Sie sind auf Seite 1von 14
Fernando Bouza Alvarez PORTUGAL NO TEMPO DOS FILIPES POL{TICA, CULTURA, REPRESENTAGOES (1580-1668) Profciode Anténio Manuel Hespamba : Tradugio de Angela Barreto Xavier e Pedro Cardin @ Eddigoes Cosmos Lisboa, 2000, 6 Lisboa Soxinka, Quase Vite, A Cidade ea Mudanga da Corte no Portugal dos Filipes. Noites vidas, dias imperfeitose Gabriel Perea de Castto, Lidar edfada, Se pinraré el globo de i tierra hagiendo quedac la espa nel medio. le cei una serpiente por lo mis grueso Iv] sobre ta cabeza de ls serpiente se conosea la ciudad de Lisboa» Programa para a decorago da Sala Real do Torredo do Pagoda Ribeita das Neus Lisboa Sezinho, quase viica. A cidade © a mudanga d Por ol «4 mudanga da corte no Portugal dos Filipes», Pondope, Faseredesfazer a Historia (Lisboa) 13 (1994) pp. 71-93 Durante a estadia de D. Filipe { em Lisboa foi necessirio resolver um prtlema de etiquera: determina 0 lugar a que tinba direito a Cimara da Cidide numa procissio solene do Corpus Girist, a qual contava com a participagio do proprio monarca, Na qualidade de mordomo-mos Juan de Silva, Conde de Portalegee, teve de decidir qual era a ordem que devia ser seguida, estabelecendo que a Camara «ha de ir detnis de V. Magd. al lado derecho muy poco detris porque Lisboa «tiene nombre de Princesa» ‘A falta de assisténcia real nesta Princesa Lisboa, entre 1583 ¢ 1640, ¢ a possbiidade, enrio contemplada, de instalar nesta cidade arintica aquela {que seria a corte de toda a Monarquia Hispiniea, acabaram por se converter fem duas das referencias obrigatérias do Portugal dos Filipes e, de certa forms, fem simbolos do que foi ¢ do que a sua controversa realidade bistorica € historiogfica. ‘Uma longa tradigfo encarregou-se de interpretar 0 facto de o rei jamais terresidido em Portugal ¢ a sujeigio da sus capur Regai como sinais daquilo {que foi a submissio lusitana aos walheios» interesses da Case de Austria, a (qual entratia, mais cedo ov mais tarde, em inevitsvelcolapso, restaurando-se tumbém Lisboa na sua condigio de capital, Paralelamente, também se pretendeu ver nas propostas de transferéneia da corte pars a for do Tejo & Temota hipotese de se construir um Portugal dos Filipes muito diferente daquele que realmente existiu ~ na reaidade, um Portugal de «sertdo» ersts demat ¢ «de fidalgos» em vez de cidades ~ qual, na eventualidade de se ter procedido a mudanga da core, tlvez nao estivesse condenado 20 fracass. ‘No ha divida de que tanto uma como a outta posigio se fundam em testemunhos datados do periodo que vai de 1580 a 1640, apesar de a sua definitiva formulagio historiogrifica depender mais do vigoroso confronto restauracionista de meados do século XVII, ¢ do posterior desenvolvimento, née menos polémico, das suas principas linhas de argumentacio. 162 Lisboa Sesi, guase rea Considerando apenas o tempo dos Filipe situagio.em que seenconerava Lisboa, essa Princesa que 0 protocolo colocava rigorosamente atris do tei, fi ‘legorizada a partir de dois t6picos forissimos e extremamente expressivos tum, 0 da cidade que adormecera em 1580, mas que um dia acabaria por ddespertar, na linha dos /amenr de outras localidades que tinbam sido saqueadas fou abandonadas, damenti esses que constituiam um verdadeiro género, cujo episédio mais conhecido tinha sido o saque de Roma de 15274 0 outro era uma curiosa variagdo da imagem do mattimdnio ¢ do scu uso como metifora politica, no qual Lisboa personificava uma cidade real que, devidod auséneia do monarea, tinha sido reduzida i riste condigio de quasi, 96 recuperando a alegria se 0 rei estivesse a seu ldo, pois desse modo restabelecia-se plenitude da relagio de sponmus € sponse. Na