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Tema I
Direito das coisas. Conceito. Posição topográfica no Código Civil. Características. Diferenças para os
direitos pessoais. A taxatividade e as respectivas mitigações. Obrigações propter rem. Obrigação com
eficácia real. Sub-rogação real. Ônus real.
Notas de Aula1
1. Direitos reais
A primeira discussão que se apresenta no estudo dos direitos reais, que é de pouca
relevância prática, diz respeito à nomenclatura que é também empregada nesta seara do
direito: direito das coisas. Coisa, para o Direito Civil, é sinônimo de bem corpóreo,
tangível, e por isso é realmente pouco técnico se falar em direito das coisas, quando se está
tratando da árvore dos direitos reais, ante a amplitude de seus institutos escapar muito à
limitação dos bens corpóreos.
De qualquer forma, os direitos reais, ou direito das coisas, é um dos dois ramos do
Direito Civil, especificamente do campo dos direitos patrimoniais, que se subdivide em
direitos obrigacionais e direitos reais.
O principal aspecto a ser abordado, aqui, é de fato a diferença entre estes dois ramos
do campo patrimonial do Direito Civil, as particularidades e diferenças dos direitos
obrigacionais e dos direitos reais. Vejamos.
Os direitos obrigacionais têm sujeito passivo específico, ou seja, têm um devedor
vinculado à relação. Nunca é um sujeito passivo indeterminado, o devedor obrigacional. No
direito real, por seu lado, o sujeito passivo é indeterminado por essência; é uma
coletividade indefinível, erga omnes. Isto porque o titular do direito real é sujeito ativo de
uma situação jurídica em que se vê detentor de um direito subjetivo, contraposto ao dever
jurídico geral de abstenção perante aquele bem jurídico: devem, todos, abdicar de perturbar
aquele direito real.
Todos têm os dever jurídico de não violar o direito real do seu titular, e quando o
violam, nasce para o detentor do direito subjetivo a pretensão de reparar-se. A pretensão,
por sua vez, esta sim é individualizada, e não erga omnes, porque surge apenas contra
aquele que violou o dever jurídico de abstenção. Veja que no direito obrigacional, em
princípio, somente o devedor daquela relação inter partes poderá ter a aptidão para violar o
dever jurídico, porque este dever é imposto somente a ele, e não erga omnes. A pretensão,
no direito obrigacional, sempre será endereçada a um só sujeito, desde sempre definido – o
devedor –, enquanto esta definição só ocorre, no direito real, quando há a violação, pois
antes disso todos são devedores da obrigação de não perturbar tal direito.
A primeira característica notável dos direitos reais, então, é o fato de serem
absolutos, oponíveis contra a coletividade.
Segunda diferença entre direitos obrigacionais e reais reside na sua origem. Os
direitos obrigacionais surgem da vontade das partes ou da lei, enquanto os direitos reais têm
nascedouro exclusivo na lei. Daí exsurge outra característica dos direitos reais: a sua
taxatividade. Só existem os direitos reais que a própria lei arrolou, não podendo ninguém
criar, à inventividade, novos direitos desta natureza. O rol numerus clausus, taxativo vem
no artigo 1.225 do CC:
1
Aula ministrada pelo professor Fernando Augusto Andrade Ferreira Dias, em 10/11/2009.
Note-se que o legislador não trouxe, ali, o direito real de garantia da propriedade
fiduciária, que é apontado pela doutrina como um direito real. A propriedade fiduciária,
hoje, ao lado do penhor, da hipoteca e da anticrese, é tida por um direito real, mas como
compatibilizar esta natureza de direito real com a mencionada taxatividade deste rol?
A fim de sanar este imbróglio, os doutrinadores propõem uma diferenciação entre os
conceitos de taxatividade e tipicidade. A tipicidade impõe que o instituto observe
exatamente os limites legais traçados; a taxatividade, por sua vez, o caráter numerus
clausus, diz respeito ao elenco legal, à previsão normativa dos direitos, mas dentro desta
previsão, é possível o alargamento dos conceitos. Um exemplo em que isto se passa, hoje, é
o da propriedade em time sharing, que não está no rol, mas nem por isso o viola – é uma
modalidade de propriedade.
A especificidade de um instituto, então, não viola a taxatividade, violando apenas a
tipicidade, mas como o rol não é típico, e sim taxativo, não há qualquer colisão entre a
previsão de institutos que são variantes dos conceitos ali traçados, como a propriedade
fiduciária e o exemplo da time shared propertie.
A segunda diferença dos direitos obrigacionais, portanto, é a taxatividade dos
direitos reais – que não se confunde com tipicidade, porém.
Terceira diferença diz respeito ao exercício destes direitos. Os direitos obrigacionais
impõem uma conduta do sujeito passivo, do devedor; o direito real se satisfaz com o
simples contato entre seu titular e a coisa, sem que seja necessária conduta positiva alguma
dos sujeitos passivo. Na relação de direito real, o dever jurídico imposto ao sujeito passivo
não está vinculado à satisfação do titular, pois esta satisfação independe do cumprimento do
dever por outrem, em princípio: quem a atende é o próprio titular, exercendo a
disponibilidade sobre a coisa.
Quarta diferença, o objeto: nos direitos obrigacionais, consiste em uma prestação do
sujeito passivo, que pode ser de dar, fazer ou não fazer. No direito real, o objeto é sempre
um bem, corpóreo ou incorpóreo. Característica dos direitos reais que decorre da natureza
de seu objeto é o próprio direito de sequela, que consiste na possibilidade de o titular reaver
o bem de onde quer que ele se encontre, pois todos são sujeitos da relação jurídica absoluta
induzida pela titularidade do direito real – o que não ocorre nos direitos obrigacionais, por
óbvio, ante a natureza de seu objeto, que é prestacional e devido apenas pelo obrigado
relativamente, sendo satisfeita pela via das perdas e danos, quando impossível ou não
quisto o cumprimento específico.
o qual recai sendo alvejado à sua revelia; e a do condomínio, que diz que o comprador não
se lhe revelava como titular, porque não havia o registro.
Para o STJ, assim se resolve: o promitente comprador que já quitou o preço passa a
ser responsável pelo pagamento da cota condominial, ainda que o promitente comprador
não tenha registrado sua promessa de compra e venda – ou seja, o promitente vendedor não
tem mais legitimidade passiva para o feito. A jurisprudência sólida, hoje, do STJ, é a de que
o legitimado para responder pela cota condominial ou é o proprietário que conste do
registro, quando não há prova da quitação do preço do imóvel pelo comprador; ou é o
promitente comprador, se encontrar prova da quitação e da imissão deste na posse (não
havendo ônus sucumbenciais ao autor quando ajuizada a ação em face do proprietário,
tendo havido a quitação comprovada posteriormente). Veja os seguintes julgados desta
Corte:
Outros direitos que se situam na zona cinzenta são os direitos obrigacionais com
eficácia real. São, de fato, obrigacionais, mas vinculam a coletividade, e por isso se
aproximam dos direitos reais – mesmo que, diferentemente dos propter rem, não estejam
vinculados a um direito real qualquer. São obrigacionais, mas ganham eficácia real, erga
omnes, por força de lei, quando registrados (dependendo da publicidade, portanto). Bom
exemplo é o direito de preferência na aquisição de um imóvel por parte do locatário: trata-
se de um direito obrigacional, mas que se registrado o contrato de locação, passa a ter
eficácia real.
Os chamados ônus reais são outra figura intermediária: consistem nos gravames
convencionais impostos sobre determinados bens, limitando seu nível de disponibilidade.
Assim o são, por exemplo, as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e
impenhorabilidade impostas sobre bens deixados causa mortis.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
A viúva Maria das Dores caiu em desgraça no dia 10/03/2004 quando o seu filho,
em razão de uma desilusão amorosa, atirou-se do nono andar do apartamento em que
moravam em Botafogo. Não tendo mais condições psicológicas para continuar residindo
no indigitado imóvel, tenta vendê-lo e descobre que o bem está gravado com a cláusula de
inalienabilidade por conta de ter sido beneficiada na sucessão de seu genitor falecido em
10/02/2003, sendo certo que o de cujus fez o testamento seis meses antes de falecer.
Responda o que pode fazer a pobre mulher, apontando as circunstâncias jurídicas que
envolvem o caso concreto.
Resposta à Questão 2
“Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão
no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento
tenha sido feito na vigência do anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916; se,
no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula
aposta à legítima, não subsistirá a restrição.”
Ainda estando neste “prazo de carência”, por assim dizer, a cláusula não aditada era
plenamente eficaz, portanto. Assim, o gravame não pode ser afastado, mas pode ser
substituído em outro bem, nada importando ao estado das coisas se é este ou aquele bem
imóvel que ter-se-á alienado. Basta, para tanto, solicitar judicialmente esta substituição, em
ação de subrogação de gravame.
Tema II
Posse I. Teorias conceituais. A teoria objetiva adotada pelo Direito Civil brasileiro. A função social da posse.
Natureza jurídica. Diferença entre detenção, posse e propriedade. Possibilidade da modificação da situação
fática de detentor para a jurídica de possuidor. Desdobramento da posse em posse direta e indireta. Posse
exclusiva e composse.
Notas de Aula3
1. Posse
elementos. Havendo o contato com a coisa, e até mesmo o affectio tenendi, mas sem o
animus domini, para Savigny, não há posse: há mera detenção.
Meio século depois, surge outro autor, Rudolf von Ihering, propondo uma releitura
da posse, de forma a ampliar a teoria subjetiva, fazendo inserir-se no conceito de posse
situações que, sob a ótica de Savigny, ali não se enquadrariam. Ihering entendeu que a
verificação da condição anímica daquele que tem o corpus é uma exigência exagerada para
a conceituação da posse.
Para este autor, a posse seria um instituto prévio à propriedade, algo preliminar e
indutor da propriedade – sendo a propriedade uma evolução natural da posse, para ele. A
posse de Ihering seria, portanto, o exercício de um dos atributos do domínio, e não um
instituto autônomo.
A relação jurídica entre a pessoa e a coisa (e à época se falava em relação jurídica
entre pessoa e coisa, e não unicamente intersubjetiva, como hoje é cediço), segundo
Ihering, não dependia de elementos subjetivos para se configurar, bastando, então, o
corpus. Por isso, exercendo atributos do domínio, o indivíduo é já possuidor da coisa, sem
se cogitar do seu estado anímico (o qual estaria implícito na própria presença do corpus).
Destarte, se chama esta tese de teoria objetiva da posse.
Repare que a fórmula da teoria de Ihering contempla também o affectio tenendi,
deixando de lado apenas a intenção em ser proprietário. É exigível de quem tenha o corpus
que tenha também a ciência de tê-lo; o que não se exige é que, além disso, tenha também o
animus domini, o ânimo de dono. Destarte, a fórmula de Ihering não é simplesmente “P =
C”, como diz parte da doutrina, e sim “P = C +A”.
A teoria de Ihering, porém, recebe críticas quanto à vinculação da posse à
propriedade, retirando a autonomia do instituto, apesar de alargar muito seu alcance.
A figura da detenção, para Ihering, a grosso modo, inexistiria: se toda pessoa que
tem corpus, estando ali implícita a preliminar de propriedade, por assim dizer, todos que
exibirem contato com a\ coisa seriam possuidores. A detenção, para este autor, nada mais é
do que a posse que foi desqualificada pelo legislador. A fórmula da detenção de Ihering
seria, então, “D = C + A – T”, em que “D” é detenção, “A” é o affectio tenendi, e “T” é a
desqualificação de posse feita pelo legislador. Para Savigny, a detenção é a posse sem
animus domini, ou seja, “D = P – a”.
O artigo 1.196 do CC demonstra a adesão de nosso ordenamento à teoria objetiva da
posse, se Ihering:
“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno
ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”
domínio – uso, gozo e disposição –, mas não exerce todos os atributos da propriedade, eis
que a sequela só incumbe a esta. É claro que o possuidor tem pretensão possessória,
podendo valer-se dos interditos possessórios, mas não tem pretensão petitória que o
ampare, pois esta só assiste a quem detém a propriedade.
As hipóteses de detenção previstas em nosso CC são trazidas no seu artigo 1.198:
Não é possuidor, e sim mero detentor, aquele indivíduo que é um servo da posse,
um fâmulo da posse, ou seja, aquele que apenas tem consigo o bem que é possuído por
outrem, a fim de cumprir suas ordens. Há, para o detentor, o contato com o bem, sendo que
seus atos são restritos ao que lhe comande quem realmente possua o bem.
O detentor não tem proteção possessória própria, porque não tem posse. Contudo,
pode, e deve, proteger a posse daquele que lhe confiou o bem em detenção, na qualidade de
gestor de negócios ou de representante. Por exemplo, o detentor deve repelir esbulhos, por
meio do desforço imediato e necessário, em nome do possuidor.
O artigo 1.208 do CC traz mais duas hipóteses de detenção:
“Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim
como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.”
Estas situações ali apontadas são transitórias, sem definitividade, atos de permissão
ou tolerância destinados a duração temporária. Bom exemplo é o de alunos que, durante as
aulas, detêm as cadeiras em que se sentam, não se tornando, por este contato, possuidores
do bem – a posse é da instituição de ensino.
Há uma diferença simples entre permissão e tolerância: o seu momento. A
permissão ocorre antes do contato, e a tolerância ocorre após. A provisoriedade é essencial
para configurar a tolerância ou a permissão, mantendo a situação no campo da detenção,
pois se a situação se consolidar, pode comutar-se em posse. Como exemplo, se um vizinho
tolera que outro assuma a sua vaga de garagem uma, duas vezes, não há posse, havendo
mera tolerância; se o vizinho, porém, tolera que o outro pare em sua vaga por muito mais
tempo – o que é casuístico –, pode estar presente a posse, e não a mera detenção.
Na segunda parte do artigo supra, o legislador diz que há mera detenção quando o
contato com a coisa vem de ato violento ou clandestino, passando a haver posse quando
cessar a violência ou clandestinidade. É preciso bastante cuidado na leitura deste artigo
supra, especialmente diante de sua combinação com o artigo 1.200 do CC:
“Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.”
“Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são
inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar.”
O STJ entende que não caracteriza posse o exercício atributos de domínio sobre
bens públicos de uso comum e de uso especial, sendo apenas detenção, porque entende que
não é cabível o manejo de interditos possessórios em face do Poder Público.
Esta posição merece críticas, porém, porque além de não ser expressa esta
configuração de detenção, o próprio STJ entende que nada impede que haja a entrega
contratual de posse efetiva destes bens para a prestação de serviço público por particulares.
Hoje, a explicação da posse passa pela funcionalização do direito, tal como quase
todos os demais institutos de Direito Civil, ou seja, é tomada em conta a
constitucionalização da posse, assim como dos demais ramos do Direito Privado.
A função social da posse, portanto, é defendida por quase todos os doutrinadores
modernos. Contudo, sua aplicação empírica ainda é tímida, de difícil constatação,
especialmente no plano normativo e judicial. Normativamente, há alguns enxertos que
podem ser apontados. O primeiro é a previsão do artigo 1.228 do CC:
“Enunciado 84, CJF – Art. 1.228: A defesa fundada no direito de aquisição com
base no interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser
argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo
pagamento da indenização.”
A doutrina maior não concorda com o enunciado acima, entendendo que é o Poder
Público quem arcará com esta indenização, especialmente quando os possuidores forem de
classe carente, ante a alta função social desta dinâmica. De fato, a melhor leitura é mista: se
os possuidores podem pagar, que paguem; se são de classe necessitada, o Poder Público
assume a obligatio.
A função social da posse pode ser percebida também nas reduções que o CC operou
nos prazos de usucapião, tanto ordinária quanto extraordinária, justamente em prol da
função social. Veja os parágrafos únicos dos artigos 1.238 e 1.242 do CC:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e
boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá
de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o
possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado
obras ou serviços de caráter produtivo.”
O artigo 1.210, § 2°, do CC também exibe a atenção que o legislador teve à função
social da posse, ao afastar a exceção de domínio na discussão possessória:
“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de
ser molestado.
§ 1° O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua
própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não
podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
Uns entendem que a posse é um fato: Sylvio Capanema, por exemplo, defende que a
posse é somente uma situação fática, porque pode ser adquirida até mesmo por um ato
ilícito, como o esbulho, e não pode ser adquirida por título, somente por efetivo contato
com a coisa ou disponibilização desta.
Outra teoria entende que a posse é uma situação fática, pois se consolida dentro do
mundo dos fatos, mas que ganha eficácia jurídica, alçando status de direito, eficácia
jurídica. É a teoria seguida por Savigny.
Ihering, em uma terceira teoria, entende que a posse é um direito, pois se demonstra
como uma situação jurídica de vantagem. Esta tese se desdobra em três outras: há quem
entenda que se trata de um direito real; há em quem a trate como direito obrigacional; e há
ainda quem defenda ser um direito sui generis. Ihering crê ser um direito real, por sua
oponibilidade erga omnes. Darcy Bessone entende se tratar de direito obrigacional, por não
estar elencada no artigo 1.225 do CP, rol taxativo. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves
entendem ser sui generis, porque não se amolda a nenhjuma das classificações de direitos
em reais e obrigacionais, variando, inclusive, quanto a sua origem: se surgida de um
contrato em que só ela é entregue – como na locação –, é obrigacional; se decorrente da
propriedade em si, é real; e se for autônoma, como a do esbulhador, é sui generis.
“Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de
quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o
indireto.”
“Enunciado 76, CJF – Art. 1.197: O possuidor direto tem direito de defender a sua
posse contra o indireto, e este, contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código
Civil).”
1.5. Composse
“Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter
com que foi adquirida.”
O detentor autônomo, aquele que obtém o bem por esbulho, violento ou clandestino,
se torna possuidor, com posse de má-fé, quando cessam os atos de violência ou
clandestinidade, como se viu. Se já ingressou com o intuito de apoderar-se do bem, sua
posse será ad usucapionem.
