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ALASUUTARI, Pertti.

Researching Culture – Qualitative


Method and Cultural Studies. Sage. 1995

PARTE III

DECIFRANDO O ENIGMA

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A Questão do Porquê

Nos capítulos anteriores temos examinado alguns dos métodos de geração de


observações a partir de material de pesquisa qualitativo, ou para extrair mais do material
do que se vê a “olho nu”. Estes métodos fornecem importantes ferramentas de avaliação
do material como descrições mais ou menos confiáveis dos hábitos das pessoas ou do
que tem ocorrido; de indicação dos diferentes traços estruturais dos textos e de
exploração do material de pesquisa como documentação das situações da interação.
Entretanto, embora a rigorosa aplicação de determinada abordagem ou método possa
produzir descobertas absolutamente fascinantes até mesmo das situações mais
mundanas, é importante nos darmos conta que estas não são nada mais do que isto:
descobertas ou observações, pistas produzidas por meio das ferramentas conceituais e
habilidade da pesquisa. Isto nos dá a chave do enigma, a resposta à questão do porquê.
As observações são meras respostas à questão do como.
Um argumento comum (mas um tanto desalinhavado) que repetidas vezes se
ouve neste contexto é de que o fenômeno que é o centro de atenção deste estudo é
“internamente” de fato o que parece ser da posição vantajosa do método adotado: que,
digamos, uma história real (do ponto de vista factista) é uma descrição de uma vida
vivenciada, ou (do ponto de vista narratológico [sic]) primeiramente uma história e um
constructo lingüístico, ou que uma entrevista ou diálogo (do ponto de vista da interação)
é, acima de tudo uma atividade que consiste em atos de fala em que os participantes
produzem certa instituição “no mesmo instante”. É inútil tentar organizar em categorias
as diferentes abordagens ou perspectivas dos materiais qualitativos. O propósito destas
abordagens não é o de apresentar interpretações totalizadoras das “características
distintivas” do material, e sim de ter uma visão mais clara de algo que pode provar ser
útil na solução do mistério. Deve também ser enfatizado que as diferentes perspectivas
não são mutuamente exclusivas. Em muitos casos, é necessário adotar diferentes
perspectivas até com o mesmo material. Por outro lado, onde é utilizada uma única
perspectiva é aconselhável, por motivos de validade da avaliação, por exemplo,
examinar o material, da mesma forma, de outros pontos de vista.
p. 134 A investigação sociológica não consiste unicamente em fazer observações e
relatar achados; não podem nem mesmo ser contados como resultados propriamente
ditos. Assim como concerne-se à questão do que, a pesquisa sociológica também tem a
ver, de uma ou outra forma, com a questão do porquê. O propósito é de utilizar o
material para desemaranhar um dado “mistério”. Neste capítulo, minha intenção é de
examinar a forma como se extrai e gera estas questões do porquê de forma que se possa
proceder na abordagem dos mesmos.
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À luz do que tradicionalmente apreendemos dos livros sobre a pesquisa sócio-
estatística, a busca pelas questões do porquê pode parecer um exercício um tanto
curioso. A maioria dos livros diz que o primeiro passo no processo de pesquisa consiste
em formular o problema da pesquisa e criar hipóteses. O problema da pesquisa, a rigor,
refere-se ao que temos chamado de questão do porquê; enquanto que a hipótese é o
mesmo que a resposta apresentada, cuja validade é examinada à luz do material
empírico.
A realidade freqüentemente difere da descrição do processo de pesquisa exposta
nos livros. O plano de pesquisa geralmente delineia uma afirmação crua e geral do
problema em questão; as questões mais detalhadas do porquê (e as respostas destas
perguntas) desencadeiam-se apenas na análise do material. Em muitos casos, descobre-
se também que, quando se lê o material, as questões preliminares do porquê acabam por
se tornar triviais ou impossíveis de serem respondidas. Particularmente no caso da
pesquisa qualitativa, realmente é muito raro se abordar as hipóteses formuladas já no
plano original de pesquisa. Uma leitura completa do material freqüentemente propicia
novos discernimentos e sugere questões completamente novas que não se pode nem ter
imaginado antes de ter tomado conhecimento mais profundo do fenômeno. A pesquisa
consiste em muito mais do que corroborar o que era esperado ou conhecido.
A impressão que se tende a ter das histórias de detetive ou dos relatos das
pesquisas é de que a solução do mistério não é uma grande coisa. Muitos estudos de
pesquisa lançam o problema já de saída e, então, desemaranham o problema através da
análise do material. Nas histórias de detetive, há uma assassinato nas primeiras partes da
história e, daí, o leitor, acompanhando de perto o narrador e o personagem central, tem
de tentar descobrir o assassino. Entretanto, as questões do porquê não são uma
recompensa; o investigador (e o escritor) têm de descobri-las e extraí-las do material.
No processo da coleta de dados, na leitura do material coletado e na análise dos
dados, é importante tentar achar tantas questões do porquê quanto possível de forma que
haja o bastante para haver opção de escolha no momento em que se chega à análise final
e no fase de escrita. Podem agora ser eliminados os mistérios mais triviais assim como
aqueles que foram solucionados anteriormente além das questões que não podem ser
proveitosamente abordados com o material à disposição.
O objetivo é sempre de detectar paradoxos no interior do material ou do
fenômeno estudado, mas o problema é que estes nem sempre ficam evidentes por si só.
Especialmente em situações em que examinamos p. 135 algo que é intimamente
relacionado com nossa própria cultura, a maior parte das coisas parece mais ou menos
axiomática e trivial. Entretanto, há diversos métodos que podem ajudar a gerar as
questões do porquê.

