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MÍDIA E POLÍTICAS PÚBLICAS:

Possíveis campos exploratórios

Claudio Camargo Penteado


Ivan Fortunato
DOI: http//dx.doi.org/10.17666/3087129-141/2015

Introdução Soares; sociedade media-centric, de Venício


Lima; e planeta mídia, de Dênis de Moraes. E
Os escritos de Thompson (1998), entre há, ainda, o conceito do próprio Rubim (2000):
outros, revelam que há expressiva centralidade Idade Mídia.
da mídia nas relações sociais contemporâneas, A influência da mídia é percebida em diver-
o que confere aos meios de comunicação um sos campos da atividade humana, dentre eles a
importante papel nas dinâmicas sociais. De política. Apesar de o campo político apresentar
fato, não são poucos os estudos que garantem uma configuração específica, com regras e ca-
tal aporte fundamental, como demonstra, por pitais próprios, como explica Miguel (2002),
exemplo, Antonio Rubim (2001), ao assinalar os meios de comunicação também interferem
que há pelo menos oito conceitos amplamente nas práticas políticas, criando uma dinâmi-
citados pela comunidade acadêmica preocupa- ca própria dentro do jogo: os veículos de co-
da com questões sociais que conferem tal poder municação tornam-se novos espaços de dispu-
à mídia: aldeia global, de Marshall McLuhan; ta e novas ferramentas de persuasão, além de
Era da Informação, de Manuel Castells; socie- incorporar outros atores nos pleitos políticos. Na
dade informática, de Adan Schaff; sociedade da sociedade contemporânea ou, nos termos de Cas-
informação, de David Lyon; sociedade da infor- tells (2009), na sociedade em rede, o poder da
mação ou da comunicação, de Ismar de Oliveira comunicação é central dentro da disputa política,
Artigo recebido em 18/09/2014 principalmente por sua capacidade de produção de
Aprovado em 28/11/2014 sentidos e significados.
RBCS Vol. 30 n° 87 fevereiro/2015

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No âmbito governamental, as políticas públi- Breve histórico das políticas públicas


cas (doravante referidas apenas como PP) são me-
canismos de ação do Estado sobre a sociedade, de O Estado tem o papel de agente promotor
forma que a administração pública, por meio de e é responsável pela criação, desenvolvimento e
seus agentes, atua sobre determinadas questões implantação das PP. Contudo, ele é permeável
com a finalidade de promover o desenvolvimento a influências internas (dos seus agentes, da buro-
social (Souza, 2006; Frey, 2000). Geralmente, ex- cracia, das normas institucionais, da acomodação
plica Souza (2006), os estudos sobre PP focam suas de interesses políticos etc.), e externas (movimen-
análises sobre os procedimentos institucionais, o tos populares, grupos de interesses, mídia etc.). A
processo decisório e/ou suas avaliações, adotando atividade de governar e de formular PP é comple-
um viés gerencialista. Essa abordagem, de acordo xa, pois, além das influências (internas e externas),
com Subirats (2008), enxerga as variáveis endó- também é afetada pelos fatores estruturais, pela
genas ao sistema de PP como pouco relevantes no cultura política e até mesmo pela conjuntura polí-
processo, privilegiando a ação dos especialistas na tica (interna e internacional).
tomada das decisões (processo decisório), visando Nesse sentido, acreditar nas PP como um mero
alcançar maior eficiência-eficácia-efetividade, ou, mecanismo técnico de intervenção estatal é ingênuo,
então, os estudos mostram-se preocupados com a uma vez que tal afirmação não reconhece a comple-
atuação dos atores políticos no âmbito do processo xidade de fatores que vão interferir em sua formula-
decisório das PP. ção, execução e avaliação, assim como o jogo político
Apesar de as abordagens existentes no estudo e os arranjos que as cercam, que vão além dos proce-
das PP permitirem que a mídia, através dos meios dimentos institucionais. Essa abordagem reducionis-
de comunicação de massa e, mais recentemente, ta e simplista acaba por limitar a percepção sobre as
por meio das novas tecnologias de informação e PP. Em muitos casos, as PP podem ser utilizadas não
comunicação (TICs), seja compreendida como um apenas para a promoção do desenvolvimento social
fator que pode exercer alguma influência sobre as ou melhoria da forma de atuação estatal, mas para
PP, há poucos estudos (teóricos e empíricos) com a formação de capital político e atendimento de in-
esse enfoque. Com exceção dos estudos de Walter teresses de grupos específicos, elementos típicos de
Lippmann (1997), nos anos de 1920, parece que a atuação do campo político.
ciência política não dá muita importância para o O campo de conhecimento das PP, explica
tema, preferindo focar suas análises nas instituições Celina Souza (2006), nasceu nos Estados Unidos
políticas e nos processos decisórios, sendo que, no como um desmembramento de teorias explicativas
Brasil, essa abordagem é quase inexistente, demons- sobre o papel do Estado e do governo na condu-
trando importante lacuna a ser preenchida nesse ção política da sociedade. Seu rompimento propõe
campo de conhecimento. uma ênfase mais prática voltada para estudos sobre
Este artigo é motivado por um corolário que a ação do governo, estruturados no seguinte pres-
sustenta a mídia como importante fator político e suposto: “o que o governo faz pode ser formula-
espaço de ação política na sociedade contemporâ- do cientificamente e analisado por pesquisadores
nea, influente na dinâmica dos fenômenos sociais. independentes”. Na área governamental, explica a
Assim, a questão central que levantamos neste ar- autora, as PP surgem como ferramentas da Guerra
tigo é se a mídia exerce algum tipo de influência Fria e da valorização da tecnocracia, com a forma-
no curso das PP. E, em caso positivo, de que forma ção dos think tanks, sob a influência da Teoria dos
age/agiria? Este trabalho faz parte de uma pesquisa Jogos de Neuman.
mais ampla que objetiva analisar com profundida- Em sua revisão da literatura, Souza (2006)
de essa possível relação entre mídia e PP. Aqui, o indica que existem quatro fundadores da área de
objetivo profícuo é apresentar uma revisão de lite- PP, que orientaram as abordagens iniciais sobre o
ratura e indicar caminhos teóricos da aproximação tema: 1) Harold Laswell, nos anos de 1930, intro-
entre o campo midiático e o das PP. duziria a expressão policy analysis (termo inglês para

