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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL

Danielle da Silva Ferreira

O PATRIMONIO CULTURAL PERNAMBUCANO NOS LIVROS DIDÁTICOS


DE HISTÓRIA REGIONAL: tecendo a formação histórica nos anos iniciais da
educação básica

Recife
2015
2

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL

Danielle da Silva Ferreira

O PATRIMONIO CULTURAL PERNAMBUCANO NOS LIVROS DIDÁTICOS


DE HISTÓRIA REGIONAL: tecendo a formação histórica nos anos iniciais da
educação básica

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em História da Universidade Federal
Rural de Pernambuco, como requisito parcial
obtenção do título de Mestre em História.

Orientadora:
Profª. Drª. Maria Ângela de Faria Grillo.

Recife
2015
3

Ficha Catalográfica

F383p Ferreira, Danielle da Silva


Patrimônio cultural Pernambucano nos livros didáticos de
história regional: tecendo a formação histórica nos anos
iniciais da educação básica / Danielle da Silva Ferreira. –
Recife, 2015.
198 f.: il.

Orientador (a): Maria Ângela de Faria Grillo.


Dissertação (Programa de Pós-Graduação em História) –
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de
História, Recife, 2015.
Referências.

1. História –Estudo e ensino 2. Livros didáticos


3. Patrimônio cultural 4. Ensino fundamental I. Grillo, Maria
Ângela de Faria, orientadora II. Título

CDD 372.89
5

AGRADECIMENTOS

Agradecer... sinônimo de gratificar, reconhecer, de dizer “obrigada”.


Obrigada, particípio do verbo obrigar, obligare em latim, que remete a ideia de
“ficar obrigado a” de “dever algo a alguém”. Portanto, agradecer ou dizer
obrigada significa reconhecer uma dívida, no meu caso, uma dívida moral, ética,
profissional e acima de tudo uma dívida afetiva.
Tantas pessoas estiveram comigo no tecer desse trabalho que seria muito
egoísmo dizer que ele representa apenas uma conquista profissional pessoal.
Agradeço a minha família. Aos meus pais, Marcos e Jandira. A
universidade nunca tinha feito parte da rotina deles antes que eu a trouxesse,
talvez por isso sempre tiveram muitas ressalvas quanto a ela, ao mestrado, as
idas e vindas ao Recife, à ideia de que eu me afastasse do convívio familiar
cotidiano. A minha insistência, misturada ao ímpeto e a fé de que daria certo,
aos poucos, terminou os fazendo aceitar e hoje eu sei que eles são muito
orgulhosos da minha trajetória. Débora, minha irmã. Companheira, sempre me
aguentou, cansou de escutar os lamentos dos momentos de cansaço, de rir das
besteiras e de chorar comigo. Tia Gilva, incentivadora incondicional.
Karen e Alinson, um parágrafo é muito pouco para descrever o quão
agradecida sou a vocês. Sempre de portas abertas para mim com “uma cama e
um banho” em Recife, vocês me fizeram sentir que estava em família,
amenizando o desconforto naquela rotina tão corrida que eu começava a
desfrutar. Acompanhar, junto à vocês, em quase todas as fases, a chegada do
pequeno Nicolas foi um presente de Deus. A grandeza d'alma, a irmandade, o
cuidado, a cumplicidade e o carinho, as conversas, os conselhos... irei guardar
na caixinha das lindas coisas que vivi e quero que se multipliquem mais e mais.
Á Marta, pela generosidade sempre. Para mim você é uma referência que
ultrapassa em larga medida o campo profissional. Com carinho e sutileza, foi me
orientando nos aspectos acadêmicos, nas coisas da vida, puxando a orelha
quando necessário, elogiando quando merecido. Sempre crítica e cuidadosa
com meu trabalho e com a minha vida, muitas vezes mais que eu, foi mais uma
a me dar abrigo em Recife. Sua postura e competência profissional foram os
maiores incentivos para que eu iniciasse e permanecesse nessa aventura que é
6

a carreira acadêmica. Seu zelo, fraternidade e amizade quero comigo para muito
além desse trabalho.
A minha amiga Magda, a quem digo “Deus está convosco”, dedico um
pequeno texto que resume bem nossa relação. Você é alguém que eu direi
amém até ficarmos bem velhinhas.
Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises
de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos. Um amigo
não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o
ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta. Um
amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela,
recomenda um emprego, recomenda um país. Um amigo não dá
carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer
o teu. Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um
aperto, passa junto o reveillon. Um amigo não caminha apenas no
shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai
do fracasso ao teu lado. Um amigo não segura a barra, apenas.
Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o
tranco, o palavrão, segura o elevador. Duas dúzias de amigos
assim ninguém tem. Se tiver um, amém. (Martha Medeiros)

Aos amigos Roberta, Adriana Lins, Adriana Ferreira, Sangely, Pedro e


Jacqueline Paula que nunca deixaram de me apoiar, mesmo com a distância do
contato físico, amenizada pela internet. Vocês foram muito importantes.
A professora Ângela Grillo, cuja orientação, confiança e incentivo foram
fundamentais para a realização desse trabalho.
As oportunas sugestões da professora Margarida Dias no exame de
qualificação.
À CAPES pelo financiamento desta pesquisa.
Ao Memorial do PNLD pelo envio do material necessário a investigação.
Aos colegas de mestrado Kalhil, Diego, Giovane, Juarlyson, Juliana,
Wagner, Viviane e Alexandre pelas experiências trocadas e o aprendizado
vivido.
A coordenação do Programa de Mestrado em História da Universidade
Federal Rural de Pernambuco e ao secretário da pós-graduação Rafael, sempre
disponível a resolver as questões burocráticas e evitar que eu viesse a Recife se
não fosse de extrema necessidade.
O espaço restrito me impede de citar uma a uma, cada pessoa que
torceu por mim e que merecia estar aqui, mas deixo meu muito obrigada e meu
abraço fraterno a todos que fizeram parte desse caminho.
7

Schultz, Charles. Snoopy e sua turma. [S.l.: s.n.],


2007.
8

RESUMO

Esse trabalho teve por objetivo geral analisar as formas como os livros didáticos
de História de Pernambuco organizam e interpretam, histórica e
pedagogicamente, os conteúdos referentes ao Patrimônio Cultural do estado.
Para alcançar o objetivo proposto seguimos alguns questionamentos: (i) Quais
os aspectos que devemos levar em conta para conjecturar o perfil de fonte
histórica que possuem os livros didáticos de História, neste caso, os livros
didáticos regionais? (ii) Qual o lugar ocupado pelo Patrimônio Cultural nas obras
didáticas regionais?; (iii) Como o livro didático regional organiza suas estratégias
didáticas e as perspectivas históricas para subsidiar o trabalho docente com o
Patrimônio Cultural nas aulas de História?; (iv) A abordagem pedagógica das
obras contribui para o desenvolvimento do saber histórico relacionado ao
Patrimônio Cultural como espaço vivido e apreendido cotidianamente?; (v) Como
as obras fomentam noções de identidade e memória no trabalho com o
Patrimônio Cultural do estado?. Para responder a tais questões analisamos 7
obras didáticas referentes a todas as publicações presentes nos Guias do Livro
Didático desde a inserção desse tipo de obra na publicação (2004, 2007, 2010,
2012). Sistematizamos as contribuições de CHOPPIN (2004) e FREITAS (2009)
para pensar o livro didático e o livro didático regional, CHOAY (2004),
CHARTIER (1991) e FONSECA (2009) na construção das noções de Patrimônio
Cultural e Representação, e COOPER (2012), CAINELLI (2006), OLIVEIRA e
CAIMI (2014;2013) e CAIMI (2010) para discutir as demandas do ensino de
História Regional/Local. Diante dos empreendimentos investigativos aqui
realizados, foi possível compreender que as obras didáticas regionais, em sua
maioria, apresentam o Patrimônio Cultural do estado de Pernambuco como
criação simbólica, inerente a produção histórica humana, estando ele presente
em momentos distintos da narrativa didática. Analisamos também que
abordagem pedagógica preconiza o caráter informativo do conteúdo sobre os
patrimônios, ao passo em que desprestigia o caráter de problematização
ofertado pelo objeto em estudo.
9

ABSTRACT

This work was generally analyze the ways in which history books, Pernambuco
organize and interpret, historical and pedagogical, content regarding the status
of Cultural Heritage. To achieve the proposed objective follow some questions:
(i) What are the aspects that we take into account the historical source for
conjecture profile that have the history books, in this case, regional textbooks?
(ii) What is the role played by cultural heritage in regional textbooks?; (iii) As the
regional textbook organizes their teaching strategies and historical perspectives
to support the teaching work with the Cultural Heritage in history classes?; (iv)
the pedagogical approach of the work contributes to the development of historical
knowledge related to cultural heritage as living space and seized daily?; (v) As
the works foster notions of identity and memory in working with the Cultural
Heritage status?. To answer these questions we analyzed seven textbooks on all
the publications present in Guides Textbook since the inclusion of this type of
work in the publication (2004, 2007, 2010, 2012). Systematize the contributions
of CHOPPIN (2004) and FREITAS (2009) to think the textbook and the regional
textbook, CHOAY (2004), CHARTIER (1991) and FONSECA (2009) in the
construction of Cultural Heritage notions of representation, and COOPER (2012),
CAINELLI (2006), and CAIMI and OLIVEIRA (2014; 2013) and CAIMI (2010) to
discuss the demands of teaching regional history/location. Before the
investigative projects carried out here, it was possible to understand that regional
textbooks, mostly present the Pernambuco State Cultural Heritage as a symbolic
creation, inherent human historical production, while it was present at different
times of the didactic narrative. We also analyzed that pedagogical approach calls
for the informative content about the heritage, while that discredits the character
of questioning offered by the object under study.
10

LISTA DE SIGLAS

BDTD – Banco de teses e dissertações.


CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
FNDE – Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação
FUNDARPE – Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
MEC – Ministério da Educação
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático.
SNH – Simpósio Nacional de História.
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
11

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Quantidade de obras por ano.......................................................... 19


Gráfico 2 – Quantidade de obras por área..........................................................20
Gráfico 3 – Lugar de produção das obras...........................................................21
Gráfico 4 – Temática das produções.................................................................22
Gráfico 5 – Livros regionais aprovados...............................................................41
Imagem 1 – Monte das Tabocas ........................................................................88
Imagem 2 – Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres...........................................88
Imagem 3 – Sítio da Trindade ............................................................................89
Imagem 4 – Praça da Soledade .........................................................................89
Imagem 5 – Mercado de São José .....................................................................91
Imagem 6 – Teatro de Santa Isabel e Palácio do Governo .................................93
Imagem 7 – Seção “Você sabia?” Sobre o Caboclinho ....................................102
Imagem 8 – Seção “Valorizando a memória” Sobre o Caboclinho ..................102
Imagem 9 – Sinagoga.......................................................................................104
Imagem 10 – Carnaval .....................................................................................107
Imagem 11/12- Seção “Agora é com você”.......................................................113
Imagem 13 – Influência portuguesa.................................................................118
Imagem 14 – Gente Pernambucana.................................................................121
Imagem 15 – Sobre a xilogravura ....................................................................123
Imagem 16 – Festas populares .......................................................................129
Imagem 17 – Lugares de memória ...................................................................138
Imagem 18 – Sítios arqueológicos............. ......................................................140
Imagem 19 – A arte do barro em Pernambuco...........................................142/143
Imagem 20 – A arte do barro em Pernambuco .................................................146
Imagem 21 e 22 – A feira de Caruaru................................................................147
Imagem 23 – Sobre a Tapioca .........................................................................150
Imagem 24 e 25 – Sobre a Tapioca .................................................................151
Imagem 26 – O carnaval de Pernambuco ........................................................156
12

SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................12
1. Historicizando o livro didático.............................................................29
1.1. Livros didáticos: uma caracterização geral ......................................31
1.2. Imersões no livro didático regional de História.................................42
1.3. Regional ou Local?: uma questão de (in) definição) ........................49
2. Patrimônio Cultural e Ensino de História nos anos iniciais: para que
te quero?................................................................................................54
2.1. Sobre a trajetória de construção sócio histórica do Patrimônio........57
2.2. Premissas para o Ensino de História nos anos iniciais e o tratamento
pedagógico do Patrimônio Cultural....................................................69
3. O Patrimônio Cultural nos livros didáticos Regionais de
Pernambuco .........................................................................................82
3.1 Livro “História de Pernambuco”........................................................84
3.2. Livro “História – Interagindo e Percebendo Pernambuco” e
“Pernambuco: interagindo com a história”..............................................95
3.3. Livro “História – Pernambuco” .......................................................115
3.4. Livro “Pernambuco de muitas histórias – História do estado de
Pernambuco” ........................................................................................134
Considerações Finais...................................................................................163
Referências ..................................................................................................170
Apêndices ....................................................................................................182
Anexos..........................................................................................................197
13

INTRODUÇÃO
14

Esta dissertação tem por objetivo analisar as formas como os livros


didáticos de História de Pernambuco organizam e interpretam, histórica e
pedagogicamente, os conteúdos referentes ao Patrimônio Cultural do estado de
Pernambuco. Os livros didáticos regionais são destinados aos 4º e 5º anos do
Ensino Fundamental e são publicados no Guia do Livro Didático a partir de 2004,
fazendo parte do nosso universo de pesquisa todas as obras regionais de
Pernambuco publicadas desde então.
A presença do livro didático no contexto educativo brasileiro é secular. Ele
é um objeto quase que indissociável do movimento de ensinar e aprender no
imaginário de pais, professores, alunos e demais envolvidos no universo escolar.
Hoje, nem mesmo a ascensão dos livros digitais ou e-books conseguiu
desbancar o posto de “materialização do saber” e orientador de algumas rotinas
de sala de aula, que as obras didáticas ocupam. Objeto de críticas e de devoção,
a presença dos livros didáticos é tida como certa na maioria das escolas do
nosso país.
Pensando na minha relação com os livros didáticos, não consigo falar de
experiências escolares sem a presença deles, pois sempre estivemos muito
próximos. Aluna de escola pública durante toda a vida escolar, nos primeiros
anos relutava bastante em devolver os livros que usávamos no decorrer do ano
letivo, porque gostava de folheá-los mesmo que não fosse em situações de sala
de aula.
Estudei na Escola de Aplicação da Universidade de Pernambuco,
Campus Garanhuns, da chamada 5ª série ao 3º ano do ensino médio. Na
segunda etapa do ensino fundamental (1998-2001) tínhamos livros
disponibilizados pelo Estado, já durante o ensino médio (2002-2004) não
dispúnhamos de livros didáticos, pois ainda não tínhamos sido contemplados
pela Resolução nº 38 de 15 de outubro de 2003 do Fundo Nacional de Educação
que dispõe sobre o provimento de livros didáticos para os alunos de ensino
médio das escolas públicas.
A direção da escola então não exigia, mas indicava que os livros adotados
pelos professores deveriam ser adquiridos pelos alunos. Meus pais faziam
grande esforço, mas nunca conseguiram comprar os livros de todas as
disciplinas. Felizmente isso nunca chegou a ser um problema.
15

Nessa época uma tia, muito presente na minha educação, trabalhava em


uma hospedaria próxima a escola onde eu estudava. Na hospedaria ficavam
alojados representantes de editoras que iam às escolas particulares da cidade
oferecer os seus livros e estocavam muitas obras no depósito da hospedaria, a
fim de ter um bom mostruário de divulgação. Ao final do expediente ou da estadia
na cidade os representantes iam embora e não levavam os livros que sobravam.
Na hospedaria os livros seriam descartados, entretanto minha tia,
sabendo que eu precisava deles, me chamava para que eu escolhesse o livro
que desejasse. Por sorte a maioria dos livros eram compatíveis aos indicados
pela escola. Os livros que eram diferentes eu também levava para casa, já que
os temas trabalhados na maioria das obras do ensino médio eram semelhantes
e, na efervescência dos vestibulares, o conteúdo se sobressaia sobre quaisquer
outros aspectos, como abordagem pedagógica ou indicação dos professores.
Além de levar para casa os livros didáticos que eu usaria na escola
durante o ano, também me apossava de outras publicações que me
agradassem: revistas, atlas, folhetos, dicionários, livros de línguas. Minha mãe
ficava enfurecida, pois já não havia lugar para pôr tantos livros. Eu tinha várias
e várias coleções de livros didáticos de Língua Portuguesa, Geografia e História.
Muitos eram de séries que eu já tinha cursado. Os queria só pelo prazer de tê-
los, folheá-los, senti-los perto de mim.
As publicações literárias também faziam parte do meu “acervo particular”,
mas não me apeteciam tanto quanto os livros didáticos. Talvez fosse um
presságio dos caminhos acadêmicos futuros. Passaram-se anos até que eu
tivesse coragem de me desfazer deles. Desfiz-me com muito pesar, apenas por
ter que dispor de espaço para os livros acadêmicos.
Ao ingressar na universidade, no curso de Pedagogia, a afinidade com os
livros didáticos, em princípio, não tomou caráter acadêmico. Fui conquistada por
outra preferência: os estudos sobre Patrimônio Cultural em diálogo com ensino
de História nos anos iniciais. Os estudos relacionados ao patrimônio foram
cultivados a partir do contato com as disciplinas de prática e metodologia do
ensino de História e na participação em um projeto de extensão que
problematizava a relação do conhecimento sobre Patrimônio Cultural da cidade
de Garanhuns com a prática docente dos professores dos anos iniciais das
escolas públicas do município.
16

Outro fator que aguçava a curiosidade em conhecer o ensino de História


nessa etapa era a ausência dessa disciplina na minha trajetória escolar durante
os anos iniciais, pois entre 1991 e 1997, anos em que cursei educação infantil a
antiga 4ª série, não estudei História. Nesta época eram preconizadas as
orientações dos Estudos Sociais, pois a Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, que dentre outras coisas também decide sobre a
implementação da disciplina de História para essa etapa, ainda estava em
processo de implantação.
Na universidade as experiências na graduação com trabalhos que
problematizassem o ensino de História e o Patrimônio Cultural motivaram a
participação em monitorias nas disciplinas de História, a produção de resumos,
apresentações, resumos expandidos e artigos publicados em anais de eventos
científicos. O maior desdobramento dessa trajetória acadêmica até então foi a
produção da monografia de conclusão de curso intitulada “Dialogando com os
saberes e com as práticas dos professores dos anos iniciais sobre Patrimônio
Histórico Local”. Nesse trabalho busquei refletir sobre o que os professores
compreendiam enquanto patrimônio da cidade de Garanhuns e como esse
conhecimento poderia se refletir no trabalho docente.
A monografia de graduação denotou um relativo desconhecimento
docente em relação ao Patrimônio Cultural da cidade de Garanhuns, assim como
a sua ausência enquanto temática trabalhada em sala de aula. A partir disso foi
possível pensar os motivos para tal ausência e, dentre outras questões, qual o
material para subsídio teórico-metodológico e quais os livros didáticos que esses
professores dispunham. Talvez este tenha sido o start para o trabalho da
dissertação.
Ao pensar o projeto de mestrado vários temas vieram à cabeça. Uma
questão suscitada foi pensar as especificidades da formação e atuação do
pedagogo como professor de História nos anos iniciais. A problematização do
patrimônio também deveria estar presente nesse projeto, pois era um desejo
continuar na mesma linha da graduação.
E, refletindo um pouco mais sobre as dimensões do processo educativo
que poderiam ser investigadas, ao atentar para essa qualidade de quase
“onipresença” do livro didático no universo da escola, me senti instigada pelo
desejo de conhecer os itinerários que este faz na práxis escolar. Foi então que,
17

compartilhando dessa inquietação com amigos mais próximos e tentando


associar as experiências de vida às pesquisas acadêmicas, a ideia de inquirir as
perspectivas educativas relacionadas ao Patrimônio Cultural dentro do livro
didático regional foi sendo ampliada e amadurecida.

Do projeto a produção da dissertação

Para a elaboração desse trabalho foi necessário avaliar as contribuições


que uma pesquisa sobre livro didático regional traria para o cenário acadêmico,
assim como avaliar esta produção enquanto um bem social, assumindo a
responsabilidade de colaborar para a reavaliação constante do processo
educativo, considerando a obra regional elemento dessa ação.
O livro didático regional, de maneira geral, aborda a construção sócio
histórica de um dado espaço, considerando os aspectos da produção
sociocultural, política e econômica dos sujeitos na diversidade de suas ações e
criações. A perspectiva do regional é orientada por fronteiras estaduais ou
municipais, nos livros que contemplam cidades, circunscritas dentro do cenário
político-administrativo do país. As temáticas são abordadas a partir de uma
divisão do estado ou do município, contempladas de acordo com microrregiões.
Ao reconhecer esses predicados supomos que o livro regional possa
agregar o trabalho pedagógico que aborde a temática patrimonial na escola, pois
a obra regional possui atributos para estabelecer um diálogo mais próximo com
as expressões da cultura regional no cotidiano escolar e problematizá-las.
O patrimônio como um bem cultural é uma preocupação que aparece nas
prerrogativas das políticas culturais implementadas a nível institucional no
estado. A Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco
(FUNDARPE) desenvolve desde 1973 ações relacionadas às políticas públicas
de cultura como produção de eventos culturais, reconhecimento, manutenção e
tombamento dos patrimônios, publicações de livros, promoção de iniciativas
pontuais voltadas para a educação patrimonial. Essas ações são desenvolvidas
no sentido de contribuir para o resguardo e o reconhecimento da população das
suas expressões artístico-culturais. Por isso a “missão” da FUNDARPE é
18

formular e implementar a política cultural do Estado; promover


ações articuladas e integradas entre o Estado e as esferas do
governo, conselhos, fóruns, organismos nacionais e
internacionais; orientar o desenvolvimento de diversas
linguagens e manifestações culturais; preservar, pesquisar,
conservar e fiscalizar as intervenções nos ativos culturais,
incluindo o patrimônio artístico e cultural, bem como os
equipamentos pertencentes ao Estado; dinamizar e apoiar o
desenvolvimento cultural por meio de ações regionalizadas,
articuladas e integradas com os demais órgãos e esferas de
poder; supervisionar e fiscalizar a restauração de ativos
culturais; e desenvolver programas permanentes de formação
voltada para a cultura1.

Como vemos, o foco das políticas públicas culturais desenvolvidas pela


FUNDARPE possui interesses, relações e objetivos diferentes do trabalho
pedagógico engendrado na escola, ainda que indiretamente as iniciativas da
instituição estadual contribuam e possam ser relacionadas ao trabalho escolar.
Para além do trabalho desenvolvido pela FUNDARPE, é preciso ampliar
as estratégias e iniciativas que contemplem o Patrimônio Cultural como objeto
de ensino nos processos didáticos escolares. Trata-se de projetar a gestão
educativa a fim de ofertar aos alunos mecanismos para problematizar os
espaços onde vivem, questionar a sua experiência histórica com esses espaços,
perceberem-se inseridos em uma dinâmica social que possui manifestações
culturais específicas e que eles são construtores dessas manifestações.
Com efeito, hoje consideramos o Patrimônio Cultural como uma
declaração histórica, ou seja, como uma criação simbólica, que apresenta sinais
de experiências históricas. Essas experiências são nutridas por perspectivas
culturais, socialmente estabelecidas, ligadas a uma temporalidade e a uma
espacialidade.
O patrimônio nas obras regionais pode aparecer como elemento
edificado, símbolo de poder e exclusão, prática secularizada, uma manifestação
festiva popular, um grupo social que mantém um saber específico com um
arquétipo democrático ou pode não aparecer. As formas como ele vai surgir, ou
não, estão relacionadas as perspectivas e escolhas teórico-metodológicas dos
autores das obras.

1
MENEZES, José Luis Mota. Ainda chegaremos lá. História da FUNDARPE. Recife:
FUNDARPE, 2008, p. 16.
19

O trabalho didático com o patrimônio também abre espaço para


discussões que englobam questões de identidade e memória. Entendemos que
identidade se constrói nas “formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam2”, essas representações se
depositam ao longo do tempo no imaginário dos sujeitos construindo formas de
reconhecimento e pertencimento, além da memória como um campo de
experiências simbólicas3 onde a identidade se legitima. Embora nem sempre
direta, essa construção acontece de forma conflituosa, pois é semeada por
diferentes sujeitos, a partir de diferentes perspectivas socioculturais e múltiplos
interesses.
Além de reconhecer as noções de patrimônio, memória e identidade
importantes para o desenvolvimento desta pesquisa, foi preciso saber o que está
sendo desenvolvido atualmente sobre livros didáticos de História no cenário
acadêmico do Brasil, qual a orientação metodológica das pesquisas, lugar de
produção, temáticas investigadas, etc. Isso foi importante para localizar e
demostrar o lugar e a relevância dessa pesquisa diante do que vem sendo
produzido no nosso país.
Para isso, utilizamos como procedimento metodológico inicial um
levantamento das obras em nível de mestrado e doutorado, publicadas em duas
bases de dados digitais: a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD)4 e o Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES)5. A BDTD e o Banco de Teses da CAPES agregam
teses e dissertações desenvolvidas em instituições de ensino superior
brasileiras, estimulando o registro e a publicação de tais obras em meio
eletrônico, tornando-se importantes ferramentas de divulgação de trabalhos e de
fontes para pesquisas acadêmicas 6.

2
HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p, 13
3
GABRIEL, Carmen Teresa. Memória e Ensino de História. In. Ministério da Educação. Espaços
educativos e ensino de História. Boletim 02, abril. Secretaria de Educação a Distância, Brasília:
2006.
4
http://bdtd.ibict.br/
5
http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
6
É importante destacar que as bases de dados têm autonomia para inserir novas obras que vão
sendo disponibilizadas na medida em que seus autores autorizam. Portanto, os números da
quantidade de pesquisas apresentadas podem variar de acordo com a data de sua realização.
Os números a partir de agora apresentados comportam as pesquisas publicadas até os meses
em que foi realizado o levantamento, março e abril de 2014. Lembramos que os resultados das
pesquisas também podem variar de acordo com os termos pesquisados.
20

Em busca de trabalhos que contemplassem nosso objeto/fonte foram


usados os termos “Livro Didático de História”, tanto no que se refere a termos
específicos quanto a termos genéricos, necessários para atender as
especificidades das ferramentas de pesquisa exigidas nas bases de dados. O
recorte temporal desse levantamento foi definido a fim de dar continuidade a
estudo anterior de Caimi7, que inventariou as obras publicadas em bases de
dados digitais num recorte temporal de 1998-2007.
Portanto, tomamos como foco as pesquisas realizadas a partir de 2008
até 2013. As bases de dados publicaram 35 dissertações e 11 teses relacionadas
ao livro didático de História em um período de 6 anos (2008-2013), distribuídas
no gráfico a seguir.

Gráfico 1 - Quantidade de obras por ano

14 13
12
10 9
8 7
6 5
4 2 2
2 2 2
2 1 1
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013

Teses Dissertações

Fonte: Produção da pesquisa

Os dados expostos no gráfico acima denotam uma oscilação na


quantidade de dissertações sobre o tema, com uma significativa produção no
ano de 2012. É possível perceber uma pequena quantidade de teses e inclusive
a ausência desse tipo de produção no ano de 2013.
No levantamento inicial realizado para esse trabalho, encontramos
pesquisas que elegeram o livro didático como fonte de leitura analítica seja na
língua portuguesa, na geografia, na matemática, na química e certamente devem

7
CAIMI, Flávia. O que sabemos (e o que não sabemos) sobre o livro didático de história: estado
do conhecimento, tendências e perspectivas. In: GALZERANI, Maria Carolina Bovério; BUENO,
João Batista Gonçalves; PINTO JR, Arnaldo. Paisagens da Pesquisa Contemporânea sobre
Livro Didático de História. Campinas: UNICAMP, 2013.
21

existir estudos relacionados às demais disciplinas escolares. Entretanto, embora


teoricamente direcionados às perspectivas de campos pontuais, os estudos em
sua maioria não são desenvolvidos em programas de pós-graduação específicos
de cada área, o que acontece também no cotejamento entre História e
Educação.
No que se refere ao nosso objeto de análise, observamos que a grande
maioria das dissertações relacionadas ao livro didático de História defendidas
nos últimos seis anos foram produzidas nos programas de pós-graduação em
Educação (23), enquanto pouco mais da metade (12) saíram dos programas de
pós-graduação em História. Sobre as teses os números são mais contundentes,
10 produções em doutorados em Educação e 1 em História.
Podemos supor algumas razões para justificar a quantidade maior de
investigações sobre o livro didático de História nos cursos de pós-graduação em
Educação do que nas pós-graduações em História. Talvez essa diferença seja
produzida em consequência da quantidade de programas de pós-graduação em
Educação (138) ser bem maior se comparada aos programas de pós-graduação
em História (77)8. Outra justificativa a ser pensada é a abertura que as
investigações que focam no ensino encontram em ambas as áreas, visto que, na
História, há um reduzido número de linhas de pesquisa 9 que contemplem os
processos didático-pedagógicos inerentes ao trabalho do professor de História,
diferente da Educação onde essas pesquisas encontram mais espaço.

Gráfico 2 - Quantidade de obras por área


25 23

20

15 12
10
10

5
1
0
Mestrado Doutorado

Educação História

Fonte: Produção da pesquisa


8
CAIMI, Flávia. Op. cit.
9
Encontramos 4 programas de pós-graduação em História que possuem linhas de pesquisa
específicas sobre o Ensino de História – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal da Paraíba e Universidade Estadual de
Londrina.
22

Quanto a localização geográfica de produção das obras 10 observamos


uma predominância das regiões Sul e Sudeste como berço das dissertações e
teses que se debruçam sobre a literatura didática escolar em História no Brasil.
Destacamos as produções dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do
Sul, pois são nessas regiões que também se concentram o maior número de
programas de pós-graduação e linhas de pesquisa que trabalham a temática do
ensino de História e/ou do livro didático. Observamos uma ascendência da
região Centro-Oeste com algumas produções em Goiás e no Distrito Federal.
Com destaque apontamos a quantidade crescente de produções no
Nordeste, com 9 produções de dissertação e 1 tese. Em particular, salientamos
os trabalhos desenvolvidos no estado do Rio Grande do Norte, com a única tese
da região sobre a égide do livro didático de História 11. É lá também onde se
encontra o Memorial do Programa Nacional do Livro Didático12.

13 14

Gráfico 3 - Lugar de produção das obras


14
12
12
10 9 9 9
8
6 5
4
2 1 1
0
Mestrado Doutorado

Centro-Oeste Sul Nordeste Sudeste Norte

Fonte: Produção da pesquisa

10
Não encontramos produções da região Norte.
11
No apêndice consta o nome do trabalho, autor, universidade de defesa e ano, assim como
estão listadas todas as teses e dissertações pesquisadas.
12
O projeto do Memorial do Programa Nacional do Livro Didático foi implementado pelo Ministério
da Educação em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte entre os anos de
2009 e 2011. Seu objetivo é catalogar, higienizar e digitalizar todas as obras avaliadas pelo
Programa Nacional do Livro Didático de 1997 a 2010 dos componentes curriculares de
Português, Matemática, Ciências, Estudos Sociais, Geografia e História do Ensino Fundamental.
Também fazem parte do acervo os Guias publicados pelo MEC desde 1997 e os Editais que
regeram as avaliações a partir de 2004. Fonte: SOARES, Jandson Bernardo; SOUZA, Wendell
de Oliveira. Memorial do PNLD: Elaboração, Natureza e Funcionalidade. In: Anais eletrônicos
da XIX Semana de Humanidades. Natal, 2011.
23

Com relação às temáticas abordadas a grande ênfase atualmente está


nos estudos sobre as perspectivas da ciência histórica na literatura didática, que
buscam compreender temas como a concepção de cotidiano, cultura histórica e
as formas de escrita da História empreendidas nas obras (9). Negros e indígenas
no livro didático de História também aparecem de forma significativa (4), assim
como os estudos que focam nas interpretações e nos usos dos livros em sala de
aula, seja na perspectiva do aluno ou do professor (7).

Gráfico 4 - Temáticas das produções


10 9
9
8
7 6
6
5 4 4
4 3
3 2 2 2 2 2 2 2 2
2 1 1 1 1
1
0

Mestrado Doutorado

Fonte: Produção da pesquisa

As temáticas anunciadas nos títulos das obras indicam a dilatação atual


dos referenciais de pesquisa, apontando para uma ampliação da mobilidade das
fronteiras epistemológicas do conhecimento histórico. Nos títulos observamos
novos campos, métodos e olhares sobre as mais variadas criações históricas
empreendidas no livro didático. Nesse sentido, há uma releitura constante desse
material como realização da sociedade em um tempo e uma espacialidade
definidos.
Em se tratando dos trabalhos sobre perspectivas regionais, podemos ver
que estes ainda acontecem de maneira tímida. Por outro lado, a inserção de
novas formas de análise do livro didático indica uma tentativa de superação
24

dessa “historiografia da falta”, como nomeou Oliveira 15 ao se referir a ausência


de outros tipos de investigações sobre os materiais didáticos. Acreditamos que
com a ampliação dos programas de pós-graduação e linhas de pesquisa a
especificidade do regional apareça mais como mote de pesquisas.

Num primeiro momento, trabalhos como os sobre livros didáticos


de história, centrados nas denúncias de uma “ideologia
dominante” contida nestes, da ausência de determinados temas
nos mesmos, ou até, de tratamentos errados de alguns temas
ou fatos pelos autores de livros didáticos, foram
importantíssimos, pois mapearam um elemento que se tornou
indispensável nas escolas. Hoje, porém, essa “historiografia da
falta” requer novos enfoques: a formação inicial dos professores
e a relação autores/editoras/indústria cultural têm sido uma
amostra desses novos caminhos. Esse deslocamento tem sido
proporcionado também pelo fato de que as pesquisas sobre
ensino de História têm migrado para os cursos de pós-
graduação nesta área. Embora não seja uma tendência
massiva, esse deslocamento é já bastante sensível, tendo o
nosso programa (Universidade Federal de Pernambuco/
Universidade Federal da Paraíba) sido pioneiro, incluindo na
área de Metodologia da História, uma Linha de Pesquisa sobre
Ensino de História.16

Dimensionar esse tipo de pesquisa em seus variados ângulos nos faz


melhor compreender o tratamento empreendido em relação ao conhecimento
histórico nas obras didáticas hoje. As pesquisas que entendiam o livro didático
indicando seus erros conceituais ou o seu aspecto apenas de inculcação e
reprodução de valores foram produzidas em grande número nas décadas de
1970, 1980 e 1990. Hoje compreendemos que o livro didático está inserido em
uma lógica social, cultural e escolar que o engendram a partir de diretrizes e
políticas públicas, elementos inseridos em um sistema educacional e de um
mercado editorial.
A consolidação dos programas curriculares e o rigor estabelecido
especialmente no Programa Nacional do Livro Didático, ao longo do tempo,
contribuíram para um maior investimento na produção das obras. Em
consequência os livros didáticos que circulam no cenário educacional brasileiro

15
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. O direito ao passado: Uma discussão necessária à
formação do profissional de História. Recife: UFPE, 2003. Tese de Doutorado em História, 325
f.
16
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Op. cit. p. 129.
25

são mais qualificados, possuem menos erros conceituais e falhas de natureza


técnica.
Esse panorama, nos faz reconhecer cada vez mais que o livro didático de
História no Brasil é entendido como um produto cultural, dimensionado para/no
processo educativo, portador de conteúdos de uma unidade disciplinar,
disseminado pelas práticas educativas escolares. O livro didático tem sua
validação social fundada no uso feito por alunos e professores, nas atividades
da escola, entendida aqui como um espaço legitimado pela sociedade por seu
caráter de criação e formação.
Os saberes que circundam a sociedade são sistematizados e
reelaborados pela escola, enquanto esfera socioeducativa que gira em torno das
demandas sociais. Há também a institucionalização da cultura e das disciplinas
escolares que contribui para a ritualização desses saberes na escola ao longo
do tempo.
Assim, para a formulação do que deve ser inserido no livro didático, ou
melhor, para pensar a inserção do Patrimônio Cultural como objeto de ensino
presente nas obras didáticas, há de se considerar algumas questões: Primeiro,
a construção do conhecimento escolar, quais os fatores sociais que exigem do
aluno tal conhecimento? Quais são as ações que a escola pode desenvolver
para produzir e incorporar tal saber?; Segundo, qual a função social desse
saber? De que maneira ele vai incidir sobre a sociedade?; Terceiro, como esse
conhecimento vai incorrer sobre a formação dos alunos? Esses
questionamentos nos ajudam a observar a dinâmica própria de criação do
conhecimento escolar, dissipando a ideia desse tipo de conhecimento enquanto
vulgarização de um saber acadêmico.
Não podemos esquecer que o saber escolar, nele englobando o
conhecimento histórico sobre o Patrimônio Cultural, é resultado de uma ação
pedagógica historicamente situada, ou seja, localizada em um espaço e um
tempo que orientam a produção da percepção em relação a determinado
conhecimento. Esta percepção se constitui em um regime de inteligibilidade, em
nosso caso validado pelo campo disciplinar da História, inclinado pela
historicidade de seu tempo. Nesse ponto entram as formas de ver e dizer as
práticas da construção da historiografia, conformando os procedimentos, a forma
26

de compreensão e desenvolvimento do conhecimento histórico, seja ele no


âmbito acadêmico ou no âmbito escolar.
Até aqui tentamos situar a nossa pesquisa dentro de um panorama
nacional das produções acadêmicas, já que, no levantamento realizado, não há
nenhuma referência as pesquisas que se dediquem a investigar o livro didático
regional de História. É importante dizer também que a análise aqui empreendida
além de considerar a importância do livro didático regional como fonte de
pesquisa, privilegia também o conhecimento histórico escolar e as investidas
pedagógicas nas obras didáticas regionais direcionadas a um tema especifico: o
Patrimônio Cultural.
Assim, diante dessa atmosfera, os livros didáticos regionais por nós
eleitos como fonte estão circunscritos em um recorte temporal orientado pela
trajetória do Guia do Livro Didático. O primeiro Guia a contemplar a
especificidade da área de História para os anos iniciais foi o de 200317. Os Guias
anteriores consideravam os livros das áreas de Alfabetização, Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais, indicando que as
disciplinas de História e Geografia ainda não eram contempladas com livros
específicos18.
Sendo assim, escolhemos não utilizar os livros de Estudos Sociais no
nosso universo de pesquisa, pois a restrita especificidade histórica que esses
livros carregam e o tratamento de saberes amalgamados entre diversas áreas,
sem necessariamente estarem articulados numa perspectiva interdisciplinar,
nesse momento, não contribuiriam para esta pesquisa
Selecionamos aqui especificamente os livros didáticos regionais, que se
apresentam em livros exclusivos para 4º e 5º anos e não constituem coleções
didáticas. Fizemos essa escolha principalmente para destacar a especificidade
da obra, uma vez que ela se destina a explorar a História Regional, entendida
aqui como História do estado.
Assim, listamos as obras circunscritas em nosso universo de análise:
História de Pernambuco de Célia Siebert (2001) Editora FTD; História –

17
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2003: história. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2002.
18
Informações retiradas do site do MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_%20content%20&view-article&id=12637%3Aguias-do-programa-
nacional-do-livro-did%20. Acesso em: 20 mai. 2012.
27

Interagindo e Percebendo Pernambuco de Lilian Sourient, Lielba Ramos e Kátia


Olszewski (2001), Editora do Brasil; Interagindo com a História de Roseni R. C.
Nascimento, Lilian Sourient e Rosiane de Camargo (2005) Editora do Brasil;
História – Pernambuco de Francisco Teixeira, Editora Ática 1ª edição (2006), 2ª
edição (2008) e 3ª edição (2011); e Pernambuco de muitas histórias – História
do Estado de Pernambuco”, escrito por Erinaldo Cavalcanti, (2011) Editora
Moderna.
O foco central da nossa problemática de investigação refere-se a como
os livros didáticos regionais de História de Pernambuco trabalham o Patrimônio
Cultural do estado na perspectiva da formação histórica de crianças na educação
básica?
Dessa interrogação desdobram-se outras como: (i) Quais os aspectos que
devemos levar em conta para conjecturar o perfil de fonte histórica que possuem
os livros didáticos de História, neste caso, os livros didáticos regionais? (ii) Qual
o lugar ocupado pelo Patrimônio Cultural nas obras didáticas regionais?; (iii)
Como o livro didático regional organiza suas estratégias didáticas e as
perspectivas históricas para subsidiar o trabalho docente com o Patrimônio
Cultural nas aulas de História?; (iv) A abordagem pedagógica das obras contribui
para o desenvolvimento do saber histórico relacionado ao Patrimônio Cultural
como espaço vivido e apreendido cotidianamente?; (v) Como as obras fomentam
noções de identidade e memória no trabalho com o Patrimônio Cultural do
estado?
Encaramos essas questões como apontamentos para estabelecermos
uma comunicação entre os objetivos a serem alcançados em cada capítulo,
dispostos abaixo, e as respostas produzidas a partir da sensibilidade e do rigor
metodológico na leitura dos dados coletados. Nessa perspectiva, esta pesquisa
se organiza sob três capítulos.
No primeiro capítulo temos o objetivo de refletir sobre o livro didático
regional enquanto fonte e objeto de pesquisas históricas e educacionais
destacando, sobretudo, o potencial investigativo que possui. Para isso
realizamos a historicização do livro didático regional, de forma a contemplar a
trajetória de construção do perfil do livro e das pesquisas sobre o livro didático
28

hoje, a partir do que diz Choppin19 e Freitas20. Ao longo do capítulo destacamos


a especificidade da obra regional e os aspectos que o definem diante da sua
dimensão didático-pedagógica.
No segundo capítulo o objetivo foi identificar o Patrimônio Cultural como
temática a ser estudada nos livros didáticos regionais de História, considerando
o que confere às estratégias e ao trabalho pedagógico, bem como às
abordagens históricas empreendidas nas obras. A leitura analítica nesse capítulo
foi feita no sentido de reconhecer o potencial de formação histórica que comporta
a temática do patrimônio dentro das premissas do conhecimento histórico local
nos anos iniciais.
Ademais, nosso referencial teórico para o segundo capítulo se
fundamenta no que diz Choay21 e Fonseca22 para nos ajudar a construir a noção
de Patrimônio Cultural, a partir de sua caracterização como elemento secular e
a construção de suas perspectivas na contemporaneidade. Chartier 23 contribuiu
para pensarmos as diferentes formas de ler e interpretar o Patrimônio Cultural,
através do movimento engendrado pelas práticas, apropriações e
representações. Buscamos reflexões teóricas junto a Cooper 24, Cainelli25,
Oliveira e Caimi26 e Caimi27 e para discutir as questões relacionadas às
demandas do ensino de história local nos anos iniciais e do livro regional, bem
como fazer um paralelo ao tratamento pedagógico que pode ser ofertado ao

19
CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educ.
Pesqui. [online]. 2004, vol.30, n.3, pp. 549-566
20
FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em
questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009.
21
CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: UNESP, 2003.
22
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal
de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
23
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos Avançados. São Paulo: USP,
vol. 5, nº 11, 1991. pp. 173 – 191.
24
COOPER, Hillary. Ensino de História na Educação Infantil e Anos Iniciais: Um guia para
professores. Curitiba: Base Editorial, 2012.
25
CAINELLI, Marlene. Educação Histórica: perspectivas de aprendizagem da história no ensino
fundamental. Ver. Educar, Especial. Curitiba: UFPR, p. 57-72, 2006.
26
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. CAIMI, Flávia Eloisa. A História ensinada na escola: É
possível pensar/agir a partir do todo? Campo Grande: Revista Interações, v15, n.1, p. 89-99,
jan/jun. 2014.
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. CAIMI, Flávia. Entre Paulas, Martas, Pedros, Anas... para
entender as complexas relações sujeitos/saberes no contexto da aprendizagem histórica.
Antíteses, v. 6, n. 12, p. 148-167, jul./dez. 2013.
27
CAIMI, Flávia Eloisa. Meu lugar na história: de onde eu vejo o mundo? In. OLIVEIRA, Margaria
Maria Dias. História: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2010, p. 71 (Coleção Explorando o Ensino v. 21)
29

Patrimônio e aos seus referenciais subjacentes – identidade e memória – cujos


apontamentos direcionados ao ensino de História nos apoiamos em Monteiro28.
Entendemos que discutir questões de memória e identidade é
fundamental para a análise do trabalho pedagógico centrado no patrimônio.
Nora29 nos ajudou a compreender que a memória é construída no movimento de
lembrar e esquecer, realizado no presente, se constituindo a partir de laços
afetivos que os sujeitos constroem com os lugares e com as significações que
compõem a identidade. Nesse sentido, o terceiro capítulo compreende a reflexão
sobre o trabalho histórico e pedagógico acerca do patrimônio nas obras
didáticas. Monteiro30, junto as referências dos capítulos anteriores já
mencionadas, contribuiu para alcançarmos o objetivo deste capítulo que foi
analisar quais estratégias históricas e pedagógicas são mobilizadas para
relacionar o Patrimônio Cultural do estado de Pernambuco as noções de
memória e identidade, na perspectiva da formação escolar de crianças nos 4º e
5º ano do ensino fundamental.
Por fim, reservar um espaço para concluir o trabalho seria restringir
possíveis desdobramentos que possam surgir a partir das reflexões aqui
empreendidas. Por isso, elegemos como lugar de fechamento desse texto as
Considerações Finais, que registram uma breve retomada dos apontamentos
feitos ao longo da dissertação, sintetizando as descobertas da pesquisa sobre
as abordagens histórica e pedagógica do Patrimônio Cultural nos livros regionais
no entrecruzamento destes dados com os nossos pressupostos teórico-
metodológicos.
Depois de conhecer um pouco da trajetória da concepção desse trabalho
e os caminhos percorridos para a sua escrita, expostos nessa introdução, vamos
à leitura do texto.