Comparação Intercultural
Em um estudo etnográfico de uma cultura estrangeira, as questões do porquê freqüentemente
derivam da falta de compreensão do pesquisador quanto ao motivo das pessoas em questão
terem a vida que têm ou que acham que têm. O próprio estilo de vida do pesquisador difere-
se de tal modo da cultura explorada que simplesmente se torna impossível compreender ou
aceitar o ocorrido. O pesquisador pode sentir-se ameaçado; ou que seu papel era inadequado
ou desonesto. Neste tipo de situação, onde duas culturas diferentes colidem, uma forma do
pesquisador obter questões do porquê é examinando bem de perto os motivos subjacentes do
padrão de pensamento da pessoa. Deste ponto de vista, deveria ser possível gerar hipóteses
quanto à forma como as presunções da cultura em questão diferem das que prevalecem na
própria cultura; e se, apesar das diferenças a nível superficial, existem de fato certos aspectos
comuns a ambas as culturas. Assim, o processo de pesquisa toma simultaneamente no
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mínimo duas direções: põe a nu, por um lado, as presunções subjacentes da cultura
representada pelo pesquisador e os sujeitos, por outro lado (Alasuutari, 1989; Rabinov, 1977,
119; Willis, 1978, 197-198).
O caso é bem diferente nos estudos de nossa própria cultura. Tudo parece tão
claro e tão axiomático que tudo converge para o banal. Com o propósito de gerar estas
questões do porquê de todo importantes, o pesquisador tem de ser capaz de ver além do
axiomático. Como, então, se problematiza o axiomático? Como estudamos os
fenômenos que conhecemos na prática, mas dos quais não estamos reflexivamente
conscientes?
Uma forma é achar um ponto de comparação de uma cultura diferente que não
se conhece tão bem. Pode-se, por exemplo, examinar uma pesquisa que foi feita sobre
os mesmos e semelhantes problemas em culturas diferentes. Examinando mais de perto
um mundo onde as coisas são diferentes de nossa casa, pode-se fazer o conhecido
parecer estranho. Esta, naturalmente, é a idéia por inteiro da antropologia: comparar
culturas diferentes para tornar visível e inteligível a única forma através da qual toda e
qualquer cultura percebe o mundo e detectar e conceituar os limites da variação
intracultural.
A comparação intercultural pode também ser feita na imaginação, como somos
instruídos por C. Wright Mills em sua magnificente introdução à imaginação
sociológica e habilidade da pesquisa. Pode-se, por exemplo, fazer brincadeiras com o
tamanho relativo de diferentes fenômenos; imaginar como poderiam parecer pequenas
as coisas se os fenômenos forem grandes ou vice-versa. O que haveria de diferente?
“Como seriam as vila pré-literárias de trinta milhões de habitantes?” (Mills 1973, 236).