O problema se dá é quando se está diante da posse em caráter precário. Na situação
precária, o detentor sempre assume o contato com o bem sem a intenção de ser dono.
Quando o detentor precário esbulha o proprietário, tornando-se possuidor, a rigor a sua
posse tem que ser igualmente precária, ou seja, meramente ad interdita, porque não se pode
entender que tenha qualquer animus domini no início, e o ato ilícito de subverter sua
condição de fâmulo em possuidor não pode converter o animus original.
Este sempre foi o pensamento majoritário, mas o STJ tem caminhado, corretamente,
no sentido contrário: se o detentor esbulhou o bem valendo-se da sua condição precária, do
abuso de confiança, não sofrendo a perda por meio dos interditos possessórios ou petitórios
de que o esbulhado dispunha, ele passa a ter uma expectativa tal que faz alterado seu ânimo
em relação ao bem, e que deve ser juridicamente valorada. Mesmo vindo da precariedade, a
posse será ad usucapionem, não porque simplesmente inverteu a detenção em posse, tendo
com isso convertido seu animus, mas sim porque a omissão do titular em proteger sua posse
gerou-lhe esta expectativa, esta sim capaz de inverter a natureza do animus. É, de fato, mais
uma repercussão da supressio.
Em suma, o detentor autônomo pode inverter seu ânimo, tornando-se possuidor ad
usucapionem pelo esbulho. O detentor dependente, idem, desde que haja a expectativa
criada pela omissão do esbulhado na precariedade.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.”
A posse se transmite de fato, e não por título, pelo que apenas o herdeiro que exerce
atos de domínio tem a posse, e não os demais co-herdeiros, os quais poderão se valer
apenas de ações petitórias.
Questão 2
Resposta à Questão 2
que a omissão do proprietário permite que o possuidor por esbulho altere seu animus, por
supressio do direito de reaver a coisa, o que torna a posse ad usucapionem.
Sendo o juiz da causa, reconheceria a usucapião do réu da reivindicatória, julgando
aa ação improcedente.
Tema III
Posse II. Posse justa e injusta: identificação da posse violenta, clandestina e precária. Convalescimento dos
vícios objetivos da posse. Princípio da manutenção do caráter da posse e a interversão do título da posse.
Posse de boa-fé: conceito, justo título e análise da situação jurídica do possuidor de boa-fé e má-fé. Aspectos
relevantes do direito de retenção.
Notas de Aula4
1. Classificação da posse
Há vários critérios para classificar a posse, classificação que se faz importante pela
diversidade de aspectos pelos quais a posse se apresenta. Para começar esta classificação, é
importante remontar, inicialmente, à diferença entre o jus possessionis e o jus possidendi.
Jus possessionis são os direitos decorrentes da posse. Se a posse é, em si mesma,
um fato e um direito – para alguns, como se sabe, porque a discussão é infinda –, há
direitos do possuidor que merecem tutela legal, como, por exemplo, o direito de proteger
sua posse contra ingerência indevida de terceiros; o direito a ser indenizado pelas
benfeitorias necessárias; o direito de retenção até a colheita da indenização por tais
benfeitorias; o direito à percepção dos frutos produzidos pela coisa, todos são direitos do
possuidor, jus possessionis.
O jus possidendi, por seu turno, é o direito à posse. É o direito daquele que, ainda
sem posse, tem direito a obtê-la. É, por exemplo, o direito de quem compra algum bem,
devendo receber a sua posse (pois a pose é a otimização econômica da propriedade).
A importância prática desta primeira distinção é alta, pois para que alguém possa
manejar os interditos possessórios, por exemplo, é preciso que tenha jus possessionis, não
bastando o jus possidendi: a defesa da posse é direito do possuidor, e não direito à posse. A
nuance é tênue, nas palavras, como se vê, mas não o é na visualização empírica: se jamais
houve posse, e se pretende havê-la, há jus possidendi, o que fundamenta ações petitórias,
como a imissão na posse, para obtenção da posse; se há posse, e pretende-se protegê-la ou
reavê-la, isto decorre do jus possessionis, e há proteção possessória, por meio dos interditos
possessórios, para proteção da posse.
Outra classificação, proposta por Ihering em sua teoria objetiva, divide a posse em
direta e indireta. Este desdobramento da posse só existe na teoria de Ihering, e não na de
Savigny. Posse direta é a que se transfere a um terceiro, em razão de um contrato, ou em
razão da instituição de um direito real, e é sempre provisória, tendo implícita a obrigação de
restituir o bem ao possuidor indireto. Ao locatário, ao comodatário, ao depositário, como
exemplos, se entrega a posse direta do bem locado, por via contratual; ao credor
pignoratício, ao usufrutuário, como exemplos, passa-se a posse direta em razão da entrega
de um direito real. A posse indireta, por seu turno, é a que remanesce com aquele que
transferiu a posse ao que agora é possuidor direto – locador, comodante, nu-proprietário,
etc.
A importância prática deste desdobramento é que ele fortalece a defesa da posse,
pois tanto um como o outro, tanto o direto como o indireto, são legitimados isolados a
defender a posse contra terceiros. Seguindo-se a teoria de Savigny, todos que se entendem
por possuidores diretos seriam meros detentores, porque carentes do animus domini que
nesta teoria subjetiva é necessário à configuração da posse.
A posse própria, ou em nome próprio, é aquela que incumbe ao proprietário,
quando cumula o domínio e a posse – o que é o mais comum, diga-se. Pode-se confundir
esta posse com a posse direta, porque na prática quem tem a posse própria tem também a
4
Aula ministrada pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 28/7/2009.
posse direta, mas o inverso não é verdade: o possuidor direto, criteriosamente, no rigor do
conceito, não tem posse própria, como se vê no exemplo claro do locatário.
A posse se classifica também em natural, de fato, ou civil, jurídica. Posse natural é
a que independe de título, sendo adquirida por alguém que encontra a coisa e com ela trava
contato, como quando há descoberta de uma res nullius, ou de uma res derelicta. A posse
natural decorre de uma situação meramente fática. A posse civil, por seu turno, decorre de
um título, de uma relação jurídica qualquer, como a entrega contratual do locador ao
locatário.
Outra classificação separa a posse originária da posse derivada. A posse originária
é aquela conseguida pelo possuidor por meios próprios, sem qualquer ato de transmissão
pelo possuidor prévio. Exemplo simples é o de quem apreende coisa abandonada, res
derelicta. Posse derivada, ao contrário, é a que é passada por um possuidor ao sucessor, ou
seja, envolve transmissão da posse, e não aquisição original desta. É a posse adquirida pelo
comprador das mãos do vendedor.
A relevância desta divisão é que a posse originária não carrega consigo quaisquer
vícios, iniciando uma relação possessória com marco zero em sua constituição. A derivada,
por sua vez, carrega consigo as mazelas que a posse anterior contivesse.
Esta classificação merece vir tratada em apartado, tamanha sua relevância. Posse
justa é aquela que não tem qualquer vício a contaminá-la. É a posse do locatário, durante o
curso do contrato, do usufrutuário, enquanto regular o usufruto, etc. posse injusta é a que
tem qualquer contaminação por um dos vícios que podem afligir a posse, que, na tradição
romanista, são vim, clam, precarium, ou seja, violência, clandestinidade e precariedade.
A violência ocorre em seu sentido dicionário: é a força física ou moral que compele
o possuidor original a deixar a coisa, passando sua posse ao possuidor injusto. É o esbulho
praticado por coação física ou moral.
A clandestinidade é a posse colhida de forma disfarçada, com astúcia, à revelia do
possuidor legítimo. É aquela posse adquirida sorrateiramente, por exemplo, quando o
possuidor invadiu terreno alheio durante a noite, sem que ninguém visse, e ali se instalou.
A precariedade, ao contrário do que se pode pensar, não é sinônimo de
temporariedade. É posse precária aquela obtida por abuso de confiança, por quem já tinha a
posse temporária, como no caso do possuidor direto: todo possuidor direto é precarista, e
sua posse que é justa se torna injusta quando, devida a restituição, a esta se recusa. Veja que
é sempre temporária, a posse justa do precarista, mas ainda não é precária, somente se
tornando injusta quando, devida a restituição, o possuidor direto abusa da confiança em si
depositada e se recusa a devolver a coisa.
No direito penal, se encontra bem uma correspondência a estas causas de posse
injusta: a posse violenta se confunde com o crime de roubo; a posse clandestina
corresponde ao furto; e a posse precária se equipara à apropriação indébita.
Os vícios da posse não são somente estes. Há casos intermediários. Veja um
exemplo: alguém invade terreno que sabe ser alheio que entendeu abandonado, sem
violência, sem clandestinidade, e sem título algum que lhe configure como precário. Em
uma interpretação literal, dir-se-ia que tal posse é justa, pois nec vim, nec clam, nec
De início, ressalte-se que não se pode traçar uma correlação absoluta entre a posse
de boa ou de má-fé com a posse justa ou injusta. As classificações, e os motivos, são
diversos, podendo existir, em um exemplo extremo, posse triplamente injusta, com os três
vícios, mas que ainda é de boa-fé. Vejamos.
O conceito de justiça ou injustiça da posse é eminentemente objetivo: basta
constatar se há o vício ou não. O conceito de posse de boa ou má-fé, por seu turno, é
essencialmente subjetivo, pautando-se pela mente do possuidor. É, inclusive, um bom
exemplo de atenção à boa-fé subjetiva no Direito Civil. A posse de boa-fé é aquela,
realmente, em que não há vícios na posse, ou, se os há, o possuidor simplesmente os ignora.
O possuidor de boa-fé tem firme convicção que é legítima a sua posse, desconhecendo
eventuais vícios que a atinjam.
A posse de má-fé é aquela em que o possuidor tem conhecimento dos seus vícios,
ou pelo menos poderia e deveria ter tal ciência, e ainda assim não se demite da posse. Veja
que basta o potencial conhecimento do vício para eivar de má-fé o possuidor, mesmo que
não tenha tal conhecimento: se à luz do homem médio é situação em que se espera ciência
do vício, há má-fé mesmo se não o conhecer efetivamente. Ao contrário, se o
desconhecimento do vício for escusável ao homem comum, a posse é de boa-fé.
A importância prática de identificar a fé do possuidor é enorme. Dentre os exemplos
de relevância, o possuidor de boa-fé tem direito a perceber indenização pelas benfeitorias
necessárias e úteis que tenha realizado no curso de sua posse, podendo até mesmo reter a
coisa até tal indenização ser-lhe paga, enquanto o possuidor de má-fé pode colher
indenização apenas pelas benfeitorias necessárias5, e não em qualquer direito de retenção.
O possuidor de boa-fé conserva, ainda, os frutos percebidos, entregando apenas os
pendentes; o de má-fé, deve entregar os frutos pendentes, e indenizar os percebidos. Por
fim, mais um exemplo de diferença é que o possuidor de boa-fé não responde pelo
perecimento da coisa, quando decorrente de fortuito; o de má-fé, responde integralmente,
mesmo quando perece por força maior.
Veja que a lei impõe estas sanções ao possuidor de má-fé como um incentivo a que
ele se demita da posse, o que não se repete quanto ao possuidor de boa-fé.
Quando o possuidor vinha com boa-fé, mas no curso do tempo passa a ter ciência
dos vícios que ignorava, e ainda assim permanece na posse, há a inversão da natureza de
sua fé – a interversão da posse. Até o momento da interversão, será tratado como a sua fé
impunha, ou seja, terá o tratamento de possuidor de boa-fé até aquele momento; dali em
diante, é possuidor de má-fé, sendo tratado como tal.
A fixação deste momento de interversão, na prática, é muito difícil, porém,
especialmente quando não se trata da efetiva ciência dos vícios, mas sim do momento em
que se torna inescusável seu desconhecimento.
Veja um exemplo: locatário adquire posse, a todo ver justa. Ocorre que, no curso do
contrato, é cientificado de que o locador não podia ceder-lhe o bem em locação, porque
adquirira-o por meio de esbulho. Mantendo-se o locatário na posse, após esta cientificação,
está clara a interversão da sua posse, passando a ser de má-fé. Antes da ciência, veja, a
posse do locatário já era injusta, mas era de boa-fé.
Há uma certa confusão corriqueira, ainda, dos conceitos de posse justa e posse com
justo título. A posse com justo título é aquela adquirida por meio de título que se considera
hábil para a transferência da posse, e revela, presumidamente, justiça da posse daquele que
é assim titulado. Mas, como se viu no exemplo acima, em que o locador é um esbulhador, a
posse pode vir para o locatário com um justo título – o contrato de locação –, mas ser
injusta mesmo assim, porque o locador é um esbulhador. O título apenas empresta a
presunção de posse justa, mas esta pode ser afastada por prova contrária.
Sobre o direito de retenção, este atende ao possuidor de boa-fé, como dito, que
poderá manter-se com a posse da coisa enquanto não lhe forem indenizados os valores
despendidos com benfeitorias necessárias e úteis. Como dito, o possuidor de má-fé tem
direito a indenizar-se das benfeitorias necessárias, mas nunca terá direito de retenção como
meio de coerção a este pagamento. A retenção, de fato, é um elemento de autotutela do
direito, porque é um meio de coerção para o pagamento da indenização que é levado a cabo
pelo próprio titular do direito, que se mantém na posse da coisa, e não pelo Judiciário.
Outro exemplo de autotutela é o desforço físico imediato, dedicado a repelir com as
próprias mãos, mas sem excessos, o esbulhador.
Grande discussão sobre o direito de retenção é o tempo que ele pode perdurar. A lei
não diz, e por isso duas correntes se formaram. A primeira defende a indefinição deste
5
Esta indenização pelas benfeitorias necessárias, mesmo ao possuidor de má-fé, se justifica porque tais
consertos seriam feitos de qualquer forma, eis que deles depende a manutenção da coisa, e o não pagamento
do possuidor representaria enriquecimento sem causa do proprietário.
período, sendo cabível a retenção até que o proprietário o indenize, qualquer que seja o
tempo; a segunda, defende que haja a cessação da retenção quando a ocupação gratuita da
coisa por aquele possuidor, contra a vontade do proprietário, atinja o valor econômico das
benfeitorias pendentes de indenização – porque além disso haveria enriquecimento
indevido do possuidor.
A posse é considerada nova quando tem menos de ano e dia de duração, e velha
quando já dura mais tempo. Não se pode confundir estes conceitos com os de ação
possessória de força velha com ação possessória de força nova, que, apesar de haver uma
certa similitude de conceitos. A ação possessória de força nova é aquela em que a violação
da posse ocorreu a menos de um ano e um dia, e por isso permite que haja tutela liminar; a
possessória de força velha, por sua vez, é aquela em que o avilte à posse já ocorreu a mais
tempo do que este ano e dia, e por isso não permite liminar.
Veja que a força nova ou velha se pauta pelo tempo em que há a violação, e não em
por quanto tempo o titular da posse violada a detinha, como o é na posse nova ou velha. A
ação de forca velha impede a liminar porque se presume que aquele que teve sua posse
violada há mais de um ano e dia não tem mais urgência em obter o provimento
jurisdicional, presumindo-se a ausência do periculum in mora. Veja o artigo 924 do CPC:
Há duas correntes sobre esta presunção legal de ausência de urgência. Uma dispõe
que é inafastável: não cabe jamais liminar em ação de força velha, com natureza cautelar ou
antecipatória; outra, entende que presentes os pressupostos da antecipação de tutela, esta
presunção pode ser subvertida, sendo relativa, portanto. Na verdade, o que estaria vedado
pelo artigo 924 do CPC e sua lógica é apenas a concessão da liminar baseada apenas no
fumus boi juris, dispensada a análise do periculum in mora.
Toda posse é ad interdicta, mas nem toda posse ad interdicta será, porém, ad
usucapionem. Esta é a posse que autoriza o possuidor a reclamar a propriedade do bem, por
via da usucapião. A posse só será ad usucapionem se preencher determinados quesitos:
deve ser contínua, ininterrupta, e deve ser mansa e pacífica, ou seja, inconteste, sem
resistência oposta por outrem.
Outro requisito essencial da posse, para que seja ad usucapionem, é o animus
domini. Esta intenção de ter a coisa como dono, animus rem sibi habendi, é essencial para
que se possa usucapir o bem. Veja que a exigência deste requisito subjetivo parece conflitar
com a adoção, no Brasil, da teoria objetiva de Ihering, mas não conflita. O animus domini
que é exigência de Savigny para configurar a situação de possuidor não é realmente exigido
em nosso ordenamento; o que se exige é que este animus esteja presente naquele possuidor
(veja, já se fala em possuidor, ou seja, tendo o ânimo de dono ou não assim se o considera)
para que possa, com sua posse, adquirir propriedade. Não é um requisito para se tornar
possuidor; é um requisito para se tornar proprietário pela via da usucapião.
A posse de má-fé e injusta pode ser ad usucapionem, se estes requisitos estiverem
preenchidos. Sendo ad usucapionem, bastará o preenchimento de mais um requisito, o
decurso do tempo, para que a posse desperte a propriedade, e é neste último quesito que se
diferenciam a posse de má-fé da posse de boa-fé: a últimas precisará preencher menos
tempo para consolidar propriedade do que a primeira. Se a posse é de boa-fé, diz o CC que
bastam dez anos; se é de má-fé, são necessários quinze anos.
2. Interversão da posse
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
João Pereira celebrou contrato escrito de depósito com José da Silva, tendo por
objeto bens móveis que foram guardados na casa deste. Dias após a celebração do
contrato, a sua vizinha Marli Souza, ex-noiva do depositante, subtrai os referidos móveis
na calada da noite, sob a alegação de que os bens eram seus. Admitindo-se como provado
que o depositante se encontrava em viagem para o exterior, ao depositário assiste o direito
de intentar alguma ação?