origem destes dois tépicos confundemse ttadigdes diversas c linguagens politicas distintas, se bem que ambos acabem por se unix, sercindo 0 mito de Lisboa como corte, como capital ¢ como metrdpote. ‘Nas piiginas que se seguem apresentam-se as queinas desta cidade que, sendo corte, perdcu a risdo e a audiéncia do seu rei, mostrando que, tal coma sucedeu com outras cortes que se viram ma mesma situagio, « resposta ao abandono seguiv 0 duplo caminho de exigit, em primeito lugar a presenga permanence de um membro de familia real e, depois, a incessante proctamagio das suas proprias exceléncias. No caso lishoeta, esta dtina forma de reacgio traduziu-se numa séric ininterrapta de elogios que, embora baseados numa antiga tradigio encomistica,raificaram para sempre a condigio preeminent de Lisboa como capur Regu, um estatuto que viria também a ser confirmado pelas diferentes priticas negociadoras dos Filipes* Existem, sem diivida, muitos outros exemplos de cidades abandonadas por uma corte que até uma certs data teria estado af estabelecida, Sem recuarmos & €pocas mais remotas, recordemos a enorme repercussio que teve para a historia da imagem mitica da cidade, a mudanga da corte papal para ‘Avignon, uma mudanga que constituiu, para Roma, um auténtico pesadelo, ¢ {que propiciou, como engenhosa e premeditada resposta, a formulagio da sua condigio de centro do mundo € de cidade de mirabilia, de basiicas © de peregrinacées?, Entre os autores que lamentaram as calamidades por que passava Roma e que converteram Avignon numa Babilénia ~ ama Babylon Galfica ~destacou-se o proprio Francesco Petrarca, o qual encarou a restaurag dda Urds abandonada como uma parte do processo mental que iris dar origem 3 propria ideia de Renascimento’ Na passagem do século XVI para o século XVIL, € num curto espago de tempo, pouco depois de Lisboa ter sido abandonada a favor de Madrid, A Cidade e a mudanga da corte no Porcugal dos Bilipes 163 também esta cidade o foi, se bem que por muito poucos anos, a fwwor de Vuhadold, da mesma forma que Toledo hava ceddo o eu lugar dqucls om 1561. Aos olhos dos seus defensores, duqueles que preconizavam o temrecey ca corte, 0 abandono de cada uma destas cidades esta sempre revestido de perf ret6ricos que possuem muitos aspectos em comum, Um bom exemplo disso € a descrigio de uma Madrid melancélica, sem corte, feta por Agustin de Rojas Vllandrando no seu I buen rei, cua erica de esperanga dedesamparo tem muitos pontos de contueto com os testemunhos referentes A Lisboa dos Filipes, Sem a presenga da corte que Ihe havis dado vida, Rojas visitou o Alcazar madrileno € retratou-o como um edificio silencioso ¢ numa triste saudade. Lembrava-Ihe «un hermosisimo castillo» de Franca, cuje altiva beleza era tal aque, endo sido assediado, acabara por nunca ser omado pelos atacantes, pois «estes teriam sentido pena de usar as destrutivas descargas da sua artilharia contra tamanha grandeza, Olhava esse sti, as nias €0s edificios circundantes e s6encontrava maravilhas; ali cudo estava wcomo las ross que con el rigor del yelo oerizado invierno estin mustias y marchitas husta que el Sol hermoso de lacorte, que es ta gallarda y alegre primavera, ls alegra y resucitan’. Os louvores & cidade abuncdonada cas lamentagies pelos efeitos negativos que a mudanga provocava na prosperidade urbana combinaram-se naquilo que tem sido designado como «A guerra pela cupitslidade», na qual Madrid sebateu entre 1600 ¢ 1606, primeiro para impedit que a corte Fosse transferida para Valhadolid c, depois, para conseguir que cla regressasse a si”. Coma demonstrou Alfredo Alvar, nos diversos memoriais sobre este assunto que foram dirigidos ao