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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

DIEGO GOMES LEITE DA CRUZ

VIÔLENCIA X MENINOS-HOMENS NEGROS:


REPRESENTAÇÕES E ESTEREÓTIPOS

SÃO PAULO
2018
DIEGO GOMES LEITE DA CRUZ

VIÔLENCIA X MENINOS-HOMENS NEGROS:


REPRESENTAÇÕES E ESTEREÓTIPOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como exigência parcial para
a obtenção de titulo de Pós-Graduação do
Curso de Cinema e Multimeios da
Universidade Anhembi Morumbi.

Orientadora: Profa. Dra. Marcia Ortegosa

SÃO PAULO
2018
DIEGO GOMES LEITE DA CRUZ

VIÔLENCIA X MENINOS-HOMENS NEGROS:


REPRESENTAÇÕES E ESTEREÓTIPOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como exigência parcial para
a obtenção de titulo de Pós-Graduação do
Curso de Cinema e Multimeios da
Universidade Anhembi Morumbi.

São Paulo, ___ de ___________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Profa. Dra. Marcia Ortegosa

________________________________________

________________________________________
RESUMO

CRUZ, Diego Gomes Leite da. Viôlencia x Meninos-Homens Negros:


Representações e Estereótipos. 2018. 27 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-
Graduação) – Cinema e Multimeios. Universidade Anhembi Morumbi. São Paulo,
2018.

Pensando no poder das narrativas e nas imbricações que as mesmas podem


sugerir, as representações das personagens negras, num contexto de narrativas
hegemônicas – eurocêntricas e coloniais –, por vezes, assumem papéis que
reforçam estereótipos e apagamentos. Nesse sentido, no recorte da construção da
violência implicada aos corpos masculinos negros, a pesquisa visa instigar uma
reflexão sobre como se dão essas representações por meio de vídeos curtos que,
justapostos, podem sugerir essa ideia de pensamento reflexivo.

Palavras-chave: Representação. Negritude. Masculinidades. Violência.


Transcinemas.
ABSTRACT

CRUZ, Diego Gomes Leite da. Violence x Black Boys-Men: Representations and
Stereotypes. 2018. 27 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação) –
Cinema e Multimeios. Universidade Anhembi Morumbi. São Paulo, 2018.

Thinking about the power of the narratives and the imbrications they may suggest,
the representations of the black characters, in a context of hegemonic narratives –
eurocentric and colonial –, sometimes assume roles that reinforce stereotypes and
erasures. Therefore, from the construction of violence construction of the violence
implied to the black male bodies, the research seeks to instigate a reflection on how
these representations are given through short videos where juxtaposed, may suggest
this idea of reflective thinking.

Keywords: Representation. Blackness. Masculinities. Violence. Transcinemas.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Lázaro Ramos Atuando em Madame Satã ............................................... 13


Figura 2: Dadinho ri enquanto atira .......................................................................... 15
Figura 3: Perfil do Instagram do Artista Moisés Patrício .......................................... 20
Figura 4: fotografias e escultura na mostra “Aceita?” na Red Bull Station ............... 20
Figura 5: Interface Adobe Premiere ......................................................................... 22
Figura 6: Interface InShot ......................................................................................... 23
Figura 7: Instagram (funcionalidade stories) ............................................................ 24
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7
2. O LUGAR SOCIAL DO HOMEM NEGRO E SUAS REPRESENTAÇÔES ........... 9
2.1 Violência como capital simbólico: opressão x reprodução ........................... 9
2.2 A naturalização da violência como algo intrínseco ao corpo masculino
negro ........................................................................................................................ 12
3. CECI NES’T PAS ARTE CINEMA ...................................................................... 17
3.1 Estruturas preestabelecidas, rupturas e variações ..................................... 17
3.2 Espaços da arte e do artista: dimensões físicas e simbólicas .................... 18
4. METODOLOGIA: DE QUEM É O FALO QUE CALA AQUELES QUE QUEREM
TER FALA? .............................................................................................................. 22
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 27
REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS ................................................................. 27
REFERÊNCIAS ONLINE ......................................................................................... 28
7