p. 136
Contradições em relação a Outras Pesquisas

Outra forma de gerar questões do porquê é comparando a idéia que se tem a partir de
um estudo com a idéia que surge da leitura de outros estudos. Se há quaisquer
discrepâncias entre as duas idéias, está-se a meio caminho de alguns bons porquês.
Antes de mais nada, é possível que tenha ocorrido algum equívoco em alguma parte,
que a idéia oriunda dos outros estudos seja mais confiável e mais exata. Entretanto,
mesmo neste caso, permanece a interessante questão do por que da má condução. Qual
foi a causa?
Não raro, no entanto, acaba-se descobrindo que na pesquisa anterior faltou algo
muito importante, que foram feitas as perguntas erradas, se esqueceu de fazer mais de
uma pergunta, ou que as interpretações estavam erradas. Esta é a área em que a pesquisa
qualitativa mostra o seu forte: isto é, enquanto que as investigações propiciam toda a
sorte de informações sobre associações estatísticas entre diferentes variáveis, as
interpretações, no que diz respeito ao que há por detrás destas correlações,
freqüentemente são perfunctórias. É aconselhável, portanto, cotejar os resultados das
investigações com seus achados estatísticos visto que o material qualitativo que se tem
pode levar a uma interpretação significativa ou até melhor. De fato, o projeto de
pesquisa por inteiro pode servir para refutar resultados anteriores e possivelmente para
apresentar uma explicação, como por exemplo, o que levou a tais noções falsas.
Em seu estudo sobre, por exemplo, o que os pais dizem quanto aos hábitos de
seus filhos de olhar televisão, Juha Kytömäki (1991) descobriu que os pais nem sempre
estão muito preocupados com o comportamento dos filhos; pelo contrário, eles dizem
que raramente têm de impor quaisquer restrições ao que os filhos assistem porque
simplesmente não há necessidade. Seus filhos nunca vêem violência, por exemplo —
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embora quando especificamente perguntados eles mencionavam que seus filhos às vezes
assistiam seriados de ação.
Tudo pareceu muito contraditório quando Kytömäki comparou seus achados
com relatos anteriores do controle que os pais tinham sobre o que a família assistia. Por
um lado, a idéia que teve com base em entrevistas com 90 famílias era compatível com
estudos anteriores. Apenas 32 por cento das famílias disseram que realmente
controlavam o que seus filhos olhavam. Uma pesquisa anterior considerara tal uma
indicação preocupante quanto à indiferença dos pais em relação aos hábitos de olhar
televisão das crianças. Entretanto, nenhum destes estudos anteriores haviam dado
qualquer idéia sobre que tipo de controle isto significava; essa questão estava
simplesmente fora de sua alçada uma vez que abordavam-na com base na dicotomia do
sim/não. Kytömäki decidiu reconstruir os achados anteriores e, reduzindo o número de
respostas que dera no mesmo formato sim/não que chegara, obteve mais ou menos os
mesmos números dos relatos anteriores. Entretanto, as respostas de todos os pais com
quem falou tinham a forma “não, mas...”. Examinando mais de perto o que vinha depois
destes mas, surgiram completamente outras respostas. Os pais disseram que não
controlavam o conteúdo do que seus filhos assistiam porque eles não tinha p. 137
permissão para assistir os programas que passavam mais tarde que eram apenas para os
adultos, ou porque eles concordavam com o que era próprio para crianças e o que não
era. Portanto, um controle mais rigoroso tornara-se desnecessário. Por outro lado, nas
famílias em que os pais disseram que controlavam o que seus filhos assistiam, o
controle não parecia muito eficaz, ou os pais e os filhos não concordavam muito bem
quanto às regras concernentes ao que assistiam. Ao contrário do que os estudos
anteriores nos indicavam, os problemas eram piores nas famílias em que os pais
disseram que tinham um controle do que seus filhos assistiam.