28
MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre História e Memória. In: Gilvan Ventura da
Silva; Regina Helena Silva e Simões; Sebastião Pimentel Franco. (Org.). História e Educação:
territórios em convergência. 1ed.Vitória(ES): GM/ PPGHIS/UFES, 2007, v. 1.
29
NORA, Pierre. Op. cit.
30
Monteiro, Op. cit.
30

HISTORICIZANDO O LIVRO DIDÁTICO REGIONAL


CAPÍTULO I
31

A comunidade acadêmica hoje anima-se vigorosamente no


empreendimento de esforços para analisar a literatura didática, seja no sentido
de inventariar os usos e a produção de obras utilizadas ao longo do tempo ou de
compreender seu papel no universo escolar atual. Essa assertiva pode ser
observada na significativa ampliação das pesquisas acadêmicas que
contemplam livros e materiais didáticos, disponíveis nos anais dos eventos
científicos de diversas áreas, e, em parte pelo levantamento já apresentado
sobre a produção de teses e dissertações nos diferentes programas de pós-
graduação do país.
Os livros escolares adquiriram, ao longo do tempo, várias nomenclaturas:
antologia, compêndio, cartilha, abecedário, livro. Assim, “constatamos que essa
profusão léxica reflete a complexidade do estatuto do livro escolar na
sociedade31” e mostra que o processo de definição ou conceituação de obras
didáticas não é uma tarefa fácil.
Buscamos nesse capítulo refletir sobre a trajetória de construção do livro
didático e, sobretudo, do livro didático regional de História enquanto artefato
escolar, fonte e objeto de pesquisas históricas e educacionais, destacando seu
potencial investigativo no campo do ensino de história e dos estudos regionais.
Os livros didáticos aqui aparecem a partir de um panorama geral, que
caracteriza como eles são definidos por autores desse campo de investigação,
assim como apresentamos algumas dimensões que o classificam como objeto
cultural. Há também um espaço reservado para o diálogo com a política pública
que regulamenta o processo de avaliação, seleção, aquisição e distribuição dos
livros didáticos no Brasil, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
A discussão sobre o livro didático regional é contemplada a partir de suas
especificidades, tanto no caráter pedagógico quanto histórico, bem como, em
sua caracterização como fonte de pesquisa.

31
CHOPPIN, Alain. O manual escolar: Uma falsa evidência histórica. História da Educação,
ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 20 Jan/Abr 2009. Disponível em: http//fae.ufpel.
edu.br/asphe.
32

1.1 Livros didáticos: uma caracterização geral

Ao historicizar o termo livro didático, Choppin32 faz uma incursão léxica ao


longo do tempo para investigar os usos e as interpretações do que seria manual
didático pelo mundo. O autor, parafraseando Henri-Irénéé Marrou, diz que os
primeiros artefatos com indicação didática existiram na antiguidade, sobre o
suporte do papiro, já Pierre Riché segundo Choppin, “relaciona o aparecimento
do manual no início da era cristã”.
Caracterizar o livro didático é uma tarefa que demanda o diálogo entre
esferas educativas, sociais, culturais e econômicas. O processo de mudança
política e social por qual o Brasil passou, primeiro engendrado pelo “recente”
regime ditatorial e posteriormente pelo movimento de redemocratização do país,
exigiram uma ressignificação do regime de estruturação escolar. Assim, também
os objetivos para os quais os livros tinham sido pensados precisaram ser
reconfigurados a partir dos conteúdos e propósitos educativos a serem
contemplados, o entendimento em relação ao processo de ensino-
aprendizagem, a perspectiva de sociedade, de aluno e professor para os quais
as obras destinavam-se.
O livro didático hoje é entendido como um objeto sedimentado na cultura
escolar e que tem seu lugar garantido nas práticas educativas cotidianas. Essas
obras são tidas enquanto representação das disciplinas escolares e do currículo,
propagador de ideologias e perspectivas culturais, recurso permeado por ações
de diversos agentes desde sua concepção, editoração, venda e utilização,
voltado para situações e ações pedagógicas.
Para construir tal definição apoiamo-nos em Choppin33 e Freitas34 ao
indicarem que o livro didático é dotado de múltiplas funções, situado em um
contexto social, político, econômico e cultural, veiculando valores de natureza
múltiplas, sendo instrumento efetivo na formação de crianças, jovens e adultos.
Para Choppin35 o livro pode ter duas faces, uma enquanto instrumento

32
Idem.
33
CHOPPIN, Alain. Op. cit., 2009 e CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições
didáticas: sobre o estado da arte. Educ. Pesqui. [Online]. 2004, vol.30, n.3, pp. 549-566
34
FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático
em questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009. (A)
35
CHOPPIN, Alain. Op. cit., 2004.
33

pedagógico que propõe metodologias, técnicas e estratégias de aprendizagem


próprias e outra, como objeto fabricado, próprio do seu tempo, com limitações,
regras de uso e dimensões comerciais.
Diante da profusão de denominações, o livro para ser caracterizado como
uma obra didática deve seguir algumas diretrizes. Assim, afirma Choppin que:

...os manuais refletem manifestadamente as preocupações


pedagógicas. O que significa que um manual não é
simplesmente um livro utilizado na escola. É, de preferência, um
livro que foi conscientemente concebido e organizado para servir
aos objetivos da instrução36.

E complementa:

...a intenção manifestada pelo autor ou editor de destinar


expressamente a obra para uso escolar; a apresentação
sistemática dos conteúdos; a adequação ao trabalho
pedagógico, a complexidade dos conteúdos deve ser
proporcional à maturidade intelectual e afetiva dos alunos; a
conformidade com a regulamentação que há sobre os conteúdos
de ensino, sua extensão e a maneira que eles devem ser
tratados; a intervenção administrativa e política do Estado, pelo
conjunto da regulamentação evocada anteriormente (seleção,
hierarquização ou exclusão dos saberes e dos valores) e/ou da
autorização explícita ou implícita definida após a publicação da
obra.37

Estas obras movimentam de forma significativa o mercado editorial, pois


estão inseridas em uma lógica mercadológica atenta às exigências dos
programas governamentais, seja no âmbito das estruturas de aquisição,
avaliação e distribuição dos livros ou nas diretrizes curriculares. Para isso devem
estar atreladas a um suporte e a um perfil.

Livro didático é, portanto, um artefato impresso em papel, que


veicula imagens e textos em formato linear e sequencial,
planejado, organizado e produzido especificamente para uso em
situações didáticas, envolvendo predominantemente alunos e
professores, e que tem a função de transmitir saberes
circunscritos a uma disciplina escolar38.

36
CHOPPIN, Alain. Op. cit., 2009.
37
Idem.
38
FREITAS, Itamar. Livro didático de história: definições, representações e prescrições de uso.
In: OLIVEIRA, Margarida Dias de; OLIVEIRA, Almir Félix de. Livros didáticos de História:
escolhas e utilizações. Natal: Editora da UFRN, 2009, p. 14.
34

Entendemos que o livro didático e a História escolar nele materializada


possuem um corpo teórico envolvido igualmente no escopo da operação
historiográfica, ocupa-se do estudo dos homens no tempo, pois quem seleciona
o que deve ser incorporado ao ensino e produz a narrativa histórica didática são
sujeitos situados em um tempo e espaço localizados, seu contexto de vivência
corrobora para a construção do discurso empreendido no livro. Seus autores
escrevem dentro dos mesmos domínios da ciência de referência – dadas as
devidas especificidades – situam-se nos âmbitos cultural, social, econômico,
político, “aplicando as mesmas escalas (micro e macro), ritmos (lento e rápido)
e durações (longa, conjuntural e breve) inventadas pela historiografia. 39”
Além disso, o livro e a escrita escolar são produzidos também por
intelectuais, quer seja docentes da educação básica ou acadêmicos, que bebem
na ciência de referência ao mesmo tempo em que a produzem. Conforme afirma
Guimarães, “pensar o ensino da história implica necessariamente, segundo meu
juízo, articular a escrita e ensino como parte da produção do conhecimento
histórico40”.
Assim, a escrita histórica do livro didático possui especificidades e
singularidades consonantes ao público que visa atender, ligados aos objetivos
didáticos específicos e constituídos com base em uma teia de relações de poder
(Estado, sociedade civil, editoras), visando compor uma interpretação acerca do
processo histórico experienciado ao longo do tempo, sem, no entanto, deixar de
estar atento à organização e orientações curriculares destinadas aos contextos
escolares.
Nesse sentido, o livro didático com suas abordagens e conteúdos,
incorpora singularidades, a partir de noções da psicologia da aprendizagem,
principalmente no que se refere às exigências do desenvolvimento cognitivo de
crianças, jovens e adultos, bem como de direcionamentos didáticos, quanto às
possibilidades de exploração de atividades, textos, imagens e demais recursos
que contribuam para a aprendizagem da História.

39
FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático
em questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009, p. 26.
40
GUIMARÃES, Manoel. Escrita da história e ensino de história: tensões e paradoxos. In:
ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A escrita da história escolar:
memória e historiografia. Rio de janeiro: FGV, 2009, p. 38.
35

Do mesmo modo, a produção da escrita da História escolar tem por


essência o atendimento a demandas educacionais sobre uma narrativa do
passado, tendo em vista as complexas exigências formativas enfrentadas pela
educação escolar hoje, consequência da teia de processos sócio-histórico-
culturais nos quais estamos envolvidos.
Destacamos a seara polêmica na qual o livro didático se situa, pois
sempre esteve em discussões com posicionamentos radicais a favor ou contra,
num perfil, conforme Oliveira41, maniqueísta. No Brasil, muitas das lacunas
apontadas como vilãs dessas publicações foram em grande medida superadas
pela incorporação das novas percepções em relação à História enquanto campo
de conhecimento científico produzido na e para a escola. Essa superação
ocorreu também em consequência da implementação de amplas políticas
públicas direcionadas a universalização das obras e a melhoria de sua
qualidade.
Como item mercadológico o livro visa atender a uma demanda de
mercado, como objeto escolar uma de suas funções é a de contribuir na
mediação do conhecimento, sendo usado e ressignificado de diferentes
maneiras pelos sujeitos do processo escolar.
Para exemplificar os lugares ocupados pelo livro didático nos remetemos
a alguns trabalhos investigativos que pesquisam a sua atuação no universo
escolar. Escolhemos esses trabalhos por entendê-los como, entre os trabalhos
mais recentes, os que podemos estabelecer um diálogo profícuo dentro das
nossas escolhas teórico-metodológicas.
A pesquisa de Bandeira42 discute a compreensão do papel do livro
didático no cotidiano escolar. Para isso a autora investigou apropriações e usos
do livro por professores e alunos de turmas do 6º ano, em quatro escolas de
diferentes municípios do Ceará, concentrando esforços em observar como os
professores escolhiam os livros, as estratégias usadas na condução do processo
pedagógico de utilização das obras em sala de aula e a forma como os

41
OLIVEIRA, Margarida. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e a construção do saber
histórico escolar. In: GALZERANI, Maria Carolina Bovério; BUENO, João Batista Gonçalves;
PINTO JR, Arnaldo. Paisagens da Pesquisa Contemporânea sobre Livro Didático de
História. Campinas: UNICAMP, 2013.p 357-74.
42
BANDEIRA, Isaíde Timbó. O livro didático de história: um caleidoscópio de escolas e usos
no cotidiano escolar. 2009, 271f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-graduação
em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009.
36

estudantes lidavam com as orientações dos docentes. A análise implementada


nesta pesquisa fundamentou-se nos conceitos de apropriação, prática e
representação e nas noções de estratégias e táticas 43. Bandeira concluiu que,
grosso modo, no campo da escolha, a maioria dos livros didáticos de História
escolhidos pelos professores foi diferente da adquirida pelos órgãos
governamentais e que na efetivação dos usos destes livros as habilidades de
leitura e escrita foram preconizadas em detrimento da aprendizagem histórica.
Pádua44 também investiga a dimensão do uso do livro didático, entretanto
busca compreender como as políticas públicas de avalição, aquisição e
distribuição têm eco nas práticas de professores dos anos iniciais da
escolarização básica, com foco nas estratégias de aceitação e resistência dos
professores em relação às obras. Ela interroga sobre as mudanças
empreendidas pelos docentes nos saberes instituídos pelo livro, os sentidos
atribuídos aos saberes didáticos e como isso se reflete na prática. A autora mira
no processo de articulação entre os saberes veiculados pelos livros, aprovados
pelo PNLD, e os saberes docentes. Os sujeitos da pesquisa foram professores
de quatro escolas públicas de Belo Horizonte que lecionam nos anos iniciais do
ensino fundamental e não possuem formação específica em História. Pádua
demostra que os professores pesquisados não utilizam os livros apenas como
suporte, mas que estes recriam as propostas empreendidas nas obras,
selecionando aquilo que vai fazer parte do seu repertório didático ou não,
desconstruindo a ideia de que o docente é mero reprodutor do que o livro didático
sugere como conteúdo.
Salles45 trabalha com as definições e respectivos autores sobre a Guerra
do Paraguai empreendidas nas publicações didáticas nacionais. Trata-se de um
estudo comparativo, onde o autor discute o tema a partir do cotejamento entre
livros e entrevistas com os autores de obras que passaram pelo que ele chama
de revisionismo e neo-revisionismo historiográfico. As obras foram selecionadas,

43
Defendidas por Chartier em “A história cultural: entre práticas e representações” e por Certeau
em “A invenção do cotidiano”.
44
FRANCO, Aléxia Pádua. Apropriação docente dos livros didáticos de história das séries
iniciais do ensino fundamental. 2009, 281f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2009.
45
SALLES, André Mendes. A guerra do Paraguai na literatura didática: Um estudo
comparativo. 2011, 168f. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em
História, Universidade Federal da Paraíba, 2011.
37

segundo Salles, por possuírem relevância no contexto educacional brasileiro do


qual são contemporâneas, constituindo um arquétipo teórico de grande
ressonância no país. Nesse sentido, o autor analisa outra dimensão do livro
diferente das pesquisas citadas acima, a inserção das renovações da
historiografia nos temas abordados pelas obras. Salles concluiu que parte dos
livros analisados por ele assumiu algumas renovações recentes sobre a Guerra
do Paraguai, em contrapartida, outras obras não incorporaram, por isso o autor
aponta para a necessidade de revisão das obras didáticas para que elas estejam
sempre de acordo com as atualizações historiográficas mais recentes.
Filgueiras46 estuda os processos de avaliação do livro didático
implementados antes do PNLD – de 1932 a 1984. Sua pesquisa discute a
trajetória das políticas públicas para o livro didático nos diferentes contextos
históricos, observando como as mudanças políticas do Brasil refletiram na
formulação e implementação da avaliação das obras didáticas pelo Estado. A
autora destaca o papel das instituições criadas ao longo do tempo para participar
da análise do livro didático como a Comissão Nacional do Livro Didático, a
Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático, o Instituto Nacional do Livro e a
Fundação Nacional do Material Escolar. Filgueiras aponta que as mudanças
político-sociais em cada contexto histórico no Brasil foram decisivas na
elaboração de políticas públicas e no consequente controle e produção de livros
didáticos. Por outro lado, a autora destaca que em cada momento os intelectuais
da educação nas respectivas épocas se colocavam resistentes às propostas
governamentais e, depois de intensos debates e da reconfiguração política do
país, ajudaram a redesenhar as escolhas dos conteúdos, da produção dos livros
e das suas formas de avaliação. Assim, Filgueiras nos apresenta mais uma
dimensão do livro didático ao lançar olhar sobre as inúmeras mudanças
ocorridas em seu processo avaliativo, ao longo do tempo.
Esses trabalhos nos apresentam o livro didático como um objeto cultural
complexo: sua atuação em diferentes esferas, criado e recriado para/pelo/no
contexto escolar, a partir de diversas esferas sociais. São apenas algumas
amostras das múltiplas dimensões das obras didáticas passíveis de

46
FILGUEIRAS, Juliana Miranda. Os processos de avaliação de livros didáticos no Brasil
(1938-1984). 2011, 263f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade de São Paulo, 2011.
38

problematização. De livros e utilizações em contextos históricos mais distantes


ou mais próximos, a análise de prefácios, passando por investigações sobre
livros específicos como no caso da Educação de Jovens e Adultos ou sobre a
perspectiva da ciência histórica, muitos são os espaços ocupados pelas
publicações didáticas na dinâmica escolar e acadêmica 47.
De igual modo, as políticas públicas de avaliação, aquisição e distribuição
dessas obras também se convertem em uma das faces que envolvem as obras,
por isso entendemos ser importante chamá-las a este trabalho. Choppin48 diz
que as primeiras políticas públicas relacionadas ao livro escolar surgem entre o
final do século XVIII e o início do século XIX em países europeus como Polônia,
França, Espanha e Grécia. No Brasil, as políticas públicas direcionadas aos
livros didáticos foram inauguradas em 1929 com a criação do Instituto Nacional
do Livro. Com mais de 80 anos as políticas brasileiras de aquisição, avaliação e
distribuição dos livros didáticos tomaram múltiplos contornos em função dos
movimentos de mudança históricas, econômicas, culturais e sociais
empreendidos no Brasil ao longo do século XX e início do XXI.
Hoje, o processo de universalização do livro didático do Brasil é um dos
maiores do mundo. Caimi49 aponta que a qualidade das publicações didáticas
atualmente é atribuída a alguns fatores, como maior protagonismo dos sujeitos
do processo educativo, mais (in) formação sobre o objeto livro, credibilidade a
nível mundial do processo aqui empreendido. Com destaque, a autora indica a
consagração do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – como o mais
amplo programa de avaliação, escolha e distribuição de livros didáticos da
educação brasileira. Dessa forma, essas prerrogativas cooperam para uma
ressignificação da concepção em relação ao livro didático.

Possivelmente, todas as hipóteses são válidas, mas o fato de


haver no Brasil um Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
que há mais de uma década vem avaliando, rigorosa e

47
Há em anexo uma lista com o título das teses e dissertações defendidas nos últimos anos, que
também ilustram essa diversidade.
48
CHOPPIN, Alain. O manual escolar: Uma falsa evidência histórica. História da Educação,
ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 27 p. 9-75, Jan/Abr 2009. Disponível em:
http://www.fae.ufpel.edu.br/asphe
49
CAIMI, Flávia. O que sabemos (e o que não sabemos) sobre o livro didático de história: estado
do conhecimento, tendências e perspectivas. In: GALZERANI, Maria Carolina Bovério; BUENO,
João Batista Gonçalves; PINTO JR, Arnaldo. Paisagens da Pesquisa Contemporânea sobre
Livro Didático de História. Campinas: UNICAMP, 2013.
39

sistematicamente, a produção do livro didático e


consequentemente, controlando a qualidade da sua oferta às
escolas, constitui um forte elemento explicativo da importância
que o tema vem ocupando nos debates e práticas acerca dos
processos de ensinar e aprender história 50.

Desde o início do seu fomento até hoje o PNLD passou por diversos
nuances e momentos históricos diferentes. O Decreto nº 91.542, de 19 de agosto
de 1985, regulamenta de maneira inicial o Programa como hoje o conhecemos,
mas ao longo do tempo ele foi sendo reavaliado e atualizado para suprir as
exigências didáticas e históricas bem como as demandas de escolha e
distribuição dos livros pelo país. Hoje ele representa uma ação do Estado,
constituindo-se em uma política pública que consome e controla a produção e o
conteúdo do livro didático e de certa forma induz a produção do conhecimento
escolar empreendido nos livros, atrelado às orientações dos instrumentos
curriculares.
A ação de prescrição balizada pelo PNLD visa atender muito aos ecos de
políticas públicas de universalização da cidadania e da educação, em
atendimento ao que dizem documentos como a Constituição Federal de 1988, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Lei de diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1994) e as diretrizes e documentos curriculares para os
diversos níveis de escolarização51.

Faz parte da responsabilidade [...] ficar atento para que o


dinheiro público, advindo de inúmeros impostos não seja
empregado em obras duvidosas, permeadas de erros históricos,
anacronismos e/ou discriminações, ou que estejam claramente
“fora da lei”, isto é, ferindo os artigos tanto da Constituição
Federal, quanto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
Nº 9394/96), alterada pelas leis referentes à Educação Afro (Lei
Nº 10.639/2003) ou à Educação Indígena (11.645/2006), ou
ainda Estatutos, como o da Criança e do Adolescente e o do
Idoso52.

A publicação dos editais inicia o processo de inscrição das obras, sua


avaliação técnica e pedagógica para posterior produção do Guia do Livro
Didático. A avaliação segue uma série de critérios a serem observados,

50
Idem p.36.
51
GATTI JR, Décio. A escrita escolar da história, livro didático e ensino no Brasil (1970-
1990). Uberlândia: Edusc, 2004.
52
TIMBÓ, Isaíde Bandeira. Op. cit. p. 79.
40

sobretudo, quanto à correção e atualização do conhecimento histórico, a


adequação ao público ao qual se destina e a observância de estereótipos,
anacronismos, preconceitos e demais aspectos que possam influenciar uma
formação pautada em elementos nocivos à construção de uma sociedade justa
e igualitária.
Esse processo, mais especificamente, observa os conteúdos ofertados
nas obras, as formas de abordagem, verifica se as inovações tanto da área da
História quanto da Pedagogia estão sendo contempladas no sentido de viabilizar
o protagonismo dos sujeitos no processo de ensino-aprendizagem. Além disso,
observa como os livros apresentam e exploram as imagens e a maneira como
são trabalhados os conceitos históricos.

As coleções e livros didáticos regionais foram avaliados no


sentido de atender às necessidades de professores e alunos,
possibilitando-lhes trabalhar conteúdos com propriedade,
evitando veicular, construir e/ou reproduzir noções
preconceituosas e informações errôneas. Faz-se premente frisar
que o conhecimento histórico obedece a critérios e
procedimentos inerentes à disciplina História – portanto, estes
são aspectos que devem ser explicitados nas obras. É
fundamental que os livros didáticos lancem mão de abordagens
pautadas na pluralidade de realidades sociais, econômicas e
culturais, além de contribuir para a formação cidadã do
educando, para a reflexão e a construção de conceitos, como
tolerância, liberdade e democracia53.

Os livros regionais passam pelo mesmo processo de avaliação, aquisição


e distribuição dos demais livros didáticos, elaborados na forma de coleções. O
que os diferencia é a especificidade da abordagem sobre o conhecimento
histórico, balizada a partir de pressupostos de delimitações regionais.
O Guia dos Livros Didáticos de 2004 foi o primeiro a publicar avaliações
de livros didáticos regionais de História. Para concorrer ao edital foram inscritos,
neste ano, 24 livros regionais, desses 14 foram aprovados, classificados dentro
das nomenclaturas adotadas para essa avaliação – Recomendado com
distinção, Recomendado, Recomendado com ressalvas – sendo a própria
nomenclatura autoexplicativa.

53
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Livros Didáticos de História: pesquisa, ensino e novas
utilizações deste objeto cultural. 2006. P. 42 (Desenvolvimento de material didático ou
instrucional - Texto sobre o uso do Livro Didático para professores do ensino básico).
41

Dos 14 livros aprovados nenhum foi aprovado com distinção, indicando a


necessidade de melhorias nas obras para as avaliações seguintes. Tais
melhorias deveriam estar relacionadas a incorporação das novas perspectivas
historiográficas, maior atenção com relação ao manual do professor no que diz
respeito à clareza das opções teóricas e metodológicas adotadas, bem como no
tratamento do próprio conteúdo da obra, a fim de contribuir efetivamente com o
aprendizado do conhecimento histórico para o público ao qual se destinava.
No Guia de 200754 foram publicadas 27 resenhas de obras aprovadas
para escolha dos professores. Nesse guia, a maior parte das resenhas aponta
para a grande quantidade de livros didáticos regionais que possuem uma
narrativa histórica centrada nas ações de personagens ilustres e fatos político-
institucionais ou quando não o faz apresenta frágeis marcos conceituais sem
relacioná-los aos procedimentos teórico-metodológicos que caracterizam um
cuidadoso trabalho de produção de conhecimento.
Em 2010 houve um aumento significativo no número de obras regionais
inscritas, chegando a um total de 64, o que aponta para um interesse maior do
mercado editorial para o produto de natureza regional, muito em resposta a
valorização dos estudos relativos às especificidades locais, seus traços
identitários e processos históricos, com particularidades e diferenças em relação
a outros. Consideramos que tal questão está relacionada a “quebra” de uma
identidade nacional cristalizada, nascida das demandas da sociedade
contemporânea.
As resenhas provindas das avaliações dos livros neste guia foram
produzidas considerando a forma como os autores organizam as obras em
relação ao seu conteúdo, dispostas em 4 categorias: Temporal, Espacial,
Temática e Especial. Entretanto, é possível perceber que apesar do aumento no
número de obras avaliadas, a qualidade não acompanhou a quantidade, visto
que apenas 36 delas estavam em consonância com os critérios estabelecidos
pelo PNLD.
Na avaliação de 2013 foram aprovadas 58 obras, com algumas delas
direcionadas a municípios55 e estados. Em consequência da avaliação os livros

54
O Guia de 2007 não diz quantas obras foram inscritas para avaliação, aponta apenas a
quantidade de obras que tiveram suas resenhas publicadas.
55
As cidades de São Paulo e Belo Horizonte foram contempladas com livros próprios.
42

foram organizados em grupos de acordo com a disposição dos conteúdos:


Povoamento e ocupação territorial, História do estado relacionada
cronologicamente a História do Brasil, Periodização e temáticas locais. O Guia
aponta para algumas ressalvas nas obras regionais, como, por exemplo, a
fragilidade do conceito de regional, a repetição de temas que em tese os alunos
já teriam estudado através dos livros das coleções 56. Por isso há uma crítica
contundente nesse Guia sobre o panorama geral de produção das obras
regionais:
Portanto, observa-se que a produção das obras regionais
apresenta uma defasagem qualitativa em relação ao significativo
investimento realizado nas coleções e carece de maior atenção
quanto ao trabalho adequado com as especificidades do
local/regional, considerando a progressão da aprendizagem dos
alunos57.

Em síntese, podemos verificar um crescente de obras regionais inscritas,


aprovadas e publicadas nos Guias de 2004 a 2013, demonstrando a ascensão
numérica atribuída a aprovação deste tipo de obra. Entretanto, apesar dessa
ampliação, como aponta o próprio Guia, as obras regionais carecem de uma
atenção, principalmente, dentre outras questões, no que se refere a organização
dos conteúdos quanto as experiências com o ensino de História já propostas
pelos livros das coleções e a definição de regional. Nesse sentido, apontar uma
quantidade maior de livros regionais inscritos não significa necessariamente
dizer que a qualidade acompanhou esse crescente.

80
Gráfico 5 - Livros Regionais Aprovados
60 58

36
40
27

20 14

0
2004 2007 2010 2013

Livros Regionais aprovados

Fonte: Produção da pesquisa

56
Considerações feitas a partir dos apontamentos dos Guias.
57
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2013. Op. cit.
43

O aumento da produção reflete no aumento de recursos, ainda que não


diretamente, pois são os professores que definirão, a partir das suas escolhas,
se essas obras serão adquiridas pelo erário público ou não. Por isso, o Guia e
as suas avaliações não irão retirar do professor o papel de protagonista na
escolha dessas obras. Ele vem contribuir para colocar à disposição dos
profissionais da educação básica possibilidades melhores de trabalho
pedagógico, alinhavando as recentes perspectivas tanto da área de História
quanto da Pedagogia.

1.2 Imersões no Livro Didático Regional de História

A necessidade de ofertar uma obra para agregar aspectos da história e


da cultura regional é legalmente reconhecida ainda em 1985 quando o Decreto
nº 91.542, de 19 de agosto de 1985, no seu Artigo 2º, Parágrafo 1º, referindo-se
à escola e a quem os livros didáticos devem ser ofertados, indica que “a seleção
far-se-á escola, série e componente curricular, devendo atender às
peculiaridades regionais do País58”. As demandas regionais também podem
ser interpretadas no Artigo 26º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB – quando designa que os currículos além de uma base comum,
devem contemplar “uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.”
Ao mencionar o atendimento as especificidades regionais, as orientações
legais abrem precedente para que as singularidades da formação histórico-
cultural do país fossem contempladas. Entretanto, observando o próprio
desenho das políticas públicas de universalização do livro didático ao longo do
tempo, é possível reconhecer a demora em seu atendimento de forma efetiva no
panorama dos editais e, por conseguinte, da escolha e da avaliação.
A discussão sobre a necessidade de uma obra regional, embora ainda
não contemplada pelo PNLD na segunda metade da década de 1980 e tampouco
na década de 1990, estava também em consonância com o pensamento da
época sobre o empreendimento de mudança e novos olhares sobre a História

58
Grifo nosso
44

ensinada. Estas discussões emergiram em essência e com mais intensidade


depois da abertura política do país nos finais dos anos 1980.
A promulgação da LDB em 1996 teve também importante papel para
corroborar a importância da História ao legitimá-la como disciplina legalmente
instituída não só para os anos finais, como também para os anos iniciais do
Ensino Fundamental, ao passo que tira da organização curricular a disciplina de
Estudos Sociais.
Oliveira59 aponta o que nós compreendemos como outro marco para
novas discussões em relação a instituição das obras regionais no processo de
avaliação do PNLD, o documento elaborado com base em análises das
experiências das avaliações empreendidas entre 1997 e 2001 intitulado
“Recomendações para uma Política Pública de Livros Didáticos 60”. Esse
documento foi importante para a solidificação do processo avaliativo, resultando
na produção de uma série de indicações do que poderia ser feito para
aperfeiçoá-lo. A partir das suas indicações os editais foram aprimorados sendo
cada vez mais rigorosos, dialogando com as novas diretrizes para o
conhecimento histórico e com outros programas do próprio Ministério da
Educação.
Associamos essas perspectivas à reafirmação da necessidade de
atendimento às demandas de educação para o conhecimento histórico regional,
podendo este documento ser considerado mais um adendo para inserção do
livro didático regional de História na avaliação do PNLD, já que apenas em 2004
o Guia Nacional do Livro Didático apresenta a sua primeira avaliação com
publicações de cunho regional.
Entendemos aqui o livro didático regional de História como uma obra
circunscrita em um recorte que contempla um sistema histórico-cultural dotado
de dinâmica simbólica específica – expressões culturais, normas, rituais –
relacionado a outros contextos sociais61. Conforme o Guia do Livro Didático 62

59
OLIVEIRA, Margarida. Op. cit., 2013.
60
BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Recomendações para uma política pública de livros
didáticos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001.
61
A discussão sobre regional/local será realizada adiante.
62
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2013: história. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2012.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2007: história. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2006.
45

“são classificados como Livros Didáticos Regionais aqueles que pretendem


trabalhar com a História, delimitando um recorte espacial, podendo ser uma ca-
pital ou um estado do país.”.
O livro didático regional de História possui a especificidade da sua
utilização para os 4º ou 5º anos do ensino fundamental, com um recorte para
situar o educando em seu contexto de vivência, em articulação com a complexa
teia de acontecimentos sócio-históricos mais amplos. O estudo do regional
nessa perspectiva busca a superação de paradigmas que distanciem o aluno da
formação histórica da sua região, assim como se preocupa em situá-lo enquanto
agente do fazer histórico do seu estado e do seu país.
Os livros se propõem a abordar a formação das definições territoriais, os
diálogos estabelecidos para a construção da culturalidade dos sujeitos da região,
no sentido de oportunizar o trabalho com o resultado das criações humanas,
dentro dos movimentos históricos engendrados no entorno do aluno.

Assim, compreender o processo de ocupação do solo, as


transformações sócio-políticas e culturais como não
determinadas, mas criadas, perceber as relações de poder e as
possibilidades de resistência, a força do coletivo, as diferenças
culturais que compõem um todo, a necessidade de ousar para
criar, passam a ser elementos vitais ao processo formativo,
sendo inteligíveis a partir do olhar sobre os problemas
cotidianos63.

Nesse direcionamento do trabalho formativo o diálogo entre o regional e


o nacional também é uma prerrogativa, porque o livro regional de História tem a
atribuição de trabalhar a partir de um saber específico, com clareza de que ele
não finda em si mesmo. Nesse sentido, o livro didático regional ocupa um
importante posto de apresentar os diferentes nuances da formação do estado
atrelada à promoção de diálogos entre o micro e o macro. Assim eles se
propõem a

...exploração da história local, partindo da realidade mais


próxima do aluno, levando-o a conhecer a história da sua cidade
e região, estabelecendo as relações necessárias para com os

BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2010: história. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2009.
63
NIKITUIK, Sonia Maria Leite. Por que Livros Regionais de História? In: OLIVEIRA, Margarida
Dias de. STAMATTO, Maria Inês Sucupira (Org). O livro didático de história: políticas
educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 202.
46

aspectos regionais e nacionais, na perspectiva da construção da


identidade e da formação do sujeito-cidadão64.

Fazem parte dos seus pressupostos também a percepção da identidade


e da memória regional, assim como a discussão sobre os processos de
construção histórica e cultural enquanto confluentes e a valorização da
diversidade de manifestações culturais. Esses movimentos passam a ser
inseridos no ensino, na medida em que são eleitos pelos livros para compor o
seu conteúdo, em consonância às diretrizes curriculares.
Estudar esses pressupostos nas publicações didáticas regionais não é
uma tarefa trivial. Para isso precisamos transitar por vários caminhos, pois
pensar o regional provoca considerar suas implicações das mais diversas
ordens: econômicas, sociais, culturais, territoriais, político-administrativas. Por
muito tempo o trabalho com o regional foi engolido apenas pelas perspectivas
político-administrativas, pensamento que a História Cultural aponta para a
superação, quando, a partir dela, podemos compreender que esse recorte vai
muito além de um determinismo geopolítico ou administrativo.
Cada lugar, cada região possui uma formação histórico-social específica,
o que não quer dizer que se deva fomentar um cotejamento entre o nacional e o
regional. Mais significativo é pensar o regional como uma especificidade dentro
de uma totalidade maior. Levar tal afirmativa para o trabalho naquilo que temos
enquanto ofício de professores de História é considerar os conhecimentos a
respeito da formação do regional a partir da identidade e da memória,
necessários para solidificar a formação de uma sociedade mais consciente do
seu papel, situada em um momento histórico e em uma região
Essas assertivas também fazem parte dos itens de avaliação nos editas
do PNLD e analisar obras que as tenham como direcionamentos ainda é uma
tarefa complicada. A seara controversa que as publicações didáticas povoam se
multiplica na perspectiva regional, pois os próprios Guias do Livro Didático
apontam as inconstâncias das discussões implementadas nas publicações. A
fragilidade da definição de regional, as abordagens que não contemplam os
múltiplos sujeitos, a falta de problematização histórica são alguns exemplos de

64
LIMA, Marta Margarida de Andrade. A cultura local e a formação para a cidadania nos livros
didáticos regionais de história. In. OLIVEIRA, Margarida Dias de. STAMATTO, Maria Inês
Sucupira (Org). O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal:
EDUFRN, 2007, p. 182.
47

questões a serem repensadas. Em alguns casos há uma fragilidade teórica nas


obras em que a “dita” perspectiva cultural se sobressai de tal forma que o livro
acaba por se tornar um guia cultural, sem que as demandas históricas sejam
problematizadas.
Segundo Lima65 há um campo de intersecção onde habita o conflito entre
as representações sobre o conhecimento histórico escolar para os anos iniciais
hoje, diante das atuais prerrogativas de formação histórica escolar, e a
manutenção das antigas orientações da área de Estudos Sociais.
Reconhecemos aqui o papel importante que o livro didático regional possui no
processo de formação escolar, por isso defendemos sua constante reavaliação,
a fim de afastar-se de velhos ordenamentos que já não dão conta de formar a
sociedade contemporânea.
Outro aspecto a ser realçado é o lugar ocupado pelo livro didático regional
como fonte de pesquisas históricas. O estudo realizado por Caimi66 corrobora os
nossos argumentos de que esse espaço ainda carece ser ampliado, seja em
nível de graduação ou nos programas de pós-graduação, na História ou na
Educação. Talvez a recente inserção desse tipo de publicação no universo
educacional possa justificar essa necessidade, pois há pouco mais de 10 anos
é que essas obras passam a ser produzidas, adquiridas e distribuídas
sistematicamente nas escolas. Desse modo é possível verificar esse como um
terreno fértil.
Diante disso, entendemos que o livro didático regional muito tem a nos
dizer, abrindo possibilidades de diálogo com as representações e valores
difundidos num espaço regional circunscrito, atrelado a visões de mundo, valores
éticos, históricos e culturais. Sem esquecer que ele segue as prerrogativas
estatais, delimitado pelos documentos curriculares construídos pelos embates
entre quem define o conhecimento a ser ensinado e aprendido na escola.
Para entender a amplitude das perspectivas de pesquisas obtidas através
da análise do livro didático regional é necessário incluí-lo no hall de fontes
possíveis. Não podemos esquecer que o ofício do historiador é trabalhar com
fontes, sendo o próprio pesquisador quem vai designar quais serão elas.

65
Idem p .185.
66
CAIMI, Flávia. Op. cit., 2013.
48

Em História, tudo começa com gesto de separar, de reunir, de


transformar em “documentos” certos objetos distribuídos de
outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro
trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais
documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou
fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar
e seu estatuto. Este gesto consiste em “isolar” um corpo, como
se faz em física, e em “desfigurar” as coisas para construí-las
como peças que preencham lacunas de um conjunto, proposto
a priori. 67

Fugindo de uma concepção fomentada no seio do positivismo, o


historiador dispõe de uma infinidade de documentos, sejam eles pensados para
ser fonte – testemunhos voluntários – ou vestígios não necessariamente
idealizados com fins de servir a posteridade como registro histórico, contudo,
podendo ser utilizados para tal68. É nessa categoria que incluímos o livro didático
regional.
A diversidade de testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o
que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca
pode e deve informar sobre ele. É curioso constatar o quão
imperfeitamente as pessoas alheias ao nosso trabalho avaliam
a extensão dessas possibilidades. É que continuam a se aferrar
a uma ideia obsoleta de nossa ciência: a do tempo em que não
se sabia ler se não os testemunhos voluntários. 69

E complementa:

Poucas ciências, creio eu, são obrigadas a usar,


simultaneamente, tantas ferramentas distintas. É que os fatos
humanos são mais complexos que quaisquer outros. É que o
homem se situa na ponta extrema da natureza.70

Assim, escrever e pesquisar História ou engendrar-nos na operação


historiográfica consagrada por Certeau71 significa empreender esforços
investigativos na tentativa de ler os enredos sócio-político-culturais estruturantes
das sociedades em diferentes tempos e lugares, bem como compreender suas
intrigas, arranjos e ordenamentos. Tal feito não nasce do trivial, senão qual a
graça de historicizar o óbvio? Nosso trabalho é enxergar aquilo que não está

67
CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
p.81.
68
BLOCH, Marc. Op. cit., 2001.
69
Idem, p.77.
70
Idem, p 81.
71
CERTEAU, Michel de. Op. cit.
49

posto, reconfigurar objetos, redirecionar os silêncios e as obscuridades em


função das perguntas a serem feitas, “pois os textos ou documentos
arqueológicos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não
falam senão quando sabemos interrogá-los72.”
Essa articulação não acontece de forma aleatória, pois está envolvida em
uma estrutura da qual fazem parte o ofício do historiador (atribuindo contornos à
natureza da compreensão e interpretação histórica segundo um lugar social
dito), os métodos da pesquisa (indicam os caminhos disciplinares) e a
construção do discurso historiográfico (formas como os dados coletados através
dos procedimentos metodológicos, após analisados, serão apresentados) 73.
Essa estruturação não se faz de forma simples, pois se constitui em bases de
um território plural, tenso e paradoxal, permeado de intencionalidades e
interesses, modulado por e pelo seu objeto: a produção da humanidade no
tempo.
Situar o livro didático regional enquanto fonte reflete em realizar a crítica
histórica e considerá-lo como um documento/monumento, fazendo valer o ofício
do historiador. A operação historiográfica deixa de centrar-se no documento e se
constrói na crítica e na problematização implementada sobre ele.
O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado
de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da
época, da sociedade que o produziram, mas também das
épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez
esquecido, durante os quais continuou a ser manipulado, ainda
que pelo silêncio. O documento é coisa que fica, que dura, e o
testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele
traz devem ser o primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o
seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta
de um esforço das sociedades históricas para impor ao futuro –
voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si
próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo o
documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de
ingênuo74.

Problematizar o livro didático regional como fonte significa questionarmos


sobre as suas condições de produção, que fazem parte de um contexto histórico
permeado por questões de memória, identidade e formação cultural,
entremeadas por demandas de ordem político-educacional, investigando as

72
Idem, p.79.
73
Idem.
74
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP. 2003. p. 548-49.
50

vozes que, consciente ou inconscientemente, podem emanar dados da formação


sócio-histórico-cultural do lugar. Sua definição está atrelada ao momento
histórico do qual o pesquisador faz parte, pois o historiador (a) é sujeito de seu
tempo e vai entender sua fonte com base nesse olhar.

1.3 Regional ou local: uma questão de (in) definição

Ao nos remeter aos estudos regionais refletimos em uma pluralidade e


porque não dizer ambiguidade de sentidos, que geram uma série de opiniões
heterogêneas sobre o assunto, consequência da amplitude de perspectivas
historicamente atribuídas ao regional e ao local. As modificações/inovações
historiográficas sinalizam por uma ascensão do conhecimento regional, sendo
preciso articular novos instrumentos teórico-metodológicos para dar sentido aos
fragmentos e representações desse passado num espaço circunscrito.
Observamos a importância que a discussão sobre as perspectivas
históricas regionais toma quando, inclusive, há um chamamento das demandas
do conhecimento histórico escolar, o que baliza também a produção de livros
didáticos especificamente para uma abordagem da história localizada.
Entretanto é importante aqui esclarecermos o que estamos chamando de
regional.
Para Certeau75 o recorte espacial depende da criação de uma rede de
inteligibilidade, ou seja, a região só se constitui como tal no momento em que a
atribuímos qualidades cognoscíveis. Ao conferir determinada qualidade a um
dito espaço formulamos práticas enunciativas sociais sobre este, através das
quais divulgamos princípios daquilo que a nosso ver irá caracterizá-lo. Ainda
para o referido autor, o sujeito, ou como ele chama o caminhante, sempre pode
outorgar um novo significado ao espaço, a forma como essa significação vai
sendo construída está subordinada à caminhada.