1. INTRODUÇÃO

As representações das masculinidades e, nesse caso, das masculinidades


negras, pensando nas relações entre machismo, violência sofrida x violência
reproduzida, performance da branquitude, heranças coloniais e nas intersecções
entre raça, classe e gênero, são de suma importância para pensar uma perspectiva
descolonial, antirracista e antimachista.
Nesse contexto, como se dão as representações das personagens negras na
perspectiva da construção da violência? As obras audiovisuais Cidade de Deus
(Meirelles, 2002), Madame Satã (Aïnouz, 2002), Moonlight (Jenkins, 2017) e Pantera
Negra (Coogler, 2018), e as representações das personagens negras masculinas na
temática da violência, servirão de mote para apontamentos de diferenças,
aproximações, relações dessas imagens e reproduções de violência física e
simbólica tendo corpos negros como alvo e/ou atribuição, reprodução de
estereótipos e de um modelo desgastado de masculinidade tóxica. A pesquisa terá
como ponto de partida conceitos advindos de estudos do sociólogo negro Túlio
Custódio a propósito das masculinidades negras, do poder das ficções e de uma
redistribuição da violência proposto pela bicha não binária, negra, ensaísta e
performer Jota Mombaça e da investigação do teórico cultural, sociólogo, negro,
jamaicano Stuart Hall acerca das representações culturais e de como essas imagens
apresentam realidades, valores e identidades.
A partir dessa pesquisa, apoiado pelos conceitos de transcinemas propostos
por Katia Maciel, artista, cineasta e poeta, bem como na experiência do celular como
ferramenta e suporte na proposta do artista contemporâneo, negro e advindo da
periferia de São Paulo, Moisés Patrício, será realizado um vídeo com a proposta de
reflexão acerca de como essa violência física e simbólica chega nesses corpos bem
como também parte desses corpos com base em reproduções de modelos
hegemônicos opressores e/ou como mecanismos de resposta e defesa. Usando
cenas dos filmes analisados e imagens arquivo, iremos montar uma sequência de
vídeo stories1 a ser postado na rede social instagram onde o participador2 interage

1Recurso de carregamento de fotos e vídeos de até 15 segundos da rede social instagram.


2Conceito criado por Hélio Oiticica para caracterizar o espectador como parte da obra. Sem a
participação do espectador, a obra não existe.
8

deixando que as imagens prossigam ou que avance de acordo com sua escolha,
ocultando e/ou formulando outras possibilidades de resultados numa tentativa
próxima das ideias de Sergei Eisenstein (1942) onde, segundo ele, cria-se novos
conceitos, novas qualidade a partir da justaposição de dois ou mais pedaços de
filme. Ou mesmo ainda, inspirada no “Efeito Kuleshov”3, sugerir uma concepção com
interatividade desse experimento.
A narrativa criada, não terá a pretensão de responder questões, mas sim de
discutir as aproximações e distanciamentos dessas representações para além de
uma análise binária.

3Experimento proposto por Lev Kuleshov onde pretende como resultado mostrar que um plano
adquire significado em relação aos que antecedem e lhe seguem.
9

2. O LUGAR SOCIAL DO HOMEM NEGRO E SUAS REPRESENTAÇÕES

“Um poço de estereótipos, trata como objeto, nota


O pau grande, a mal comida, a revoltada, o da cota”
(Nego E)

As desconstruções propostas pelos feminismos, sobretudo os feminismos


negros onde podemos apontar pelo menos dois pesos históricos de opressão sendo
eles de gênero e de raça, questionam as posições femininas em uma sociedade
racista e sexista e nos evidenciam objetificações e violências construídas,
sobretudo, a partir dessas relações de gênero. E é notável perceber como homens
negros perpetuam e reproduzem essas construções.
A partir disso, podemos pensar acerca do lugar do homem ou das
masculinidades nesse cenário e, como as discussões de gênero muito se conectam
com outras opressões históricas. Quando analisamos o genocídio da população
jovem negra na periferia ou quando falamos do encarceramento em massa da
população negra, levamos em consideração marcadores de raça, classe/território e
também gênero.

2.1 Violência como capital simbólico: opressão x reprodução

Segundo o Atlas da Violência 2017, elaborado pelo IPEA em parceria com o


Fórum Brasileiro de Segurança Pública4, no Brasil, de cada 100 pessoas que sofrem
homicídio, 71 são negras. Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo
assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra. Estima-se
que o cidadão negro possui chances 23,5% maiores de sofrer assassinato em
relação a cidadãos de outras raças/cores.
Ao se analisar a evolução das taxas de homicídios considerando se o
indivíduo era negro5 ou não, entre 2005 e 2015, verificamos dois cenários

4 Para um aprofundamento do tema ver os dados produzidos em:


http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017
5 Foi adotada a classificação do IBGE para raça/cor, em que consideramos negros os indivíduos de

cor preta ou parda; e indivíduos não negros, os brancos, indígenas ou amarelos.


