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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018

PRESENÇA SOCIAL E EMOÇÕES: as conversações em


rede no dia do impeachment de Dilma Rousseff1
SOCIAL PRESENCE AND EMOTIONS: the networking talks
on the impeachment day of Dilma Rousseff
Maria das Graças Pinto Coelho2
Geilson Fernandes de Oliveira3

Resumo: Observa-se a produção de sentido comunicacional em fluxos


interacionais de redes sociotécnicas. Como se estabelece o convívio social e quais
sentimentos acompanham a tessitura moldada na disputa das narrativas sobre o
processo do impeachment da presidenta Dilma Rousseff? A tensão analítica foca as
conversações estabelecidas em dois posts da página do facebook da Revista Veja, a
saber: o post mais comentado em 17 de abril de 2016 e em 31 de agosto do mesmo
ano, datas, respectivamente, das votações do impeachment de Dilma Rousseff na
Câmara dos Deputados e no Senado. A presença social, como as pessoas interagem
online, é acompanhada por pressupostos etnometodológicos em sua abordagem
acerca da análise da conversa. Em uma primeira visada, se identifica a partir da
empiria a mediação de emoções dissonantes, como a alegria e a raiva, ao mesmo
tempo em que se percebe um acirramento da sociabilidade do conflito.

Palavras-Chave: Comentários. Emoções. Sociabilidade.

Abstract: It is observed the production of communication sense in interactional


flows of sociotechnical networks. How is social interaction established, and what
feelings accompany the fabric formed in the contest of narratives about the
impeachment process of President Dilma Rousseff? The analytical tension focuses
on the conversations established in two posts on Veja's facebook page, namely: the
most commented post on April 17, 2016 and August 31 of the same year, dates,
respectively, of the Dilma impeachment votes Rousseff in the House of
Representatives and in the Senate. The social presence, as people interact online, is
accompanied by ethnomethodological assumptions in their approach to
conversation analysis. In a first view, the mediator of dissonant emotions, such as
joy and anger, is identified from the empiria, while at the same time it is perceived a
worsening of the sociability of the conflict.

Keywords: Comments. Emotions. Sociability.

1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Sociabilidade do XXVII Encontro Anual da
Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, 05 a 08 de junho de 2018.
2
Pós-doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ). Professora/pesquisadora dos programas de pós-graduação em
Estudos da Mídia (PPGEM), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da pós-graduação em
Educação (PPGED/UFRN). E-mail: gpcoelho8@gmail.com.
3
Doutorando em Estudos da Mídia pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPGEM), da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: geilson_fernandes@hotmail.com.

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1. Introdução
Nas sociedades midiatizadas, as disputas de narrativas são continuamente
remodeladas frente ao efusivo fluxo interacional das redes e suas múltiplas conexões e fios
que tecem os acontecimentos, os quais contam cada vez mais com a participação dos atores
sociais, sobretudo, através da produção de comentários em sites jornalísticos e em redes
sociais. Observar a disputa das narrativas em sites ou páginas de muitos acessos e
comentários talvez permita uma maior compreensão das mudanças em torno dos estados de
ânimo e das sociabilidades durante o ano de 2016, marcado por fortes tensões nos mais
diversos contextos sociais (com destaque para o político, econômico e midiático),
especificamente em relação ao Brasil. Esse período mostrou-se como palco de
transformações e disputas decisivas, que continuam a desafiar a inteligibilidade no que se
refere às perspectivas relativas ao futuro do país. O impeachment da presidenta Dilma
Rousseff (Partido dos Trabalhadores - PT), democraticamente eleita em 2014, pode ser visto
como um dos elementos de destaque na tessitura dessas mudanças, considerando o
rompimento abrupto das relações institucionais ocorrido.
Desde as eleições de 2014, quando Dilma Rousseff foi reeleita ao cargo de presidenta
da república com 51,64% dos votos válidos, após uma das eleições mais acirradas do país
desde a redemocratização4, o campo político enfrentou um processo crítico de
deslegitimação. Como decorrência disso, em 02 de dezembro de 2015, ainda no primeiro ano
do segundo mandado de Dilma, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB5), acatou denúncia contra a
Presidenta, acusada de cometer crimes de responsabilidade fiscal, os quais diziam respeito à
Lei Orçamentária e à Lei de Improbidade Administrativa. Acompanhando a abertura do
processo na Câmara, manifestações populares pró e contra o impeachment ganharam força
em todo o Brasil.
Em 17 de abril de 2016, após sessão que durou mais de 40 horas, o pedido foi
aprovado, com 367 votos favoráveis e 137 contrários. O parecer da Câmara foi enviado ao

4
A eleição de 2014 foi a mais acirrada do país desde a sua redemocratização. O seu resultado foi definido por
uma diferença de 3,6 pontos percentuais.
5
Em dezembro de 2017, o partido voltou a ser chamado de Movimento Democrático Brasileiro (MDB), tal qual
a sua denominação durante o regime militar. Alguns críticos apontam que esse retorno se dá principalmente
como uma tentativa de aplacar a crise de imagem da agremiação. Quando citado neste trabalho, contudo, será
mantida a utilização da sigla PMDB, considerando que os acontecimentos em questão se deram quando a
designação do partido ainda era esta. Disponível em: <http://pmdb.org.br/noticias/pmdb-muda-a-sigla-e-volta-a-
ser-o-mdb/>. Acesso em: 23 de dez. de 2017.