Relação com a Imagem Pública

Podem ser obtidos porquês interessantes duma comparação da imagem extraída do


material de pesquisa com a imagem predominante na esfera pública, com o que pensa
sobre o assunto o público em geral. A imagem pública, por exemplo, pode ser estudada
separadamente examinando-se artigos de jornais sobre o assunto, ou, por vezes, a noção
popular é revelada em um estudo de entrevistas em que as pessoas comparam suas
próprias visões com o que “outras pessoas” pensam ou fazem. Foi isto que vimos em
nosso exemplo anterior do controle do que as crianças assistem na televisão; até certo
ponto, os pais não estavam preocupados com o que seus filhos assistiam porque haviam
lido ou ouvido estudos que transmitiam cenas de pais totalmente indiferentes e filhos
ficando horas na frente da televisão assistindo violência. Tais pessoas não se
identificaram de forma alguma com estes estudos.
Isto nos leva à intrigante pergunta: Qual a relação entre as imagens públicas ou
as noções predominantes e os hábitos de determinadas pessoas e como interagem entre
si? A publicidade que cerca determinado objeto ou fenômeno apresenta a questão social
ou o problema individualizado numa determinada forma. A forma como determinadas
pessoas falam sobre um assunto pode sempre ser abordada em termos de o que suas
noções têm a ver com o debate público em andamento. Uma questão do porquê pode
também ser formulada quando algo que interessa aos entrevistados não é discutido em
público. Neste contexto referimo-nos ao discurso no sentido em que Michel Foucault
emprega o termo, que hoje é tão popular. Por discurso, Foucault considera a maneira
como certo fenômeno tematiza o conhecimento, a deliberação, ação e as práticas
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institucionais como objeto de discussão. Inclui-se aí o que é tido como certo nessa
discussão e a forma como ocorrem as polêmicas acerca do assunto. Nesta definição, o
discurso inclui também o silenciar de alguns. A questão quanto a quem espera-se que
permaneça em silêncio ou quais temas não devem ser abordados forma uma parte
integral do discurso, da mesma forma que a questão de o quão apropriado é se abordar o
tema (Foucault, 1980, 17-18).
Mesmo numa situação em que o discurso público sobre determinada questão
parece bastante estranho e preconceituoso do ponto de vista de determinadas pessoas,
elas p. 138 não têm outra opção para explicar e descrever suas atitudes que a das
estruturas das dimensões e da argumentação apresentadas pelo discurso em si. Voltando
ao estudo sobre o assistir televisão, citado acima, pareceu que, paradoxalmente, os pais
não ficaram, de fato, impressionados pelas descrições (que surgiram no debate público)
acerca da indiferença generalizada no que tange aos hábitos de olhar televisão das
crianças (que era a intenção), muito pelo contrário, sentiram-se seguros de que a
situação em suas famílias era bem melhor do que a destes casos. O importante no que
diz respeito a esta descoberta não é no sentido de que a campanha de alerta aos pais não
tenha funcionado ou tenha sido contraproducente, mas o porquê levantado pela
contradição entre a realidade cotidiana das famílias e o discurso público: por que dá a
impressão de que o olhar televisão das crianças é tematizado pela necessidade como
problema e mais especificamente como preocupação de que os pais não estão
cumprindo suas obrigações deixando seus filhos assistirem as maiores atrocidades na
televisão? Do ponto de vista das famílias preocupadas com os problemas relacionados
ao que as crianças assistem, as primeiras eram bem mais práticas. As cenas violentas,
por exemplo, se tornava um problema para os pais se e quando as crianças tinham
pesadelos na noite seguinte. A imagem pública dos pais lenientes demais e das crianças
em frente à televisão por horas a fio definitivamente têm uma função: serve para dar aos
pais um descanso.