rei Filipe I] ~alguns deles impressos por ordem da propria cilla de Madrid -, desenvolve-se uma tearia acerea de qual eta a localizacio idcal para uma corte, fazendo-se aj escutar 0s ecos antigos de Vitnivio, os renascentistas de Albert eos mais recentes de Botero. . Entre 1600 ¢ 1606 estes memorialistas madrilenos, que desempenharam ‘um papel semelhante ao de um Mendes de Vasconcelos, de um Gomes Solis ‘ude um Severim de Faris para o caso lisboeta, elogiaram as vantagens do.ifio de Madrid, enquanto outros autores optaram pela descrigio da cidade, destacando o seu vinculo a Casa Real € outros atractivos ndo menos interes. santes para Epoca, como erao caso da veneragdo de que eram abjecto os scus santudrios. Outro bom exemplo do que acabimos de referir & uma curiosa obra, impressa cm 1604 na «tival» Valhadolid, dedicada aos milagtes de pa. , Embora a principal finalidade desta imagem fosse alegorizar a possibilidade do império de uma monarquia com dimensées universais, € nfo tanto representar um Filipe IT convertido em mari reipublicae, 0 certo & que n0 Quod Deus coniangis de Nunes do Leio eencontrumos uma marca clara do discurso juridico-politico que, evidentemente, cra evocado pelas metéforas matrimoniais, im suma, quando Inicio Ferreira procurava a imagem de uma Lisboa wsozinha» e wfeita quasc viGvas, nio fazia mais do que retomar uma longa tradigio que, tempos mais tarde, continuaria a servir de base & imaginagio politica, tanto expositiva como polémica. Como vimos, as auroridades evocadas através dessa imagem cram bem diversas, apesar de todas elas serem dignas do maior respeito; no seu horizonte surgiam quer os ecos da criagio alegérica dos juristas tardo-medievais, quera influéncia deum humanista tio importante como Francesco Petrarca, ou, ainda, a sacrossanta revelagio do texto biblico dos Tironi de Jeremias. Este tema demonstra, de forma sugestiv moderna niio pode ser reduzida a0 esquematismo univoco de uma tnica tradigio; ¢ como, ao invés, ndo possivel entender 0 12 das ficges nos séculos XVI e XVII sem ter em conta. simbiose de linguagens e de culturis. Mas de que modo foi usada esta imagem? Podemos vislumbri-lo através dos ‘exemplos do confronto entre Roma € Avignon no século XIV, da situagio de Roma apés 0 saque de 1527, ¢ da Lisboa sem a corte durante o Portugal dos Filipes. Enquanco Roma se lamentava porque fora abandonada pela babildnica Avignon, Francesco Petrarca, antigo defensor de Cola di Rienzo, envolvia-se ‘na polémica entre o império eo papado, propondo ao imperador que exercesse 0 seu poder universal a partir da prépria cidade de Roma; para tal, exortava Carlos IV a avangar sobre Italia para restaurar uma Roma que suplicava ~ ¢ aqui surge a imagem ~ pela protecgio do seu verdadeira esposo". Nasoberba figura de «Roma desfeita» que aparece no Litvo das Antgualhas a Iréka de Francisco de Holanda, uma obra muito influenciada por Petratca, voltamos a encontrar 0 eco dos Tireni de Jeremias, bem como uma cidade, neste caso Roma, facta quasi cidua. Magistralmente estudada por Sylvie AGidade ea madanga da core no Portugal dos Fiipes 171 Deswarce®, a «Roma desfeta» viria a representar a sirwagio em que a cidade Se encontatt apés o saque de 1527, representando também a espetang acalentada no seio do cireulopr6-imperial,no qual Holanda se movia em que «antigo espirito de Roma fosse restaurado através do império do César Carlos, mais um passo na seaman que, de Este a Oeste, culminatig sn formagio de um Quinto Inpério sobre o Ocidente. A respeito deste rema importa ter presente um aspecto que costuma ser esqueido, ou seja, 0 peso decisivo das cidades na ideia do Quinto Impérin embora, ta