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Senado, onde também foi aprovado por uma Comissão Especial e, em 12 de maio, o
afastamento de Dilma por 180 dias foi confirmado, assumindo interinamente o seu vice,
Michel Temer (PMDB).
Apesar da perícia realizada pela comissão do impeachment concluir que não houve
crime de responsabilidade fiscal, o processo não foi descontinuado e seguiu para votação no
Senado, quando em 31 de agosto de 2016, 61 senadores foram favoráveis ao afastamento de
Dilma, enquanto 20 foram contrários. Finalizado o processo, a presidência passou a ser
ocupada, agora, efetivamente, por Michel Temer.
Durante todo esse tempo, uma cadeia de emoções e sentimentos foram expressos
pelos atores sociais nos mais diversos dispositivos midiáticos de comunicação, tais como as
redes sociais6 - verdadeiros fenômenos na sociedade brasileira. Nelas, além das vozes
jornalísticas que enunciavam sobre o impeachment, como ocorria nos perfis oficiais de
jornais e revistas em redes como o facebook7 e twitter8, também havia um intenso processo
de conversação e debate por parte dos sujeitos comuns, isto é, os atores das/nas redes,
evidenciando uma cultura midiática com fluxos constituídos por diversas vias, bem como
uma intensa produção de sentidos sobre as narrativas corporativas dominantes. Assim, logo
que eram publicados posts9 nos perfis dos veículos jornalísticos, um grande volume de
comentários também era produzido, os quais demonstravam uma miscelânea de estados de
ânimo, havendo uma ocupação daqueles espaços tanto para reforçar as narrativas como para
contrariá-las.
Frente a este contexto, são analisadas neste artigo as conversações estabelecidas em
dois posts da página do facebook da Revista Veja10, a saber: o post mais comentado em 17 de
abril de 2016 e em 31 de agosto do mesmo ano, datas, respectivamente, das votações do
impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados e no Senado, com o objetivo de
refletir sobre as apropriações cognitivas realizadas pelos atores, bem como a produção de

6
Recuero (2009) define rede social como um conjunto composto de dois elementos: os atores (instituições,
pessoas, ou os grupos, os quais comporiam os nós da rede) e as suas conexões (realizada por meio das
interações ou dos laços sociais estabelecidos).
7
Site de rede social lançado em 2004, o qual demonstra até hoje crescimento e faturamento expressivos. No
primeiro trimestre de 2017, atingiu a marca de 1,94 bilhões de usuários ativos em todo o mundo, sendo a rede
social mais utilizada no Brasil.
8
Microblogging que permite aos atores sociais enviar e receber informações por meio do seu web site ou
softwares específicos.
9
Mensagem ou conteúdo publicado em uma página da internet.
10
https://www.facebook.com/Veja/. A página da Veja foi eleita para o estudo por ser uma das que possuem o
maior número de curtidas e seguidores no facebook em se tratando do nicho jornalístico.

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sentidos engendrados pelos seus discursos. A partir de coleta realizada pelo LABIC11,
constatou-se que os posts mais comentados nas duas datas foram os seguintes: 1) “Grupo
Carreta Furacão se apresenta na Avenida Paulista e manifestantes celebram aprovação do
impeachment, que agora segue para o Senado12”, com um total de 10 mil comentários e; 2)
“Também falando em "golpe", governo do Equador anunciou a mesma medida #VEJA.
Maduro rompe relações com Brasil e chama embaixador de volta após impeachment13”, com
15.901 comentários. Nas conversações de ambas as postagens, são evidentes os
tensionamentos referentes ao campo das emoções, já que enquanto na primeira se tem a
emergência da alegria e do riso, na segunda, a raiva se torna o expoente, como poderá ser
visto, intensificando as disputas que passaram a compor o acirramento de um cenário de
conflitos.
Tendo em vista o viés qualitativo adotado para as análises e a impossibilidade de dar
conta de todos os comentários, são elaboradas algumas estratégias para a composição do
corpus. Como primeiro critério utilizado, são selecionados os primeiros 50 comentários14 de
cada postagem e todas as respostas15 a eles direcionadas. Tal escolha se dá pela perspectiva
empiricamente comprovada a partir de outros trabalhos já realizados de que após os 50
primeiros comentários, há uma forte tendência à redundância dos sentidos. Destaca-se, ainda,
como segundo critério na constituição do corpus de análise, que alguns comentários foram
desconsiderados, como aqueles compostos exclusivamente com marcação de outros atores,
somente por imagem, que direcionavam para outras páginas, através de links, spams, em
outras línguas, ininteligíveis e/ou repetidos. Desta forma, foram coletados inicialmente um
total de 100 comentários (50 de cada postagem), mais 123 respostas do primeiro post e 513