10

completamente diferentes. Enquanto, neste período, houve um crescimento de


18,2% na taxa de homicídio de negros, a mortalidade de indivíduos não negros
diminuiu 12,2%. Fica evidente que, não só a discriminação racial se perpetua
historicamente como tem se agravado no que diz respeito à violência letal.
O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil (2009, 2010),
produzido pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e
Estatísticas das Relações Raciais6, demonstra os indicadores relacionados às
vantagens dos brancos em relação aos não brancos no que diz respeito aos índices
de mortalidade da população brasileira; no acesso ao sistema de ensino; na
dinâmica do mercado de trabalho; nas condições materiais de vida e no acesso ao
poder institucional, políticas públicas e marcos legais. É um estudo que tem por eixo
fundamental o tema das desigualdades raciais e sua mensuração através de
indicadores econômicos, sociais e demográficos. O estudo constatou que os
brasileiros brancos vivem em “um País” com IDH médio equivalente à 44ª melhor
posição no mundo, enquanto os brasileiros negros vivem “em um Brasil” onde o IDH
médio é equivalente ao 104º lugar.
O lugar da violência na constituição da masculinidade, está conecta a uma
forma de agir dos lugares de poder que, por sua vez, está ligada uma construção
histórica dos colonialismos. Dentro dessa perspectiva, podemos enquadrar a
violência como uma ferramenta para exercer poder racial localizando socialmente
sujeitos negros, brancos e de outras etnias. Ainda nessa lógica de violência, temos
enquadramento de gênero. O modelo de homem baseado no recorte da narrativa
hegemônica patriarcal e colonial, é o do homem branco, heterossexual, ocidental e
classes altas. Esse modelo tóxico surge como uma resposta performática quando
falamos de masculinidades negras e é na violência que essa manifesta de maneira
mais evidente em afirmação de lugar de poder por meio da virilidade. Para o
sociólogo Túlio Custódio, o homem negro não dispõe de diversos capitais simbólicos
restando apenas a virilidade como possibilidade de poder. Custódio traz a virilidade
como um capital pensando não apenas desde a ideia pura e simples de burguesia,
capitalismo e individualismo dentro da ordem moderna, mas a partir da lógica da

6Para um aprofundamento do tema ver os dados produzidos em:


http://www.laeser.ie.ufrj.br/relatorios_gerais.asp
11

mediação das relações sociais de acúmulo, posse, separação e distinção de poder.


Para ele:

Violência é uma resposta performática dentro da discussão de gênero a um


capital que faz parte da constituição de um elemento de masculinidade que é
a virilidade [...] Quando digo que virilidade, mais que um elemento da
natureza, testosterona e etc., virilidade é culturalmente um capital, é que ela
pode compor um quadro de acúmulo, posse e distinção de poder em relação
a outros capitais que esses homens adquirem numa perspectiva de gênero.
Quais são esses outros capitais? Capital cultural, capital financeiro, capital
social, capital erótico. Essa grande gama de capitais, se mistura, se vincula
com o capital virilidade pra denotar quem é o homem, e dentro dessa ordem
social, quem é o homem ideal [...] Obviamente, o modelo de masculinidade
que nós temos, é o modelo homem branco, heterossexual, cis, rico, cristão,
bem sucedido nos negócios, provedor e etc. [...] Os homens negros, os
homens asiáticos, os indígenas, etc., começam a performar essa noção de
masculinidade a partir das possibilidades que eles têm na vida deles. E,
historicamente, o lugar do homem negro é lugar destituído da posse desses
mais diversos capitais, exceto virilidade. Então, a virilidade como
performance de violência, na questão de gênero, que acaba acontecendo
como todos os outros marcadores, é uma forma de denotar que esse homem
negro existe [...] Essa violência, tem que ser entendida não só como uma
violência que é consequência de questões de saúde pública, de segurança
pública e de sistema econômico, mas ela tem que ser entendida também
como historicamente ela vai demarcando a forma como esses homens vão
performar. (informação verbal)7

Em seu artigo “rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e


anticolonial da violência!”, Jota Mombaça reforça a ideia de masculinidade tóxica
como projeto de poder onde a virilidade atua como um requerimento que o gênero
pede. Diz Mombaça:

A masculinidade tóxica como projeto de poder deve ser abordada em


qualquer discussão sobre a distribuição social da violência. A violência
masculina é uma arma transversal de normalização de gênero e controle
social. Ela afeta não apenas mulheres cis e corpos não-heterossexuais e
trans, mas também os próprios homens cisgêneros que tem de alcançar
esses graus ideais de virilidade a fim de cumprir com aquilo que a
normalidade de gênero requer. (MOMBAÇA, 2016, p.6)

Percebe-se que, tendo esse homem branco, detentor das narrativas


hegemônicas, como figura central, o homem negro vai espelhar esse modelo que vai
ter pressuposto de performance, a questão da violência.