realidad, a tvina de Jerusalém, de Roms, de Constantinopla oe . Este «virar de ostas» convinha sobretudo aos fidalgos, normalmente criticados pelos seus fexcessos, mas também os principais bencticiirios das mereés régis, «de todo Jo qual no ha resultado provecho al pueblo y comin de la Repablica, sino # los grandes provechosos que no lo saben agradecer ni extimar y que los perdanes y esperas han sido en gentes que merescfan ser castigadas, de lo qual resultari gran provecho a la Reptblica»*. ‘Assim, tanto 0 tema da partida para Madrid como o da auséncia de Lisboa foram-se articulando com alguns expedientes politicos que dariam continuidade a hipdtese reformista que, sem davida, tinha sido vantajosa para a candidacura da Casa de Austria nos anos anteriores. Mi que parti portanto, desta paradoxal situagio que se verficou no inicio da déeada de 11580: os anticHabsburgo esperavam que o rei permanacesse em Lisboa; ¢ 05 que se perfilaram, de uma forma ou de ourra, como partidos de Filipe Il de Espanha, acabaram por defender a sua auséncia do reino As consequéncia pars Lisboa doxito do candidato Habsburgoconsticuta ‘um tema recorrente na polémica da sucessio portuguesa. Aqueles que se opt- rnham a Filipe Hl tinham a certeza de que a corte iria ser transferida para as na 176 Lisboa Sosinle, quae viva margens do Atlantico, prevendo um futuro tenebroso para uma cidade que, por causa disso, iria cer de suportar ainda mais encargos (fiscas, militares, tc.) E, na realidade, 0 saque do burgo e do termo de Lisboa, verficado em 1581, foi por alguns encanido como ums emuel confimmagio dos seus pressigios. O poeta Jersnimo Corte Real descreveu a situagio ao secretirio Gabriel de Zayas; «Lisboa esta del todo est com sua real presenga ¢ clemencia costumada a nio fauorece, vejolhe o remedio dillatado ou de todo duuidoso, porque a gente volgar... esta chea de escandlo por estarem ainda correndo sangue as chagas € dores passadas, assi das mortes dos maridos, molheres € meninos, como das, perdas ¢ roubos das fazendas, que se estima (s6 no burgo de Lisboa e no cireuito de sew cermo) em cinco contos douro-* ja ¢ tio destruida que se Sua Magestad Como € obvio, a propaganda difundida em Portugal por Filipe de Habsburgo procurava concentrar em torno da sua subida ao trono 0 maior niimero possivel de atractivos ~ de wriidades, como entio se dizia-,e alguns desses atractivos tinham a ver com o engrandecimento de Lisboa, uma cidade acerca da qual se insinuava que poderia vir a converter-se no grande centro comercial da Peninsula Ibérica, suplantando Sevilha, Assim, num documento provavelmente enviado por Cristévdo de Moura, em 1579, ndo s6 se sug que se dissesse que a Unido das Coroas abritia as rotas castelhanas aos portugueses, como até se dizia que «se les dee significar» que 4 metrépole do trifico americano se instalaria em terras sas A possibilidade da transferéncia da Casa de la Concratacién de Sevilh para Lisboa constitui, sem diivida, a mais espectacular das utfidades que se Jangaram com 0 intuito de atrair os chomens de negécio» para a causa de D. Filipe Ie do seu Portugal Hispinico, Pars além do seu caricter de argumento meramente propagandistico, esta proposta tem de ser relacionada com alguns panos que associavam a reorganizagio do trifico ultramarino castelhano ¢ a unio com Portugal. Chegou a ser discurido, até, um projecto de circum- navegagio comercial do Globo, 0 qual unia, numa s6 rota, o comércio da América, da Asia ¢ da Africa. Um arbitrio to original contava com 0 éxito da candidacura filipina para poder «cmbiar de Castilla armada por el estrecho de Magallanes... hasta venir 4 aportar a Portugal o a la Conuiia, donde