11
A coleta dos dados analisados neste artigo foi realizada pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e
Cibercultura (LABIC), do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), sob coordenação do professor Dr. Fábio Malini em cooperação com o Gemini – Grupo de Estudos da
Mídia/UFRN, a quem reforçamos o nosso agradecimento.
12
Link do post: <https://www.facebook.com/Veja/videos/10153905338470617/>. Último acesso em:
15.12.2017.
13
Link do post: <https://www.facebook.com/Veja/posts/10154225344015617>. Último acesso em: 15.12.2017.
14
O facebook disponibiliza três filtros para a organização e leitura dos comentários: 1) comentários mais
relevantes – os comentários mais relevantes aparecem na parte superior; 2) mais recentes – os comentários
novos e aqueles com novas respostas aparecem na parte superior, e; 3) comentários mais relevantes (sem filtro)
– todos os comentários, incluindo comentários de spam, e em outros idiomas, sendo que os comentários mais
relevantes aparecem na parte superior. O filtro utilizado para a coleta dos dados foi o terceiro, valendo ressaltar
que o site classifica como os mais relevantes aqueles que obtém mais curtidas e respostas.
15
No espaço de conversação, o facebook oferece a função “responder” logo abaixo ao comentário produzido,
sendo uma alternativa à opção curtir. As respostas dos comentários são consideradas para análise devido ao seu
potencial mobilizador de discussões, que podem tanto reforçar quanto refutar os sentidos enunciados pelo
comentário.

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do segundo, totalizando 736. Após esquadrinhamento baseado nos critérios mencionados,


restaram da primeira postagem 156 (49 primeiros comentários + 107 respostas) e, da segunda
postagem, 490 (50 primeiros comentários + 440 respostas), totalizando 646 comentários,
conforme indicado nas tabelas 1 e 2:

TABELA 1
17 de abril.
Post do dia 17 de abril
1º momento 2º momento
50 comentários 49 comentários
123 respostas 107 respostas
Total: Total: 156
FONTE - Os autores, 2017.

TABELA 2
31 de agosto.
Post do dia 31 de agosto
1º momento 2º momento
50 comentários 50 comentários
513 respostas 440 respostas
Total: Total: 490
FONTE - Os autores, 2017.

Uma vez feita a composição do corpus, metodologicamente, são utilizados os


pressupostos da etnomedologia e sua abordagem acerca da análise da conversa (WATSON,
GASTALDO, 2015), considerando a concepção dessa vertente acerca dos fenômenos sociais,
distinta daquela adotada pela sociologia tradicional, apresentando-se como uma
microssociologia que tem como principal objetivo descrever e interpretar os métodos – ou
etnométodos - que os sujeitos comuns fazem uso para atribuir sentido as suas ações, haja
vista que estas não são meras reproduções das estruturas que os rodeiam, sendo, portanto,
reflexivas (GARFINKEL, 2002; COULON, 1995).
Quais os fatores que possibilitaram que as duas postagens citadas fossem as mais
comentadas? Que sentidos os sujeitos atribuíram a elas através dos comentários produzidos?
Em busca de refletir sobre estas questões, analisa-se em um primeiro momento os
comentários da postagem de 17 de abril e logo após os da postagem de 31 de agosto. Suas
tensões, imbricações e (des)encontros são refletidos quando das considerações finais.

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2. O passinho do impeachment
Enquanto a Câmara dos Deputados votava a aprovação do processo de impeachment
de Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2017, diversas manifestações pró e contra se
espalharam por todo o Brasil. Nas redes sociais, a movimentação também foi intensa, de
modo que este foi um dos assuntos mais comentados do dia. As redes e as ruas demonstraram
uma confluência que aponta cada vez mais para o encadeamento e convergência (JENKINS,
2008) dos meios e a constituição de um novo bios – na perspectiva de Sodré (2006), o
midiático, onde a vida social é intermediada pelos dispositivos e tecnologias da comunicação.
Na página da Revista Veja no facebook, a votação foi pauta não somente em seu dia
específico, mas permeou a produção dos conteúdos que foram publicados tanto nos dias
anteriores quanto posteriores, o que foi seguido pelas conversações estabelecidas pelos atores
sociais no espaço dos comentários. No dia 17, como já antecipado, a publicação que obteve o
maior número de comentários foi a que enunciava textualmente e também em vídeo sobre a
celebração de manifestantes pela aprovação do impeachment, os quais comemoravam a
vitória na Avenida Paulista, tendo como atração principal o Grupo do trenzinho Carreta
Furacão16, isto, após campanha de crowdfunfing (financiamento coletivo) realizada pelo
Movimento Brasil Livre (MBL) no Kickant17, que angariou o valor de R$ 14.393 com
doações de 229 pessoas. As informações referentes à arrecadação, no entanto, não fazem
parte da postagem veiculada pela Veja, restrita ao enunciado “Grupo Carreta Furacão se
apresenta na Avenida Paulista e manifestantes celebram aprovação do impeachment, que
agora segue para o Senado” e vídeo que mostrava a festividade.
Nos comentários referentes a este post, o sentimento de festa e alegria que é
demonstrado através do vídeo é ampliado, pois neles há uma predominância da alegria e do
riso, este último, tanto como um estado de bem-estar ou felicidade, como de ironia por parte

16
Carreta Furacão é um grupo de Ribeirão Preto (SP), atração principal de um trem voltado para passeios
infantis. Os integrantes do grupo se fantasiam de personagens populares do mundo infantil, como Fofão,
Popeye, Mickey, Capitão América e um palhaço. No entanto, na apresentação do dia 17 na paulista, o
personagem do Fofão foi substituído pelo Goku (personagem protagonista da franquia Dragon Ball criada por
Akira Toriyama), pois Orival Pessini, criador do Fofão, proibiu que seu personagem fosse usado em
manifestações políticas. O diferencial do grupo é marcado pelo fato inusitado de que apesar de se fantasiarem
dessa forma, os intérpretes realizam coreografias de ritmos adultos, como o funk ou pagode, além de
executarem manobras arriscadas. Foi a partir deste aspecto que o grupo ganhou espaço na internet, com vídeos
que já ultrapassam mais de 4 milhões de visualizações no youtube.
17
Plataforma de financiamento coletivo (crowdfundig), criada no Brasil em 2013. Disponível em:
<https://www.kickante.com.br/campanhas/carreta-furacao-na-paulista-pelo-impeachment>. Acesso em:
13.12.2017.

