intengao do legislador e nao saibam avaliar adequadamente uma exi- géncia de princfpio da Constituicéo e terminem por aceitar uma norma que ou repete a Constituicao, ou a amplia ou a restringe, em matéria em que 0 texto magno é rigidissimo e exaustivo! Sistematicamente se compreende, de modo imediato, que a lei que cria tributos 6 necessariamente a lei ordindria da pessoa competente para cria- 8 R. Iné. legist. Brasilia a, 19 m. 75 Jub/set. 1982 Go do tributo; a lei ¢ um instrumento da autonomia das pessoas constitu- cionais (cf. CIRNE LIMA e CELSO ANTONIO). Ora, a se aceitar a tese da corrente tricotémica, estar-se-A entendendo que a Constituicao, no § 1 do art. 18, nega o que havia afirmade como princfpio, nos arts. 18 e 15. Estar-se-4 supondo abrigar o texto constitucional uma contradigao desse porte! Na verdade, a competéncia tributaria, que se expressa primeira e ele- mentarmente pela descricdo das hipéteses de incidéncia dos tributos — pela criag&o dos tributos, portanto —, é uma expresso, uma forma de manifes- {ashe da autonomia assegurada, em termos tao categ6ricos, pelo texto cons- Ora, como ensinava RUI BARBOSA, “o que a Constituigio d& com a mio direita nao retira com a esquerda”. O § 19 do art. 18 é nitidamente, no contexto do nosso sistema, uma disposicio excepcional. Vem abrir uma excegio ao principio da absoluta, ampla é irrestrita capacidade legislativa das pessoas piblicas. Por ele, prevé o texto magno, em matéria tributéria haver4 algumas hormas que nao pertencem ao legislador ordinario federal, estadual e mu- nicipal. Estas normas so, portanto, excepcionais dentro do sistema. A compe- téncia conferida ao Congresso Nacional para editar normas gerais de direito tributério, mediante lei complementar, é absolutamente excepcional, porque derrogatéria — nos limites e termos estritos da matéria do § 19 do art. 18 — dos principios da autonomia estadual e municipal. Ora & elementar e universalmente aceito que as excecdes devem ser interpretadas estritamente. Dai o brocardo, j4 vetusto, segundo o qual exceptiones sunt strictissimae interpretationis. A corrente tricotémica — ao contrério de propugnar uma interpreta- ¢&o estrita — atribui contetido e sentido ilimitados ao preceito objeto da nossa consideragéo agora. Pretende atribuir, dessarte, 4 lei complementar fungdo que amesquinha e até mesmo anula a lei ordinéria expressiva da competéncia constitucional das pessoas politicas, & cedigo, em hermenéutica, que, se duas interpretagées sdo, em prin- cipio, cabiveis, deve o intérprete optar pela que melhor, mais ampla e mais eficientemente, realize os princfpios fundamentais do sistema. Deve preva- lecer a interpretacio que de modo mais decidido caminhe no rumo apon- tado pelos principios, melhor lhes satisfaga suas exigéncias integrais e radicais (AGUSTIN GORDILLO). No caso, as duas propostas das duas correntes seriam, em principio e em tese, admissiveis como propostas aceitéveis, para uma primeira apro- ximagdo do tema. R. Inf, legis, Brasilia a. 19 n. 75 jul/set. 1982 8 Nao cabe a menor duvida de que o intérprete deve ficar com aquela proposta que atenda as instancias dos principios, rejeitando a que tem como resultado pratico nega-los. Efetivamente, 6 inequivoco que autonomia municipal e autonomia es- tadual so elementos bdsicos, basilares de todo o sistema constitucional, o que forga a opcao pela corrente dicotémica, Parece, nesta altura, oportuno examinar criticamente a doutrina pre- dominante e a postura das autoridades cientificas que a conduziram a esta postura. Nisso, homenageamos os mestres que lideraram toda a formagao cientifica especializada no Pais. O anteprojeto de lei que se transformou no Cédigo Tributario Nacional foi elaborado por RUBENS GOMES DE SOUSA e GILBERTO DE ULHOA CANTO, inquestionavelmente dois dos maiores e mais autorizados mestres do direlto tributario brasileiro. Por outro lado, contou com o abono e o apoio decidido de ALIOMAR BALEEIRO, outro mestre de porte incomparavel. Essa triade de juristas representa o melhor pensamento classico do direito tributdrio brasileiro. Vejamos, no trabalho concreto por eles desempenhado, de acordo com suas convicgdes, qual é o conteudo que imaginaram para as normas de direito tributario. Ao verificdé-lo, vamos ver que nem mesmo estes mestres autorizados sao capazes de descobrir um conteado para essas normas, ccompativel com as exigéncias expostas anteriormente (e que nao sao nossas, dos intérpretes, mas da Constitui¢ao). Nao é aqui o momento de se fazer um exame pormenorizado do Cédigo Tributério Nacional — o que alhures j4 fizemos — para essa demonstracao. Basta assinalar que os preceitos que se contém no cédigo, na sua es- magadora maioria, ou repetem a Constituigéo (e so inécuos) ou ampliam competéncias constitucionais, em prejuizo, portanto, de outras competén- cias — e ai se fazem inconstitucionais —, ou restringem competéncias cons- titucionais, incidindo no mesmo vicio. (Com tal contetido, esse cédigo s6 poderia ser compativel com um Estado unitario, dotado de Constituicdo nao exaustiva da disciplina da com- peténcia tributéria, como é 2 nossa.) Isto, sinteticamente acenado, 6 a demonstrago de que nem mesmo os mais autorizados cientistas foram capazes de descobrir um contetido para as normas gerais de direito tributario, que nao aquele proposto pela corren- te dicotdmica (a qual se apéia no enunciado do § 19 do art. 18). E evidente que nao se estd postulando a total invalidade do Cédigo Tributario Nacional, tal como vigente. Nao! Nas disposigdes em que ele ndo seja manifestamente inconsti- tucional, é valido como lei federal, vinculante da Unido e regulador das relagdes juridicas entre a Unido e seus contribuintes. Porém, jamais como cr) R. Ini. legisl. Brasilia 2, 19 n. 75 jul/set. 1982 lei vinculante de Estados e Municipios, por revestir a qualidade de lei federal e ndo nacional (cf. nosso “Leis federais e leis nacionais”, in Estudos @ Pareceres, vol. III, pags. 15 e seguintes). Porém, na medida em que é lei ordinaria simplesmente federal, a falta de lei especifica ordindria estadual ou municipal, o Cédigo Tributario Na- cional é invocavel, por analogia, até por forca de uma postulacao sistema- tica, no sentido de que a lacuna eventual da lei estadual ou da lei municipal pode ser preenchida por lei de igual natureza, editada por uma pessoa de igual hierarquia, como