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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 7 de agosto de 2016 • Política • 3

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ESCÂNDALO DAS PASSAGENS

Só 43 parlamentares, de um total de mais de 250, devolvem dinheiro de bilhetes usados por parentes e amigos no Brasil e no exterior

Nas asas da impunidade

» EDUARDO MILITÃO
Os “esquecidos” Os arrependidos
a s s a d o s sete anos da

P
revelação de que cente-
nas de congressistas e
ex-parlamentares usa-
vam suas cotas de passagens aé-
reas para fins particulares, apenas
43 ressarciram os cofres públicos,
segundo levantamento obtido
pelo Correio a partir de docu-
mento interno da Câmara e de
pesquisas da reportagem (veja
quadro). A União recuperou pou-
co mais de R$ 400 mil gastos em
viagens de avião para o Brasil ou
exterior em que os bilhetes bene-
ficiavam deputados, senadores,
familiares, amigos e até desco-
nhecidos. Só na companhia aérea
TAM, foram R$ 4 milhões em gas-
tos no exterior por mais de 260
deputados entre 2007 e 2008. As
passagens só poderiam ser usa-
das pelos congressistas a traba-
lho, mas os bilhetes caíam até nas
mãos de operadores de turismo
de Brasília.
Informações oficiais sobre
quem havia de fato devolvido o
que gastou com passagens aé-
reas eram ignoradas até hoje,
mas foram localizadas pelo Cor-
reio. Os dados do Senado ainda
são ignorados.
Deputados, senadores e auto-
ridades deixaram de recolher o
dinheiro do contribuinte. Entre
eles, o senador Álvaro Dias (PV-
PR), a ex-senadora e vereadora
de Maceió (AL) Heloísa Helena
(Rede), o deputado Arnaldo Fa-
ria de Sá (PTB-SP), o deputado e
ex-ministro do Esporte George
Hilton (PROS-MG) e até o hoje
presidente interino, Michel Te-
mer (PMDB).
Entre os que abriram o bolso
para pagar ao menos parte do
que gastaram, o ex-líder do PPS
na Câmara Fernando Coruja (ho-
je no PMDB-SC) lidera o pelotão.
O político não ressarciu as via-
gens que ele e a mulher fizeram a
Paris e a Buenos Aires, mas infor-
mou ter pago R$ 84 mil de crédi-
tos que estavam acumulados nas
companhias aéreas e sem uso —
uma espécie de conta-corrente
mantida com recursos do Legis-
lativo. O deputado Chico Alencar
(PSOL-RJ) colocou de volta nos
cofres públicos R$ 69 mil em cré-
ditos que estavam nas compa-
nhias e mais R$ 2 mil de uma
passagem não utilizada, segun-
do o gabinete.
Fundador da igreja Sara Nos-
sa Terra, o ex-deputado Robson
Rodovalho (PR-DF), restituiu
R$ 46 mil usados por cantores
que se apresentaram um evento
evangélico em Brasília. O depu-
tado Fábio Faria (PSD-RN), filho
do governador do Rio Grande do
Norte, pagou R$ 23 mil para re-
por os gastos com viagens da sua
então namorada e apresentado-
ra de TV Adrianne Galisteu. O di-
nheiro também ressarciu a via-
gem dos artistas Kayky Brito,
Sthefany Brito e Samara Felippo
quando participaram do carna-
val fora de época em Natal no
camarote do próprio deputado,
o Athlética.
Porto Seguro
Em 29 de janeiro de 2008, no
recesso parlamentar, Michel Te-
Minervino Junior/CB/D.A Press
Lúcio Bernardo Jr./Agência Câmara
Em sentido horário, a partir do alto à esquerda, Dias, Heloísa Helena, Hilton e Faria de Sá: nada de ressarcimento
mer levou a primeira-dama, Mar-
cela Temer, e familiares para a ci-
dade litorânea Porto Seguro (BA).
Eles embarcaram num voo da an-
tiga Varig junto com o irmão do
presidente, Adib Temer, a irmã da
primeira-dama, Fernanda Tedes-
chi, e um parente de Temer cha-
madoWallyTemer. A assessoria de
imprensa de Temer justificou ao
Correio que entende que “a legis-
lação da época não impedia esse
uso”. O argumento foi combatido
pelo Ministério Público em reco-
mendação, em 2009. A assessoria
do interino enfatizou que, depois
do escândalo das passagens, a re-
gra que tratava do tema foi atuali-
zada e ficou mais restrita.
O ex-ministro do Esporte do
governo Dilma George Hilton
voou com a mulher, Gorete Ce-
cílio, a Buenos Aires e Monte-
vidéu, em junho e julho de
2007, pela TAM. O jornal pe-
diu, mas não obteve esclareci-
mentos do deputado.
A ex-senadora Heloísa Hele-
na deixou o Senado, mas usou
os créditos de passagens que
acumulou para pagar uma via-
gem de avião para o filho Ian
Carvalho, que voou três vezes
entre Brasília e Maceió. O gabi-
nete da vereadora não respon-
deu ao pedido de esclarecimen-
tos do Correio. Em 2009, ela dis-
se que agiu “de acordo com a le-
galidade institucional vigente”.
“Não sou parte dos bandos que
patrocinam orgias com dinheiro
público. Não recebo aposenta-
doria parlamentar, não uso pla-
no de saúde do Senado.”
Minervino Junior/CB/D.A Press
Evaristo Sa/AFP
Economia
Álvaro Dias Filho, filho do se-
nador do PV, viajou a Montevidéu,
no Uruguai, em setembro de 2008.