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dos que debochavam de Dilma e seus correligionários ou daqueles que se colocavam como
contrários ao impeachment e desdenhavam da comemoração. Vejamos primeiro os que
produziram sentidos positivos sobre a situação, evocando alegria e satisfação:
1 – “Siga em frente, olhe para o lado Dilminha tá Saindo na batida do cavalo”
Hahahaha18.
2 – O melhor do Brasil é o brasileiro! VAI TER GOLPE SIM E SE RECLAMAR
VAI TER TODO DIA.
3 – Tem como não amar o Brasil?
4 – Quando meu filho um dia me perguntar sobre o Impeachment vou dizer: “filho,
presenciei a Carreta furação comemorando na paulista, realizei dois sonhos”.
5 – Meu Brasil é lindo!Conseguimos expor o que estava entalado na garganta.
6 – Brasil até que em fim, nos acordamos obrigado justiça para o povo brasileiro.
Acima, vê-se que os atores expressaram contentamento sobre o ocorrido, inclusive de
forma bem-humorada, como no enunciado nº 1 (quando há uma paródia de uma das músicas
coreografadas pelo Carreta Furacão – desvelando o uso de etnométodos para produzir o riso e
a comicidade frente a situação, bem como para debochar da figura de Dilma). Segundo
Watson e Gastaldo (2015, p. 14), os etnométodos podem ser vistos como os métodos
culturais adotados pelos sujeitos comuns para atribuir sentidos nos contextos de experiência
cotidiana, os quais se constroem não de modo determinante, mas a partir de uma
reciprocidade de perspectivas entre os atores e a sociedade e se convertem em ações e
interações. Com efeito, a produção do sentido de alegria baseou-se no orgulho em ser
brasileiro e no fato de se enxergar formas de justiça no acontecimento em questão.
Conforme Sodré (2006, p. 204) uma das principais características da alegria é que ela
não é retrospectiva, mas presente, mesmo que possa se reporta ao passado ou manifestar-se
em uma imagem do futuro. Nos comentários analisados, a alegria é vividamente
presentificada, ao mesmo tempo em que também se faz a partir da fé dos atores em um futuro
melhor a partir do afastamento de Dilma. Nela, há “[...] uma extravasão afetiva, provocada
pela concordância de todos os sentidos – reconhecível pelos sentimentos de júbilo, regozijo e
gozo [...]” (SODRÉ, 2006, p. 204), elementos reconhecíveis nas produções discursivas dos
atores e que dão significação ao ato de estar alegre e/ou satisfeito. Ao lado deste aspecto

18
Os comentários aqui dispostos são transcritos em sua forma literal e não terão seus autores identificados.

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exultante, se tem o riso, associado, como já antecipado, ao bem-estar e a felicidade (7 e 9), e


à ironia (8, 10 e 11).
7 – hahahahhahaha eu amo esse país!
8 – Vem pedalar aqui fora , vem pra vida real !!!!
9 – tá rolando a votação aí De repente começa : ‘siga em frente olhe para o lado se
liga no mestico na batida do cavaco’.
10 – Rindo ate 2018. Dilma, força! Queridona, não ligue para o que as pessoas vão
achar de você! Se não política não deu certo, não se desespere. Você pode vender
Jequiti, Avon, Hinode, Hermes... Lingerie, Tupperware, fazer bolo de potinhos, trufas...
Dá dinheiro, viu? E Mary Kay ?Já pensou você num carrão rosa por ai? Liga não, boba!
Vocé é uma mulher sapiens de garra! Oh, tem gente que conseguiu arrumar todo
banheiro de casa vendendo cajuzinho. Bacana, né: Mas se tudo não der certo nas
vendas, aposte na faxina! Aí não tem erro. Ah! E tem muito curso bom do Pronatec
também! Um beijo nesse coração valente! E não esquece não conta com o filho Brasil
que ele vai mais se lembrar de vc por anos!!!! Tchau querida!!!!.
11 – Chora petista, bolivariano A roubalheira do PT tá acabando Tua conduta é imoral
Fere os princípios da CF nacional Olê, olê Olê olê Tamo na rua pra derrubar o PT Olê,
olê Olê olê Tamo na rua pra derrubar o PT.
O riso possui uma significação social e cultural que corresponde ao seu contexto
interpretativo e às exigências da vida em comum, sendo o resultado de um entendimento
recíproco, afirma Bergson (1983). Já Bakhtin (2010, 2010a) ressalta que o riso é
característico da cultura popular e, durante a idade média, era fortemente controlado e
reservado para ocasiões específicas, como as festas de carnaval. Segundo o autor,

Nós temos em vista o riso não como um ato biológico e psico-fisiológico, mas o
riso na existência sócio-histórica, cultural e objetal, e, principalmente, na expressão
verbal. O riso se manifesta na fala pelos mais diferentes fenômenos, que até hoje
não foram submetidos a um estudo histórico-sistemático e rigoroso suficientemente
profundo. Ao lado do emprego poético da palavra num “sentido não particular”, ou
seja, ao lado dos tropos, existem as mais variadas formas de utilização indireta de
um outro gênero de linguagem: a ironia, a paródia, o humor, a facécia, os diversos
tipos de comicidade, etc. (BAKHTIN, 2010a, p. 343).