A caminhada afirma, lança suspeita, arrisca, transgride, respeita,


etc., as trajetórias que “fala”. Todas as modalidades entram ai
em um jogo, mudando a cada passo e partidas em proporções,
em sucessões. E com intensidades que variam conforme os
momentos, os percursos, os caminhantes (indefinida

75
CERTEAU, Michel. Op. cit.,1982.
51

diversidade dessas operações enunciadoras. Não seria portanto


possível reduzi-las ao seu traçado gráfico).76

A forma de entendimento do espaço está ligada a uma interpretação que


adquire dimensões pessoais e coletivas, conforme a circunstância de atuação
social dos sujeitos, durante a sua caminhada. A configuração dessa
interpretação está suscetível a uma diversidade de contingências nas quais se
encaixam o lugar social de onde o sujeito fala, para quem e por quem é
constituído o discurso regional, o tempo e o espaço nos quais este sujeito está
inserido.
As fronteiras espaciais, tidas aqui como o que define a nomeação do livro
didático como regional, existem a partir de diversos ordenamentos dentre eles o
político-administrativo, mas não são em nenhum momento fixas e o seu
deslocamento pode ocorrer impulsionado pelas evocações produzidas por
outros sujeitos, em diálogos socioculturais em outras dimensões. As regiões são
ocas se não damos qualidade e significação a elas e se tornam obsoletas se não
as ressignificamos.
Porém, não podemos discutir a noção de região com dogmatismos
ortodoxos. É necessário reconhecer a capacidade de versatilidade desta noção
a partir das suas múltiplas dimensões interpretativas: dimensão simbólica,
dimensão econômica, dimensão administrativa, dentre outras. E é por possuir
um caráter dinâmico que a discussão sobre região torna-se polêmica.
É importante reconhecermos as contribuições dos campos da sociologia,
da antropologia e em especial da geografia para o entendimento da classificação
do que se define por região. Contudo, ao observar a abordagem do livro didático
nomeado como livro “regional” de História observamos que há uma contradição.
Embora as características dos livros possam ser identificadas na categorização
do regional, constatamos que no que se refere ao aspecto de circunscrição
territorial definido pelos órgãos institucionais no Brasil, que definem as
nomenclaturas político-territoriais, os livros não se referem a uma região.
A divisão político-territorial como conhecemos hoje é realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Essa divisão foi definida na
década de 1970 e designa que nosso país é composto de cinco regiões: Norte,

76
Idem, p 179.
52

Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste77. Nesse sentido, um livro didático, para


ser classificado como livro regional, deveria trabalhar com a história de uma
dessas regiões. No nosso caso, um livro didático regional para atender o estado
de Pernambuco deveria abordar a história do Nordeste 78 para fazer jus ao seu
nome como obra regional.
Olhando para o livro didático regional a abordagem que vemos é diferente.
Os livros regionais trazem as histórias dos estados e não de regiões. A definição
de regional proposta pelo IBGE parte de uma prerrogativa diferente do que
engloba o livro, assim como a produção historiográfica também, em raras
exceções, não é realizada por regiões sem que estas estejam compartimentadas
em estados. As pesquisas de institutos históricos, universidades, dentre outras
instituições, em geral, seguem o caminho de investigações circunscritas por
estado. Isso acontece até por uma questão de logística e exequibilidade no que
se refere a coleta e análise fontes e documentos.
O livro didático dialoga como uma produção do que já foi exaustivamente
discutido pela tradição historiográfica e do que está sedimentado pela tradição
escolar. Se não temos trabalhos acadêmicos, tampouco escolares que
condensem a experiência histórica por região, torna-se improvável uma
produção didática que possa dar conta disto. Portanto, constatamos que há uma
indefinição conceitual na própria nomenclatura proposta pelo MEC.
É importante levantar essa discussão porque
os livros didáticos são, em muitos casos, o único impresso que
o professor lê durante um ano e os únicos exemplares que
constituem a biblioteca familiar da maioria dos alunos e dos pais
ou responsáveis pelos alunos da escolarização básica79.

Não somente, mas também por isso, é importante que as informações


contidas nos livros sejam idôneas e isso perpassa também a clareza em sua

77
IBGE. Divisão Territorial Brasileira. s/l 2002.
78
Durval Muniz faz uma discussão em seu livro “A Invenção do Nordeste” sobre a construção e
a desconstrução simbólica da ideia de Nordeste. Muniz faz uma importante narrativa sobre a
importância das elites políticas do Brasil na construção de um perfil sobre esta região na primeira
metade do século XX, a citando como uma região carente economicamente, que sofria com
intensas reviravoltas climáticas, dentre outras características problemáticas relativas ao NE.
Muniz discute os mecanismos simbólicos usados para a fixação da ideia de Nordeste como uma
terra miserável e como isso ainda reverbera na produção midiática hoje. Ver mais em:
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo:
Cortez, 2001.
79
FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático
em questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009. p. 7.
53

definição nominal, especialmente diante de todas as funções desempenhadas


pelas obras didáticas já citadas.
Afirmamos então que o livro didático regional trabalha com uma
perspectiva diferente da delimitada por uma região. As obras regionais trabalham
com delimitações, em sua maioria, estaduais contemplando as lutas políticas,
sociais e culturais, suas memórias e identidades, experiências históricas que não
foram construídas sem conflito tampouco de forma isolada. Tais experiências
sem dúvida possuem relações com outras instâncias históricas, que se encaixam
fora de uma delimitação estatal e não podem ser negligenciadas, todavia como
o livro se propõe a ser de um estado deve evidenciar a trajetória histórica deste.
No que foi discorrido até aqui pudemos refletir sobre a trajetória de
consolidação do livro didático e, sobretudo do livro didático regional de História
enquanto aporte didático-escolar, fonte e objeto de incursões históricas e
educacionais, sobressaindo sua potencialidade como artefato de investigações
acadêmicas.
Nessa atmosfera, essa parte do trabalho caracterizou seus dois pilares.
Primeiro o livro didático, objeto consolidado no processo educativo, fonte de
grandes críticas e objeto de redenção. Embora este livro tenha sido, ainda que
em um período relativamente recente, considerado objeto de pesquisas
históricas, historiciza-lo hoje é uma tarefa solidificada no universo de pesquisas
acadêmicas, não só no campo da História, mas sobretudo no campo das
pesquisas escolares.
O Segundo é a especificidade do livro didático regional de História,
partindo de seus pressupostos históricos e pedagógicos como o reconhecimento
do contexto histórico de professores de alunos enquanto instância de produção
histórica, o trabalho com a formação histórica e cultural do lugar de vivência, a
abordagem sobre as diferentes temporalidades para o desenvolvimento da
percepção de mudanças e permanências a partir de aspectos do cotidiano, o
entendimento das relações entre os processos históricos do lugar e processos
históricos de outros lugares.
Esses pressupostos congregados nas obras regionais abrem precedentes
para que possamos investigá-los como documentos que podem revelar muito
sobre o seu contexto de produção. As possibilidades de problematização são
muitas e aparecem conforme o contexto do pesquisador e as ideias de formação
54

histórica da época no qual o livro foi concebido, o que se entende por regional
na obra, como são mobilizados os saberes locais para constituir o ver e o dizer
sobre aquele lugar, temáticas específicas que supostamente possuem um lugar
privilegiado nas obras regionais, como é o caso das noções de Patrimônio
Cultural que analisamos no próximo capítulo.
Embora o livro didático seja pontuado como alvo de pesquisas históricas
e educacionais há pelo menos 30 anos, no caso do livro didático regional
podemos afirmar com tranquilidade que se faz urgente e necessário ampliar o
leque de investigações que se refiram ao tratamento deste objeto, inclusive
pensando sobre seus usos e permanência no cotidiano das aulas de História,
nos anos iniciais.
Com base nessa constatação devemos promover ainda mais o
alargamento dos campos de diálogo da História que desde os Annales preza,
dentre outras questões, por uma interdisciplinaridade e pela ampliação do
conceito de fonte. É nessa perspectiva que esta pesquisa se insere. .
Por isso, precisamos direcionar nosso olhar enquanto investigadores do
tempo e do espaço para o livro didático regional, considerando-o lugar para o
pesquisador cuidadoso fazer boas perguntas. Os livros didáticos regionais são
marcas da produção criativa da humanidade, objeto que produz uma visibilidade
e uma dizibilidade sobre algo de forma localizada. Artefato histórico, este livro
está pronto para ser indagado, cabe a nós atribuir-lhe o posto, que há muito já
deveria ter sido, de evidência histórica.
55

PATRIMÔNIO CULTURAL E ENSINO DE HISTÓRIA


LOCAL NOS ANOS INICIAIS:
PARA QUÊ TE QUERO?
CAPITULO II
56

Nesse capítulo traçamos um perfil sobre o Patrimônio Cultural em duas


frentes, primeiro contemplando tratamento acadêmico dado ao Patrimônio ao
longo do tempo, posteriormente discutindo a sua abordagem diante das
premissas do conhecimento histórico escolar local e por consequência do livro
didático regional de história.
A inserção de temáticas como a do Patrimônio Cultural no ensino de
História está alinhada aos debates atuais realizados em torno do processo
educativo, na intenção de contemplar perspectivas relacionadas a processos
identitários, à diversidade, ressignificação de tradições, preservação ambiental,
que contribuam para o atendimento as propriedades de um público que tem
acesso a múltiplos tipos de informação, fomentando novos desafios de formação
social do sujeito. O questionamento sobre estes desafios tem sido oxigenado
nas últimas décadas e se consolida na elaboração de recentes diretrizes
curriculares, planejadas consoante o panorama de construção da sociedade
hoje, além do movimento de redefinição dos objetivos da Educação, assim como
da própria História, seja ela no campo acadêmico ou no escolar.
Inseridos nessa dinâmica, nos livros didáticos estão circunscritos saberes
que são legitimados pelas diretrizes curriculares também envoltas pela tradição
escolar. A escolha destes saberes está permeada de tensões, reformulações,
insistências, resistências, ingerências, negociações administrativas, políticas e
simbólicas, fora e dentro da escola. Esses conhecimentos têm grande
importância como instrumentos de desenvolvimento cognitivo e na construção
da percepção histórica do sujeito, destacando no caso deste trabalho o
reconhecimento das especificidades locais quanto a formação histórico-cultural
e identitária na relação com os diferentes contextos com os quais convive.
Nesse sentido, os livros didáticos regionais são vetores de disseminação
do saber sobre o patrimônio contribuindo assim na construção das
representações estudantis a respeito da história do seu estado. Na tentativa de
interpretar a constituição dessas representações e dos sentidos em relação à
mediação livro-sujeito, não direcionado especificamente ao livro didático, mas
referindo-se ao livro de maneira geral, Chartier nos mostra as aproximações e
afastamentos entre o “mundo do texto” e o “mundo do leitor”. O autor aponta que
o livro e o texto nele empreendido, são dispositivos formadores de significados.
A construção de significação cria clivagens interpretativas de acordo com as
57

especificidades de quem usa os livros, dos objetivos desse uso, da leitura que
se faz e da forma como se lê.

[...] um texto estável na sua literalidade investe-se de uma


significação e de um estatuto inéditos [...]. Os que podem ler os
textos, não os leem de maneira semelhante, e a distância é
grande entre os letrados de talento e os leitores menos hábeis
[...] Contrastes, enfim, entre as expectativas e os interesses
extremamente diversos que os diferentes grupos de leitores
investem na prática de ler. De tais determinações, que regulam
as práticas, dependem as maneiras pelas quais os textos podem
ser lidos, e lidos diferentemente pelos leitores que não dispõem
dos mesmos utensílios intelectuais e que não entretêm uma
mesma relação com o escrito80.

A relação texto-leitor é mediada pelo suporte, no caso o livro impresso.


No caso dos livros didáticos muitos sujeitos estão envolvidos no processo de
concepção, fabricação, editoração e impressão dos livros, além disso, o trabalho
do professor e as expectativas/experiências dos alunos em relação aos temas
são fatores que influenciam diretamente a interpretação do que os livros trazem.
Portanto, mesmo que a obra se proponha a trabalhar uma temática, isso não
será garantia de compreensão direta ou que ela será interpretada da maneira
que o autor supôs. Disso deriva o que Chartier 81 chama de construção de
variedades interpretativas.
Os livros didáticos regionais de História apresentam vários temas, dentre
eles escolhemos analisar especificamente as abordagens pertinentes ao
Patrimônio Cultural por entendê-lo como criação do processo histórico, inserido
numa dada região, produzido, material ou alegoricamente, pela ação dos grupos
sociais através das atuações da tradição, da memória ou das forças simbólicas
que o constroem enquanto representações.
Podemos dizer que o Patrimônio Cultural constitui-se em um legado de
cunho étnico, natural, cultural, social, material, imaterial, atrelado a um lugar
específico e a uma temporalidade, denota as transformações pelas quais as
sociedades passaram ao longo do tempo, a partir do olhar do presente. O
patrimônio se caracteriza essencialmente pela carga simbólica que o
acompanha, ele é um artifício de legitimação da história e da cultura de um lugar

80
Idem.178-79.
81
Idem.
58

que lega criações históricas, produtos de experiências particulares de homens e


mulheres no seu contexto e tempo de vivência.
Esses vestígios possuem relevância por serem representantes da
formação da história de um lugar, assumindo também um espaço privilegiado no
encadeamento da constituição do conhecimento histórico na esfera escolar.
Na análise da perspectiva escolar é necessário assumir pressupostos
básicos para a interpretação desse Patrimônio Cultural hoje, na intenção de que
seja possível explicitar o nosso ponto de partida interpretativo em relação a ele.
Nesse intento, o discorrido a partir daqui buscará dialogar, em um espaço de
fronteira, com os campos da História e da Educação para responder as seguintes
questões: De que forma as abordagens acadêmicas delinearam as perspectivas
de compreensão do significado do Patrimônio ao longo do tempo e como elas
contribuíram na formulação do que entendemos como Patrimônio Cultural, hoje?
Como o tratamento pedagógico dado ao Patrimônio pode fazer parte do Ensino
de História Local para crianças e jovens?

2.1 Sobre a trajetória de construção sócio-histórica do Patrimônio

As formas de pensar o Patrimônio Cultural foram ampliadas e


modificadas ao longo do tempo. Nesse movimento de transformação é possível
destacar a construção da ideia do estado-nação, as mudanças na perspectiva
dos estudos históricos de forma intensa nos séculos XIX e XX e a percepção da
cultura e da representação enquanto intrínsecas a construção histórica, sendo
decisivas para a formação da ideia contemporânea de Patrimônio Cultural,
discutida aqui.
Reconhecemos o trabalho do conhecimento histórico escolar, a partir da
ampliação do sentido do Patrimônio Cultural na direção de problematização de
temáticas históricas enquanto dimensões da aprendizagem necessária à
formação cidadã. Esse alargamento aconteceu principalmente em consequência
das discussões sobre a quebra de arquétipos que caracterizavam a História
enquanto disciplina escolar, compreendida por muito tempo como conhecimento
pronto, indelével, inalcançável. Conhecer esse movimento é importante e nos
insere nos debates sobre a construção da noção de Patrimônio Cultural no elo
de suas abordagens histórica e pedagógica.
59

A construção conceitual do Patrimônio é gestada em vários campos. Do


século XV ao XVII, grosso modo, os “objetos de preservação” ou antiguidades
estavam sob forte tutela de antiquários e influência da igreja, interessava a
colecionadores, arquitetos, escultores e humanistas europeus.
Nos séculos XVIII e XIX iniciam-se as ações de salvaguarda mais
institucionalizadas de cunho estatal, orientadas por burocratas, engenheiros,
escritores, artistas e intelectuais. É sintomático observar que nessa época “o
interesse dos historiadores pelas antiguidades entrou em extinção. Ocupados
com a história política e das instituições, visando construir a história nacional os
historiadores voltaram-se para os textos e para os documentos escritos 82”. Essa
ausência fez com que durante muito tempo as expressões patrimoniais tivessem
o seu valor de formação histórica suplantado, em prol de uma contemplação
estética.
A participação de historiadores nas ações sobre o patrimônio só acontece
de maneira efetiva a partir da redefinição proposta pela História das
Mentalidades e ampliada pela História Cultural, onde foram ampliadas as formas
de interpretar as fontes, os conceitos, e de construir a narrativa histórica de
acordo com o tempo, espaço e motivações inserindo múltiplos elementos dos
quais destacamos o patrimônio como objeto de leitura histórica para além da
contemplação.
Nesse contexto, foi importante o deslocamento do conceito de cultura no
sentido antropológico, o que contribuiu sobremaneira na forma como os
historiadores passaram a compreender a construção da História. Mesmo com a
expansão da noção de patrimônio na História, a atuação de historiadores na
formulação de premissas e amparos legais de proteção deste até hoje acontece
em sincronia com outros profissionais da arte, da arquitetura, da engenharia,
dentre outros.
Por isso, a noção de Patrimônio Cultural é tida como caótica83, pois ela se
relaciona com sentidos arquitetônicos, artísticos, antropológicos, sociológicos,
históricos, culturais. Portanto, a definição que se usa deve ser delimitada junto
ao campo de interpretação que se destina. Assim, sua nomenclatura também

82
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal
de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.p .61.
83
Idem.
60

esteve em paralelo às mudanças na própria natureza da produção do


conhecimento sobre o Patrimônio e nesse sentido, ao longo do tempo, ele foi
nomeado de diversas formas: Patrimônio, Patrimônio Histórico, Patrimônio
Artístico, Patrimônio Histórico-Cultural, Patrimônio Cultural84.
A categorização do Patrimônio como uma expressão de conceito e
definição pública aparece no século XVIII, se consolida no contexto da
Revolução Francesa, que exigia para ele uma função de legitimação da história
gloriosa da nação, destacando os seus monumentos históricos, as obras de arte
eruditas, a figura dos heróis elitistas. Nesse período o Estado resolve preservar
seus símbolos de guerra e manter edificações que simbolizavam a vitória sobre
o antigo Estado Absolutista para mostrar às próximas gerações o triunfo francês.
Assim, pretendia-se que os signos das antigas vitórias permanecessem no
presente, com designações hierárquicas, enaltecedoras do período histórico por
eles representado.
Nesse processo há de se destacar duas passagens pontuais. A primeira,
indica que para que houvesse o reconhecimento de alguns bens considerados
patrimônio, outros deixaram de sê-lo, salientando que os bens preservados eram
os de interesse do Estado. Logo, muitas expressões históricas representantes
da história do Antigo Regime e também da história do povo francês foram
suprimidas a favor da manutenção da memória do vencedor, o que Choay 85
chama de “destruição ideológica”.
A segunda, diz que após a consolidação do pensamento sobre o
patrimônio, houve o movimento de transferência dos bens do clero e da
monarquia para os comitês do governo francês, com a elaboração em caráter de

84
Hoje, Patrimônio Cultural é o termo adotado nos estudos culturais, em essência por classificar
os objetos e problematizações históricas que podem ser inseridas no âmbito das expressões dos
saberes vivos, manifestações culturais, artefatos materiais, monumentos, modos de fazer
específicos, religiões entre outras expressões, o que não fora contemplado em interpretações
pretéritas. Portanto, para não incorremos em anacronismos, deixamos claro que ao cunhar
“Patrimônio” ou “Patrimônio Cultural”, neste texto, nos referimos a uma concepção
contemporânea. Seguimos essa tendência também a partir do que determina a Constituição
Federal de 1988 quando assume a prerrogativa de incluir no conjunto classificado como
“Patrimônio Cultural”, no artigo 216, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as
criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e
demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
85
CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: UNESP, 2003.
61

urgência de formas de resguarde desses bens de natureza heterogênea, pois se


tratavam de bens móveis e imóveis.
A intenção do governo de Napoleão era preservar os monumentos
históricos e abrigar os bens móveis em lugares estratégicos, abertos ao público,
os chamados museés ou museus.

A origem dos museus na França está associada a fatores como


a demanda por abertura das coleções renascentistas,
principalmente de pinturas e esculturas, restritas aos
colecionadores prelados, cortesãos, juristas, eruditos, artistas,
príncipes e monarcas, e o museu se coloca como um herdeiro
dos “gabinetes de curiosidades”. Na Itália, por sua vez, é
desenvolvido outro elemento fundador de uma “cultura do
museu” que são as ações políticas e a definição de uma
legislação de proteção ao patrimônio, para assegurar ao museu
o lugar de “conservação e comunicação” desse patrimônio
artístico, agora, de interesse público. Na Alemanha, as origens
dos museus estão associadas à abertura das coleções privadas
e à reivindicação de um lugar para essa produção no discurso
universal da arte.86

A ideia era fomentar uma prática que fizesse dos museus lugares
sacralizados, capazes de transmitir valores e símbolos representantes de
épocas passadas, que despertassem nos grupos sociais sentimento de pertença
e identidade em relação às nações “recém-nascidas”, dessa forma já era nutrida
uma noção de representação87. Na França, o Antigo Regime já concebia essa
ideia, associando-a ao patrimônio através de práticas memorialísticas, fazendo
da imagem do objeto, do lugar ou do monumento uma memória e uma figuração
de algo que tentava ser tal qual como foi concebido, como sem clivagens.
Dessa forma, forjou-se o patrimônio edificado e o museu como espaço de
cristalização e simbologia atemporal, num caráter de representação, idealizando
artefatos capazes de simbolizar glórias e vitórias a fim de oxigenar e fortalecer o
sentimento de respeito e submissão ao Estado. O processo de ostentação dos
signos da arte e da história gloriosa, portanto, aparece permeado de intenções
que nos levam a elaborar determinadas representações. A idealização dos
museus, a proteção dos monumentos históricos e a formatação do pensamento

86
SEABRA, Elizabeth. Visitas de estudantes a museus: formação histórica, patrimônio e
memória. 2012. 215f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2012. p.45.
87
Para não sermos anacrônicos, essa é uma interpretação contemporânea da prática exercida
na época.
62

em relação ao que seria o patrimônio culminam em um projeto de perpetuação


de uma história ideal.88
As expressões patrimoniais enquanto registros de um passado glorioso
ao serem preservadas permitiriam, em tese, a conservação de uma memória
diante de um futuro incerto. Não se sabia como seria o amanhã, mas o
patrimônio preservado estaria lá, era a segurança em relação à continuidade da
memória. Isto posto, é a França oitocentista o berço da produção da noção inicial
de patrimônio, das primeiras intervenções preservacionistas de caráter cívico-
nacionalista.
Ao longo do século XIX alguns intelectuais, mesmo de maneira elementar,
começam a perceber a relação do patrimônio com a questão cultural. A pouca
discussão sobre a correlação entre cultura e patrimônio nessa época se justifica
muito em função da noção de cultura empreendida e do trabalho memorialístico
realizado pelo Estado Nacional.
Nesse contexto, a Revolução Industrial surge como um fenômeno que
modifica a lógica da experiência de vida artesanal, com rupturas importantes na
forma do sujeito ver e perceber o mundo. Essas rupturas começam a contrapor-
se ao passado memorável, pois “este era um passado irremediavelmente
perdido, e só através da memória afetiva, da sensibilidade estética, era possível,
de algum modo, revivê-lo.89” Os monumentos, à vista disso, são incorporados
com maior ênfase à esfera artística, sem perder a ideia de “marcas do passado”.
Essas ações foram essenciais para o deslocamento, a ampliação e a
constituição do entendimento contemporâneo sobre expressões patrimoniais. As
modificações de contexto social, cultural e científico nas quais estão envoltas a
própria maneira de pensar a epistemologia do conhecimento histórico, ajudaram
a repensar e alargar a noção do que seria patrimônio, as formas de leitura,
vivência e apropriação deste.
No século XX podemos falar de um movimento de democratização do
patrimônio, no qual floresce a ideia de descentralização da atuação do Estado
sobre ele. O Estado deixa de ser o único responsável pela sua definição, sendo
dilatada a noção de “direitos culturais”. Não somente a nacionalidade como

88
CHOAY, Françoise. Op. cit.
89
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal
de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. p.61.
63

expressão de uma identidade política é a representação dos estados nacionais.


A cidadania aparece como uma prerrogativa para o status de nação, fundados
ainda nos emblemas da Revolução Francesa:

Direitos políticos (de primeira geração, fundados no valor da liberdade);


direitos econômicos sociais e culturais (de segunda geração, fundados
no valor da igualdade); e direitos de solidariedade (de terceira geração,
fundados no valor da fraternidade)90.

Essas discussões passam a fazer parte das pautas das políticas


internacionais com o reconhecimento da atenção necessária as demandas de
formação cultural como o direito a educação como bem comum na Declaração
dos Direitos do Homem, na ONU, em 1948. Nesse debate, o patrimônio deixa de
ser pensado como instrumento a serviço da formação de uma memória nacional
elitista e toma o caminho da reflexão sobre todo o fazer humano 91, inclusive o
que se refere aos processos de fomento à educação.

Resumindo, se a emergência da noção de patrimônio histórico e


artístico nacional se deu no âmbito da formação dos Estados-
nações e da ideologia do nacionalismo, sua versão atual,
enquanto patrimônio cultural, indica sua inserção em um
contexto mais amplo – o dos organismos internacionais – e em
contextos mais restritos – o das comunidades locais. Nesse
sentido, nas duas últimas décadas essa noção foi
ressemantizada, extrapolou o seu domínio tradicional, o dos
Estados Nacionais, e passou a envolver outros atores que não
apenas os burocratas e intelectuais. 92

Para isso foi fundamental deixar concepções que entendiam a cultura


como sendo privilégio da classe dominante. O uso do termo cultura na França
ainda é bem discreto até a Segunda Guerra Mundial, sendo caracterizado até
então pela perspectiva de cultura letrada, cultura geral ou ainda cultivando a
segregação cultura erudita X cultura popular, supervalorizando uma em
detrimento da outra.
Nos trabalhos e definições acerca do patrimônio o vocábulo cultura só se
difunde mais especificamente a partir dos anos 1960 e não significa apenas uma
mudança semântica, mostra que o próprio patrimônio passa a se tornar relevante

90
Idem, p. 72.
91
Idem.
92
Idem p. 75.
64

não somente enquanto representante de uma designação histórica homogênea.


Assim, cultura deve ser entendida como um processo de construção simbólica
que dá sentido à realidade, elemento permeado por meandros e conflitos, por
brigas de espaço simbólico, como “um conjunto de significados partilhados e
construídos pelos homens para explicar o mundo93”, num processo contínuo de
mudança histórica. Entendendo dessa forma, história e cultura são reconhecidas
como estruturas da compreensão sobre uma sociedade.
Nesse contexto de mudança floresce a ideia de que nossa produção como
“sujeitos de cultura” não está expressa apenas no saber formal ou culto, no
patrimônio como representante de uma história nacional, nos documentos
oficiais, nas expressões de belas artes ou nos monumentos preservados.
Também fazem parte da nossa produção histórico-cultural as tradições e os
modos de caracterizar os conhecimentos passados de geração em geração,
sendo características fundamentais para a constituição do nosso patrimônio.
Mencionando um recorte temporal é interessante marcar que na década
1970 no mundo ocidental e no Brasil a partir de 1980 ascende um intenso debate
sobre o que se caracterizaria como Patrimônio Cultural, destacando-se as
perspectivas atuais das quais emanaram definições e diferenciações em relação
ao que se intitulou de Patrimônio Imaterial.
A ideia de Patrimônio Imaterial está associada ao reconhecimento dos
bens culturais representados nos conhecimentos característicos das
singularidades locais, o que não era claramente definido. A influência da
UNESCO foi fundamental para difundir a valorização do imaterial e para fomentar
políticas públicas de preservação patrimonial também nesse âmbito. Esse
pressuposto parte da ideia de que existem saberes tradicionais cotidianos que
carecem de ser assinalados e protegidos enquanto bens imateriais ou
intangíveis de um lugar.

Este movimento vem conferindo estatuto novo a manifestações


culturais que antes eram consideradas restos ou vestígios de
antigas formas de organização social já desaparecidas ou em
vias de desaparecimento. De “coisas do folclore” ou “simples
curiosidades do passado”, tanto os “conhecimentos tradicionais”
quanto as “manifestações culturais” das chamadas “populações

93
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2ª Edição. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005. p.15.
65

tradicionais” adquiriram novo status, tonando-se objetos de


políticas de preservação na condição de patrimônios locais,
nacionais e até mesmo universais.94

Esse novo aspecto de valorização do singular em grande parte vem à tona


diante das mobilizações promovidas pela sociedade, principalmente no que diz
respeito a compreender o Patrimônio Cultural como expressão da cultura e
atender as urgências das reivindicações de grupos sociais historicamente
marginalizados pela história “oficial” e consequentemente, por uma determinada
compreensão de cultura.
A ampliação da noção de cultura foi determinante para reconfigurações
teórico-metodológicas na produção do conhecimento histórico, que contribuíram
para novas interpretações do Patrimônio Cultural. Nesse perfil de compreensão,
o patrimônio passa a ser interpretados, em essência, através das clivagens
culturais que se aproximam das análises de um universo de disputas simbólicas,
consolidação ou refutação de valores, concepções de mundo, que envolvem
também o entendimento do que é História e como ela é produzida, observando
os limites e as possibilidades desse fazer.
Referimo-nos assim ao poder que a interpretação do Patrimônio Cultural
possui de criar imagens, solidificar conceitos, produzir representações, criar vida,
segundo seus “documentos”, envolvidos em uma série de intencionalidades.
Para isso, precisamos considerar vários caminhos possíveis. Um deles é
tentar compreender os sentidos que os sujeitos atribuem aos engendramentos
do mundo. Estes são percebidos e ressignificados tornam-se base das
“representações coletivas como as matrizes de práticas construtoras do próprio
mundo social95”, inclusive atribuindo significado ao Patrimônio Cultural. Essa
forma de apreensão acontece no movimento de ler o mundo, ato inerente ao ser
humano enquanto um caçador de sentidos. Os signos, objetos da leitura de
mundo, são forjados em experiências e trocas intelectuais cheias de
incompreensões, silêncios e conflitos que, ainda assim, produzem

94
ABREU, Regina. A patriamonialização das diferentes: usos da categoria “conhecimento
tradicional” no contexto de uma nova ordem discursiva. In. BARRIO, Ángel Espina; MOTTA,
Antônio; GOMES, Mário Hélio. Inovação Cultural, Patrimônio e Educação. Recife:
Massangana, 2010, p. 65-6.
95
Idem, p. 183.
66

transfigurações multilaterais, recebem significado e são ressignificados a todo o


momento.
Destarte, a relação signo e significado – constituintes da representação –
não é uma relação direta.

A relação de representação – entendida como relação entre uma


imagem presente e um objeto ausente, uma valendo pelo outro
porque lhe é homologa – traça toda uma teoria do signo e do
pensamento clássico, elaborada em sua maior complexidade
pelos lógicos de Port-Royal. Por um lado, são essas
modalidades variáveis que permitem discriminar diferentes
categorias de signos (certos ou prováveis, naturais ou
instituídos, aderentes a ou separados daquilo que é
representado, etc.) e caracterizar o símbolo por sua diferença
com outros signos. Por outro lado, ao identificar as duas
condições necessárias para que uma tal relação seja inteligível
(ou seja, o conhecimento do signo como signo, no seu desvio
em relação a coisa significada, e a existência de convenções
regulando a relação do signo com a coisa), a Lógica de Port-
Royal propõe termos de uma questão fundamental: a das
possíveis incompreensões da representação, seja por falta de
“preparação” do leitor (o que remete às formas e aos modos de
inculcação das convenções), seja pelo fato da “extravagância”
de uma relação arbitrária entre o signo e o significado (o que
levanta a questão das próprias condições de produção das
equivalências admitidas e partilhadas)96.

A decifração dos códigos ou signos, mesmo não sendo compreendida


necessariamente na relação direta entre signo visível e significado referente,
marca a identidade do grupo ao qual pertence e produz diferentes formas de
representação sobre os conhecimentos em relação ao mundo situados em seu
contexto histórico. Podemos dizer que essa percepção contribuiu de forma
efetiva para o alargamento da noção de Patrimônio Cultural, principalmente
quando a partir do entendimento sobre representação podemos compreender
que nem toda expressão patrimonial forjada para representar algo diz da
representação daquilo que se propôs. Para que essa representação seja
entendida, diretamente ou não, há uma rede de significados inerente aos
sujeitos, influenciando na forma como essas representações serão entendidas.
No sentido etimológico a palavra representação, segundo o dicionário,
denota “Ato ou efeito de representar; exposição, exibição; ideia que concebemos
do mundo ou de uma coisa; reprodução por meio da escultura, da pintura, da

96
Idem, p. 185.
67

gravura: representação de uma batalha97”. Assim o ato de representar significa


em outras palavras mencionar algo através de um signo, apresentar algo através
de significado simbólico de uma linguagem, ou o que poderíamos chamar de
presença do ausente. Percebe-se a construção das representações através de
um processo dinâmico de trocas sócio-intelectuais.
As representações são modelos de entendimento do mundo, atribuem
significado às interpretações cotidianas do orbe simbólico a partir dos quais
nossas práticas são entendidas98. Nesse sentido, a representação é então um
trabalho de classificação e de delimitação produzida nas configurações
intelectuais múltiplas, por meio das quais a realidade é contraditoriamente
construída. Para Chartier99, a compreensão do espaço vivido é estruturada
conforme a inteligibilidade atribuída a ele pelos grupos sociais, através da
mobilização de contornos intelectuais.
Embora, a representação não seja um produto social pronto, ela se
constitui no universo pragmático da existência humana, em um campo de
concorrências constituídas na individualidade e na coletividade dos sujeitos.
Nesse sentido, ela não é o reflexo tal e qual do apresentado, mas o resultado de
divergências e interferências culturais constituídas com base em um conjunto de
forças alegóricas que ecoam e constituem as práticas sociais. A ressignificação
dessas práticas, a partir das apropriações, constitui o que Chartier classifica
como representação.
Os estudos de representação nascem em consequência da inquietude de
um grupo francês, tendo Roger Chartier como principal expoente, em relação à
História Cultural francesa, datada entre as décadas de 1960 e 1970. Mesmo
contemplando o vigor teórico do campo da pesquisa histórica desta época, o
grupo admite as dúvidas, interrogações e limitações dessa História, fazendo
disso mote para a ampliação e implementação de um novo projeto intelectual
histórico.
Dai a emergência de novos objetos no seio das questões
históricas: as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os
comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as
relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as
modalidades de funcionamento escolar, etc. – o que

97
http://www.dicionariodoaurelio.com/represetacao
98
CHARTIER, Roger. Op.Cit. 2002.
99
Idem, p. 17.
68

representava a constituição de novos territórios do historiador


através de anexação de territórios dos outros. [...] As
características próprias da história cultural assim definida, que
concilia novos domínios de investigação com a fidelidade aos
postulados da história social, eram como que a tradução da
estratégia da própria disciplina, que visava a apropriação de uma
nova legitimidade científica, apoiada em aquisições intelectuais
que tinham fortalecido o seu domínio institucional. 100

É preciso salientar também que a produção de representações está


atrelada as formas de socialização do sujeito, as suas atitudes e crenças,
definidas na relação do indivíduo com o mundo, criadas também no ambiente
escolar. Nesse sentido, destacamos a produção de representações sobre
produções históricas passadas que por algum motivo despertam as
sensibilidades dos sujeitos se fixando mais que outras, conseguindo um lugar
perene nas suas lembranças, ou seja, a produção de memórias a partir da
retenção do descontinuo do continuo cotidiano 101.
Assim, a memória é uma instância de seleção construída a partir de
perspectivas individuais e coletivas dos sujeitos, imune a um ceticismo científico,
nascida do movimento de esquecer e lembrar, manipulável, que acontece no
presente, para o presente102, contribuindo para a criação dos sentidos
particulares atribuídos aos objetos no mundo, dentre eles os Patrimônios
Culturais. É motivada nos sentidos afetivos atribuídos as pessoas, aos lugares e
as coisas, constituintes de práticas que compõem suas identidades. Em
associação, identidade e memória vão balizar o entendimento que o sujeito
produz a respeito do lugar onde vive e do contexto histórico do qual faz parte,
além de contribuir para o desenvolvimento do sentimento de pertença e de
inclusão em determinado grupo.
Apoiamo-nos em Nora103 para dizer que a emergência do trabalho com as
memórias hoje acontece em face ao esgotamento de um quadro político gestado
na quebra das grandes ideologias, na ascensão e declínio de regimes
autoritários e decadência de certezas históricas, ainda no afundamento de uma

100
Idem, p. 14-5.
101
HORTA, Maria de Lourdes Parreirais. PRIORE, Mary Del. Memoria, Patrimônio e Identidade.
In. BRASIL Memoria, Patrimônio e Identidade. Brasília: Ministério da Educação, Boletim 04,
2005.
102
NORA, Pierre. Op. cit.
103
Idem.
69

memória coletiva inquestionável, onde cresce o reconhecimento da contribuição


de múltiplos grupos sociais na composição histórica dos lugares, fazendo-se
reconhecer também, além da produção de múltiplas memórias, múltiplas
identidades104.
Outro fator apontado pelo autor é a aceleração da vida moderna, que
evidencia cada vez mais a fragilidade dos processos identitários e
memorialísticos hegemônicos. Vivemos hoje um período de deslocamento da
memória, onde passa a existir flutuações nas relações do sujeito com o tempo,
de fragmentação do passado, valorização do presente e insegurança sobre o
futuro.

Paradoxalmente, a distância exige a reaproximação que a


conjura e lhe dá, ao mesmo tempo, sua vibração. [...] A perda de
um princípio explicativo único precipitou-nos num universo
fragmentado, ao mesmo tempo em que promoveu todo objeto,
seja o mais humilde, o mais improvável, o mais inacessível, à
dignidade do mistério histórico105.

Junto à ruptura de memórias temos a promoção de escopos memoriais,


iniciativas que visam unir as sociedades contemporâneas partindo de artifícios,
experiências históricas e/ou espaços nos quais tais grupos possam encontrar
perspectivas históricas que os unam. Dessas iniciativas derivam o que Nora
chama de “lugares de memória”.
Os lugares de memória para o autor são sujeitos, espaços ou artefatos
que contribuem para a cristalização, compartilhamento e a transmissão de
sentidos relacionados a experiências histórico-culturais próprias de determinado
grupo. São produzidos com a intenção de causar ressonância dessas
experiências na vida dos sujeitos, na tentativa de restituí-los da memória coletiva,
uma vez que dela não fazem mais parte.

Lugares, portanto, mas lugares mistos, híbridos e mutantes,


intimamente enlaçados de vida e de morte, de tempo e de eternidade:
numa espiral do coletivo e do individual, do prosaico e do sagrado, do
imóvel e do móvel. Anéis de Moebius enrolados sobre si mesmo.
Porque, se é verdade que a razão fundamental de ser em um lugar de
memória é parar no tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento,
fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o material

104
HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
105
NORA, Pierre. Op. cit. p. 19.
70

para – o outro é a única memória do dinheiro – prender o máximo de


sentido num mínimo de sinais, é claro e é isso que os torna
apaixonantes: que os lugares de memória só vivem de sua aptidão
para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no
silvado imprevisível de suas ramificações106.

Na construção simbólica desse Patrimônio há uma relação muito estreita


entre identidade e memória. É válido salientar que, assim como identidade, a
memória faz parte de um contexto de negociação simbólica de perspectivas
ideológicas, acionadas por acontecimentos (pessoal ou coletivo), personagens
ou pessoas e lugares (espaços particularmente ligados a uma lembrança), estes
são vetores de ativação da memória107.
O trabalho com lugares de memória acontece exatamente para tentar
suprir as lacunas diante da incredulidade nas memórias e identidades
engessadas. Essa definição tem êxito por partir do princípio da multiplicação das
suas estratégias testemunhais, isto é, a criação relacionada a memórias diversas
tem sido cada vez mais evocada. A produção democratizada do Patrimônio
Cultural local aparece nesse cenário.
Nesse movimento atual de construção simbólica do Patrimônio Cultural
são criadas e compartilhadas experiências que constituem as identidades e as
memórias das pessoas. O grande desafio dos estudiosos e dos debates
contemporâneos em relação ao Patrimônio é o estabelecimento de contornos
que contemplem a noção patrimonial junto à representação, reconhecendo a sua
interpretação em diferentes clivagens culturais e a sua construção perante
múltiplos grupos étnicos-culturais.

2.2 Premissas para o Ensino de História Local e o tratamento pedagógico


do Patrimônio Cultural

O tratamento pedagógico reservado ao Patrimônio Cultural no ensino de


História, e mais precisamente nas obras didáticas regionais, deve estar
direcionado a contemplar as expectativas de aprendizagem do conhecimento
histórico para os anos iniciais, público para o qual essas obras são destinadas.
Nesse sentido, precisamos pensar a dimensão e o significado do trabalho com

106
NORA, Pierre. Op. cit. p.23
107
POLAK, Michael. Memória e Identidade. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10,
1992, p. 200-212.
71

a temática patrimonial observando a que finalidades ele deve atender, ou seja,


sobre o que se propõe o conhecimento histórico escolar para esse nível.
As obras regionais contemplam o ensino de História Local/Regional e, por
conseguinte, espera-se que dediquem espaço à discussão sobre o Patrimônio
Cultural do estado a que se referem, no nosso caso, Pernambuco.
A abordagem de temáticas locais se situa no contexto de renovação
historiográfica remetido especialmente ao final da década de 1980 108. Não que
esse tipo de conhecimento não fosse antes trabalhado, mas ele passa a existir
sobre novas bases.
A partir de então as propostas de ensino de História Local vem se
distanciando de narrativas apenas políticas ou de cunho folclórico e tem se
situado no trabalho com as identidades locais, com a memória mais próxima do
aluno nas suas experiências e de seu grupo social, fugindo de dicotomizações
hierárquicas ou de polarizações e padronizações culturais.
Diante dessas afirmações, para pensar o conhecimento histórico escolar
local questionamos: O que significa aprender e ensinar história local nos anos
iniciais? Tendo sido a história local contemplada por um livro didático específico,
qual a significância da abordagem do conhecimento sobre o Patrimônio Cultural
do estado de Pernambuco para os anos iniciais da escolaridade básica partindo
do livro regional? Como o trabalho no livro regional com o Patrimônio Cultural do
estado pode contribuir para o atendimento das demandas educacionais para o
ensino de história nesse nível?
Cooper109 e Cainelli110 concordam que, para um ensino de História
significativo, é preciso explicitar para os alunos que relevância histórica os temas
de ensino possuem para eles, desenvolver atitudes de respeito e tolerância a
partir do trabalho com identidades e diversidades, sem esquecer a relação da
História com as demais disciplinas. Assim, ensinar História nos anos iniciais não
significa despertar o interesse pelo passado apenas, mas “proporcionar à criança

108
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de História Local e os desafios da consciência
histórica. In. MONTEIRO, Ana Maria, GASPARELLO, Arlette Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo
de Souza. (Org) Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad x
FAPERJ, 2007.
109
COOPER, Hillary. Ensino de História na Educação Infantil e Anos Iniciais: Um guia para
professores. Curitiba: Base Editorial, 2012.
110
CAINELLI, Marlene. Educação Histórica: perspectivas de aprendizagem da história no
ensino fundamental. Ver. Educar, Especial. Curitiba: UFPR, p. 57-72, 2006.
72

possibilidades de dialogar com o passado através das vozes e vestígios que o


tempo multifacetado permite” 111.
Ensinar História nesse nível de ensino denota a promoção do fascínio pelo
presente a partir do passado que lhe permeia, significa compreender e ler os
sentidos que o mundo tem a partir da interpretação das mudanças sociais, da
transição das experiências culturais, da percepção que há entre diferentes povos
e experiências históricas que produzem diferentes memórias e identidades, do
estabelecimento de parâmetros para análise da historicidade dos sujeitos, dos
tempos, dos objetos.
O ofício do professor ao trabalhar com o conhecimento histórico local nos
anos iniciais é utilizar materiais didáticos e organizar estratégias de
aprendizagem para mediar um conhecimento que contribua para o aluno
conceber a sua experiência como uma produção histórica, o seu crescimento
físico-intelectual como marco temporal, conhecer as histórias tradicionais do seu
lugar de outras épocas, recriar tais histórias. Portanto, ensinar História para os
anos iniciais significa oportunizar condições para que o aluno visualize na própria
existência possibilidades de interpretação do passado.
Essas são premissas contemporâneas. Ao longo do tempo a trajetória do
ensino de História nos anos iniciais foi fortemente marcada por uma suposta
“impossibilidade” das crianças em apreender conhecimentos abstratos, de
desenvolver saberes relacionados a um passado intangível112. Essa afirmativa
está ligada às perspectivas sobre aprendizagem derivadas do pensamento
piagentiano, produzidas, não só, mas com mais afinco em meados da década
de 1980113, e que foram interpretadas para servir por muito tempo de justificativa
para efetivação do ensino de História apenas a partir do segundo ciclo.
No Brasil, o contexto histórico do final da década de 1980 é caracterizado
por uma forte transição política – da ditadura ao regime democrático.
Sobressaiam-se nessa época, além das perspectivas epistemológicas da
perspectiva piagentiana, os debates sobre a insuficiência da aprendizagem do
conhecimento histórico nas bases da disciplina de Estudos Sociais, discutindo-
se sua retirada do currículo para o retorno da disciplina de História, tendo sua

111
Idem, 70-71.
112
Idem.
113
Idem.
73

obrigatoriedade eleita mais tarde (1996) para os anos iniciais da escolarização


básica.
A ideia de que as crianças eram impossibilitadas de abstrair uma forma
de conhecimento histórico faz parte também de uma perspectiva metodológica
que equacionava o ensino a partir do conhecimento do passado com fim em si
mesmo, na ascensão de determinados personagens, de cunho narrativo-
memorialístico, sem prezar pelo caráter contínuo do processo de formação
histórica, desenhando-o como finito. Esse desenho fez por muito tempo a
História escolar ter sua prática orientada através da “memorização de fatos,
datas e nomes que podem ser esquecidos tão logo [fossem] demonstrados nas
avaliações escolares”. 114
Temos hoje um outro caminho. As orientações curriculares atuais sobre o
ensino de História nos anos iniciais assumem um caráter multidisciplinar. Tanto
as diretrizes do ensino como as investigações acadêmicas sobre conhecimento
histórico escolar consideram não só aspectos da psicologia, mas também da
cultural local, da antropologia, da neurociência, da sociologia115. Essa tendência
acontece muito face à dinamicidade do processo de aprendizagem hoje,
engendrado de forma intensa, contínua e multifacetada. A superação da
interpretação de que crianças não apreendem o conhecimento histórico é uma
tarefa consolidada, fundamentada a partir de novas perspectivas de aluno, do
professor e do próprio código disciplinar da História, que fortalecem a presença
da História Local/Regional nos anos iniciais.
Segundo Cooper116 as crianças desenvolvem e possuem conhecimentos
sobre o passado, mesmo que de forma fragmentada e não mediada
sistematicamente pela escola. Em pesquisa realizada pela autora com crianças
de 6 a 10 anos em países da Europa, ela percebeu que as crianças relatavam
conhecimentos do passado de pessoas da sua família com as quais tiveram
algum tipo de experiência mais próxima.