A Procura por Tipologias Incompletas

Em muitos casos é bastante difícil de identificar os “silêncios” em dado discurso; pelo


menos para o pesquisador que vem da mesma cultura, uma das primeiras perguntas a ser
feitas geralmente não é sobre o porquê deste ou daquele assunto ser discutido enquanto
alguns outros assuntos não o são. Aqui um método eficaz seria o de produzir diferentes
espécies de tipologia e cruzá-las; em outras palavras, criar uma tipologia o mais
abrangente possível de diferentes formas de se falar sobre dado assunto e de cotejar
exemplos do uso destas maneiras de falar criando-se outra tipologia de diferentes tipos de
falantes, situações de fala e vários casos relacionados ao assunto. Quando neste tipo de
tabela ficam colunas em branco, pode-se fazer um bom exercício de se tentar explicar e
interpretá-las. Isto é o que David Silverman (1985, 10-11) chama de procura por tipologias
incompletas.

As Contradições Internas do Material de Pesquisa

A descoberta das inconsistências internas dos dados indicam também algumas questões
interessantes do porquê. Kytömäki, em seu estudo dos hábitos de olhar televisão,
também detectou uma inconsistência deste tipo: por que os pais disseram que seus filhos
nunca assistem a programas de violência, mas na frase seguinte mencionaram diversos
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seriados de ação que freqüentemente contêm cenas de luta e tiros? A resposta, segundo
Kytömäki, foi que, por “violência”, p. 139 os pais compreendiam os programas que
causavam pesadelos. Deste ponto de vista, as cenas realistas de violência
freqüentemente têm efeitos mais profundos do que a violência dos seriados de televisão.
Eu mesmo tenho visto este tipo de contradição em um estudo de observação da
auto-ajuda para pessoas com problemas com álcool (Alasuutari, 1992a, 107-148). Nos
encontros, os membros do A-Guild, um grupo de auto-ajuda para ex-alcoólatras,
gabavam-se do quanto bebiam e, ao mesmo tempo, tendiam a dissimular o quanto as
outras pessoas conseguiam beber. Tendo em mente que este é um grupo cujo propósito é
de estimular os membros a se distanciarem da garrafa, é naturalmente um tanto
contraditório que se gabem dos tempos que bebiam. A explicação foi que, sendo
trabalhadores braçais, estes homens tinham mais interesse nas experiências práticas do
que no conhecimento teórico. Um longo período de bebedeira era, portanto, indicação
de extensa “experiência de campo”, de que os sujeitos em questão realmente sabiam o
que estavam falando e estavam, portanto, na posição de darem conselhos aos outros.