é 0 caso da Unido. Evidente que, no caso de lacuna de lei municipal, em qualquer matéria — desde que nao se trate de criacio e aumento de tributo —, a primeira e mais proxima analogia est4 em outra lei municipal. A segunda analogia é a da lei estadual, e sé em terceiro grau se recorre a lei federal. que nosso sistema constitucional adota a orientagéo de ar- ticular os Municfpios mais estreitamente com os Estados. Quanto as lacunas da lei estadual, 0 intérprete as deve preencher buscando a mais préxima analogia, que esta evidentemente na legislagao de outros Estados. S6 4 falta de qualquer apoio af é Iicito ir a lei federal, como bem ponderou CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. Entretanto, por uma série de fatores, inclusive por causa do prestigio que o Cédigo Tributario Nacional tem, em si mesmo — nao prestigio ju- tidico, mas prestigio doutrinaério —, os legisladores estaduais e municipais ge tém omitido na edigdo de legsiagdo a respelto de uma série de questoes itarias. Entao, acontece que falta — diante de lacuna de lei municipal —, mui- tas vezes, a primeira analogia; falta também disciplina estadual; resta, entao, © préprio Cédigo Tributério Nacional, que, no caso, embora seja simples lei federal, poder ser invocado, para solucao de casos concretos. # nessa medida que cabe a invocacio do Cédigo Tributério Nacional, para 1 regular relagées em que se encontrem envolvidos Estados ou Muni- ipios. Repita-se: s6 em casos em que no haja manifestacio expressa do legis- lador estadual e municipal, a respeito daquela matéria, cabe aplicar 0 CTN ou qualquer outra lei ordindria federal. Em termos praticos e concretos, podemos afirmar que nao ha nada, em matéria tributéria, que esteja fora do alcance do legislador ordinario estadual e municipal. Estes podem dispor sobre tudo, em matéria tributaria. © que eles dispdem prevalece por forca da exclusividade da sua com- peténcia, na sua area de competéncia. Dever4, entretanto, a lei ordindria estadual e municipal atender as balizas contidas nas normas gerais de direito tributdrio, sempre que a sua materia seja a prevista expressamente no § 19 do art. 18 do texto consti- tucio! R. Inf. legis!, Brasilia a. 19 n. 75 jul/set. 1982 n Finalizando: todo o problema das normas gerais de direito tributario se resolve evidentemente num problema de conflito entre intengdes impli- citas do legislador constitucional e intengdes explicitas da Constituigao. Na verdade, o que tem prevalecido, por absurdo que parega, no nosso Pafs € que a intengao pessoal de alguns assessores legislativos de grande porte, peso e influéncia — como é o caso de RUBENS GOMES DE SOUSA e ULHOA CANTO, de alguns legisladores de prestigio e influéncia, como é 0 caso de ALIOMAR BALEEIRO — tem prevalecido como diretriz para o intérprete, contra aquilo que é a intengio do texto constitucional, expressa de modo claro no sistema, tal como esta ele redigido. Portanto, a tarefa que se impée, no presente momento, para se aper- feigoar nossa doutrina e aplicacao do direito & tao simples como propor que prevaleca a norma sobre a eventual subjetiva intengao do seu elaborador. Pensamos ter demonstrado, ainda que sucintamente, a imperiosa ne- cessidade de optar-se pela corrente doutrindria que sé reconhece norma geral de direito tributario nas leis complementares que versam as matérias expressamente previstas no § 19 do art. 18 da Constituigio. CONTEODO DAS NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTARIO Conflito de competéncias © grande problema que se pie inicialmente est em definir conflito, ou seja, precisar 0 campo material no qual se pode dar esse fenémeno, cuja presenga ou possibilidade abre espaco 4 competéncia legislativa nacional. Em que precisamente consistem os conflitos? Na verdade, é forgoso reconhecer que — se teoricamente, ha possibili- dade de conflitos de competéncia na federagao americana, argentina ou mexicana —, inequivocamente, a ampla e quase exaustiva disciplina das competéncias, contida na Constituicao brasileira, nao comporta, em rigor, nenhum conflito de competéncia tributaria. As competéncias so delineadas de modo exaustivo, atribuldas em ca- riter privativo, de tal forma que cada pessoa girara dentro da érbita pré- pria, sem a menor possibilidade de surgimento de pontos de contato e, menos ainda, de interpenetragio de érbitas. AMILCAR FALCAO, estudando o sistema da Constituiggo de 1946, jé deixou tudo isto amplamente claro. Aqui, quem exceder sua faixa precisa- mente delimitada de competéncia estaré praticando inconstitueionalidade por invaséo de competéncia alheia. Do que decorre que — a rigor — nao ha possibilidade de conflitos de competéncias legislativo-tributarias, no Brasil. Como, entretanto, o texto supremo menciona a possibilidade de confli- tos, é forcoso atribuir um conteido a esta expressao constitucional. rasil 2 R. Ing, legisl, 19 n. 75 jul/set. 1982 Existira, certamente, algum conflito que nao é rigorosamente “conflito de competéncia”, em termos puramente juridicos. Sio desvios, excessos ou invasées mais ou menos previsiveis, pela dificuldade de estabelecimento, com preciso, dos lindes dos diversos campos de competéncia constitucio- nalmente distribufdos. E este 6 o pressuposto da competéncia do Congresso, para editar as normas gerais de direito tributario. HA um conceito de bitributacio, no sentido pré-juridico, assim como poder-se4 construir — e ha diversas propostas doutrindrias — 0 conceito de bitributagio no sentido juridico. AMILCAR FALCAO foi quem mais avangou nessa indagagdo, estudando invasdes de competéncia, para localizar a bitributagio & luz de uma longa evolugio doutrinaria e mesmo legislativa, no Brasil. Esta expressao (bitribu- tag&o) foi construfda pelo préprio Supremo Tribunal Federal, j4 na vigéncia da Constituiggo de 1891. Na verdade, se a Constituigao Federal é exaustiva — no sentido de que exaure a disciplina das competéncias —, nao cabe, a rigor, falar de conflito. Portanto, em primeiro lugar, 6 forgoso entender que a chamada regra que dispde sobre conflitos, necessariamente, s6 0 que pode fazer é deduzir aquilo que j esté implfcito no texto constitucional. Afirmar 0 contrério seria admitir que esta regra poderia ampliar com- peténcias constitucionais ou reduzi-las, o que é manifestamente inaceitivel. Dai a razdo pela qual sustentamos que as normas