114
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. CAIMI, Flávia Eloisa. A História ensinada na escola:
É possível pensar/agir a partir do todo? Campo Grande: Revista Interações, v15, n.1, p. 89-
99, jan/jun. 2014.
115
Idem.
116
COOPER, Hillary. Aprendendo e Ensinando sobre passado de três a oito anos. Educar,
Especial, UFPR p 171-190, 2006.
74

Em suas vivências extraescolares as crianças estão inseridas em


contextos que discutem diferentes noções e aspectos da formação histórica,
como, por exemplo, sobre tempo – ao recordar de quando eram bebês, quando
conversam sobre a vida das pessoas mais velhas do seu grupo de convívio,
quando organizam uma narrativa com sequência temporal de eventos do seu
cotidiano – quando são apresentadas às fontes – ao observar fotografias,
quadros, canções, relatos orais117 – ou ainda quando dialogam com o patrimônio
local – ao participar de uma prática religiosa em um espaço que podem, tanto a
prática como o lugar, ser considerados expressões históricas patrimoniais do
lugar onde a criança vive, quando escutam, ressignificam e transmitem contos
locais, quando manipulam objetos de arte que caracterizam grupos sociais
específicos.
Ao passo que as crianças conseguem organizar oralmente uma
sequência lógica de ações, apontando o papel dos sujeitos, seja no reconto de
uma história fictícia ou na organização do que aconteceu no seu dia, é possível
estabelecer e demonstrar valores culturais, temporalidades e espacialidades
distintas indispensáveis à formação do conhecimento histórico.

É no tempo e no espaço vividos que são ancoradas as suas


primeiras percepções do mundo e também suas primeiras
referências acerca da história. Assim, as propostas de história
para tais níveis tomam como ponto de partida os saberes dos
estudantes e da cultura escolar, fazendo-os dialogar com os
fragmentos de memória da comunidade para se aproximar da
história viva, vivida.118

Tais informações reforçam que as crianças são familiarizadas e aptas a


aprender as noções do conhecimento histórico. Nesse caso é interessante frisar
a importância da sistematização dessas informações e a necessidade de
organização dos objetivos e conteúdos do ensino de História, contemplando em
essência a formação dos alunos a partir das suas próprias experiências
históricas e o seu contexto de vivência.
Observando as orientações dadas por documentos, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997) para os anos iniciais já anunciavam o

117
Idem.
118
CAIMI, Flávia Eloisa. Meu lugar na história: de onde eu vejo o mundo? In. OLIVEIRA, Margaria
Maria Dias. História: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2010, p. 71 (Coleção Explorando o Ensino v. 21)
75

entendimento de que a construção do conhecimento histórico escolar para esse


nível se dá, dentre outras coisas, através do diálogo entre elementos do passado
que estão no nosso cotidiano, do conhecimento e questionamento das
mudanças e permanências de cunho social, cultural, econômico e político
empreendidas na comunidade do aluno, sem negligenciar outras esferas
históricas.
Nessa esteira, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica (2010) indicam que as propostas curriculares devem articular
os conhecimentos historicamente acumulados por homens e mulheres ao longo
do tempo com as vivências e saberes dos sujeitos de hoje, a fim de contribuir
para a construção das identidades dos alunos. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos (2010) orientam que os
alunos sejam entendidos como sujeitos históricos com modos de vida e
experiências socioculturais próprias.
O documento atual que deve orientar o ensino de História no estado de
Pernambuco, os Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco
– História (2013), entra em consonância com a perspectiva de ensino anunciada
nos documentos curriculares de nível nacional elaborados anteriormente. Para
os anos iniciais, os Parâmetros de Pernambuco para o ensino de História
organizam expectativas do que o aluno deve aprender na escola a partir dos
núcleos conceituais, esses núcleos contemplam os eixos do conhecimento
histórico: sujeitos históricos, tempo e fonte. São abordados ainda questões de
cidadania e participação política, História Local, cotidiano e História de
Pernambuco.
Apesar de tornar-se uma orientação relevante, Caimi (2010) aponta
algumas dificuldades para o desenvolvimento de propostas vinculadas a história
local. A carência de subsídio teórico-metodológico que fujam dos guias e
encartes produzidos por prefeituras ou instâncias do governo local, o saber
docente com reduzida orientação acadêmica em história local tendo em vista a
especificidade da formação dos profissionais, tanto da História quanto da
Pedagogia, que possuem pouca carga horária dedicada ao trabalho com ao
conhecimento histórico local, e a apresentação da história local em contextos
localistas apenas para explicar desdobramentos de uma história nacional são
algumas limitações citadas pela autora.
76

Oliveira e Caimi (2014) apontam ainda para a falta de clareza nos


objetivos a serem alcançados pelos alunos no ensino de história nessa fase, o
que dificulta mensurar que conhecimentos sobre o local são necessários para
uma progressão da aprendizagem histórica.
Precisa ainda ser superadas a falta de articulação do ensino de História
com outras áreas do saber, a ênfase na alfabetização linguística e matemática,
que comumente condicionam as crianças a mecanizar tais saberes sem
compreender seus usos sociais ou o que de fato significam, desqualificando a
importância da formação integral do sujeito, que vai muito além de saber ler,
escrever e contar. É urgente o fomento a uma cultura educativa que encare a
aprendizagem da criança como algo mais importante do que o espaço ocupado
por determinada disciplina, ou seja, todas as disciplinas devem corroborar para
a sua formação, que deve se sobressair em relação ao ordenamento das
disciplinas no tempo escolar.
Oliveira e Caimi119 fazem uma crítica a exacerbação de temas do cotidiano
nos anos iniciais. A perspectiva dos estudos localistas tem relação ainda com as
concepções de aprendizagem que vinculam o conhecimento histórico a uma
necessidade de abstração, o que não seria “possível” para as crianças e que
para o saber histórico ser apreendido nesse nível deve-se partir de perspectivas
mais concretas e próximas aos alunos. Para as autoras isso não chega a ser um
problema, mas as questões do cotidiano devem “avançar no aprofundamento
dos conhecimentos científicos que possibilitariam ir além das vivências
cotidianas ou da aparência dos fenômenos sociais” 120.
Por isso, trabalhar com o conhecimento histórico local nos anos iniciais do
Ensino Fundamental ainda se apresenta como um desafio. O seu
engendramento está à altura do compromisso que guarda: atender as complexas
e diversas demandas de formação do sujeito social no início da sua
escolarização, especialmente cobrando que essa formação dê possibilidades
aos sujeitos de se constituírem como protagonistas e conscientes desse
protagonismo social diante da sua trajetória de vida.
Consideramos que a construção do saber histórico local, assim como de
qualquer conhecimento acontece a partir da criação e gradual ampliação de

119
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. CAIMI, Flávia Eloisa. 2014. Op. Cit.
120
Idem, 93.
77

estruturas cognitivas, tecidas em interações culturais entre os sujeitos e o mundo


físico e simbólico. Todo conhecimento se constrói em um meio cultural, que
possui significados próprios, dessa forma todos os espaços são espaços de
saber. Assim, o conhecimento, e nele incluímos o saber histórico local, se
constrói e se complexifica ao longo do tempo, no que chamamos de espaços
formais e espaços não-formais de aprendizagem como a família, os amigos,
instâncias religiosas, a escola, nos grupos de convívio variados.
Nesse sentido, reconhecemos a importância dos espaços não-formais de
aprendizagem também para a estruturação do conhecimento sobre o Patrimônio
Cultural, em especial por esse se constituir como um objeto que está, não só,
mas intimamente ligado às práticas socioculturais não-vinculadas ao saber
institucionalizado.
Além das práticas sociais do dia-a-dia, no estado de Pernambuco
podemos enxergar essa afirmativa a partir da existência de experiências
históricas e grupos culturais locais específicos como, por exemplo, em povoados
que possuem práticas religiosas historicamente consolidadas como o caso de
Santa Quitéria de Freixeiras121 na cidade de São João, ou ainda com a produção
artístico cultural de Mestre Noza de Taquaritinga no Norte 122, dentre outras
expressões da cultura que fazem parte da formação histórica do estado, sendo
interpretados como patrimônios da população pernambucana, mesmo sua

121
O Santuário de Santa Quitéria em Frexeiras surgiu como canto de refúgio espiritual, para
escravos e camponeses, que buscavam na fé o remédio para suas dores físicas e morais. Sua
história gira em tono de relatos populares, que pregam seu surgimento por volta do ano de 1695.
[...] Ao longo de três séculos de peregrinação, foi reunido um rico arquivo de ex-votos, formado
por artes plásticas primitivas, esculturas de pedras, cerâmicas e madeira além de pinturas,
retratos e mamulengos, com obras de grandes nomes da Cultura Popular Nordestina como:
Mestre Vitalino, Zé Caboclo, Antônio Francelino, Zezinho de Tracunhaem. As esculturas ou
pinturas simbolizam uma cura ou graça alcançada, representando um inevitável apelo artístico,
[...] fazendo de Frexeiras um ponto de diversidade étnica, artística religiosa, expressando a
inventividade da mão humana... DIAS, Juliana Karlla Paes. Frexeiras: um retrato de fé. Vídeo-
documentário sobre o santuário de Santa Quitéria em Frexeiras. Caruaru: Faculdade do Vale do
Ipojuca. Monografia de graduação. Jornalismo. 2011, 11-12. Acesso 22 set 2014. Disponível em:
http://repositorio.favip.edu.br:8080/bitstream/123456789 /1443/1/relatorio+correto.pdf
122
Mestre Noza tornou-se conhecido como artista popular, imaginário (escultor de imagens) e
xilogravurista. [...] O tamanho de suas esculturas varia de 15cm até 70cm. Usava
preferencialmente a madeira da imburana (árvore comum na região de caatinga) e seus
instrumentos de trabalho resumiam-se em canivetes, serras, machadinhas, formões, limas e
duas furadeiras. GASPAR, Lucia. Mestre Noza. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. 05 ago
2010. Site institucional. Acesso em 22 set 2014. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/
pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=728%3Amestre-
noza&catid=48%3Aletra-m&Itemid=1
78

prática não estando necessariamente ligada a sistematizações governamentais,


acadêmicas ou escolares.
E é essa a essência da interpretação do Patrimônio Cultural hoje, objeto
de princípio formativo de cunho artístico, histórico, social e cultural, material e/ou
simbólico, com a função social de resguardar práticas e memórias singulares de
grupos específicos, atrelado ou não a orientações de instituições oficiais, mas
que podem também vir a ser por elas legitimadas legalmente, bem como
autenticadas pelas práticas sociais dos grupos as quais pertencem.
Os sujeitos transitam, participam do seu fomento, vivenciam o patrimônio
de alguma maneira em diversos lugares e momentos da sua vida, mas nem
sempre tem clareza sobre a importância histórica, cultural e social desse
patrimônio para a comunidade da qual faz parte. São esses espaços e ocasiões
de aprendizagem não-formais que fomentam em grande medida os saberes
sobre o Patrimônio Cultural.
Entretanto, é na escola, dentre outras instituições, que o Patrimônio
Cultural pode tornar-se objeto de interpretação e investigação sobre os
conhecimentos históricos do lugar. Para isso, deverá ter seu trabalho regulado
por teorias e perspectivas de ensino e aprendizagem, dialogar com o código
disciplinar da História, buscando uma problemática educacional específica,
como a do ensino de história local aqui contemplada que mobiliza uma rede
localizada de saberes.
Para que as expressões patrimoniais tornem-se objeto de conhecimento
escolar entendemos ser necessário reconhecer que as criações históricas no
presente e no passado possuem mentalidades e materialidades que podem ser
lidas no cotidiano. A escola é ambiente privilegiado e o livro didático regional um
dos subsídios possíveis para a articulação dessa leitura. Ao assumir questões
de formação histórica e cultural em um recorte espacial específico, a obra
regional admite o compromisso de forjar o conhecimento sobre a História
Local/Regional na escola, reconhecendo que o seu patrimônio está na criação
da experiência histórica.
Nesse sentido, trabalhar com o Patrimônio Cultural no livro regional
significa analisar através de uma abordagem pedagógica os sentidos e funções
singulares atribuídas a experiências, expressões, objetos e lugares históricos,
observando que esse entendimento “se materializa na ação dos homens no
79

mundo, ou seja, no curso de suas experiências históricas, nas quais se inserem


os atos de nomear, leiam-se identificar e localizar, os lugares onde vive”.123
Assim, há a possibilidade de problematização do Patrimônio como um
referencial social, não apenas para a contemplação da criação histórica, artística
ou estética, mas buscando entender os arranjos políticos, econômicos e
simbólicos que o construíram diante de determinado grupo e como esse grupo
dele se apropria e com ele se relaciona.
O trabalho pedagógico a partir desse direcionamento contribui para que
os alunos percebam hábitos, formas de interpretar o mundo específicas de um
recorte histórico, conveniências que serviram/servem a um ordenamento
político/cultural, com função específica. Assinalando cada patrimônio com
características específicas é possível apreender a época que o produziu, os
interesses, os sujeitos históricos envolvidos, as memórias e identidades que
foram tecidas e preservadas, percebendo as escolhas empreendidas e as
identidades culturais cultivadas e/ou ressignificadas.
É importante também destacar o papel do patrimônio na colaboração da
superação de postulados fragmentários que não incluíam o papel dos diversos
grupos sociais na formação das identidades e da memória do lugar. Por muitas
vezes ao contemplar grupos étnico-culturais, o ensino da história e da cultura
local os apresentou folclorizadas, pitorescas, que ao invés de valorizar o grupo
social, estereotipa. Nesse sentido, percebemos que ao estudar o Patrimônio
Cultural de Pernambuco na escola contribuímos para a uma compreensão
democrática da diversidade cultural que constituiu/constitui a cultura
pernambucana.
É nessa esteira da diversidade cultural que os grupos indigenistas e o
movimento de consciência negra, desde o final da década de 1970, vem exigindo
a afirmação dos seus direitos de cidadãos 124 e fazemos a interpretação dessa
reivindicação também na leitura de um patrimônio diverso. Uma parte desse
debate resultou nas leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que contemplam,

123
GONÇALVES, Márcia de Almeida. História Local: o reconhecimento da identidade pelo
caminho da insignificância. In: MONTEIRO, Ana Maria; GASPARELLO, Arlette Medeiros;
MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de
Janeiro: Mauad X FAPERJ, 2007, p.178
124
ORIÁ, José Ricardo. Ensino de História e Diversidade cultural: Desafios e possibilidades.
Cad. Cedes, Campinas, vol.25, n. 67, p. 378-388, set./dez, 2005.
80

respectivamente o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e da


história dos povos indígenas. Essas iniciativas abriram precedentes para que
hoje seja possível visualizar um embate menos desigual na tentativa de formar
uma sociedade mais democrática.
Em consequência dessa ampliação, os estudos sobre patrimônio local
também devem corroborar para o atendimento dessas demandas e para o
entendimento da formação histórica a partir dos patrimônios de diversos grupos,
contribuindo para a concepção de história e de sociedade plural.
Coadunar esforços para contemplar um patrimônio diverso significa que o
trabalho pedagógico do ensino de história local nos anos inicias parte do
princípio da quebra de estereótipos culturais e de um movimento de
descentração identitária125 do sujeito, surgido muito pela ineficácia atual de
considerar a formação dos indivíduos a partir de uma identidade “mestra”.
Todos os grupos possuem identidades e memórias, criações históricas
que trazem consigo características que dizem sobre eles, seu tempo e espaço,
e não podem ser estratificados do processo histórico estudado

Precisamos, pois, propiciar, por meio do ensino em todos os


níveis, o conhecimento da nossa diversidade cultural e
pluralidade étnica, bem como a necessária informação sobre os
bens culturais de nosso rico e multifacetado patrimônio histórico.
Só assim estaremos contribuindo para a construção de uma
escola plural e cidadã e formando cidadãos brasileiros cônscios
de seu papel como sujeitos históricos e como agentes de
transformação social.126

Muitas das experiências dos nossos alunos estão inseridas nessa


problemática dos grupos “marginalizados” e precisam também ter os seus
patrimônios problematizados. Para Oliveira e Caimi 127 os saberes históricos
escolares, e nós reconhecemos essas contribuições também para o trabalho
pedagógico com o Patrimônio, devem reservar espaço para discussões que
sejam significativas na vida dos sujeitos. Assim, aprender e ensinar História na
perspectiva do Patrimônio é gerir problemas cotidianos, é desafiar os alunos a

125
HALL, Stuart. Op cit.
126
ORIÁ, José Ricardo. Op. cit, p 386.
127
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. CAIMI, Flávia. Entre Paulas, Martas, Pedros, Anas... para
entender as complexas relações sujeitos/saberes no contexto da aprendizagem histórica.
Antíteses, v. 6, n. 12, p. 148-167, jul./dez. 2013.
81

confrontar saberes para melhor compreender as situações da sua vida cotidiana


na relação com um passado.
Assim, esse trabalho pedagógico contribui para o atendimento do que
sugere pesquisadores e diretrizes curriculares ao orientarem que, dentre outras
coisas, o ensino de História deve conduzir a formação do pensamento histórico,
a partir do movimento de conhecer as diferentes experiências históricas das
sociedades, bem como o reconhecimento da diversidade de formação de
memória e identidade a partir dos diferentes contextos de vivência, sem a eles
se resumir, como se houvesse um fim em si próprio.
Nessa articulação o Patrimônio Cultural, tanto nas diretrizes da ciência de
referência quando estudado na escola com os alunos, apresenta uma
significância na historicidade dos sujeitos. Os seus direcionamentos apontam
para a aproximação entre os alunos e a sua historicidade na relação com o grupo
social do qual fazem parte, no diálogo com outros tempos, sujeitos e espaços de
formação histórico-cultural diferentes.
Para além, o trabalho pedagógico centrado no patrimônio necessita
considerar alguns aspectos. Em primeiro lugar a realidade local/regional na qual
o Patrimônio Cultural está inserido não tem fim em si mesma, sendo preciso
relacioná-la a realidades mais amplas; segundo, considerar que apesar de ser
um artifício para formação da identidade local/regional, o processo de
globalização amplia a construção de identidades, portanto o patrimônio torna-se
um referencial na formação desse indivíduo, conhecedor da existência de outros
referenciais a níveis nacional e mundial.
Portanto, fugindo do perfil de uma História sempre construída por outrem
e considerando aspectos da cultura enquanto componentes da formação
histórica, defendemos que o estudo do Patrimônio Cultural como tema para as
aulas de História Local/Regional se propõe a situar o aluno no seu contexto de
vivência, fomentando a percepção da sua historicidade e o diálogo com
historicidades mais próximas ou mais amplas, num movimento de produzir,
interpretar e dialogar com as suas e com as outras histórias.
Disso também nasce a possibilidade de criação de estratégias
investigativas conforme as experiências cotidianas em suas múltiplas dimensões
– política, social, cultural, étnica – de maneira que seja possível perceber as
continuidades, descontinuidades, conflitos, desordens, protagonismos,
82

antagonismos e incompletudes, ingredientes próprios da formação do processo


histórico.
Nesse contexto, o Patrimônio Cultural empreendido pelas obras didáticas
pode ser entendido como um aporte para a compreensão de que o que é hoje
nem sempre foi como o vemos, que a disposição dos objetos na nossa
“realidade” mostra e esconde comportamentos passados e formas de atuação
social importantes para compreendermos o agora, não como algo dado a priori,
mas como fatia circunstancial da história, que não começa tampouco tem fim no
presente e o presente não é uma contingência imperiosa que não pode ser
transformada.
Assim, a interpretação do patrimônio como um recurso para fugir do
verbalismo autoritário historicamente atrelado às práticas do ensino de história
nos anos iniciais acontece a partir de caminhos trilhados no bojo de uma nova
interpretação, novas formas de sentir, ouvir e olhar a História local e o Patrimônio
Cultural.
83

O PATRIMÔNIO CULTURAL NOS LIVROS REGIONAIS


DE HISTÓRIA DE PERNAMBUCO
CAPÍTULO III
84

Neste capítulo analisamos como os livros didáticos de História de


Pernambuco articulam o trabalho com o ensino de História Local/Regional
contemplando o Patrimônio Cultural como criação e expressão da experiência
histórica e cultural pernambucana que possui nuances diferentes a partir da sua
localização espacial e temporal. Nessa linha, são analisadas também as
abordagens pedagógicas que envolvem os sentidos de identidade e memória
relacionadas ao trabalho pedagógico com o Patrimônio Cultural.
Balizar aqui um conceito de Patrimônio Cultural para observar possíveis
cotejamentos entre o que se define patrimônio academicamente e o que as obras
didáticas apresentam não é a nossa intenção, sobretudo em consequência da
polifonia conceitual gestada nos diversos âmbitos que estudam o patrimônio.
Entretanto, reconhecemos a necessidade de nortear o que é considerado em
nosso universo de análise como Patrimônio Cultural do estado de Pernambuco.
Para isso são contemplados três caminhos. O primeiro, diz respeito às
obras que reservam capítulos ou tópicos específicos para discutir o patrimônio
pernambucano. O segundo, contempla as obras que não reservam espaços
específicos para a discussão sobre o patrimônio, mas os menciona ao longo da
sua narrativa. E o terceiro, engloba os casos em que as obras não fazem uma
categorização clara nomeando os patrimônios, por isso consideramos objetos de
análise também os espaços e expressões histórico-culturais referidas nas obras,
cuja abordagem didática os apresente com uma função social formativa de
resguardo de objetos e/ou fomento de práticas culturais pernambucanas
ritualizadas.
Para compreender a forma como os livros didáticos regionais apresentam
os patrimônios do estado de Pernambuco e como esses patrimônios são
abordados enquanto problemática que pode contribuir para a construção do
conhecimento histórico escolar, questionamos: Como a obra estabelece
relações de diálogo entre os patrimônios pernambucanos e o conhecimento
histórico regional?; A abordagem pedagógica feita na obra contribui para o
desenvolvimento do saber histórico escolar que envolve o patrimônio enquanto
espaço vivido e apreendido cotidianamente? Quais as discussões que as obras
propõem articulando as noções de Patrimônio, Identidade e Memória no sentido
de atender as demandas para o ensino de história nos os anos iniciais?
85

Esforçamo-nos a partir de agora a responder tais perguntas, observando


a forma como as obras apresentam o patrimônio diante das suas possibilidades
de interpretação histórica – como produção de uma coletividade, objeto de
interface material e imaterial, produção vinculada a um espaço de poder com
intencionalidades e interesses específicos, etc. – e como os livros articulam
estratégias pedagógicas e o texto didático para trabalhar o conhecimento
histórico de forma que os alunos possam se compreender como parte do
processo de construção da Historia Local e do patrimônio nela produzido.
As obras analisadas estão elencadas na ordem crescente de
disponibilização no Guia do Livro Didático, com início no ano de 2004, primeira
vez em que as publicações regionais passaram a fazer parte do Guia.

3.1 “História de Pernambuco”

O livro “História de Pernambuco” de Célia Siebert, é uma publicação do


ano de 2001, apresentada no Guia de 2004, com 24 capítulos e, em média,
quatro subtópicos por capítulo, com um total de 159 páginas.
A narrativa é desenvolvida em textos longos, de forma sequencial e
cronológica contemplando fatos e acontecimentos relacionados à História de
Pernambuco e a do Brasil, numa organização que acompanha a divisão da
história política brasileira – Colônia, Monarquia e República.
A experiência histórica é centrada no viés político-administrativo
oferecendo referenciais espaciais, temporais e nominais, enfatizando os papéis
políticos como ícones da construção da história do estado e do país, em um
passado longínquo, com destaque para os conquistadores europeus. Na
sequência da narrativa evidencia-se ora as riquezas naturais e as características
da formação de um povo marcado pela miscigenação étnico cultural – o negro,
o índio e o europeu – ora os traços pessoais misturados às atitudes político-
administrativas de personagens que vão dando forma à história brasileira
política.
O viés histórico adotado na narrativa contempla eventos e sujeitos que se
destacaram ao longo da trajetória histórica brasileira e pernambucana,
contextualizando as discussões a nível nacional, para depois trazê-las para o
86

local. Nessa perspectiva, a História de Pernambuco vai sendo tecida como um


reflexo da História nacional.
As informações históricas apresentadas na obra, em pouquíssimas
ressalvas, são atribuídas ao trabalho desses profissionais, assim não fica claro
de onde vieram todos os dados históricos expostos. Portanto, a produção do
conhecimento histórico nessa obra não é apresentada como sendo produto de
uma operação analítica que se constitui conforme a investigação das
experiências históricas, cujas evidências são interpretadas pelo historiador,
diante de um contexto, sempre a partir da compreensão do presente 128.
De modo geral, a História apresentada no livro tem início a partir de
considerações feitas a respeito da “pré-história” – sem fazer referência desta em
território brasileiro/pernambucano –, na sequência menciona o “início” da
História do Brasil, em 22 de abril de 1500, com a chegada de Pedro Álvares
Cabral na Bahia e dos seus desdobramentos no avanço dos portugueses em
outros territórios sendo um desses o de Pernambuco, encerrando a narrativa no
final do século XX.
A obra menciona em momentos esporádicos exemplos de manifestação
cultural indígena e alguns espaços que tiveram um uso memorável no passado.
Por não se referir diretamente ou reservar espaço para a discussão sobre o
Patrimônio Cultural do estado, englobamos aqui no nosso universo de análise
as menções que o livro faz a lugares e/ou práticas culturais ritualizadas, cuja
estratégia didática usada o reconheça como receptáculo de uma dada memória,
com carga simbólica e uma função histórico social (in) formativa.
Diante dessa definição elegemos alguns referenciais que a obra cita e os
consideramos como expressões do patrimônio do estado. O primeiro deles é
uma expressão cultural singular, que caracteriza as práticas indígenas de cunho
religioso do povo Fulni-ô129, a chamada “Toré”. O livro aborda esta manifestação
em um box à parte do texto principal. O texto do box segue para ilustrar um

128
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
129
A tribo Fulni-ô é um grupo indígena muito antigo, localizado na cidade de Águas Belas, a 313
km de Recife. Para mais informações consultar GASPAR, Lúcia. Índios Fulni-ô. Pesquisa
Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: www.http://basilio.fundaj
.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=674&Itemid=188
Acesso em: 15 dez. 2014.
87

estereótipo sociocultural das tribos que habitavam o território brasileiro antes da


chegada dos portugueses e que ainda permanecem em Pernambuco hoje.

Das tribos indígenas sobreviventes em Pernambuco, destaca-se


a dos Fulni-ô, aldeada nas vizinhanças da cidade de Aguas
Belas, sob a supervisão do “Posto Indígena Dantas Barreto”.
Os Fulni-ô, cerca de três mil indivíduos também chamados de
Carnijós ou Carijós, são totemistas (todo objeto considerado por
povos primitivos como símbolo de sua raça é um totem) O totem
principal deles é o “juazeiro sagrado” a uma légua do
aldeamento. Anualmente, entre setembro e novembro, eles
acampam em torno dessa árvore na vila de Ouricuri e durante a
madrugada, dirigidos pelo pajé e pelo cacique, entregam-se a
práticas religiosas, danças e cantos, tocam gaitas longas e
vermelhas chamadas toré, o mesmo nome atribuído das
danças130.

As informações apresentadas pelo livro sobre a “toré” localizam


espacialmente a manifestação, dizem quem são os sujeitos que a praticam e
informam sobre a sua simbologia. Sem situar a prática temporalmente, a
abordagem histórica trata o “toré” como uma prática cristalizada, na medida em
que na falta de localização temporal subentende-se que a prática sempre foi
como o livro descreve, sem clivagens, diálogos ou mudanças.
Ao analisar as estratégias históricas do trecho é possível identificar a
ausência de discussão sobre as influências socioculturais que poderiam
modificar a manifestação ao longo do tempo, assim como o próprio modo de vida
indígena ou a resistência dos índios em manter tal tradição. Como sabemos, até
as populações mais remotas sofrem influência da ação das culturas midiáticas,
dos diálogos com povos distintos e em consequência disso atribuem novas
significações às suas práticas cotidianas131. Por mais enraizados que pareçam,
os grupos sociais estão em diálogo cultural a todo momento, sofrendo e
exercendo influência junto às outras culturas. Assim, a imagem de uma tradição
cristalizada empreendida na obra não contribui para que o aluno compreenda a
dinamicidade da produção histórica dos sujeitos nos diversos espaços de
atuação humana.

130
MOTA apud SILBERT, 2001, p. 22.
131
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL,
2002.
88

Na abordagem pedagógica do trecho observado prevalece o cunho


informativo do saber histórico escolar, ao passo em que apresenta uma série de
dados que levam o aluno a conhecer a manifestação cultural indígena. Esse tipo
de orientação tem seu lugar reconhecido nas práticas do ensino de História, pois
informa sobre os sujeitos que fazem parte da composição histórica
pernambucana, porém o texto informativo apresenta-se desprovido de
problematização acerca da temática. Nesse sentido, as demandas sociais,
acadêmicas e escolares vão de encontro ao que é ofertado no livro em relação
ao Patrimônio, que preconiza estratégias que mecanizam a aprendizagem, de
maneira que ao aluno

...basta memorizar estas informações e entender que são


respostas a serem dadas quando as questões são feitas na aula
de História. Este tipo de conhecimento, apesar de relacionar-se
com fatos do passado, não pode ser compreendido como
histórico132.

A abordagem pedagógica do conhecimento histórico sobre o Patrimônio


centrada no viés informativo e ilustrativo é uma constante nesta obra. Oliveira 133
aponta que informar sobre o passado não constrói por si só o conhecimento
histórico. Para a autora é preciso problematizar e pensar a trajetória social e
política do evento, ou no caso da manifestação, as mudanças e permanências
que lhe dão sentidos, os motivos pelos quais ela foi escolhida para ser içada
como exemplo de prática cultural, os sujeitos que lhe conferem significado,
indagações que mobilizem os alunos a pensar a construção do processo
histórico que se constitui também por essa tradição.
Ao longo de sua narrativa o livro apresenta episódios da História do estado
no passado e mostra imagens de espaços no presente que pode ser entendido
como um lugar de memória. Os lugares abaixo selecionados mantêm uma
relação com a narrativa abordada, porém a obra se limita a mencioná-lo, sem
ampliar o sentido histórico que apresenta.

132
OLIVEIRA, Sandra. Os tempos que a História tem. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias.
História: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2010, p. 40 (Coleção Explorando o Ensino v. 21)
133
Idem.
89

Imagem 1: Monte das Tabocas.


Fonte: SIELBERT, Célia. Op. Cit. p. 55

Imagem 2: Igreja de Nossa Senhora dos


Prazeres e Praça Dezessete.
Fonte: SIELBERT, Célia. Op. Cit. p. 56
90

Imagem 3: Sítio da Trindade.


Fonte: SIELBERT, Célia. Op. Cit. p.

Imagem 4: Praça da Soledade.


SIELBERT, Célia. Op. Cit. p. 99

Os espaços apresentados nas fotografias representam produções do


engendramento de eventos históricos. O Sítio da Trindade, a Igreja dos
Prazeres, a Praça Dezessete e a Praça da Soledade são espaços localizados
91

na cidade do Recife onde culminaram determinados episódios da história de


Pernambuco e o livro os apresenta como imagem desses episódios no presente.
Na escolha de mostrar lugares como “portadores” de memórias sobre
determinado evento é preciso pensar os limites e expectativas destes quando
analisados em seus contextos de produção e no diálogo com o contexto de
significação atual. A partir disso a abordagem pedagógica do livro torna-se um
locus de inteligibilidade, ao passo que a partir dele é possível legitimar uma
versão ou versões sobre o acontecimento.
De acordo com o que o livro apresenta, compreendemos que nesses
espaços são acionadas identidades e memórias de uma história “oficial”, pois os
espaços escolhidos marcam conflitos em relação a invasão holandesa no estado
e sobre a Revolução Praieira, cuja invenção está atrelada a momentos heroicos
da história de Pernambuco e do Brasil.
É preciso considerar que a dialética das memórias e identidades é
referendada na formação das representações e que todas estas são gestadas
na necessidade de resguardar a produção de um efeito de sentido histórico sobre
algo134. Portanto, ilustrar o texto principal que se refere a episódios com
fotografias que denotam o patrimônio ligado a essa história mostra que o livro
adota a visão dos legados patrimoniais como produzidos somente doravante
eventos locais legitimados como um anexo da história nacional.
Os lugares mencionados da forma como o livro aborda são capazes de
produzir memórias e identidades ligadas a um saber histórico relacionado aos
eventos e heróis de uma elite econômica e militar, sem contemplar nesse
processo os sujeitos dos grupos sociais múltiplos e a formação cultural destes.
A ênfase na produção histórica de indivíduos específicos que faziam parte dos
grupos políticos do estado é a orientação histórica e pedagógica na obra.
O livro elenca resumos das gestões de todos os governadores que
comandaram a política em Pernambuco, nos diferentes tempos. Para mostrar,
por exemplo, as feitorias de Henrique de Lucena, ou Barão de Lucena,
governador que atuou em Pernambuco de 1872 a 1875, a obra apresenta a
administração de sucesso com o “grande” serviço prestado pelo governador ao
estado ao construir o Mercado de São José.

134
MONTEIRO, Ana Maria. 2007, Op. cit.
92

Imagem 5: Mercado de São José.


Fonte: SIELBERT, Célia. Op. Cit. p. 101.

O Mercado de São José representou a inserção de Pernambuco em um


processo de modernização e higienização no século XIX. Ponto de encontro de
vendedores e consumidores, o Mercado tornou-se um lugar de convivência de
diferentes sujeitos, aglomeração de objetos populares e disseminação de
saberes tradicionais135. Hoje ele é protegido pelas ações do IPHAN como
patrimônio de cunho material e imaterial da cultura popular pernambucana.
Mesmo diante desses adjetivos, a citação referente ao Mercado que o livro faz
não considera suas prerrogativas culturais, ele é mostrado como uma expressão
acessória da produção histórica de um personagem político, sem que suas
características sociais e culturais democráticas, que fizeram e fazem parte do
cotidiano dos recifenses, fossem consideradas como objeto de análise.

135
GUILLEN, Isabel Cristina Martins. GRILLO, Maria Ângela de Faria. FARIAS, Rosilene Gomes.
Mercado de São José: Memória e História. Recife: IPHAN/FADURPE, 2010.
93

Na sequência, em um espaço reservado a exercícios, o livro expõe um


questionamento a respeito das informações apresentadas sobre o Mercado de
São José:
Copie e complete corretamente.
O mercado de São José foi uma realização do governo
de______.
O palácio do Governo de Pernambuco é uma construção do
governo de ______.136

Observamos que a problematização do Mercado de São José diante do


conteúdo exposto pelo livro não é realizada, ou seja, nenhuma pergunta é feita
sobre o Mercado enquanto expressão da cultura pernambucana tão divulgada
no cotidiano da cidade, não há referência sobre os usos sociais deste lugar hoje,
quem o frequenta, se os alunos o conhecem, se há outros espaços com as
mesmas funções ou que tiveram funções semelhantes no passado e hoje não
existem mais. As perguntas realizadas pelo livro sobre o Mercado de São José
o colocam com uma função acessória, a fim de içar, ele e o Palácio do Governo,
como realizações de ícones administrativos do estado.
A condição acessória e ilustrativa que o Patrimônio representa nesse livro
aparece em outro trecho. Referindo-se à Revolução Praieira, a obra aborda a
figura de Pedro Ivo, um dos principais líderes do conflito, dizendo que, ao ser
derrotado, Pedro tentou ocupar o Palácio do Governo, localizado à Rua do Sol,
sem obter sucesso. Nessa menção, a obra apresenta uma imagem em que é
possível ver o Palácio da Justiça – cujo texto didático não faz menção - assim
como o Teatro de Santa Isabel.

136
SIELBERT, Célia. Op. Cit. p. 103.
94

Imagem 6: Teatro de Santa Isabel


e Palácio do governo.
Fonte: SIELBERT, Célia. Op. Cit.
p. 100.

O Teatro de Santa Isabel é uma construção de 1839, tombada como


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1949. É um importante espaço
de convergência social no estado de Pernambuco, que participou do nosso
cenário cultural durante muito tempo e ainda hoje aparece como espaço de
socialização de produções culturais nacionais e referencial emblemático da
formação histórica do estado. Apesar de ser por excelência um Patrimônio
Cultural de Pernambuco e aparecer na imagem que o livro traz, a obra
desconsidera a representação simbólica cultural e política desse espaço para o
estado, tendo em vista a predominância da importância da informação histórica
que reveste o conteúdo apresentado. Além disso, mencionar o Palácio das
Princesas e o mostrar junto à outra construção – o Teatro de Santa Isabel – pode
confundir o aluno.
Aliás, ao que parece, a indicação do Teatro acontece por acaso na
imagem, já que em nenhum momento o texto principal se refere a este espaço.
95

A ênfase é dada na ação de um sujeito que atua em um determinado evento


político – Pedro Ivo, Revolução Praieira – e na ilustração do seu espaço de
atuação – Palácio do Governo. O segundo, inclusive, é mencionando muito
pontualmente. O dizer sobre o espaço patrimonial neste sentido refere-se ao
Palácio do Governo como um lugar de uso circunstancial, feito por força da
ocasião pelo sujeito que a narrativa se refere.
Tanto no caso do Mercado de São José, quanto no Teatro de Santa
Isabel, vemos uma lacuna de questionamentos em favor de uma abordagem
política, na qual estes espaços não são citados sequer como referência de lugar
de memória oficial. Encaramos esse aspecto como um dado que aponta a
necessidade de ampliação dos diálogos pedagógicos no livro analisado, de
forma que medeie o entendimento de que

el patrimônio es el signo de identidade más importante que, a


partir de ultimo siglo, tiene la sociedade. Es un recurso social de
gran aprovechamiento educativo. El patrimônio somos nosostros
mismos ya que es el reflejo de todo cuando acontece en los
pueblos u sociedades passadas, presentes y futuras. Es el
espejo social en el que nos reflejamos y reconocemos en la
medida de que en él reconocemos nuestra creatividad,
autoestima y capacidade de respeto a lo que diferente tiene un
pueblo. La educacion no puede permanecer al margen de estas
realidades ya que tiene una responsabilidade transcendetal en
el conocimento y entendimento del patrimônio para que su
dimesión simbólica e intangible no sea postergada o minus
valorada en favor de otras dimensiones más economicistas,
ligadas a discursos políticos y técnicos que buscan un nuevo
modelo de desarrollo, vinculado a comportamentos y actitudes
passiva y acrítica [...]137.

É necessário, portanto, reconhecer o caráter socioeducativo que possui o


patrimônio, pois ao não assinalar esse importante referencial histórico como
objeto de estudo no ensino de história local/regional a obra deixa de fomentar a
ideia de responsabilidade social para com o respeito a diversidade cultural da
qual o Patrimônio é por excelência exemplo. Além disso, a obra pretere a
discussão sobre a ressignifcação de práticas e saberes sociais em função de
uma inflexibilidade cultural, descuida-se da problematização das diferentes

137
AVILA, Rosa Maria; MATTOZZI, Ivo. La didáctica del patrimônio y la educación para la
ciudadanía. In: __La educación de la cuidadanía y la formación del professorado. Um
proyecto educativo para la “estrategia de Lisboa. Bologna: Pátron Editore, 2009, p. 331.
96

temporalidades e da produção de sensibilidades históricas, aptidões enfim


relevantes para o entendimento de como nos tornamos o que somos.

3.2 “História – Interagindo e Percebendo Pernambuco” e “Pernambuco:


Interagindo com a História”

Os livros “História – Interagindo e Percebendo Pernambuco” de Lilian


Sourient, Lielba Ramos e Kátia Olszewski de 2001, publicado no Guia de 2002,
e “Pernambuco: Interagindo com a História” de Roseni R. C. Nascimento, Lilian
Sourient e Rosiane de Camargo (2005), publicado no Guia de 2006, ambos da
Editora do Brasil, apresentam uma organização de conteúdos parecida e que
são convergentes, por isso resolvemos agregar as análises das referidas obras
em um único tópico.
A narrativa histórica e a abordagem pedagógica se diferenciam em alguns
momentos ao longo dos livros, tendo em vista que são feitas atualizações de
conteúdo na obra mais recente. Entretanto, essas atualizações não alteram os
pilares e escolhas epistemológicas históricas e pedagógicas empreendidas nos
mesmos.
Chamaremos aqui “História – Interagindo e Percebendo Pernambuco”
(2002), de “Interagindo A” e, “Pernambuco: Interagindo com a História” (2005),
de “Interagindo B”. “Interagindo A” e “Interagindo B” possuem 17 e 15 capítulos
respectivamente, divididos em 3 unidades. Os livros estão assentados em uma
narrativa que é organizada diante da perspectiva de história evolutiva,
acontecimental e diacrônica.
Nas obras a abordagem histórica adotada é a da história feita por sujeitos
que tornaram-se ícones políticos ou culturais da sociedade a qual foram
contemporâneos. A História é entendida como produção da humanidade no
tempo, mas a ideia da experiência de produção do conhecimento histórico como
resultado do trabalho do historiador não é explicitada. Diferente de “Interagindo
A”, “Interagindo B” propõe em momentos pontuais atividades que tentam
contemplar a experiência histórica dos alunos, solicitando que façam entrevistas,
com alusão a construção de fontes históricas pelos próprios estudantes, propõe
visitas a museus, mesmo que de forma desproblematizada.
97

A abordagem dos conteúdos de formação histórico-escolar em ambos os


livros se inicia a partir das grandes navegações 138; colonização; a vinda de
diversos povos para o Brasil, com menção a presença de povos indígenas em
território brasileiro antes da chegada dos portugueses; a ascensão e o declínio
do açúcar, alijando nesse processo negros e índios a posição de subjugados; as
revoltas e conflitos coloniais; as mudanças no regime de governo – colônia,
império e república – com fim da narrativa na discussão sobre o coronelismo e
cangaço. “Interagindo A” reserva o primeiro e o penúltimo capítulo para
apresentar temas ligados à cultura e ao folclore local, “Interagindo B” faz isso
nos dois últimos capítulos.
A articulação dos conteúdos referentes a Pernambuco acontece a partir
da apresentação da História Regional e da História do Brasil, de modo que ao
se referir a determinado tema, os livros fazem um panorama sobre o assunto a
nível de Brasil para depois o apresentar direcionando-o ao nosso estado. As
passagens referentes a História do estado aparecem em grande medida como
reflexos regionalizados da experiência histórica nacional. Nesse movimento, a
experiência político-administrativa é preconizada, oferecendo referenciais
temporais e espaciais em que menciona uma série de sujeitos responsáveis por
ações constitutivas da história do estado/país.
Ao nos referirmos especificamente a abordagem referente ao Patrimônio
Cultural do estado de Pernambuco observamos que estas obras se encaixam na
primeira via elencada por nós em relação a definição do que seja Patrimônio
Cultural, ou seja, as obras reservam capítulos para discutir aspetos da formação
da cultura local e mencionar alguns elementos que nós reconhecemos como o
Patrimônio Cultural de Pernambuco.
Diante deste dado, reconhecemos como objetos de análise às menções
às expressões histórico-culturais construídas, ressiginificadas, ritualizadas e
compartilhadas pelos grupos sociais de Pernambuco ao longo do tempo, que
possuem um caráter formativo e informativo sobre o estado/grupo,
caracterizando-o de forma sui generis e que a partir dele possa ser desenvolvido
um sentimento de pertença.