A Procura por Normas

Uma forma bastante eficaz de gerar questões do porquê é procurando por declarações
normativas no corpus dos textos que servem de dados. Com isto não quero apenas dizer
os casos em que alguém expressa uma opinião quanto a como proceder neste ou naquela
situação. Uma norma pode ser expressiva no material de pesquisa na negação,
impedimento ou repreensão de alguém a outrem; por outro lado, pode também ser visto
em alguém pedindo que outrem faça algo. Além disso, as concepções normativas
refletem-se no relato que as pessoas fazem de seu próprio comportamento, como, por
exemplo, na descrição que alguém faça de como segue certo princípio moral. Pode-se
encontrar também pessoas envergonhadas de seus atos defendendo o que estão fazendo,
dizendo que deveriam estar fazendo isto ou aquilo, ou que realmente não deveriam fazer
o que estão fazendo. Por exemplo, alguém acendendo um cigarro poderia parar por um
momento e dizer, mais ou menos em termos de justificação, que deveria realmente
largar o vício. Ou o contrário: pode alguém ostentar ou se vangloriar de alguma coisa.
Por exemplo, alguém pode comentar, quando outra pessoa acende um cigarro, que
conseguiu soltar o vício anos atrás sem qualquer dificuldade.
Sempre que há uma indicação no material sugerindo que possa existir uma
norma, a rigor, o que se encontrou foi uma contradição. A aderência a certo princípio
normativo significa que as pessoas sabem que há igualmente outras opções; elas estão
muito bem cientes da tentação de agir de modo diferente, ou podem querer elevar o
status do comportamento pelo qual tem optado representando esse comportamento
como compatível com seus princípios morais (Alasuutari, 1992a, 9-20, 169-180). Em
cada caso o pesquisador pode tentar descobrir o que realmente há por detrás das
declarações. Outra pergunta interessante p. 140 é: por que e como o princípio
normativo adquire esse status moral elevado? O estar envergonhado de seu
comportamento, o ocultar e o defender suas ações também levantam muitas questões do
porquê; por exemplo: Por que a referência à norma se o indivíduo em questão de
qualquer forma age no sentido contrário à mesma? Por que as pessoas repetidamente
apontam para o princípio normativo se são contrários a este? Sempre que surge uma
norma no material de pesquisa pode-se perguntar por que as pessoas tomam uma
posição normativa em determinado assunto, por que a consideram uma questão moral.
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Num estudo recente em que estava preocupado com as diferentes formas em que
os entrevistados falavam sobre seus hábitos de olhar televisão (Alasuutari, 1992b),
minha atenção foi, com freqüência, atraída para a forma como falavam sobre o que “po-
diam” e “não podiam” fazer. A análise fundamentou-se numa observação que fiz
enquanto lia o material: o hábito de olhar televisão parecia uma questão profundamente
moral para estas pessoas. Há poucos programas que as pessoas não tenham se exigido
dar explicações ou evasivas. Muitos dos entrevistados que disseram que assistiam os
seriados apresentavam algum tipo de adjetivo, por exemplo:
Q: Que tipo de programa você prefere?
A: Assisto todo o tipo de troço sentimental. Lá sei eu, como Dallas, sempre o
assisto, mesmo sendo besta realmente, mas sempre que passa eu assisto.
(Alasuutari, 1992b, 569)

Desta posição vantajosa tirar a noção básica de que quanto mais as pessoas di-
ziam que assistiam determinado tipo de programa sem apresentarem qualquer adjetivo
ou desculpas, mais “respeitável” se tornava o programa. Com base nesta idéia,
prossegui na criação de uma hierarquia de valores de diferentes tipos de programas de
televisão. Isto, por sua vez, propiciou uma base útil para a interpretação da natureza
moral do assistir televisão: quais são os princípios implícitos que tornam certos
programas mais aceitáveis ou menos problemático do que outros?
Assim a procura por pistas que apontem para as normas é apenas o ponto de
partida da pesquisa. Aí não se adota a teoria das normas, isto é, de que um dado
fenômeno cultural ou tipo de comportamento possa ser explicado simplesmente pelo
fato de que na comunidade prevaleça certa norma. A referência às normas pode ter
diversas funções. Em cada caso o pesquisador(a) pode fazer a seguinte pergunta: por
que existe e aparece a norma e qual o seu significado?