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designar a análise de PP), de forma a combinar o No Brasil, o debate sobre PP ganhou destaque
conhecimento científico com a produção empírica na agenda de pesquisas, principalmente a partir dos
dos governos; 2) posteriormente, Herbert Simon, anos 1980. Souza (2006) identifica três movimen-
nos anos de 1950, afirmaria que a racionalidade tos no âmbito político e estatal que influenciaram
dos tomadores de decisão é sempre limitada por esses estudos: 1) a adoção de políticas restritivas de
problemas (de informação incompleta e imperfeita, gastos; 2) o surgimento de uma nova concepção
tempo para tomada de decisão, autointeresse dos de atuação do governo, marcada pela diminuição
decisores etc.), mas que pode ser maximizada pela da intervenção estatal e pelas mudanças do caráter
criação de estruturas que modelem o comporta- universalista das PP para uma ação focalizada; e 3)
mento dos atores envolvidos; 3) Charles Lindblom a falta de coalizões políticas para o desenho de PP
questionaria tais abordagens e proporia a incorpo- direcionadas para o desenvolvimento social, princi-
ração de novas variáveis à formulação e análise de palmente em países emergentes. Além desses, com
PP: relações de poder (policy network e policy arena) bases nos estudos de Farah (2007) sobre os arranjos
e a integração entre as diferentes fases do proces- institucionais brasileiros, podemos identificar outro
so decisório – nessa concepção, os estudos sobre as movimento: a incorporação de novas demandas e
PP precisariam acrescentar novos elementos que atores no ciclo das PP, principalmente a partir do
influenciem sua formulação, implantação e execu- processo de redemocratização e da promulgação da
ção para além de uma realidade causal previamente Constituição de 1988.
decidida por técnicos governamentais, tais como o Farah (2007) indica que, no Brasil, o grande
papel das eleições, das burocracias e dos partidos, marco para a mudança das características das PP foi
bem como das demandas de grupos de interesse, a Constituição de 1988. As reformas introduzidas,
e aqui podemos destacar o papel da pressão da co- explica a autora, permitiram a mudança do perfil
bertura da mídia, que acaba também exercendo das políticas brasileiras, que até então se caracteri-
influência (indireta) sobre o ciclo das PP; 4) por zavam pela centralização decisória e financeira na
fim, David Easton sugere que o campo de PP deve esfera pessoal, que tendia para o estabelecimento
ser visto como um sistema, como uma relação entre de relações baseadas em trocas de favores de cunho
formulação, resultados e ambiente, em que as PP clientelista, pela fragmentação institucional com
recebem inputs dos partidos, da mídia (influência a sobreposição de agências públicas e a exclusão
direta) e de grupos de interesse que vão influenciar da sociedade civil do processo de formulação das
seus resultados e efeitos. políticas, da implementação dos programas e do
Pode-se perceber que, pela leitura de Souza controle da ação estatal. A Constituição de 1988
(2006), tanto Lindblom como Easton propõem incorporou os eixos da democratização dos pro-
uma visão mais complexa das PP, entendendo que cessos decisórios e a equidade dos resultados das
existem interações que se influenciam mutuamen- PP, privilegiando os princípios de descentralização
te, causando modificações no desenho imaginado como uma forma de empoderamento da sociedade e
inicialmente, rompendo com a racionalidade linear da participação dos cidadãos de modo a aumentar
que poderia haver em sua concepção original. Um a eficiência da ação do Estado. Nos anos de 1990,
dos elementos que pode influenciar (diretamente sob impacto da crise fiscal, a falta de recursos pas-
ou indiretamente) desde a sua formulação até os sou a ser um fator limitante para a ação do Estado,
resultados é a atuação da mídia, que pode agendar em que pese o aumento da demanda social. Nesse
temas de grande pressão da sociedade ou mesmo sentido, Farah (2007) explica que na agenda de PP
servir de espaço para a avaliação pública de deter- brasileiras foram inseridas preocupações com a efi-
minadas políticas setoriais, intervindo na percepção ciência, eficácia e efetividade das políticas.
e/ou avaliação popular de determinada PP. E, con- Nessa nova formatação, ocorre uma disputa
forme argumentamos adiante, também pode servir entre duas visões: a primeira, a perspectiva neolibe-
de espaço para um debate público sobre PP em to- ral, vê o Estado como ineficiente, sendo necessário
das suas fases, com consultas à população. desmantelá-lo e garantir a abertura para a ação do