quisieren que aya la contrataci6n, que agora no pueden estando Portugal diuiso de Castilla», Claro que este novo € proveitoso tréfico mundial s6 seria possivel com a supressio da divisio de navegagdes sancionada pelos tratados Hispano-Portugueses, uma condigio A Cidade e « mudanga da corte no Portugsl dos Filipes 7 jue 0 seu autor supunha que seria automaticamente eliminada no caso de ambos 0s reinos passarem a estar sob 0 mesmo soberano. No fundo, era proguto de uma reflexio sobre o carter complementar dos dois impérios ibéricos. Esta condigdo, que fazia com que as armadas da América € da Asi: vigjassem juntas desde os Agores até A Peninsula, era invocada pelo bispo de Badajoz, numa carta enviada ao rei e datada de Julho de 1579, no quadro da argumentagio a favor da transferéncia da Casa de la Contratacién para Lisboa: -Importari se les dé entender que siendo el Reyno de Vuestra Majestad serd mucho mis acresgentado, ennoblesgido y enrriquescido por la mucha merced de que Vuestra Magestad les ha de hazer y porque al puerto de Lisboa podrian por tiempo venir lis flotas de las Indias occidentales juntamente con las de ta India, que las vnas y las otras vienen a a Isla de la‘Tergera ya otras aella comarcanss y dizen que desde ali es el viaje mis cierto y seguro al puerto de lisboa y porque se podria poner alli casa de Concratacidn.»". Antes de mais, a exceivnte localizagio de que gozava o complexo portustio lisbocta, directamente aberto 4 navegagio occdnica, justificava porsis6 que a sidade pudesse tomar-se no ponto de chegada da rota atlintica, 0 que, segundo as estimativas de Pierre Vilar, acabou efectivamente por acontecer para setenta por cento dos navios desta rota que, por uma razo ou por otra eixaram de aportar a Sevilha®” Em segundo higar, também era possivel invocar razdes de seguranga contra 0 corso para justificar esta transferéncia, pois ao se dirigirem directamente dos Agores para Lisboa, os navios evitariam um dos trajectos mais perigosos da rota das Indias: a passagem entre as costas do Algarve e da Berbéria, zona escolhida por indimeros corsérios berbetes,ingleses e franceses, para executarem os seus ataques. E também ficil avaliar a importa cia econémica € mercantil que teria significado a cransferéncia para Lisboa da sede dos organismos que supervisionavam 0 comércio das Indias: no fundo, tal mudanga representaria > estabelecimento, na costa atkintica da Peninsula lotic, da principal fonte de rendimento do patriménio real e, principalmente, @ unido, numa s6 dade, das duas metrépoles para onde até af se dirgiao grosso das mercadorias do Oriente e dos metais da América, De facto, para Lisboa conflufam jf quer a rota do C «da Europa ~ snaui grossi et altri vascelliche vengana da bo queras do None slicer, flandes, da nn 178 Lisboa Sesinis, gus ie scotia, osterlant, da Lubech, Dantisco ct altre rreggione settentrionales4, ‘Como tal, se Lisboa passasse a ser o destino da carreira das Indias Ocidentais, isto € da prata americana, converter-se-ia no centro nevrlgica da cométcio mundial Era um lugar-comum dizer que a Ribeira de Lisboa era uma das melhores do Atlintico, © 0 préprio D. Filipe | sfirmara que era «principal puerto y comercio de todo por Ia comodidad del puerto y demise. E depois de Portugal se ter agregado a Monarquia Hispanica, todas as propostas para a instalagdo da corte em Lisboa encontraram o seu principal argumento na sua dimensio maritima, Assim, na dedicatéria aos leitores do livro Do sitio de Lisboa, Luis Mendes de Vasconcelos explica claramente qual é 0 objective e a razio Gleima dos seus Didlogos: «Porque entendendo quanto convém a esta Monarquia voltar Sua Majestade todo o