Resposta à Questão 2
O depositário é possuidor direto, e por isso tem legitimidade para intentar ação
possessória, independentemente de qualquer atuação do depositante. Depositário não é
mero detentor, e, mesmo que não exerça posse plena, por assim dizer, por não poder usar,
fruir ou dispor da coisa, é possuidor direto, podendo e devendo reavê-la. Veja o artigo 629
do CC:
Questão 3
Tendo sido efetuado um contrato de comodato pelo prazo de 10 anos, veio a falecer
o comodatário, três anos após o seu início. Seu filho, que com ele residia no imóvel e no
qual permaneceu, realizou em seguida benfeitorias visando seu conforto e melhor
aproveitamento econômico do bem. Tem ele direito a permanecer no imóvel pelo restante
do prazo? Independentemente da solução apresentada, terá direito à retenção?
Resposta à Questão 3
Tema IV
Posse III. Formas de aquisição originária e derivada. Aquisição pelo incapaz. Apreensão e abandono da
posse. Acessão de posses: união e sucessão. Constituto possessório: conceito, natureza jurídica e aplicação
prática e a situação jurídica do transferente e do adquirente.
Notas de Aula6
Como já se pôde antever no estudo das classificações, a posse pode ser originária ou
derivada, quanto à sua forma de aquisição. Posse originária é aquela que se adquire sem
que haja a transferência de um possuidor a outro, realizando-se por ato original do próprio
adquirente – como a apreensão de uma coisa abandonada, res derelicta, ou de coisa que
nunca teve dono, res nullius. A posse derivada, ao contrário, é aquela que vem das mãos de
outrem, por transferência, como no caso da posse direta, adquirida por transferência cedida
pelo possuidor que fica apenas com a indireta, agora.
Sobre a aquisição da posse, havia uma discussão na vigência do CC de 1916, que
previa, no artigo 493, os modos desta aquisição. Veja:
Este artigo era um tanto criticável, porque arrolava algo que não precisava ser
arrolado, especialmente diante da própria redação do seu inciso III, completamente aberta.
A maior crítica, porém, era que este artigo era absolutamente incoerente diante da teoria
objetiva de Ihering, adotada já no CC de 1916: se o animus domini era dispensável para a
configuração da posse sob os moldes de Ihering, elencar os modos de aquisição da posse
naturalmente coloca como exigência a presença do ânimo descrito no dispositivo. Por
exemplo, o ânimo de apreender a coisa, no inciso I.
Este artigo, realmente incompatível com a teoria objetiva adotada, foi fruto de
emendas parlamentares, e foi criticado até mesmo pelo patrono do CC de 1916, Clóvis
Beviláqua. O novo CC corrigiu este equívoco, como se vê no artigo 1.204:
Esta conceituação da aquisição veio inspirada pelo código civil alemão, e é muito
mais coerente com a teoria objetiva que adotamos desde há muito. A posse se define
quando se pode vislumbrar no comportamento daquele que tem a coisa o mesmo
comportamento que o proprietário revelaria. É possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de atributos da propriedade – basta o exercício de um deles para
configurar a posse (exceto quando a lei afastar esta condição, chamando a relação de
detenção). Por isso, ihering sempre chamou a posse de exteriorização do domínio.
Sabendo-se disso, é mais relevante saber que há a posse, do que saber-se como ela
foi adquirida. Por isso o artigo acima não se preocupa em definir como se deu esta
aquisição, mantendo-a no plano puramente objetivo. Não se cogita de animus na aquisição,
como outrora; somente se constata objetivamente esta aquisição.
6
Aula ministrada pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 28/7/2009.
O artigo 1.205 do CC diz quem pode adquirir a posse, e não os meios pelo qual se
dá esta aquisição (pois se o fizesse, seria um retrocesso, como visto):
A aquisição mais frequente é a de quem pretende a posse, que a adquire por mão
própria. A aquisição da posse pode se dar também por representante, legal ou convencional
(representante legal ou procurador); ou por terceiro mesmo sem mandato, como o gestor de
negócios, aquisição esta que demandará ratificação pelo efetivo possuidor.
Surge aqui uma questão intrincada: a aquisição direta da posse pelo incapaz é
possível? Por representante é certo que sim, como visto, mas a aquisição pelas próprias
mãos do incapaz é discutida. Há corrente que defende que não é possível, porque o incapaz
não pode praticar atos jurídicos diretamente, e a aquisição da posse é um ato desta
qualidade. Sendo assim, seria necessária, sempre, a representação ou assistência. Ocorre
que esta corrente não prevalece, preponderando a corrente contrária, que reputa
perfeitamente possível esta aquisição pessoal pelo incapaz, porque não se demanda a
vontade qualificada para tanto: não se exige a vontade de quem tenha plena capacidade
civil, bastando que o indivíduo tenha a consciência do significado do ato de posse que
realiza.
Destarte, se o incapaz encontra um bem sem dono, e dele se apropria, é claro que
exerce posse se compreende esta apropriação. Sendo a posse derivada de um negócio
jurídico que demande vontade qualificada, porém, como um contrato de locação, é claro
que oi incapaz não poderá tomar posse sem a devida representação ou assistência.
Última consignação sobre a aquisição da posse é que a posse originária vem
descarregada de quaisquer vícios que a contaminaram no passado. Se é derivada, conserva
consigo os vícios que a eivavam quando estava com o possuidor anterior. É claro que a
ausência de vícios da posse originária se exibe perante terceiros, porque perante o eventual
proprietário ou possuidor anterior, que se supunha inexistir, ainda permanece a posse como
o era. Entenda: se se apreendeu uma coisa que se julgava abandonada, res derelicta, e esta
na verdade pertencia a alguém, contra todos os demais, a posse do adquirente é originária e
límpida, mas perante o real proprietário ou possuidor, é derivada e viciada, contra ele sendo
indefensável.
2. Acessão de posse
a posse nova, sem qualquer vínculo aos caracteres da posse anterior. E é aqui que reside
uma discussão, baseada no artigo 1.206 do CC:
A discussão é se poderia mesmo o legatário iniciar uma posse nova, ante a previsão
abrangente do artigo supra. A maior corrente defende que o termo legatário, ali impresso,
quer se referir ao herdeiro testamentário, mas que é recebedor de uma universalidade ou de
um quinhão da herança, e não de um só bem a título singular, como o legado típico. Trata-
se do herdeiro eleito em testamento – porque não legítimo ou necessário –, e não do
legatário propriamente dito, somente o qual teria esta opção por suceder ou inovar a posse.
Outra corrente, porém, defende que o dispositivo quis dizer exatamente o que disse:
trata-se do adquirente a título singular, o legatário propriamente dito, e não apenas aquele
herdeiro eleito, mas a título universal ou aquinhoado, pelo que o legatário singular também
não poderia optar. Veja o artigo 1.207 do CC, que trata da opção pela comunhão de posses:
3. Atos de detenção
“Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim
como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.”
4. Transferência da posse
A posse de bens móveis se transmite pela tradição, tal como a propriedade. No bem
imóvel, a propriedade depende do registro para se transmitir, mas não a posse: esta se passa
com a mera tradição, tal como nos bens móveis.
A tradição pode ser real, ou material, quando se entrega a coisa nas mãos do
adquirente, efetivamente; e pode ser ficta, quando não há a entrega material do bem, mas há
a prática de um ato que demonstra inequívoca intenção de entregá-lo. Exemplo mais
comum desta tradição ficta é a entrega das chaves ao adquirente de um imóvel. A colocação
da coisa à disposição do adquirente, por qualquer meio, revela a tradição ficta.
Há ainda uma outra situação, chamada tradição contratual, que para uns é
modalidade ficta, e para outros é um tertium genus. Trata-se do constituto possessório. O
CC de 1916 mencionava expressamente esta situação como um dos modos de aquisição da
posse, e o CC de 2002 não repetiu tal previsão, o que levou alguns autores a entender que
não mais subsiste este meio de aquisição no ordenamento. Contudo, não é a melhor leitura:
o instituto permanece existente, mesmo sendo silente o CC, por simples permissão da
autonomia da vontade. É claro que, consequentemente, a cláusula constituti tem que ser
expressa, não sendo presumível do contrato.
Parece mais acertada a corrente que defende que o constituto possessório não se
trata de uma transmissão ficta. Isto porque o constituto possessório consiste, de fato, na
maneira contratual de transferir a posse quando a sua entrega real ou ficta não se realiza, a
fim de conceder proteção possessória desde já ao adquirente. Veja um exemplo concreto:
pessoa que reside em imóvel próprio vende este imóvel a outra; com esta venda, a entrega
se torna uma obrigação imediata. Contudo, pode acontecer de o vendedor precisar se
manter no imóvel, ali residindo, por algum tempo, o que pode ser contratualmente ajustado.
Não tendo sido transferida a posse real, nem entregue as chaves para tanto (o que revela
tradição ficta), se o ex-proprietário vendedor não sair do imóvel, o comprador não terá ação
possessória alguma que lhe proteja, porque jamais teve a posse, real ou ficta. Terá, no
máximo, uma ação reivindicatória. É para sanar esta problemática, extirpar este risco do
comprador que admite a saída tardia do vendedor, que existe a cláusula constituti: ao
contratar a compra e venda, o vendedor apõe a cláusula do constituto possessório, a qual
desempenha justamente o papel de transmitir a posse textualmente, a fim de emprestar
proteção possessória ao comprador, o qual não teria qualquer posse, não fosse a cláusula.
Destarte, o comprador que adquire com a cláusula constituti, quando o vendedor
permanecerá no bem, poderá ajuizar ação de reintegração de posse, quando findo o prazo
da permanência ajustada contratualmente sem que o vendedor saia do bem, não restando
limitado ao rito mais dificultoso da reivindicatória, petitória.
O vendedor que passa o bem contratualmente, com o constituto expresso, está
promovendo uma interversão de sua posse: ele, que tinha posse própria, passa a ter posse
direta, enquanto o adquirente tem posse indireta desde então. O vendedor pode continuar no
bem a qualquer título, decidido contratualmente: pode permanecer como comodatário,
como locatário, etc. Pode, até mesmo, deixar de ser possuidor e passar a detentor, se assim
se decidir no pacto – ficará às ordens do comprador, guardando o bem até deixá-lo.
É claro que se há a entrega das chaves, a cláusula constituti não se justifica no
contrato: há já a transmissão ficta da posse pelas chaves, emprestando-se a proteção
possessória dali consequente.
Vale ressaltar que a cláusula constituti só pode ser invocada contra o próprio
alienante, e nunca contra terceiros: não pode o comprador pretender proteção possessória
contra quem não participou do contrato.
Por fim, diga-se que a posse de bens móveis é passível de constituto possessório,
como assevera o enunciado 77 da Primeira Jornada de Direito Civil do CJF:
“Enunciado 77, CJF – Art. 1.205: A posse das coisas móveis e imóveis também
pode ser transmitida pelo constituto possessório.”
Casos Concretos
Questão 1
Caio vendeu à Tício um terreno de sua propriedade, mas que há cinco anos é
ocupado por Mévio, que ali instalou sua residência, julgando-o abandonado. No corpo da
escritura pública de compra e venda o alienante transferiu ao adquirente o domínio, posse,
direito e ação, em virtude da cláusula constituti, ali expressamente referida. De que ação
dispõe Tício, e em face de quem, para obter ou recuperar a posse do imóvel? Justificar a
resposta, inclusive examinando se persiste em nosso direito o constituto possessório, tendo
em vista a redação dos artigos 1.205 e 1.223 do Código Civil, em comparação com a dos
artigos 494 e 520 do Código anterior.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema V
Posse IV. Formas de tutela. Autotutela e tutela judicial. Os interditos tipicamente possessórios e os embargos
de terceiros possuidores. A exceptio proprietatis. Posição processual mais favorável do possuidor. Situação
jurídica do terceiro adquirente da posse. Situação jurídica do esbulhador em relação a terceiros. Aspectos
processuais.
Notas de Aula7
1. Tutela possessória
“Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de
ser molestado.
§ 1° O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua
própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não
podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2° Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade,
ou de outro direito sobre a coisa.”
7
Aula ministrada pelo professor Marco Aurélio Bezerra de Melo, em 29/7/2009.
“Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho,
quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la,
é violentamente repelido.”
A defesa da posse tomada de forma clandestina, contudo, só pode ser feita por
autotutela se o esbulhado o fizer logo, como diz o artigo 1.210 do CC – a imediatidade
ainda se impõe. E a definição do que seja logo é casuística, não havendo um critério
estático, devendo se pautar pela razoabilidade, mas o desforço pessoal deve ser ato
contínuo, realmente imediato ao esbulho, como regra. Veja que é possível esta medida
pessoal, mas a retomada deve ser realmente imediata, na casuística: é claro que o possuidor
que deixa seu imóvel e retorna após três meses do esbulho ocorrido não poderá operar
desforço, sob pena de se tolerar a barbárie na sociedade, fosse possível esta autotutela.
8
Se o detentor exceder-se na defesa, causando dano indevido a quem turbava a posse de seu mandante, a
responsabilidade recairá sobre o possuidor, e é responsabilização sem culpa. É claro que terá regresso contra o
detentor, mas perante o agredido responderá objetivamente o possuidor, pelos atos de seu preposto.
Exceção que é, a autotutela deve ser interpretada restritivamente, e assim se impõe a análise
do termo “logo”, constante do artigo 1.210, § 1°, do CC, supra.
A demora na intentada de recuperação da posse, quando há o esbulho clandestino,
não significa que a posse foi perdida pelo esbulhado: ele ainda tem posse, e merece toda a
proteção que a esta se impõe, só não tendo mais a autotutela a seu dispor – precisará de
uma ação judicial possessória.
A posse precária, por seu turno, não permite autotutela de modo algum. Aquele que
obtém a posse de forma precária, obtendo-a por abuso de confiança, não pode ser removido
pelas próprias mãos do possuidor. O locatário que, terminado o contrato, se nega a restituir
o bem, não pode ser escorraçado por ato do locador, precisando este de uma ação de
despejo, por exemplo. O mesmo se dá com o comodatário, só que a ação judicial para
movê-lo do bem é a reintegração de posse.
“Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a
que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela,
cujos requisitos estejam provados.”
pedidos. Pode, por exemplo, tecnicamente, haver pedido de rescisão de contrato de locação
e reintegração da posse direta ao locador, sem representar qualquer impropriedade.
O artigo 922 do CPC revela o caráter dúplice das possessórias:
“Art. 922. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua
posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes
da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.”
Toda possessória é uma actio duplex, que permite ao réu obter a tutela oposta à
pretensão do autor, sem precisar, para tanto, reconvir, bastando deduzir, na contestação, o
seu direito perante o autor.
O artigo seguinte, 923 do CPC, é absolutamente relevante:
“Súmula 487, STF: Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio,
se com base neste for ela disputada.”
“Enunciado 79, CJF – Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às
ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu
a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório.”
1.2.1. Interdito proibitório
bem explorado por Marinoni, que visa a obter uma providência jurisdicional destinada a
compelir alguém a não fazer alguma coisa.
Marinoni define a tutela inibitória como a tutela da prevenção de riscos. Este
conceito é bastante bem sucedido, porque dispõe exatamente o que justifica tais ações
judiciais: impedir que o dano chegue a se concretizar. É um meio bastante eficaz, a tutela
inibitória, de proteção efetiva a direitos da personalidade por exemplo, algo que não é tão
eficaz com a tutela ressarcitória, pois se sabe que os aviltes estes direitos não podem ser
desfeitos, mas sim, no máximo, compensados.
O interdito proibitório, portanto, é uma ação de escopo inibitório, que comporta
meios cominatórios para impedir que o pretenso turbador ou esbulhador leve a cabo seu
intento. Cominadas as astreintes, se o réu da ação fizer o que lhe foi determinado não fazer
– turbar ou esbulhar –, padecerá da pena imposta.
Uma questão peculiar, aqui, é a análise das condições da ação. A lei fala em “justo
receio”, como se vê no caput do artigo 1.210 do CC, e este requisito precisa ser avaliado já
na propositura da ação: é integrante do interesse de agir, mais precisamente do interesse-
necessidade.
“Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na
posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora,
depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento,
inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio
de embargos.
§ 1° Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor.
§ 2° Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende bens que,
pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser
atingidos pela apreensão judicial.
§ 3° Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens
dotais, próprios, reservados ou de sua meação.”
“Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato
entre vivos, não altera a legitimidade das partes.
(...)
§ 3° A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao
adquirente ou ao cessionário.”
Este dispositivo tem por efeito evitar diligências maliciosas que podem ser
empreendidas por réus em ações possessórias que, vendo-se em vias de sucumbir na ação,
podem crer que, passando o bem a terceiros, evitarão a força da sentença que lhe seja
desfavorável. O terceiro, recebedor da posse, ao ver-se diante da sentença que determina a
perda do bem, poderia se valer dos embargos de terceiro possuidor, mas não há esta
proteção: a sentença proferida contra o original lhe alcança, por expressa previsão deste
dispositivo supra.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno
ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”
Tema VI
Identificação dos direitos reais. Propriedade: modos de aquisição, conceitos, características, função social
da propriedade, teoria do abuso do direito, alcance e limites constitucionais, legais e convencionais.
Multiplicidade dominial. Propriedade urbana e suas características. Propriedade rural. Expropriação social.
Propriedade resolúvel e revogável. Propriedade limitada. Da descoberta.
Notas de Aula9
1. Propriedade
“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e
especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos
alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e
reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e
9
Aula ministrada pelo professor Marco Aurélio Bezerra de Melo, em 29/7/2009.
10
Há uma proposta de emenda constitucional que pretende dar a mesma solução expropriatória às situações
em que se constatar exploração de trabalho escravo.
“Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o
testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de
incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
§ 1° Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em
outros de espécie diversa.