gerais de dircito tri- butério sero sempre e necessariamente ndo inovadoras, no sentido de que néio podem algar-se ao nivel constitucional, para dispor sobre matéria cons- titucional, que é o tipico da disciplina da competéncia, Assim, parece licito concluir que elas sio declarat6rias (as normas gerais sobre conflitos). Limitam-se a explicitar o que j4 esta implfcito na Constituigdo. E, na medida em que reduzam ou ampliem a Constitui¢éo, so inconstitucionais. Tém que ser fiéis ao nela preceituado. Parece manifesto que “dispor sobre conflitos de competéncia” ndo sig- nifica juigar conflitos de competéncia. “Dispor sobre conflitos” nao é resolver conflitos. £ s6 fixar pautas para sua solucdo. Bem nftido esta — no contexto constitucional — que a fungao juris- dicional é reservada, em caréter de exclusividade, ao Poder Judicidrio. © § 19 do art, 18 da Constituigéo nao atribuiu competéncia jurisdicional ao legislador complementar. Deferiu-lhe, isto sim, estabelecer pautas para solucao de conflitos. Tais pautas, porém, nfo sio inventadas, criadas pelo legislador complementar: elas j4 se contém no texto constitucional; a esse Jegislador cabe deduzi-las e explicit-las, com rigorosa fidelidade. E, se ele oxceder nessa tarefa, incide em inconstitucionalidade e produz norma nao obrigatéria. Inf. legist. Brasitia a. 19 n. 75 lvb/set. 1982 % Isto parece nitido: dispor sobre conflitos néo é resolvé-los. Evidente que, depois de deflagrado um conflito de competéncia, tal como deve ser entendido no contexto constitucional, 0 Poder Judiciario aplica a Constituicao e a lei complementar — que seja conforme a Cons titui¢éo — para compor aquele determinado conflito. Logo, 0 que, na lei complementar, se vai encontrar sao os critérios para que o Poder Judiciario, julgando os conflitos, os componha. A esse propésito a perplexidade e inconsisténcia da nossa doutrina (com a ressalva de alguns estudiosos do direito tributario que estimam os estudos de direito constitucional) séo alarmantes, pelas repercussées dele- térias sobre a legislagdo e a jurisprudéncia. Assim é que, diante de casos concretos, de diivida sobre a tributabilidade de certos fatos pelo ICM ou pelo ISS, p. ex., vé-se a adogdo de premissas implicitas alarmantemente agressivas dos mais comezinhos principios cunstitucionais, Examinando-se as apreciagdes administrativas e até mesmo judiciais, a respeito desta tematica, de modo geral, vé-se, com referéncia a questoes fundadas em direito posterior a 1965 (data da Emenda Constitucional n? 5), a repetico de frases como as seguintes: “Até a data x, era tributdvel tal matéria, por determinada entidade” ou “até a data y, nao era tributavel pelo Estado, e sim pelo Municipio”, ou vice-versa. E chocantemente corriqueiro encontrarem-se afirmagées da tributabi- lidade de fatos com base na lei complementar, e nao na norma constitu- cional, como se fosse falsa, errada, ou negligencidvel a premissa de que 6 a Constituigao que fixa competéncias. De modo geral, os aplicadores — ao invés de investigarem, em primeiro lugar, a natureza do fato posto na materialidade da hipotese de incidéncia, para identificarem o campo em que se inserem, como condico de deter- minagéo da entidade competente para tributé-los — tomam como ponto de partida a lei complementar. Ora, ao fazé-lo, implicitamente estao acei- tando esta norma como matriz das competéncias. Esto fazendo tabula rasa da necessidade de verificagéo de sua constitucionalidade. Estao admitindo que tudo que se disponha em lei complementar & constitucional, Estio nivelando Constituicéo e lei complementar. Estdo afirmando, por outras palavras, que a Constituigdo 6 flexivel. Admitem que ou a lei complementar modifica a Constituigo, ou que esta (Constituigo) deu poderes jlimitados, irrestritos e incontrast4veis ao legislador complementar. Via de conse- qiiéncia, estéo afirmando a inexisténcia de controle de constitucionalidade destas normas. Com isso, negam o cunho inderrogavel das competéncias, Tejeitam seu cardter constitucional de exclusividade e atribuem ao Congreso {ao editar a lei complementar) natureza de érgao constituinte e nao cons- tituido. Com a mais assombrosa naturalidade, se véem reiterados pronuncia- mentos administrativos e mesmo judiciais supondo que a lei complementar pée ou tira, a seu talante, na esfera de competéncia das pessoas pollticas, tais ou quais fatos. ” 19 n, 75 jul/eet, 1982 & comum verificar-se — repetimos — a afirmagao no sentido de que “tal matéria era tributada pelo Estado, até a data x e, a partir dessa data, passou a ser tributada pelo Municipio ou vice-versa”. Ora, 0 leitor despreve- nido fica autorizado, em face desse tipo de asserto, a supor que, desde 1966 (data da vigéncia da Emenda Constitucional n® 18, 4 Constituigéo de 1946), houve inumeras modificagées de competéncias tributarias. A premissa implicita desse raciocinio é a de que é a lei complementar que estabelece competéncias. Ou seja, na medida em que a lei complemen- tar vai “mudando as competéncias”, estas deixam de ser de uma pessoa publica, para passarem a ser de outras. Ora, se sao corretos os pressupostos anteriormente referidos, enquanto nao se modificarem os preceitos cons- titucionais pertinentes, as competéncias sdo inalteraveis. O que era tribu- tavel por uma pessoa politica persistira sendo, sem possibilidades de mo- dificagio por lei nenhuma, nem mesmo complementar. Ora, a premissa pressuposta pelos formuladores das frases que repro- duzimos € rigorosa e frontalmente violadora de canones j4 estabelecidos que sao universalmente aceitos. Se ¢ a Constituigao que fixa competéncias, 6 evidente que estas — enquanto a Constituicéo néo se modifique — nao podem ser modificadas; que modificadas nao foram. ‘A incompatibilidade entre os cénones do sistema e as afirmagées que criticamos parece-nos frontal, flagrante e invencivel. Se, por acaso, 0 apli- cador se depara com lei — complementar ou néo — contrastante com o texto magno, sé tem um caminho a seguir: aplicar a Lei Maior e desaplicar 9 preceito inferior. Nenhuma lei complementar 4, nenhuma lei complementar subtrai competéncia de pessoa publica alguma. Na verdade, a funcdo da lei com- plementar é explicitar o que est implicito na Constituigao. Completar a Constituigdo no quer dizer modificdla (PONTES DE MIRANDA, VICTOR NUNES, SOUTO BORGES, PAULO B. CARVALHO, AIRES F. BARRETO, CLEBER