seu entendimento as coisas do mar; ¢ que todas se fardo melhor com sua presenga [..] pareceu-me que seria coisa utilissima mostrar como a cidade de Lisboa é mais apta para coisas de mar, a respeito desta Monarquia, que outra alguma, ¢ que nela teri abundantemente a corte de Sua Majestade nfo s6 tudo 0 que para sustento comun é necesério, mas as mais preciosas coisas do Mundo» Publicado em 1608, muito préximo, portanto, da passagem da corte de ‘Vathadotid para Madrid, numa conjuntura propicia a ponderagio de uma nova mudanga da corte, ¢ numa altura em que 0 projecto da jornada rede D. Filipe Ha Portugal, sempre adiado desde 1599, estava aparentemente prestes a coneretizar-se, Da sitio de Listoa & um texto que foi objecto de muitas inter- pretagtes, endo sido entendidlo quer como um primeiro exemplode pensamento ‘ccondmico, quer como um exemplo de literatura autonomista, e, até, como uma legac sobre o sentido e a direcgio da politica ultramarina portuguesa®. Para além da influgncia de alguma autoridade contemporinea, antes de tmais de Giovanni Botero, ao construir a sua tcoria sobre Lisboa enquanto cidade ideal ¢ adequada para ser corte, Luis Mendes de Vasconcelos parece ser tributirio, em especial, do capitulo que Francisco de Monzén dedicow 3 comparagio de Lisboa com Jerusalém, na edigdo de 1571 do seu Libvo Primero del Espajo del Principe Christiano, Acenorme ampliagio do capitulo wAdinde se pone una breve descripin dela citdad real de Lisboa yse hae nna comparaciin della Hierusalom quando estara en st rosperidads na edigio de 1571, em relagio a editia princeps de 1544, parece A Cidade e a mudanga da corce no Portugal dos Flipes 179 estar relucionada com a polémica, bastante semelhante a que se verificava em Castela em tomo de Filipe II, no inicio da década de 1570, sobre os afectos do jovem rei, a sua entrega ao privado Cristévo de Tvora ou as suas constantes, auséncias da corte. De tudo isto se queisavam 0s seus cortesios menos favorecidos ¢ também «a pouo — como se pode ler no Memorial de Pers Rois Soares — .aludaua esta queixa por nunca terem clRey dagento em Lixbou» ‘Tambsém 0 livre Dafébrica que faleced cidade de Lisboa, escrito por Feancisco de Holanda no mesmo ano de 1571, faz eco das auséncias da corte ¢ explica por que rardo nao era de estranhar que o rei ndo tivesse al a sua residéncia permanente, «sem ter onde reclinar a cabega nesta grande cidade que avia de ser como domicilio seu» Holanda chamava a atengio para os defeicos que julgava encontrar na corte de D. Sebastio, propondo tudo quanto Ihe seria necessirio: sem uma fortaleza verdadeiramente segura sua defesa parecia-lhe débil; escandatizava- -0 falta de uma residéncia digna da majestade real; € quanto a wentradas ou calgadase, achava que Lisboa estava decaa; no tocante ao seu abastecimento, afirmava que nem sequer se podia dar de beber aos seus habitantes. Assim, 0 juigo de Holanda era bastante dure: «Hora se Lysboa tem a presungio da mayor © mais nobre cidade do Mundo, como nio tem o mais excelente cemplo ou sé do mundo?, como nao tem a melhor castelo ¢ fortaleza € muros do mundo? E.finalmente como no tem agoa pera beber a gente do mundo?» Um panorama bem diferente pode ser enconstado no clogioso capitulo lisbocta com que Francisco de Monzén encerra um livto que & sobretudo, um Speculum Prinipise que, como tl, tem de ser integrado na discussio acerca do exereicio monérquico ¢ sobre o modelo a que devia obedecer a construgio da majestade © da reputagio (presengivocultagio, justiga/vontade, passividade! acgio, etc.)”