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mercado pela privatização dos serviços públicos, nam o sentido da ação da PP. De acordo com Frey
descentralização de políticas sociais para as esfe- (2000), essa vertente tem dominado os estudos da
ras locais, determinação de prioridades de ação e área no Brasil, abrindo pouco espaço para outras
mudanças no sistema de gestão dos programas abordagens. Não obstante, ainda que com pouca
públicos; a segunda, a visão da democratização do expressão, devemos considerar a abordagem de es-
Estado, defende a reforma da ação estatal (incorpo- tudo com base na análise de estilos políticos. Esse
rando alguns dos princípios neoliberais), adequan- tipo de análise, explica Frey (2000), está voltado
do suas práticas e formas de ação aos novos desafios, para identificar “como” fatores culturais e padrões
promovendo formas distintas de articulação com a de comportamento político (clientelismo, paterna-
sociedade civil e com o setor privado, passando o lismo, corrupção etc.) repercutem na qualidade dos
Estado a atuar como coordenador e fiscalizador de programas e projetos políticos implantados pelos
serviços que podem ser prestados pela sociedade ci- governos.
vil, pelo mercado ou através de parcerias. Em ambas as perspectivas, é possível verificar a
Nessas duas abordagens, prevalece a ideia de importância da mídia como variável de influência
reforma das práticas estatais de maneira que torne sobre o ciclo da PP. Na abordagem neoinstitucio-
sua ação mais eficiente e melhore a gestão da ad- nalista, é plausível entender os canais de comuni-
ministração pública. Nesse movimento de reforma, cação como espaço de visibilidade e legitimação
podemos destacar dois pontos: a aproximação entre dos atores políticos envolvidos no processo das PP,
prestadores de serviços com os cidadãos-usuários e inclusive como mecanismo de pressão sobre os ato-
o estímulo a inovações, de forma a combater as bar- res institucionais. No segundo caso, os veículos da
reiras da burocracia excessiva, a falta de recursos e mídia podem exercer influência (direta ou indireta)
de controles. no ciclo das PP, tendo em vista seu potencial de in-
De acordo com Lima (2000), sendo o Brasil gerência cultural na sociedade contemporânea (cf.
uma sociedade em que os meios de comunicação Thompson, 1998; Castells, 1999) e comportamen-
possuem uma posição central nas relações sociais, a to político dos cidadãos (cf. Lima, 2000).
atuação dos seus veículos é relevante na configura-
ção do jogo político e no exercício da hegemonia.
Os discursos dos diversos atores políticos buscam, Mídia e política
nos canais da mídia, espaço para legitimarem-se e
ganharem força política perante a opinião pública. Conforme visto, o debate acerca de PP tem
A visibilidade midiática das PP nos noticiários e seu dominado grande parte da agenda das ciências so-
enquadramento, ou mesmo da agenda política, são ciais, especialmente porque estamos vivendo um
fatores que exercem influência (direta ou indireta) momento de reorganização do papel do Estado e
sobre os diferentes atores políticos que atuam no suas formas de intervenção (ou não), sendo que di-
ciclo das PP. versos estudos e abordagens sobre a temática estão
Atualmente, há duas perspectivas para estudo sendo desenvolvidos. Contudo, ainda existem pou-
das PP: a abordagem neoinstitucionalista e a análise cos estudos voltados para estudar a influência da
de estilos políticos. Segundo Souza (2006) e Frey mídia sobre as PP, preservando-se, principalmente,
(2000), a abordagem neoinstucionalista compreen- uma tendência institucionalista, mesmo por parte
de as instituições de uma forma mais ampla, abar- das novas abordagens que pretendem dar conta da
cando os diversos atores institucionais (burocracia complexidade que envolve todo o ciclo das PP.
estatal, tomadores de decisão, grupos de interesse, Com o rápido desenvolvimento dos meios
etc.) que participam do ciclo das PP, enfatizando a de comunicação e a convergência tecnológica dos
importância das instituições para a decisão, formu- meios de comunicação e informação, ampliou-se a
lação e implementação de PP. Segundo essa linha capacidade de intervenção da mídia nas atividades
teórica, a luta pelos recursos é intermediada pelas humanas. Hoje, as diferentes mídias fazem parte,
instituições políticas e econômicas que direcio- direta ou indiretamente, do cotidiano da maioria da

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população, seja como fonte de trabalho, fonte de e dos processos democráticos, uma vez que as novas
informação, entretenimento e/ou mecanismo tecnologias de comunicação e informação tornam-
de comunicação/interação social. Nesse contexto, -se novas ferramentas para a busca pelo poder dos
a mídia assume centralidade na vida humana, tor- atores políticos e circulação de informação política.
nando-se, conforme Lima (2000, p. 176), “palco e Para Castells (1999, p. 367), essa transformação
objeto privilegiado das disputas pelo poder político tem o nome de “política informacional”, que intro-
na contemporaneidade”. duz novas regras no jogo político, tornando a mídia
A partir da expansão e consolidação da infra- importante meio para “adquirir ou exercer poder”
estrutura de comunicação no Brasil, Lima (2000) sem, contudo, reduzir a política à pura e simples
caracteriza o país como uma sociedade media-cente- divulgação simbólica através dos sons e das imagens
red. Através dos veículos de comunicação, as ideias, midiáticas. Essa nova configuração permite a incor-
ações e discursos ganham importância (conheci- poração de novas práticas, tais como o marketing
mento) perante a sociedade, criando espaços de político, que, nas democracias ocidentais, ganham
disputas simbólicas (discurso político) que a afetam importância na condução do comportamento po-
como um todo. Nesses espaços, ocorrem disputas lítico e na orientação das ações estatais, principal-
pela hegemonia política e a fabricação de um con- mente na condução de PP. A ação do marketing vai
senso como forma de dominação política estrutura- além do período eleitoral e acaba por influenciar no
da na capacidade de persuasão. Os meios de comu- modelo de gestão pública, orientando as práticas
nicação também possuem certa centralidade social, das PP, que podem ser utilizadas como ferramentas
associada a seu papel no processo de socialização de promoção eleitoral de forma a agregar maior ca-
contemporâneo, a partir da qual o indivíduo inter- pital político para seu gestor.1
naliza a cultura de seu grupo e as normas sociais. Apesar de a mídia e seus diferentes veículos
Na esfera política, explica Lima (2000), a centra- serem importantes dentro da atual configuração
lidade da mídia decorre de sua potencialidade para política, é preciso indicar que a política não se su-
construção da realidade por meio da representação bordina a ela. Miguel (2002) sustenta que o rápido
transmitida em seus canais sobre os diferentes as- desenvolvimento tecnológico das comunicações
pectos da vida humana. trouxe importantes mudanças no ambiente político
A partir das ideias de Gramsci, Lima (2000) ar- ao longo do século XX (e também agora no início
gumenta que os meios de comunicação eletrônicos do século XXI), como um novo mecanismo e espa-
transformam a mídia em um aparelho privilegiado ço de contato entre líderes políticos e os cidadãos, a
na articulação hegemônica (e contra-hegemônica) e formulação de uma nova relação entre a população
espaço de disputas políticas por meio das represen- e os temas públicos (incluindo as PP), e até criando
tações veiculadas. Nas democracias contemporâne- uma nova dinâmica no processo de governança e
as, o enfraquecimento dos partidos políticos como accountabillity (mecanismo de prestação de contas
mecanismos de representação política e defesa de perante irregularidades governamentais).
ideologias permite que, em muitos casos, os veícu- De acordo com Miguel (2002, p. 156), os
los de comunicação sirvam de mediadores entre os meios de comunicação de massa “são vistos como
candidatos e os eleitores. Não obstante, apesar de meros transmissores dos discursos dos agentes e
a mídia ter papel importante no processo eleitoral, das informações sobre a realidade, neutros e, por-
os partidos continuam sendo essenciais como plata- tanto, negligenciáveis”. Uma das exceções a essa
forma política e articulação de alianças. neutralidade é o trabalho de Sartori (2001), que,
Castells (1999, p. 366) argumenta que a for- atento às transformações da política contemporâ-
mação da sociedade em rede traz consigo um “esva- nea, indica que os governos sofrem forte pressão da
ziamento do contrato social entre capital, trabalho mídia, ficando sob um “controle excessivo” da opi-
e Estado [que] envia todos de volta para a casa para nião pública. Tal controle diminui a possibilidade
lutar por seus interesses individuais”. Nesse contex- de ação racional e planejamento de médio e longo
to, existe uma transformação das práticas políticas prazo, interferindo ainda sobre as decisões admi-