Como visto, não existe uma classificação sistemática para o riso, que pode variar de
sentido ou objetivo conforme o seu contexto. A linguagem que o exprime possui, então, um
caráter social, histórico e cultural. Em alguns momentos, marcado pela ironia, o riso ganha

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novos sentidos – de chacota, humilhação, confronto, etc. Neste momento, outros etnométodos
são acionados pelos atores. No corpus analisado, isto se dá principalmente nas respostas aos
comentários, como pode ser visualizado dos enunciados 12 ao 17
12 – Em vez de festa na avenida não deveriam estar correndo pra casa para acordar
cedo amanhã e trabalhar ou procurar um serviço? Já estão começando mal.
Respostas ao comentário 12:
13 – Se liga no impeachment e o PT sendo afundado!
14 – impeachment está na constituição. nada de golpe nisso. e ja acabou. tem luta não
fera.
Destarte, é interessante perceber que o riso se realiza não somente pelos atores pró-
impeachment, mas também por aqueles que foram contrários.
15 – Foi arrancado o “Câncer” que corroía o País, satanás. Todos sabemos que
existem muitas coisas podres ainda, mas foi preciso dar o primeiro passo. Não havia
condição alguma pensar em mudanças com uma pessoa totalmente bisonha na
Presidência, por isso aqueles que falam em golpe são fanfarrões, ou estavam envolvidos
nesse mar de lamas que prejudicou, entristeceu e envergonhou os brasileiros dignos e
trabalhadores.
Respostas ao comentário 15:
16 – arrancado o câncer???? kkkkkk cara ganhamos de brinde cunha e temer a
presidencia e vc acha que estamos na disney de ferias???? kkkkkkkkk.
17 – Só vento aqui da Europa o Brasileiro sento otario mais uma vez.
Em ambos os casos, é um riso que faz zombaria do outro e busca a partir de seus
posicionamento desqualificar o diferente, o que por sua vez aponta para o fato de que o riso
nem sempre está totalmente associado à alegria, particularmente quando possui um tom
sarcástico ou irônico. As estratégias discursivas que são utilizadas com vistas a promover a
desqualificação do outro são a paródia e o afastamento (13 e 17), a fundamentação – mesmo
que questionável (14) e a indagação baseada na gozação (16). São nestes momentos - as
interações promovidas a partir da troca de turnos (WATSON, GASTALDO, 2015, p. 99)
entre os comentadores – em que emerge a sociabilidade do conflito, quando há a irrupção de
uma disputa pelo predomínio do sentido das narrativas. A sociabilidade, segundo Simmel
(1983, p. 168) é conteúdo e forma da vida em sociedade, onde o estar com o outro, para o
outro ou contra o outro desenvolve os interesses materiais e individuais, ganhando vida

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própria. Enquanto uma forma lúdica de sociação, é através dela que os sujeitos se relacionam
e interagem de diversas maneiras, formando o tecido social. Seus propósitos, segundo o
autor, dependem inteiramente das personalidades entre as quais a sociabilidade ocorre.
Nas redes sociais, múltiplas sociabilidades pululam. No caso investigado, se tem de
forma predominante duas formas: sociabilidades que interagem possuindo interesses
semelhantes e outras em que a interação revela o conflito. Apesar de parecer contraditório, o
conflito, de acordo com Simmel (1983, p. 122), não pode ser tomado como algo patológico
ou nocivo para a vida social, pois é uma forma pura de sociação, necessária e de grande
relevância para a manutenção da vida em sociedade, especialmente por produzir nos
envolvidos certo interesse ou reconhecimento da divergência, pois quando há a exposição de
pontos de vista distintos, por exemplo, a temática abordada se torna centro de reflexões,
enriquecendo a discussão. Nas conversações informais ocorridas nas redes sociais, os
sentidos sobre uma mesma questão podem ser ampliados a partir do conflito.
Na postagem do dia 17 de abril o conflito se mostrou presente, mas de modo bem
menos representativo se comparado as conversações do post de 31 de agosto de 2016, quando
a alegria e o riso dão lugar à raiva e a disputa de significados é intensificada.

3. Se é por falta de adeus...


“Também falando em "golpe", governo do Equador anunciou a mesma
medida #VEJA. Maduro rompe relações com Brasil e chama embaixador de volta após
impeachment”, é o enunciado da postagem mais comentada na página da Veja em 31 de
agosto. Nela, há a discursivização de uma das consequências do afastamento de Dilma: os
governos do Equador e Venezuela classificavam o que ocorria no Brasil como um golpe e
anunciavam a retirada de seus embaixadores do país (como pode ser visto quando do acesso à
matéria que o post direciona)19. Como resposta, a grande maioria dos comentários agradecia
o desligamento destas nações com o Brasil e pedia que os seus embaixadores voltassem, de
fato, aos seus países de origem, argumentando que o Brasil não estava perdendo nada, o que
de antemão já explicita o campo de conflitos que foi formado, como mostram os enunciados
que seguem:
18 - leva o embaixador e devolve o dinheiro que roubaram do Brasil .. Palhaço”.