., Neste contexto, o padre Monzéin procede ao elogio de Lisboa baseando- -se nas sete qualidades que eram necessirius a uma cidade para ser nobre & ilustre, a saber, a sua localizacio, a sua antiguidade, a hierarquia, a segurancy, 4 populagio, a abundancia ea reereagio. Expie, detalhadamente, todos estes sete pontos, estabelecendo a eminéncia de Lisboa no facto de o seu clima ser temperado; de nunca ter sido destruida desde a sua mitia fundagio; de set uuma metrdpole; de gozar de uma localizagio que a tomava inexpugnivel: de ter uma grande populagio, de ser bastante fértil c estar abastecida de todo 0 tipo de mantimentos, e,finalmente, por ser rica em delicias que aliviavam os 180 Lisboa Ses, gs rea trabalhos quotidianos. Basta reler 0 texto Do sition. para reconhecer 0 desenvolvimento que Mendes de Vasconcelos fez destas sete facctas que distingwem ¢ enobrecem a cidade de Lisboa. Como jf referimos, a eomparagio polémica entre Lisboa ¢ as eidades do «sertio» castelhano € jf antiga, sendo até anterior’ cclosio da crise sucessoria ‘da Casa de Avis. Podemos agora verificar como é que, no inicio da década de 1570—precisamente quando essas comparagiies comegama surgit, por ocasizo, da presumivel ida de D, Catarina a Cascela ~ se iniciara uma polémica sobre as condigdes de Lisboa, a pretesto das mudangas que D, Sebastido estavi a inteoduzir na forma tradicional de esibira majestade régia, num momento em, «que eram ainda notorias as sequetas da grande peste de 1569, durance a qual + cidade tinha sido quase completamente abandonada pela corte. Este precedente polémico pesou, sem divida, nu argumentagdo daqueles que, pouco tempo mais tarde, asseguravam = como uconteceu na Carta a fis Gaernadores — que Filipe de Habsburgo se estabeleccria em Lisboa caso viesse a reecher 0 trono portugués. ¢ no discurso daquetes quc o defenderim aapOs a partida da corte para Madrid, em 1583, A.par dos outros clogios de Mendes de Visconcclos ou, talver, até mesmo acim deles, « narureza maritima de Lisboa foi, sem davida, o argumento de rmuior peso na defesa da transferéncia da corte di Monarquia para a cidade Portuguesa. Atris referimos a opinido de Vasconcelos; a respeito desse tema, tna ligacin en faror dela Compania de la hada Oriental, que Duarte Gomes Solis Gitigia a0 conde duque de Olivares em 1628, pediiese que se voltassem os olhos para: ‘ult cludad de Lisboa que en Jos Reynos v seftorfos de Fypamia es de las ins insignes de odo el mundo y como su Magestad pretende poner grandes fuergas en la mar de ninguna otra parte puede mejor en sus Reynos uprestararmadas que del Rio’Tajoy dela barra de Lisboa y con su assistencia se verian galeras reales, de que tantos bienes pueden esperarses”, Arespeito desta questio, a argumentagio esgrimida por Manucl Severim de Faria, nos seus Discursosrarios polices, de 1624, consticui, provavelmente, 8 sun melhor sintese, a comegur pelo texto da aprovagio da obra, da lavra de Gaspar Alvares Lousada, Nessa aprovagio sublinha: que a intengia do discurso de Faria nio € «que se abale a pessoa real de sua Majestade da sua corte para se meter em huma armada grossa e dar consigo cm Mica ou Argel, como temerariamente o fez elRey D. Sebustido contra o parceer dos milhores A Gidade © a mudunga da corte no Portugal dos Bilipes 181 a Cristandade, sendo que aeua com a sva presenga aos portos maritimos avo tal mudanga no vese a scontecer,prognostcavase que, semelhangs do que acontecers nos tempos da primciza derrota da Espana, «residence 10 «sertdos peninsular ira ser fatal para a Monarquit Para o cénego de Evora, a corte deve estar junto do mar, tal como, veontece nos casos de Londres, de Veneza, de Constantinople, anterian. mente, de Nipoles. A necessidade de asivi-na costa resultava da propria

Das könnte Ihnen auch gefallen