§ 2° Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os
bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados
nos ônus dos primeiros.”
É claro que as servidões contínuas, que não exigem atuação humana para se
implementarem em seu efeito, como a servidão predial de vista, contínua e não aparente,
que impede a construção acima de determinado gabarito, não podem ser desconstituídas
pelo não uso, simplesmente porque não se tem possibilidade naturalística de não usá-la.
No usufruto, a extinção pelo não uso vem no artigo 1.410, VIII, do CC:
defende que não só o fato de ser originária apaga toda e qualquer marca que o bem tenha
consigo: há que se analisar qual é o direito real que está sendo usucapido, porque é aquele
exatamente o que será constituído para o adquirente. Entenda: se o bem usucapido é bem
hipotecado, o adquirente está adquirindo a propriedade do devedor hipotecário, e nada
mais. Se não existia propriedade plena, não pode a usucapião simplesmente criá-la – haverá
a usucapião da propriedade limitada, que é a única que existe, no exemplo da hipoteca.
A descoberta, o encontro de coisa perdida, gera para o descobridor obrigação de
restituir ao dono, mediante recompensa, a qual recebe nome curioso: trata-se do achádego.
Esta recompensa tem parâmetro legal no artigo 1.234 do CC:
“Art. 1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente,
terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à
indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da
coisa, se o dono não preferir abandoná-la.
Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o
esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo
possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação
econômica de ambos.”
“(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
(...)”
“Art. 4° Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
V – institutos jurídicos e políticos:
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
O artigo 1.228 do CC, cujo caput já foi transcrito, precisa de uma análise amiúde,
eis que é a verdadeira sede maior do direito de propriedade. Veja-o na íntegra:
“Enunciado 88, CJF – Art. 1.285: O direito de passagem forçada, previsto no art.
1.285 do CC, também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for
insuficiente ou inadequado, consideradas, inclusive, as necessidades de exploração
econômica.”
Pelo ensejo, veja o artigo 1.285 do CC, cuja interpretação conforme a Constituição,
sob o ponto de vista da funcionalidade, deu azo ao enunciado supra:
“Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou
porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe
dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1° Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se
prestar à passagem.
§ 2° Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o
acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a
passagem.
§ 3° Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da
alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário
deste constrangido, depois, a dar uma outra.”
11
O termo vem do latim emulatio, significando a rivalização, a intenção de causar aborrecimento, prejuízo ou
incômodo.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
“Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua
revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes,
ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os
bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.”
Questão 2
Sérgio, solteiro, falece sem herdeiros e sem testamento (ab intestato), ficando todos
os seus bens para o município, inclusive um imóvel onde residia. Três meses após a
incorporação dos bens ao patrimônio público, André, vizinho do de cujus, ocupa o referido
prédio e ali se mantém durante um ano e um dia, até que o Poder Público, com o objetivo
de arrendar o imóvel, decide expulsar o invasor através da força. Acontece que André,
para fins de garantir sua estadia no prédio, propõe Ação de Manutenção de Posse. O
município, por sua vez, por intermédio de sua procuradoria, contesta a ação e reconvém.
Na contestação alega que: a) André é mero detentor e não possuidor porque os bens
públicos são insusceptíveis de posse, já que a Constituição proíbe, em seus artigos 183, §
3º e 191, parágrafo único, a usucapião dos mesmos; b)Mesmo que André fosse possuidor,
seria de má-fé, não merecendo, assim, a tutela legal, pois esta somente existe para o
Resposta à Questão 2
“Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no
caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-
se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a
manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos
representantes judiciais.”
Tema VII
Usucapião de bens imóveis: fundamento, conceito, modo de aquisição, e natureza da sentença. Requisitos da
posse ad usucapionem: posse ininterrupta, sem oposição e com animus domini. A imprescritibilidade dos
bens públicos e a controvérsia sobre a natureza das terras devolutas. O direito de exigir a outorga da
concessão especial de uso para fins de moradia.
Notas de Aula12
“Art. 941. Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se lhe declare, nos
termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial.”
“Art. 943. Serão intimados por via postal, para que manifestem interesse na causa,
os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Territórios e dos Municípios. (Redação dada pela Lei nº 8.951, de
13.12.1994)”
“Art. 945. A sentença, que julgar procedente a ação, será transcrita, mediante
mandado, no registro de imóveis, satisfeitas as obrigações fiscais.”
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
“Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria
de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no
cartório de registro de imóveis.”
Não é qualquer posse que permite a usucapião. Apenas aquela que estiver imbuída
de animus domini pode justificar usucapião. É necessário que haja, pelo período necessário
para configurar a propriedade, o sentimento de ser dono da coisa.
Vale mencionar que o promissário comprador, em regra, não tem animus domini,
assim como o devedor fiduciante: eles pretendem obter animus domini, para tanto firmando
o contrato que os permita perseguir esta condição de dono, mas ainda não pode-se dizer que
o sejam – há o dever de restituir o bem se se tornarem, estes possuidores, inadimplentes. É
claro que, havendo eventual interversão da posse, a partir dali passará a contar posse ad
usucapionem, podendo haver usucapião, porque há o animus domini desde então.
O objeto da usucapião só pode ser aquele capaz de ser apropriado pelo usocapiente,
ou seja, aquele que possa passar a integrar o patrimônio do usocapiente. Bens públicos, por
exemplo, não podem ser usucapidos, como dispõe o artigo 102 do CC, não sendo bens
hábeis, portanto:
1.1.4. Prazo
esbulhado por pessoas com animo de apropriarem-se do imóvel. Mesmo passados cinco
anos, o artigo 198, II, do CC, estabelece que não corre a prescrição neste caso:
“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-
se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
(...)”
É claro que, tal como na prescrição extintiva de direitos, o artigo 219, § 1°, do CPC
deve ser observado:
“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz
litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
§ 1° A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.(Redação
dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
(...)”
“Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos
antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto
que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e
de boa-fé.”
Último requisito é que a posse não tenha sido interrompida, no curso de seu
cômputo. O prazo do período aquisitivo não pode contar com solução de continuidade. Veja
que trata-se, aqui, de verdadeira ruptura da posse, ou seja, se o possuidor, por algum
momento, deixou de sê-lo, o período estará fulminado, tendo que ser reiniciado – tal como
na interrupção do prazo aquisitivo.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
“Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria
de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no
cartório de registro de imóveis.”
Questão 2
seria cessionária de direitos hereditários. No mérito, alega ter a posse mansa e pacífica do
imóvel há mais de 8 anos. Ressalta que, após a denúncia do contrato em 1997, o comodato
foi revogado, passando a ser possuidor de boa-fé, o que ensejaria o direito de usucapião.
Pugnou pela improcedência do pedido autoral. Decida a questão, fundamentadamente.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VIII
Notas de Aula13
1. Espécies de usucapião
“Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá
usucapião, independentemente de título ou boa-fé.”
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e
boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá
de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o
possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado
obras ou serviços de caráter produtivo.”
13
Aula ministrada pelo professor Sandro Gaspar Amaral, em 13/11/2009.
“Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e
incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a
propriedade.”
A ordinária de imóvel, em regra, ocorre em dez anos, como diz o caput do artigo
supra, se preenchidos os requisitos essenciais e havendo boa-fé e justo título.
Será possível a exceção do parágrafo, caindo o prazo para cinco anos, se houver
todos os requisitos essenciais, mais a boa-fé e o justo título, tal como enuncia o caput, e
também os caracteres especiais ali previstos – a aquisição onerosa cancelável (e não
somente após efetivamente cancelada), com moradia ou investimentos de interesse social
ou econômico.
Vejamos um exemplo: uma pessoa, com boa-fé e justo título, esteja na posse de um
imóvel, e seu título é uma aquisição onerosa. Esta aquisição foi levada a registro. Se este
registro poderia ter seu cancelamento desde logo requerido, qualquer que seja o motivo,
enquadra-se no parágrafo único.
Agora, imagine-se que uma pessoa faz doação com cláusula de reversão a outra.
Este possuidor morre (quando então a reversão se opera), mas os seus herdeiros continuam
na posse, pois nunca souberam da cláusula de reversão, ou seja, com boa-fé – também estão
nesta modalidade de usucapião, mas no caput. Se o possuidor donatário, antes de morrer,
tivesse vendido o bem a um terceiro, este terceiro teria posse ad usucaspionem, com justo
título, boa-fé, e adquiriu onerosamente. A propriedade vendida era resolúvel, ante a cláusula
de reversão, e continua reversível, tornando-se o registro cancelável apenas quando do
implemento da condição resolutiva (morte do donatário), a partir do que contar-se-ia o
prazo de dez anos, a princípio (pois o título não era cancelável na aquisição, somente no
implemento da condição).
Ter justo título não significa ter boa-fé, mas sim uma presunção de que haja boa-fé.
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
“Art. 9° Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde
que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1° O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2° O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.
§ 3° Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a
posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da
sucessão.”
“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1° O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2° O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.”
A rural vem no artigo 191 da CRFB e no artigo 1.239 do CC, além de ter lei
específica, a Lei 6.969/81, que dispõe sobre a aquisição, por usucapião especial, de imóveis
rurais:
“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
“Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”
moradia ao possuidor, e se tornar produtivo graças ao labor deste possuidor ou sua família;
e se for urbano, prestar-se à moradia do possuidor.
Destarte, estando o bem locado a terceiros, em qualquer dos casos, a usucapião
especial é impossível; sendo imóvel comercial, também. Pode até haver usucapião de outra
modalidade, mas não esta especial, urbana ou rural.
A inspiração destas normas é a proteção aos desfavorecidos, ou seja, sua
interpretação deve ser teleológica, e não apenas literal. Por isso, há que se perscrutar se
quem preenche os requisitos formais da usucapião especial precisa mesmo desta proteção,
pois do contrário, esta não se justifica. Como exemplo, alguém muito rico que ocupe um
imóvel nas condições do artigo 1.240, supra, ou mesmo uma situação de fraude à lei:
alguém que era proprietário de um bem, e vende-o para usucapir outro, nestas condições.
Mas há quem entenda que quem preenche todos os requisitos formais pode, sim, fazer jus a
esta usucapião especial.
Imagine-se que haja a invasão de um terreno por um grupo, o qual ali instala
moradia, cada um dos possuidores do terreno construindo sua casa, mas todos possuindo o
terreno, a mesma área urbana, como um todo. Ao pretender a usucapião, todos os
possuidores tornar-se-ão proprietários do imóvel, do terreno, que é um só – apesar de haver
diversas acessões, há um só imóvel geral, o terreno não loteado. Esta é a usucapião
coletiva.
Veja que se houvesse o loteamento, a definição das frações, esta usucapião seria
impossível. Seria preciso o fracionamento, a definição legal de cada parcela do solo, e
somente então aa consolidação da propriedade – o que, na prática, tornaria o processo
infindável.
O artigo 10 do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, traz o instituto:
“Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados,
ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente,
desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1° O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,
acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2° A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,
mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de
imóveis.
§ 3° Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de
acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4° O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de
extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio.
§ 5° As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão
tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os
demais, discordantes ou ausentes.”
“Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e
se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do
tempo estabelecido na lei revogada.”
“Art. 550. Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de
título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o
declare por sentença, a qual lhe servirá de título para transcrição no Registro de
Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 7.3.1955)”
Vê-se, então, que correu prazo de quatro anos antes da suspensão, de 1988, ficando
suspenso até 1998, quando o herdeiro completou dezesseis anos; de 1998 até o CC de 2002,
computam-se mais cinco anos, até a vigência material, em 2003. Por isso, os nove anos são,
neste exemplo, menos da metade do prazo do artigo anterior, que era de vinte anos, e
portanto o prazo a ser considerado é o do novo CC, qual seja, de quinze anos, ocorrendo a
usucapião em 2009 – pois restavam seis anos por cumprir, desde 2003, tendo computados
nove anos antes do novo CC.
Há quem diga, minoritariamente, que o prazo do novo artigo deveria começar em
2003, ou seja, no exemplo, os nove anos de posse prévia deveriam ser descartados, vindo a
usucapião a ocorrer em 2018. É corrente minoritária por ser obviamente contrária aos
propósitos da lei.
Aproveitando o mesmo exemplo da invasão deste terreno, suponha-se agora que os
possuidores exerçam ali a moradia habitual, desde sempre. O tempo a ser considerado,
aqui, será o do parágrafo único do artigo 1.238 do CC, ou seja, dez anos. A aplicação do
artigo 2.028 do CC é impossível, porque não se trata de redução ou aumento do prazo: a
hipótese do parágrafo único simplesmente não existia no CC de 1916. Por isso, aplica-se o
artigo 2.029 do CC, que é específico para a usucapião:
“Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos
estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242
serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência
do anterior, Lei no 3.071, de 1° de janeiro de 1916.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema IX
Registro de imóveis. Conceito. Princípios. Atributos. Eficácia. Atos praticados pelo cartório do registro de
imóveis. Importância jurídica da prenotação. Procedimento administrativo de dúvida.
Notas de Aula14
1. Registro de imóveis
cria o direito obrigacional, mas não a transferência do direito real, desde já; em seguida,
deve ser celebrado um contrato perante o oficial registrador, este sim considerado contrato
real, e que passa a substituir o primeiro, de fato, porque nele consta tudo que constava no
original, mais a fé pública estabelecida pelo ato cartorário; e, por fim, produzem-se os atos
cartorários pertinentes à publicidade do contrato, como as matrículas e averbações.
Por esta alta burocracia do sistema alemão, a presunção gerada pelo registro é
absoluta. Não se pode anular registro com base em algum vício que, por exemplo, eivasse o
primeiro contrato, porque o segundo, firmado perante o oficial, impõe-se perfeito.
No Brasil, o primeiro ato é idêntico ao do sistema alemão: o contrato cria o direito
obrigacional, mas ainda não o real. A obrigação criada pelo contrato é justamente a de
transferir a propriedade. Em seguida, o contrato precisa ser levado ao registro de imóveis,
pois enquanto não houver tal registro, não há transferência efetiva da propriedade, não
havendo a pactuação de novo contrato real no registro, mas sim a plana inscrição do pacto
obrigacional no registro, com os atos cartorários dali decorrentes. Por isso, a presunção de
validade do registro é relativa, e não absoluta, como na Alemanha.
Veja uma situação peculiar: indivíduo celebra contrato de compra e venda, sendo
que logo após, antes de ser levado o contrato a registro, o vendedor morre. Como não
houve registro, o imóvel ainda pertence ao proprietário obituado, e por isso, pela saisine,
passa aos herdeiros. O comprador só é credor do direito obrigacional, mas ainda poderá
levar o bem a registro, consolidando sua propriedade, mesmo após a morte do original
proprietário.
Assim, em síntese, duas características peculiares do sistema brasileiro de registro
de imóveis são a transferência da titularidade por meio do registro, a vinculação do título ao
modo de transferência, título que é o negócio jurídico que autoriza esta transferência; e a
presunção relativa de titularidade, de regularidade do registro, eis que não há escrutínio dos
vícios porventura incidentes sobre o contrato, e geração de um novo, pelo oficial cartorário,
como na Alemanha.
Há quem diga que, por esta dinâmica, o contrato de compra e venda de imóvel seja
um negócio jurídico complexo, pois que só se aperfeiçoaria com uma pluralidade de atos.
Contudo, não é a melhor orientação. O contrato, em si, é simples, gerando seus efeitos por
si só – a criação das obrigações; a transferência da propriedade, esta sim, é ato complexo,
pois demanda dois atos: a pactuação do contrato e a feitura do registro.
Explicadas as bases do registro de imóveis brasileiro, passemos à analise pontual
deste sistema, regido pela Lei 6.015/73.
Basicamente, quatro são os atos que o oficial cartorário do RGI pode realizar: a
matrícula, o registro, a averbação e a prenotação.
A matrícula consiste na anotação inicial do imóvel. Todos os imóveis alodiais
(particulares) são matriculados em algum ofício registral, ou devem sê-lo, mas há, na
situação concreta, imóveis não registrados. Outrora, se considerava estes imóveis como
bens devolutos, e por isso o Estado seria seu titular – sendo impassíveis de usucapião. Hoje,
porém, os bens sem registro são res nullius, podendo haver a usucapião.
A matrícula foi criada junto com o sistema registral da Lei 6.015/73, mas a
propriedade preexistia a tal marco legal. Por isso, o sistema anterior deve ter expressão na
matrícula, a qual descreverá toda a gama de relações percorrida pelo bem até aquele
momento.
O segundo ato do oficial é o registro. São passíveis de registro todos os atos
descritos no artigo 167, I, da Lei de Registros Públicos, que será transcrito logo adiante. De
maneira geral, pode-se dizer que todos os atos de transferência de titularidade são passíveis
de registro, assim como todos os atos de anotação de ônus reais.
O terceiro ato é a averbação, e estão previstos os atos averbáveis no inciso II do
artigo 167 da lei em comento. Em geral, todos os atos que não impliquem em transferência
de titularidade ou criação de ônus reais são averbáveis (ressaltando que as extinções de
direitos reais são averbáveis, e não registráveis, como as criações). Veja:
A prenotação, quarto ato registral, nada mais é do que o ato do oficial quando
recebe o título no protocolo. Este ato é inscrito no livro 1 do RGI.
1.2. Principiologia
1.2.1. Constitutividade
“Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o
devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada
fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.”
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou,
se válido for na substância e na forma.
(...)
§ 2° Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do
negócio jurídico simulado.”
Quinta hipótese vem no artigo 1.268 do CC, mas é refutada pela doutrina mais
moderna. Vejamos porque:
“Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a
propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento
comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé,
como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.
§ 1° Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade,
considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.
§ 2° Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio
jurídico nulo.”
1.2.2. Preferência
no bem, mas a prioridade na execução incumbe àquela que primeiro foi prenotada (mesmo
que a segunda tenha sido registrada primeiro, por maior agilidade cartorária).