138
“Interagindo B” no primeiro capítulo menciona, embora não amplie a discussão, uma “Pré-
História” brasileira, ao se referir ao Patrimônio Arqueológico. Discutiremos esse assunto adiante.
98

As estratégias pedagógicas empreendidas para o desenvolvimento do


saber histórico relacionado ao Patrimônio, melhor dizendo, às expressões
histórico-culturais que aqui nós elegemos como Patrimônio Cultural, acontecem
de maneiras diferentes nas obras.
“Interagindo A”, inicialmente, apresenta referências às obras de
manifestações culturais como a produção musical de Luiz Gonzaga, a arte
moldada no barro de Mestre Vitalino, assim como a poesia de João Cabral de
Melo Neto e Manuel Bandeira.

Nascido em Exu, no sertão pernambucano, Luiz Gonzaga (1912-


1989) é um grande nome da música brasileira. Isso mesmo! Ele
compôs muitas músicas falando do sertão e que fizeram sucesso
em todo o Brasil. Asa Branca (1947) é um entre os muitos
sucessos do “rei do baião”. Em qualquer cantinho do nosso país
você encontrará alguém que sabe cantar essa música (o livro
apresenta a letra da música e pede que os alunos cantem)139

Mestre Vitalino (1909-1963) nasceu em Caruaru. Desde


pequeno, fazia algumas esculturas. Foi um grande artista da
cerâmica e um dos mais populares artistas do Nordeste. Sua
obra retrata cenas do cotidiano do nosso povo, como o retorno
à roça, o trio de forró, a banda de pífanos e os retirantes.

São muitos os pernambucanos que se destacaram e se


destacam na poesia. Dentre eles Manual Bandeira (1886-1968)
e João Cabral de Melo Neto (1920-1999)140.

Os trechos descritos acima apontam uma característica recorrente


durante a narrativa das obras: a apresentação das expressões histórico-culturais
do estado a partir de um viés descritivo e informativo. Em “Interagindo A” as
estratégias utilizadas apresentam as informações como se o livro fosse um
tutorial sucinto de aspectos culturais característicos do estado de Pernambuco,
quase que numa espécie de guia turístico. Nesse aspecto remontamos ao texto
de Caimi141 que aponta para a necessidade de superação dessa forma de
apresentar o conhecimento histórico regional e para a ampliação do número de

139
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian. RAMOS, Lielba. Interagindo e Percebendo
Pernambuco: Historia. São Paulo: Editora do Brasil, 2001, p. 12
140
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian. RAMOS, Lielba. Interagindo e Percebendo
Pernambuco: Historia. São Paulo: Editora do Brasil, 2001, p. 13.
141
CAIMI, Flávia Eloisa. Meu lugar na história: de onde eu vejo o mundo? In. OLIVEIRA,
Margarida Maria Dias. História: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2010, p. 71 (Coleção Explorando o Ensino v. 21)
99

obras que sejam consubstanciadas em subsídios teórico-metodológicos capazes


de superar a perspectiva de guia ou encartes informativos, que em geral são
baseados em informações produzidas pelo próprio governo local.
Em “Interagindo B” a nomeação do Patrimônio se inicia a partir de uma
perspectiva arqueológica. Ao referir-se a existência de ossadas de 11 mil anos
de antepassados remotos localizadas na região da Lapa Vermelha, em Minas
Gerais e ao Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí, a obra contempla
indícios de uma “pré-história” brasileira, encontrando aí um mote para falar do
Vale do Catimbau142 - um agregado de sítios arqueológicos situados no sertão
de Pernambuco que a obra apresenta como Patrimônio Cultural do estado.

Vale do Catimbau terá seu patrimônio preservado

Região de caatinga, com grande biodiversidade, localizada


a 295 km do Recife, com extensos paredões de granito, abriga
várias cavernas, canyons e sítios arqueológicos com inscrições
rupestres. É um importante patrimônio cultural e natural
esculpido pela natureza há mais de 150 milhões de anos.
A região do Vale do Catimbau se estende entre os
municípios de Buíque, Tupanatinga, Inajá e Ibimirim, no Sertão
do Moxotó, tem 90 mil hectares e está em processo de
transformação, por parte do governo federal, em Unidade de
Conservação de Proteção Integral. Será o segundo maior
parque arqueológico do Brasil, ficando apenas atrás da Serra da
Capivara, no Piauí.
O Vale abriga 23 sítios arqueológicos com grafismos
rupestres já catalogados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) e, de acordo com as pesquisas
realizadas (...), a presença humana na região é datada de seis
mil anos.
Entre os sítios arqueológicos do Vale, um dos mais
importantes é o de Alcobaça, localizado a 20 km da sede do
município de Buíque. Situado em um paredão rochoso, este sítio
tem configuração de um anfiteatro, onde foram encontradas
pinturas rupestres ocupando uma área de 50 metros de
extensão por largura que varia de dois a três metros. Os
grafismos (...) foram feitos por diversos grupos étnicos que
viveram na região em épocas diferentes e utilizaram várias
técnicas de pintura.
No Vale, ainda vivem remanescentes de povos indígenas.
E uma outra grande riqueza da região é a extensa reserva de
vegetação típica de caatinga, característica do semiárido
nordestino.

142
O Parque Nacional do Vale do Catimbau abrange os municípios de Buíque, Ibimirim, Sertânia
e Tupanatinga. Lá existem inscrições rupestres e um ecossistema de grande relevância
ambiental. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/o-que-fazemos/visitacao/ucs-abertas-
a-visitacao /732-parque-nacional-do-catimbau.html Acesso em 02 dez 2014.
100

1- Procure no dicionário as palavras que você desconhece e


copie o significado em seu caderno. Isso facilita a
compreensão do texto.
2- O que são sítios arqueológicos?
3- Como podemos saber sobre os povos que viveram muito
tempo atrás em nosso estado143.

Podemos observar que o texto traz informações sobre a localização do


Vale do Catimbau, a datação da presença humana, sua extensão, a área que
ocupa, os municípios que agrega, a atuação do IPHAN, o tipo de vegetação, a
presença de povos remanescentes. Analisamos então que a escolha pedagógica
feita para apresentação do Patrimônio Cultural de cunho arqueológico está
assentada na organização textual informativa/descritiva, ratificada no tipo de
exercício que a obra apresenta na sequência, pautado na interpretação textual.
Essa é uma via expositiva bastante explorada em outros momentos de ambos
os livros, como nas narrativas abaixo.

Situada à beira-mar, Olinda é um dos locais mais conhecidos de


nosso estado. A cidade é formada por ruas e ladeiras íngremes,
onde se destacam monumentos que registram a história e a vida
da cidade desde o século XVI até os nossos dias. A cidade foi
decretada Patrimônio Cultural da Humanidade, título conferido
pela Unesco, em 1982, pois conserva um magnífico exemplar da
arquitetura colonial brasileira.
Ao visitar Olinda, não deixe de conhecer suas igrejas e também
de visitar o Museu Regional, instalado num sobrado do século
XVIII, onde estão expostos móveis e demais objetos do período
colonial brasileiro 144.

Em 1983 a cidade de Olinda foi declarada pela Unesco


Patrimônio Cultural e Material da Humanidade. Suas ladeiras, o
casario colonial, as paredes ornamentadas com azulejos
portugueses, as igrejas construídas no século XVI retratam a
história de Pernambuco e do Brasil.
Completando a paisagem, o verde da vegetação e o azul do céu
tornam Olinda uma das mais belas cidades brasileiras. E é o
povo quem diz: “Quem não ama Olinda é porque não a conheceu
ainda.”145

Consideramos que as informações apresentadas nos fragmentos das


duas obras são importantes para informar ao aluno que o estado de Pernambuco

143
SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane. Pernambuco: Interagindo com a
Historia. São Paulo: Editora do Brasil, 2005, p.12.
144
SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane. Op. cit. 45
145
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian. RAMOS, Lielba. Op. cit, p. 15.
101

possui expressões histórico-culturais que são criações de um processo histórico


característico local, que antecedem a chegada dos europeus, reconhecidos
inclusive por organizações que agem na salvaguarda de Patrimônios nacionais
e mundiais como no caso da ação do IPHAN no Vale do Catimbau e da UNESCO
em Olinda. São dados significativos, que compõem as referências geográficas e
históricas locais, mas é preciso ter claro que precisam tornar-se objeto de
questionamentos e análise escolar, alicerçadas em posturas de reconhecimento
das vivências, lutas, resistências, mudanças e permanências que nos formam
no presente. O passado não está pronto e definitivamente inscrito nestes lugares
ou circunscritos nessas expressões culturais, ao contrário, ele se faz presente a
partir das diferentes formas como nós o podemos contar, como o selecionamos
e o interpretamos, para nós mesmos e para outras gerações.
Apresentar dados dentro de uma linha apenas expositiva, como as obras
fazem até aqui, mostra as dificuldades de superação do instituído como conteúdo
histórico a ser abordado e, consequentemente aprendido. O problema não está
nas informações apresentadas, mas no que elas não potencializam de
aprendizagem e, mais ainda, no tipo de formação preconizada no ambiente da
sala de aula com o uso desse recurso. Embora reconheçamos que as ações de
professores e alunos podem negligenciar excelentes recursos ou qualificar os de
menor potencial pedagógico, sabemos que apenas informar sobre algo não é a
mais importante prerrogativa do ensino de História.
Sobre isso Oliveira146 afirma que
...o trabalho com crianças é ditado pela diferença entre ensinar
para saber sobre informações sobre o passado e ensinar para
pensar historicamente o mundo. Ainda que a segunda
aprendizagem possa incluir a primeira, o reverso não se faz
verdadeiro, e pode-se perfeitamente transmitir conjuntos de
informações sem que elas estabeleçam conexões com a forma
como o sujeito compreende a sua vida e sua ação na sociedade
projetando o futuro. Para compreender a vida, o sujeito precisa
fazer uma tessitura entre passado, presente e futuro. A essa
capacidade cognitiva denominamos ‘pensar historicamente’.

Assim, saber sobre o passado não é indicação de que o conhecimento


histórico será construído, para isso a articulação e exploração de estratégias

146
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Saberes indisciplinados. Revista História Hoje, v.2,
nº 3, p 201-216, 2013. p. 215.
102

históricas e pedagógicas deve avançar para parâmetros que favoreçam a


construção de efeitos de sentido do conhecimento histórico para o aluno.
Do ângulo histórico, quando os livros apresentam indícios de uma
abordagem cultural, como estes fazem, supomos que abrem precedente para
discutir as negociações simbólicas inerentes à formação histórica de
Pernambuco, de modo que o Patrimônio, ou determinada expressão histórico-
social que venha a representá-lo, possa ser problematizado e dizer sobre o seu
momento histórico de criação e de uso social, como/porque determinada
formação cultural permaneceu ao longo do tempo ou foi modificada, dentre
outras questões.
Nos chama atenção mesmo quando há proposta de contemplação da
dimensão cultural do estado e menção, ainda que pontualmente, do Patrimônio,
as obras conservam um distanciamento entre as informações apresentadas e
uma problemática pedagógica e/ou histórica a ser desenvolvida.
Esse distanciamento é reverberado quando, por exemplo, ao se referirem,
no capítulo da conquista portuguesa sobre os índios no século XVI, aos grupos
indígenas que permaneceram em Pernambuco até hoje, as obras dizem das
manifestações culturais que caracterizam etnias indígenas pernambucanas, com
destaque para a prática da “toré”, expressão religiosa específica do grupo
indígena Fulni-ô.

Das tribos indígenas sobreviventes em Pernambuco, destaca-se


a dos Fulni-ô, aldeada nas vizinhanças da cidade de Águas
Belas, sob a supervisão do “Posto Indígena Dantas Barreto”
Os Fulni-ô, cerca de três mil indivíduos também chamados
Carnijós ou Carijós, são totemistas (todo objeto considerado por
povos primitivos como símbolo de sua raça é um totem). O totem
principal dessa tribo é o “juazeiro sagrado” a uma légua do
aldeamento. Anualmente, entre setembro e novembro, eles
acampam em torno dessa árvore na Vila de Ouricuri e, durante
a madrugada, dirigidos pelo pajé e pelo cacique, entregam-se a
práticas religiosas, danças e cantos, tocam gaitas longas e
vermelhas chamadas toré, o mesmo nome atribuído às
danças147.

147
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian. RAMOS, Lielba. Op. cit, p. 35
SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane. Pernambuco: Interagindo com a
História. São Paulo: Editora do Brasil, 2005, p.32
103

Os livros assumem na passagem citada a narrativa de cunho folcloristico,


dando ênfase a características pitorescas dos grupos indígenas, “tais como seus
rituais, danças, práticas artesanais e culinárias” 148.
Essa discussão vai contribuir para o pensamento referente a cristalização
das formas de vida dos índios, a análise estanque, simplista e reducionista da
identidade indígena, o que colabora para “certa banalização dos aspectos
culturais para o desenvolvimento da cidade, estado ou país, pois não são lidos,
refletidos e analisados como partes importantes na construção da
sociedade...”149.
Essa assertiva é ratificada abaixo na apresentação de informações sobre
o “Caboclinho”, dança de origem indígena, que as obras apresentam a título de
curiosidade, “Interagindo A” na seção “Você sabia?” e “Interagindo B” na seção
“Valorizando a memória”.

Imagem 7: Seção “Você sabia?”,


sobre o Caboclinho.
Fonte: OLSZEWSKI, Katia.
SOURIENT, Lilian. Op. cit, p. 35.

Imagem 8: Seção “Valorizando a


memória?”, sobre o Caboclinho.
Fonte: SOURIENT, Lilian.
RUDEK, Roseni. CAMARGO,
Rosiane. Op. cit, p. 34.

148
CAIMI, Flávia Op. cit. p. 60.
149
LIMA, Marta Margarida de Andrade. A cultura local e a formação para a cidadania nos livros
didáticos regionais de história. In. OLIVEIRA, Margarida Dias de. STAMATTO, Maria Inês
Sucupira (Org). O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal:
EDUFRN, 2007, p. 186.
104

Os fragmentos dispostos revelam os índios com atuação pouco


expressiva na formação histórica, mostrando-o como grupo social pitoresco, com
posturas culturais inflexíveis. A abordagem sobre a vivência dos índios no
diálogo multicultural contemporâneo, a capacidade de significação e
ressignificação perante o processo de aculturação e resistência ao longo do
tempo em Pernambuco, a criação e recriação dos Patrimônios Culturais
indígenas foram temas inexplorados.
Para Freitas150 abordar as produções culturais indígenas pelo viés
folclórico é uma característica comum aos livros didáticos regionais, que por
muito tempo reservaram seções específicas, dissociados da narrativa que
contempla a trajetória histórica, para discutir as pautas culturais do estado a que
se refere151. Concordamos com a afirmativa do autor e reiteramos que no
processo de ensinar e aprender história hoje há uma tendência ao afastamento
e superação da narrativa de cunho folclorístico, sendo o ensino situado e
problematizado a partir do trabalho com as identidades e memórias locais mais
próximas dos alunos152.
O trabalho com as expressões culturais segue em “Interagindo B” no
capítulo intitulado “Gente de todo lugar”, que fala sobre os povos que migraram
para Pernambuco ao longo do tempo. Nesse capítulo a obra dedica tópicos para
falar de migrações mais recentes como de japoneses e italianos, e migrações
mais antigas como a dos judeus. E referindo-se aos judeus, o livro destaca a
descoberta em escavações arqueológicas da antiga sinagoga Kahal Zur Israel,
na parte antiga da cidade do Recife.
A presença judaica em Pernambuco

Um capítulo pouco conhecido da história do Brasil ganhou


consistência com as escavações arqueológicas de um prédio
antigo da rua do Bom Jesus na parte velha do Recife (...)
Encontraram, depois de remover 750 toneladas de terra e mil
metros quadrados de reboco, um mikve – espécie de poço
destinado ao ritual de purificação das mulheres. Foi a prova mais
flagrante de que ali funcionou a sinagoga Kahal Zur Israel (O
Rochedo de Israel), primeiro templo religioso judeu em todo o
continente americano.

150
FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático
em questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009.
151
Embora esta é uma característica observada por nós que aparece em menor medida nos
livros regionais de História de Pernambuco mais recentes
152
Perspectiva também defendida por CAIMI, Flávia. Op. Cit.
105

(...) a reconstrução da sinagoga e a construção de uma


réplica do templo são a parte mais ambiciosa de um projeto
destinado a recontar a saga dos judeus no Brasil. É uma história
e tanto. Em 1630, quando os holandeses ocuparam a cidade de
garantiram a liberdade religiosa, os cristãos-novos que tinham
vindo para o Brasil quase um século antes saíram da toca e
assumiram o judaísmo. Durante os 24 anos de ocupação
holandesa formaram uma comunidade forte. Quando Portugal
reconquistou a região depois da Batalha dos Guararapes,
debandaram com medo das fogueiras da Inquisição. Vinte e três
deles escaparam no navio Valk, que saiu do porto do Recife em
julho de 1654, e foram fundar Nova Amsterdã. Para quem não
sabe, trata-se da atual Nova York.
A sinagoga foi construída em 1637. Era o símbolo máximo
da liberdade religiosa e da força da comunidade judaica.153

Imagem 9: Sinagoga. SOURIENT, Lilian.


RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane.
Op. Cit. p. 88

As informações apresentadas acima denotam a historicidade do tema em


questão, a sinagoga, uma criação da presença judaica em Recife, fruto das
questões de liberdade religiosa pertinentes à época da presença holandesa no
Brasil, no século XVII. É possível reconhecer no texto o tempo e o espaço da
presença dos judeus em Pernambuco, apontar para os desdobramentos
históricos relacionados ao passado da sua chegada e a saída para além do
estado/país, assim como mencionar uma contenda religiosa em contexto mais
amplo, o da Inquisição.
Esse trecho contribui para a interpretação de um dado contexto histórico,
a partir da singularidade que o objeto patrimonial “sinagoga” representa. O texto

153
SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane. Op. Cit. p. 88.
106

usa a sinagoga como objeto para situar deslocamentos e rupturas na vida social
na época da exploração holandesa em Pernambuco, dizer sobre experiências
religiosas como a função do mikve no processo de ritualização empreendido no
lugar em tempos passados e a reconstrução do templo hoje.
Analisamos que as informações históricas sobre a sinagoga são
apresentadas em um passado distante, sendo abordadas no sentido de
contribuir para o entendimento da “construção social, as tendências de cada
época, os costumes e os hábitos culturais construídos...” 154 em um determinado
tempo. Saber sobre esse passado de Pernambuco significa construir
possibilidades para que os alunos interpretem formas de vivências, sujeitos,
tempos e espaços distintos no estado em que vivem.
Entretanto, “ao voltarmos os olhos para o passado, precisamos fazê-lo na
perspectiva dialógica, buscando a multiplicidade de falas, gestos, rituais, e
sentidos, potencializando a construção de identidades múltiplas e plurais 155”. O
texto aborda a sinagoga no passado, mas não podemos esquecer que a História
é o estudo da humanidade no tempo e não somente no passado e a construção
do saber histórico escolar depende da articulação entre uma narrativa que diga
sobre experiências vividas no passado e a ideia de que esse passado possui
dimensões materiais e simbólicas no presente.
No caso da sinagoga poderíamos questionar a sua representatividade no
passado, considerando seus contrapontos contemporâneos enquanto um
espaço de visitação e, além de espaço religioso, lugar de memória reconstruída
para simbolizar uma narrativa e uma reminiscência específica. Segundo
Oliveira156 esses questionamentos sobre o passado no presente contribuem para
que o conhecimento histórico escolar faça sentido para a vida, assim como ele
próprio estar vivo.
O trabalho com a memória faz parte da dimensão cultural que nos constitui
enquanto seres humanos. Abordar lugares de memória, como a sinagoga, abre
a possibilidade de promover entrecruzamentos entre presente e passado,

154
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira. O ensino de História para crianças e a formação do
professor para os anos iniciais do ensino fundamental. Educativa, Goiania, v. 15, n. 2, jul/dez,
2012,p. 235.
155
CAIMI, Flávia Caimi. Cultura, Memória e Identidade: o ensino de história e a construção de
discursos identitários. In. ZAMBONI, Ernesta. SILVA, Cristiani Bereta. Ensino de História,
memórias e culturas. Curitiba: CRV, 2013, p. 31.
156
1998; 2010; 2012; 2013.
107

fomentar um sentido de rememoração, de história e vivência do sujeito,


especialmente quando a sinagoga se constitui hoje enquanto um lugar público
de visitação, espaço de conhecimento acerca das possibilidades de liberdade de
expressões e vivências construídas e preservadas com muita luta pelos sujeitos
ao longo do tempo. Nesse caso, a problematização é o momento de promover a
vivacidade do conteúdo que, caso não haja, corre o risco de ficar obsoleto e sem
sentido157.
Na dianteira da análise, as obras reservam o penúltimo e o último capítulo,
“Interagindo A” e “Interagindo B” respectivamente, espaço para abordar as
manifestações da cultural e do folclore local. O capítulo inicia delimitando que as
expressões histórico-culturais ressignificadas e compartilhadas pelos
pernambucanos são construções “influenciadas pelo colonizador português, pelo
negro, africano e pelo indígena que habitava as terras pernambucanas” 158.
Nesse sentido

...o trabalho com os diferentes grupos étnicos, amparado no


branco europeu, no negro africano e no índio selvagem termina
por resgatar as ideias de coesão e harmonia, preconizadas há
muito nos livros de Estudos Sociais. Além de que as relações
entre os sujeitos históricos, o processo de miscigenação e o
domínio sociocultural estão atrelados à abordagem da História
do Brasil, seguindo a caracterização da história tradicional... 159

Nesse sentido, o trabalho pedagógico requer um espesso cuidado para


que não recaia na minimização de conflitos entre os diversos grupos culturais
que formaram/formam o Brasil. As maneiras de agir e pensar sobre o mundo
foram historicamente construídas, significadas e ressignificadas a partir de
múltiplas culturas que ao longo do tempo entraram em disputa a fim de impor
suas convicções, por isso a ideia de “encontro de culturas” precisa ser
desmistificada.
A ideia de que as experiências históricas são resultado desse “encontro
de culturas” que logram manifestações culturais é exemplificada quando os livros

157
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Saberes indisciplinados: os conteúdos da história na
escola e as aprendizagens para a vida. Revista História Hoje, v. 2, nº 3, p. 201-216, 2013.
158
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian RAMOS, Lielba. Op. cit, p. 87
159
LIMA, Marta Margarida de Andrade. A cultura local e a formação para a cidadania nos livros
didáticos regionais de história. In. OLIVEIRA, Margarida Dias de. STAMATTO, Maria Inês
Sucupira (Org). O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal:
EDUFRN, 2007, p. 186.
108

apontam o carnaval do Recife, os bonecos gigantes de Olinda, o Frevo, o


Maracatu, a Ciranda160, o espetáculo da Paixão de Cristo161, a literatura de
Cordel, as comidas típicas e os festejos juninos como expressões características
da formação histórico-cultural de Pernambuco.
O carnaval e os bonecos gigantes de Olinda aparecem na obra como
produtos de uma prática portuguesa introduzida em Pernambuco, que aqui
adquiriu características próprias, mas o livro não chega a problematizá-los como
Patrimônio Cultural. .

Imagem 10: Carnaval. Fonte: OLSZEWSKI, Katia.


SOURIENT, Lilian Op. cit, p. 88.; e SOURIENT, Lilian.
RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane Op. cit, p. 101

160
A análise dessa manifestação não encontra-se nesse texto, pois o texto desenvolvido pelas
obras para mostrar a manifestação cultual “Ciranda” compartilha das mesmas escolhas
epistemológicas históricas e pedagógicas que as outras manifestações. Por isso, entendemos
ser desnecessário colocá-las aqui, haja vista a menção às demais manifestações ser suficiente
para mostrar o perfil das obras em análise.
161
Idem.
109

O texto acima está em uma seção chamada “Trabalhando com textos” 162
que aparece em geral no livro para tratar de temáticas semelhantes. No caso, o
Carnaval está apresentado no texto 2 da seção, que trabalha ainda com os textos
sobre Frevo, Maracatu, Cordel, Festas Juninas e alimentação analisados
adiante.
Sobre o carnaval, o texto dá indícios que pode trabalhar com a
historicidade dessa manifestação quando indica que ela tem origem portuguesa,
que passou por modificações de práticas e significados ao longo do tempo, mas
os indícios não são ampliados. O enfoque informativo se sobrepõe na narrativa,
sem situar o tempo das práticas do carnaval em discussão. O espaço das
práticas no estado é situado nas cidades de Recife e Olinda, com ênfase nos
blocos carnavalescos mais famosos da cidade e no uso dos bonecos gigantes.
É importante destacar que outras expressões dessa mesma festividade não
entram nas informações apresentadas no livro, tampouco são aludidas ao
caráter de diversidade que o estado possui em suas manifestações, terminando
por apresentar uma ideia de homogeneidade da região.
Percebemos que as experiências carnavalescas que o livro menciona são
em essência dos arredores da capital, a abordagem histórica e pedagógica se
distancia das manifestações carnavalescas presentes no interior do estado. As
obras ratificam essa inferência ao apresentar o Maracatu como sendo uma
manifestação cultural de origem africana presente em Recife e sem mencionar
outros lugares do estado.

Maracatu
Uma das danças mais populares de Recife tem como
característica um cortejo real. Sua origem é africana e
representa uma nação, ou grupo de pessoas, composto de um
rei e uma rainha com príncipes, damas e também embaixadores.
Tudo seguido de bumbas, gonguês e bombos. Numa percussão
em batuque, como a população costuma chamar o ritmo, num
“batuque virado”163.

162
Esta seção consiste na reunião de textos sobre temas que sigam questões semelhantes,
como no caso do Carnaval e outros temas que são elementos de formação cultural do estado.
Esta seção aparece de maneira aleatória no livro, em alguns capítulos ela está presente, em
outros não. Não foi possível identificar quais os critérios usados pelos autores para ora trabalhar
as temáticas em seções, ora trabalhar com o texto corrido no corpo da narrativa.
163
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian Op. cit,89. SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni.
CAMARGO, Rosiane. Op. cit, p. 102.
110

Entendemos que na forma como o Maracatu é apresentado podemos


pensar este como uma manifestação pitoresca, como se concebida sem
clivagens nas diferentes designações que adquiriu ao longo do tempo. É
significativo irmos além do exótico, principalmente quando nos propomos a
formar uma sociedade mais igualitária, menos preconceituosa, que reconheça
na influência negra e no Patrimônio que dele deriva e representa uma das
grandes referencias da nossa formação sociocultural.
Ao seguir, ainda falando de expressões carnavalescas, as obras
apresentam o Frevo. A abordagem exibida contempla o frevo historicamente
como produto de uma ressignificação, primeiro quando seu nome é adaptado a
linguagem popular, depois quando os músicos que tocam o frevo ajustam as
notas para acompanhar os capoeiristas e por último com a modificação do
artefato que desembocou no uso de uma sombrinha para dançar.

Frevo
Tocar, cantar e dançar frevo é coisa de pernambucano. São
cerca de 120 passos diferentes.
Publicada pela primeira vez no Jornal Pequeno, de Recife, em
1908. A palavra frevo pegou logo. Trocando o “r” de lugar, o povo
dizia que as ruas “freviam” durante o Carnaval. Só mais tarde o
termo passou a designar a música, cujo o ritmo surgiu no final
do século XIX, quando os músicos das bandas reformularam-no,
para acompanhar a coreografia dos capoeiristas que saíam à
frente das bandas.
No Recife, os capoeiristas tinham o hábito de carregar, como
arma, um pedaço de pau. Com a repressão, trocaram-no por um
guarda-chuva. Ele era carregado fechado e quase nunca estava
em bom estado. Aí está a origem da sombrinha do frevo, que
serve também para dar equilíbrio ao passista 164.

A construção da narrativa acima inicia por chamar a atenção sobre um


elemento cultural característico de um lugar e que remete a uma construção
identitária do estado. Quando o texto afirma “Tocar, cantar e dançar frevo é coisa
de pernambucano” ele mostra o frevo como elemento de reconhecimento de
experiências socioculturais de um povo, com forte simbolismo, uma vez que diz
acerca de diferenças culturais, sociais e étnicas experienciadas ao longo da
formação da história deste estado.

164
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian Op. cit, 89. SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni.
CAMARGO, Rosiane. Op. cit., p 102.
111

O frevo designado como uma prática pernambucana infere aos alunos


que quem for pernambucano pode se vincular simbolicamente a essa prática.
Esse trecho supõe também que a manifestação é fruto de um compartilhamento
de experiências históricas por determinados grupos sociais, que nutrem a
identidade e são fomentados pela memória coletiva, sem explicitar que os alunos
também a compartilham. Embora, em nenhum momento a obra questione,
instigue curiosidade, ou insira tal experiência em contextos mais amplos
relacionando-a com expressões de outros lugares, no sentido de contribuir para
os alunos se reconhecerem em relação às suas experiências singulares diante
de mudanças e permanências ao longo do tempo bem como em relação a outros
grupos dentro e fora da sua localidade.
Nesse sentido, é importante ampliar a discussão sobre essa manifestação
cultural, pois “trabalhando desde cedo com e sobre memórias, o patrimônio e
outras fontes, as crianças iniciam a sua relação com o passado identificando-o
como parte fundamental na sua vida165”.
A abordagem segue situando temporal e espacialmente a “origem” do
frevo, não problematiza o contexto histórico ao qual o texto se refere, tampouco
questiona, por exemplo, a questão dos capoeiristas – Quem eram? O que era
ser capoeirista no passado e o que é agora? De onde surge essa informação
que eles andavam com um pedaço de pau? Qual o motivo deles andarem
armados? São questões importantes que denotam importância da
contextualização temática, além disso a ausência delas indica que a ideia de
frevo como manifestação historicamente ressignificada no presente não é
confirmada. Discutir essa interlocução passado-presente é fundamental, pois
abre precedentes para o desenvolvimento das noções de sujeito histórico, tempo
e relações sociais, dentre outras questões importantes para a construção do
saber histórico escolar.
A aprendizagem sobre o que denotamos como Patrimônio na obra
continua a partir da valorização de informações genéricas, junto a permanência
do perfil folclórico-informativo, como acontece também nas assertivas sobre a
literatura de Cordel.

165
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Ensino de história para crianças e a formação do
professor para os anos iniciais. Revista Educativa, Gôiania, v. 15, n. 2, jul/dez, 2012, p 239.
112

Cordel
Cordel é a expressão da sabedoria popular e do jeito nordestino
de contar histórias. É uma poesia folclórica e popular com raízes
no nordeste do Brasil. Tem esse nome porque os folhetos onde
é publicada ficam pendurados em cordões para serem vendidos
em barracas. São longos poemas narrativos que falam de
amores, sofrimentos, ou aventuras e retratam um pouco da
História do nosso estado e também do nosso país.166

O trecho acima situa de onde vem o cordel e aborda a sua nomenclatura.


Ao dizer que os poemas de cordel narram aspectos da vida do estado e do país
poderíamos inferir que, mesmo não deixando claro, o livro propõe o
entendimento do Cordel como fonte histórica, a partir do qual poderíamos fazer
uma leitura do cotidiano do sujeito que o produziu.
Nesse sentido destacamos a importância do papel do professor em
ampliar essa possibilidade de trabalho com a fonte literária questionando quem
foram seus autores, como, quando e por que tais obras foram produzidas, o que
esse tipo de obra diz, para que possamos utilizá-la como conhecimento sobre as
vivências dos grupos sociais e as relações que ali estão expressas, tanto no
passado como no presente.
As informações apresentadas mostram o cordel como uma prática não só
pernambucana, mas nordestina, extensa, que representa uma manifestação
cultural específica de uma espacialidade. Para Grillo 167, o cordel “conta os
acontecimentos de um dado período e de um lugar, se transforma em memória,
documento e registro da história brasileira”. Nós o entendemos como um
Patrimônio, especialmente por seu caráter simbólico, artístico, político,
econômico e social ao representar as singularidades e ressiginifcações da vida
no Nordeste, em particular de Pernambuco, mesmo que este livro didático o
mostre de forma menos abrangente.
Ao finalizar o trabalho com a formação cultural pernambucana os livros
apresentam aspectos da culinária do estado com alguns exemplos do que diz
ser “comidas locais”, além de mencionar as festas juninas.

166
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian Op. cit,p. 90. SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni.
CAMARGO, Rosiane. Op. cit, p 107.
167
GRILLO, Maria Ângela de Faria. A literatura de Cordel na sala de aula. In. ABREU, Martha;
SOIET, Raquel. Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa
da palavra, 2009 p. 117.
113

Alimentação
Entre os pratos típicos da culinária pernambucana destacam-se:
- A buchada, feita com o intestino de carneiro, ovelha ou cabrito;
- Sarapatel, feito com sangue e miúdos de porco ou de outro
animal, condimento que se come com farinha;
- A panelada com intestino, pés e certos miúdos de boi;
- A galinha a cabidela, preparada com molho do sangue da ave;
- A peixada;
- O feijão com farinha e charque;
- O feijão de corda com carne de sol168.

Festas juninas
Depois do Carnaval, o evento mais esperado do calendário
brasileiro são as festas juninas, que animam todo mês de junho
com muita música, quadrilhas, comidas e bebidas típicas em
homenagem a três santos católicos: Santo Antônio, São João e
São Pedro. As festas juninas fazem parte das manifestações
populares mais praticadas no Brasil169.

Caruaru promove uma das mais tradicionais festas juninas do


Nordeste. A partir dos últimos dias de maio até o final de junho
há muito forró, bacamarteiros, apresentação de quadrilhas,
artistas populares e barraquinhas de comidas típicas170.

A historicidade da formação do estado de Pernambuco e a sua


caracterização identitária, passíveis de leitura tanto na composição cultural do
tipo de alimentação que é consumido em sua região quanto nos festejos juninos,
estão alijadas da discussão nestes livros, além do próprio envolvimento do
alunado com tais experiências. Percebemos que a interlocução dos saberes
históricos e as estratégias pedagógicas usadas não contribuem para responder
as demandas de construção do conhecimento histórico para o público alvo das
obras.
“Interagindo B” afirma que o festejo junino é praticado em todo o Brasil e
em Pernambuco cita Caruaru171 como ícone da festa. “Interagindo A” afirma que
a festa junina em nosso estado se localiza a partir da referência de Caruaru, sem
mencionar outros lugares no estado em que a festa é comemorada. Ao indicar o
contingenciamento dos festejos juninos de Pernambuco em Caruaru e dizer que

168
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian Op. cit, p. 91. SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni.
CAMARGO, Rosiane. Op. cit, p. 108.
169
SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni. CAMARGO, Rosiane. Op. cit, p. 103
170
OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian Op. cit, p. 91. SOURIENT, Lilian. RUDEK, Roseni.
CAMARGO, Rosiane. Op. cit, p. 103
171
Para consultar mais informações sobre o São João de Caruaru: http://basilio.fundaj.gov.br/
pesquisaescolar./index.php?option=com_content&view=article&id=813&Itemid=1
114

lá existe uma das maiores festas no Nordeste as obras dão a entender que há
outras festas tão grandes quanto, sem especificar quais seriam.
Observamos então a fragilidade do que os livros dizem, ao passo em que
as informações apresentadas são insuficientes para uma problematização
histórica e contribuem para a naturalização das manifestações culturais. É
preciso dizer que estas manifestações enquanto Patrimônio Cultural, em
quaisquer época em que foram praticadas, possuem um sentido social e, “assim
como a informação extraída de qualquer outro tipo de fonte, é condicionado pelo
tempo, espaço e sociedade que o produziu” 172. Por isso as informações
desproblematizadas não podem substituir o conhecimento histórico.
Na tentativa de fazer uma retomada da discussão proposta no capítulo,
as obras apresentam um exercício que contempla as manifestações culturais
que havia mencionado antes173, trazendo os festejos juninos, o carnaval as
comidas típicas dentre outras que o livro apresenta.

Imagem 11 e 12: Seção “Agora é com você?”


Fonte: OLSZEWSKI, Katia. SOURIENT, Lilian
Op. cit, p. 92, 93.

172
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Ensino de História: Uma questão estatal ou pública.
Diálogos, v. 15, n. 3, set.-dez./2011. p. 530.
173
Frevo, Carnaval, Festas Juninas, Cordel, Espetáculo da Paixão de Cristo de Nova
Jerusalém, Ciranda, Maracatu e Comidas Típicas.
115

Para nós as estratégias históricas utilizadas no exercício contribuem para


a repetição de informações sobre os temas apresentados. As imagens das
manifestações podem ser interpretadas como sendo de cunho ilustrativo, usando
de forma restrita as possibilidades histórico-analíticas que o tema oferta. Essa é
a característica de maior destaque nessa obra em relação a abordagem
referente ao Patrimônio: a apreciação pontual das informações apresentadas
com fim nos limites do texto.
Os recursos pedagógicos empreendidos nessa atividade concentraram
esforços em desenvolver as habilidades que remetem a interpretação do texto e
rememoração do conteúdo, valorizando dados generalistas e a relação unilateral
na construção do conhecimento. Sem acessar a dimensão da reflexão histórica,
esse fragmento do livro “...está impregnado de uma perspectiva evolutiva, com
base em uma narração desproblematizada, restringindo-se a desenvolver com
bastante eficácia as habilidades de identificação, conhecimento e
memorização...174”.
É preciso ter claro que as experiências de ensino e aprendizagem do
saber histórico escolar precisam dialogar com epistemologias específicas,
ligadas a interlocução dos saberes históricos e pedagógicos. Entretanto, nas
estratégias mobilizadas nessas obras a interface histórico-pedagógica é
desconexa, ao passo em que se sobressai o caráter transmissivo do tratamento
do conhecimento.
Por fim, partindo daquilo que nós classificamos como Patrimônio na obra,
compreendemos que em ocasiões como no trabalho com o carnaval e o frevo
são apresentadas questões da historicidade das manifestações, informações
sobre a sua ressignificação ao longo do tempo, o seu caráter simbólico, embora
em nenhum momento considere a prática dessas manifestações no interior do
estado.
Entendemos que as estratégias didáticas e as perspectivas históricas
utilizadas para contemplar os conhecimentos sobre os Patrimônios Culturais do
estado de Pernambuco são apresentadas pelas obras a partir de informações
que não potencializam o trabalho pedagógico em sala de aula. É premente a
problematização dessas informações, no sentido de oportunizar ao aluno

174
LIMA, Marta Margarida de Andrade. Op. Cit. p. 186.
116

compreender que as manifestações culturais do seu estado são construções


históricas, significadas e ressignificadas pelo seu grupo social ao longo do
tempo, que estão presentes no cotidiano que o cerca e ele transita por elas, ao
passo que também as (re) constrói.
Essa articulação, ausente nas obras, é importante para que o aluno
perceba que há no presente sinais de um passado, que se constitui significativo
nesse presente, que essa significância se alicerça partindo do compartilhamento
de experiências e memórias coletivas, produtos de embates, conflitos,
resistências, ingerências de ordem cultural e simbólica, na qual encontramos
artifícios de fomento ao sentimento de pertencimento e identidade.

3.3 Livro “História – Pernambuco”

Optamos por reunir aqui as análises das três edições do livro “História –
Pernambuco175” de Francisco Teixeira, que foram publicados nos Guias do livro
didático de 2007, 2010 e 2013, e possuem em média 16 capítulos, divididos em
4 unidades. Lançamos mão dessa opção por tratar-se de obras reimpressas a
cada nova avaliação do PNLD, com início no livro publicado no Guia de 2007.
As obras possuem as mesmas escolhas teórico-metodológicas, sem alterações
conceituais ou textuais, salvo a opção de designer e layout que foi modificada na
última publicação e a supressão de um capítulo introdutório na “Unidade 2”
também na última publicação. Por isso, nossa referência é a obra de impressão
mais recente (2011) publicada no Guia de 2013.
Esses livros trabalham com uma narrativa ficcional, a partir da história de
dois garotos suas vivências em uma sala de aula imaginária numa escola na
cidade do Recife. A construção da formação histórica do estado é reconhecida
como um processo social legitimado ao longo do tempo, pela criação de agentes
que fazem parte de diversos espaços – políticos, culturais, econômicos.
Entretanto, percebe-se que o recorte local produzido com predominância a partir
da história da capital, é tratado como um desdobramento da história nacional.

175
TEIXEIRA, Francisco. História: Pernambuco. São Paulo: Ática, 2006.
TEIXEIRA, Francisco. História: Pernambuco. São Paulo: Ática, 2008. 2ª ed.
TEIXEIRA, Francisco. História: Pernambuco. São Paulo: Ática, 2011. 3ª ed.
117

O trabalho do historiador na produção do conhecimento histórico em


estudo é destacado, sendo citadas inclusive noções de fonte/documento
histórico. Ao longo da narrativa há também o uso de termos específicos da
pesquisa histórica e a promoção do diálogo com a produção acadêmica de
historiadores.
No desenvolvimento do texto didático, ao mesmo tempo em que a obra
reserva um tópico específico para a nomeação e o trabalho com o patrimônio ela
contempla ao longo da narrativa artefatos, lugares e práticas ritualizadas que
caracterizam de sobremaneira a formação histórico-cultural de Pernambuco e
que foram considerados por nós como Patrimônio. Por isso, este livro pode ser
categorizado dentro de dois caminhos apontados, tanto no que diz respeito as
obras que reservam tópicos ou capítulos específicos para o trabalho com o
patrimônio, quanto no caso dos livros que não mencionam o patrimônio de forma
clara, mas trabalham com objetos históricos adjetivados com uma função
social/memorialística/formativa e de fomento a práticas culturais ritualizadas ao
longo da sua narrativa.
Como já anunciado, esse livro contempla o Patrimônio Cultural em vários
momentos, porém a grande parte das informações sobre essa temática estão
apresentadas na última unidade da obra, chamada “Educação e Cultura”.
Essa unidade inicia-se com o capítulo “Educação escolar” onde apresenta
informações sobre o direito das crianças a educação, dados demográficos sobre
a educação no estado e trechos da história da educação em Pernambuco 176. O
capítulo seguinte chama-se “Artes” no qual o livro aborda expressões de música,
cinema, arte rupestre, arte barroca, artes plásticas e nomeia em um tópico
específico “Arte e memória, o Patrimônio Histórico”. Segue com o capítulo “A
literatura” onde trabalha escritores como João Cabral de Melo Neto 177, Ascenso

176
Nesse momento a obra não faz menção sobre as fontes das informações sobre a História da
Educação em Pernambuco, salvo a exceção de um box intitulado “Educação e cultura: nas
escolas e fora delas”, cujas referências são retiradas do site da prefeitura do Recife
(www.recife.pe.gov.br).
177
Poeta recifense, João Cabral de Melo Neto de grande produção literata de cunho regionalista,
reconhecida em todo o país. Mais informações em http://www.releituras. com/joaocabral_bio.asp
Acesso em: 08 de jan 2015
118

Ferreira178, Joaquim Cardoso179, Ariano Suassuna180 e J. Borges, este último


com destaque para sua xilogravura181. Por último há o capítulo “A cultura popular
pernambucana” onde são abordados festejos como o carnaval, o pastoril 182, o
artesanato, a produção de Ana das Carrancas 183, Lia de Itamaracá184 e Mestre
Vitalino185.