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nistrativas, uma vez que a prática estatal fica sob gens e noticiários podem tornar-se “atalhos infor-
os holofotes da mídia, exigindo respostas rápidas às macionais” pelos quais o cidadão vai criar sentido
demandas surgidas nos noticiários. Ainda segundo para a realidade política e formar sua opinião. Po-
Sartori (2001), a divulgação da mídia (tratando es- rém, em geral, os canais de comunicação tendem a
pecificamente da televisão) é incapaz de promover destacar as fontes institucionais, com pouco espaço
uma reflexão crítica, exercendo, portanto, influên- para discursos alternativos, favorecendo a manu-
cia nociva ao universo da política. tenção de um status quo. Isso, de certa forma, limita
Na área de comunicação social, existe um cam- a capacidade de interferência da mídia na prática
po maior de estudo dessa zona de fronteira de co- do campo político.
nhecimentos. Contudo, seus respectivos trabalhos Nesse sentido, Miguel (2002) sustenta que
tendem a exagerar a influência da mídia, relegando existe uma influência real da mídia sobre o cam-
a ela um poder maior que os resultados empíricos po político. Contudo, essa influência é exercida de
apontam. Apesar de a política sofrer influência da diferentes formas e atinge resultados diferenciados
mídia, ela possui uma lógica própria: utilizando sobre os atores e instituições políticas. Isso quer di-
o conceito de campo de Pierre Bourdieu, Miguel zer que a pressão da mídia encontra limites que se
(2002) sustenta que, apesar da inegável centralida- estendem desde sua dependência do campo políti-
de da mídia na sociedade contemporânea, ela e a co como fonte de informação, recursos de financia-
política formam dois campos diferentes, guardan- mento e interesses políticos (como, por exemplo,
do certo grau de autonomia, sendo que a influên- concessão de transmissão de sinal), até as ingerên-
cia de um sobre o outro se torna um “processo de cias do campo econômico sobre sua atuação e co-
mão dupla”. A maior participação dos meios de bertura da política, isto é, interesses de anunciantes
comunicação estaria ancorada na formação do ca- que podem interferir no formato de cobertura da
pital político. A visibilidade na mídia confere um empresa de comunicação.
capital que pode ser convertido em votos ou status
político, dois importantes fatores para os atores que
atuam dentro no campo político. Outro momento Mídia e políticas públicas
de interferência do campo midiático no político é
o controle da agenda. As questões destacadas pe- Em nossa sociedade, os meios de comunicação
los veículos de comunicação ganham evidência no possuem uma grande importância para o jogo po-
debate público, exercendo pressão sobre a ação go- lítico: como espaço de disputa de imagens e capital
vernamental, que precisa então “dar respostas às de- político; como mecanismo de intermediação entre
mandas populares”. Nesse sentido, Miguel (2002, as instituições políticas, atores políticos e cidadãos;
p. 171) argumenta que a mídia tem a capacidade como fonte de informação política; e/ou como um
de formular ou reformular as preocupações e de- mecanismo de pressão da opinião pública e grupos
mandas sociais, ao trazer à tona aspectos que pas- de interesses. De acordo com Miguel (2002), a ci-
sam a ser percebidos tanto pela população quan- ência política, no entanto, parece não ter contabi-
to pelos líderes políticos e funcionários públicos, lizado a mídia como uma importante variável (de-
“que se veem na obrigação de dar uma resposta pendente e independente) para a compreensão do
àquelas questões”. processo de PP, sendo incapaz de perceber a mídia
Para Miguel (2002), a mídia não se limita à como importante e influente peça do jogo político.
definição da agenda (cf. o célebre conceito de agen- Celina Souza (2006) aponta que o ressurgimen-
da-setting cunhado por McCombs e Shaw, 1972), to da importância das PP como campo de conheci-
mas também opera na construção de esquemas nar- mento nas últimas duas décadas está relacionado a
rativos que permitem interpretar os acontecimen- dois fatores: 1) adoção de políticas restritivas de gas-
tos por meio de enquadramentos (framming). Em tos, que limitaram o desenho (design) e a execução
sociedades em que cada vez mais a população tem de PP; 2) e novas visões sobre o papel dos governos
menos interesse pelos assuntos políticos, reporta- na condução de suas práticas políticas. Esses fatores