7 CUSTÓDIO, Túlio. Ideias Negras #14 | Tulio Custódio parte 1 - masculinidades negras: a
(des)construção do homem negro. Podcast ideias negras, mar. 2018. (24:17 min.). Disponível em:
<https://soundcloud.com/user-156538534/ideias-negras-14-tulio-custodio-masculinidades-negras>
Acesso em: 04 jun. 2018.
12

2.2 A naturalização da violência como algo intrínseco ao corpo


masculino negro

Na retomada do cinema nacional, muitas das narrativas giravam em torno da


temática da violência urbana tendo em grande as periferias das grandes cidades
como cenário principal. Nesse contexto, são incontáveis as cenas onde homens
negros trazem contigo uma arma de fogo em punho de uma maneira natural, quase
como uma extensão de seu braço. Lázaro Ramos em seu livro “Na Minha Pele”
discorre sobre essas representações e porque ele, homem negro, decide não aceitar
papéis onde tivesse que empunhar esse artefato num contexto de normalidade.
Quando decide interpretar em uma cena dessas em Madame Satã (Aïnouz, 2002),
reforça que ali não se trata de uma situação confortável. Em seu relato, ele discorre:

Silenciosamente, decidi que, se tivesse que empunhar uma arma, meu


personagem nunca deveria fazê-lo ‘confortavelmente’. Na cena em que eu
seguro uma arma no Madame Satã, está claro que aquele não é o ‘lugar’
dela. O personagem pertence ao palco, ele representa a liberdade, a arma
está ali como um equívoco. (RAMOS, 2017, p. 66)

O mesmo se dá no filme O Homem que Copiava (Jorge Furtado, 2003) onde


mais uma vez a personagem de Lázaro Ramos está visivelmente desconfortável e
totalmente fora de suas características anteriormente apresentadas.
A problemática levantada por Ramos acerca dessas representações nesse
espaço temporal citado e mesmo nos dias atuais poucas vezes é citada no cinema
nacional e ou internacional. A construção dessa violência é naturalizada e quase que
intrínseca ao homem negro reforçando esse estereótipo violento e/ou subalterno
como representações únicas dos negros.
13

Figura 1 – Lázaro Ramos Atuando em Madame Satã

Cena do filme Madame Satã (Fonte: Reprodução/Captura de tela)

Joel Zito Araújo, cineasta negro, em seu filme A negação do Brasil (Araújo,
2000), mostra como historicamente os atores negros sempre representam
personagens mais estereotipados e negativos nas telenovelas apontando a
influência nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto
pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do país.
No âmbito internacional, produções como o vencedor do Oscar Moonlight
(Berry Jenkins, 2017) e o recente blockbuster Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018),
vemos uma perspectiva de narrativas mais profundas no diz respeito as
masculinidades negras. E ter, em ambos os casos, não só elencos formados
majoritariamente por artistas negros mas também ter pessoas negras na direção dos
filmes, vai além de uma mera coincidência e mostra o poder das narrativas. Um
provérbio africano diz muito sobre o poder de criar e contar as próprias histórias.
Esse provérbio diz: “Até que os leões possam contar a sua história a caça glorificará
sempre o caçador”.
Obviamente, problemas podem ser apontados nessas duas produções
estadunidenses, contudo a (des)construção das masculinidades ali presentes são
interessantes indícios de uma problematização antes quase inexistentes. Se no
14