178
Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira nasceu na cidade de Palmares - PE no ano de 1895.
Contemporâneo de Manuel Bandeira e de Mário de Andrade [...] achou um caminho que o
conduziria a uma situação de relevo nas letras pernambucanas e nacionais. Distingue-se não
pela quantidade, mas pela qualidade, atingindo não raro efeitos novos, originais, imprevistos, em
matéria de humorismo e sátira. O poeta faleceu na cidade do Recife (PE), em 1965. Disponível
em: http://www.releituras.com/ascensof_menu.asp Acesso em: 08 jan 2015.
179
Joaquim Cardozo. Poeta, dramaturgo, engenheiro calculista. Nasceu no Recife em 26 de
agosto de 1897. [...] inovou os métodos tradicionais do cálculo estrutural. Viabilizou, assim, a
execução de obras complexas da arquitetura moderna, como as de Oscar Niemeyer. Calculou,
para o arquiteto, as obras do Conjunto Pampulha, em Minas e, em Brasília, o Palácio da
Alvorada, a Catedral, a cúpula do Congresso Nacional e o Itamarati, entre outras. Disponível em:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/jcardoso.html Acesso em: 08 de jan 2015
180
O paraibano Ariano Suassuna, nasceu em 1927 e faleceu em 2013. Idealizador do Movimento
Armorial, o escritor produziu várias obras literárias, dentre elas as mais famosas como “O Auto
da compadecida” e “O romance da pedra do reino”. Mais informações em:
http://www.releituras.com/asuassuna_menu.asp Acesso em: 08 jan. 2015.
181
J. Borges é um dos mestres da literatura de cordel. Nascido em Bezerros, município de
Pernambuco, é o xilogravurista brasileiro mais conhecido no mundo. Borges já ilustrou capas de
cordéis, livros, discos e expôs na Venezuela, Alemanha, Suíça, México, e Estados Unidos, onde
foi tema de uma reportagem no “The New York Times”, que o apontou como um gênio da arte
popular. Disponível em: www.jborgesbrasil.blogspot.com.br. Acesso em: 08 jan. 2015.
182
O Pastoril integra o ciclo das festas natalinas do Nordeste, particularmente, em Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. É um dos quatro principais espetáculos populares
nordestinos [...] Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar./index.php?
option=com_content&view=article&id=608:pastoril&catid=50:letra-p&Itemid=1. Acesso em: 08
jan. 2015.
183
Ana das Carrancas, a “dama do barro pernambucano”, ceramista de Petrolina que produzia
carrancas de barro, inspirada nas carrancas de madeira que ela via passar na proa dos barcos
colocadas para espantar os maus espíritos do Rio São Francisco. A obra de Ana se destacou
por ter uma característica peculiar: as carrancas de barro possuem olhos vazados, em
homenagem ao seu esposo, cego de nascença. Mais informações em:
http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/patrimonio-cultural/imaterial/%20patrimonios-vivos/ana-das-
carrancas-in-memorian/ Acesso em: 8 de jan. 2015
184
Lia de Itamaracá é cantora e compositora de cirandas que desde os anos de 1960 tem uma
produção musical no estado, cantando o cotidiano de quem vive a beira do mar, especialmente
a partir de influências de religiões afro-brasileiras. Radicada em Pernambuco, somente a partir
de 1998 a sua produção se consolidou e a cantora conseguiu projeção em nível nacional e
internacional. Em Itamaracá, Lia fundou o Centro Cultural Estrela de Lia onde desenvolve oficinas
de dança e música. Mais informações em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar
./index.php?option=com_content&view=article &id=3 17& Itemid=191 Acesso em: 08 jan. 2015.
185
Mestre Vitalino foi um dos maiores ceramistas do Brasil. Nascido na cidade de Caruaru em
1909, o artista se inspirava no folclore nordestino, universalizando o cotidiano do homem
sertanejo. Suas obras apresentavam diversos aspectos da vida simples do interior do estado
com um estilo que marca a obra de Vitalino. O artista faleceu em 1963, mas sua obra ficou
imortalizada e hoje está exposta, dentre outros lugares, na Casa Museu Mestre Vitalino na cidade
de Caruaru e no Museu do Homem do Nordeste. GASPAR, Lúcia. Vitalino. Pesquisa Escolar
Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br
/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=124:vitalino&catid=56:letra-
v&Itemid=1 Acesso em: 30 nov.2014.
119

A obra faz a primeira referência ao mencionar a formação de um tipo de


patrimônio edificado (igrejas) e o carnaval como os “sinais” da presença
portuguesa em Pernambuco e, consequentemente, criações da história do
estado e do país.
Como em outros lugares do Brasil onde os conquistadores logo
se instalaram, em Pernambuco a presença portuguesa é bem
antiga e deixou sinais por toda parte. Esses sinais podem ser
percebidos em diversos aspectos da vida social pernambucana
e em nossa cultura. A língua que falamos é o português; o
Carnaval, nossa festa mais popular, originou-se de um festejo
português chamado entrudo; a cana-de-açúcar começou a ser
cultivada em nosso território pelos portugueses; e também foram
eles que construíram as igrejas mais antigas que temos hoje em
Pernambuco186.

Imagem 13: Influências portuguesas


Fonte: TEIXEIRA, Francisco. Op.
Cit. pp. 21, 22.

Compreendemos a Catedral da Sé187 e o Carnaval com os Bonecos


Gigantes de Olinda188, mostradas acima e que aparecem no livro em

186
TEIXEIRA, Francisco. Op cit, p.21.
187
A Catedral da Sé de Olinda é uma construção do século XVI, destruída e reconstruída várias
vezes. Sua restauração mais recente data de 1974. Presente desde as primeiras décadas da
ocupação portuguesa em Pernambuco, a Catedral foi testemunha de muitos momentos da
formação histórica pernambucana, sendo um importante Patrimônio Cultural do estado. Mais
informações em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content
&view=article&id=404&Itemid=1 Acesso em: 08 jan 2015
188
Os Bonecos Gigantes Foliões de Pernambuco, presentes no carnaval pernambucano desde
1919, tiveram uma “explosão demográfica” a partir da década de 1980. Uma grande quantidade
120

complemento ao texto citado, como sendo expressões do Patrimônio Cultural de


Pernambuco, especialmente por tratar-se de manifestações ressignificada por
parte da população e que contribui para a construção histórica, cultural e
identitária do estado. Porém, mesmo mencionando e mostrando nas imagens do
carnaval, da igreja secular e da arquitetura de origem portuguesa como “marcas”
do passado, a problematização sobre o patrimônio é suprimida para que seja
enfatizado o papel do legado português no Brasil.
Na sequência, o livro apronta essas expressões patrimoniais do texto
transcrito acima enquanto documentos históricos.

A certa altura, Quincas perguntou:


- Professora, estas coisas todas: igrejas velhas, engenhos,
festas, tudo isso é documento histórico da presença dos
portugueses em Pernambuco?
- Claro que sim – respondeu a professora, elogiando a atenção
do menino – Mas é preciso entender que cada uma dessas
“coisas”, ou desses documentos, nos diz a respeito da vida de
antigamente e da vida de hoje.
Vamos ver se encontramos outros exemplos da presença
portuguesa em Pernambuco? Vamos trabalhar em duplas e
procurar o que existe próximo de nós, da nossa casa, da nossa
escola ou do bairro em que moramos que represente um sinal
das nossas origens portuguesas. Podem ser construções,
festas, músicas, etc. Cada dupla pode anotar até quatro
exemplos no caderno189.

Nesse caso, embora a abordagem histórica apresentada no livro afirme


que é possível visualizar a presença de outros tempos, acreditamos que
observar apenas a presença do passado no patrimônio não é suficiente para
problematizá-lo histórica ou pedagogicamente.
O estímulo aos alunos a buscarem no seu cotidiano expressões da
“herança” portuguesa é válido, pois, conforme Possamai 190, o enfraquecimento
do trabalho com os referenciais históricos e identitários de cunho nacionalista

de bonecos gigantes caracterizados como tipos populares, políticos e outras personalidades


desfilam a cada ano no carnaval de Pernambuco. Fonte: GASPAR, Lúcia. Bonecos Gigantes
de Pernambuco (A-Z). Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível
em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article
&id=941%3Abonecos-gigantes-de-pernambuco-a-z&catid=37%3Aletra-b&Itemid=1>. Acesso
em: 6 jan. 2015.
189
TEIXEIRA, Francisco. Op cit, p. 22.
190
POSSAMAI, Zita Rosane. Patrimônio e identidade: qual o lugar da história? In: GASPAROTO,
Alessandra, FRAGA, Hilda Jaqueline, BERGAMACHI, Maria Aparecida. Ensino de história no
CONESUL: Patrimônio cultural, territórios e fronteiras. Porto Alegre: UNIPAMPA, 2013.
121

justifica a aproximação do Patrimônio Cultural como referencial histórico e


cultural local. Porém, analisamos que anotação que o livro propõe solicitando
que o aluno visualize os patrimônios no seu entorno não contribui para que este
estabeleça uma relação deste patrimônio e suas vivências.
Para Cooper191 o fomento a aprendizagem do conhecimento histórico nas
crianças deve acontecer a partir de objetos que fazem parte do seu círculo de
vivência, porém é preciso “perceber a historicidade dos objetos e as relações da
história ali colocada com suas próprias histórias 192”. Vimos que na proposta
apresentada pelo livro transcrita acima não há a problematização da construção
do significado histórico do patrimônio pesquisado pelo aluno e o seu cotidiano.
Seguindo na análise, o livro traz informações sobre a sinagoga Kahal Zur
Israel193, apresentada nesse livro como produto da vinda dos judeus para o
Brasil, bem como para se referir às práticas religiosas sobre os povos indígenas
apresenta o “Toré”, pratica cultural dos Fulni-ô.

Alguns grupos que sofriam perseguições políticas e religiosas na


Europa foram estimulados a se fixar no Recife. Os judeus, por
exemplo, que vieram da Holanda em grande número,
estabeleceram-se na cidade e nela montaram comércio, do qual
sobreviviam. Aqui essas pessoas podiam praticar em liberdade
seus cultos religiosos. A sinagoga que construíram na rua do
Bom Jesus, junto ao porto, no centro do Recife e a mais antiga
de toda a América Latina194.

Juntamente com o idioma, eles [os Fulni-ô] mantêm muitas de


suas tradições, mitos e crenças. O ritual do Toré, por exemplo,
uma espécie de dança com maracás, é praticado a cada 15 dias.
A mais importante dessas tradições, entretanto, talvez seja o
Ouricuri. Trata-se de um conjunto de rituais de fundo religioso
que tem lugar entre os meses de setembro e outubro na aldeia
sagrada de Ouricuri.
O que acontece nesse ritual? Há um tabu inviolável que proíbe
qualquer Fulni-ô de falar sobre ele. Até mesmo as crianças são
obrigadas a manter sigilo. Por isso, só quem pode participar dele
são os Fulni-ô legítimos, filhos de mãe e pai Fulni-ô195.

191
COOPER, Hillary. Ensino de História na Educação Infantil e Anos Iniciais: Um guia para
professores. Curitiba: Base Editorial, 2012.
192
Idem, p. 69.
193
A ocupação holandesa no Recife trouxe grande número de judeus portugueses de Amsterdã.
Com eles, inúmeros cristãos-novos e descendentes que já viviam no Recife retornaram ao
judaísmo, formando algumas congregações. Entre elas, Kahal Zur Israel, Primeira Sinagoga
das Américas. Disponível em: http://www.kahalzurisrael.com/ Acesso em: 06 jan. 2015
194
TEIXEIRA, Francisco. Op cit, p. 33.
195
TEIXEIRA, Francisco. Op cit, p. 27.
122

Ao falar sobre o trabalho com o tempo, e nós interpretamos sua


contribuição para o trabalho com o patrimônio, Oliveira 196 aponta que o
conhecimento histórico concebido a partir de referências, no nosso caso dos
Patrimônios Culturais, só adquire sentido a partir da compreensão da rede de
circunstâncias, significados, causas e efeitos que lhe são pertinentes, dado seu
tempo e espaço. À vista disso, o livro, no trecho citado, concentra esforços em
informar sobre as duas referências patrimoniais – A Sinagoga e o Toré –
limitando as iniciativas de trabalho pedagógico e histórico que poderiam analisar
causalidade, mudanças, permanências, duração, continuidade na história do
estado a partir do Patrimônio apresentado.
Há no livro uma seção que perpassa todos os capítulos com o nome
“Gente Pernambucana”. Ela destaca a história de pessoas cujas produções são
interpretadas aqui como patrimônios específicos no cenário artístico e intelectual
do estado. São apresentados nomes como Gilberto Freyre, Capiba, Joaquim
Nabuco, Lampião, Frei Caneca, Paulo Freire, Cícero Dias, dentre outros. Como
exemplo da seção, apresentamos a passagem que fala sobre Mestre Vitalino.

Imagem 14: Seção “Gente


Pernambucana”
Fonte: TEIXEIRA, Francisco.
Op. Cit. p 160.

196
OLIVEIRA, Sandra. Os tempos que a História tem. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias.
História: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, 2010, p. 40 (Coleção Explorando o Ensino v. 21).
123

Observamos que nessa seção o livro apresenta uma pequena biografia


de “personalidades” pernambucanas, com a descrição de sua atuação política,
social e/ou cultural, no estado ou no país. Ao eleger alguns sujeitos para expor
nessa seção, o livro lhes atribui destaque na produção intelectual consagrada
em nível estadual ou nacional. Ao privilegiar a ascensão nominal, mesmo de
ícones representantes da diversidade da criação cultural do estado é preciso
atentar para os limites do dogmatismo nominal quando tantos outros ficam
excluídos desse lugar de destaque, tampouco compõem a preocupação
pedagógica da obra em ampliar tal conhecimento pelas sugestões de pesquisas
ou questionamentos voltados para tamanha representatividade. Isto significa, no
mínimo, questionar se as crianças conhecem esses sujeitos e suas obras, ou se
conhecem outros como representantes de expressões que possam fazer parte
da sua formação identitária.
Entendemos que há a necessidade de construção de referenciais
históricos a partir do ensino de História e o patrimônio representado na produção
dos sujeitos apontados na seção em destaque pode ser um deles. Todavia,
conforme Oliveira197, é preciso pensar como estes podem corresponder as
necessidades de aprendizagem do aluno que usa o livro em questão, ou seja,
na transcrição do livro acima, para além das informações deve-se questionar:
Como articular o conhecimento histórico escolar sobre a produção cultural de
Mestre Vitalino? Qual a conjuntura cultural, social e política da sua produção?
Quais os significados atribuídos as obras na sua época de concepção e hoje?
Quais simbologias são criadas a partir de suas criações? O que elas contam
sobre esse povo, o que revela, o que denuncia, o que esconde e, isso só é
possível construir a partir da leitura que por ventura se faça.
Vemos que, pelo analisado na obra, fica a cargo do professor ir para além
da citação dos sujeitos de produção cultural, focar na problematização do
contexto e temporalidade de suas experiências, nas implicações dessa produção
para a coletividade, nas formas de significação e ressignificação em diferentes
tempos, já que através do livro essa proposição não é expressa e/ou incentivada.
Reconhecemos então que na seção “Gente pernambucana”, o livro cita,
em sua grande maioria, sujeitos de uma produção “douta”, intelectual ou por

197
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. A construção de referenciais para o ensino de História:
Limites e Avanços. História Revista (UFG), v. 14, p. 193-202, 2009.
124

reconhecimento destes, deixando de fora outras produções históricas


importantes para o estado como, por exemplo, os cordelistas, que inclusive, em
outro ponto da narrativa, são citados como fora do eixo de produção dos
“grandes” poetas.

- Professora, mas o cordel? – Perguntou Vavá, impaciente,


achando que a professora já estava esquecendo do assunto. –
Quem escreve os versos dos livrinhos de cordel também é
poeta?
- Claro que também é poeta, menino – retrucou a professora. –
Não havia de ser? Trata-se de uma poesia diferente dos
grandes poetas da literatura brasileira, como Manuel
Bandeira ou João Cabral. A literatura de cordel é uma poesia
feita por pessoas simples, muitas vezes pouco instruídas,
mas sempre criativas198. É uma poesia inspirada na linguagem
e na sabedora do povo, principalmente do povo do sertão.
- A literatura de cordel é uma expressão antiga e muito forte da
cultura popular de Pernambuco e do Nordeste – continuou a
professora. – Ela fala do que ficou gravado na memória do povo
e que vai passando dos mais velhos para os mais novos. Fala
de personalidades e fatos que marcaram a história dos sertões
nordestinos, como Padre Cicero, Lampião e o Cangaço. E fala
de coisas importantes na vida dos sertanejos, como o apego à
terra, as devoções religiosas, a valentia e a dor diante da seca199.

Há também um box que complementa o que foi dito sobre o cordel,


informando sobre a xilogravura.

Imagem 15: Sobre a Xilogravura.


Fonte: TEIXEIRA, Francisco. Op. Cit. p 148.

198
Grifo nosso.
199
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. pp. 146, 147.
125

Analisamos que a abordagem pedagógica do trecho acima privilegia um


viés descritivo para falar sobre o cordel e a xilogravura. Além disso é possível
analisar que há a dicotomização da cultura erudita X cultural popular, fomentada
quando, por exemplo, o livro atribui a literatura de cordel um lugar diferente ou
menor em relação à poesia dos autores reproduzidos na seção “Gente
Pernambucana”. Tal afirmativa é ratificada ainda quando o livro possui um tópico
que agrega a produção de artesanato, menção a festejos populares intitulado “A
cultura popular pernambucana” e apresenta uma definição do que seja cultura
popular.

Cultura popular, como o nome já diz é cultura do povo. Ela se


manifesta nas artes, como na dança, a música, a pintura e a
literatura, e no trabalho criativo dos artesãos de cerâmica, tecido,
renda, palha, madeira, etc. É a cultura dos artistas populares.
É diferente daquela dos artistas instruídos e formados nas
escolas200 porque nasce da sabedoria e dos talentos natos da
gente simples, nas zonas rurais e nas cidades201.

O livro afirma então que a produção da cultura popular se manifesta de


diversas formas e é produzida por pessoas não instruídas, diferente da que é
produzida por artistas formados em escolas. Chartier 202 afirma que colocar a
cultura em dois paralelos – o popular que o livro nomeia e um erudito que fica
subentendido – é perigoso, pois as diferenças podem ser interpretadas como
carências ou as alteridades como sendo de menor valor.
O autor afirma ainda que quando ocorre essa separação é preciso indagar
se as fronteiras entre “as culturas” são tão marcadas e estanques quanto essa
nomeação aparenta e alerta que “não se pode mais aceitar acriticamente uma
sociologia da distribuição que supõe implicitamente que à hierarquia das classes
ou grupos corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos
culturais203”. Entendemos, a partir disso, que o intercâmbio cultural intenso, as
trocas simbólicas constantes em nível social, étnico, cultural, econômico nos
impedem de definir o que é popular ou o que não é, por isso, ao pensar o

200
Grifo nosso.
201
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. p. 152.
202
CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 16, 1995.
203
Idem, p. 184.
126

patrimônio como uma experiência histórica e caracterizá-lo como popular ou


erudito o livro pode recair em práticas historiográficas superadas.
Explicitar dicotomias entre as “culturas” pode carregar o mesmo viés de
confirmar estereótipos, ratificar imagens, conformar preconceitos, perpetuar
criações simbólicas que só podem ser desconstruídas se situadas em seus
contextos de produção e questionadas em suas mudanças ao longo do tempo.
É importante a escola, o professor e o livro didático estarem atentos para não
reiterar abordagens ultrapassadas com a pretensão de eliminá-las.
No capítulo “As artes” o livro faz, no corpo do texto, menção a produção
de Lula Cardozo Ayres204, Cícero Dias205, Vicente do Rego Monteiro 206,
Francisco Brennand207, dentre outros, como exemplos de sujeitos que
produziram manifestações artísticas características de Pernambuco. Nessa
linha, içamos para exemplificar o tipo de abordagem, a menção ao Movimento
Manguebeat208.

O Manguebeat faz um paralelo entre riqueza do ecossistema e


a diversidade da cena musical do Recife. O idealizador do
movimento, que mistura música pop internacional com ritmos
nordestinos, foi o cantor e compositor pernambucano Francisco
de Assis França, conhecido como Chico Science.

204
Lula Cardoso Ayres (1910-1987) foi pintor brasileiro. Realizou exposições individuais no
Museu de Arte de São Paulo, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Museu de Arte
Moderna da Bahia e no Palácio de Itamarati, em comemoração ao sesquicentenário da
Independência do Brasil. Durante 25 anos foi professor da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Pernambuco. Disponível em: http://www.e-biografias.net/lula_cardoso_ayres/.
Acesso em: 08 jan. 2015.
205
Cícero Dias(1907-2003) foi um pintor brasileiro, um dos grandes representantes do
modernismo no Brasil, nasceu em Recife e estudou na Escola Nacional de Belas Artes. Cícero
dias é um dos poucos pintores brasileiros, cujos trabalhos, estão expostos no mundo inteiro,
tanto em galerias como em coleções. Morreu em 2003, em Paris. Disponível em: http://www.e-
biografias.net/cicero_dias/ Acesso em: 08 jan. 2015.
206
Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) foi pintor brasileiro. Seus quadros foram expostos em
museus nacionais e internacionais. Foi professor do Ginásio Pernambucano e da Escola de
Belas Artes do Recife e do Instituto Central de Artes de Brasília. Foi também escultor e poeta.
Disponível em: http://www.e-biografias.net/Vicente_do_Rego_Monteiro/ Acesso em: 08 jan.
2015.
207
Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand nasceu em 1927, na cidade do Recife. Em
novembro de 1971, o artista começou a reconstruir a velha Cerâmica São João da Várzea,
fundada pelo seu pai em 1917. Esse conjunto, encontrado em ruínas, deu início a um colossal
projeto de esculturas cerâmicas [...]. Disponível em: http://www.brennand.
com.br/brennand_01.php Acesso em: 08 jan. 2015.
208
Manguebeat (também grafado como manguebit ou mangue beat) é um movimento musical
que surgiu no Brasil na década de 90 em Recife que mistura ritmos regionais, como o maracatu,
com rock, hip hop, funk e música eletrônica. Disponível em: http://pernambucocultural.
com/frevo/index.php/ritmos-pernambucanos/mangue-beat/. Acesso em: 01 dez. 2014.
127

Com outros músicos, Chico formou a banda Chico Science e


Nação Zumbi. O propósito do movimento era “resgatar os ritmos
negros do Nordeste com uma visão mundial”.
Em 1993, depois de vários shows, teve início a gravação do
primeiro álbum Caranguejos com cérebros, esse disco reuniria
outros grupos musicais além de Chico Science e Nação Zumbi,
como a banda Mundo Livre S/A, do vocalista Fred 04. O projeto,
porém, foi interrompido.
O primeiro CD de Chico Science e Nação Zumbi foi Da lama ao
caos, lançado em 1994. Em pouco tempo a banda obteve grande
sucesso e ganhou elogios da mídia.
Outras bandas sugiram no Recife unindo os mais diversos ritmos
musicais. Uma delas foi a Mestre Ambrósio, ativa entre 1992 e
2003, cuja musicalidade estava mais próximas das raízes
nordestinas, com forte influência do forró.
No dia 02 de fevereiro de 1997, quando Chico se preparava para
participar do Carnaval pernambucano, um acidente
automobilístico em Olinda tirou-lhe a vida, aos 31 anos de idade.
Depois da morte prematura de seu líder, a Nação Zumbi ficou
mais de um ano sem se apresentar, retornando aos palcos em
agosto de 1998. Hoje a banda se apresenta em shows por todo
o país.209

Observamos que a inserção de temas sociais e cotidianos, como é o caso


do Manguebeat, no ensino e História é uma tentativa do livro em responder aos
anseios educativos e sociais de ir além de uma abordagem histórica que
reconheça apenas a historiografia “oficial”. Segundo Oliveira 210 a sociedade e a
comunidade escolar há muito reclamam a inter-relação entre os conteúdos do
conhecimento histórico escolar e a vida cotidiana dos alunos, não para que a
História seja considerada como “mestra da vida”, mas que ela seja entendida
como conhecimento essencial ao sujeito para que ele entenda seu mundo, faça
a leitura da sua realidade e atue como seu protagonista. .
A abordagem histórica do tema reconhece que a historicidade do
Movimento possui adjetivos específicos dados a partir da sua espacialidade e
temporalidade – Recife, final do século XX. Partindo de um forte apelo social, o
Manguebeat teve um grande impacto cultural no cenário brasileiro, ao trazer à
tona as experiências do universo social, político e econômico da periferia da
Recife, espacialmente as regiões de mangue. As informações trazidas no trecho

209
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. pp.134, 135.
210
OLIVEIRA, Margarida. Op. cit, 2009.
128

descrito dizem sobre as articulações musicais engendradas por Chico


Science211, seu principal ícone.
Hoje, o Movimento tem o reconhecimento das instâncias legais de
proteção cultural, sendo institucionalizado como Patrimônio Imaterial de
Pernambuco através da implementação da Lei 13.853, publicada em 2009 no
Diário Oficial do estado. Embora, não haja o reconhecimento nominal dessa
expressão como Patrimônio Cultural regional, o livro o considera como uma
importante expressão da formação artística e identitária do estado.
O livro considera o Movimento Manguebeat como uma expressão da arte
pernambucana e como tal um registro da formação histórica do estado. Afirma
ainda que nas formas de arte, em suas diversas dimensões, estão expressos
sentimentos, emoções, crenças, que caracterizam determinado grupo.

Nos desenhos, pinturas, esculturas, ornamentos, escritos,


músicas e cerimônias – e também na comida, nas festas, nas
tradições, no vestuário, nas construções – estão representadas
as ideias, as crenças, os gostos, valores e comportamentos que
caracterizam uma determinada sociedade. Essas expressões
culturais são manifestações ou registro de sua história 212.

O trabalho pedagógico empreendido nos trechos sobre o Manguebeat,


bem como a concepção de arte transcritos acima, estão atrelados a um perfil
expositivo do conteúdo, que tem contribuição na aproximação entre o aluno e as
expressões histórico-culturais regionais, ainda na tentativa de responder às
demandas sociais de significação da História escolar na vida do aluno.
Contudo, a forma de abordagem apresentada mostra-se insuficiente para
a construir um vínculo formativo no que se refere ao aluno ler criticamente o seu
contexto, com base no significado social sobre o Movimento Manguebeat
apresentado. Essa afirmativa é feita em consequência da falta de
complexificação, questionamento e análise subsequente do tema no corpo da
narrativa didática e nas atividades que seguem. O livro não apresenta nenhum

211
Francisco de Assis França, o Chico Science, nasceu em Recife em 1966. Filho do Bairro de
Rio Doce, Chico fez uma mescla de hip hop, soul, rock e maracatu para cantar suas músicas
sobre a vida na periferia recifense. O cantor morreu em fevereiro de 1997. Mais informações em
http://www.dicionariompb.com.br/chico-science/biografia Acesso em 06 jan. 2015.
212
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. p. 136.
129

exercício ou atividade sobre o tema Manguebeat, sinalizando que não explora o


conteúdo para além do texto mencionado.
Na sequência da narrativa, no tópico “Arte e memória, o Patrimônio
histórico” o livro destaca questões sobre memória, os artifícios que são usados
para a sua preservação aborda questões de identidade a partir do
compartilhamento de ressignificações e experiências históricas.

Nossa identidade como pernambucanos está na nossa história,


na construção da nossa sociedade e da nossa cultura ao longo
do tempo. É importante não esquecê-la.
A memória das artes e tradições pernambucanas está
espelhada de diversas maneiras por muitos lugares. O primeiro
e mais importante deles são a própria comunidade. Quando um
grupo de um bairro ou cidade se organiza para festejar São
João, por exemplo, ele está ajudando a manter viva a memória
desse acontecimento tradicional da cultura popular213.

Nesse trecho o livro menciona que existem espaços e expressões


histórico-culturais onde a memória histórica de Pernambuco pode ser evocada.
Em um primeiro momento, a obra mostra que essa evocação pode ser
encontrada na vida cotidiana dos sujeitos, considerando determinadas
manifestações culturais como fragmentos imateriais que precisam ser
preservados, para que seja possível acessar a memória.
A citada manifestação cultural do “São João” faz parte da cultura
nordestina e da memória regional que reveste a identidade
nordestina/pernambucana de sentido, estando ligada a valores, tradições vivas,
ideias e crenças de um determinado grupo. Ao dizer que a manifestação cultural
“São João” possui fragmentos de memória subtende-se que a obra pode
potencializar a relação do aluno com o Patrimônio Cultural do estado, tendo em
vista o profícuo envolvimento da maioria deles nesse festejo de ordem
cultual/religiosa. E, ainda os que não participam dele, o conhecem, sabem que
ele faz parte de um ritual junino criado e recriado ao longo do tempo e que a data
é uma construção solidificada no cotidiano de onde moram, sendo esta uma
manifestação que se sobressai perante um cenário conjuntural do país.

213
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. 138.
130

Adiante, em outro trecho, a obra apresenta mais informações sobre o “São


João”, caracterizando-o como o mais importante festejo não só de Pernambuco,
mas do Nordeste.

Imagem 16: Festas populares


Fonte: TEIXEIRA, Francisco. Op. Cit. p 157.

A obra caracteriza de maneira geral os aspectos culturais que fazem parte


do ritual cultural junino – arraiais, fogueiras, quadrilhas, etc. – fazendo com que
este conteúdo possa corroborar para o aluno perceber essa manifestação como
integrante do cotidiano que ele vivencia.
A estratégia pedagógica atua sem articular a festa junina como uma
experiência histórica, que possui identidade compartilhada ao longo do tempo,
convertida na memória do grupo. Nesse sentido, a oportunidade de potencializar
o tema “São João” como evento tradicional e referencial histórico regional, não
avança, ao passo que as informações pontuais não apresentam maiores
questionamentos.
Analisamos então que, a partir do que foi apresentado sobre o São João,
o limite que as abordagens históricas e pedagógicas do livro impõem sobre a
referida temática indica que a discussão sobre o que nós compreendemos como
Patrimônio Cultural não investe para além de uma enunciação informativa. É
importante salientar que os aspectos culturais devem fundir-se e serem
utilizados como motes para a aprendizagem histórica, ampliando e
131

complexificando o ensino de História, fincados em bases formativas e não


somente instrutivas.
Os aspectos socioculturais constituem intervenientes
importantes para o desenvolvimento de noções e conceitos
históricos, cabendo à escola oportunizar situações de
aprendizagem em níveis crescentes de complexidade,
incorporando o conhecimento prático dos sujeitos e suas
experiências de interação e comunicação social ao estudo dos
objetos de conhecimento histórico214.

Se cabe a escola ofertar ao aluno situações de aprendizagem


problematizadas na medida em que os conhecimentos sobre os aspectos
culturais são ampliados, como afirma Caimi, ao material didático também cabe
a função de sugerir cuidadosamente o caminho para que essa aprendizagem
tenha sucesso, contribuindo para que o aluno seja capaz de atribuir
inteligibilidade ao contexto sócio histórico em que vive.
No decurso dos capítulos, a obra traz um direcionamento específico aos
simulacros patrimoniais, apresentando o museu como lugar de resguardo
memorial, espaço onde se congregam uma série de artefatos direcionados por
características específicas – a narrativa e a temática que o museu escolhe
desenvolver – que podem servir de fonte para a compreensão da história de
Pernambuco.
Existem lugares especiais para guardar a memória e a riqueza
artística e cultural. São os museus. Em Pernambuco há muitos
deles, cada qual com suas próprias características. Neles está à
disposição de visitantes, estudantes e pesquisadores uma
infinidade de documentos escritos, objetos, quadros, esculturas,
roupas, instrumentos musicais, máquinas, móveis, armas,
veículos, fotografias, brinquedos, etc., tudo isso é de grande
interesse para a história do estado215.

Ao mencionar o uso de artefatos culturais na construção da narrativa


patrimonial no museu, o livro regional explicita que as experiências dos grupos
sociais produzem marcas históricas, que não são aleatórias e que podem ser
resguardadas em lugares específicos. Esses lugares “guardam” a história do
estado e podem ser “acionadas” na medida em que relacionamos a elas
representações, identidades e memórias individuais e coletivas.

214
CAIMI, Flávia Eloisa. História escolar e memória coletiva: como se ensina? Como se aprende?
In. ROCHA, Helenice. MAGALHÃES, Marcelo. GONTJO, Rebeca. A escrita da história escolar:
memoria e historiografia. p. 69.
215
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. 138.
132

Nessa linha de “suportes da memória”, o livro apresenta lugares como


patrimônios materiais de Pernambuco, compreendidos enquanto receptáculos
da memória do estado.
A memória da nossa herança artística e cultural está também
registrada nas pedras, tijolos, madeiras, tintas de inúmeras
construções que resistiram ao tempo. São igrejas, casas,
fortalezas, palácios, casas e conjuntos arquitetônicos de alto
valor para o conhecimento da nossa história. Formam o que
chamamos de Patrimônio Histórico. Alguns desses edifícios e
conjuntos, como o de Olinda, estão tombados como Patrimônio
Cultural da Humanidade.
O Patrimônio Histórico pernambucano é grande e rico. Está
espalhado por todo o estado, mas principalmente no litoral e na
Mata, onde a ocupação colonial começou mais cedo e foi mais
concentrada. Nem tudo está bem cuidado e preservado.
Infelizmente faltam recursos para a recuperação dos prédios,
imagens e documentos escritos.
É muito importante preservar o Patrimônio Histórico. Assim
como é importante conhecê-lo para não perdermos a nossa
memória cultural.216

Nesse momento a obra nomeia especificamente o patrimônio edificado


como expressão da história e da cultura da humanidade, da qual o patrimônio
regional faz parte inclusive legalmente reconhecido pelo instrumento de
tombamento. Isso aponta para um trabalho também importante, que contempla
a produção do conhecimento histórico escolar sobre o patrimônio que se dá com
as contribuições do reconhecimento e a proteção promovidas por instituições de
salvaguarda do Patrimônio, como o Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico –
IPHAN, a nível nacional e, a Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de
Pernambuco – FUNDARPE – a nível estadual.
O livro segue mostrando patrimônios que possuem uma salvaguarda
protocolada oficialmente também ao apresentar Ana das Carrancas e Lia de
Itamaracá como pessoas com uma produção cultural histórica e culturalmente
importante para a constituição da identidade do estado.

Ana das Carrancas, a Dama do Barro


Ana Leopoldina Santos Lima, a Ana das Carrancas, nasceu em
1923, em Ouricuri. Aos sete anos de idade já ajudava a mãe a
fazer os potes e panelas de barro para vender na feira.
Quando a mãe deixou o artesanato, e o padrasto, que era cego,
morreu, a jovem Ana passou a sustentar a família com seu

216
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. 138.
133

trabalho. Tempos depois, mudou-se para Petrolina e lá


continuou seu trabalho por mais de 20 anos.
À procura de barro pelas margens do rio São Francisco, Ana via
as carrancas de madeira multicoloridas nas proas dos barcos.
Um dia, resolveu fazê-las de barro. Foi Ana quem primeiro usou
o barro na produção de carrancas.
Mas o detalhe que caracteriza suas peças são os olhos vazados,
em homenagem ao marido, José Vicente de Barros, cego de
nascimento, que a ajudava fazendo os bolos de barro para a
fabricação das peças.
A artesã, reconhecida como Patrimônio Vivo de Pernambuco,
faleceu em 2008, aos 85 anos, deixando parte de sua coleção
abrigada no Centro de Artes Ana das Carrancas, inaugurado no
ano de 2000, em Petrolina217.

Lia de Itamaracá, a Dama da Ciranda


Maria Madalena Correa do Nascimento nasceu em 1944, na ilha
de Itamaracá. Maria ficou conhecida como Lia de Itamaracá nos
anos 1960, quando a compositora teca Calazans utilizou o nome
de Lia de Itamaracá no refrão da ciranda mais conhecida do
Brasil “[...] Esta ciranda quem me deu foi Lia/que mora na ilha de
Itamaracá”.
Aos 12 anos Lia já cantava e participava de rodas. Em 1977,
gravou seu primeiro álbum, A rainha da Ciranda. Entretanto, foi
a partir de 1998, depois de participar de um grande festival de
música do Recife, que Lia se tornou conhecida nacionalmente.
Em 2000, veio o segundo álbum, Eu sou Lia, que a levou a fazer
shows pela Europa.
Mas a cirandeira nunca chegou a “viver só de música”. Até hoje
Lia trabalha na ilha de Itamaracá como merendeira em uma
escola pública.
Em 2004, com a ajuda de amigos, Lia adquiriu o espaço onde
funciona o Centro Cultural Estrela de Lia (CCEL), na praia de
Jaguaribe, em Itamaracá. Desde 2005, ela carrega o título de
Patrimônio Vivo de Pernambuco218.

Lia e Ana são apresentadas no livro regional em um subtópico chamado


“Mulheres notáveis”, que inclui também Dona Santa, Rainha do Maracatu.
Entretanto, destacamos as primeiras por serem enquadradas na obra como
exemplos de pessoas que realizaram/realizam práticas culturais que simbolizam
de maneira peculiar uma forma de viver e que foram reconhecidas através de
uma política pública cultural específica, a “Lei do Patrimônio Vivo219”.
Essa lei tem o intuito de promover a preservação de manifestações da
cultura de Pernambuco, com a promoção de estratégias de “transmissão” dos
conhecimentos fundados por sujeitos específicos ou grupos culturais. Essas

217
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. p. 157.
218
TEIXEIRA, Francisco. Op. cit. p. 158.
219
Lei nº 12.196, de 2 de maio de 2002.
134

pessoas ou os grupos culturais concorrem em um edital específico, e se


contempladas, recebem um valor em dinheiro para transmitir seus saberes a
novos aprendizes.
Ao contemplar, além do Patrimônio Cultural material edificado de
Pernambuco, também a categoria de Patrimônio Vivo a abordagem histórica da
obra segue o caminho de apresentar um tipo de produção que não possuía
espaço nos processos educativos até pouco tempo e que hoje está nas
discussões historiográficas e são pautas das políticas públicas culturais.
Nesse sentido, ao admitir essa produção do patrimônio da formação da
História e da memória pernambucana caracterizado nas premissas do
Patrimônio Vivo a obra contribui para que os alunos possam construir
referenciais mais democráticos e reconheçam “as diferentes experiências
históricas das sociedades e, a partir desse entendimento, [compreendam] as
situações reais da sua vida cotidiana no seu tempo220”.
Sendo assim, de maneira geral, os patrimônios nesse livro foram tidos
como campos de experiências do passado no presente, representados por
lugares, objetos e expressões culturais específicas, que representam a formação
histórica, social e cultural pernambucana. A memória foi mostrada como objeto
que não está mais a serviço de um passado glorioso, mas que aparece para
contemplar a emergência das memórias locais 221. Nessa direção, memória e
identidade gestadas também no trabalho com o patrimônio, são apresentadas
não como monopólio de poucos, mas frutos de disputas simbólicas e conflitos
itinerantes, travados e compartilhados por todos os sujeitos.
Podemos assinalar que esse livro utiliza estratégias pedagógicas que
partem da democratização memórias e identidades, alavancadas a partir de
insígnias de cunho material ou imaterial, caracterizadas sob as prerrogativas do
Patrimônio Cultural do estado de Pernambuco. Porém, mesmo trazendo e
nomeando o Patrimônio do estado, é preciso registrar que a obra não desenvolve
o tema, no sentido de ampliar os desdobramentos e a problematização do

220
CAIMI, Flávia Eloisa. Meu lugar na história: de onde eu vejo o mundo? In. OLIVEIRA,
Margarida Maria Dias. História: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2010, p. 60 (Coleção Explorando o Ensino v. 21)
221
GABRIEL, Carmen Teresa. Memória e Ensino de História. In. Ministério da Educação.
Espaços educativos e ensino de História. Boletim 02, abril. Secretaria de Educação a
Distância, Brasília: 2006.
135

conteúdo. A sua abordagem, apesar de contemplar manifestações socioculturais


da cultura como constituintes da formação histórica do estado e com artefatos a
partir dos quais a memória pode ser evocada e a identidade construída, se situa
em muitos momentos mais no campo da informação do que da formação
histórica.

3.4 Pernambuco de muitas histórias – História do Estado de Pernambuco

O livro “Pernambuco de muitas histórias – História do Estado de


Pernambuco”, escrito por Erinaldo Cavalcanti, foi publicado no Guia do Livro
Didático de 2013, é uma edição de 2011, com 211 páginas e 16 capítulos. A obra
assume o viés da narrativa de cunho cronológico e evolutivo, reconhecendo a
importância dos aspectos de formação cultural ao longo do percurso histórico da
sociedade pernambucana.
A obra faz um panorama sobre as especificidades da produção do ofício
do historiador, discorrendo acerca das convenções históricas, como no caso da
chamada “pré-história”. Vemos destaque para o estudo da História, abordando
a diferença entre a história vivida e História conhecimento produzido por
historiadores, menção a obras da historiografia referentes a maioria dos temas
abordados, inferências sobre sujeito histórico, definição de fonte e construção da
memória social. O livro propõe ainda o trabalho com vestígios não-escritos e
sítios arqueológicos, marcando como um de seus pilares o entendimento que a
história se constrói legando vestígios de natureza diversa e a História se produz
a partir da articulação de estratégias de interpretação e análise desses vestígios.
As temáticas afro-brasileiras e indígenas são mostradas em situações que
partem de antes da chegada dos europeus ao continente americano – o índio
em seu contexto de período chamado de pré-colonial no Brasil e o negro nos
impérios africanos. Ao abordar a presença desses povos na construção da
História de Pernambuco, a partir dos portugueses invadindo territórios indígenas
e da escravidão indígena e africana, o livro apresenta o papel desses povos no
passado em relação às suas experiências no presente, discutindo questões
sociais que envolvem cidadania, diversidade, alteridade, conflitos de terra e
reforma agrária.
136

As criações culturais como palavras, alimentos e práticas religiosas


típicas, no que se refere a influência indígena quanto afro, também aparecem. A
obra aborda ainda o sincretismo religioso fundado no diálogo entre o catolicismo
português e as crenças africanas, com ênfase na desmistificação em relação à
segunda, a partir da noção de que as crenças e valores específicos de cada
sociedade constituem sua cultura e orientam as formas como os sujeitos
compreendem e agem no seu cotidiano.
Para o trabalho com o Patrimônio Cultural de Pernambuco o livro dedica
uma unidade específica que aborda a produção artística, a alimentação típica e
os festejos de Pernambuco, que são interpretadas por nós como patrimônio.
Entretanto, a obra aciona as expressões culturais com características
patrimoniais em vários pontos da sua narrativa, doravante a comparação de
imagens de lugares e monumentos históricos em diferentes épocas em
referência a lugares patrimonializados por instituições a nível nacional e mundial,
fazendo alusão a preservação de territórios indígenas entendendo-os enquanto
patrimônio deste povo, ou ao citar manifestações culturais como características
de ritualização e ressignificação ao longo do tempo.
Inicialmente, na discussão sobre o estudo da História como ciência, no
início do primeiro capítulo o livro tenta situar o aluno junto ao trabalho do
historiador, para isso a obra faz referência a elementos que podem ser
caracterizados no âmbito do patrimônio, a partir da sua leitura como fonte ou
documento histórico.

Para os historiadores, os documentos ou fontes históricas são


todos os tipos de vestígio da ação humana ao longo do tempo e
em qualquer lugar do mundo.
Podem ser reportagens de jornal, desenhos encontrados em
sítios arqueológicos, uma música, um filme, uma carta que
alguém escreveu para outra pessoa, um diário pessoal, um
mapa, um monumento, uma foto, uma pintura, uma festa
tradicional, um depoimento, um costume, um jeito de cozinhar,
de falar. É com base nos documentos que os historiadores
pesquisam História 222.

Na nossa compreensão, ainda que não mencionando diretamente o termo


patrimônio, ao designar monumentos, sítios arqueológicos, pinturas, festas

222
CAVALCANTI, Erinaldo. Pernambuco de muitas historias: historia do estado de
Pernambuco. São Paulo: Moderna, 2011, p. 18.
137

tradicionais, jeitos próprios de cozinhar e falar como fontes históricas, a obra


demonstra que estes possuem informações importantes para os historiadores e,
sendo registros da nossa formação podem ser lidos e interpretados como
fonte/documento por estes profissionais. Além disso, essa passagem demostra
para o aluno também que o patrimônio faz parte das diversas experiências que
estão presentes na vida de todos os sujeitos, e mais ainda que se transformarão
em fontes de conhecimento histórico a partir das interpretações que possam ser
construídas com base em suas informações.
No trecho transcrito anteriormente a obra indica a adoção de uma
perspectiva democrática de Patrimônio Cultural. Essa indicação se confirma
também quando a primeira nomeação direta ao patrimônio acontece na
apresentação do reconhecimento do governo de Pernambuco sobre o
“Manguebeat”, sendo este movimento institucionalizado como Patrimônio
Cultural do estado.
O Mangue Beat
Em agosto de 2009 o movimento denominado Mangue Beat foi
considerado patrimônio cultural pelo governo de Pernambuco. O
movimento criado pelas bandas Chico Science & Nação Zumbi
e Mundo Livre foi inspirado na ideia do homem-caranguejo,
difundida pelo médico e pesquisador Josué de Castro, e na
realidade da periferia de Pernambuco.
O Mangue beat tornou a música pernambucana conhecida no
Brasil e no mundo e até hoje influencia a produção musical
brasileira. Os músicos integrantes do movimento uniram formas
da música popular e das tradições locais, como o maracatu, o
coco, o frevo e o samba a elementos contemporâneos como o
funk, o hip-hop, o reggae, e o rock. Podemos também dizer que
o movimento procurou cantar a vida as periferias do Recife, os
manguezais, a problemática da fome e as contradições da
cidade. Apesar de falar de experiências locais, o movimento teve
impacto muito grande em todo o cenário cultural brasileiro,
levanto a música pernambucana para outros ambientes,
retomando e renovando a memória, as tradições
pernambucanas.
Outras expressões populares pernambucanas também foram
consideradas importantes para a preservação da memória e
identidade cultural brasileira, como o artesanato no Alto do
Moura, a Feira de Caruaru e o frevo, considerados bens culturais
por órgãos de apoio ao patrimônio histórico.