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ganham maior relevância a partir da maior visibi- na definição da agenda (agenda-setting). Com re-
lidade midiática do campo político, ampliando os lação aos referidos estágios, estes são: definição da
espaços de cobertura jornalística para a ação estatal, agenda, identificação de alternativas, avaliação das
principalmente em estados democráticos. opções, seleção das opções, implementação e ava-
Já indicamos que, no Brasil, o tema começou a liação. Cabe ressaltar que não existe um consenso
ganhar destaque com a luta pela redemocratização firmado na literatura sobre esses estágios (Souza,
e formação de várias frentes de organização da so- 2006; Frey, 2000).
ciedade civil pela promoção da cidadania. Esse pro- 4. O quarto modelo é o garbage can (lata de lixo):
cesso consolidou-se com a Constituição de 1988, entendimento de que as escolhas de PP são deli-
momento em que diversos grupos participaram ati- mitadas pelas poucas soluções existentes diante dos
vamente do debate sobre o papel constitucional do vários problemas apresentados.
Estado na promoção do bem-estar social. Contudo, 5. O quinto modelo é o de coalizão de defesa, o
a partir do governo Collor (1990-1992), começou qual compreende que as PP deveriam ser concebi-
a se esboçar uma nova articulação de desmantela- das como um conjunto de subsistemas relativamen-
mento da rede de proteção social e adoção de prá- te estáveis, que se articula com os acontecimentos
ticas chamadas de neoliberais, restringindo a ação externos que criam restrições a sua execução.
estatal na promoção de políticas sociais. 6. O sexto modelo envolve as arenas sociais. Aqui,
Nesse mesmo período, os meios de comunica- as PP são entendidas como ações empreendedoras
ção, principalmente a televisão (e agora a internet), dos atores políticos, que destacam algum proble-
se consolidam como espaços de informação política ma que precisa ser resolvido por meio de uma PP.
e de relação social (campo de disputa simbólica). Percebe-se, a partir desse modelo, que a mídia pode
Com a redemocratização, os temas políticos ganha- influenciar determinada PP ao destacar, em sua
ram espaço e relevância na agenda da mídia. Assim, programação, certos aspectos que podem orientar a
as PP também passaram a ser apresentadas, e con- percepção dos policy makers, tais como a divulgação
sequentemente debatidas, nos canais de comunica- de indicadores desfavoráveis para administração
ção, ganhando nova conotação política para além pública em determinados setores estratégicos, de-
de sua ideia inicial de intervenção técnico-científica sastres e repetição de problemas (como no caso das
dos governos. enchentes) ou com o anúncio de resultados medío-
A literatura da área desenvolveu diferentes cres alcançados pela política em gestão. Nesse mo-
formas de análises de PP, sintetizadas por Souza delo, os empreendedores formam redes sociais que
(2006) em oito modelos: se articulam politicamente para a criação de deter-
minadas PP.
1. O primeiro modelo é o tipo de PP desenvolvida 7. O sétimo modelo trata do equilíbrio interrom-
por Theodore Lowi a partir da máxima que a polí- pido, no qual a PP se caracteriza por períodos de
tica pública faz a política; essa tipologia indica que estabilidade que, em instantes de mudança políti-
as PP podem seguir quatro formatos: distributivas, ca, sofrem alterações. Esse modelo indica que um
regulatórias, redistributivas e constitutivas. sistema político pode atuar de forma incremental,
2. O segundo modelo é o do incrementalismo, ou a assim como permite mudanças radicais (em épocas
compreensão das PP como um processo incremen- de instabilidade política). Nesse modelo, a mídia
tal definido anteriormente, no qual o governo tem assume papel fundamental na construção da ima-
pouca influência, isto é, as decisões tomadas no gem de determinada PP (policy image) frente cada
passado constrangem novas postulações. novo contexto político.
3. O terceiro modelo é o de ciclo, que é a compre- 8. E, por fim, há o modelo influenciado pelo novo
ensão das PP como um ciclo deliberativo formado gerenciamento público (new public manegement):
por vários estágios, estabelecendo um processo di- com a restrição dos gastos públicos, as PP passam
nâmico – nesse modelo, a mídia entra como um a ser gerenciadas de acordo com sua eficiência e
ator do processo de deliberação, principalmente credibilidade. A ideia é afastar o irracionalismo da

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ação coletiva. Contudo, mesmo nesse modelo, a cas, adaptando suas práticas para esses novos meios.
mídia assume papel importante, pois uma cobertu- Os governos apropriam-se das novas tecnologias
ra favorável a determinada PP pode aferir-lhe credi- para desenvolver serviços públicos para o cidadão,
bilidade – e a recíproca é verdadeira. ancorados na lógica do aumento da eficiência da
gestão pública e no processo de desburocratização.
Diante desses modelos, podemos concordar São criados mecanismos de controle das contas pú-
com Miguel (2003) e avaliar que a mídia é um fa- blicas (exemplo: Portal Transparência Brasil), acesso
tor de influência no processo das PP no jogo políti- a serviços públicos (exemplo: emissão de documen-
co contemporâneo, podendo ser um relevante ator tos), informações sobre serviços públicos e, em es-
que pode interferir na formação da agenda política, pecial, arrecadação de tributos (exemplo: Imposto
na percepção de certos problemas sociopolíticos, de Renda).
além de configurar-se em uma arena de disputa Os diferentes canais de comunicação são im-
de discursos entre os outros atores, criando novos portantes ferramentas e espaços que podem possibi-
canais para o alargamento da democracia e de re- litar que o campo das PP, geralmente restrito a atores
presentação política além das formas tradicionais. institucionais que participam do processo decisório,
Outro papel importante desempenhado pela mídia ganhe visibilidade e permita que os cidadãos pos-
é sua participação na definição da agenda dos temas sam ter mais informações, além de poder participar
relevantes para a discussão na esfera pública. Ainda, de alguma etapa de seu ciclo, principalmente pelos
o espaço público midiático torna-se uma área pri- mecanismos interativos e colaborativos das TICs.
vilegiada de produção e divulgação de informações Podem-se citar como exemplos: 1) o Orçamento
políticas que possibilita maior transparência da ad- Participativo Digital em Belo Horizonte, no estado
ministração pública, favorecendo a criação de luga- de Minas Gerais, onde a população pode participar da
res para o debate e crítica das PP (apresentando e discussão de alguns pontos do orçamento pela via
avaliando seus resultados) e a geração de esferas pú- digital (Sampaio et al., 2010); 2) a pesquisa de
blicas concorrentes além das tradicionais, em que Araújo et al. (2011) a respeito da criação de blogs
diferentes grupos da sociedade podem expressar (e outros fóruns de debate) sobre políticas culturais
suas ideias e opiniões de forma pública, principal- pelo Ministério da Cultura do Brasil, nos quais o
mente com o desenvolvimento e comercialização cidadão/usuário pode acompanhar o desenvolvi-
do acesso à internet. mento da política e emitir opiniões;2 3) o estudo de
Com o desenvolvimento das TICs, a relação Egler (2010) sobre a atuação de redes tecno-sociais
política ganha novo grau de complexidade, pois como a Associação Brasileira de Organizações Não
as características comunicacionais dessas recentes Governamentais (Abong), que utiliza os dispositivos
tecnologias permitem uma nova dinâmica; agora, é da internet para articular sua ação sobre as PP. Esses
possível a execução de novas práticas políticas que três exemplos ilustram como a mídia (digital) pode
rompam com o monopólio das grandes empresas ser um mecanismo de aumento da participação po-
de comunicação como esfera principal de produ- pular no processo de PP, contribuindo para sua de-
ção, transmissão e circulação de informações, polí- mocratização e da sociedade e maior eficiência.
ticas inclusive. Nessa nova dinâmica, ainda, surgem
novos meios e formatos de comunicação que são
apropriados pelos atores políticos em suas práticas. Aproximações entre mídia e políticas públicas
A princípio, os chamados ciberotimistas (cf. Lemos
e Lévy, 2010) acreditavam que seria uma nova fase Stromberg (2001) sustenta que os meios de co-
da política, em que as instituições perderiam poder municação de massa podem influenciar as PP de
para a ação mais descentralizada do cidadão co- duas formas: 1) no âmbito da competição eleitoral,
mum na formação de uma ciberdemocracia. em que as políticas são apresentadas como produtos
Entretanto, os agentes e as instituições tam- dentro de mercado eleitoral (seguindo a lógica eco-
bém se apropriaram dessas ferramentas tecnológi- nômica downsiana); 2) como referência (feedback)