Se o título for prenotado, e a prenotação for cancelada por falta de cumprimento de
exigências e pendências, o título perde a prioridade que lhe era garantida.
Outro caso peculiar é o da prenotação, no mesmo dia, de dois títulos incompatíveis:
a prioridade será determinada pela hora da lavratura da escritura pública, e não pela
prenotação primeiramente realizada. Veja os artigos 191 e 192 da Lei 6.015/73:
“Art. 192 - O disposto nos arts. 190 e 191 não se aplica às escrituras públicas, da
mesma data e apresentadas no mesmo dia, que determinem, taxativamente, a hora
da sua lavratura, prevalecendo, para efeito de prioridade, a que foi lavrada em
primeiro lugar. (Renumerado do artigo 192 parágrafo único pela Lei nº 6.216, de
1975).”
Assim, se uma escritura pública é prenotada no mesmo dia que outra da mesma
data, mas mais tarde, ainda terá prioridade se a hora de sua lavratura for anterior À da que
foi prenotada anteriormente, no mesmo dia.
Outra exceção é a hipótese do artigo 189 da Lei em comento:
O sistema registral gera presunção relativa, juris tantum, que pode ser
desconstituída por prova em contrário. Por conta desta presunção, há força probatória nos
registros.
O artigo 1.245, § 2°, do CC, que trata do tema, merece uma crítica:
1.2.4. Continuidade
mora, haverá a consolidação da propriedade nas mãos do credor, que poderá leiloar o bem e
se ressarcir do prejuízo. Veja o artigo 26 da Lei 9.514/97:
“Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora
o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em
nome do fiduciário.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal
ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do
fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo
de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento,
os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os
encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao
imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.
§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal
ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação
do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos
da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo
correio, com aviso de recebimento.
§ 4º Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente
constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o
fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a
intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de
maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não
houver imprensa diária.
§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação
fiduciária.
§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora,
entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de
cobrança e de intimação.
§ 7° Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do
competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na
matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à
vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se
for o caso, do laudêmio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
§ 8° O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao
imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art.
27. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)”
1.2.5. Especialidade
1.2.6. Publicidade
Todos os atos notariais são públicos, porque este é justamente o escopo maior do
sistema registral. É por isso que qualquer pessoa do povo, sem sequer precisar demonstrar o
motivo, pode obter vista ou certidão de qualquer ato notarial que lhe convenha, sem ser
questionado pelo oficial sobre a finalidade de tal informação.
1.2.7. Legalidade
“Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação: (Redação dada pela Lei nº
10.931, de 2004)
I - de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de: (Incluído pela Lei nº
10.931, de 2004)
a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;
(Incluída pela Lei nº 10.931, de 2004)
b) indicação ou atualização de confrontação; (Incluída pela Lei nº 10.931, de 2004)
c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento
oficial; (Incluída pela Lei nº 10.931, de 2004)
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O registro precisa refletir a realidade fática, e se não o fizer, precisa ser retificado.
A respeito, veja a Apelação Cível 1997.001.00928, do TJ/RJ:
Questão 2
Resposta à Questão 2
O título que primeiro foi prenotado tem prioridade na execução, mesmo que o outro
tenha alcançado o registro antes, por maior agilidade na análise da sua legalidade. A
eficácia retroage até a data da prenotação, e por isso o banco Y tem razão – sua prenotação
prévia lhe garante prioridade.
Tema X
As acessões imobiliárias. Acessões naturais e artificiais. Diferença entre benfeitorias e acessões artificiais.
Mitigação ao princípio superfícies solo cedit. Efeitos da boa-fé e da má-fé na construção em solo alheio.
Aquisição e perda da propriedade móvel. A tradição na aquisição a non domino. O abandono como modo de
perda da propriedade imóvel.
Notas de Aula15
1. Acessões
“Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos
minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e
outros bens referidos por leis especiais.
Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos
minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a
transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial.”
“Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não
mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.”
15
Aula ministrada pelo professor André Roberto de Souza Machado, em 24/11/2009.
de dois terços dos votos dos condôminos, não sendo permitidas construções, nas
partes comuns, suscetíveis de prejudicar a utilização, por qualquer dos
condôminos, das partes próprias, ou comuns.”
legislador apresenta quatro hipóteses de acessão natural: a formação de ilhas fluviais (não
marítimas, pois se o forem são terrenos de marinha, podendo no máximo ser alvo de
enfiteuses); o abandono de álveo; a aluvião; e a avulsão.
As quatro situações envolvem imóveis cortados por rios, ou limítrofes a rios.
Vejamos cada uma, brevemente.
Na formação de ilhas, havendo uma ilha surgida no meio do rio, esta pertencerá
proporcionalmente aos proprietários ribeirinhos, traçando-se uma medianiz no meio do
álveo (o rio em si), partindo-se o rio nesta metade: a parte da ilha que estiver de cada lado
pertencerá ao proprietário ribeirinho correspondente.
Se a ilha se forma totalmente em um dos lados da medianiz, ela pertence
inteiramente ao proprietário correspondente.
Veja o artigo 1.249 do CC:
“Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de
um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo,
se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém
houver reclamado.
Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a
que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte
acrescida.”
O que se passa, em ambas as situações, é que a correnteza do rio traz a parte sólida
que adere à propriedade ribeirinha, fixando-se como parte deste imóvel, agora, acrescendo
seu território. A diferença reside em um só aspecto: se a movimentação da parcela sólida se
deu paulatinamente ou de forma violenta: sendo um acréscimo lento, há aluvião; sendo o
acréscimo fruto de correnteza violenta, há avulsão.
As consequências, porém, diferem mais: quando se tratar de aluvião, o terreno
acrescido pertence ao seu proprietário, que não deverá indenizar nada a quem quer que seja
pelo acréscimo experimentado – basta alterar sua metragem no RGI, e estará regularizada
sua situação.
Quando se tratar de avulsão, porém, o acréscimo violento provavelmente fez algum
outro proprietário, rio acima, perder parte de seu terreno, e por isso o proprietário do
terreno acrescido manterá o acréscimo, se tornando dono da parcela sólida aderida, mas
deverá indenizar aquele que perdeu parte da propriedade. Aplica-se o superficies solo cedit,
mas mediante indenização. Somente quando não reclamada a indenização, em prazo de um
ano, é que o proprietário do terreno acrescido ficará eximido de seu pagamento.
Veja que se o proprietário do bem acrescido na aluvião recusar-se a pagar
indenização, será permitido ao dono do terreno prejudicado retomar a parcela perdida, por
desmembramento ou por remoção: ou levantará o terreno de volta, levando-o rio acima; ou
ficará com a parcela onde está, demarcando-a, se impossível a remoção.
A indenização se baseia no valor do imóvel que sofreu a diminuição, porque é o
valor de prejuízo realmente percebido, porque se se calculasse tal indenização com base no
valor do terreno ao qual a avulsão fez aderir a parcela de terra, poderia acontecer caso de
insuficiência, se o terreno for menos valioso, ou enriquecimento sem causa, se o terreno
aderido for mais valioso.
O direito de escolha, entre manter o acréscimo, mediante indenização, ou deixar que
se levante a terra aderida, pertence ao proprietário do terreno em que foi acrescida a
parcela. Quem perde a parcela tem pretensão indenizatória; quem acresce, tem direito a
exercer o superficies solo cedit ou não.
A primeira regra geral sobre acessões artificiais é a presunção relativa de que toda
acessão artificial foi realizada pelo dono do imóvel, o que vem consignado no artigo 1.253
do CC:
Destarte, o ônus de provar que quem produziu a acessão artificial não foi o dono do
terreno incumbe ao terceiro que porventura tenha este interesse.
Partindo desta regra, o legislador tece exceções que cobrem boa parte das possíveis
ocorrências casuísticas. A primeira é a situação em que haja a construção ou plantação, pelo
próprio dono do solo, mas com materiais alheios; ou a construção ou plantação em solo
alheio, mas com materiais próprios – duas faces de uma mesma moeda, variando do ponto
de vista do construtor. Veja o artigo 1.254 do CC:
“Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com
sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica
obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de
má-fé.”
Neste caso, a idéia é que o dono do solo, que agiu de boa-fé, mantém a acessão
(superficies solo cedit), mas deve indenizar o preço das coisas alheias usadas na sua
construção ou plantação. Se agiu de má-fé, ainda assim manterá a acessão, aplicando-se
ainda o superficies solo cedit, mas além de indenizar as coisas usadas, pagará também por
eventuais perdas e danos comprovados.
Veja agora o artigo 1.255 do CC:
“Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em
proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé,
terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor
do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do
solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver
acordo.”
retenção, por analogia ao tratamento dado às benfeitorias úteis, tratamento dado no artigo
1.219 do CC:
“Enunciado 81, CJF – Art. 1.219: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do
CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica
às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.”
O artigo 1.228 do CC, §§ 4° e 5°, já abordados, que para a maior parte da doutrina
trata-se de uma hipótese de desapropriação judicial, é definido por Pablo Renteria,
isoladamente, como uma hipótese de acessão inversa. Reveja o dispositivo:
Este autor entende que o que se passa, ali, é a inversão da acessão, mas com um
critério diferente do econômico: a acessão invertida se dá pelo maior valor social da
acessão do que o do solo. O valor social da construção supera o do solo, e por isso se
protege as acessões ao invés da propriedade do solo.
A diferença é que somente o valor das coisas alheias será indenizado, não se falando
em quaisquer outras perdas ou danos a serem indenizadas.
O parágrafo único do artigo supra fala que há má-fé do proprietário do solo quando,
vendo a acessão ser feita, não impugna sua execução. Esta impugnação deve ser feita assim
que possível, assim que o proprietário tomar ciência da realização da acessão.
O artigo 1.257 do CC traz exceção a este artigo supra, de fácil compreensão literal:
“Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio
em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a
propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa
parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida
e a desvalorização da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o
construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em
proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder
consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem
grave prejuízo para a construção.”
A acessão, nestes casos, apenas invade em parte o solo alheio, não sendo
integralmente realizada neste solo alheio, como na acessão inversa comum, acima
abordada.
O acessório, no caso do artigo 1.258, supra, aproxima o principal apenas em parte,
ou seja, não mais do que cinco por cento do total do terreno invadido. A dinâmica é muito
similar à da acessão inversa comum: o dono da acessão que, na parte invadida, supera em
valor o terreno invadido, indenizará este valor, e ficará com o terreno.
A diferença maior está no parágrafo único deste artigo: enquanto na acessão inversa
comum apenas o possuidor de boa-fé pode dela se valer, aqui também será possível ao
possuidor que implantou a acessão de má-fé valer-se da inversão, desde que observadas as
condições do parágrafo. A indenização será em décuplo, porque leva em conta não só a
restitutio in integrum daquele que perde o terreno, mas também um evidente caráter
punitivo16 ao malfeitor esbulhador, e só será possível inverter mediante indenização, mesmo
em décuplo, se não for possível desfazer a obra sem destruir a acessão.
Veja que é socialmente interessante esta inversão permitida ao construtor de má-fé,
pois se não fosse possível, a solução seria o desfazimento incontinenti da obra – e é de se
imaginar o custo social, por exemplo, de uma demolição de um prédio de vinte andares que
invadiu, na sua construção, meio metro de um terreno vizinho, mesmo que de má-fé.
Diferentemente ocorre no caso do artigo 1.259, supra: sendo de boa-fé, e excedendo
a parcela mínima, há a inversão, mas além da indenização do valor do solo perdido, há
também que se pagar eventuais perdas e danos ao proprietário invadido; se de má-fé o
invasor, aí então não há inversão: a demolição é mandatória, qualquer que seja o valor da
acessão, além de custear as eventuais perdas e danos provadas pelo dono do solo invadido.
16
Não há, portanto, que se falar em enriquecimento sem causa do esbulhado, que recebe a indenização em
valor dez vezes superior ao que valia a parte invadida de seu terreno: há causa, e esta é a própria ilicitude do
comportamento daquele que de má-fé violou o seu terreno.
2.1. Usucapião
“Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e
incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a
propriedade.”
“Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá
usucapião, independentemente de título ou boa-fé.”
“Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e
1.244.”
2.2. Ocupação
“Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a
propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.”
A ocupação se presta a adquirir coisa abandonada, res derelicta, ou que nunca teve
dono, res nullius.
A ocupação não é prevista para a aquisição de bem imóvel, porque classicamente se
entende que não existe imóvel sem dono: se não há ninguém titularizando-o, é bem do
Estado, terra devoluta. Em uma perspectiva moderna, porém, há quem admita que possa
haver terra sem dono capaz de ser adquirida por legitimação de posse, ou por usucapião,
partindo da ocupação que gera posse justa.
“Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja
memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o
tesouro casualmente.”
“Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual entre
o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o
descobridor.”
2.4. Especificação
“Art. 1.270. Se toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir à forma
precedente, será do especificador de boa-fé a espécie nova.
§ 1° Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se a espécie nova se
obteve de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima.
§ 2° Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura,
escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie
nova será do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-
prima.”
“Art. 1.271. Aos prejudicados, nas hipóteses dos arts. 1.269 e 1.270, se ressarcirá o
dano que sofrerem, menos ao especificador de má-fé, no caso do § 1o do artigo
antecedente, quando irredutível a especificação.”
A comistão é a forma pela qual se adquire a propriedade móvel de coisa sólida que
se misturou indissociavelmente a outra. Bom exemplo é o de duas safras de grãos de
proprietários diversos que, acidentalmente, se misturam em um só silo. A solução é o
condomínio, em que as cotas partes serão proporcionais ao original de cada proprietário.
A confusão se dá quando surge também mistura indissociável de duas propriedades,
só que líquidas. A solução também é o condomínio, com cotas partes proporcionais às
quantidades e valores originais.
A adjunção é similar às anteriores, mas a diferença é que a separação até seria
possível, mas não é recomendável porque causaria prejuízos insanáveis aos bens
misturados. Bom exemplo é uma embalagem e seu rótulo: a retirada dos rótulos é possível,
mas não é recomendável, ante a deterioração potencial de ambos, embalagem e rótulo.
A respeito, veja o REsp. 5808:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O pedido de acessão inversa deve ser atendido, na forma do artigo 1.255, parágrafo
único, do CC. Vale dizer que, quando não for cabível a acessão inversa, a retenção pela
acessão feita de boa-fé é possível, ante a aplicação analógica do artigo 1.219 do CC.
Questão 2
Marcelino Silva propôs ação indenizatória, pelo rito ordinário, em face de Joselito
Rocha, alegando que construiu uma acessão no imóvel locado junto ao réu. Sendo assim, o
autor requereu a indenização referente à construção, comprovando que o valor gasto
nunca fora abatido dos aluguéis pagos. Em sua defesa, o réu aduziu que o aluguel da
época ficou abaixo do preço para que a construção pudesse ser realizada. Argüiu, ainda,
que a 5ª cláusula do contrato de locação veda a indenização referente a quaisquer
benfeitorias realizadas. Por fim, alegou que os institutos da benfeitoria e acessão se
confundem, nada devendo pela construção. Decida a pleiteada indenizatória, indicando os
fundamentos de fato e de direito aplicáveis.
Resposta à Questão 2
Tema XI
Direitos de vizinhança: conceito, natureza jurídica, diferença para as servidões prediais. Uso anormal da
propriedade: teorias conceituais, critérios de nocividade e soluções judiciais. Árvores limítrofes. Passagem
forçada. Passagem de cabos e tubulações. Regime de águas. Limites entre prédios. Direito de tapagem.
Notas de Aula17
1. Direitos de vizinhança
A propriedade é de fato o mais pleno dos direitos reais, mas não significa que pode
ser exercida indiscriminada e ilimitadamente. A propriedade sofre limitações
constitucionais, infraconstitucionais, contratuais, e por isso não pode o proprietário usar
anormalmente seu imóvel. Por uso anormal da propriedade, então, se entende aquele que
excede os limites da função social da propriedade, tornando-se abuso do direito, e, com
isso, ato ilícito, na forma do artigo 187 do CC:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.”
17
Aula ministrada pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 17/11/2009.
“Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências,
poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem
possíveis.”
“Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as
interferências forem justificadas por interesse público, caso em que o proprietário
ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal.”
“Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer
em comum aos donos dos prédios confinantes.”
É claro que se o corte da galhada ou da raiz invasiva poderá, sim descambar para o
abuso de direito, quando, por exemplo, causar a morte ou a queda da árvore do vizinho. A
questão é casuística.
Se a árvore é de um só proprietário, mas estende galhada sobre a propriedade
vizinha, os frutos pendentes, mesmo que presentes nos galhos que invadiram o terreno,
ainda pertencem ao proprietário da árvore. Os frutos caídos naturalmente na propriedade
vizinha, porém, passam a pertencer a este vizinho, na forma do artigo 1.284 do CC:
“Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou
porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe
dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1° Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se
prestar à passagem.
§ 2° Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o
acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a
passagem.
§ 3° Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da
alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário
deste constrangido, depois, a dar uma outra.”
culminando em uma parcela encravada, este terreno encravado artificialmente ainda assim
terá direito à passagem forçada.
O encravamento é físico, ou seja, é objetivo: ou existe passagem, e não é encravado,
ou não existe passagem alguma, e é encravado. Hoje, no entanto, reconhece-se até mesmo
aquele chamado encravamento jurídico: trata-se do prédio que até tem uma via de acesso à
rua, mas esta via é extremamente dificultosa, além das dificuldades que seriam
normalmente toleráveis. Um exemplo esdrúxulo mas bastante ilustrativo seria o de uma
casa, localizada em uma escarpada, em que o dono só acessa a rua por meio de cordames de
rapel: fisicamente, há acesso direto à rua, mas é tão difícil que é como se juridicamente não
houvesse tal acesso. Por tamanha dificuldade, entende-se que este prédio é juridicamente
encravado, merecendo a passagem forçada.