primeiro temos ainda tenhamos figuras de traficantes sendo representados por


homens negros, estes tem personagens mais complexas e sensíveis e caminhos
que denotam trajetória tortuosa e não natural para tanto. No segundo, temos um
vilão-herói na figura de Erik Killmonger uma personagem densa e com uma luta por
igualdade e contra privilégios com todas a complexidades ali presentes que, se não
servem para justificar uma violência, ao menos mostram algumas explicações para
as suas ações.
É curioso notar que Michael B. Jordan, ator que interpreta Killmonger, diz ter a
personagem Dadinho (Douglas Silva) em Cidade de Deus (Meirelles, 2002), como
inspiração para a criação do antagonista de T'Challa (Chadwick Boseman) em
Pantera Negra. A ironia está em perceber que, diferente de Killmonger, a
personagem de Dadinho tem sua complexidade retratada de maneira bem menos
aprofundada se aproximando mais do estereotipo que Lázaro Ramos escolheu se
distanciar para evitar essa referência perpetuada do homem negro violento com a
arma de fogo em punho. Dadinho tem motivações individualistas, desejos de lugares
de poder e tem, antes de tudo, a violência como diversão. Cidade de Deus reproduz
um pressuposto onde ser bom ou ser mal são características naturais. Assim, nos
diz que a bondade presente naqueles que vivem na favela não influi em seu
comportamento, mas naqueles que nascem com a maldade predestinada, pioram
essa condição tornando-se ainda mais malvados.
15

Figura 2 – Dadinho ri enquanto atira

Cena do filme Cidade de Deus (Fonte: Reprodução/Captura de tela)

Além disso, na matéria “Uso de nomes reais é criticado” do periódico Folha de


São Paulo veiculada no ano seguinte ao lançamento do filme, algumas
representações mostradas no filme são contestadas por estudiosos, moradores e
pessoas próximas aos indivíduos que inspiraram e deram vida às personagens. A
pesquisadora Alba Zaluar, discorre acerca do tema:

“Durante minhas pesquisas, nunca vi criança de dente de leite com arma. E


mais, não foi o Zé Pequeno quem matou todas aquelas pessoas dentro de um
motel. Foi outro entrevistado da pesquisa.” (Alba Zaluar, antropóloga, 2003)

José Neves, líder comunitário, discorda da maneira como as crianças são


apresentadas no filme e pontua determinações dos traficantes que detinham o
domínio das bocas:

“Essa história de menor no tráfico é recente. Zé Pequeno e Mané Galinha


nem deixavam as crianças chegarem perto das bocas.” (José Neves,
presidente da União Comunitária da Cidade de Deus, 2003)
16

Stuart Hall, em Cultura e Representação a partir de Richard Dyer (1977)


discorre sobre estereótipos como um dos mecanismos da manutenção dos limites
onde reflete da seguinte maneira:

Assim, qual é o diferencial de um estereótipo? Estes se apossam das poucas


características ‘simples, vividas, memoráveis, facilmente compreendidas e
amplamente reconhecidas’ sobre uma pessoa: tudo sobre ela é reduzido a
esses traços que são depois exagerados e simplificados. Este é o processo
que descrevemos anteriormente. Então, o primeiro ponto é que
estereotipagem reduz, essencializa, naturaliza e fixa a ‘diferença’. (HALL,
2008, p. 191)

Pensando no poder das narrativas, essas representações se apresentam


também como violências simbólicas no campo da representatividade uma vez que
essas representações são reducionistas e limitadoras.

Pensamos no poder em termos de restrição ou coerção física direta, contudo,


também falamos, por exemplo, do poder na representação; poder de marcar,
atribuir e classificar; do poder simbólico; do poder de expulsão ritualizada. O
poder, ao que parece, tem que ser entendido aqui não apenas em termo de
exploração econômica e coerção física, mas também em termos simbólicos
ou culturais mais amplos, incluindo o poder de representar alguém ou alguma
coisa de certa maneira – dentro de um determinado ‘regime de
representação’. Ele inclui o exercício do poder simbólico através das práticas
representacionais e a estereotipagem é um elemento-chave deste exercício
de violência simbólica. (HALL, 2008, p. 193)
17

3. CECI NES’T PAS ARTE CINEMA

As novas possibilidades de criação e reprodução de imagens surgidas a partir


de tecnologias de smartphones, computadores e outras redes telemáticas nos
permitem novas pesquisas de imagens que vão além dos espaços tradicionais do
cinema, transbordando não apenas para espaços como museus e galerias, mas
atingindo também lugares que antes subvertem a lógica de acesso à arte
contemporânea.
Com isso, podemos discutir onde estão os limites, as fronteiras, os
hibridismos e as conexões entre os variados suportes de reprodução da arte
audiovisual, bem como onde residem os caminhos e barreiras de acesso à mesma.