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para avaliação dos resultados e popularidade de de- canais de comunicação o principal palco para a vi-
terminadas políticas. Essas duas formas, apesar de sibilidade das ações políticas e arena de disputa de
indicarem importantes caminhos de investigação, discursos políticos em busca de capital político para
são insuficientes para explicar as relações entre o sua intervenção. Extrapolando a abordagem de
campo midiático e o campo das PP, uma vez que, a Stromberg (2001), a inter-relação entre mídia e PP
partir da análise da literatura, podemos identificar pode ser percebida em diferentes etapas, conforme
outras maneiras de interferência da mídia, princi- sistematizado no Quadro 1, que utiliza o modelo
palmente em regimes democráticos, que têm nos de análise do ciclo de PP para realizar essas relações.

Quadro 1
Relações entre Mídia e Políticas Públicas

Etapa Influência Atuação da mídia Características

Direta e/ou Visibilidade para determinados Pressão da opinião pública sobre agentes da PP;
1. Definição da agenda
indireta problemas da sociedade. realce para temas com maior apelo popular.

2. Identificação de Visibilidade para determinadas Disputa por espaço dentro dos canais
Indireta
alternativas alternativas apresentadas. midiáticos das alternativas.

Visibilidade para que algumas


Disputa pela legitimidade das opções em
3. Avaliação das opções Indireta opções consigam ganhar
disputa.
consenso ou aceitação.

Visibilidade para as opções O espaço midiático pode ser utilizado para os


4. Seleção das opções Indireta apresentadas pelos agentes grupos de interesse indicarem suas preferências
políticos. diante das opções apresentadas.

A cobertura da mídia de determinada PP pode


Visibilidade para a ser positiva ou negativa, funcionando como um
Direta e/ou
5. Implementação implementação e execução de espaço de disputa simbólica entre os diferentes
indireta
determinada PP. atores envolvidos.

A divulgação de resultados positivos ou negativos


pela mídia de determinada PP é essencial para
6. Avaliação e Direta e/ou Visibilidade para os resultados
que o seu executor possa ampliar ou diminuir
monitoramento indireta alcançados pela PP.
seu capital político, para sua continuidade, sua
ampliação e receber mais recursos.

Fonte: elaboração dos autores.

O ciclo detalhado no Quadro 1 permite obser- da sociedade e as formas de atuação das empresas de
var que o elemento principal da influência da mídia mídia (que privilegiam eventos que acarretem um
encontra-se na sua capacidade de visibilidade (ou em aumento da audiência) possibilitam que apenas
não) dos problemas sociais, das alternativas apresen- alguns elementos em torno do ciclo de PP ganhem
tadas, das opções em pauta, de sua implementação destaque nos canais de comunicação. A maioria das
e a avaliação e monitoramento dos resultados alcan- práticas de PP, principalmente nas etapas interme-
çados pela PP. A diversidade de PP, a complexidade diárias do ciclo (o processo decisório), não tem vi-

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sibilidade. Dessa forma, como argumentou Rubim são lançadas, testadas e contestadas; daí, a partir de
(2001) ao trabalhar com o conceito de telerreali- sua repercussão na cobertura midiática, eles podem
dade para explicar o poder de influência da tele- avaliar o uso ou não de determinadas propostas. (3)
visão na sociedade contemporânea, as ações desen- A associação entre a cobertura da mídia e a opinião
volvidas “inexistem” para grande parte da popula- pública. Se a mídia afeta ou não a opinião públi-
ção, que somente consegue perceber como verda- ca é irrelevante, explicam Walgrave e Aelst (2006),
deiro o que está dentro dos noticiários midiáticos. porque o que conta é que os atores acreditam que
Essa característica indica que a grande maioria ela determina os assuntos públicos prioritários. Isso
das PP não tem espaço (visibilidade) na mídia e, quer dizer que o destaque da mídia para determi-
quando o tem, devem atender aos critérios de no- nada questão torna-se um indicativo das preocupa-
ticiabilidade dos veículos de comunicação ou aten- ções da opinião pública. Assim, os agentes políticos
der a interesses de grupos que atuam politicamente não reagem à mídia, mas a uma expectativa da per-
em torno de temas específicos, os quais utilizam cepção da opinião pública, construindo suas estra-
os holofotes da mídia para realçar ou incorporar tégias políticas de forma a atender essa demanda.
algum tema na agenda social e política ou apre- Nesse sentido, Walgrave e Aelst (2006) identi-
sentação de alguma proposta/solução que atendam ficam que a cobertura dos meios de comunicação
suas preocupações. de massa pode assumir reações políticas em duas
Do Quadro 1 também podemos inferir três dimensões: simbólica e substancial. A primeira
momentos de maior inter-relação: 1) na definição indica uma reação retórica frente à “pressão” da
da agenda; 2) na fase de implementação; 3) na ava- mídia, mas com pouca efetividade sobre a execu-
liação e monitoramento dos resultados alcançados. ção das políticas, enquanto a segunda, substancial,
A maioria dos estudos existentes centra sua análi- refere-se a mudanças efetivas a partir da cobertura
se no primeiro momento, destacando o poder da de determinada questão. Nesse quadro, os autores
mídia sobre a formação da agenda política. Nesses propõem um modelo com cinco tipos de reações
estudos, não existem preocupação específica quan- políticas à cobertura midiática sobre determinada
to à interferência (ou não) da cobertura midiática questão (issue): 1) não reação; 2) reação simbólica
sobre as PP, porque são voltados para tentar avaliar rápida; 3) reação substancial lenta; 4) reação subs-
o poder do agenda-setting. tancial rápida; 5) reação simbólica lenta. Essas rea-
Walgrave e Aelst (2006), ao avaliar o poder de ções variam de acordo com o contexto político e os
agenciamento da mídia sobre a agenda política, in- inputs da mídia.
dicam que as pesquisas realizadas apresentam resul- Em relação à fase de implementação das PP,
tados contraditórios, sendo que alguns estudos indi- ainda não existem estudos que sistematizem e/ou
cam modesto impacto da mídia (de massa) sobre a mensurem a inter-relação PP e mídia, pois tais es-
agenda política, enquanto outros sinalizam que exis- tudos, como já indicado, são voltados para os as-
te forte correlação. Nesse sentido, os autores aferem pectos institucionais e formais das políticas. Como
que o impacto do agenciamento da mídia existe, mas destaca Celina Souza (2003), existe a necessidade
é limitado às características do sistema político, do de incorporar na agenda de pesquisa desse campo
meio de comunicação, da relevância do tema/pro- novos fenômenos que interferem na execução e im-
blema (issue), sua exposição e em momentos de crise. plementação de PP, percebendo que o processo é
É possível identificar três principais explicações mais complexo e dinâmico, onde elementos exter-
sobre os motivos que levam os atores políticos a nos acabam por interferir, mesmo que indiretamen-
adotarem temas apresentados pela mídia. (1) Pode- te, na consolidação de suas práticas e ações. Nesse
-se afirmar que, assim como o cidadão comum é caso, a mídia, através dos seus diferentes dispositi-
afetado pelo noticiário da mídia, os agentes políti- vos, pode ser uma importante variável externa a ser
cos também o são. (2) Nas democracias, os meios mensurada nos estudos sobre a execução de PP.
de comunicação são arenas nas quais os atores po- A visibilidade de uma PP pode ser funda-
líticos disseminam ideias políticas e propostas que mental para que ela seja implementada de forma