Você conhece algum dessas atividades culturais, como o


artesanato desenvolvido no Alto de Moura, em Caruaru, o frevo
ou o Mague Beat? Quais? Por que é importante preservar essas
formas de cultural?
Você conhece outro tipo de atividade tradicional, um artista, uma
festa, um costume ou pessoa cuja história considera que
138

deveriam ser preservados? Conte um pouco da expressão


cultural escolhida por você.
Você acha que existem relações entre memória de vida de cada
pessoa e os costumes comuns de um povo? Explique com suas
palavras e dê exemplos223.

No fragmento citado o livro apresenta a percepção sobre o patrimônio a


partir de uma expressão musical atual, que denota as experiências de vida dos
seus idealizadores. Para além da experiência musical, dizer sobre o Mangue
Beat como patrimônio é apresentá-lo enquanto um referencial histórico de cunho
imaterial, com uma carga simbólica que caracteriza um grupo social específico,
um lugar de produção, um tempo, que reflete ou refletiu em determinado
momento uma realidade vivida por quem o articula/articulou e a realidade da qual
o aluno também possa fazer parte.
O viés adotado indica o entendimento sobre o Manguebeat como um
objeto que congrega memórias e que pode fomentar o sentimento de identidade
e pertencimento dos sujeitos a um lugar. Nessa tendência
...apontam-se possibilidades de estabelecer relações muito
profícuas entre o estudo das trajetórias locais/regionais e os
processos de formação de identidades sociais plurais, de modo
a superar o verbalismo das aulas de História circunscritas
apenas a temporalidades remotas, a espaços distantes e a
determinadas memórias com as quais a maioria dos estudantes
que frequenta a escola brasileira não se identifica e nas quais
não reconhece as suas experiências, nem tampouco se grupo
de pertença.224

Nas questões que seguem o texto sobre o Manguebeat o livro o mostra


como representações do entendimento sobre o mundo, constituídas e
vivenciadas pelos alunos e pede a opinião deles sobre a preservação dessas
manifestações, ratificando uma postura em defesa de posicionamentos
democráticos e diversificados em relação a construção e ordenação do
patrimônio, das memórias e identidades plurais.
Na sequência, para falar das múltiplas formas da humanidade registrar a
sua história, a obra apresenta uma discussão sobre espaços que chamam por
memórias específicas. O livro usa a noção de “lugares de memórias”, gestada

223
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. Cit. p. 17
224
CAIMI, Flávia Caimi. Cultura, Memória e Identidade: o ensino de história e a construção de
discursos identitários. In. ZAMBONI, Ernesta. SILVA, Cristiani Bereta. Ensino de História,
memórias e culturas. Curitiba: CRV, 2013, p. 25.
139

por Nora225, para classificar estes espaços. Compreendemos que são espaços
tidos em sua concepção para dizer intencionalmente sobre uma narrativa
histórica própria, ou que tiveram seu uso social ressignificado para este fim,
consideramo-los “marcas [que] imprimem a identidade, a especificidade do saber
construído por aquele grupo, naquele contexto” 226.
Há diversas formas de produzir essas memórias que guardam
partes das histórias de pessoas e comunidades: por meio de um
diário pessoal, de um álbum de família de uma conversa com
pessoas mais velhas, ouvindo suas histórias e aprendendo com
elas. Uma carta, uma música, uma poesia, também trazem
memórias. Os museus, os monumentos, os casarões, as igrejas
antigas, as ruas: todos são “lugares de memória” onde estão
preservadas muitas histórias.
A memória é uma das maneiras pelas quais as pessoas
preservam suas histórias, independentemente de terem ou não
desenvolvido a escrita.227

Imagem 17: Sobre lugares de


memória.
Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo.
Op. Cit. p. 25.

225
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares, In: Projeto História.
São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dez.1993. p. 19.
226
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Relações entre memória e objeto no estudo das
cidades. In. ZAMBONI, Ernesta. SILVA, Cristiani Bereta. Ensino de História, memórias e
culturas. Curitiba: CRV, 2013, p. 137.
227
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. Cit. p. 25.
140

Entendemos que a obra anuncia a memória como um campo de


experiências do passado que podemos acessar no presente para conhecer as
histórias dos grupos sociais. Essas memórias estão representadas em diferentes
fisionomias, uma delas são os espaços patrimoniais. Ao mencionar a noção de
lugares de memória e mostrar essa ideia cocomitante a imagens do centro
histórico de Olinda228 o livro sugere que há uma relação entre a memória e os
espaços representados nas fotos, mas não explicita como essa relação pode ser
discutida no cotidiano dos alunos.
Seria importante marcar que a memória dos mais velhos e o passado
familiar, citadas no trecho acima, é diferente da História que estudamos na
escola. A História é a reconstrução crítica e incompleta de um passado, operação
intelectual regida por sujeitos que elegem estratégias para dialogar com memória
e a memória é classificada por Monteiro como “contrução individual realizada a
partir de referências culturais coletivas”. Embora a memória possa ser matéria
prima da História, ela não pode ser alçada a própria história daquele povo, pois
seria o mesmo que qualificar uma única possibilidade de história, como por
exemplo a história contada pelos mais velhos. Nesse sentido, para trabalharmos
com conhecimento histórico é preciso também problematizar a memória, cotejá-
la com outras diferentes e dizer sobre o que ela nos responde de uma dada
versão da história.
Ainda sobre o trecho do livro transcrito acima, o conhecimento escolar
sobre “lugares de memória” torna oportuno no sentido de ampliação das
informações sobre o passado, na probelmatização das relações históricas “que
geram conflitos, resistências, negações, [...] que põe em confronto diferentes
culturas, visões de mundo”229. Nesse sentido, analisamos que, ao definir como
apenas informativos os dados trazidos sobre “lugares de memória”, o livro utiliza
essa noção apenas através de uma condição acessória. Pensamos que “o
objetivo em sala de aula não [deveria se limitar] a saber uma informação sobre

228
O Centro Histórico de Olinda, vizinho à cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco,
remete ao início da colonização portuguesa no Brasil, no século XVI. [...] A evolução urbana do
núcleo original da cidade conta a história de reconstrução e expansão da urbe a partir do desenho
primitivo, consolidando uma paisagem construída basicamente durante três séculos de história
[...] Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id= 17247&
sigla=Institucional&retorno=detalheInstitucional. Acesso em 01 dez 2014.
229
MONTEIRO, Ana Maria. Op. cit., 2007, v. 1, p. 61
141

o passado, mas compreender histricamente como e porque tal conhecimento foi


produzido e chegou até nós” 230.
Ao trabalhar com outros lugares, como as questões referentes à sítios
arqueológicos em Pernambuco, como veremos adiante, a obra nomeia alguns
destes como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade ressaltando a
necessidade de sua proteção e da memória que representam.

Imagem 18: Sítios arqueológicos


em Pernambuco.
Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo.
Op. Cit. p. 29.

O fragmento acima mostra importantes expressões históricas como no


caso das inscrições rupestres do Vale do Catimbau 231, ou de achados mais
“recentes”, como os vestígios coloniais da cidade de Igarassu. É importante

230
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Os tempos que a História tem. In: Margarida Maria
Dias de Oliveira. (Org.). Coleção Explorando o Ensino de História. 1ed.Brasilia: Ministério da
Educação; Secretaria de Educação Básica, 2010, v. 1, p. 40.
142

destacar que os achados arqueológicos são apontados não só como um


patrimônio do estado de Pernambuco, mas como um Patrimônio Cultural do povo
brasileiro, atentando para o diálogo com a formação histórica local e instâncias
de formação histórica mais amplas como no caso da importância para o país dos
achados arqueológicos.
Analisamos que o trecho apresenta no texto principal, nas legendas das
fotos e na atividade sugerida o destaque para o trabalho da arqueologia, o
desenvolvimento de um senso de preservação, tanto do patrimônio em si quanto
da memória que ele representa.
Além dessas menções que o livro faz ao longo de sua narrativa há, na
unidade intitulada de “Ritmos, formas, cores e sabores de Pernambuco”
composta por 3 capítulos, onde estão localizadas importantes discussões que
englobam o Patrimônio Cultural de Pernambuco. As discussões giram em torno
das produções artísticas do estado, as expressões da culinária, além das
manifestações festivas, de canto e dança locais.
O primeiro capítulo desta unidade contempla a noção de patrimônio no
trabalho com os contornos culturais dados às obras de barro232. O livro apresenta
o barro como um artefato antigo, forjado em uma conjuntura histórica mundial,
destacando que vários foram os povos que utilizaram-no nas experiências
cotidianas. Direcionando a abordagem para a perspectiva regional a obra
sinaliza a produção de Zezinho de Tracunhaém233, Mestre Nuca234, Manuel

232
As obras de barro são importantes expressões da cultura e do patrimônio de Pernambuco.
Esse tipo de arte pernambucana desponta para o cenário nacional em 1947, na Exposição de
Cerâmica Popular Pernambucana, no Rio de Janeiro. As obras de barro dizem sobre o sertanejo,
como representações das suas vivências cotidianas. São muitos os artistas do barro
pernambucano, o maior ícone desse tipo de produção é Mestre Vitalino. Disponível em:
http://revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/todos-amam-vitalino Acesso 28 jul 2014.
233
Zezinho de Tracunhaém nasceu no dia 5 de julho de 1939, em Vitória de Santo Antão. [...] Na
década de 1960 construiu sua profissão, ensaiando os seus primeiros passos na arte da
modelagem do barro... [Hoje] O mestre Zezinho tem obras espalhadas pelo mundo, em museus,
igrejas, coleções particulares e tem figurado em inúmeros salões de arte. Atualmente, vive no
seu ateliê no Centro de Tracunhaém, onde expõe e vende suas peças. Em 2007, recebeu o título
de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Disponível em: http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/
patrimonio-cultural/imaterial/patrimonios-vivos/zezinho-de-tracunhaem/#sthash.Fud7y0y4.dpuf.
Acesso em 30 nov. 2014.
234
Mestre Nuca, Nuca de Tracunhaém ou Nuca dos Leões, tem como principal personagem de
suas obras o leão, com grande juba de fragmentos de barro achatados. Nascido em Nazaré da
Mata, o artista foi reconhecido como Patrimônio Vivo do estado de Pernambuco. GASPAR,
Lúcia. Nuca Manoel Borges da Silva. Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=
204&I temid=193 . Acesso em: 11 nov. 2014
143

Eudocio235 e Mestre Vitalino236 como grandes representantes desse tipo de


criação cultural no estado.

Imagem 19: A arte do barro em


Pernambuco.
Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo.
Op. Cit. p. 167-169.

235
Manuel Eudocio nascido na década de 1930, é um ceramista caruaruense que tem sua
produção contemporânea a obra de Mestre Vitalino. Até hoje ainda produz obras de barro e as
comercializa no Alto do Moura, na cidade de Caruaru. Também foi considerado Patrimônio Vivo
de Pernambuco. BARBOSA, Virgínia. Manuel Eudócio. Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&v
iew= article&id=738&Itemid=192. Acesso em: 30.nov.2014
236
Mestre Vitalino foi um dos maiores ceramistas do Brasil. Nascido na cidade de Caruaru em
1909, o artista se inspirava no folclore nordestino, universalizando o cotidiano do homem
sertanejo. Suas obras apresentavam diversos aspectos da vida simples do interior do estado
com um estilo que marca a obra de Vitalino. O artista faleceu em 1963, mas sua obra ficou
imortalizada e hoje está exposta, dentre outros lugares, na Casa Museu Mestre Vitalino na cidade
de Caruaru e no Museu do Homem do Nordeste. GASPAR, Lúcia. Vitalino. Pesquisa Escolar
Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br
/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=124:vitalino&catid=56:letra-
v&Itemid=1 Acesso em: 30 nov.2014.
144

Imagem 20: A arte do barro em


Pernambuco.
Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo.
Op. Cit. p. 167-169.
145

Ao atribuir protocolo de patrimônio a estas produções o livro entende que


são expressões artísticas representantes de materialidades e mentalidades
referentes à vida cotidiana dos pernambucanos, das maneiras desses sujeitos
se relacionarem consigo e com os outros ao longo do tempo, dos sentidos
atribuídos aos elementos do mundo do qual foram/são contemporâneos.
Nesse entendimento, as obras de barro ao dizerem de um cotidiano
“sertanejo” podem ser lidas enquanto artefatos que materializam a memória e a
identidade de grupos que historicamente foram alijados da história e que hoje
reivindicam o reconhecimento do seu espaço na construção histórica dos
lugares. A abordagem do ensino de história nessas bases é relevante ao passo
que entende que
...a história precisa se preocupar não só com os usos e a
manutenção das lembranças herdadas, como também, e
sobretudo, deve buscar as lembranças esquecidas, para
descrevê-las, explicá-las, questioná-las237.

A adjetivação dos conteúdos referentes ao patrimônio representado no


barro como sendo objeto de formação histórica escolar possui uma relação direta
com o adensamento da forma como os alunos vão compreender as expressões
patrimoniais no seu cotidiano, o identificando como expressão da inventividade
e da capacidade de interpretação dos sujeitos diante a realidade em que
viveram/vivem. Nessa abordagem então, a prerrogativa é contribuir para que o
aluno alcance “a identificação e o reconhecimento destes bens como patrimônio
de todos, para que percebam na fisionomia das cidades, sua própria história de
vida, suas experiências sociais e lutas cotidianas” 238.
A abordagem sobre o barro, nesse sentido, contribui para a ampliação da
atmosfera cultural dos alunos e para que eles percebam as expressões
patrimoniais como constituintes do seu universo de vivência. Além disso, as
estratégias didáticas mencionam o barro ainda como fonte de leitura das
tradições locais, da religiosidade, das práticas vivenciadas e recriadas nos
moldes do barro que podem muito se aproximar das referências culturais na
realidade do aluno.

237
CAIMI, Flávia Eloisa. Op. cit., 2010, p. 75
238
MONTEIRO, Ana Maria. Op. cit., 2007, v. 1, p. 77.
146

Isso
...traz subsídios do conhecimento histórico para auxiliar a
construção e reconstrução da memória que possibilita ao
indivíduo estabelecer relações afetivas com a cidade e o país
onde vivem, compreendendo como a sociedade em que vive foi
construída através do tempo...239.

As esculturas de barro podem nos contar sobre diversas temporalidades,


promover esse deslocamento temporal é uma das funções do trabalho
pedagógico centrado no patrimônio. Porém, em nossa análise, percebemos
ausência de problematização do barro em seu sentido no passado comparando
com a produção hoje. Nas obras de barro foram imortalizadas uma série de
expressões culturais como o texto e as imagens apresentam – forró,
bacamarteiros, zambumbas, cangaceiros – mas será que desde o início da sua
produção até os dias de hoje as expressões reproduzidas no barro permanecem
as mesmas? Em que medida o processo de interlocução, recriação e
ressignificação cultural contribui para a modificação das representações
empreendidas nas obras?
A análise dessas interrogações pode nos ajudar a pensar a releitura
dessas obras no presente e questionar, por exemplo, a validade de determinadas
representações sobre o cotidiano pernambucano nas obras de Mestre Vitalino,
feitas em tempos pretéritos onde a realidade vivida era diferente de hoje. Por
isso, precisamos pensar as memórias, identidades e representações impressas
no barro no passado e atualmente, pois elas não podem ser desvinculadas do
seu contexto de produção. Essa é uma importante questão que não pode ser
negligenciada, especialmente quando o ensino de história hoje também se
propõe a quebra de perspectivas cristalizadas da cultura e da história e a
desnaturalização do que é vivido.
Na sequência desse capítulo a obra apresenta a Feira de Caruaru 240,
discutindo aspectos da sua historicidade, o que fez com que a feira fosse ali
instalada, os tipos de mercadorias que era/são vendidas, quais os sujeitos que

239
Idem.
240
A Feira de Caruaru é um lugar de comércio onde se encontram produtos de todo o Nordeste.
Hoje a Feira se constitui em um espaço de saberes, modos de fazer específicos e tradicionais
que a caracterizam como espaço singular dentro do estado de Pernambuco, tendo sua proteção
assegurada pela IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/montarDetalheConteudo.
do?id=17754&sigla=Institucional&retorno=detalheInstitucional Acesso: 1 dez. 2014.
147

nela circulam, o tipo de alimentação que oferta a seus transeuntes, menciona o


papel econômico e social que a feira tem para a cidade de Caruaru e para as
cidades vizinhas, a diversidade de expressões culturais que agrega.

Imagem 21 e 22: A Feira de Caruaru.


Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo. Op. Cit. pp. 170-171.
148

A perspectiva histórica da obra, segundo nossa análise, entende a Feira


como estrutura que sustenta práticas singularizadas, que congrega referências
culturais e contribui para a formação da identidade da região, anunciando valores
e memórias coletivas. Nesse contexto, a Feira possui um arquétipo específico
constituído ao longo do tempo, com ligação direta junto a formação histórico-
social do interior de Pernambuco, sendo ponto de encontro de pessoas de vários
lugares, lugar de comercialização de objetos de barro, brinquedos populares,
artefatos de couro, roupas, músicas e comidas locais, dentre tantas outras coisas
que definem assim o seu perfil democrático.
149

A Feira é realizada há mais de 200 anos e, embora a obra não cite a ação
institucional, é reconhecidamente um exemplo do Patrimônio Imaterial nacional,
tendo sua proteção sob a responsabilidade do IPHAN. Atualmente, além de
artesanatos, comidas e músicas típicas, mobiliza milhares de pessoas que vem
de todos os estados do Nordeste, cujos interesses podemos inferir, em sua
grande maioria não são somente por produtos da cultura regional. Dizemos isso
especialmente por esta feira ter adquirido um caráter de espaço comercial de
produtos a baixo preço, caracterizado muito pela comercialização de artigos
importados.
Apesar de reconhecê-la como espaço de sociabilidades diversas, a
narrativa didática desse livro não aponta para o entendimento de que as práticas
culturais da Feira de Caruaru foram historicamente ressignificadas ao longo do
tempo e mudaram a partir dos diálogos culturais projetados pelos diversos
grupos que a constroem enquanto um símbolo cultural, histórico e econômico do
agreste.
Ao não acessar o campo da ressignificação, o texto mostra as práticas
como estáticas, como sendo sempre realizadas em moldes seculares. Um
exemplo disso é a frase:
As pessoas que moram nas cidades vizinhas levam suas
mercadorias para vender. Vão de carro de boi, no lombo de
jumento, a cavalo, de carroça, caminhão, bicicleta, ou por
qualquer outro meio de transporte disponível241. (Grifo nosso)

A assertiva destacada pode abrir precedente para que os alunos


entendam a realidade como um elemento fixo, ou seja, como algo congelado e
imutável. Na passagem, apesar das mudanças temporais empreendidas não só
em Pernambuco, mas no mundo desde a criação da Feira até hoje, ir a ela
continua como uma prática do homem do campo, secularmente invariável e
cristalizada. Tal afirmativa também chama atenção pela a ideia de que trabalhar
na feira ou ir a ela é uma atividade agrícola, que demanda recursos que dizem
de um modo de viver rural.
A atividade que segue a apresentação do texto principal também não
amplia a problematização de aspectos de ressignificação cultural, nem baliza a

241
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. Cit. p.170.
150

aproximação do tema com um possível conhecimento a priori que o aluno possa


ter em relação à Feira, ou a outras feiras com as quais ele tenha contato.

5 – Imagine que você foi conhecer a Feira de Caruaru. Escreva


uma carta endereçada a um colega de classe contanto como foi
essa visita.
6 – Em grupo e sob a orientação do professor, vocês vão
pesquisar, em jornais, revistas, livros e na internet, sobre os
municípios de Caruaru, Goiana e Tracunhaém
- Cada grupo escolherá um município para pesquisar;
- Pesquisem dados sobre: localização, população, história,
principal atividade cultural, nomes famosos;
- Organizem um mural na sala de aula com as informações e
imagens obtidas na pesquisa242.

Verificamos que apesar da escolha pedagógica tentar aproximar o aluno


dos patrimônios representados na Feira, essa tentativa não tem ressonância,
exatamente pela opção da abordagem histórica no trecho destacado pelo viés
da cultural cristalizada. A problematização do contexto contemporâneo da Feira
fica prejudicada, ao passo em que há uma tendência no texto principal de se
criar a imagem de que a Feira será sempre feita por “pessoas montadas em
jumentos, comendo comidas típicas, vendendo artesanato e dançando forró”.
Assim, analisamos que a produção de efeitos de sentido sobre a Feira de
Caruaru nesse trecho, não parte do pressuposto dos deslocamentos e rupturas
promovidas pela dinâmica social em diferentes temporalidades. O livro se
preocupa em apresentar as práticas sociais da Feira como sendo as mesmas ao
longo do tempo, afastando-se da desconstrução de certezas “que viabilizam a
compreensão de atos, pensamentos e sentimentos dos homens através do
tempo”243.
Nas considerações que seguem, a culinária também aparece na obra
enquanto objeto de estudo. O livro aborda diversos elementos da culinária
regional, a nível de Pernambuco e de Nordeste, como a tapioca, a cocada, o
milho e o bolo de rolo. Por apresentar uma abrangência muito grande,
escolhemos analisar os elementos da culinária que se referem especificamente

242
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. Cit. p.172.
243
FREITAS, Itamar Freitas, OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Ensinar história nos anos
iniciais do Ensino Fundamental BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Acervos
complementares: as áreas do conhecimento nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental/
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC/SEB 2009. p. 33.
151

a Pernambuco, reconhecidos em particular por políticas públicas estatais de


salvaguarda do patrimônio local.
Nesse sentido, fazem parte do nosso universo de análise a tapioca, que
recebeu o título de Patrimônio Imaterial e Cultural pelo Conselho de Preservação
do Sítio Histórico de Olinda, e o Bolo de Rolo, reconhecido como Patrimônio
Imaterial do estado de Pernambuco pela Lei Ordinária nº. 379/2007, promulgada
pela Assembleia Legislativa do estado.
Primeiro são apresentados aspectos que dizem respeito à historicidade
da produção da “tapioca” no estado, a sua matéria prima, origens indígenas,
tratando do modo de produção da massa/goma da qual a “tapioca” é feita, da
presença dela na culinária pernambucana contemporânea a partir da
incorporação de novos ingredientes, dos espaços de produção e os diálogos
culturais dos quais a “tapioca” é fruto.

Imagens 23: Sobre a Tapioca.


Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo. Op.
Cit. pp. 174-175-176
152

Imagens 24 e 25: Sobre a Tapioca.


Fonte: CAVALCANTI, Erinaldo. Op.
Cit. pp. 174-175-176
153

Ao mencionar que a “tapioca” é uma criação de um movimento cultural


indígena, reinterpretado temporalmente de acordo com as influências dos
diversos grupos culturais, a estratégia didática da obra se predispõe a instigar o
aluno a deslocar-se do presente, partindo da ideia de que a “tapioca” esteve no
Brasil em contextos temporais diversos.
Oliveira244 afirma que atualmente no ensino de História ressalta-se a
vinculação das identidades e memórias ao contexto do aluno e nesse sentido
analisamos que as informações trazidas pelo livro sobre a “tapioca” são
importantes para contemplar a identificação do passado através de pessoas,
artefatos e/ou lugares, citando como exemplo as práticas que caracterizam as
tapioqueiras do Alto da Sé, em Olinda. Discutir isso contribui para que os alunos
tenham noção de que a construção identitária que faz parte da produção histórica
do estado acontece doravante as adjetivações comuns sobre o passado que os
sujeitos venham a compartilhar, sendo a “tapioca” uma delas.
É preciso destacar que, mesmo sendo a “tapioca” um elemento cultural
presente no cotidiano pernambucano, nem todos os alunos de todas as regiões
do estado conhecem o Alto da Sé em Olinda, tampouco as tapioqueiras que lá
trabalham. Nesse caso, percebemos que, apesar de tentar aproximar a leitura
histórica sobre o tema no cotidiano, o livro se abstém de discutir o saber prévio
do aluno, sem abrir espaço para que ele diga da sua experiência com a tapioca,
ou seja, há “a ausência de uma narrativa elaborada pelos alunos sobre o
vivenciado, relacionando o presente, o passado e o futuro 245”.
O afastamento da experiência do aluno também é visível quando a obra
continua a discutir a experiência gastronômica em Pernambuco, citando o bolo
de rolo como importante referência histórico-cultural do estado, especialmente
por se tratar, segundo cita a obra, de uma herança portuguesa que foi recriada
e ressignificada por aqui, ganhando características próprias que dizem sobre a
realidade pernambucana – o modo de fazer regional, a adaptação de
ingredientes.
[O bolo de rolo] tornou-se patrimônio cultural e imaterial do
estado por meio da Lei Ordinária nº 379.
O bolo de rolo reflete uma influência da cultura portuguesa na
culinária pernambucana. Desde que os portugueses trouxeram
essa receita para a colônia, ela foi sendo modificada, pois em
244
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Op. Cit. 2013.
245
Idem, p. 136.
154

Pernambuco não existiam os mesmos ingredientes com os quais


ela era feita originalmente em Portugal.
Essas mudanças foram dando um sabor diferente e especial ao
bolo até transformá-lo numa receita tipicamente pernambucana.
Em Portugal, o bolo (que era chamado de colchão de noiva)
levava amêndoas no recheio. O doce de goiaba acabou
substituindo as amêndoas e se tornou o principal ingrediente.
Você sabe por que se chama bolo de rolo? Porque a massa era
enrolada em camadas bem finas e, no final, ficava parecido com
um rolo.246

O deslocamento da narrativa do saber histórico escolar em busca de


novas estruturas metodológicas e epistemológicas, a discussão sobre a
formação histórica do estado relacionada a formação de saberes culturais
tradicionais, como na abordagem do livro a respeito do “bolo de rolo”, denota
uma prática já consolidada na epistemologia do conhecimento histórico atual –
o trabalho com as clivagens culturais.
Os estudos históricos apoiados na pluralidade de clivagens culturais
fazem parte de um postulado já consolidado nos estudos da História Cultural247
e o livro analisado segue substancialmente essa prerrogativa. Porém, mesmo
contemplando as bases culturais, o livro didático se ausentou do diálogo
ancorado na percepção de mundo e nas experiências histórica dos alunos, sem
inquirir sobre a relação dos fragmentos de memória que estão presentes no
contexto de vivência da criança e a formação histórica do estado, como no trecho
acima.
Caimi248 aponta que as propostas do ensino de história devem partir da
cultura escolar e dos saberes dos alunos, aproximando as narrativas históricas
das memórias locais e seus indícios na história vivida. Diferente disso,
analisamos que, no trecho da obra posto, há carência de inferências que levem
em conta as experiências históricas dos alunos com a “tapioca” e com o “bolo de
rolo”, levando em conta os diferentes contextos de vivência dos quais os alunos
fazem parte. Isto acontece inclusive nas questões que pretendem mensurar o
que foi apreendido sobre os temas.

Atividades
1-Explique, com suas palavras, a origem da tapioca.
246
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. cit, p.179-180.
247
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos Avançados. São Paulo:
USP, vol. 5, nº 11, 1991. pp. 173 – 191.
248
CAIMI, Flávia Eloisa, 2010, Op, cit.
155

2-Escreva a receita de como se prepara a tapioca.


3- Na sua opinião, a tapioca feita pelos indígenas quando os
portugueses chegaram aqui é a mesma que é feita no Alto da
Sé, em Olinda? Justifique sua resposta.
4- Em grupo e sob orientação do professor, façam uma pesquisa
sobre pratos e respectivas receitas que fazem parte da culinária
de Pernambuco e, de preferência, de sua região.
- Cada grupo pesquisará diferentes receitas.
- Pesquisem ou produzam imagens, desenhos e fotos para
ilustrar as receitas.
- No final, as receitas e respectivas imagens serão reunidas e
apresentadas num livro confeccionado por vocês. Não se
esqueçam de fazer uma capa (de papelão, de cartolina, pano ou
outro material) e de criar um título para o livro249.

Entendemos que nesta atividade o livro limita o campo de possibilidades


de construção do conhecimento que o patrimônio oferta diante do texto principal,
já que, para além das informações obtidas no livro "as crianças constroem
narrativas seguindo as experiências familiares e de grupo de convivência250”,
iniciativa que não foi vista na atividade representada no trecho do livro descrito
acima.
Cainelli251 aponta que para que os objetos do passado construam nos
alunos efeitos de sentido é preciso que eles os relacionem a experiências
históricas anteriores e as suas experiências pessoais atuais, pois as crianças
acabam acessando um cotidiano que não lhes pertence, mas que se torna
significativo quando despertado diante da manipulação de um objeto que lhe é
comum, como a “tapioca” e o “bolo de rolo”.
O último capítulo desta unidade do livro discute manifestações artísticas,
festivas, cantos e danças em Pernambuco. Há muitas informações sobre o forró,
a quadrilha junina, o carnaval, o caboclinho, o maracatu, o frevo, a vaquejada, o
pastoril, o xaxado e as artes plásticas diversas do estado. Entendemos que este
é um universo extenso e que para darmos conta da pesquisa que aqui se
apresenta fez-se necessário estabelecer um recorte de análise nesse capítulo.
Assim, elegemos como objeto de análise alguns patrimônios que o livro
apresenta que relação mais próxima com a experiência histórico-cultural
pernambucana, como o carnaval do estado de Pernambuco, o frevo, o

249
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. cit, p. 181.
250
CAINELLI, Marlene. Educação Histórica: perspectivas de aprendizagem da História no ensino
fundamental. Educar em Revista, Universidade Federal do Paraná, v. 164, 2006, p, 70.
251
Idem.
156

caboclinho e as citadas produções artísticas de Abelardo da Hora, Ana das


Carrancas, J. Borges e Cícero Dias.
Assim, o livro apresenta informações importantes sobre o carnaval,
primeiro quando fala da brincadeira do “mela-mela” ainda no século XVIII e faz
referência a uma abrangência espacial mais ampla que a região de Pernambuco,
depois quando situa o período antes da escravidão como um predecessor do
carnaval no Recife. Há ainda a menção a criação de agremiações carnavalescas
ao longo do tempo, o que fez com que hoje o carnaval de Recife e Olinda seja
reconhecido por marcas e manifestações específicas que as tornam e fazem
única no estado.
Você conhece a história do Carnaval? Sabe como ele surgiu?
Essa festa foi trazida pelos portugueses, por volta do ano de
1723 e era caracterizada por muita diversão e mela-mela.
No Brasil, atualmente, o Carnaval tem ritmos bem diferentes de
uma região para a outra. Na Bahia, prevalece o axé, no Rio de
Janeiro, o samba com desfile das escolas. Em Pernambuco, o
frevo comanda a alegria.
Não se tem uma data precisa de quando nasceu em Recife.
Antes mesmo do fim da escravidão em 1988, africanos e seus
descendentes já se reuniam, às escondidas, para celebrar cultos
aos Reis Magos. Alguns pesquisadores acreditam que essas
celebrações festivas acabaram influenciando a construção dos
blocos carnavalescos em Recife.
Com o fim da escravidão, os negros passaram a se reunir
livremente e, aos poucos, foram sendo criados os clubes
carnavalescos que existem até hoje, mas que certamente
passaram por muitas transformações.
Uma das grandes expressões do carnaval em Recife é o Galo
da Madrugada. Pelo número de pessoas que seguem o Galo,
ele já foi considerado o maior bloco carnavalesco do Mundo.
No início, os festejos carnavalescos em Recife ocorriam em
clubes fechados, onde poucas pessoas tinham acesso. O
idealizador do Galo da Madrugada, Éneas Freire, pensou em
criar um bloco em que todos tivessem acesso à alegria e
diversão nos dias de Carnaval. E como o bloco tinha de sair
muito cedo, antes que as lojas abrissem no sábado, foi chamado
de Galo da Madrugada252.
Em Olinda, o carnaval é conhecido pelos desfiles de blocos que
exibem bonecos gigantes. São os famosos Bonecos de Olinda,
de mais de dois metros de altura, que saem às ruas junto aos
foliões. Um dos bonecos mais famosos do carnaval de Olinda é
o Homem da Meia-Noite, que desfila desde 1932253.

252
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. cit, p. 187.
253
Idem, p. 186-187.
157

Destacamos no texto principal o trabalho de localização temporal da


prática do carnaval em diferentes tempos, como disposto acima. Consideramos
a temporalidade uma noção estruturante, tendo em vista que, como anuncia
Oliveira254, a definição de um contorno que localiza os eventos no tempo
contribui para a produção do saber histórico.
Porém, é necessário que as problematizações subjacentes estejam
fincadas no presente, para que se busque respostas no passado. Levando em
conta essa assertiva, observamos que o livro utiliza informações que dão conta,
por exemplo, de explicar os motivos do Galo da Madrugada ser uma agremiação
democrática e a idealização do seu nome, o que acreditamos ser uma tentativa
de situar a prática no presente. Além disso, utiliza a comparação de imagens das
práticas carnavalescas atuais de Olinda, Recife e Bezerros para questionar se o
aluno sabe do que se tratam, se compreende as aproximações e/ou afastamento
entre elas.

Imagem 26: O carnaval de Pernambuco.


Fonte:CAVALCANTI, Erinaldo. Op. Cit. p. 187.

254
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Op. cit. 2010.
158

Outra cidade com festejo carnavalesco bastante expressivo é


Bezerros, no Agreste do estado. A diversão fica por conta do
bloco Papangus255, que foi criado, provavelmente, por volta do
ano de 1881. O nome do bloco vem do costume dos primeiros
foliões de saírem as ruas mascarados e buscarem comidas e
bebidas nas casas das pessoas. Como comiam muito angu, um
alimento típico da região, passaram a ser chamados de
Papangus, que significa “comedores de angu”256.

Observamos que ao mencionar as expressões do carnaval que se


deslocam do centro metropolitano do estado – Recife e Olinda – e contemplar
as expressões culturais do interior – tomando como referência Bezerros – a obra
amplia as possibilidades de intercâmbio de experiências a partir das diversas
regiões do estado. Fica clara a abordagem sobre a multiplicidade identitária dos
grupos sociais que constituem a formação histórico-cultural de Pernambuco, que
não são entendidas a partir de um único modelo de ação, embora o
conhecimento sobre essas referências seja importante 257.
No livro, tais manifestações passam a ser adjetivadas enquanto conteúdo
do ensino de história com o propósito de potencializar os efeitos de sentido
memorial e identitário dessas expressões patrimoniais, para que tenham reflexo
na criação ou no fortalecimento da noção de identidade.
O estudo das memórias e identidades que fizeram/fazem parte da
formação histórica pernambucana e se manifestam nas expressões culturais
continua na abordagem que o livro faz sobre o “caboclinho”, o “maracatu” e o
“frevo” como demostradas a seguir.

Uma das manifestações do Carnaval pernambucano são os


desfiles das tribos de caboclinhos, que se apresentam nas ruas
do Recife expressando suas crenças, lendas e tradições.
Cantam e exaltam sua cultura, louvando seus antepassados.
Suas fantasias representam seus traços culturais. Em duas filas
alinhadas, desfilam com seus cocares feitos de penas de pavão
ou de avestruz. Os colares pelo corpo dão mais brilho às
fantasias. E com muita habilidade dançam, giram, se agacham
e se levantam com muita desenvoltura.

255
Personagens indispensáveis no carnaval de Pernambuco, os papangus são hoje alegres
foliões mascarados que circulam pelas ruas das cidades, dando um colorido especial à festa.
Mas, nem sempre foi assim. Originalmente, os papangus eram figuras grosseiras e temidas que
acompanhavam as procissões religiosas, tocando trombeta e dando chicotadas em quem
atrapalhasse o cortejo. Disponível em: http://www.pe-az.com.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=58:papangu&catid=33&Itemid=191 Acesso em: 14 jan. 2015.
256
CAVALCANTI, Erinaldo. Op. cit, p, 188
257
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. A construção de referenciais para o ensino de História:
Limites e Avanços. História Revista (UFG), v. 14, p. 193-202, 2009.
159

As representações do grupo fazem menção ao universo


indígena. Estão presentes o cacique, jovens índias, mãe-da-
tribo, cordão de caboclos e caboclas, porta-estandarte e pajé.
Geralmente, o som de flautim, de tarol e de surdo embalam os
caboclinhos que desfilam pelas ruas do Recife nos dias de
Carnaval, ou mesmo nas aldeias em seus rituais e cerimônias 258.
(Grifo do livro)

A palavra frevo vem da expressão ferver, que passou a designar


efervescência, agitação. Esse é um ritmo originário de
Pernambuco que surgiu entre o povo, entre as pessoas que
dançavam as marchinhas e maxixes pelas ruas de Recife. A
primeira referência que se tem da palavra frevo data de fevereiro
de 1908, publicada no Jornal Pequeno, do Recife.
O frevo como gênero musical é uma criação de artistas que
compõem músicas rápidas para o carnaval. Já o frevo como
ritmo, dança [...] se diferencia do frevo como gênero musical pela
ausência de letras. A sombrinha colorida tornou-se o principal
instrumento identificador do frevo dança, ou ritmo. Esse é o
chamado frevo de rua, feito unicamente para ser dançado259.
(Grifos do autor)

O Maracatu do Baque Virado usa uma boneca chamada


Calunga como uma de suas personagens. Ele representa a
divindade dos orixás. O apito usado pelo cantador dá o tom
inicial para a entonação das toadas. Nos cortejos, reis e rainhas
africanos são homenageados e, nas músicas, as divindades
africanas são veneradas.
Ao som de zabumba, tarol, caixa de guerra e gonguê, os
maracatus embalam as ruas do Recife e as ladeiras de Olinda
no período do Carnaval. Diversos personagens são
representados, como rei, rainha, príncipe e princesa, dama de
honra, vassalos, porta-estandarte, escravo sustentando a
sombrinha, corneteiros, batuqueiros, entre outros.
Há diversos grupos de maracatu do Baque Virado em
Pernambuco. O mais antigo é o Nação Elefante, fundado em
1800. Os grupos de maracatu do Baque Virado passaram a se
reunir no Pátio do Terço, em frente à igreja de mesmo nome,
numa cerimônia que é conhecida como Noite dos Tambores
Silenciosos. Nesse ritual, os participantes evocam a bênção de
Nossa Senhora do Rosário, protetora dos escravos.
A cerimônia acontece na segunda-feira de Carnaval e tem suas
origens na época em que o Brasil era colônia de Portugal. Os
escravos se reuniam para pedir proteção a Nossa Senhora do
Rosário na tentativa de suportar os castigos que sofriam.
Além do Baque Virado, existe o Maracatu do Baque Solto ou
Rural, que possui um ritmo mais acelerado e uma percussão
mais forte, diferenciando-se do Baque Virado também pela
ausência das figuras do rei e rainha260.

258
CAVALCANTI, Erinaldo, Op. cit., p.189.
259
CAVALCANTI, Erinaldo, Op. cit., p.191.
260
CAVALCANTI, Erinaldo, Op. cit., p.198-191.
160

Temas indígenas e afro, como no caso do “caboclinho” e do “maracatu”


são contemplados no livro para atender as demandas sociais/educacionais
exigidas por lei261. Não podemos esquecer que elas tornam-se noções fundantes
para a construção das identidades locais e o livro escolhe trabalhar com esse
tema para alcançar aquilo que se define como finalidades para o ensino de
História262 no contexto de educação atual. Todavia, analisamos que a exploração
das potencialidades problematizadoras dos temas em questão está ausente,
assim como as informações apresentadas revelam um forte sentimento nativista
fincado apenas no presente, como se as manifestações sempre fossem como
são hoje, sendo o texto do livro informativo apenas.
Nas passagens transcritas acima o perfil informativo se sobressai. A forma
de tratamento do frevo como informação histórica no livro aparece partindo de
um perfil expositivo e não reflexivo. Pensamos que a problematização da
informação é o alicerce da construção do saber histórico, por isso é importante
ressaltar que informar sobre o frevo, o maracatu, o caboclinho ou qualquer
manifestação, é diferente de explicar e que para que o aluno construa bases
mínimas do conhecimento histórico, as informações apresentadas devem vir
acompanhadas de conhecimentos mais abstratos.
É importante, por exemplo, questionar motivações que desencadearam a
manifestação, ou ainda problematizar as mentalidades da sociedade
pernambucana que contribuíram para a ação, diante de um dado recorte
temporal. “Assim, unida a aprendizagem de dados à de conceitos, o aluno
entenderia e emitiria a sua opinião sobre o conteúdo aprendido, alcançando uma
aprendizagem significativa.263”
Não podemos deixar de mencionar que ao apresentar diferentes
manifestações que constituem as memórias e identidades inerentes a formação
histórica pernambucana, a obra oportuniza que as mesmas sejam
desmistificadas, ao passo em que a sua importância histórica é apresentada
perante expressões culturais que exprimem valores, crenças, atitudes,

261
Lei 10,639/2003 que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira
na Educação e a Lei 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino da Cultura e História Indígena.
262
FREITAS, Itamar. História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático
em questão (2006/2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009.
263
Idem, p. 186.
161

auxiliando as crianças a construírem seu referencial de identidade, ter percepção


da sua cultura e respeitar as demais.
Na sequência, o livro aborda outros aspectos do estado apresentados a
partir da criação individual de sujeitos que produziram legados através dos quais
é possível perceber a historicidade da formação cultural pernambucana.
Transcrevemos abaixo trechos264 nos quais são mencionadas as especificidades
da produção de Abelardo da Hora, de Ana das Carrancas como saberes
singulares, a arte brincante de Antônio da Nóbrega em associação a Ariano
Suassuna na composição do Quinteto Armorial, Manuel Bandeira e Ascenso
Ferreira aparecem como referências da produção literata, o xilogravurista J.
Borges é abordado diante da sua condição de “Patrimônio Vivo” do estado de
Pernambuco, há ainda menção a produção teatral e cinematográfica de Barreto
Júnior e a arte de Cícero Dias.

Artistas como Aberlado da Hora ajudam a tornar Pernambuco


um grande centro produtor de artes. Aberlado foi um dos
fundadores da sociedade da Sociedade de Arte Moderna do
Recife [...]
Ana das Carrancas é uma artesã que produz carrancas feitas de
barro. [...]
[...] Antônio Nóbrega, dançarino, violonista, ator, instrumentista
e compositor. Em 1971 foi convidado pelo escritor Ariano
Suassuna a participar como violonista do Quinteto Armorial [...].
Outro artista pernambucano de destaque é o poeta Ascenso
Ferreira. O escritor nasceu em Palmares em maio de 1895, e
faleceu em Recife em 1965 [...]
Não podemos deixar de mencionar o xilogravurista e cordelista
José Francisco Borges, ou J. Borges. O artista foi reconhecido
como um dos melhores xilogravuristas do mundo, seu trabalho
já percorreu vários países e foi premiado por diversos órgãos de
cultura[...]
Pernambuco também se destaca no ambiente teatral. Muitos
atores pernambucanos se sobressaem nessa arte. Um exemplo
é José do Rego Barreto Junior, mais conhecido como Barreto
Júnior. Ele nasceu em Cabo de Santo Agostinho, em 1903, e
falaceu em Recife em 1983. Barreto Júnior lutou a vida toda pela
valorização do teatro em Pernambuco. [...]
O poeta Manuel Bandeira, [...] também é pernambucano. [...]
Outro artista de Pernambuco de grande relevância é o pintor
Cicero Dias. Reconhecido no mundo inteiro, Cicero Dias nasceu
em Escada em março de 1907 e morreu em 2009, com 102 anos
de idade. [...]