3.1 Estruturas preestabelecidas, rupturas e variações

As estruturas de telas preestabelecidas já não são as únicas possibilidades


de reprodução. Assim, podemos pensar no dinamismo dos espaços
cinematográficos, que agora são múltiplos. Situações imersivas das mais diversas,
das pequenas telas de smartphones a grandes salas cercadas de projeções podem
ser criadas.
Nesse contexto, a interatividade também pode se fazer presente tendo o
espectador como parte da obra, atuando de diversas maneiras agora como um
participador. A interatividade, nesse sentido, age como uma interferência na obra e
rompe com características predeterminadas. “A interatividade é, em síntese, um
processo em que o espectador interfere na temporalidade da obra. Outros cinemas
produzem outros espaços” (MACIEL, 2005, p. 15).
A obra, dentro do que são chamados transcinemas, não é mais definida pelo
artista e tampouco é implicada nesse processo de recepção do espectador apenas,
mas é constituída nessa relação mútua entre ambos.

A variedade do que chamamos de transcinemas, produz uma imagem-


relação, que é, como definida por Jean-Louis Boissier, uma imagem
constituída com base na relação de um espectador implicado em seu
processo de recepção (MACIEL, 2005, p. 17)
18

A possibilidade de uma montagem interativa indica, nesse sentido, diferentes


possibilidades do produto. O artista tem um domínio menor sobre a obra final e não
é o seu único criador. A criação de conceitos resultante a partir de uma montagem
interativa pode ser distinta de acordo com as escolhas do participador da obra, pois
são os planos justapostos que conferirão uma novo sentido à obra. Segundo
Eisenstein, o resultante da justaposição de planos é um produto e não soma, porque
a justaposição destes apresenta qualidades diferentes de cada elemento
considerado isoladamente.

a justaposição de dois planos isolados através de sua união não parece a


simples soma se um plano mais outro plano – mas o produto. Parece produto
– em vez de soma – porque em toda justaposição deste tipo o resultado é
qualitativamente diferente de cada elemento considerado isoladamente
(EISENSTEIN, 1942, p.16)

As potencialidades do digital propiciam novas experiências e assim


proporcionam novos aspectos e perspectivas nas relações de criador e espectador
onde a tecnologia cruza as barreiras do suporte.

A principal novidade do digital reside no fato de que ele vale sobretudo por
suas potencialidades. A tecnologia se dá não como um objeto, e sim como
um espaço a ser vivido, experimentado, explorado, ou seja, tratam-se de
máquinas relacionais em que as noções de simulação, cognição e
experiência ganham novos contornos (PARENTE, 2005, p. 40)

Fica evidente que pensar as plataformas e os suportes se faz pertinente tanto


para discutir as experiências surgidas da relação com esses suportes, bem como as
resultantes imagéticas dessa outra interação. Para além disso, faz-se necessário o
debate sobre a ampliação dos acessos aos espaços, agora múltiplos, de cinema e
arte, resultante da difusão e inclusão das tecnologias.

3.2 Espaços da arte e do artista: dimensões físicas e simbólicas

Além das estruturas físicas que se consagraram como espaços de arte e


cinema, as estruturas simbólicas também atuam como barreiras e impedimentos
para recortes populacionais específicos. Seja para apreciação dessas obras
19

artísticas bem como na produção e distribuição desses conteúdos, alguns filtros


raciais, sociais, geográficos, de gênero, econômicos, culturais, etc. se constituem
enquanto limitadores do imaginário.
Considerando esse cenário e, pensando nas disponibilidades tecnológicas,
sejam elas de linguagem, de discussão, de alcance, de acesso, as narrativas
tendem a ganhar possibilidades outras que visam abarcar outros sujeitos. Não só
receptores que podem dispor de uma representação mais próxima, autêntica e
legítima, como também emissores que conseguem contar essas histórias a partir de
outras perspectivas.
Em sua série “Aceita?”, o artista Moisés Patrício publica, diariamente em seu
instagram, fotos em que o interesse é registrar essa experiência social de um jovem
negro da periferia em seu trânsito pela cidade de São Paulo. Patrício busca entender
o descarte em suas mais diversas acepções – simbólicas e/ou materiais - e gera
uma provocação ao devolver essa reflexão em sua fotografias, onde a ritualística de
sua religião, o camdomblé, se apresenta através de uma mão que se coloca como
oferenda. Suas obras evidenciam espaços simbolicamente interditados à população
negra, construindo um esboço de um jovem negro periférico que atravessa a cidade
coletando aquilo que a cidade lhe oferta. O artista questiona a identidade restritiva e
estereotipada que, no Brasil, se permite ao negro, circunscrevendo a sua identidade
e seu cotidiano a um pré-determinado conjunto de condutas.
20