19
Link da matéria: <http://veja.abril.com.br/mundo/equador-e-venezuela-convocam-representantes-apos-
impeachment/>. Acesso em 29/06/2017.

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19 - Amém!!!!! Só devolva nosso dinheiro e a nossa refinaria. VAGABUNDO.


20 - Nossa, que falta farão Venezuela, Equador e Bolívia! Até que é bom esse
rompimento para impedir qualquer envio de dinheiro para os bolivarianos
21 - Se a notícia se confirmar, não perderemos nada. Ganhamos muito, afinal
financiávamos esses lixos comunistas com dinheiro público, através de obras feitas com
verbas do BNDES. Tomara que Cuba também rompa com o Brasil se Deus quiser.
O litígio e a não cordialidade dos comentadores não foi exclusivo aos países
mencionados no post, estendendo-se a outras nações que ainda nem tinham se pronunciado
sobre o impeachment, como Cuba, Bolívia e Uruguai, que antecipadamente também foram
aconselhados a seguir o exemplo da Venezuela e Equador.
22 - Não precisa voltar e leve junto os embaixadores da Bolívia, Equador, Cuba e
Uruguai, também não esqueça de devolver o dinheiro roubado do nosso povo. Bandido,
ditador, vagabundo e assassino!!
23 - finalmente nosso país indo rumo liberdade e se livrando desses lixos bolivarianos,
quem e o proximo país a cai fora por favor Ouvi Cuba, Bolívia?.
24 - Se é por falta de adeus ao Maduro, então “tchau querido” pra ele também! Já que
teu embaixador vai de volta, aproveita e pede pra ele levar um lote de papel higiênico,
comida e remédios pro teu povo, viu querido...
25 - Danem-se misérias, vocês são o câncer da América Latina, lixos de hospitais,
escórias da escória, usurpadores de poder e a vergonha dos seus povos. Já vão muito
tarde.
Quando observados os comentários dos dois posts, de imediato se identifica um
aumento contundente da sociabilidade do conflito, crê-se que amalgamado a efervescência e
agitação de toda a sociedade brasileira naquele momento. Da alegria, passou-se a raiva. Se
antes os etnométodos utilizados na construção dos sentidos em torno do conflito se baseavam
na desqualificação através da ironia presente no riso, passam a ser utilizados outros,
marcados pelo escracho e preconceito.
“Se é por falta de adeus [...]”, “Danem-se [...]”, “Já vão muito tarde [...]”, “[...]
temos que impedir que seus compatriotas venham pedir esmolas aqui [...]”, enunciados
produzidos e com grande número de curtidas, indicam conflitos diversos – com aqueles que
pensam diferente, com alguns países da América Latina, e até em torno da identidade cultural
brasileira, construída a partir de narrativas baseadas na afetividade e acolhimento.

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Considerando que os discursos se dão a partir de um constructo sócio-histórico-


cultural, não possuindo um sentido por si só, a raiva pode ser vista como uma emoção que
revela aspectos de um momento histórico, desvelando posições sujeito e subjetividades que
se mostram baseadas em um desacordo sobre os rumos da política brasileira. Mais do que
isso, a raiva parece se basear no fato de outros países estarem reconhecendo o que acontecia
no Brasil como um golpe. Com isto, toda a alegria que poderia ter sido desencadeada – como
ocorreu nos comentários da postagem de 17 de abril – pela decisão final favorável ao
impeachment, transformou-se em um estado colérico em relação aqueles que deslegitimavam
o que a maioria dos comentadores via como legítimo. Alguns marcadores expressaram
claramente os enunciados permeados pela raiva, como o uso de caracteres exclusivamente em
maiúsculo, xingamentos, acusações ferrenhas e até de baixo calão, etc.
Etimologicamente, a palavra raiva vem do latim rabies e remete a acesso de fúria, um
arrebatamento violento, cólera, o que a identifica como uma emoção que desponta a irritação,
agressividade, rancor, aversão e ódio, elementos que podem ser motivados devido à
ocorrência de aborrecimentos ou frustrações. Por ser uma emoção geralmente associada ao
descontrole, é também um dos estados de ânimo mais depreciados em meio a um regime
emocional da positividade (FREIRE FILHO, 2014).
De acordo com Rezende e Coelho (2010), há um forte componente moral na raiva.
Para as autoras, “está em questão assim não apenas a pessoa que sente a raiva mas também o
conjunto de relações sociais ao seu redor [...]” (p. 39). Em relação ao viés público da
expressão da raiva, Walton (2007) afirma que “em alguns contextos culturais, exprimir a
raiva é vergonhoso, um reconhecimento público de rendição à perda de controle […]” (p. 72).
Todavia, com a circulação fulgurante dessa emoção nos comentários, a sua demonstração nos
fóruns do ciberespaço não parece ser motivo de vergonha. Inversamente, tais espaços passam
a acolher e dar vazão as mais distintas especulações, posturas e ânimos de forma pública,
delineando, como coloca Freire Filho (2014), um panorama dos sensos de justiça e horizontes
morais do Brasil contemporâneo.
Enquanto fator social e cultural para a emergência da raiva, verifica-se a aversão dos
atores no que diz respeito à política, sobretudo aquela proposta pelo Partido dos
Trabalhadores (PT):
26 – Ke suma é que leve a corja dos comunas juntos.
27 - Leva a galera dos vermelhinos juntos.