264
O livro apresenta muitas informações sobre esses artistas, por isso são transcritos apenas
trechos. Para acesso à todo o conteúdo apresentado pelo livro didático favor consultar anexo.
162

As informações acima denotam a preocupação da obra em apresentar


referenciais da produção cultural do estado, mesmo que nominalmente, ou seja,
elegendo sujeitos que são ícones. Trabalhando nesse momento com a
apresentação desses ícones, a obra investe no sentido de ampliar os limites de
formação cívica muito preconizada no ensino de História, especialmente, no
período da ditadura onde se sobressaiam aspectos e figuras políticas como
centrais da construção histórica. Ao abordar os sujeitos/ícones culturais o livro
aposta no desenvolvimento de um sentido histórico social, que dilata a atuação
pontual dos sujeitos apenas em eventos, diferente de perspectivas figurativas
mais antigas.
As figuras de destaque, no caso da menção acima apresentada, mostram
uma relação balizada a partir de criações comuns, que se destacaram diante de
um legado cultural reconhecível naquilo que os alunos podem visualizar no seu
mundo, como uma carranca, um cordel, um poema, etc., co-operando para que
esse aluno atribua sentido histórico a esses elementos.
Ao nomear sujeitos responsáveis por determinadas criações culturais que
na análise reconhecemos como patrimônios, acreditamos que a intenção da obra
não é mitificá-los, mas apresentá-los como detentores de uma representação
cultural, reforçando e mencionando um sentido de pertencimento dos sujeitos do
lugar, ou seja, “...les confiere una carga simbólica que funciona socialmente
como un elemento que refuerza el mencionado discurso identitario y que
promove adhesiones. 265”
Por isso entendemos que a abordagem pedagógica do patrimônio deva
estar a serviço de uma organização didática que reconheça o seu sentido na
realidade que é exterior a sala de aula, nas memórias coletivas compartilhadas,
buscando responder questões da temporalidade histórica recente,
reconhecendo as possíveis distorções da historicidade dos grupos forjadas nos
interesses do presentismo266.

265
PRATS, Joaquim; HERNADÉZ, Antônia. Educación por la Valoración y Conservación del
Patrimonio. In:_ Por Una Ciudad Comprometida con la Educación. Barcelona: Institut
d’Educación de l’Ajuntament de Barcelona, 1999 (Cap. V) s/p.
266
OLIVEIRA, Margarida. Op. cit. 2009.
163

Diante do que foi analisado nesta obra, percebemos que ela contempla
uma abordagem democrática em relação aos Patrimônios Culturais de
Pernambuco, os articulando a trajetória histórica do estado em diversos
momentos da narrativa didática, o que entendemos ser um reflexo da escolha do
livro em reconhecer o Patrimônio como importante criação do processo histórico.
Reconhecemos também a importância da iniciativa de discutir a relação da
memória e identidade, especialmente quando a obra apresenta manifestações
culturais descentralizadas do polo metropolitano do estado.
Analisamos que o cunho informativo é o viés escolhido para a
apresentação do conhecimento histórico, ao passo que é possível visualizar uma
significativa quantidade de informações relacionadas a produções histórico-
culturais do estado, sem que haja problematizações relacionadas à relação do
conhecimento apresentado e o cotidiano do educando.
Por isso, é necessário destacar os limites do trabalho educativo impostos
pela abordagem pedagógica, quando esta, em geral, polariza o entendimento
sobre o patrimônio em duas frentes. Primeiro ao mostrar determinados
patrimônios como criações realizadas em um passado, imunes a influências do
presente, ou seja, como se os patrimônios ou práticas culturais fossem ainda
praticadas como quando concebidas. Segundo quando apresenta as
características de determinada manifestação no presente, sem considerar sua
trajetória de ressiginificação, desde quando pensadas.
Assim, afirmamos que nesse livro a criação de sentidos históricos pelos
alunos relacionados ao Patrimônio Cultural, as memórias e identidades que
fazem parte da formação histórica do estado de Pernambuco, depende em
grande medida de inquietações e questionamentos empreendidos pelos
docentes. Afirmamos isto, pois a obra em questão, apesar de apresentar
significativas informações sobre o Patrimônio, preconiza no sentido instrutivo da
informação, ao passo em que se ausenta da problematização, artifício inerente
à estruturação de todo conhecimento.
164

CONSIDERAÇÕES FINAIS
165

As considerações feitas nesse espaço se propõem a arrematar o que foi


dito ao longo desse trabalho. Não queremos aqui a apontar cotejamentos ou
críticas depreciativas às obras didáticas analisadas e inclusive nos colocamos
em uma direção diferente desta. Vamos então, a partir de agora, retomar alguns
apontamentos feitos ao longo do texto, no sentido de ampliar o diálogo entre a
problemática do trabalho, os questionamentos feitos a priori e as respostas
encontradas.
Inquirir como os livros didáticos regionais de História de Pernambuco
trabalham o Patrimônio Cultural do estado na perspectiva da formação histórica
de crianças na educação básica foi a problemática aqui investigada. Ao optar
pelo livro didático regional como fonte, assumimos o desafio de produzir uma
pesquisa inédita diante do cenário da historiografia pernambucana. Fazer essa
escolha resultou em dinâmicas distintas, primeiro tornou esta pesquisa um
constante movimento de descoberta, diante da ausência de pesquisas que
pudessem ser tidas como referência, segundo na admissão de alguns riscos,
todos eles reconhecidos ao longo da produção da pesquisa e tomados com
extrema clareza. A condição conflituosa da noção de Patrimônio Cultural, a
grande quantidade de obras e a diversidade como o patrimônio é apresentado
nos livros didáticos podem ser reconhecidos como alguns dos aspectos que
foram salientados.
Da problemática central desdobram-se outros questionamentos que
direcionaram a pesquisa: (i) Quais os aspectos que devemos levar em conta
para conjecturar o perfil de fonte histórica que possuem os livros didáticos de
História, neste caso, os livros didáticos regionais? (ii) Qual o lugar ocupado pelo
Patrimônio Cultural nas obras didáticas regionais?; (iii) Como o livro didático
regional organiza suas estratégias didáticas e as perspectivas históricas para
subsidiar o trabalho docente com o Patrimônio Cultural nas aulas de História?;
(iv) A abordagem pedagógica das obras contribui para o desenvolvimento do
saber histórico relacionado ao Patrimônio Cultural como espaço vivido e
apreendido cotidianamente?; (v) Como as obras fomentam noções de identidade
e memória no trabalho com o Patrimônio Cultural do estado?.
A nossa análise foi direcionada a partir do que foi apresentado em 7 livros
didáticos regionais de História de Pernambuco, que são eles: História de
Pernambuco de Célia Siebert (2001) Editora FTD; História – Interagindo e
166

Percebendo Pernambuco de Lilian Sourient, Lielba Ramos e Kátia Olszewski


(2001), Editora do Brasil; Interagindo com a História de Roseni R. C. Nascimento,
Lilian Sourient e Rosiane de Camargo (2005) Editora do Brasil; História –
Pernambuco de Francisco Teixeira, Editora Ática 1ª edição (2006), 2ª edição
(2008) e 3ª edição (2011); e Pernambuco de muitas histórias – História do Estado
de Pernambuco”, escrito por Erinaldo Cavalcanti, (2011) Editora Moderna.
Em princípio afirmamos que caracterizar o livro didático como fonte é uma
tarefa consolidada nas pesquisas acadêmicas. Essa assertiva se confirma
quando em um período de seis anos o livro didático de História aparece em 35
dissertações e 11 teses. Porém, quando trata-se do livro regional de História
essa afirmativa se converte em ausência, ao passo que nenhum dos trabalhos
acadêmicos no universo das teses e dissertações citadas contemplou tal objeto
cultural.
O livro regional é uma obra que possui a especificidade do recorte
histórico estadual e que tem como prerrogativa trabalhar com o reconhecimento
do contexto histórico de professores e alunos como lócus privilegiado da
produção histórica mais próxima desses sujeitos. Esse tipo de publicação está
inserida no cenário do PNLD a pouco mais de 10 anos, sendo sua primeira
resenha publicada no Guia Nacional do Livro Didático de 2004.
As obras didáticas regionais são registros históricos que possuem
importantes indicações sobre o tempo em que foram concebidos, os sujeitos que
o produziram, o espaço do qual fala, faz parte ou que se destina, as escolhas
político-sociais nele empreendidas, os interesses que direcionam a sua
narrativa. Tomar este registro como fonte implica o reconhecimento das
prerrogativas já anunciadas por Certeau267 diante da operação historiográfica e
por Bloch268 em suas assertivas sobre o ofício do historiador. Na leitura desses
autores, o registro só assume o caráter de fonte a partir do momento em que o
historiador levanta interrogações, questiona a fonte sobre o que deseja saber.
Nesse sentido, na adjetivação do livro didático regional como fonte é
necessário atribuir um horizonte de interpretação a partir do lugar social ocupado
pelo historiador, apresentar os caminhos metodológicos eleitos para contornar a

267
CERTEAU, Michel. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
268
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.
167

pesquisa e a construção do discurso historiográfico e da divulgação do que foi


apreendido269. Afirmamos ainda que posicionar o livro didático regional como
fonte reflete em realizar uma das principais tarefas do métier do historiador que
é produzir a crítica histórica, reconhecendo a necessidade de análise e
problematização implementada sobre a fonte/documento.
Para o tratamento do livro didático regional como fonte precisamos
ampliar o nosso olhar enquanto historiadores, lê-lo como uma produção cultural
da humanidade, fazer-lhe as perguntas mais oportunas, inserindo-o no leque de
fontes históricas passíveis de ser perscrutadas.
Aqui objetivamos, ao analisar os livros didáticos regionais, refletir sobre o
Patrimônio Cultural como temática a ser trabalhada no conhecimento histórico
regional/local, identificar as abordagens referentes ao Patrimônio Cultural nas
obras didáticas regionais na sua relação com o cotidiano dos alunos e ao
fomento das noções de memória e identidade, conforme questionamentos
postos.
Na nossa análise o Patrimônio Cultural foi compreendido como criações
e experiências históricas compartilhadas, que fazem parte da formação das
memórias e identidades das pessoas. O Patrimônio Cultural faz parte de um
legado de cunho étnico, natural, social, material e simbólico, associado a
sujeitos, tempos e lugares específicos, tornando-se objeto a partir do qual podem
ser validadas e legitimadas características dos grupos culturais de um dado
espaço.
A inserção do Patrimônio como temática de ensino de História
Regional/Local ressoa como significativa, ao passo em que o distanciamento das
narrativas memorialísticas e da abordagem das figuras políticas e a aproximação
da perspectiva de formação histórica inerente a formação cultural abrem margem
para que o Patrimônio Cultural possa figurar como objeto de informação e
formação histórica na escola.
Assim, ensinar História Regional/Local fundamentando-se no Patrimônio
como objeto de investigação e aprendizado, pode oportunizar a compreensão do
passado a partir da análise da historicidade dos lugares, de sua localização
espaço temporal, das manifestações culturais, das experiências, memórias e

269
Certeau, Op cit.
168

identidades criadas nos sentidos e nas interpretações atribuídos a esse


Patrimônio.
Podem derivar desse ensino também investigações que analisem o
Patrimônio Cultural no sentido de produzir conhecimentos sobre as experiências
cotidianas, as rupturas e continuidades nas formas de ser e viver ao longo do
tempo, os conflitos e ingerências que são parte constituinte do processo de
formação histórica.
Analisando a forma como os patrimônios são abordados nos livros
didáticos regionais, de maneira geral, todos os livros mencionaram na sua
narrativa algum patrimônio do estado de Pernambuco. Do nosso universo de
pesquisa, apenas um dos 7 livros não reservou espaço específico para o
tratamento pedagógico de manifestações patrimoniais, o fazendo em menções
pontuais ao longo da narrativa.
O patrimônio é apresentado nos livros didáticos regionais de diversas
maneiras: como produção de indivíduos com ações pontuais ligados à esferas
político-administrativas ou a conflitos dentro do estado, através da menção a
espaços arqueológicos, lugares de memória ou ao patrimônio reconhecido pelo
IPHAN, UNESCO ou FUNDARPE de cunho material, imaterial ou vivo, enquanto
expressões de manifestações culturais – carnaval, maracatu, festas juninas, etc.
Esse universo de patrimônios que as obras trazem também aponta para
direcionamentos em relação ao trabalho com a formação identitária e da
memória pernambucana, cuja articulação proposta pelas obras atua em duas
frentes: a obra mais antiga indica predominantemente uma concepção de
História Política com fomento a História de Pernambuco como desdobramento
da História nacional e com a defesa de uma identidade gestada no seio de uma
perspectiva nacionalista e a memória como sendo transmitida apenas a partir de
referencias político-administrativa, situando o patrimônio enquanto produto da
ação de um dado governo ou sujeito. As demais obras trabalham com um perfil
mais democrático de identidade e memória, ao passo em que, mesmo as que
mencionam referenciais nominais ou de eventos políticos ou ainda que
consideram a construção história de Pernambuco essencialmente
“consequência” da História do Brasil, trabalham com manifestações culturais
diversas, ainda que sob um viés expositivo.
169

Fica claro na narrativa das obras a ampliação da discussão sobre cultura


e sobre investidas para a aproximação da produção histórica com o que é
experienciado na vida cotidiana dos alunos, na medida em que os livros tornam-
se mais recentes. Consideramos essa mudança como resultado do
aprimoramento das exigências institucionais, balizadas pelas orientações
elaboradas pelos editais de seleção do PNLD, alinhadas as prerrogativas mais
atuais do ensino de História, embora isso seja um elemento de pouca visibilidade
nas obras tendo em vista as permanências observadas em seu conjunto.
Essas tentativas de aproximação do Patrimônio Cultural de Pernambuco
com as experiências históricas do cotidiano dos alunos são realizadas, em maior
número, nas obras aprovadas e publicadas nos dois últimos Guias do Livro
Didático. Para isso são mencionadas as festas juninas, as esculturas de barro
de diversos artistas do estado, manifestações culturais afro-brasileiras e
indígenas, a produção literária, que são significativas, ao passo em que
preenchem uma relativa ausência notada nas obras anteriores.
Porém, apesar das obras contemplarem, de maneira ampla, uma
variedade de patrimônios, alargando o espaço para a discussão sobre a
formação histórico-cultural dos alunos a cada obra, observamos que a exposição
das informações, em sua grande maioria, contribui de maneira restrita para a
construção de sentidos históricos nos alunos. Afirmamos que esse é o elo que
une todas as obras. Mesmo os livros se situando em escolhas teórico-
epistemológicas e contextos temporais de produção diferentes, a opção pela
informação histórica referente ao Patrimônio Cultural do estado de Pernambuco
com ausência de problematização se sobressai em todas elas.
Diante dos dados acessados e das reflexões teóricas empreendidas até
aqui, afirmamos que essa pesquisa revelou a importância do fomento cada vez
mais intenso de pesquisas que contemplem o livro didático regional como objeto
de investigação histórica e pedagógica. É preciso reconhecer, nos espaços de
produção historiográfica, os documentos e os lugares de produção histórica
como passíveis de pesquisa histórica sem hierarquizações, incluindo nessa
“desmistificação” o livro didático regional que é um importante artefato cultural,
inserido nas relações mais íntimas dos alunos do 4º e 5º anos do Ensino
Fundamental, essencial no movimento de ensinar e aprender História
Regional/Local no contexto escolar.
170

Ao ver e dizer sobre o Patrimônio Cultural nos livros regionais de História


de Pernambuco, reconhecemos o universo de tensão que essa obra passa.
Embora sejam evidentes as mudanças empreendidas nas obras ao longo do
tempo e com elas o alargamento do espaço ocupado pelo Patrimônio e o tipo de
abordagem que os livros possuem, existem ainda muitos limites e barreiras a
serem transpostas no sentido de que os conteúdos sobre o Patrimônio Cultural
regional possam contribuir efetivamente para a construção do pensamento
histórico.
A construção do conhecimento histórico sobre a História Regional/Local
associada ao Patrimônio como subsídio histórico/pedagógico requer a
superação de modelos informativos. É preciso avançar. Questionar a relação e
a significação do patrimônio na vivacidade do que o aluno experiência,
transformar esse patrimônio em objeto de investigação histórica sentido,
pensado e vivido para e pelos alunos, para além da informação pontual, é
provocação que assumimos de agora em diante.
171

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patrimônio e memória. 2012. 215f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa
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http://www.releituras. com/joaocabral_bio.asp
http://www.releituras.com/ascensof_menu.asp
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www.jborgesbrasil.blogspot.com.br
182

APÊNDICE
183

APÊNDICE - IDENTIFICAÇÃO DAS DISSERTAÇÕES E TESES


PESQUISADAS

ALEM, Nathália Helena. Entre permanências e mudanças: a História do ensino


de História, no Colégio Estadual Clériston, da rede estadual de Eunápolis-BA
(1993-1999). 2010, 159f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de
Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe, 2010.

ALMEIDA, Fabiana Rodrigues. História e memória nos limites do (in) visível:


reflexões sobre o saber histórico escolar nos livros didáticos de História. 2012,
242. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora. 2012.

AMARAL, Sandra Regina Rodrigues do. Significações do professor de


História para a sua ação docente: o livro didático de história e o manual do
professor do segundo segmento do ensino fundamental no PNLD 2008. 2012,
144f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Estadual de Londrina, 2012.

AMORIM, Alessandro Moura de. MNU representa Zumbi (1970-2005): cultura


histórica, movimento negro e ensino de História. 2011, 204f. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em História, Universidade
Federal da Paraíba. 2011.

ARAÚJO, Cinthia Monteiro de. Por outras histórias possíveis: em busca de


diálogos interculturais em livros didáticos de histórias. 2012, 176f. Tese
(Doutorado em Educação) Departamento de Educação, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, 2012.

ASSUNÇÃO, Cristina Adelina de. A ditadura militar retratada nos livros


didáticos de História no Brasil de 1964-1985. 2009, 118. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em História, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2008.

BANDEIRA, Isaíde Timbó. O livro didático de história: um caleidoscópio de


escolas e usos no cotidiano escolar. 2009, 271f. Tese (Doutorado em Educação)
184

Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Rio


Grande do Norte, 2009.

BARBOSA, Fabiany Glaura Alencar e. A abolição da escravidão e modos de


pensar e de representar a experiência passada: livros didáticos (1865-1918)
2012, 129f. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade de Brasília, 2012.

BASSI, Marcos Ivan. O livro didático de história – uma análise a partir de


representações de regionalidade. 2012, 106f. Dissertação (Mestrado em
Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Luterana
do Brasil, 2012.

BRAUNA, Diogo dos Santos. O livro História do Brasil de Borges Hermida:


uma trajetória de edições e ensino de História (1942-1971). 2012, 111f.
Dissertação (Mestrado em educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2012.

CARIE, Nayara Silva de. Avaliações de coleções didáticas de Historia de 5ª


a 8ª série do Ensino Fundamental: Um contraste entre os critérios avaliativos
dos professores e do Programa Nacional do Livro Didático. 2008, 139f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 2008.

CARVALHO, Ana Beatriz dos Santos. Leituras e usos do livro didático de


História: relações professor-livro didático nos anos finais do Ensino
Fundamental. 2009, 120f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de
Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Uberlândia, 2009.

CASTRO, Lisiane de Oliveira Costa. As representações sociais do longevo


no livro didático do ensino fundamental. 2012, 102f. Dissertação (Mestrado
em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade
católica de Brasília, 2012.

COELHO, Araci Rodrigues. Usos do Livro didático de História: entre


prescrições e táticas/ Araci Rodrigues. 2009, 435F. Tese (Doutorado em
Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de
Minas Gerais, 2009.
185

COLLARES, Solange Aparecida de Oliveira. História da Cartilha paranaense


nas Escolas do Estado do Paraná. 2008. 128f. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2008.

COSTA, Arthur Estácio Pereira. O ensino de História da América: trajetórias e


representações sobre os indígenas nos livros didáticos. 2012, 150f. Dissertação
(Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 2012.

FERNANDES, José Ricardo Oriá. O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa


e literatura escolar para o ensino de História (1934-1961). 2009, 363f. Tese
(Doutorado em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade de São Paulo, 2009.

FILGUEIRAS, Juliana Miranda. Os processos de avaliação de livros didáticos no


Brasil (1938-1984). 2011, 263f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de
Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, 2011.

FRANCO, Aléxia Pádua. Apropriação docente dos livros didáticos de


história das séries iniciais do ensino fundamental. 2009, 281f. Tese
(Doutorado em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 2009.

KANTOVITZ, Geane. O livro didático de história da rede salesiana de


escolas em Santa Catarina: desafios na formação do pensamento histórico.
2011, 145f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação
em Educação. Universidade Federal de Santa.Catarina, 2011.

MARIA, Noemi Antônio. O currículo e o Ensino de História nos anos finais


do Ensino Fundamental. 2013, 109f. Dissertação (Mestrado em Educação),
Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade federal do Rio Grande
do Sul. 2013.

MELLO, Paulo Eduardo Dias de. Materiais Didáticos para a Educação de


Jovens e Adultos: história, formas e conteúdos. 2010, 254f. Tese (Doutorado
em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de São
Paulo, 2010.
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MIRANDA, Paulo André Batista. A cultura histórica iluminista: entre o projeto


político e o livro didático. 2011, 171f. Dissertação (Mestrado em História)
Programa de pós-graduação em História, Universidade Federal da Paraíba,
2011.

MOREIRA, Kenia Hilda. Ensino de História do Brasil no contexto republicano


de 1889 a 1950 pelos livros didáticos: uma análise historiográfica e
didático-pedagógica. 2012, s/f. Tese (Doutorado em Educação) Programa de
Pós-graduação em Educação, Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho.
2012.

MOURA, Ana Maria Garcia. Ensino e aprendizagem nos livros didáticos de


história (1960/200): que concepções apontam os exercícios? 2011, 164f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal de Sergipe, 2011.

NÓBREGA, Alessandra Fernandes. O Nordeste com saber escolar: as


temáticas regionais/regionalistas impressas nos livros didáticos de história. Um
estudo comparado – 1930/1950 e 1998/2008. 2011, 176f. Dissertação (Mestrado
em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade
Federal da Paraíba. 2011.

OLIVEIRA, Carla Karin e Santana. O livro didático ideal em questão: estudo


da teoria da formação histórica de Jörn Rüsen em livros didáticos de História
(PNLD-2008). 2012, sf. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-
graduação em História, Universidade Federal da Paraíba, 2012.

PALHARES, Leonardo Machado, 1975 - Entre o verdadeiro histórico e a


imaginação criadora: ilustrações sobre história e cultura dos povos indígenas
em livros didáticos de História. 2012, 226f. Dissertação - (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal
de Minas Gerais, 2012.

PEREIRA, Devyson Carvalho Duarte. Memórias negociadas: o regime militar


no livro didático de História do Ensino Médio (1967-1988). 2011, 127f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal Fluminense, 2011.
187

PINA, Maria Cristina Dantas. A escravidão no Livro Didático de História do


Brasil: três autores exemplares (1890-1930). 2009, 240f. Tese (Doutorado em
Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Estadual
de Campinas, 2009.

PIRES, Iracy Barbosa. A construção de uma identidade: Representações do


negro no livro didático de História de 1930 a 2005. 2009, 128f. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em História, Pontíficia
Universidade Católica de Goiás, 2009.

RAGUSA, Helena. A história dos cristãos-novos no Brasil colonial e a


escrita nos livros didáticos: um estudo comparativo. 2012, 191j. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de pós-graduação em História, Universidade
estadual de Londrina.

ROCHA, Aristeu Castilho da. O regime militar no livro didático de História no


Ensino Médio: A construção de uma memória. 2008, 382f. Tese (Doutorado em
História) Programa de Pós-Graduação, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. 2008.

RODRIGUES, André Coura. Manuais didáticos e conhecimento histórico na


Reforma João Pinheiro: Minas Gerais 1906-1911. 2009, 165f. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade de São Paulo, 2009.

RODRIGUES, Delweks. O livro didático de História do 5º ano: um elemento


socializador da violência. 2009, 120f. Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de São
Carlos, 2009.

ROSA, Mayara Silvério Batista. As representações dos indígenas no livro


didático de história no ensino fundamental (1º ao 5º ano) do ensino público
de Campo Grande/MS. 2012, 160f. Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Católica Dom Bosco,
2012.

ROZA, Luciana Magela. Entre sons e silêncios: apropriações da música no


livro didático no ensino de história afro-brasileira. 2009, 140f. Dissertação
188

(Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em Educação,


Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.

SALLES, André Mendes. A guerra do Paraguai na literatura didática: Um


estudo comparativo. 2011, 168f. Dissertação (Mestrado em História) Programa
de Pós-graduação em História, Universidade Federal da Paraíba, 2011.

SANTOS, Alexandro do Nascimento. Pátria, nação, povo brasileiro na


produção didática de Manoel Bomfim e Olavo Bilac: Livro de leitura (1899) e
através do Brasil (1910) 2010, 130f. Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade Católica de São Paulo, 2010.

SANTOS, Jorge Artur Caetano Lopes dos. Concepções de história e de


cidadania nos livros didáticos e nas diretrizes curriculares: leituras e
sentidos (1996-2005). 2008, 163f. Dissertação (Mestrado em História) –
Programa de Pós-graduação em História, Universidade de Brasília, 2008.

SANTOS, Sílvia Carolina Andrade. A escrita histórica para crianças: a


experiência de João Ribeiro (1900/1912). 2011, 80f. Dissertação (Mestrado em
Educação) Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de
Sergipe. 2011.

SILVA, Jeferson Rodrigo da. Artes de fazer o ensino de história: professor,


aluno e livro didático entre os saberes admitido e inventivo. 2012, 370f.
Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-graduação em História,
Universidade Estadual de Londrina, 2012.

SILVA, Marcos Antônio. A formação leitora no livro didático de História. 2009,


229f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. 2009.

SOUZA, Kleber Luiz Gavião Machado de. Conteúdos conceituais nas


coleções de História para o ensino médio: o que muda e o que permanece
com a intervenção do Programa Nacional do Livro Didático. 2011, 138f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade Federal de Sergipe. 2011.

VERMELHO MORALES, Elisa. História do cotidiano e ensino de história:


concepções teóricas presentes em livros didáticos para o ensino fundamental II
189

(1980-2000). 2012. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade


Estadual de Londrina, 2012.

VIEIRA, Cleber Santos. Entre as coisas do mundo e o mundo dos livros:


Prefácios cívicos e impressos escolares no Brasil republicano. 2008, 287 f.
Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação,
Universidade de São Paulo, 2008.

XAVIER, Érica da Silva. Canção como mediação nos livros didáticos de


História na coleção de História e vida integrada de Nelson e Claudino Piletti
(1991 a 2007). 2012, 143f. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-
graduação em História, Universidade Estadual de Londrina, 2012.
190

APÊNDICE II- PERFIL DAS OBRAS

Quadro I – Perfil das obras


Obra
História de Pernambuco
(Célia Siebert)
Abordagem da Narrativa Cronológica evolutiva
Orientação historiográfica História da formação política do estado
Abrangência cronológica Chegada dos europeus até final de século XX
A narrativa é organizada em duas partes. A
primeira é apresentada com os capítulos dispostos
sem que haja para esta uma denominação
específica. A segunda chama-se “Sociedade,
governo e Cidadania”.
Cap. 1 – Introdução: Definição de História e Pré-
história; Formas de contar o tempo
Cap. 2 – Um pouco de História do Brasil: Chegada
de Cabra; Grades navegações;
Cap. 3 – Esta terra pertencia aos índios: Grupos
indígenas no Brasil de Cabral; Comparação com
as tribos atuais.
Cap. 4 – Assim começa a História de Pernambuco:
Chegada dos espanhóis Vicente Pinzón e Diogo
Leppe; Chegadas dos portugueses via Cabo de
Santo Agostinho; Invasões francesas; Martim
Afonso de Sousa.
Cap. 5 – A conquista de Pernambuco: Capitanias
hereditárias; Pernambuco e São Vicente; Origem
do nome Pernambuco; Duarte Coelho; Inicio do
cultivo de cana-de-açúcar.
Cap. 6 – Ocupação das terras: Trabalho no
engenho; Mão-de-obra indígena e escrava;
Ocupação da Zona da Mata; Olinda sede
administrativa do estado; instalação dos jesuítas.
Cap. 7 – Os holandeses invadem Pernambuco: Os
Estrutura da narrativa
conflitos da coroa portuguesa; Invasão holandesa
em Pernambuco.
Cap. 8 – Um governador para o Brasil holandês:
Estabelecimento do governo holandês; Chegadas
e benfeitorias de Mauricio de Nassau.
Cap. 9 – Fim do domínio holandês: Saída de
Nassau; Mobilizações pró Insurreição
Pernambucana.
Cap. 10 – Quilombo dos Palmares: Formação dos
Quilombos; Palmares; Domingos Jorge velho e o
ataque a Palmares;
Cap. 11 – Pernambuco enfrenta tempos difíceis:
Instalação de novo governo; reestruturação do
estado após o conflito com os holandeses e com
os quilombolas; Queda na produção de açúcar.
Cap. 12 – A conquista do interior de Pernambuco:
Interiorização da colonização; Desenvolvimento da
pecuária; Plantio de algodão.
Cap. 13 – A rivalidade entre Olinda e recife – A
Guerra dos Mascates: A elevação de Recife à
categoria de Vila; Reação de Olinda; Recife cede
do comércio.
Cap. 14 – Pernambuco se prepara para novos
tempos: Autonomia do território da paraíba;
191

Pernambuco deseja se libertar de Portugal; Vinda


da família real para o Brasil.
Cap. 15 – A república de Pernambuco: 75 dias de
liberdade: Revolução Pernambucana; Lançamento
da bandeira de Pernambuco e do projeto de
Constituição.
Cap. 16 – Pernambuco durante o Primeiro
Reinado: Dia do Fico; Desencadeamento de ações
para a Independência; Confederação do Equador.
Cap. 17 – Pernambuco no Período Regencial:
revoltas em Pernambuco; Setembrada, Abrilada,
Cabanada.
Cap. 18 - Pernambuco durante o Segundo
Reinado: Feitorias de Rego Barros; A influência
das famílias latifundiárias e dos Partidos
Conservador e Liberal ou Praieiro; revolução
Praieira.
Cap. 19 – Usinas de açúcar em Pernambuco:
Mudança da conjuntura de produção do açúcar;
Trocando engenhos por fábricas.
Cap. 20 – Pernambuco durante a República:
Estrutura da narrativa República Velha; Coronelismo; Declínio das
oligarquias agrárias; Tenentismo; revolução de
1930; Era Vargas; Revolução Constitucionalista; O
Cangaço; A República Populista e os governos
regionais; O Regime Militar e os governos
regionais; A nova república (1985 aos dias atuais)
Sociedade, governo e cidadania
Sociedade pernambucana – Direitos e deveres do
cidadão; Constituição da sociedade
pernambucana a partir do índio, do negro e do
europeu; Desigualdades sociais; Declaração dos
direitos da criança;
Questões sociais prioritárias para a nossa
população – Habitação; Educação; Saúde;
Segurança, Transito e Violência.
Organização política brasileira – Constituição do
Brasil; Brasil, uma federação;
A organização política estadual – Símbolos do
nosso estado.
192

Quadro II – Perfil das obras


Obra
História: Interagindo e percebendo Pernambuco270
Interagindo com a História
(Lilian Sourient)
(Kátia Olszewski)
(Roseni Nascimento)
(Rosiane de Camargo)

Abordagem da Narrativa Cronológica evolutiva


História da formação política cultural e político-
Orientação historiográfica
social do estado
Abrangência cronológica Chegada dos europeus até meados do século XX
A narrativa é organizada em unidades:

1-Pernambucanos de ontem e de hoje. Esta


unidade divide-se em 5 capítulos: 1 – Conhecendo
Pernambuco; 2 – Viajando pela história; 3 – E o
homem branco chegou; 4 – Índios: os primeiros
habitantes desta terra; 5 – Os povos que viviam em
Pernambuco.
A unidade organiza as noções sobre a formação
da história pernambucana iniciando a partir de
elementos a formação cultural do estado como as
produções artísticas de Luiz Gonzaga, Mestre
Vitalino, Manuel Bandeira, Francisco Brennand,
fazendo referência a produção culturais
características do estado e do interior como
rapadura em Triunfo e as expressões do
Patrimônio Cultural da Humanidade em Olinda.
Cita os símbolos de Pernambuco como a bandeira
e o brasão como emblemas importantes para o
estado. Para tratar da história do estado o livro
inicia abordando a questão das grandes
navegações, das quais deriva a chegada dos
portugueses ao Brasil, as comunidades indígenas
que estavam no Brasil quando Cabral aportou, o
uso da mão-de-obra indígena pelos portugueses
Estrutura da narrativa para a exploração e como vivem os indígenas hoje,
sua vida e resistência.
2-Antes terras de engenho, hoje terras de
usinas. Esta unidade divide-se em 8 capítulos: 1 –
O início da nossa história; 2 – Cuidado: outros
povos vem buscar nossas riquezas; 3 - Colonizar
para não perder; 4 – O “ouro branco” faz a
capitania de Pernambuco prosperar; 5 – Vida
amarga, a de quem trabalhava com o açúcar; 6 –
Não era só o açúcar que ocupava as terras; 7 – Os
holandeses em Pernambuco; 8 – Os conflitos
continuam.
A unidade dedica-se a trabalhar com os primeiros
intentos de colonização no estado e no país, a
partir das intervenções portuguesa e holandesa.
Menciona a importância de Martim Afonso de
Sousa e Duarte Coelho, a fundação de Olinda, a
formação das Capitanias Hereditárias, a
dificuldade de sucesso das capitanias ao longo de
todo o território (Séc XVII). São estudados também
o início do cultivo de açúcar, a formação e a
utilização de escravos para o trabalho nos
engenhos. Fala-se também da vida difícil dos

270
Devido a análise das duas sobras estarem condensadas no corpo deste texto, optamos aqui
em reunir também o perfil das obras exposto.
193

escravos, desde a sua captura na África, o seu


tratamento como mercadoria até o preconceito
racial atual. São mencionadas a criação de gado,
a interiorização da colonização, o cultivo de
algodão, o início dos conflitos Portugal/Espanha X
Holanda. Há destaque para a invasão holandesa
com ajuda de Domingos Calabar, a implantação da
administração holandesa em Pernambuco e a
vinda de Mauricio de Nassau, a importância desse
governo para o desenvolvimento do estado na
época, a saída de Nassau, os conflitos com os
holandeses, a Insurreição Pernambucana, a
Guerra dos Mascates, no século XVIII.
3-Nosso estado, nossa gente. Essa unidade
divide-se em 4 capítulos: 1 – Liberdade, abre as
asas sobre nós; 2 – Estado de Pernambuco: são
as mudanças no Brasil; 3 – Festas e costumes; 4 –
Caminhos que vão e vem.
A unidade dedica-se a apresentar a evolução no
estado no que se refere aos conflitos da
Confederação do Equador, a Revolução Praieira, a
Movimento abolicionista, a Proclamação da
república, os embates do coronelismo e do
Estrutura da narrativa cangaço no início do século XX. Aborda ainda a
formação cultural brasileira a partir da influência
negra, indígena e portuguesa, as expressões
artístico-culturais do estado como o carnaval, o
frevo, o maracatu, a ciranda, o cordel, os alimentos
típicos, as festas juninas. Contempla ainda o
desenvolvimento das comunicações e dos
transportes no final do século XX.
194

Quadro III – Perfil das obras


Obra
Pernambuco: História
(2006, 2008, 2011)
(Francisco Teixeira)
Abordagem da Narrativa Narrativa ficcional
Cronológica desenvolvida a partir de um ambiente
Orientação historiográfica de aula ficcional; História da formação cultural e
político-social do estado.
Menciona a presença indígena no Brasil antes da
chegada dos portugueses, entendendo a ação dos
índios como fundamental para a constituição do
que viria a ser o estado de Pernambuco
Abrangência cronológica
posteriormente. Entretanto, a narrativa se
desenrola com ênfase a partir da chegada de 1500
até os dias atuais.

Narrativa organizada em unidades:

1-Quem são os pernambucanos? Esta unidade


se divide em 4 capítulos: 1 – Somos nós,
brasileiros de Pernambuco; 2 – Europeus,
indígenas e africanos; 3 – Casa-grande e senzala;
4 – A população Pernambucana.
A unidade organiza noções da formação da
identidade pernambucana, a partir de questões no
presente. Apresenta informações sobre o passado
de Pernambuco, apontando a formação histórica e
cultural do estado sob influência dos povos que
aqui estiveram no período de colonização –
portugueses, índios, africanos, holandeses,
judeus. No último capítulo desta unidade o livro
tenta fazer uma análise mais abrangente,
apresentando dados demográficos sobre a
situação populacional por região, discutindo a
relação do processo de formação da diversidade
sóciocultural e questões de desigualdade social
em Pernambuco. São abordadas também as
primeiras noções de fonte e documento histórico.
2-De capitania a estado. Esta unidade se divide
em 3 capítulos: 5 – Capitania grande e rica; 6 –
província pequena e pobre Império; 7 – O estado
na República.
Estrutura da narrativa
A unidade dedica-se a trabalhar com a criação e o
desenvolvimento político e econômico do estado
de Pernambuco desde a administração de Duarte
Coelho (Sec. XVI), até a transição do Império para
a República (Sec XIX). Para discutir o passado
econômico o livro aborda os conflitos
estabelecidos no estado em cada momento
histórico, com destaque para a guerra pelo açúcar
e a dominação holandesa, a criação dos
quilombos, a Revolta de 1817, a Confederação do
Equador e as discussões abolicionistas. Destaca
ainda os embates sociais para a consolidação do
fim da escravatura e a importância de Joaquim
Nabuco a nível nacional neste intento. Há também
a menção sobre a importância feminina na
constituição histórica do estado, como a presença
delas no conflito de Tejucopapo. O livro traz
sugestões de leitura das obras da ciência de
referência ao apresentar o livro “O abolicionista” de
Joaquim Nabuco.
195

3-Trabalho, riqueza e pobreza. Esta unidade


divide-se em 4 capítulos: 8 – Engenhos e usinas; 9
– Fábricas nas cidades; 10 – Fazendas e roças no
Sertão; 11 – Riqueza, pobreza e migração.
A unidade aborda a caracterização das formas de
trabalho no estado ao longo do tempo, para isso
traz os engenhos na época colonial, o declínio dos
engenhos e a ascensão das usinas, o crescimento
das fábricas urbanas, as condições climáticas
difíceis do sertão e a falta de trabalho no campo, o
inchaço populacional nas cidades devido a
Estrutura da narrativa migração rural-urbano tanto dentro do estado
quanta para fora, especialmente para os estados
do sudeste, o crescimento desordenado das
cidades, as carências sociais e econômicas e
desigualdades sociais.
4- Educação e cultural. Esta unidade divide-se
em 4 capítulos: 12 – Educação escolar; 13 – As
artes; 14 – A literatura; 15 – A cultura popular
pernambucana.
A unidade aborda as expressões de cultura
presente no cotidiano dos pernambucanos.
Caracteriza a inserção dos movimentos artísticos
de Pernambuco como representação das formas
do sujeito ler e interpretar o mundo em cada tempo,
dá exemplos da produção da arte barroca,
expressões indígenas e africanas e ao que
chamamos de sincretismo religioso, a produção do
Movimento Manguebeat e dos seus sucessores –
Cordel do Fogo Encantado e Mestre Ambrósio –
apresenta produção poético-literária do estado,
menciona patrimônios históricos, caracteriza o
cordel, a xilogravura, a produção de Ana das
Carrancas, Lia de Itamaracá, Dona Santa e Mestre
Vitalino como importantes expressões da cultura
popular do estado.
196

Quadro IV – Perfil das obras


Obra
Pernambuco de muitas histórias: História do Estado de Pernambuco
(Erinaldo Cavalcanti)
Abordagem da Narrativa Cronológica evolutiva
História da formação cultural e político-social do
Orientação historiográfica
estado.
Referência a pré-história brasileira (11 mil anos),
abordando a presença de indígenas antes dos
Abrangência cronológica portugueses chegarem ao Brasil, sem estipular um
marco temporal para o fim da narrativa, inferindo-
se que é nos dias atuais.
A narrativa está organizada em unidades:
1- O Estudo da História. Esta unidade divide-se
em 4 capítulos: 1 – O que é História? Por que
estudá-la?; 2 – A História antes da escrita; 3 – Os
primeiros habitantes; 4 – O cotidiano dos
indígenas. A unidade discute as diferenças entre
História ciência e história vivida, mencionando os
elementos que fazem parte do trabalho do
historiador – concepção de documento, análise e
relatividade histórica e estudo de fontes. Nessa
linha o livro apresenta várias criações humanas,
dentre elas as produções culturais, incluindo o
Patrimônio. Nesse conjunto também são
mencionados sítios rupestres e suas produções
arqueológicas como vestígios de uma sociedade
pré-histórica pernambucana. É mencionada nessa
unidade também a caracterização dos modos de
vida dos indígenas antes da chegada dos
portugueses ao território brasileiro e
pernambucano.
2- Histórias, culturas e conflitos. Esta unidade
divide-se em 4 capítulos: 5 – A chegada dos
portugueses; 6 – Choque entre culturas; 7 –
Escravização dos povos africanos; 8 – Dominar
para governar. Esta unidade aborda as motivações
para as investidas marítimas europeias, a chegada
Estrutura da narrativa dos portugueses ao Brasil, as primeiras relações
dos portugueses com os índios, a implantação do
sistema de capitanias hereditárias e a exploração
da terra nova, o uso da mão de obra indígena e
posteriormente negra, dificuldades e conflitos na
colonização. Nesse momento o livro apresenta
antecedentes da vida das sociedades africanas
antes do período de escravidão, abordando
questões sociais, culturais e religiosas e o diálogo
estabelecido com o sincretismo religioso após a
vinda dos negros para o Brasil.
3-História, riquezas e lutas. Esta unidade divide-
se em 5 capítulos. 9 – Holandeses entram em
cena: disputa por Pernambuco; 10 – Pernambuco:
revoltas e disputas políticas; 11 – Fim da
escravidão e a formação da República; 12 –
Pernambuco em 1930: outra revolução?; 13 –
Repressão, democracia e crescimento. Nesta
unidade o livro apresenta a invasão holandesa em
Pernambuco, os desdobramentos dos conflitos da
época(Séc. XVII e XIX) – Restauração
Pernambucana, Guerra das Tabocas, Guerra dos
Mascates, Confederação do Equador – a luta pela
independência em Pernambuco, o movimento
abolicionista, as contradições sociais do período
pós-escravidão. Aborda as perspectivas sociais da
197

virada de século (Sec. XIX p/ Sec. XX), os avanços


tecnológicos em Recife, as políticas progressistas
de higienização da cidade, o crescimento das
desigualdades. Em articulação à História nacional,
o livro aborda também os conflitos políticos e
tensões militares que precederam a chegada de
Estrutura da narrativa Getúlio Vargas no poder (1930), a ação de
interventores no estado, o golpe militar de 1964, a
prisão de líderes locais (Miguel Arraes, Dom
Helder Câmara), fim da ditadura e processo de
redemocratização e Pernambuco nos dias atuais.
4- Ritmos, formas, cores e sabores de
Pernambuco. Esta unidade é divide-se em 3
capítulos: 14 – Pernambuco feito do barro e
vendido na feira; 15 – Sabores de Pernambuco; 16
– Pernambuco de festas, cantos e danças. Nesta
unidade o livro apresenta expressões populares da
formação cultural pernambucana, exemplificando-
as através das obras barro de Mestre Vitalino e
outros artistas mencionados, da culinária local –
tapioca, bolo de rolo como patrimônios
institucionalizados, das danças e festejos como as
festas juninas, o carnaval, o frevo, maracatu,
caboclinho, xaxado, e as produções de artistas em
diversos âmbito – Abelardo da Hora, Ana das
Carrancas, Antônio Nóbrega, Ascenso Ferreira,
Barreto Júnior.
198

ANEXOS
199

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MEMORIAL DO PNLD

TERMO DE RESPONSABILIDADE DO PESQUISADOR

Eu, Danielle da Silva Ferreira, inscrito no CPF sob o nº 06555337451, pesquisador(a) responsável
pelo projeto de pesquisa " O PATRIMONIO CULTURAL PERNAMBUCANO NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE HISTÓRIA REGIONAL: tecendo a formação histórica nos anos iniciais da
educação básica", assumo a responsabilidade de utilizar as informações contidas nas fontes
que me foram repassadas pelo Memorial do Programa Nacional do Livro Didático apenas para
fins de escrita da minha dissertação de mestrado/tese de doutoramento e ou/produção de
artigos acadêmicos; bem como me comprometo a referenciar esta instituição na pesquisa como
o lugar de guarda do referido acervo. Afirmo estar ciente também de que estas fontes (livros
didáticos) consultadas tem seus direitos vinculados aos seus autores e editores, e que qualquer
uso delas para fins não acadêmicos, só poderá ser realizado com autorização expressa daqueles
que detêm seus direitos autorais. Comprometo-me, ainda, a entregar uma cópia do trabalho na
íntegra em PDF.

Recife, 11 de abril de 2015

__________________________________________

Danielle da Silva Ferreira

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