Figura 3 – Perfil do Instagram do Artista Moisés Patrício

(Fonte: Captura de tela)

Figura 4 – fotografias e escultura na mostra “Aceita?” na Red Bull Station

(Fonte: Reprodução/Site do Artista)


21

Neste trabalho, o artista, que investiga em seus percursos os caminhos e


barreiras - físicas e simbólicas - que lhe são impostas, tem em seu telefone celular a
ferramenta, o suporte e o espaço expositivo. E tendo possibilitada essa divulgação
expandida por conta da rede social, Moisés Patrício consegue alcançar outros
lugares, construindo um fluxo entre o instagram e a galeria de arte. Sobre isso, o
artista discorre:

Nas fotografias do séc. 19, por exemplo, o negro era o cafeeiro, o lavrador. E
quando se falava da família, era da família de cinco mil anos atrás. Então,
você tinha uma informação e uma desinformação. Já o Facebook, ou rede
social de modo geral, é uma ferramenta de socialização, de uma voz do ser
humano que sofre de conflitos desta época e, neste contexto, eu tenho essa
possibilidade. (PATRÍCIO, 2014, entrevista Afreaka)

Patrício, além de tudo, quando adota tais meios para criação, reprodução e
divulgação de seu trabalho, possibilita pensar na replicabilidade uma vez que, seu
trabalho nos apresenta possibilidades múltiplas de acesso à arte podendo, inclusive,
servir como mecanismo de ruptura social.
22

4. METODOLOGIA: DE QUEM É O FALO QUE CALA AQUELES QUE QUEREM


TER FALA?

Diante das perspectivas apontadas acerca das representações das


personagens masculinas negras, sobretudo nas obras audiovisuais Cidade de Deus
(Meirelles, 2002), Madame Satã (Aïnouz, 2002), mas também nos estereótipos
criados para representar as personagens negras, bem como pensando nas
possibilidades criativas suscitadas a partir do referencial teórico e prático estudado,
surge a proposição da série de micro vídeos que terão a plataforma instagram como
suporte – mais especificamente, o recurso stories disponível no aplicativo.
A prática se dá na edição de cenas dos filmes estudados, na coleta de
imagens de arquivo e inserções de imagens-textos criados durante o processo. A
partir desses cortes de pedaços de filmes estudados e material coletado, bem como
do novo material criado, uma nova colagem é proposta visando construir novos
significados e/ou reflexões resultantes dessas justaposições.

Figura 5 – Interface Adobe Premiere

(Fonte: Captura de tela)


23

Além do uso dos softwares Adobe Premiere e Adobe Photoshop no Desktop,


aplicativos próprios para celular como o InShot, Glitchee e o próprio Instagram
servem como ferramentas para montagem e intervenção das imagens selecionadas.

Figura 6 – Interface InShot

(Fonte: Captura de tela)

O Instagram, além de servir como suporte, tem a função também de


ferramenta de montagem. Num primeiro momento, a proposição da edição se dá na
24

seleção, disposição e ordenação dos micro vídeos e imagens estáticas escolhidas


pelo artista. Com os arquivos publicados no Instagram, dentro da funcionalidade
stories, o usuário que acessa essa sequência tem a possibilidade de modo
interativo, de cortar, voltar, interromper ou até avançar ao próximo vídeo. Esse
formato pode sugerir ao usuário aqui como participador que mesmo faça uma
montagem alterando a fruição do vídeo.

Figura 7 – Instagram (funcionalidade stories)

(Fonte: Captura de tela)


25

Essa ferramenta a princípio, disponibiliza a “história” num período de 24


horas, mas há a possibilidade de fixar esses arquivos no conta do usuário
(@cruxdiego) que publicou para que ali fiquem durante um período indeterminado.
Uma outra possibilidade é discutir esse formato em outros espaços para além de
celular como, por exemplo, pensar numa proposição interativa em um espaço
cultural, museu, galeria, etc.
26