GIARDINO). Se a matéria “competéncia tributaria” é, por sua natureza, constitu: cional, nao pode ser tratada por lei complementar, a nao ser nos estritos limites da delicada e dificil fungao de explicitar 0 que esté implicito na Carta Magna (CLEBER GIARDINO, AIRES F. BARRETO, SOUTO MAIOR BORGES), porque ou ela (lei complementar) é rigorosamente fiel 4 Cons- tituigdo, ou amplia ou reduz esfera de atribuigdes constitucionalmente fixada (e é inconstitucional). Quando — por evidente abuso ou equivoco — o legislador comple- mentar se atribui (usurpa) a faculdade de dispor sobre matéria de compe- téncia, estipulando que o fato x sera tributével por uma entidade (pessoa politica) e nao por outra, e, em o fazendo, altera lei complementar anterior, depara-se o intérprete com o seguinte inexordvel dilema: ou a lei comple- mentar nova é inconstitucional, ou o era a anterior. S6 uma orientagao pode ser compativel com os preceitos constitucionais (de 1966 até agora) que estabeleceram as competéncias e néo consentem sua modificagio por nenhuma norma infraconstitucional. R. Inf, fegisl, Brasilia a. 19 n. 75 [ul./set. 1982 5 Assim, a lei complementar nova ou explicita corretamente 0 conteido dos preceitos constitucionais, obrigando o aplicador a reconhecer que a lei complementar revogada era inconstitucional, ou contravém & Constituicao, levando & concluso de que correta era a anterior. Este raciocinio mostra ue a lei complementar nao deve cuidar de matéria que por natureza exige iplina constitucional. Quando o fizer, nao dispora discricionariamente, mas sim estritamente presa aos preceitos constitucionais. VICTOR NUNES tem ensinamento no mesmo sentido (RDP 53/54) e mostra que o STF, a outro propésito, assim o entende, também; tal colocagdo 6, alids, irrecusivel conseqiiéncia de rigidez constitucional (v. Teoria das Constituigées Rigidas, O. A. BANDEIRA DE MELLO, 2? ed., pg. 72). Logo, nesta matéria, 6 de ser rejeitada toda argumentagao que se esgote na lei complementar, pelos motivos antes aduzidos e por este agora expresso. Mesmo em caso de aparente conflito de competéncia, em matéria tributaria, o intérprete nao esta dispensado da necessaria tarefa de desen- volver exaustivos esforgos para desvendar o contetido, sentido e alcance dos mandamentos constitucionais, até como condigéo de exame da constitu- cionalidade de eventual lei complementar. O fulcro de todo o problema esta na expressao “definidos”, contida no inciso II do art. 24 do texto constitucional. Tem-se interpretado errénea e equivocadamente que cabe a lei complementar definir a 4rea de compe- téncia dos Municipios. Que s6 apés a edicdo dessa lei complementar “defini- dora” surgiré a competéncia tributaria municipal, com a feigo e as di- mensées que na lei complementar se contiverem. Ora, aceitar essa tese é negar a premissa de que a Constituigao é rigida, além de outras, ja pacificamente aceitas, no sentido de que a Constituigado estabelece de modo exaustivo as competéncias pela defini¢éo do campo material a ser explorado pelas entidades politicas (Unido, Estados e Mu- nicfpios). Admitir-se — como, infelizmente, o faz a maioria dos escritores — ser a lei complementar que “define” a competéncia tributaria dos Municf- pios é além de negar todas as premissas jA expostas, contrariar o principio constitucional fundamental da autonomia dos Municipios (art. 15) e atribuir absoluta insignificancia ao enfAtico preceito que a faz (a autonomia) expres- sar-se, “especialmente, pela decretacdo de seus tributos”, por parte dos Municipios, SOUTO BORGES, apés expor o que de melhor se cristalizou em nossa doutrina, sublinha: “A Constituigao nao cria o tributo, mas apenas outorga competéncia para a sua criaco pela Unido, Estados-Membros e Municipios. Em princfpio, a instituigSo do tributo é matéria sob reserva de lei ordinaria da pessoa constitucional competente. Por isso mesmo, no direito brasileiro, da mesma forma que a Constituicio nao institui o tributo, no o poderd fazer a lei complementar. O instrumento constitucionalmente idéneo para tanto 6 a lei da pessoa juridica de direito publico interno; nao a lei com- plementar” (Lei Complementar Tributéria, Sao Paulo, p4g. 185), 6 R. Inf. legis. Brasitia a, 19 n, 75 [ul./set, 1982 E acentua o cunho constitucional da demarcacao de competéncias: “Ademais, a competéncia tributéria, na sistematica do direito constitucional brasileiro, esté balizada em marcos constitucionais. JA nasce com um de- senho constitucional, resultante da extensao e limites que lhe séo postos pela propria Constituicao.” ‘Ao prosseguir, salienta a distingdo entre a fungio (da lei ordindria) de estabelecer as hipdteses de incidéncia e a fungéo da lei complementar de “definir” os servicos tributaveis (op. cit., pag. 187), demonstrando que a 28 parte do inciso II do art. 24 nao é norma excepcional, no sistema. Escreve: “Se nao estabelece o art. 24, n? II, 2# parte, da Constituigao regra de direito excepcional, segue-se inelutavelmente que h4 de ser interpretado em sintonia com os principios constitucionais. Ora, a autonomia municipal 6 um principio basilar no ordenamento constitucional brasileiro. A sua eficécia nao pode ser elidida pela aplicacdo da simples regra do art. 24, n? II, in fine, porque a autonomia municipal se constitui em direito piblico subjetivo dos Municipios, oponfvel 4 Unido e aos Estados” (op. cit., pag. 189). Depois de mostrar que aos principios constitucionais repugna entender que o campo de competéncia tributéria dos Municfpios seja delimitado pela Jei complementar, deixa evidente que esses mesmos principios apontam em sentido oposto, encarecem 0 contrério. Por isso, o notavel mestre do Recife fulmina a equivocada e preconceituosa doutrina que pretende afirmar superioridade hierarquica da lei complementar sobre a lei ordindria (seja federal, estadual ou municipal), coerente com a posiggo de PONTES DE MIRANDA, NELSON SAMPAIO, PAULO B. CARVALHO, CLEBER GIAR- DINO, AIRES F, BARRETO, ROQUE CARRAZZA, CARLOS AIRES BRITO, VALMIR PONTES FILHO e outros escritores, que tém sublinhado estar a diferenca entre a lei complementar e a ordinaria na matéria, e nado em niveis hier4rquicos, PONTES DE MIRANDA, por exemplo, salienta que, “a propésito dos conflitos de competéncia, a lei complementar tem a alta missGo de afastar duvidas ou interpretacgées discordantes” (Comentarios & Constituigéo Federal de 1967, com a Emenda n? 1/69, t, II, pag. 383, 2% edigdo). Este asserto bem demonstra o carater declaratorio desta lei, que nao tem a virtude de modificar a Constituigao. E SOUTO BORGES adverte: “S6 teria sentido falar-se em prevaléncia ou superioridade hierarquica da lei complementar, em tal caso, se ela pudesse limitar a propria competéncia tributdria municipal, 0 que Ihe é constitu- cionalmente vedado, pois sao exclusivos os respectivos campos de legislagao. Dito noutras palavras: o contetido da lei tributaria municipal nao é deter- minado em lei complementar, mas pela Constituicdo” (op. eit., pag. 190). Todos concordam em que a lei complementar nao altera a Constituicio, nem pode reduzir 0 campo de competéncia das pessoas pol{ticas. Deve ex- plicitar o que na Carta Magna ja est4 implicito. Deduzir explicitamente o que est4 contido implicitamente no conteide da norma constitucional. Como espécie do género “norma geral de direito tributdrio” (art. 18, § 19), a lei complementar prevista no inciso II do art. 24 nao cria limitagdes a0 de tributar dos Municipios: cingese a regular as limitagées que R Inf, legisl. Brasilia a. 19 n. 75 jul/set, 1982 7 o préprio texto magno ja estabeleceu; limita-se a dispor declaratoriamente sobre conflitos, explicitando (sem, obviamente, alterar) o texto supremo. Por isso, apés detida e escrupulosa colocagao dessa disposigéo consti- tucional (inciso I do art. 24), SOUTO demonstra estar-se diante de disposi- go constitucional de eficdcia contida (op. cit, pag. 200), empregando as magistrais categorias propostas por JOSE AFONSO DA SILVA. Assim, agrega a sua exposicao anterior: “Assim sendo, outro nao poderd ser o seu campo de aplicabilidade senao 0 dos conflitos de competéncia tributéria e limitagdes constitucionais ao poder de tributar. Nessas condigdes, s6 na érea de atritos eventuais entre o imposto de servigos e impostos de compe- téncia alheia (ex.: imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre operagées financeiras, da Unido; imposto sobre operacées relativas a cir- culagao de mercadorias, dos Estados), ou seja, no 4mbito material sujeito a conflitos de competéncia tributaria, 6 que caberd a definigdo pela Unido dos servicos submetidos ao imposto municipal. E a chamada zona cinzenta, interpenetravel por tributos diversos e que j4 foi objeto de excelente estudo. S6é nessa hipdtese é constitucionalmente autorizada a edicéo de lei complementar, a qual ter4 por funcio “definir” ou regular uma limitagdo constitucional ao poder de tributar (vale o mesmo que dizer: “complemen- tar” a Constituicao)” (op. cit., pag. 203). Ora, 6 manifesto que, a pretexto de regular conflito, néo pode a lei complementar suprimir competéncia municipal constitucionalmente esta- belecida, ou alargar competéncia de outras pessoas constitucionais. Deve dispor sobre conflitos, com fidelidade 4 Constituigéo: a pretexto de evita- los, ndo pode alterar as balizas constitucionais. “Define”, explicitamente, o que j4 esté definido implicitamente na Lei Maior. Revela, nao cria. Reitera, nao inova. Reafirma, nao institui. Tudo isso, como conseqiiéncia inexoravel do cardter rigido da Cons- tituigao, Este raciocinio autoriza afirmar que o que a lei complementar contém sio preceitos deduzidos e desdobrados de mandamentos constitucionais implicitos, disciplinando 0 comportamento dos destinatarios (Unido, Estados e Municipios) de modo a evitar futuros conflitos. Em conseqiiéncia de todo o raciocinio anteriormente desenvolvido, as Normas Gerais de Direito Tributario nado podem dispor sobre hipéteses de incidéncia dos tributos e sobre seus aspectos, nem sobre aliquota, nem sobre atos administrativos, procedimentos, penalidades e outras matérias de privativa legislacdo ordinaria. Em outras palavras, como, pelo nosso sistema, a criagdo (a instituigéo) dos tributos depende de atividade do legislador ordindrio e como essa competéncia 6 exclusiva, nfo pode a norma geral de direito tributério descrever hipéteses de incidéncia, porque esta atividade —- que traduz a instituigéo de tributo — é reservada, em cardter privativo, pela Constituigado Federal, ao legislador ordindrio (SOUTO MAIOR BORGES, PAULO BARROS CARVALHO, CLEBER GIARDINO, AIRES F. BARRETO, ROQUE CAR- RAZZA). 8 R. Inf. tegisl. Brasilia a. 19 n. 75 jul./set. 1982 Pela mesma razio, nio pode dispor sobre a base imponfvel, porque isto nfo engendra conflitos de competéncia tributdria; se eventualmente acontecer algum conflito devido 4 imaginosidade do legislador ordindrio, entio o problema se equacionara em fung3o de critérios constitucionais e seré solucionado pelo Poder Judicidrio, no exercicio da jurisdigdo. Limitagées constitucionais ao poder de tributar Em rigor juridico nio se pode falar em limitagdes constitucionais ao poder de tributar, a nao ser no sentido referido por FORSTHOFF, quando diz que “toda outorga de competéncia jA traz consigo a fixagao de seus limites”, Na verdade, é uma impropriedade afirmar que a Constituigdo estabelece qualquer’ limitagdo, seja ao poder de tributar, seja a qualquer outro tipo poder. Para que se pudesse falar em limitagéo constitucional, era reciso demonstrar que, légica e cronologicamente, havia antes um poder ilimitado e depois surgiu a limitacéo, por obra da Constituigao. As competéncias das pessoas constitucionais, no nosso sistema, resultam do giclineamento que a Constituicao tenha estabelecido para essas com- peténcias. Os poderes do Estado existem so com a Constituigio e j4 surgem com os contornos por ela estabelecidos. Alids, se a outorga de competéncia é ao mesmo tempo uma fixacdo de limitagées, isto j4 induz ver que nao se pode pensar em limitagdo de uma competéncia anterior, porque a limitacao é o perfil da competéncia e surge de uma regra, regra essa que logicamente é sempre editada no mesmo instante. A competéncia 6 uma por¢ao, uma quantidade delimitada de poder. J4 surge delimitada (CLEBER GIARDINO). Nao h4 uma cronologia que autorize supor que antes se edita a norma de competéncia e posterlormente se limita. Mesmo quando, por emenda constitucional, sobrevém diminuigaéo do campo de uma competéncia — do ponto de vista légico, que se impoe ao exegeta —, 0 que houve ima reducéo da competéncia. Entretanto, para nao se esvaziar o texto constitucional — que nao seria lcito ao intérprete afirmar que uma digao é vazia —, ¢ forcoso entender limitagio constitucional, como o propés ALIOMAR BALEEIRO, com sua autoridade, no que fot acatado pela unanimidade da jurisprudéncia e da doutrina. Concebe o mestre como limitacao constitucional de competéncia os preceitos constitucionais formulados de modo negativo ou proibitivo, os quais, sem divida nenhuma, completam os contornos das competéncias. Esta é a tnica forma de se entender e interpretar o contetido dessa dispo- sigao constitucional, Esta formulagao engendra uma contradigao. Recordemos que RUI BARBOSA, 0 sumo expositor do nosso direito piblico, j4 assinalava que as disposigées proibitivas ou negativas ndo com- portam regulamentacao. R, Inf, legisl. Brasilia a. 19 n. 75 jul/set. 1982 9 Ora, se 6 da propria vocagio da lei complementar o regulamentar a Constituigo, se é préprio desse tipo de lei complementar (em sentido im- proprio) a Constituigdo, fica ai assinalada a contradigao. Em rigor técnico, em razdo disso, no poderia haver Normas Gerais de Direito Tributario no Brasil (principalmente porque o que a doutrina tem entendido como “limitagées constitucionais ao poder de tributar” esté nos arts 19 e, 20, que tém literalmente a formulagio negativa de proibicdes: “& vedado”). Entretanto, como o constituinte, com sua autoridade soberana, dispés contra a légica, é forcoso ao intérprete entender o seguinte: a) sao Normas Gerais de Direito Tributario as explicitamente reque- Tidas pelo texto, como € 0 caso do art. 19, item III, ¢, ou do art. 21, item IV; b) as regras declaratérias “despiciendas” explicitatérias do texto cons- titucional, as quais evidentemente nao podem acrescer, ampliar ou res- tringir o que neles se contém; é 0 caso, por exemplo, da imunidade inte- &rada, de que cuida o § 7° do art. 23 do texto constitucional, ou ainda o caso da redugdo de bases de célculo, nos convénios interestaduais de ICM. Outro exemplo 6 a disposigao contida no Cédigo Tributério Nacional sobre o principio da legalidade. Essa disposigao nfo inova, nada cria, nao regula limitacao alguma; simplesmente reproduz aquilo que j4 esta implicito com todas as suas exigéncias, em toda sua dimensdo, no texto constitucional. Se esse dispositive do Cédigo Tributério Nacional ampliasse ou res- tringisse as exigéncias que j4 se contém no princfpio constitucional da legalidade, essa medida seria inconstitucional. Outros exemplos invocdveis sdo os arts. 69, 7° e 8° do Codigo Tributario Nacional. Se dispusessem de modo contrario, seriam inconstitucionais. Se por outro nao existissem, em nada se alteraria 0 nosso direito posi- tivo; isto prova o quao inécuos sao: existindo nada acrescentam; nao exis- tindo, nada perde a disciplina existente. Se ampliarem ou restringirem a Constituigdo, so invélidos. ALIOMAR BALEEIRO ensina que: “A lei complementar nao cria limitagdes que j nao existam na Constituicao, nao restringe nem dilata 0 campo limitado. Completa e esclarece as disposigoes relativas 4 limitagao, facilitando sua execucio de acordo com os fins que inspiraram o legislader cons- tituinte.” Por isso PAULO BARROS CARVALHO observou que: “Nao procedem as ensinangas dos que, indo contra todas as evidéncias juridicas, renitem em que lei complementar tributéria compete o “regular o sistema constitucional tributdrio nacional”. Assim nao é porque, sobre o constituinte j4 se haver disso exaus- 100 R. Inf. legis. Brasilia a. 19 1, 75 jul/eat. 1982 tivamente ocupado, a disciplina tributéria est confiada a iniciati- va das pessoas politicas (Unigo, Estados e Municipios). A lei complementar outra coisa nao faz sendo disper sobre o sistema tribut4rio nacional, seja desdobrando normas constitucionais de eficdcia limitada, seja editando regras que espanquem os possfveis conflitos de competéncia entre as entidades tributantes” (A Norma Padréo do ICM, 1982, Sio Paulo, pag. 99). COMPETENCIA DO CONGRESSO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL, COMERCIAL ETC. E PARA EDITAR NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTARIO (*) 1. Do ponto de vista metodolégico, a primeira observacio que se impée 6 no sentido de chamar a atengan do intérprete para a circunstancia de que nao é da mesma amplitude, intensidade e natureza a competéncia que o Congresso Nacional recebe para o exercfcio de suas competéncias legislativas em matéria de direito civil, comercial etc. e aquela que recebe para editar normas gerais (de direito financeiro, art. 8°, XVI, ¢; educagio, desportos, art. 8%, XVII, q; direito tributario, art. 18, § 1°). Na verdade, a competéncia para legislar sobre direito civil, por exem- plo, € uma competéncia tnica, exclusiva, universal, abrangente e sem contraste. Nao é matéria que admite concorréncia legislativa. A Constituigao s6 conferiu esta competéncia a Unio (da mesma forma que a competéncia para legislar sobre direito comercial, processual, tra- balhista etc.), S6 a Unido tem competéncia para legislar sobre direito civil. Ninguém mais o tem. Toda matéria de direito civil é objeto de legislagao pela Unido. Nenhuma outra entidade partilha com a Unido 0 exercicio de competéncia legislativa relacionada com essa matéria. Como conseqiiéncia disto, toda e qualquer regra de direito civil ema- nada do Congresso Nacional — desde que nao contrarie preceitos constitu- cionais — é absolutamente valida e imediatamente aplicdvel. Neste sentido, lcito ao intérprete — diante de qualquer problema de direito civil — buscar solugio na legislacio civil editada pela Unido e imediatamente aplicar as regras préprias aos casos concretos. O mesmo ocorre, todavia, com relagao a normas de direito tribu- tério (ou administrativo). A Constituigéo criou trés esferas de fontes de direito tributério: Unido, Estados e Municipios. Isto se passa pela seguinte circunstancia: a Constituicao exige que o trato da matéria tributéria, a ser feito, em caréter inaugural — sempre e necessariamente — por lei, 0 possa ser por obra de trés legisladores ordindrios: 0 da Unido, o do Estado e do Municipio. Ao editarem leis tributarias, esto estes legisladores exer- cendo competéncias privativas e exclusivas, cujos parametros, limites e a (*) NR.: Este capitulo, com conclus&o especttica, fol publicado na Revista de Informa- qo Legislativa n, 72 (out./dex. 1961), pig. 45. R. inf, tegisl. Brasili 19 in, 75 jul/set. 1982 101 prépria tonica estao no texto constitucional, em carater