Outro exemplo de encravamento jurídico é ainda mais peculiar: trata-se de um
encravamento subjetivo, que toma em conta as condições do ocupante do imóvel. Veja um
exemplo: uma casa é situada de tal forma que o seu acesso direto à rua é feito por uma
elevação bastante íngreme do terreno, mas que é superável por pessoa com saúde razoável
– sendo que, se passar por pequena parte do terreno vizinho, o acesso é plano e bem menos
extenso. Sendo seu morador pessoa saudável, não há que se falar em encravamento, e a
passagem pelo terreno vizinho não pode ser coactada. Contudo, se o morador for uma
pessoa com dificuldades físicas – uma senhora idosa, por exemplo –, para a qual o acesso
disponível em seu terreno seja extremamente penoso, praticamente inviabilizando sua
movimentação, pode-se falar em encravamento jurídico, em apreço à condição subjetiva do
possuidor – e com isso haverá a passagem forçada pelo vizinho, mediante indenização.
As condições da passagem são casuisticamente definidas, tendo em conta as
necessidades do passante e a menor gravosidade para o cedente. Mesmo que inicialmente
estabelecida de uma forma, se as condições fáticas se alterarem, e exigirem o alargamento
da passagem, por exemplo (passa a ser preciso a passagem de caminhões, e não só carros),
este alargamento poderá ser concedido, mediante indenização complementar.
Se o encravamento cessar ulteriormente – se for aberta nova via de acesso público
ao imóvel outrora encravado, por exemplo –, pode o imóvel dominado pela passagem
exigir sua extinção, seu levantamento. Da mesma forma, se o encravamento jurídico cessar,
pode cessar a passagem forçada. O exemplo de encravamento subjetivo dado é bom para tal
fim: quando a senhora de idade vender seu imóvel a pessoa saudável, capaz de superar com
facilidade o aclive que consiste em seu acesso próprio à rua, não mais subsistirá
necessidade de que haja a passagem forçada, pois o encravamento jurídico desapareceu.
A passagem forçada merece toda a proteção possessória imanente aos direitos reais
que envolvam posse. Se o dono prédio pelo qual é instituída a passagem forçada, por
exemplo, fechar-lhe o curso, inadvertidamente, o possuidor do direito de passagem poderá
ajuizar reintegração de posse. Qualquer medida de proteção possessória é viável pelo
proprietário do prédio encravado que for turbado, esbulhado ou ameaçado em seu direito de
passagem.
O CC de 1916 dizia que se a passagem forçada não for conservada, por negligência
do seu beneficiário – perdendo-se seus rumos –, ele poderia requerer a sua reabertura, mas
para tanto deveria ter que pagar em dobro a indenização inicialmente paga pela passagem
forçada original.
É claro que esta previsão não se repetiu no CC de 2002. A indenização não é uma
forma de locupletamento do serviente, tampouco é uma punição àquele que precisa da
passagem: é uma forma de recompor os eventuais prejuízos que a passagem pode acarretar
ao dono do prédio que a cede, porque pode desvalorizá-lo – e é esta desvalorização o
patamar da indenização.
Por isso, não subsiste esta previsão de indenização em dobro no aviventamento da
passagem forçada: se for necessário aviventar a passagem, o interessado, aquele encravado,
deverá arcar com os custos da obra, somente.
1.5. Águas
Assim, não pode o dono de um terreno que sedia uma nascente, ou onde caem águas
pluviais, tendentes a correr para terrenos inferiores, represar as suas águas além do que lhe
seja necessário ao uso próprio. Se o curso das águas naturais dirige-se ao terreno inferior, só
é lícito ao dono do terreno superior tolher-lhe o curso até o limite de sua necessidade. Se
desviar mais do que precisa, estará agindo contrariamente ao que o direito de vizinhança
impõe sobre o tema. É uma regra de denso cunho ético e social, impondo a simples
solidariedade entre os vizinhos, pois as águas que sobejem ao uso do dono do prédio donde
brotam, e corram naturalmente para outros, não têm por que ser tolhidas em seu curso –
seria um egoísmo inaceitável pelo direito.
Da mesma forma, o proprietário do terreno inferior não pode impedir que as águas
naturais – nascente ou chuva – sigam seu curso natural sobre seu terreno. Não lhe é dado
impedir-lhe o curso. Veja o artigo 1.288 do CC:
Contudo, como o próprio artigo supra ressalva, não pode o proprietário do prédio
superior, de onde escoam as águas, agravar o escoamento das águas além daquele
naturalmente percebido. Um exemplo: determinado terreno superior é regado por chuvas,
as quais tendem a um escoamento natural para o terreno inferior que se faz por três vias
naturais, levando um tempo “x” para escoarem-se. Não pode o terreno inferior reclamar
“Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos
proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para
receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da
vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem
como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de
terrenos.
§ 1° Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a
ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção
das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.
§ 2° O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização
que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.
§ 3° O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos
proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem
também as despesas de conservação.”
Esta passagem forçada de água não se confunde com a servidão de aqueduto, tal
qual a passagem, forçada de pessoas não se confunde com a servidão de passagem. A
servidão de aqueduto é um direito real estabelecido entre os vizinhos, contratualmente,
“Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer
modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder
com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a
renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os
interessados as respectivas despesas.
§ 1° Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas,
cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em
contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados,
de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais,
para as despesas de sua construção e conservação.
§ 2° As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco
divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre
proprietários.
§ 3° A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de
pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a
necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as
despesas.”
Pode exigir que esta delimitação seja realizada, quando houver resistência à sua
pretensão, em ação judicial com este escopo específico, denominada ação demarcatória.
Os custos da demarcação devem ser rateados entre os interessados, pois é o que
definirá a exata proporção do objeto de sua propriedade.
Os muros e tapumes podem ser erguidos exatamente na linha divisória entre os
terrenos, quando então serão considerados em condomínio dentre os vizinhos, pertencendo
metade de sua espessura a cada um dos vizinhos; ou poderá ser construído inteiramente nos
limites de um dos terrenos, pertencendo apenas ao seu proprietário.
O direito de travejamento, quando o muro limite é situado exatamente na linha
divisória, consiste no direito de fixar amarras, escoras, ou quaisquer métodos de
engenharia, no muro limítrofe, tomando até a metade de sua espessura – o que é garantido,
desde que não afete a segurança da estrutura.
É possível a construção de muros e tapumes com o intento especial de impedir a
passagem de animais, ou com qualquer outra finalidade especial que não a mera divisão.
Quem der causa à necessidade do muro especial deverá arcar com os custos, o que é
avaliado na casuística.
O proprietário tem direito de penetrar em imóvel vizinho para buscar coisa sua lá
atirada, por algum fortuito, ou para reparar seu próprio imóvel ou muro. Para tanto, é
necessário somente o prévio aviso de que estará ali entrando, a fim de minorar os riscos de
conflito.
O direito de penetração não é ilimitado: mesmo tendo havido aviso e autorização
prévia para entrada, não é razoável que esta se dê em ritmo diuturno, o que pode acontecer,
por exemplo quando as crianças de uma casa atiram a bola com que brincam praticamente
todo dia no terreno do vizinho.
Pode o proprietário elevar seu muro, caso entenda necessário e veja proveito
legítimo nesta providência, como aumento da sua privacidade e segurança. É claro que este
alteamento não pode ser feito sem qualquer propósito justificado, se for causador de
prejuízos ao vizinho – quer porque este perderá em vista, em recepção da luz solar, ou
qualquer outro prejuizo.
Algumas regras podem ser trazidas aqui, a título de exemplos. Veja o artigo 1.301
do CC, por exemplo:
“Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de
metro e meio do terreno vizinho.
§ 1° As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as
perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.
§ 2° As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação,
não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e
construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.”
A previsão de construção de janelas com vista para o terreno vizinho nunca a menos
de metro e meio de tal terreno se presta a garantir um mínimo de privacidade. O mesmo se
dá com as janelas que, mesmo não voltadas para o terreno alheio, sejam construídas perto
do limite – o espaçamento mínimo é de setenta e cinco centímetros.
A pretensão de fechamento da janela que o vizinho abriu a menos de metro e meio
do limite do seu terreno prescreve em uma no e um dia. Assim, se o proprietário de um
terreno constrói na linha divisória e coloca ali uma janela, se o vizinho prejudicado não
reclamar em menos de ano e dia, perderá a pretensão de fechamento de tal janela. Sendo
esta a situação, se o vizinho prejudicado pretender construir em seu terreno, terá este
problema a enfrentar: a janela em sua linha divisória imporá a ele um recuo de metro e
meio adentro de seu terreno, mesmo que não queira abrir janela – pois não poderá, por
exemplo, construir um muro limítrofe fechando a janela do vizinho.
A construção na linha divisória pode, porém, regularmente, contemplar seteiras, que
são aquelas aberturas para luz ou ventilação que não ultrapassem dez centímetros de largura
e vinte de comprimento, e estejam situadas a mais de dois metros de altura. Ocorre que há
uma diferença enorme das seteiras para as janelas, porque enquanto a pretensão de
fechamento de janelas irregulares prescreve em ano e dia, as seteiras podem ser tapadas a
qualquer tempo, ou seja, se o vizinho quiser edificar muro na linha limítrofe, nada impede
que com isto vede a seteira. Veja o artigo 1.302 do CC:
“Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra,
exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado
o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo
antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com
prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a
quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua
edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Qualquer que seja a causa do encravamento, este precisa de proteção, sob pena de se
inviabilizar economicamente o uso do bem. Hoje, até mesmo o encravamento jurídico é
admitido, flexibilizando-se o antigo conceito de encravamento (conceito antigo, físico, ao
qual se adequa o imóvel em tela, diga-se). Por isso, a passagem forçada é mandatória, tendo
razão Lucas.
Vale dizer que a medida protetiva mais razoável não seria a demolição do muro, e
sim a abertura de um portão cujas chaves ficariam em poder dos interessados, proprietário
do imóvel sediante da passagem e proprietário do imóvel encravado.
Assim decidiu o TJ/RJ, na Apelação Cível 2006.001.48901:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Como permite a adjudicação como solução, há uma corrente que defende que
somente o proprietário tem direito a esta ação de demarcação, e não o possuidor a qualquer
título, como o usufrutuário.
Contudo, a tendência moderna é do fortalecimento da posse, e é igualmente forte o
entendimento doutrinário de que o usufrutuário (assim como o superficiário, o enfiteuta, o
locatário, enfim, todos aqueles que têm a posse direta) poderá, sim, legitimar-se à ação
demarcatória – afinal, tem uso e gozo do bem.
Tema XII
Notas de Aula18
1. Direito de construir
“Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se necessário
reconstruindo-a, para suportar o alteamento; arcará com todas as despesas,
inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação também na
parte aumentada.”
“Art. 1.304. Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a
alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede
divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção; mas terá de
embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes.”
“Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe
aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.”
“Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá
ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante
contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§ 1° Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a
área edificável e a área do terreno.
§ 2° O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para
toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.
§ 3° O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos
coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-
estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.”
Assim, pela outorga, cria-se novo solo potencial, ou seja, se havia, por exemplo,
direito a construir dez pavimentos, passa-se a poder construir doze. Este é o solo criado.
É possível a transformação urbanística estrutural por meio de operações urbanas
consorciadas, conceito apresentado no § 1° do artigo 32 do Estatuto da Cidade:
“Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área
para aplicação de operações consorciadas.
§ 1° Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e
medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o
objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais e a valorização ambiental.
§ 2° Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras
medidas:
Por meio deste instituto, uma grande área da cidade poderá ser reestruturada, para
solucionar um problema qualquer que a aflija – o desuso e a desvalorização, por exemplo.
Para esta modificação estrutural, o Estatuto permite a emissão de títulos representativos de
extensão do direito de construir, chamados certificados de potencial adicional de
construção, títulos que serão leiloados e que permitirão ao adquirente construir mais em seu
imóvel.
Veja agora o instituto da transferência do direito de construir, no artigo 35 do
Estatuto:
“Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário
de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar,
mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em
legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado
necessário para fins de:
I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico,
ambiental, paisagístico, social ou cultural;
III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas
por população de baixa renda e habitação de interesse social.
§ 1° A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder
Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do
caput.
§ 2° A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à
aplicação da transferência do direito de construir.”
“Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje
águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.”
“Art. 105. O proprietário edificará de maneira que o beiral de seu telhado não
despeje sobre o prédio vizinho, deixando entre este e o beiral, quando por outro
modo não o possa evitar, um intervalo de 10 centímetros, quando menos, de modo
que as águas se escoem.”
“Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de
metro e meio do terreno vizinho.
§ 1º As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as
perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.
§ 2º As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação,
não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e
construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.”
Para os terrenos rurais, a distância é maior, porque se presume que os imóveis sejam
maiores. E esta limitação de distância é genérica, e não apenas no que tange a janelas. Veja
o artigo 1.303 do CC:
“Art. 1.303. Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de três
metros do terreno vizinho.”
“Súmula 120, STF: Parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada a
menos de metro e meio do prédio vizinho, não importando a servidão sobre ele.”
“Art. 1.308. Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou
quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou
interferências prejudiciais ao vizinho.
Parágrafo único. A disposição anterior não abrange as chaminés ordinárias e os
fogões de cozinha.”
“Art. 1.309. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso
ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes.”
“Art. 1.310. Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao
poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais.”
“A construção, por sua própria natureza, e mesmo sem culpa de seus executores,
comumente causa dano à vizinhança, por recalques de terreno, vibrações do
estaqueamento, queda de materiais e outros eventos comuns na edificação.
(...)
Essa responsabilidade independe de culpa do proprietário ou do construtor, uma
vez que não se origina na ilicitude do ato de construir, mas sim, da lesividade do
fato da construção. É um caso de típico de responsabilidade sem culpa, consagrado
pela lei civil, como exceção defensiva da segurança, da saúde e do sossego dos
vizinhos”
“(...) segundo a jurisprudência corrente, deve-se entender toda aquela em que ainda
faltam partes de sua estrutura, e não apenas pintura ou remate de materiais já
empregados.”
Quando a obra não for nova, e sim já acabada, a ação passa a ser demolitória. A
diferença básica é que, na nunciação, da obra nova, pode haver suspensão da construção
imediata, por liminar, evitando maiores irregularidades ainda. Na demolitória, tudo que
poderia ter sido feito de forma errada já o foi, restando a demolição.
A respeito, veja o REsp. 311.507:
Veja a sede normativa das ações, no CPC, respectivamente nos artigos 934, da
nunciação, e 1.302, de uma hipótese de demolitória:
“Art. 934. Compete esta ação:
I - ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em
imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado;
II - ao condômino, para impedir que o co-proprietário execute alguma obra com
prejuízo ou alteração da coisa comum;
III - ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da
lei, do regulamento ou de postura.”
“Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra,
exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado
o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo
antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com
prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a
quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua
edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade”.
2. Direito de penetração
3. Condomínio
3.1. Classificações
Quanto à forma, o condomínio pode ser pro indiviso ou pro diviso. O condomínio
pro indiviso ocorre quando a coisa é indivisível, não podendo delimitar parcela desta que
incumbe a cada um dos condôminos. No pro diviso, a coisa pode ser facilmente fracionada.
Esta classificação é bastante relevante, eis que quando da extinção do condomínio há
grande diferença: se o condomínio é pro diviso, basta fracionar a coisa e cada um terá sua
parcela, na proporção de sua cota; se é pro indiviso, a única solução para dissolvê-lo é
alienar a coisa, quer entre os próprios condôminos (que têm preferência), quer para
terceiros. A extinção do condomínio, diga-se, contempla direitos potestativos aos
condôminos: se a coisa pode ser fracionada, cada condômino tem direito a exigir sua
parcela, e não o produto de alienação, se não quiser; se a coisa não pode ser dividida, a
venda se impõe, mas se entrega preempção aos condôminos na aquisição das cotas dos
demais. Sobre o tema, veja os artigos 1.320 e 1.322 do CC:
“Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa
comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da
divisão.”
“Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-
la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-
se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os
condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as
havendo, o de quinhão maior.”
Cada condômino ou consorte pode usar livremente a coisa, conforme seu destino,
utilizando-a de tal forma que exerça todos os direitos compatíveis com o estado de
indivisão. Não se lhe permite, evidentemente, excluir os demais condôminos, pois que a
coisa não é de um, mas de todos. Veja o E.D. no REsp. 622.472:
“Art. 1.324. O condômino que administrar sem oposição dos outros presume-se
representante comum.”
Área interna para recreação e verde e uma área pública A área para equipamentos comunitários e áreas verdes
para implantação de equipamentos comunitários e áreas pode ser interna ou externa ao loteamento, conforme lei
verdes, externas ao condomínio. municipal e/ou concessão de uso.
Casos Concretos
Questão 1
distância legalmente exigida, mas com anuência do réu. Em contestação, o réu sustenta
que a falta de autorização pela autoridade municipal é questão tão somente de direito
público e que não guarda qualquer relação de causalidade com o prejuízo que o autor
alega ter sofrido e, ainda, que efetivamente anuiu com a construção irregular da janela,
mas que isso não pode impedí-lo de edificar regularmente nos limites de sua propriedade.
Decida a questão.
Resposta à Questão 1
Não pode o vizinho inerte exigir o desfazimento da obra, se deixou passar o prazo
de seu direito (ano e dia). Poderá, porém, edificar dentro dos limites legais, exercendo seu
direito de construir nos limites de sua propriedade, conforme a lei.
A respeito, veja a Apelação Cível 2001.001.14634, do TJ/RJ:
Questão 2
Resposta à Questão 2
O STJ tem posicionamento bastante oscilante sobre o tema. O TJ/RJ, por seu turno,
tem sido bastante coerente, adotando a posição firmada no enunciado 79 da sua súmula:
Pode-se dizer, portanto, que a posição atual do STJ é a de que a matéria é dada aos
fatos, porque se há enriquecimento sem causa ou não é questão de fato, imperscrutável em
recurso especial.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XIII
Notas de Aula19
1. Condomínio edilício
19
Aula ministrada pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 4/8/2009.