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como eixo central a discussão das representações


das personagens masculinas negras no recorte da violência construída nas
narrativas de obras consagradas e, pensando no poder das mesmas, os
estereótipos que surgem e seguem sendo perpetuados. A pesquisa evidencia a
necessidade de uma reflexão acerca do tema, para que seja possível pensar, por
exemplo, na construção de outras perspectivas inclusivas mais abrangentes que
promovam: 1. maior e melhor visibilidade no sentido de que, as representações, em
grande parte, são limitadas e limitadoras, uma vez que, por vezes reproduzem
estereótipos e retratam de maneira fantasiosa e reducionista narrativas que
prometem proximidade com a realidade; 2. representatividade efetiva de
personagens negras em maiores e mais abrangentes representações dessas
existências diversas e plurais; 3. proporcionalidade nos mais diversos espaços
consagrados como espaços de arte, bem como em uma ressignificação desses ou
de novos espaços como espaços artísticos – visto que, por exemplo, no Brasil
negros somam 54,9% da população8, mas, nas cinco novelas inéditas em exibição
na rede aberta em 2015, apenas 15% dos atores eram negros9.
De maneira menos incisiva, mas ainda diretamente ligada ao tema, o trabalho
também sugeriu uma reflexão sobre uma proposição de ruptura dos meios de
criação e divulgação da arte, expandindo para além de espaços como museus,
galerias, cinemas, etc. – espaços esses já consagrados e, muitas vezes, elitistas –,
e alcançando lugares que antes subvertem a lógica de acesso à arte contemporânea
e, por meio disso, convidam a uma outra ruptura, dessa vez com caráter mais
inclusivo no aspecto social visando a interação do participador, mas também
propondo outras possibilidades de arte e de sua replicabilidade.

8 Para um aprofundamento do tema ver os dados produzidos em:


https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-pnad-
c-moradores.html
9 Para um aprofundamento do tema ver os dados produzidos em:

http://temas.folha.uol.com.br/desigualdade-no-brasil/negros/com-metade-da-populacao-negros-sao-
so-18-em-cargos-de-destaque-no-brasil.shtml
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HALL, Stuart. Cultura e Representção. Rio de Janeiro: Editora Apicuri, 2008.

MACIEL, Kátia (Org.). Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005.

MOMBAÇA, Jota. rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial


da violência! Oficina de Imaginaçao
̃ Polit́ ica. Fundação Bienal de São Paulo, São
Paulo, 2016.

RAMOS, Lázaro. Na Minha Pele. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2017.

REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS

CIDADE de Deus. Direção: Fernando Meirelles. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,


Brasil: O2 Filmes, VideoFilmes, 2002. 1 DVD (130 min.), NTSC, cor.

HOMEM que copiava, O. Direção: Jorge Furtado. Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
Brasil: Globo Filmes, Casa de Cinema de Porto Alegre, 2003. 1 DVD (124 min.),
NTSC, cor.

MADAME Satã. Direção: Karim Aïnouz. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil:
VideoFilmes, Dominant 7, Lumière, Wild Bunch, 2002. 1 DVD (105 min.), NTSC,
color.

MOONLIGHT: Sob a Luz do Luar. Direção: Barry Jenkins. Miami, Flórida, EUA:
A24, PASTEL, Plan B Entertainment, 2016. D-Cinema (116 min.), cor. Título original:
Moonlight.

NEGAÇÃO do Brasil, A. Direção: Joel Zito Araújo. Brasil: Casa da Criação, 2000. 1
DVD (92 min.), p&b, cor.
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PANTERA Negra. Direção: Ryan Coogler. Atlanta, Geórgia, EUA: Marvel Studios
(apresenta), Walt Disney Pictures, 2018. D-Cinema (também versão 3-D) (134 min.),
color. Título original: Black Panther.

REFERÊNCIAS ONLINE

COSTA, Patrícia. A Arte e o Candomblé nas Mãos de Moisés Patrício, Aceita?.


Afreaka. São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.afreaka.com.br/notas/arte-e-
o-candomble-nas-maos-de-moises-patricio-aceita/>. Acesso em: 04 jun. 2018.

MENA, Fernanda. Uso de nomes reais é criticado. Folha Online, São Paulo, 13 jan.
2003. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u66479.shtml>. Acesso em: 04
jun. 2018.

PATRÍCIO, Moisés. Instagram do Artista. Disponível em:


<https://www.instagram.com/moisespatricio/>, Acesso em: 04 jun. 2018.

PATRÍCIO, Moisés. Página do Artista. Disponível em:


<http://moisespatricio.weebly.com/>, Acesso em: 04 jun. 2018.

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