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28 – Os petistas são os verdadeitos golpistas!!!!.


Por conseguinte, as figuras de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff foram
canalizadas como focos para a raiva:
29 - aproveita enche o navio com este lixo de petista ladrão e leva pra lá a anta e Barba.
30 - Chama a Dilmona, Lula e Cia também!!! Comunista maricon !!!!.
31 – E devolve o nosso feijão q a safada da dilma deu.
Esta aversão explicita que a raiva tem como etnométodo característico utilizado pelos
sujeitos a redução do outro. Com uma cólera acentuada, desvela-se um viés misógino nos
comentários direcionados a Dilma, colocada em termos sempre mais pejorativos do que
aqueles direcionados a Lula. Por outro lado, fica claro que a raiva não possui nenhuma
etiqueta de comportamento óbvia, podendo dar lugar a acusações, preconceitos, insultos,
sarcasmos, uso de termos depreciativos e não utilizados em outras situações, etc., o que pode
ser explicado no sentido de que, segundo Walton (2007), a pessoa com raiva quer destruir ou
afetar negativamente aquilo que é o seu objeto.
Se a raiva é colocada em sua maioria contra o PT e as figuras de Dilma e Lula, há de
se salientar que ela também é perceptível em outras direções, como em relação às classes
menos abastadas, colocada nos comentários como mortadelas, vagabundos, pobres,
preguiçosos, dentre outros termos, reforçando o ranço classista como componente da
sociedade brasileira (RIBEIRO, 1995). Nas conversações, essa raiva se tornou veemente
quando alguns atores denominavam o impeachment como sendo um golpe. Como uma
avalanche, a posição posta tinha como resultado o recebimento de inúmeros comentários
agressivos como resposta.
Os discursos em que tais posicionamentos – pró-impeachment – são explícitos são
identificados como dominantes nas conversações dos dois posts, o que não chega a ser uma
surpresa, considerando a linha editorial da Veja, marcada pelo seu viés à direita e crítica
ferrenha dos governos populares dos últimos anos. Além disso, é válido salientar que para
receber as notícias postadas pelo perfil da revista, há a necessidade de ter curtido a página, o
que raramente é feito pelos atores que não estão de acordo com a sua perspectiva. Entretanto,
levando em consideração a veemente disputa de narrativa, ainda que de forma menos
numerosa, a raiva também se expressou em relação à insatisfação de alguns atores sobre o
resultado do processo que resultou no impeachment de Dilma, bem como direcionado a

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revista Veja, pois alguns poucos comentários acusaram a revista de golpista, fascista e
comprada.
32 – Coxinhas bandidos!
33 – é golpe em cima de golpe.
34 – O dinheiro tá no bolso dos que votaram a favor do impeachment.
35 - A VEJA é podre.
Em todos os comentários onde a raiva se mostra de forma categórica, são perceptíveis,
mesmo que a partir de diferentes posições sujeito, a enunciação de sentenças que
taxativamente expõem juízos de valor sobre o acontecimento – impeachment –, sobre os
sujeitos envolvidos, entre aqueles que comentavam e sobre a própria revista. Isso sugere o
que é postulado por Ahmed (2014, p. 05) quando afirma que alguns teóricos descreveram as
emoções como formas de julgamentos, perspectiva que reforça a vontade de verdade por
parte dos diversos atores que fizeram uso daquele espaço para a produção de comentários, de
modo a assumir a posição de juízes que passaram a estabelecer sentenças, ao invés de
promover discussões ou debates, deixando claro que o diálogo em sua forma mais produtiva
não é, desta forma, fator inerente à expressão da raiva, evidenciada como cerne de conflitos e
disputas.
Esta produção expressiva de comentários e os seus sentidos latentes denotam além da
ocorrência de uma quebra institucional, também uma quebra da ordem dos discursos
(FOUCAULT, 2011) no que diz respeito aos modelos de brasilidade reproduzidos não só
pelas instituições tradicionais e a publicidade, mas também por diversas correntes teóricas,
como a que versa sobre o homem cordial (HOLANDA, 1995), na qual o povo brasileiro é
visto como afetivo, positivo, acolhedor e aberto às diferenças.
Entre um post e outro, há um acirramento do conflito e representativo rebaixamento
da capacidade de escuta. Retomando Simmel (1983, 2006), é certo que o conflito tem sua
positividade devido ao reconhecimento do outro – mesmo que algumas vezes se baseie na sua
redução, mas nunca a total eliminação –, sendo, portanto, um fator socializante, além de
servir para integrar os grupos, no caso investigado, a integração daqueles que são favoráveis
ao impeachment de um lado e os que são contra de outro. Melhor dizendo, sujeitos com
perspectivas semelhantes se unem com vistas a um objetivo em comum: fortalecer-se para
lutar com aquele que lhe é diferente. Exemplar disso é o agrupamento de sujeitos com visões
análogas que se se juntam para constituir o sentido a partir de argumentos correspondentes,