O transporte foi bancado pelo Se-
nado, assim como o de outras três
pessoas com destino a Buenos Ai-
res naquele mesmo mês. Por meio
de assessoria, o senador disse que
“agiu dentro das regras previstas à
época”.“Todos os anos vem devol-
vendo aos cofres públicos verbas a
que tem direito”, continuou. “Na
prestação de contas de 2014, por
exemplo, o senador Álvaro Dias
economizou R$ 484 mil.”
Arnaldo Faria de Sá usou verba
da Câmara para viajar com a mu-
lher e a mãe para Miami, nos Esta-
dos Unidos, a fim de acompanhar
o nascimento de um neto em de-
zembro de 2007. O gabinete não
retornou contatos do jornal.
“Não existe”
O Correio questionou a Câma-
ra e o Senado para saber se mais
parlamentares haviam devolvido
dinheiro gasto com passagens
além da listagem obtida pelo jor-
nal até o fim de 2010, um ano de-
pois do caso ser revelado. A Câ-
mara disse que “a área responsá-
vel pela Cota para o Exercício da
Atividade Parlamentar” alegou
que “não existe um arquivo con-
solidado com a informação solici-
tada”. O Senado afirmou que “as
informações solicitadas não estão
acessíveis em função dos meca-
nismos de registros adotados no
período solicitado”.
MPF: lei
proibia
Em documento enviado à
Câmara, cinco procuradores da
República contrariam argu-
mento de parlamentares de que
o silêncio da lei permitia uso de
passagens para fins particula-
res. Para o Ministério Público, o
uso dos bilhetes aéreos deveria
seguir princípios constitucio-
nais. Ou seja, dinheiro público
só pode ser usado para traba-
lho. Além disso, argumentaram
eles, políticos só podem fazer o
que é estritamente permitido
pela lei — e não devem fazer o
que lei não proíbe. “O silêncio
da lei ou da norma que rege a
matéria deve ser interpretado
como vedação à prática das con-
dutas não autorizadas expres-
samente”, escreveram Anna Ca-
rolina Maia, Bruno de Acioli,
Carlos Henrique Lima, Daniela
Batista e Paulo José Rocha. “Não
há no Ato da Mesa nº 42/2000
qualquer autorização para utili-
zação da referida Cota para
emissão de bilhetes aéreos em
nome de terceiros que não o do
parlamentar”, explicaram.
Em 2009, a Câmara contratou
um parecer jurídico por R$ 80
mil em que o jurista Manoel Gon-
çalves fez interpretação igual à
usada pelos deputados sobre o
tema e contrária à do Ministério
Público. (EM)
Confira os nomes dos parlamentares que ressarciram
gastos com passagens usadas fora do mandato
Político Valor devolvido (R$)
Fernando Coruja (PMDB-SC), deputado estadual 84.000,00
Chico Alencar (PSOL-RJ), deputado 71.737,87
Bispo Rodovalho (PP-DF), ex-deputado 46.614,40
Fábio Faria (PSD-RN), deputado 23.748,60
João Alfredo (PSOL-CE), vereador 19.580,14
Lincoln Portela (PR-MG), deputado 18.500,00
Paulo Piau (PMDB-MG), prefeito 16.636,25
Geraldo Magela (PT-DF), ex-deputado 14.000,00
João Dado (PDT-SP), ex-deptuado 12.230,02
Edio Lopes (PMDB-RR), deputado 9.116,34
Vanderlei Macris (PSDB-SP), deputado 8.596,94
Leonardo Quintão (PMDB-MG), deputado 7.731,45
Fernando Gabeira (PV-RJ), ex-deputado 6.756,79
Armando Monteiro (PTB-PE), senador 6.435,00
José Aníbal (PSDB-SP), deputado 6.258,82
Moreira Mendes (PPS-RO), ex-deputado 5.478,43
Paulo Bornhausen (PSB-SC), ex-deputado 5.313,25
Rogério Marinho (PSDB-RN), deputado 4.774,48
Jurandy Loureiro (PSC-ES), deputado 4.310,90
Mendes Thame (Rede-SP), deputado 3.744,56
João Paulo Cunha (PT-SP), ex-deputado 3.596,47
Luiz Paulo Vellozo (PSDB-ES), ex-deputado 2.717,32
Vilson Covatti (PP-RS), deputado 2.299,10
Rafael Guerra (PSDB-MG), deputado 2.285,25
José Fernando Aparecido (PV-MG), deputado 1.635,26
Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), deputado 1.447,00
Sandro Mabel (PMDB-GO), ex-deputado 1.365,58
Marcos Medrado (SD-BA), deputado 1.178,24
Julião Amin (PDT-MA), deputado 1.143,10
Osmar Serraglio (PMDB-PR), deputado 1.010,66
Dagoberto Nogueira (PDT-MS), ex-deputado 893,04
José Mentor (PT-SP), deputado 837,74
Uldurico Pinto (PHS-BA), ex-deputado 779,67
Paulo Rocha (PT-PA), senador 764,04
Fernando Coelho Filho (PSB-PE), deputado 735,04
Eduardo Sciarra (DEM-PR), deputado 597,24
Jairo Ataíde (DEM-MG), deputado 550,04
Alceni Guerra (DEM-PR), deputado 452,82
Osmar Terra (PMDB-RS), deputado 448,62
Raul Jungmann (PPS-PE), ministro 407,15
Fátima Bezerra (PT-RN), deputada 320,22
Carlos Sampaio (PSDB-SP), deputado 304,58
Leandro Sampaio (PPS-RJ), ex-deputado 238,62
TOTAL GERAL 401.571,04
Média de ressarcimento 9.338,86
Metade devolveu até 2.717,32
*Pagamentos feitos com guia, desconto em folha ou a partir de restituição de
créditos que estavam “parados” nas companhias aéreas, entre abril de 2009 e maio
de 2010.
Fontes: Câmara dos Deputados e informações do Correio.

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