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Mídia e políticas públicas  139

eficiente. Por isso, a cobertura da mídia (positiva do jogo político de disputa pelo poder, que passa
ou negativa) de uma PP em implementação ser- pela disputa eleitoral, pela competição intragover-
ve como um campo de disputa simbólica entre os namental dos órgãos envolvidos, luta pela distribui-
atores envolvidos. Além de permitir maior trans- ção de recursos, alocação de apoios políticos, entre
parência na implementação, importante caracterís- outros elementos.
tica para garantir maior eficácia de uma PP, uma
abordagem favorável possibilita que determinada
PP consiga ser implementada com mais facilidade Considerações finais
e apoio dos agentes envolvidos. Entretanto, se for
negativa, uma PP pode encontrar sérios obstáculos Apesar de as PP serem vistas, de uma maneira
que podem inviabilizar sua realização ou atrasar simplista, como intervenções técnicas dos gover-
sua implementação. nos, comandadas por uma racionalidade institu-
No momento da avaliação e monitoramento cional específica voltada para a eficiência de seus
dos resultados, a mídia pode implicar na forma resultados, percebe-se, na prática, que existem
pela qual a população percebe os benefícios ou não influências de diversos atores, alguns não institu-
de determinada política. Nem todas as pessoas são cionais (formais) como a mídia, que vão tecer in-
beneficiadas, pelo menos diretamente, pelas PP fluência e pressionar a sua concepção, seu formato
em geral, que tem caráter setorial. Assim, grande ou mesmo interferir no modo como serão avaliados
parte da população não tem informações sobre o seus resultados.
andamento de determinada política, dependendo Neste artigo, buscou-se fazer uma aproximação
da visibilidade e enquadramento que a mídia dá a entre mídia e PP pelo viés do modelo do ciclo de
determinados eventos. Por mais que determinada PP, identificando três momentos de maior influên-
política alcance resultados positivos do ponto de cia do primeiro sobre o segundo. Contudo, como
vista técnico, ela somente poderá ser convertida apontado no próprio texto, existem outros mode-
em capital político para seu realizador se for per- los de análise de PP que permitem aproximações
cebida pela população. Boas políticas com boas diversas. Gostaríamos de destacar, por fim, outras
avaliações técnicas podem perder sua continuidade possibilidades já indicadas ao longo deste texto:
caso não obtenham visibilidade positiva e apoio da
opinião pública. 1. PP como ferramenta de marketing político: com
Como ressalta Faria (2005), as avaliações de PP a profissionalização das campanhas eleitorais e o de-
ganharam relevância amparadas pela necessidade de senvolvimento da atividade de marketing político,
modernização da gestão pública e reforma do Esta- os canais de mídia se tornam palcos privilegiados de
do. Como última etapa do ciclo de PP, a avaliação comunicação das campanhas com o eleitorado. Nes-
serve para mensurar os resultados alcançados, for- se sentido, algumas PP ou propostas são “vendidas”
necer subsídios para correções, ajustes e desenhar (veiculadas) nas propagandas eleitorais dos candida-
novas PP. As avaliações também servem como um tos, esvaziando seu critério “técnico” e valorizando
mecanismo de prestação de contas e responsabiliza- seu aspecto simbólico. A necessidade dos governos
ção dos agentes públicos encarregados. Dessa for- de legitimarem suas ações em regimes democráticos,
ma, como indica o autor, prevalece um viés norma- ou mesmo confirmarem seu capital político, fazem
tivo que prioriza os aspectos técnicos e uma ênfase com que muitas das PP sejam escolhidas ou desen-
no papel gerencial, isto é, uma leitura positivista (e volvidas com um viés exclusivamente político, o que
ingênua) das PP, desprezando fatores (como a mí- leva ao esvaziamento de seus elementos técnicos e
dia) que podem exercer influência nesse processo. coloca em risco sua eficiência e eficácia.
Faria (2005) assinala que existe a necessidade 2. O caráter dialético entre opinião pública e PP:
de que os estudos sobre a avaliação de PP devem ir a partir das características apontadas no item ante-
além do modelo instrumental e gerencialista, sen- rior, pode-se observar, com base nas considerações
do necessário incorporar, nas pesquisas, elementos de Howlett (2000), que existe uma relação dialéti-