20
O mesmo questionamento, e a mesma conclusão, se repete em relação ao espólio, à massa falida, aos
consórcios e às sociedades de fato.
“Enunciado 246, CJF – Art. 1.331: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão
da parte final: “nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar
interesse”. Prevalece o texto: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao
condomínio edilício”.”
“Enunciado 90, CJF – Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao
condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar
interesse. (Alterado pelo En. 246 da III Jornada).”
“Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e
partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1° As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos,
escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas
frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade
exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.
§ 2° O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água,
esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes
comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos
condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.
§ 3° A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal
no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou
ordinária no instrumento de instituição do condomínio. (Redação dada pela Lei nº
10.931, de 2004)
§ 4° Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro
público.
§ 5° O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura
de constituição do condomínio.”
Outro argumento que reforça esta segunda corrente, que ainda é minoritária, é o
artigo 63 da Lei 4.591/64, que diz que os condôminos poderão leiloar extrajudicialmente a
fração ideal daquele condômino inadimplente no curso da obra, e que, no § 3°, dá indício
de que o próprio condomínio poderá adjudicar a fração em seu nome, o que demonstraria
personalidade jurídica:
“Art. 63. É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta
de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da
construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas
posteriormente, quando fôr o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10
dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nêle se
fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva
fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo
estabelecida, se outra forma não fixar o contrato.
(...)
§ 3º No prazo de 24 horas após a realização do leilão final, o condomínio, por
decisão unânime de Assembléia-Geral em condições de igualdade com terceiros,
terá preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao
condomínio.
(...)”
Caio Mario, redator desta lei, diz que a menção ao condomínio, ali, é um lapso do
texto, e que deve ser entendida a redação como se reportando aos condôminos, e não ao
condomínio: a adjudicação é feita aos condôminos.
O condomínio pode surgir por ato inter vivos, ou por testamento, na forma do artigo
1.332 do CC:
“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento,
registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além
do disposto em lei especial:
I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,
estremadas uma das outras e das partes comuns;
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao
terreno e partes comuns;
III - o fim a que as unidades se destinam.”
A convenção não institui o condomínio: o que o faz é o ato inter vivos ou mortis
causa, como se disse. A convenção constitui o funcionamento do condomínio, e não o
próprio condomínio.
A Lei de Incorporações, 4.591/64, determina que não se pode lançar um
empreendimento imobiliário, uma incorporação, sem se registrar no RGI respectivo o
memorial de incorporação. Este documento é composto por diversos elementos, como o
título de propriedade do terreno, e a minuta da futura convenção, do futuro condomínio. Por
ser minuta, é claro que pode haver alteração à vontade dos condôminos, quando da efetiva
entrega das unidades autônomas.
A convenção só se considera aprovada quando se reunir a aprovação de ao menos
dois terços dos condôminos. Por isso, pode acontecer de existirem condomínios edilícios
sem convenção, quer porque criados antes de ser esta uma exigência legal, quer porque
ainda não aprovada pelo quorum mínimo necessário.
Enquanto ainda sem convenção, o condomínio edilício se regerá pelas regras
mínimas traçadas no próprio CC. Havendo convenção, ela pode estabelecer regras diversas
daquelas do CC, prevalecendo sobre o Código, a não ser em determinadas hipóteses em que
as regras do CC são cogentes, não admitindo afastamento convencional. A regra geral,
portanto, é a da autonomia da vontade, mas há limites cogentes. Como exemplo de limite, a
multa moratória por atraso no pagamento da cota condominial: esta não pode ser fixada em
patamar superior ao do CC, que é fixado em dois por cento; ou a modificação da fachada,
que exige unanimidade na aprovação, sendo este quorum regra cogente do CC.
A convenção de condomínio é um conjunto de regras de comportamento, elaboradas
pelos próprios condôminos, para estabelecer limites entre eles, com a finalidade precípua de
proporcionar maior harmonia na convivência. Ela se torna lei entre os condôminos, e há
quatro correntes relevantes sobre a natureza jurídica deste documento.
A primeira corrente entende que a convenção é um estatuto, como os das
associações, corrente hoje ultrapassada porque o estatuto pressupõe a affectio societatis,
que como visto não se vislumbra no condomínio.
Segunda corrente entende que a convenção tem real natureza de um contrato,
formado pela plúrima manifestação de vontade dos condôminos. Esta corrente está
igualmente superada, porque a convenção registrada é oponível erga omnes, e não somente
entre os condôminos – quem vier a comprar, ou mesmo locar, unidade autônoma após o
registro da convenção, a ela se submete. Isto violaria frontalmente o princípio da
relatividade contratual, fosse contrato.
Terceira corrente entende que se trata de um ato normativo, ato institucional,
oponível a todos que porventura se utilizarem da coisa, do imóvel, superando muito a
natureza de mero contrato.
A quarta corrente, de Marco Aurélio Bezerra de Melo, entende que se trata de um
ato-regra: é um ato na primeira fase, quando é aprovado pelos condôminos e funciona
somente entre eles; e é uma regra de direito, quando da segunda fase, posterior ao registro,
porque se torna uma regra de conduta obrigatória para todos que da coisa se utilizarem.
Além da convenção, pode haver também o regulamento interno, documento que
disciplina questões menores, de somenos importância na convivência condominial. O
interesse em se criar este documento é que ele admite quorum bem menor para sua
alteração, o que não se admite na convenção – cujo quorum de alteração, de dois terços, é
cogente.
sistema, em que a garagem é um bem autônomo, contando até mesmo com fração ideal
própria. Sendo um acessório do apartamento, não pode ser alienada separadamente; sendo
autônoma, pode ser alienada de forma apartada.
É frequente uma cláusula limitativa que veda a venda ou aluguel da garagem a
pessoas que não sejam condôminos, e esta cláusula é perfeitamente válida, pois se justifica
pela segurança do condomínio como um todo. O próprio CC permite esta vedação,
expressamente.
O condomínio edilício impõe aos condôminos uma obrigação propter rem, que é o
pagamento de fração das despesas condominiais, na proporção de sua cota. Esta cota,
segundo o CC, é calculada pela área da unidade, e respectiva fração ideal da unidade, mas a
convenção pode estipular que as cotas são por unidade, iguais, independentemente das
diferentes áreas das unidades autônomas.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O réu é mero detentor da área comum que ocupa, pois que tal ocupação é fruto de
mera tolerância por parte dos demais, tolerância que não induz posse. Contudo, mesmo não
havendo posse, há por parte do detentor a aquisição do direito de permanecer como está,
pela ocorrência do fenômeno da supressio: o condomínio, ao tolerar sem oposição este uso
por tanto tempo, renunciou ao seu direito. Por isso, o direito do condômino prevalece, e só
o perderia se fosse demonstrado fato novo que ensejasse ao condomínio o direito de alterar
as circunstâncias.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XIV
Direitos Reais sobre as coisas alheias de gozo. Superfície: conceito, modo de constituição, objeto, institutos
análogos, direitos e obrigações e extinção. Servidão predial: conceito, modo de constituição, objeto,
características, classificação, direitos e obrigações e extinção.
Notas de Aula21
21
Aula ministrada pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 4/8/2009.
1. Direito de superfície
Há quem vislumbre enriquecimento sem causa nesta hipótese, mas não é a melhor
leitura: o superficiário usou a superfície de tal forma que, ao fim do prazo, não terá
experimentado qualquer prejuízo – ao contrário, tendo tido oportunidade de haver lucro.
O superficiário pode alienar a terceiros o direito de superfície, respeitado o prazo do
contrato original. Nada impede, por exemplo, que tendo o superficiário pactuado um
contrato de vinte anos, chegando aos cinco anos venha a alienar o direito de superfície que
lhe resta, de quinze anos, a terceiros, nos mesmos moldes do contrato original. Esta
alienação não importa em qualquer pagamento ao nu proprietário, o que difere da enfiteuse,
Os tributos que incidem sobre a superfície são suportados pelo superficiário. A falta
de pagamento dos tributos é causa de rescisão do contrato pelo nu proprietário, assim como
a falta de pagamento das parcelas contraprestacionais da superfície. A ação correspondente
é a de rescisão contratual, cumulada com reintegração da posse.
A morte do superficiário entrega o direito de superfície aos herdeiros, pelo tempo
que faltar do contrato, quando por prazo determinado. Não se trata, portanto, de um
contrato intuitu personae, pois é direito real transferível a terceiros, inclusive por sucessão.
É claro que a superfície não transfere a propriedade do imóvel, e por isso a sua
alienação pode ser livremente procedida pelo nu proprietário. Nada obsta que venda o
terreno a terceiros, mas há direito de preferência ao superficiário, que não pode ser
preterido na opção de compra do bem. Tanto por tanto, o superficiário terá direito de
adquirir o bem antes de terceiros, e se o fizer, o contrato de superfície se extinguirá pela
confusão, concentrando-se na mesma pessoa as figuras de superficiário e nu proprietário.
Veja o artigo 1.373 do CC:
Como já se pôde adiantar, a Lei 10.257/01 permite que a superfície seja instaurada
por prazo indeterminado, o que não é admitido no CC.
Também se disse que, na superfície estatutária, o uso da coluna de ar e do subsolo
são insertos no direito de superfície, o que não ocorre na superfície do CC. Pode, inclusive,
haver a contratação da superfície exclusivamente para o uso do subsolo ou do espaço aéreo:
nada obsta que se pretenda haver apenas o subsolo para a construção de garagens
subterrâneas, por exemplo (como há no centro do Rio de Janeiro), ou a superfície destinada
a impedir que determinado proprietário de imóvel erija em seu terreno um prédio alto, a fim
de não obstar a vista de um imóvel que se situa atrás do terreno em questão – cujos
proprietários, superficiários da coluna de ar do terreno em frente, pretendem manter a vista,
mas não houve a constituição de uma servidão de vista (que é sempre por prazo
indeterminado) sobre o terreno em frente, do nu proprietário.
A discussão sobre a revogação ou não do direito de superfície do Estatuto pelo CC é
ferrenha. A corrente que diz que houve esta revogação entende que o CC, posterior ao
Estatuto, tratou exaustivamente do tema, causando a revogação desta lei anterior.
A segunda corrente defende que a revogação tácita não se operou, porque esta só
ocorre quando a incompatibilidade entre os diplomas for incontornável – sempre que
possível a compatibilização entre as leis, esta deve ser feita. E esta compatibilização é
possível, in casu: o CC rege somente a superfície rural, e o Estatuto da Cidade rege a
superfície urbana, sendo lei especial sobre o tema para a área urbana.
somando-o ao domínio direto, ou seja, se não quiser exercer a preferência, o foreiro poderá
alienar o domínio útil a terceiros, quando então o aforador terá direito a um valor percentual
desta venda, o chamado laudêmio, que é de cinco por cento nas enfiteuses públicas, e dois e
meio por cento na particular (se o contrato não dispuser de forma diversa).
Vê-se que o direito de superfície se trata, de fato, de uma evolução da enfiteuse,
afastados os seus defeitos que a tornavam um instituto desinteressante ao proprietário: não
se perde o imóvel pela aquisição potestativa; e não se verifica a perpetuidade para o
aforador. Tanto o aforamento quanto a superfície tem por objetivo dar destinação sócio-
econômica ao imóvel que era ocioso (tanto que a falta de uso do bem enseja a extinção dos
institutos), mas a superfície é um instituto mais perfeito.
2. Servidões
Trata-se de outro direito real limitado, exercido sobre coisa alheia, e o nomen juris
se refere à sujeição de um imóvel a outro. A servidão é predial, sempre, porque se trata de
uma imposição sobre um imóvel. Não existe servidão pessoal, não havendo como se pensar
em sujeição real de uma pessoa a outra, por óbvio.
Na servidão, há sempre um imóvel serviente e um dominante. Não é o proprietário
que é o serviente, nem o outro proprietário que é dominante – são os seus respectivos
imóveis que assumem estas posições.
Neste instituto, na servidão, se destaca de um imóvel determinadas utilidades
econômicas, que se transferem a um outro imóvel, o qual poderá delas passar a se valer.
Este imóvel do qual se retiram as utilidades passa a ser chamado imóvel serviente, e o que
recebe passa a ser conhecido como dominante.
Condição sine qua non para o surgimento da servidão é que haja imóveis de
diferentes proprietários, portanto. Não há necessidade de se constituir servidão quando o
imóvel serviente pertence ao mesmo proprietário do imóvel dominante – e por isso uma
causa de extinção da servidão é a confusão.
As servidões podem ser de diversas espécies, a depender da utilidade que se
pretende passar ao imóvel dominante. Dentre as mais comuns está a servidão de passagem,
que consiste no direito de passar por um outro imóvel, que vai assistir ao imóvel que
precisa desta passagem. Há também a servidão de vista, que impõe ao serviente a não
obstrução da vista do imóvel dominante; e a servidão de aqueduto, que permite a passagem
de canais de água no terreno de um imóvel.
Não se pode confundir a servidão com a obrigação negativa, de não fazer alguma
coisa. Não se pode, por exemplo, confundir a servidão de passagem com uma obrigação de
não obstruir a passagem em si. Da servidão, surgirá obrigação de não fazer aquilo que a
servidão permite, mas a servidão em si não é a obrigação pessoal: é um direito real que
obriga a todos os proprietários envolvidos. A diferença é tênue: enquanto a obrigação é uma
relação pessoal, direito pessoal daquele que vê a outra parte obrigada a não fazer, só
obrigando as partes que intervieram no contrato. É um direito relativo às partes
contratantes. A servidão é direito real, opondo-se contra todos em razão do imóvel.
Além disso, a obrigação negativa não tem direito de sequela, detido pela servidão:
se o terreno daquele que celebrou obrigação de não obstruir passagem for vendido, o
proprietário superveniente não se verá obrigado a não fazer, ou seja, poderá obstruir a
passagem quando quiser: a obrigação era pessoal do alienante. Já o imóvel serviente de
passagem, quando vendido, levará consigo a servidão, direito real erga omnes que é, e o
adquirente terá que observá-la – há sequela, aderência ao imóvel. Por isso, a servidão deve
ser registrada no RGI, a fim de operar efeitos erga omnes. Não havendo registro, o terceiro
adquirente não poderá ser obrigado a suportá-la.
É corriqueira também a confusão entre a servidão de passagem e a passagem
forçada. A servidão de passagem é instituída negocialmente, enquanto a passagem forçada
é um direito de vizinhança, conferido ex lege, e obtida por sentença em ação específica,
ação de passagem forçada, em que o juiz verificará os requisitos da lei, especialmente o
encravamento, traçando os rumos da passagem de forma a onerar o mínimo possível o
imóvel que a servirá. Na servidão de passagem, negocial, nada há que se envolver o
Judiciário em sua constituição, que será feita à vontade dos contratantes.
A passagem forçada é um direito conferido ao proprietário de prédio encravado,
sem acesso à rua; a servidão de passagem não demanda este encravamento, bastando que
haja maior comodidade na passagem pelo serviente do que aquele acesso à rua que o
dominante porventura já tenha. A passagem forçada é um direito obrigacional de
vizinhança, enquanto a servidão de passagem é um direito real constituído sobre coisa
alheia.
A servidão é gratuita ou onerosa, sendo que geralmente é onerosa por conta da
diminuição de valor do imóvel sobre o qual recai.
Há servidões aparentes e não aparentes. As servidões são aparentes quando podem
ser percebidas pelos sentidos, como uma servidão de passagem ou de aqueduto – pode-se
perceber a passagem, como a formação de uma trilha, ou a passagem dos tubos. A servidão
de vista, por seu turno, é bom exemplo de servidão não aparente, que não se expõe aos
sentidos. A importância prática desta diferença é que as servidões aparentes consideram-se
constituídas desde a assinatura do contrato, vinculando desde logo as partes, o registro
apenas servindo para criar oponibilidade erga omnes do direito real. Já as servidões não
aparentes se constituem no registro do título, a não na mera assinatura do contrato. Além
disso, as servidões aparentes podem ser adquiridas por usucapião, enquanto as não
aparentes não podem.
As servidões podem ser ainda contínuas ou descontínuas. As contínuas são aquelas
que independem de atos humanos para se apresentarem, para apresentarem efeitos: a
servidão de aqueduto e a de vista são bons exemplos, pois a água corre quer haja
intervenção humana colhendo-a ou não, assim como a vista permanece lá, quer haja alguém
Casos Concretos
Questão 1
propriedade, sem que tenha sofrido, ao longo do tempo, qualquer obstáculo. Todavia, ao
decidir vender o imóvel e comunicar o fato ao réu, este lhe fechou a passagem, impedindo
o tráfego. Sustenta que existe uma outra passagem; contudo, afirma que sempre utilizou o
caminho em questão, por mais de 45 anos. Desta forma, entende que restou caracterizado
o esbulho praticado pelo réu ao tentar colocar um obstáculo no caminho utilizado,
impedindo-lhe a passagem. Pondera, ainda, que o caminho alternativo está tomado pela
vegetação e encontra óbice para seu desmatamento por ser área de preservação. Em
contestação, o réu aduz que na propriedade do autor existe um outro caminho que também
conduz à via municipal, não se fazendo necessária a passagem pelo seu terreno. Assim,
deduz ser desnecessário manter o estado atual, não sendo plausível que o autor continue a
passar por sua propriedade, já que o imóvel dele não está encravado. Decida a questão
fundamentadamente.
Resposta à Questão 1
Tema XV
Usufruto: conceito, modo de constituição, objeto, características, direitos e obrigações e extinção. O usufruto
simultâneo e o instituto do fideicomisso. A concessão de uso como direito real resolúvel. O direito real de
habitação no direito sucessório.
