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CRISTINA E OS PREGADORES
O PRIMEIRO NAUFRÁGIO
A VOCAÇÃO
O QUINTO IMPÉRIO
CONDENADO AO SILÊNCIO
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Os acontecimentos na capital portuguesa sucedem-se vertiginosamente. D.
Luísa de Gusmão, a viúva de D. João IV, assume a regência e a tutela dos
filhos menores, D. Afonso VI e o príncipe D. Pedro. Acolhe António Vieira
com amizade e admiração. Reintegra-o na sua função de pregador régio.
Mas na Corte fervilham as intrigas, o jesuíta é pessoa indesejada.
Em torno de Afonso VI reúne-se uma camarilha de jovens delinquentes,
chefiados por António Conti, um italiano que estimula a vida devassa do
futuro rei. Por outro lado, o Conde de Castelo Melhor tenta dominar Afonso
VI e orientá-lo politicamente.
Vieira defende-se vigorosamente das acusações que emissários vindos do
Brasil formulam contra os jesuítas. Luísa de Gusmão apoia o padre.
Substitui o governador do Pará e do Maranhão. As notícias que chegam dão
conta da nova situação dos índios: organizam-se autênticas caçadas para os
transformar em escravos.
A guerra com Espanha prossegue. Algumas vitórias do exército português
são as únicas notícias felizes da época.
Vieira, conselheiro da rainha, talvez a contragosto, reentra na política.
É ele quem a convence a expulsar do país a turba que rodeia D. Afonso.
Presos, são degradados para o Brasil. Mas o Conde de Castelo Melhor e
outros nobres retaliam e obrigam D. Luísa de Gusmão a ceder a governação
efectiva do reino ao príncipe herdeiro.
Vieira é imediatamente desterrado para o Porto. Está, agora, nas mãos da
Inquisição que já pode pronunciá-lo. Do Porto enviam-no para o Colégio da
Companhia em Coimbra, negando-lhe a possibilidade de regresso ao Brasil.
A 1 de Outubro de 1663 o Santo Ofício manda-o recolher aos seus cárceres de
custódia. Novas denúncias tinham dado entrada na Inquisição.
O jesuíta adoece gravemente. Havia uma peste em Coimbra. Crê-se que
ficou tuberculoso. Cospe sangue vermelho, fazem-lhe sucessivas sangrias. No
cárcere escreve a História do Futuro e consegue humorizar, em carta a D.
Rodrigo de Meneses: "eu passo como permite o rigor do tempo, escarrando
vermelho, que não é boa tinta para quem está com a pena na mão". Vai
sendo implacavelmente interrogado pelo tribunal.
Entretanto, sucediam-se as vitórias na guerra com Castela, a mais
importante a de Montes Claros. Afonso VI casa com Maria Francisca de
Sabóia. O casamento não se consuma. D. Luísa de Gusmão morre em 1666.
A Inquisição levanta as acusações a Vieira: é culpado da defesa calorosa
que fez dos cristãos novos, dos contactos que manteve na Holanda com
judeus e calvinistas, de propugnar estranhas e heréticas teorias sobre um
tal V Império. Vieira defende-se, embora admitindo algumas imputações, a
que não dá, porém, qualquer importância quanto a atentado contra a fé
católica.
D. Afonso VI é encarcerado em Sintra. O irmão, D. Pedro, é o novo regente.
A 23 de Dezembro de 1667, o tribunal do Santo Ofício dita a sentença
condenatória do padre António Vieira: "é privado para sempre de voz activa
e passiva e do poder de pregar, e recluso no Colégio ou Casa de sua
religião, que o Santo Ofício lhe ordenar, e de onde, sem ordem sua, não
sairá". Não o autorizam a ir para o estrangeiro para que não possa atacar
a Inquisição. Em 1660 frei Nuno Vieira já antecipara esta sentença na
frase que proferira: "é preciso mandá-lo recolher e sepultá-lo para
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sempre".
Permitem-lhe apenas que se instale no Noviciado da Ordem em Lisboa.
Em Março de 1668 fazem-se as pazes com Castela, derrotada pelas armas.
D. Pedro casara com a que fora sua cunhada, após a anulação do matrimónio
com D. Afonso VI.
A 12 de Junho de 1668 Vieira é libertado. Está, todavia, proibido de nos
seus sermões tratar de assuntos relacionados com cristãos novos,
profecias, V Império, Inquisição. Dez dias depois prega na Capela Real um
sermão comemorativo do aniversário de Maria Francisca de Sabóia.
Já não é tão bem recebido na Corte. D. Pedro pende mais para os
dominicanos. Não precisa de António Vieira.
Os superiores da sua Ordem enviam-no a Roma com a incumbência de
promover a canonização de 40 jesuítas presos nas Canárias e martirizados
pelos
protestantes em 1570. Mas Vieira vai, também, por outro motivo: quer, na
Santa Sé, obter a anulação total da sentença condenatória do Santo Ofício.
Foi humilhado e injustiçado. Está de novo em luta. Luta que vai vencer.
Em Setembro de 1669 embarca para Roma. Demora dois meses a chegar.
Novamente a viagem foi terrível, com dois naufrágios que o levaram a
parar em Alicante e Marselha.