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como se identifica em algumas respostas (18-21 e 32-35). Apesar de promover interações,


nas conversações, o conflito não parece acontecer com vistas a se chegar a um entendimento,
pois em nenhum momento houve uma mudança de opinião ou comum acordo entre as partes.
Este aspecto evoca uma conversação pautada mais pela dialética que pela dialógica.
Para Sennett (2015, p. 37), ambas são formas de se praticar uma conversa, de modo que a
primeira é marcada por um jogo de contrários e a segunda pelo ricochetear de pontos de
vistas e experiências. Entretanto, a dialética presente nos comentários não parece visar um
acordo, pois o que se tem corriqueiramente é um “fetiche da afirmação”, ou seja, “[...] o
impulso de enfatizar um argumento como se seu conteúdo tivesse toda a importância do
mundo” (WILLIAMS apud SENNETT, 2015, p. 31), corroborando, por sua vez, para a pouca
capacidade de escuta entre os envolvidos, já que uma afirmação excessivamente enfática
pode anular o interesse daquele que recebe a informação, não esquecendo de se mencionar a
redução da diplomacia cotidiana.
Da alegria à raiva, evidencia-se uma erosão das relações sociais quando se interpretam
os enunciados trazidos para análise, momentos em que aspectos distintos passam a ser
utilizados na produção dos significados e sentidos, haja vista a irrupção de novos contextos
de ação. Instaura-se, com isto, um panorama em que emoções controversas vêm a público – a
alegria, riso e satisfação pelo impeachment, o desprezo direcionado aos países bolivarianos e
ao seu povo, que resultam na raiva relativa aos comunistas, que chamam os seus
embaixadores de volta, bem como a fúria contra uma presidenta que é chamada de anta.

4. Considerações finais
A complexidade das relações sociais do tempo presente aponta para os desafios em se
entender ou refletir os fatos e acontecimentos do cotidiano, cada vez mais fugazes e, porque
não, surpreendentes. Mas nem por isso com efeitos inofensivos. A eleição e impeachment de
Dilma Rousseff, mesmo sem ter cometido crimes de responsabilidade, parecem ter
fortalecido a emergência de lutas e disputas em torno do sentido, as quais tomadas pelo
conflito, trazem consigo uma convulsão de estados emocionais, como pode ser visto quando
das análises empreendidas em torno das conversações estabelecidas através dos comentários
na página do facebook da revista Veja.
Nas conversações de ambos os posts analisados, a discordância é um fator
preponderante, ocasionada principalmente pelas afirmações taxativas de posição, as quais não

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parecem ter interesse no contraditório, muito menos lhes ceder qualquer espaço. Neste
sentido, a discordância é vista como um fator que contribui para que aqueles posts sejam os
mais comentados de seus respectivos dias, atrelado a outros fatores, como a inusitada
comemoração com um grupo que possui modos de apresentação peculiares e o cada vez mais
discursivizado rechaço de uma parte da sociedade em relação ao que chamam de
“bolivarianos” ou “comunas”.
Se nos comentários do post do dia 17 de abril a alegria e o riso são os estados de
ânimo mais representativos, o mesmo não acontece na postagem do dia 31 de agosto,
possivelmente, devido ao fato dos atores verem a sua vitória desqualificada por aqueles que
desprezam, o que resultou na enunciação expressiva da raiva. Os dois momentos revelam
muito sobre as mudanças pelas quais vem passando a sociedade brasileira contemporânea:
um povo que se alegra, ri e comemora o esfacelamento da democracia e que desqualifica o
outro com base na diferença de perspectivas. No entanto, no que diz respeito ao riso e a raiva,
destaca-se que isto não se deu somente por parte dos que foram pró-impeachment, mas
também no que diz respeito aos que foram contra, que riram da satisfação e comemoração
vista como questionável e também partilharam da raiva, contudo, voltada para os atores que
apoiavam o afastamento da presidenta e para a revista Veja. A expressão de todos estes
elementos se deu por meio da utilização de etnométodos específicos, os quais foram
acionados pelos atores sociais conforme suas necessidades, engendrando uma construção de
sentidos e significados com objetivos determinados.
A sociabilidade do conflito, em ambos os casos, foi o aspecto que mais marcou as
interações efetivadas, crescendo exponencialmente entre um post e outro, muito certamente
como decorrência do que já ocorria nas ruas. Apesar de sua radicalização e a ausência de
trocas dialógicas promissoras que pudessem resultar em uma conversa livre de animosidades,
o conflito é visto como salutar por possibilitar a visão do outro, alimentando discussões e
interações sociais.
Hoje, muito do que foi mostrado e analisado repercute e tem a sua extensão a partir de
outros acontecimentos – a sua maioria ainda atravessada pela crise política brasileira. A
polarização é uma realidade e a aversão ao diferente se espalha enquanto um forte
conservadorismo ganha espaço. O conflito persiste. Mas é válido lembrar a partir de Simmel
(1983) que ele pode ser processo fundamental para a mudança de uma forma de organização

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para outra. A indiferença, neste sentido, seria bem mais problemática para as relações sociais,
representando a significativa redução dos indícios de sociabilidade.

Referências

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1983.
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Zahar, 2006.
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