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ca entre ambas. Mesmo que a opinião pública, in- Notas


fluenciada pela cobertura da mídia, não determine
os resultados de uma política, ela desempenha um 1 O uso de PP como forma de ampliação do capital
papel indireto na formação das políticas e repre- político foi estudado em outra pesquisa (Penteado,
senta um elemento importante nos subsistemas de 2001), que avaliou o uso do Plano de Assistência a
políticas. Por outro lado, as PP também podem ser Saúde (PAS) no município de São Paulo, durante a
gestão Paulo Maluf, como ferramenta de marketing
utilizadas como forma de manipulação da opinião
político.
pública, sendo a mídia utilizada como mecanismo
2 A pesquisa realizada indicou que apesar de existir fer-
de mediação.
ramentas para ampliar a participação, elas são poucas
3. Manutenção do caráter normativo das PP: o cará-
utilizadas pelos cidadãos.
ter comercial que regula a cobertura da mídia acaba
por privilegiar abordagens espetaculares sobre as PP,
esvaziando a possibilidade de visão crítica e confli-
tuosa sobre todo o processo das PP. De forma geral, Bibliografia
a cobertura midiática não tem um caráter questio-
nador das políticas adotadas, preferindo destacar ARAÚJO, R.; PENTEADO, C. L. C. & BUR-
aspectos positivos e negativos em torno de proble- GOS, R. (2011), Democracy and internet: a
mas ou resultados, sem, no entanto, promover um comparative study between portals of the minis-
amplo debate sobre determinada política, esgotando tries of culture (Brazil and Argentina). Rio de
o assunto em pontos específicos. Dificilmente os di- Janeiro, IPSA.
ferentes atores envolvidos, sejam eles membros da CASTELLS, M. (1999), A sociedade em rede. São
administração pública ou segmentos da sociedade Paulo, Paz e Terra.
civil, conseguem espaço para apresentar suas visões _________. (2009), Communication power.
e perspectivas sobre uma PP em pauta. Oxford, Oxford University Press.
4. Possibilidade de maior participação da sociedade EGLER, T. T. C. (2010), “Redes tecnossociais e
civil no processo de PP através do uso das TICs: o democratização das políticas públicas”. Socio-
caráter interativo e colaborativo das novas tecno- logias, 12 (23): 208-236.
logias indicam novas possibilidades de inclusão e FARAH, M. (2007), “Parcerias, arranjos institu-
participação da população nas PP, principalmente cionais e políticas públicas no nível local de
pela facilidade de comunicação, maior acesso a in- governo”, in E. Saraiva e E. Ferrarezi, Políticas
formações e menor custo de participação política. públicas – Coletânea volume 1, Brasília, Enap.
O uso das TICs indica um importante caminho a FARIA, C. A. P. (2005), “A política da avaliação de
ser incorporado nas agendas de pesquisa, especial- políticas públicas”. RBCS – Revista Brasileira de
mente pelo rápido aumento do número de usuários Ciências Sociais, 20 (59): 97-110.
e dos acessos no dia a dia das pessoas. FREY, K. (200), “Políticas públicas: um debate
conceitual e reflexões referentes à prática da
A partir da literatura apresentada, pode-se con- análise de políticas públicas no Brasil”. Re-
siderar que, apesar de não haver indicadores espe- vista Planejamento e Políticas Públicas, 21:
cíficos para avaliar as interações entre PP e mídia, 211-259.
o que sinaliza uma importante tarefa a ser incor- GOMES, W. & MAIA, R. C. M. (2008), Comuni-
porada na agenda de pesquisas e a execução de es- cação e democracia: problemas e perspectivas. São
tudo empíricos, existe uma interferência da mídia Paulo, Paulus.
sobre o ciclo de PP, principalmente em sociedades HOWLETT, M. (2000), “A dialética da opinião
democráticas nas quais os meios de comunicação pública: efeitos recíprocos da política pública
possuem centralidade nas relações sociais, tal como e da opinião pública em sociedades democrá-
a brasileira, o que sugere a necessidade de amplia- ticas contemporâneas”. Opinião Pública, 6 (2):
ção de estudos para avaliar essa relação. 167-186.

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Mídia e políticas públicas  141

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  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 87

Mídia e políticas Media and Policy: Some Médias et politiques


públicas: possíveis campos Possible Exploratory publiques: des possibles
exploratórios Fields domaines de recherche

Claudio Camargo Penteado e Claudio Camargo Penteado and Claudio Camargo Penteado et
Ivan Fortunato Ivan Fortunato Ivan Fortunato

Palavras-chave: Políticas públicas; Mídia; Keywords: Public Policies; Media; Com- Mots-clés: Politiques publiques; Médias;
Comunicação; Estado. munication; State Communication; État.

A centralidade da mídia na sociedade The centrality of the media in the Bra- Le rôle central des médias dans la société
brasileira confere aos meios de comu- zilian society assigns to the means of brésilienne confère aux moyens de com-
nicação importante papel na dinâmica communication an important role in munication un rôle important dans la
social contemporânea, cuja influência contemporary social dynamics, whose dynamique sociale contemporaine, dont
alcança diversos campos da atividade influence attains several fields of human l’influence a atteint plusieurs champs de
humana, inclusive o político. O debate activity, including the political. The de- l’activité humaine, y compris le politique.
sobre políticas públicas tem dominado bate on public policies has been domi- Le débat sur les politiques publiques do-
grande parte da agenda das ciências so- nating most of the agenda of the social mine une grande partie de l’ordre du
ciais. Em geral, as abordagens preservam sciences. In general, the approaches jour des sciences sociales. En général, les
uma tendência institucionalista, focan- preserve a tendency of institutional approches préservent une tendance insti-
do suas análises sobre os processos de- character, with the analyses centered on tutionnaliste, en concentrant leurs ana-
cisórios e/ou avaliativos. No entanto, decisional or evaluative processes. The lyses sur les procédures décisionnelles et/
observamos uma lacuna nas pesquisas article observes, however, a gap in the ou d’évaluation. Nous avons cependant
desenvolvidas, que é a de verificar a par- researches developed on the theme, i.e., observé une lacune dans les recherches
ticipação da mídia no ciclo das políticas the lack of an assessment of the media’s développés, qui est la vérification de la
públicas. Neste artigo buscamos inferir participation on the cycle of the public participation des médias dans le cycle des
a relação entre a cobertura da mídia e policies. In this sense, the article seeks politiques publiques. Dans cet article,
o processo dessas políticas na sociedade to infer the relations between media nous essayons de déduire la relation entre
brasileira contemporânea. coverage and public policies processes in la couverture médiatique et le processus
contemporary Brazilian society. de ces politiques dans la société brési-
lienne contemporaine.

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