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Faculdade_de_Direito_da_UFRJ
Francisco Alcântara Nogueira nasceu em Iguatu – Ceará, no dia 15 de abril de
1918…e faleceu em Fortaleza, a 26 de março de 1989. – Numa época em que
educação era um privilégio… por seus pais eram pessoas de posse…foi, em 1935,
ao Rio de Janeiro, concluir sua educação superior…onde logrou bacharelar-se
em Direito…na antiga ‘Faculdade Nacional do Brasil’ (hoje UFRJ)… – na Praia
Vermelha/Urca.
Durante os últimos 45 anos de sua vida, colaborou nos mais diversos órgãos da
imprensa nacional e estrangeira, destacando-se “Dom Casmurro”…“Correio da
manhã”, “Jornal do Brasil”, e “O Estado de São Paulo”… – Publicou dezenas de
opúsculos e livros…dos quais citamos: “Opúsculo de Filosofia” (1938), contendo
3 dissertações sobre o pensamento de Spinoza …“Spinoza e Descartes”…“Das
paixões e da moral segundo Spinoza”, e “Deus na concepção de Spinoza”; “O
universo – Tratado de filosofia racional”, RJ – 1950… “Ideias vivas e Idéias
mortas”, RJ, 1957; “O pensamento filosófico de Clóvis Beviláqua”, prefácio de
Hermes Lima, RJ – 1959; “Farias Brito e a filosofia do espírito”…RJ/São Paulo,
1962; “O método racionalista-histórico em Spinoza”, com prefácio de Miguel
Reale, São Paulo, 1976…edição comemorativa dos 300 anos de morte de
Spinoza … “Filosofia e ideologia”, São Paulo, 1979 – uma coletânea de artigos
publicados ao longo da vida do Autor, ainda alguns com escritos
inéditos…“Conceito ideológico do Direito na Escola do Recife”, com prefácio de
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), Fortaleza, 1980… – e um livro que
trata do Humanismo em Spinoza, Feuerbach e Marx, “Poder e Humanismo”,
publicado em Porto Alegre, 1989; além da publicação de outros escritos
(alguns inéditos).
Tudo isto era tido e aceito há mais de 200 anos. – Porém, o livro do pensador
cearense, além de mostrar o verdadeiro sentido do racionalismo spinoziano,
ainda discute várias afirmações tradicionais imputadas ao filósofo holandês,
demonstrando em que sentido são exatas ou falsas. E tudo isso…com
autonomia, riqueza de documentação e erudição, ao invés de se limitar a dizer
amém aos intérpretes tradicionais.
Spinoza viveu de acordo com suas ideias, e suas ideias constituíam um sistema,
uma visão de mundo… – Assim, no torvelinho das lutas e contradições, o
comportamento de Spinoza não só se racionalizou, através de continuado
progresso… – como quase se confundiu com a elaboração de sua filosofia.
Talvez nenhum outro filósofo haja construído – como ele… a sua ideologia,
colocando a investigação do espírito em consonância com a realidade social de
seu tempo… – em plena marcha para o futuro… – que, muitas vezes … iria
confirmá-la.
É que Sócrates acreditava numa imortalidade não apenas do ente alma, mas
numa imortalidade pessoal, vivendo em conseqüência e em função
desta. Spinoza, como não aceitava uma imortalidade de caráter
pessoal…como muitos líderes religiosos, rejeitou também qualquer espécie de
sobrenaturalidade em seu sistema. – É neste sentido que o autor diz que
Spinoza humanizou o pensamento filosófico…
Criar do nada significa…criar alguma coisa que para existir não supõe nada
antes dela a não ser Deus. Mas, Deus e o Universo são uma só unidade…E, isso
explica por que – tanto a criação única (Big Bang), quanto a pluralista
(‘multiversos‘) não podem se ajustar ‘a rigor’…ao pensamento de Spinoza.