inderrogavel, dado que nao s6 a Constituigao é rigida, como 0 préprio sistema constitucional tribut4rio tem a caracteristica de rigidez. O mesmo se passa com o direito administrativo, que, por isso, RUY CIRNE LIMA qualifica de “direito de aplicagao exclusiva”. E que o direito administrativo (e todos seus sub-ramos, inclusive o tributdrio) é instrumen- tal ee pessoas polfticas; 6 meio de afirmacao e explicitagdo das pessoas politicas. Pessoa politica — ou pessoa juridica publica de natureza politica —, ensina CELSO ANTONIO, é a entidade titular de direitos e ol publicas por exceléncia, criada pela Constituigdo, ou por esta regida, dotada de Poder Legislativo, ou seja, de competéncia para editar regras inovadoras da ordem juridica (leis). Dai a qualificagio que RUY CIRNE LIMA ihes 44 de pessoas constitucionais (no Brasil: Unido, Estados e Municipios), Estas pessoas necessariamente sao plenamente competentes para criar seu direito administrativo (e ipso facto) tributario. Assim surge o problema de se conciliar a privatividade, exclusividade, Tigidez e inalterabilidade das competéncias tributdrias dos legisladores ordi- narios com a competéncia que tem o Congresso Nacional para editar normas gerais de direito tributario. Impde-se a0 intérprete compatibilizar as compe- téncias tributdrias privativas com a competéncia da Unido para editar as normas gerais. Da circunstancia de o legislador constituinte ter atribuido a lei ordind- ria a competéncia para, em cardter privativo e exclusivo, disciplinar matéria tributéria no Estado, no Municipio e na Unido impée-se a conclusio no sentido de que estas leis sio imediatamente subordinadas a Constituigao, nela encontrando seus tnicos e exclusivos pardmetros e limites inderro- gaveis, Da circunstancia de ao Congresso Nacional atribuir-se a faculdade de editar normas gerais, mediante leis complementares, como previsto no § 1° do art. 18 do texto constitucional — em confronto esta competéncia com as competéncias ordindrias dos legisladores federal, estadual e muni- cipal —, se impde a dupla necessidade, em primeiro lugar, de distinguir a lei nacional das leis federais, para que se possa ter condigées de discernir a norma geral de direito tributdrio, veiculada por lei nacional, das leis ordindrias federais, editadas pelo Congresso Nacional, que se integram na ordem juridica parcial, que se opdem as ordens juridicas parciais periféricas, na concepgdo de KELSEN. ‘Uma segunda conclusao se impoe: é no sentido de que esta competén- cia, para ediggo de normas gerais, é excepcional. Ela 6 excepcional no sentido de que vem abrir excecdo 4 exclusividade da lei tributaria federal, estadual e municipal. Na verdade, aplicando-se ao direito tributario a afirmagéo de CIRNE LIMA no sentido de que “o direito administrativo é direito de aplicagéo exclusiva”, verifica-se que também o direito tributario 0 é. 12 R. inf. legisl. Brasitia s. 19 1m. 75 [ulfeat. 1982 A primeira vista, parece dificil a tarefa de compatibilizar legislacdes privativas (federal, estadual e municipal) com as normas gerais. Note-se que a Constituigéo nao diz explicitamente que sao normas gerais. Incumhe ao intérprete dizé-lo, procedendo 4 exegese do contexto sistematico da Cons- ituigao. O direito tributario, como visto, é de aplicagio exclusiva. Quer dizer, diante da lei tributdria ordindria aplicdvel a um caso concreto, o intérprete excluira necessariamente — por forca de exigéncia constitucional — a aplicacdo de toda e qualquer outra lei tributaria (no sentido de lei tributaria oriunda de legislador que nao seja aquele consti- tucionalmente competente para disciplinar aquela matéria). Isto salienta o carater excepcional da norma geral de direito tributario. Ora, se, dentro do sistema constitucional, a norma geral é uma excegio, © primeiro (légica e cronologicamente) intérprete do texto constitucional, que € o proprio legislador complementar, havera de — no momento em que se entregue & tarefa de elaboragdo das normas gerais — interpretar restritivamente 0 préprio preceito constitucional do § 19 do art. 18. Elabora- r4, portanto, poucas regras, e de modo parcimonioso, dada a excepcionali- lade da competéncia para editar normas gerais (excepcionalidade em confronto com sua competéncia ampla e irrestrita para legislar sobre direito civil, comercial etc.). Em segundo lugar, deveré a propria norma assim elaborada (ou seja: elaborada no exercicio dessa competéncia para edicio de normas gerais de direito tributério) ser interpretada também restritivamente, porque cuida de excegées, além de estar num campo excepcional. Ao contrario do que muitos tém proposto, no se pode interpretar iso- ladamente o § 1° do art. 18 da Constituicio, mas devese, pelo contrario, proceder a uma interpretagao sistematica de todo o conjunto de principios e normas constitucionais sobre a matéria, para entdo aportar-se a resultados seguros e correntes. COMPETENCIA DA UNIAO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL E SOBRE NORMAS GERAIS Equivocam-se gravemente os aplicadores administrativos ou judiciais que — diante de qualquer questao concreta de direito tributério — invo- cam e aplicam © Cédigo Tributaério Nacional sem antes se darem ao tra- balho de verificar de sua invocabilidade no caso. Como se trata de direito excepcional, antes é preciso ver se se d4 a hipétese excepcional que jus- tifiea tal invocagdo. De modo geral, entende-se apressada ¢ simplesmente que essa lei na- cional & aplicdvel a qualquer questdo. & pressuposto implicito dessa inteli- géncia que o CTN é da mesma natureza que o Cédigo Civil. Supée errada- mente quem assim reage que a competéncia do Congresso para editar essas R. Inf, legisl. Brasilia a. 19 n. 75 jul./set. 198? 