A Procura por Analogias e os Conceitos Guarda-Chuva

Outra maneira de transformar um fenômeno ilusoriamente conhecido em estranho e,


desta forma, gerar questões do porquê é pensando com o que se pode compará-lo.
Compare, por exemplo, a maneira como um(a) finlandês(a) fala sobre o assistir
televisão com a maneira como falam sobre seus hábitos de tomar sauna. No caso da
sauna, é totalmente inconcebível que a maioria dos entrevistados tenha vergonha de
admitir p. 141 que vão à sauna com tal freqüência. As pessoas, no entanto,
provavelmente falariam sobre os hábitos de beber e fumar da mesma forma velada que
falam sobre o assistir televisão; alguns dos entrevistados em meu estudo, por exemplo,
disseram que tinham o costume de assistir certa série e, então, largaram o costume,
quase do mesmo jeito que se estivessem descrevendo como deixaram de fumar. Desta
forma, poderia ser criada uma categoria mais ampla para dado fenômeno (neste caso o
de assistir televisão) que poderia ser rotulado como “questões morais”. Portanto, pode-
se questionar como se enquadra nas discussões sobre vícios e doenças. E daí podemos
questionar o que a televisão, o álcool e o tabaco têm em comum com os vícios.
Na prática pode-se procurar diferenças e semelhanças de outros fenômenos
substituindo os termos do enfoque nos textos por outros termos. Considere, por
exemplo, as histórias de entrevistas nas revistas com pessoas (geralmente famosas):
como são consideradas como indivíduos, como é descrito seu dia-a-dia e como indicam
para si mesmas seus objetivos e visões de vida. Então, mude o gênero dos indivíduos.
Em quais casos e até que ponto as histórias parecem histórias normais de revista e de
que forma impressionam como histórias singulares ou divertidas? Os detalhes que
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parecem não se enquadrar com o quadro normal servem como pistas quanto às noções
culturalmente predominantes de gênero; noções que podem, de outra forma, facilmente
nos escapar.
C. Wright Mills também dá atenção aos benefícios que podem advir do estudo
das antíteses: “Se você está examinando o desespero, então, examine também a ufania;
se estuda o avaro, então, também, o perdulário” (1973, 235). É muito difícil de estudar
um único fenômeno isoladamente; para apreender integralmente esse fenômeno, para
identificar as dimensões às quais o objeto possa ser comparado e relacionado à realidade
exterior, é preciso examinar os fenômenos antitéticos e paralelos.
A comparação aos fenômenos intimamente relacionados ou mais ou menos
antitéticos não é apenas uma forma de achar as questões do porquê, mas também um
passo importante no sentido do desenvolvimento de uma estrutura teórica de referência.
A idéia é a de achar um conceito guarda-chuva mais abrangente do que representa o
fenômeno estudado. Sob esse aspecto, o pesquisador sempre tem de escolher entre uma
ou outra opção. O assistir televisão pode ser examinado igualmente como atividade de
lazer entre tantas outras, em comparação com outras dependências e vícios, ou
tematizado como problema moral num sentido geral como uma questão religiosa. Os
discursos sobre o que significa ser homem ou ser mulher podem ser examinados do
ponto de vista dos problemas relacionados aos direitos de cidadania, construção da
identidade ou as diferenças de gênero na saúde ou na expectativa média de vida.
A escolha do tema da pesquisa determina grandemente que tipo de leitura de
base que se tenha de fazer, embora seja uma política sábia abrir a questão em diversas
frentes. Não é uma boa idéia examinar uma pesquisa que tenha a ver com apenas este
fenômeno empírico em particular. Se, por exemplo, se está fazendo uma pesquisa socio-
lógica que tenha a ver, de uma ou de outra forma, com bebida e álcool, não é p. 142
aconselhável concentrar-se unicamente na leitura de estudos sobre o álcool ou entrar em
contato com apenas pesquisadores do álcool — embora o campo seja tão abrangente
que a tentação deva existir.
No caso da pesquisa qualitativa, é particularmente importante situar o fenômeno
em questão em um contexto mais amplo; isto porque a resposta para uma pergunta
concreta do porquê com freqüência tem mais valor de interesse geral apenas quando é
examinada num arcabouço mais abrangente como modelo de explicação que, mutatis
mutandis, é da mesma forma aplicável a muitos outros fenômenos.

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