O filósofo holandês naturalizou Deus e humanizou a Natureza… – não no
sentido antropomórfico, mas no sentido de que rejeitou a forma de
‘sobrenaturalismo’ ou ‘transcendentalidade’ de um Deus, aceitando o Universo
como autor de si mesmo:
Para Spinoza, o entendimento de Deus e as coisas entendidas por Ele são uma, e
mesma coisa (há semelhança com o que dissera o próprio Aristóteles, na
‘Metafísica’, ao afirmar que Deus pensa o próprio pensamento)… “Se a verdade
sobre as coisas, e conhecimento dessa verdade são coisas diferentes, e por
outro lado… – se Deus conhece toda verdade (com sua onisciência), então a
proposição “Deus conhece toda verdade”, se verdadeira, não está dentro do
entendimento de Deus. E não estando, então é falso dizer que “Deus conhece
toda verdade”… E, se continuarmos nessa linha de raciocínio, dizendo que…“é
verdade que Deus conhece toda verdade”… – cairíamos numa progressão
infinita”.
Embora esse problema seja seríssimo para quem gosta de raciocinar para além
do infinito, em Spinoza ele não existe – porque o filósofo holandês rejeitou a
‘transcendentalidade’ de Deus… – E fazendo isso, não houve mais separação
entre Deus e as coisas, desaparecendo consequentemente o dualismo entre as
coisas, e o conhecimento sobre elas, isto é, entre a verdade e o conhecimento da
verdade. – Portanto, em Deus, conhecimento e verdade são uma só, e mesma
unidade.
“Resolvendo pois, aplicar a minha atenção à política… – não foi meu desejo
descobrir nada de novo nem extraordinário, mas somente demonstrar, por
argumentos certos e indiscutíveis; ou, noutros termos, deduzir da condição
mesma do gênero humano – um certo número de princípios perfeitamente de
acordo com a experiência”.
/estado-de-natureza-contrato-social-estado-civil-na-filosofia-de-hobbes-locke-
e-rousseau/
Quanto à origem da sociedade civil – Spinoza não parte das doutrinas
contratualistas e abstratas de um Hobbes, Locke ou Rousseau, que fazem com
que os homens se tornem civilizados de um momento para outro após
celebração de um alegórico contrato social. Para Spinoza, não há oposição entre
‘estado de natureza’ e ‘estado civil’, mas sim…uma continuação daquele neste.
Isto é, o homem permanece na sociedade civil guiado pelos mesmos ditames
(egoístas) que o faziam agir no estado natural…ou seja, o esforço para
autoconservar-se, que faz parte do seu “conatus“. Desse modo, Spinoza não
rompe com o ‘estado de natureza’, mas o conserva na sociedade civil…onde
cada homem deve lutar por vantagem própria, visando sua autopreservação.
Como os homens – de modo geral, agem irracionalmente – existem conflitos na
sociedade civil, e cada um deve defender seus interesses…mas, se agissem
racionalmente, o interesse de cada um não seria incompatível com o interesse
do coletivo… — “Logo… se o estado de natureza não se define pela razão (como
pretendem Hobbes, Locke e Rousseau), no estado civil verifica-se o mesmo,
sendo que o direito do homem será proporcional ao maior poder que ele
obtenha quando se associar aos outros homens e, portanto, maior será a sua
força”.
Um homem só, isolado, não tem direitos, pois estes são de natureza social. Mas,
ao viver em comunidade, adquire direitos, e tais direitos aumentam com o
poder da comunidade. E, o homem será tão mais livre, quanto mais
racionalmente agir na sociedade. Mas, para compreender o homem é preciso
enxergar toda sua extensão, e uma delas é sua História, porque é lá
que…verdadeiramente… ele se encontra… – realizando-a … e modificando-a.
O pensamento historicista de Spinoza procura compreender o homem em todos
seus aspectos – razão e ação… Sua razão cresce, com o aperfeiçoamento dos
instrumentos de ação, e estes com aquela, numa interação (ou ‘processo
dialético’) que se dirige ao progresso humano. O intelecto forma seu
instrumento de trabalho — como acontece com as mãos, que constroem seus
utensílios…E assim explica Spinoza esse processo:
Spinoza, pois, com seu método racionalista, na verdade, não rompe com o
passado, com a historicidade, com a ‘condição do gênero humano’, nem apela
para um racionalismo puro, logicista, que despreza a experiência. O
‘racionalismo spinoziano’ é apenas um método…o uso da razão para buscar o
conhecimento… porém, sem deixar de lado o mundo prático, a historicidade do
homem, e sua condição de membro participante de um todo cultural por ele
criado.