108 leis é de igual extensao e intensidade. Mais remotamente, essa suposigdo Tepousa na errénea concepgio de que a Unido é pessoa “superior” a Es- tados e Municfpios e, por isso, suas leis se superpoem as leis estaduais e municipais. Esse modo de ver — além de revelar desconhecimento da Constituiggo — traduz uma cosmovisao do nosso direito positive que Ihe atribui quali- dades formais e substanciais que o igualam ao dos Estados unitArios, como Franga, Itélia, Espanha etc, E a divulgacao acritica da excelente literatura Juridica desses paises nao contribui para solidificar todos esses equivocos. Incidem em grave erro as partes quando postulam em jufzo invo- cando 0 CTN “a torto e a direito”. E juizes e tribunais, de modo alarman- temente simplista, “vio nessas aguas”, aplicando como direito comum o CTN, sem considerar seu cunho excepcional e extraordinério (em contraste com 0 direito civil, comercial etc., esses, sim, t{pico direito comum). Na verdade, nio so iguais as competéncias da Unido para legislar sobre direito privado e sobre normas gerais de direito tributario. Daf ndo se poder, com a mesma naturalidade, facilidade e freqtiéncia, valer-se o aplicador das leis editadas no exercicio dessas competéncias. As radicais diferengas entre as competéncias do Congresso para le- gislar sobre direito civil, comercial, processual, penal etc. e sobre normas gerais de direito tributario precisam ser objeto de detida meditagdo, por suas excepcionais conseqiiéncias praticas, traduzidas em inderrogaveis — porque constitucionais — exigéncias de aplicacao. Tais diferengas so de forma, de natureza, de extensdo e de matéria. Podem ser sintetizadas no seguinte quadro: COMPETENCIAS LEGISLATIVAS DO CONGRESSO Normas Gerais de Direito Tributério (art. 18, § 19) Direito Civil ete. (Art. 89, XVII, “e") ilimitada titucionais. Examinemos cada critério de diferenciagio, 104 R. Inf, legisl. Brasilia a, 19 n. 75 jul./set. 1962 Diferenga de forma Unicamente mediante um veiculo especial, por seu regime, pode o Congresso expedir norma geral de direito tributario (NGDT). Além de seu projeto nao poder sujeitar-se a prazos para discussaéo, nio comporta apro- vagio fieta pelo Congresso. Por outro lado, 0 quorum de aprovacdo da lei complementar 6 especial e qualificado, o que essencialmente caracteriza seu regime juridico. A lei civil, pelo contrario, é veiculada por lei ordinaria, dotada de re- gime de elahoracio oposto. Diferenga de natureza Falar da natureza de uma competéncia legislativa é falar de sua in- trinseca qualificacdo juridiea, A natureza 6 algo que resulta de exigéncias sistematicas sitas nos pressupostos da competéncia de quem produz 0 ato e ndo no ato em si, Nesse sentido, nao depende da vontade do produtor do mesmo ato, mas de uma vontade superior, a que fixa a competéncia, lhe da os contornos e estipula as exigéncias a que se hd de submeter para repu- tar-se regularmente exercitada e, pois, ser eficaz (no sentido que 4 ex- presséo da ZANOBINI: apta a produzir seus efeitos préprios). Na base desta verificagao esté a inarredavel distingio — jA que de competéncia legislativa se cuida — entre poder constituinte e poder cons- titufdo e, em conseqiléncia, entre as normas emanadas de cada qual. Assim, o texto constitucional atribuiu & Unido competéncia para le- gislar sobre qualquer assunto que se reconheca recair no campo do di- reito civil, ¢ legislar irrestritamente, amplamente, somente tendo por ba- lizas os princfpios e normas constitucionais que direta ou indiretamente incidam nesse campo. Logo, a lei civil emanada do Congresso o 6 em cardter ordinario, co- mum, corrente, normal, amplo, Essa funcao ¢, por assim dizer, ordinaria, além de exclusiva do Legislativo nacional. J& no que respeita ao direito tributario, a Constituigao previu trés fontes normativas: Congreso, Assembléias Legislativas e Cémaras Muni cipais. E cuidou de quatro normas juridicas, que se néo superpéem, com pos- sibilidade de incidir na matéria: leis nacionais, leis federais, leis estaduais e leis municipais. 0 campo de cada qual foi rigorosamente separado, por matéria, de modo a evitar superposigées e atritos, Cada qual tem seu campo material proprio, de modo a nao ser pos- sivel a invocabilidade concomitante de mais de uma norma. Assim, nos casos em que cabe aplicar a lei nacional, nao se aplica nenhuma outra, Nos casos em que incide a lei municipal, ela o faz exclusivamente, com cardter R. Inf. legisl. Brasilia 2. 19 n. 75 jul/set. 1982 105 de privatividade. Quando invocavel a lei federal, néo o sera a nacional. Quando a nacional, nio a estadual e assim por diante. Como a tributagdo ¢ conatural 4 autonomia de Estados e Municipios e instrumental dessas autonomias, j4 estaria implicita a legislagio plena propria de cada qual. O constituinte, porém, foi expresso, ao deixar subli- nhado e enfatizado que as leis tributarias estaduais e municipais seriam tinicas, exclusivas, nas suas esferas. Daf o ficar evidente que a norma geral emanada da Unido 6 uma dentre inimeras outras leis tributérias. Tem por limite o campo constitu- cional préprio das demais, Nao rege, em carater ordinario, toda a matéria, mas s6 aquilo que, por sua natureza, recaia no seu restrito campo. Nao Ihe cabe dispor sobre a criagdo de tributos, nem, via de conse- qiiéncia, sobre a extingao dos mesmos. Seu campo é materialmente restrito, pelo texto constitucional, a dispor sobre conflitos de competéncia (onde eles sejam verificdveis) e regular limitacdes constitucionais ao poder de tributar (art. 18, § 19). Destas consideragées se vé a natureza excepcional (e, pois, restrita) dessa competéncia do Congreso, em flagrante oposi¢ao 4 ampla e irrestrita competéncia para legislar sobre direito civil (e outras matérias, como pre- visto no art. 89, XVI, ¢). Diferenga quanto & extensio Disso resulta que a extensdo (amplitude) da legislacao é forgosamente, também, diversa. Salvo parametros constitucionais, a lei civil nao conhece limites & sua aplicabilidade. Estende.se a todas as relagdes, todas as situagdes ma- terialmente reconhecfveis como suas proprias. Ja a norma geral de direito tribut4rio tem por insuperdveis limites positivos os restritos 4 matéria que constitucionalmente foi reservada ao Congresso, nesse ponto (art. 18, § 19), e negativamente o que seja da ampla competéncia dos Legislativos esta- dual e municipal. B, pois, restrita a extensio da competéncia da Unido para emanar normas gerais, em contraste com aquela para editar a lei civil. Diferenca quanto @ matéria Impée-se reconheca o intérprete que materialmente a norma geral & diferente da lei ordinaria, sob pena de atribuir cunho cadtico ao sistema constitucional. Ora, so diversas as matérias proprias da lei de normas gerais, relativamente & lei ordindria, ou 0 Congresso tem poder arbitrario, atua irrestritamente e, pois, nao é obrigado a respeitar a autonomia de Estados e Municipios. 106 R. Inf, legisl, Brasilia a. 19 n. 75 [ul./set. 1982

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