Notas de Aula22
1. Usufruto
O usufruto pode ser pleno ou limitado. Ser pleno é dar ao usufrutuário a mais ampla
liberdade de usufruir do objeto, ou seja, dar seu uso e gozo irrestrito. Nada impede, porém,
que seja restringida parte do uso ou gozo do bem, ao se constituir o usufruto: pode o
proprietário vedar determinadas formas de uso ou fruição, tornando o usufruto limitado.
O usufruto pode abranger bens corpóreos ou incorpóreos, pois se refere ao
patrimônio como um todo – e bens incorpóreos, quando existem, estão insertos no
patrimônio.
O artigo 1.392 do CC trata do princípio da gravitação jurídica no usufruto: os
acessórios e acrescidos ao objeto do usufruto são também objeto deste. Veja:
22
Aula ministrada pela professora Consuelo Aguiar Huebra, em 19/11/2009.
“Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos
minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e
outros bens referidos por leis especiais.
Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos
minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a
transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial.”
O dono do imóvel pode conceder o usufruto dos recursos minerais, nos mesmos
limites que este uso e fruição é permitido a si próprio, ou seja, nos limites do parágrafo
único deste artigo supra. É simples: não pode dar em usufruto mais do que tem para dar, e o
usufrutuário terá o mesmo direito que o proprietário teria.
Destarte, no contrato deve haver a exata delimitação desta exploração, tanto das
reservas minerais, sujeitas também a este limitador legal, quanto das florestas, caso em que
devem ser observadas as restrições ambientais pelo usufrutuário, assim como o seriam pelo
proprietário.
antes do seu término: o usufruto não cumprirá seu prazo, extinguindo-se logo com a morte,
passando-se aos herdeiros, justamente por sua natureza intuito personae.
Repare que nem mesmo se o nu proprietário consignar expressamente esta
possibilidade de conceder a sucessão do usufruto aos herdeiros do usufrutuário, ignorando
esta regra de extinção pela morte do usufrutuário, será possível esta continuidade do
contrato: o usufruto sucessivo é absolutamente vedado, sendo nula a cláusula que o
estabeleça. O contrato seria válido entre usufrutuário e nu proprietário, reputando-se não
escrita a cláusula de sucessão.
Por ser intuitu personae, o usufruto é também inalienável. O artigo 1.393 do CC
trata deste aspecto, e parece contraditório, assim como o artigo
“Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício
pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.”
exercício não mine a própria subsistência do usufrutuário – é sua única renda, ou é sua
moradia –, a penhora do exercício é possível.
Além de ser personalíssimo e inalienável, o usufruto é temporário. Até mesmo o
usufruto vitalício é temporário, porque se extingue com um termo incerto, qual seja, a
morte. Não é perpétuo. Até mesmo o usufruto constituído em favor de pessoa jurídica é
temporário, se extinguindo na extinção da pessoa jurídica, ou em prazo de trinta anos, se
esta não se extinguir. Veja o artigo 1.410, III, do CC:
O usufruto pode ser constituído por ato inter vivos, mero contrato (podendo ser um
contrato de doação com reserva de usufruto para o doador, bastante comum, diga-se), ou
mortis causa, em testamento. No testamento, é comum o legado de usufruto, em que se
entrega este direito real sobre algum bem a algum dos herdeiros, ou a terceiro.
Pode haver usufruto por usucapião. Aparentemente, é difícil se imaginar a posse de
um imóvel não induzir a usucapião do próprio imóvel, como seria a regra, mas há um
exemplo que é o seguinte: imagine-se que um usufruto é estabelecido por contrato, por
prazo de quinze anos. Corridos dez anos, se descobre que o contratante que se passou por
nu proprietário, concedendo o usufruto, na verdade não era dono do imóvel. Neste caso, o
suposto usufrutuário estaria irregularmente usufruindo do bem, porque o contrato seria
nulo. Contudo, por ter justo título e boa-fé, este possuidor terá direito de usucapir o
usufruto, exclusivamente, não podendo usucapir a própria coisa, porque claramente não
tinha animus domini sobre esta: tem animus fruendi sobre o direito de usufruto, e não sobre
a propriedade, sendo por isso usucapível tão-somente o usufruto.
O usufruto se constitui pelo registro no RGI, no caso do contrato ou do testamento.
Na usucapião, o direito se constitui no cumprimento dos requisitos, a sentença, declaratória,
sendo levada a registro apenas para haver efeitos erga omnes. Veja o artigo 1.391 do CC:
O usufruto pode ser constituído também por lei, ou judicialmente, ou ainda por
subrogação. O usufruto legal é instituto afeito ao direito de família, como se vê no artigo
1.689, I, do CC:
“Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos
frutos.”
“Art. 1.396. Salvo direito adquirido por outrem, o usufrutuário faz seus os frutos
naturais, pendentes ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as despesas de
produção.
Quanto aos frutos industriais, que não são expressamente versados nesta parte do
CC, aplica-se, para quase unanimidade da doutrina, o dispositivo referente aos naturais.
Somente Nelson Rosenvald defende que não é aplicável esta norma aos industriais.
O usufruto de créditos é tratado no artigo seguinte, 1.395 do CC:
Mais do que resolver o contrato, o usufrutuário que assim proceder deverá arcar
com eventuais perdas e danos causadas ao proprietário.
“Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos
filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da
A lei não comina sanção para o descumprimento deste ato de inventariança, e por
isso a doutrina diz apenas que, não havendo esta prova, a lei presume que o bem tenha sido
entregue em bom estado geral ao usufrutuário – presunção relativa, mas que pesa, a priori,
contra o usufrutuário, que deverá provar que defeitos não foram por ele causados.
Este artigo cria ainda um outro dever ao usufrutuário, exigível pelo nu proprietário:
pode este exigir caução, sob pena de perder, o usufrutuário, o poder de administração da
coisa, que passa ao nu proprietário. Neste caso, o que se passa é estranho: o nu proprietário,
que agora é administrador da coisa fruída por outrem, deverá zelar para que os frutos sejam
probamente entregues ao usufrutuário, e, para tanto, é devida por ele ao usufrutuário, agora,
uma caução para garantir esta probidade na administração. Ocorre verdadeira inversão nas
responsabilidades. É claro que, administrador que é, deve ser remunerado por este trabalho,
retendo parte dos frutos que está administrando. Veja o artigo 1.401 do CC:
“Art. 1.401. O usufrutuário que não quiser ou não puder dar caução suficiente
perderá o direito de administrar o usufruto; e, neste caso, os bens serão
administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, mediante caução, a entregar
ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de administração, entre
as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como remuneração do
administrador.”
Quanto às despesas propter rem, como a copta condominial, por exemplo, são
cobráveis, segundo a maioria da jurisprudência, tanto do nu proprietário quanto do
usufrutuário, mas como incumbem a este último, se o nu proprietário pagar, terá regresso
contra ele.
As despesas extraordinárias, bem como as ordinárias que não tenham custo módico,
incumbem ao nu proprietário. Veja o artigo 1.404 do CC:
O § 1° deste artigo supra define o custo módico: se a despesa supera dois terços
daquilo que o usufrutuário poderia fruir do bem durante um ano, a despesa para sua
manutenção não pode ser considerada módica.
O artigo 1.406 do CC estabelece outro dever do usufrutuário relevante:
“Art. 1.406. O usufrutuário é obrigado a dar ciência ao dono de qualquer lesão
produzida contra a posse da coisa, ou os direitos deste.”
O fato de ter que cientificar o proprietário da perturbação da posse não impede que
o próprio usufrutuário defenda a coisa, valendo-se de todas as formas de proteção da posse.
A ciência deve ser dada para que o nu proprietário também possa exercer esta defesa, se
quiser.
Veja que a proteção possessória não é dever do usufrutuário, é um direito: se ele
quiser, pode deixar de proteger a posse. Ocorre que se o usufrutuário deixar de cumprir este
dever de informar, e deixar de proteger a posse, aí sim haverá uma quebra de deveres a
ensejar tanto a rescisão do contrato quanto a responsabilização do usufrutuário por
eventuais perdas e danos.
É claro que se o usufrutuário sequer souber do ataque à posse, não pode ser
imputado pela não comunicação desta ao nu proprietário.
Os artigos 1.407 a 1.409 do CC trazem hipóteses de subrogação no usufruto.
Vejamos cada dispositivo:
Se a coisa contar com seguro, o usufrutuário deve arcar com seu pagamento
enquanto durar o usufruto – faz parte do direito de manutenção da coisa. Se esta vier a
perecer, o direito ao crédito pela indenização incumbe ao proprietário, porque o seguro
indeniza a propriedade da coisa. Contudo, recebida a indenização, ela é de propriedade do
nu proprietário, mas o usufruto que recaía sobre a coisa perdida agora recai, nos mesmos
moldes, sobre o dinheiro da indenização – ocorre a constituição por meio de subrogação,
como já se viu, criando-se um quase usufruto, usufruto impróprio.
A norma deste artigo é de direito privado, e por isso nada impede que haja a
imposição contratual de custeio do seguro incumbindo ao nu proprietário.
O artigo 1.408 do CC diz:
proprietário. Ocorre que não se trata de uma transferência, e sim de uma retomada, pelo que
não se trata de hipótese de alienação.
O alcance do termo final do prazo é causa natural de extinção do usufruto, quando
não coincida com a morte do usufrutuário, como no usufruto vitalício.
O usufruto em prol da pessoa jurídica se extingue pelo fim desta, quando não fixado
termo, ou em até trinta anos, se ela perdurar tanto tempo. Se o contrato previr prazo maior,
considera-se a parte que exceder a trinta anos ineficaz, valendo o pacto por trinta anos.
O inciso IV do artigo 1.410 acima trata de hipótese peculiar, que depende de decisão
judicial: o usufruto se extingue pela cessação do motivo pelo qual se originou. Motivo,
como se sabe, não se confunde com causa: o motivo é altamente subjetivo, e não consta do
contrato, em regra, pelo que a verificação de seu fim depende de análise judicial.
O perecimento da coisa faz extinto o contrato, a não ser que se enquadre em uma
das modalidades de subrogação já analisadas, quando então há mero deslocamento objetivo
do usufruto.
O inciso VI do artigo 1.410 do CC fala em consolidação como causa de extinção do
usufruto. Consolidar nada mais é do que operar a confusão entre as figuras de nu
proprietário e usufrutuário, de um lado ou de outro da relação: se o proprietário obtém o
usufruto, ou se o usufrutuário adquire o bem, há consolidação do domínio pleno nesta
pessoa, extinguindo-se o contrato de usufruto.
O inciso VII do artigo em comento trata da extinção por culpa do usufrutuário: se
este aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, inobservando o dever primordial de
conservação, o usufruto se extingue. Esta violação contratual depende de medida judicial
para sua constatação, e consequente extinção do contrato. Na parte final deste dispositivo,
já abordada outrora, no usufruto de títulos de crédito, é causa de extinção do contrato a não
aplicação das importâncias recebidas pelo crédito na forma da lei, ditada no artigo 1.395 do
CC, já transcrito, e que diz que o usufrutuário aplicará, de imediato, a importância em
títulos da mesma natureza, ou em títulos da dívida pública federal.
O usufruto também se extingue pelo não uso ou não fruição da coisa, ou seja, o
motivo genérico de todo usufruto, especialmente o gratuito, qual seja, o amparo alimentar,
deixa de existir, e o usufruto perde a sua função. Esta extinção deve ser declarada
judicialmente, e o maior problema, aqui, é a ausência de previsão de prazo legal de inércia:
por quanto tempo o bem deve ficar sem uso ou fruição até ser decretada a extinção do
usufruto?
Marco Aurélio Bezerra de Melo capitaneia corrente que, ante o silêncio da lei, deve
ser aplicado o maior prazo prescricional existente no CC, que hoje é de dez anos. Este
argumento encontra amparo no artigo 1.389, III, do CC, que fala neste prazo para a
extinção da servidão pelo não uso:
“Enunciado 252, CJF – Art. 1.410: A extinção do usufruto pelo não-uso, de que
trata o art. 1.410, inc. VIII, independe do prazo previsto no art. 1.389, inc. III,
Veja que simplesmente não há prazo, para esta corrente: constatado o não uso ou
não fruição, o usufruto simplesmente se extingue imediatamente, a depender unicamente da
prova, em juízo, de que a função social do instituto, seu motivo genérico (o peso alimentar),
se esvaiu. Esta subjetividade é criticada pela outra corrente, de Marco Aurélio, que diz que
tal verificação casuística pode gerar situações absurdas e desiguais – mas é a posição
majoritária.
Há ainda uma última causa legal de extinção do usufruto, traçada no artigo 1.411 do
CC:
Veja que o direito de acrescer, aqui, é dado quando o legado for deixado na forma
conjunta, ou seja, sem definição de cota para nenhum dos usufrutuários simultâneos. Se o
usufruto não for conjunto, ou seja, for estabelecida a cota de usufruto de cada um, a regra
volta a ser a geral: não haverá direito de acrescer, e o nu proprietário consolidará as
parcelas de usufruto daqueles co-usufrutuários que vierem a falecer (pois se entende que o
testador estabeleceu teto de usufruto para cada um dos usufrutuários simultâneos,
presumindo-se a vontade de não permitir acréscimo).
Novamente, é regra dispositiva, e se o testador quiser pode expressar que não
haverá direito de acrescer entre os co-usufrutuários legatários.
Estes direitos têm muita semelhança com o usufruto, e por isso a proximidade do
estudo dos institutos.
Quanto ao direito real de uso, veja o que diz o artigo 1.413 do CC
“Art. 1.413. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as
disposições relativas ao usufruto.”
“Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as
disposições relativas ao usufruto.”
“Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem
as necessidades suas e de sua família.
§ 1° Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição
social e o lugar onde viver.
§ 2° As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos
filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.”
Ora, como pode o caput deste dispositivo dizer que o usuário perceberá os frutos, se
esta fruição é uma prerrogativa do usufruto? Entenda: o direito real de uso é conferido
apenas para o uso, sendo esta, de fato, sua única finalidade – e não a fruição.
Excepcionalmente, porém, é permitido ao usuário extrair frutos da coisa, nos limites das
necessidades subsistenciais sua e de sua família. Como exemplo, pode o usuário de uma
casa plantar no terreno desta e colher dali os frutos para alimentação de sua família; ou o
usuário de um apartamento alugar um quarto, a fim de obter renda alimentar, se desprovido
de qualquer meio de subsistir.
O que não é permitido, jamais, é que o usuário extraia frutos do bem além do limite
da necessidade subsistencial, porque então estar-se-ia equiparando a um usufruto. É por
isso que os §§ do artigo 1.412 do CC se dedicam a identificar os limites da necessidade do
usuário e sua família. A referência da parte final do § 2°, a “pessoas de seu serviço
doméstico”, é texto em desuso, porque se referia originalmente àqueles empregados
domésticos que residiam junto aos patrões, dependendo economicamente do usuário. Hoje,
não se justifica mais esta previsão, ante a gama de direitos trabalhistas com que os
empregados domésticos contam.
Para Nelson Rosenvald, a melhor maneira de se diferenciar o uso do usufruto é
justamente entender que a percepção de frutos pelo usuário não só é excepcional, se
limitando à necessidade subsistencial do usuário e família, mas também que estes frutos
autorizados são somente os naturais. É posição minoritária, porque limita a forma de
obtenção da subsistência, sendo que a lei assim não o fez. Por isso, a melhor e maior
corrente é a que defende que a extração de qualquer tipo de fruto, desde que subsistencial, é
possível.
O direito real de habitação, por seu turno, não deixa de ser um direito real de uso,
mas com o único escopo de implemento da moradia, adstrito, portanto, a bens imóveis. O
direito real de habitação, portanto, é o menor dos três, porque é de escopo absolutamente
limitado à moradia: não se permite a fruição em hipótese alguma. Aquele que recebe o
direito real de habitação já tem na moradia gratuita a benesse final do instituto. Veja o
artigo 1.414 do CC:
“Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia,
o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-
la com sua família.”
“Art. 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa,
qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às
outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes
compete, de habitá-la.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XVI
Direito real de aquisição. Compromisso de compra e venda de bem imóvel. Direito de arrependimento.
Efeitos do registro no cartório imobiliário. Imóveis loteados e não loteados. Parcelamento do solo urbano.
Adjudicação compulsória.
Notas de Aula23
“Art. 1.088. Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato,
qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as
perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts.
1.095 a 1.097.”
A idéia que se passava era que as partes da promessa poderiam, a qualquer tempo,
se arrepender do contrato, deixando de firmar o contrato definitivo – mesmo depois de
recebido o pagamento integral, que seria simplesmente devolvido, com juros e correção
monetária. Ocorre que a desistência poderia, em alguns casos, criar uma situação danosa
irreparável para a parte contrária: se o promitente vendedor desistisse, porque o imóvel se
valorizou muito com o tempo, o promitente comprador nada poderia fazer, e o montante
devolvido seria insuficiente para adquirir bem equivalente; e se o promitewnte comprador
desistisse, porque o imóvel se desvalorizou, o prejuízo vindo desta especulação ao
promitente vendedor era patente.
Em 1937, o Decreto 58 veio tratar do tema, regulamentando a promessa de compra
e venda em imóveis loteados. O primeiro direito que este diploma estabeleceu foi o de que
as promessas que, dali em diante, envolvessem imóveis loteados, não mais poderiam sofrer
arrependimento: estabeleceu, portanto, a irretratabilidade da promessa de compra e venda
de imóveis loteados. Com isso, estabeleceu também o direito de adjudicação compulsória
para o promitente comprador, que com sua parte do contrato preliminar cumprida, sujeitava
o promitente vendedor à sua vontade, quando se recusasse este a fazer o que se
comprometera – ir ao cartório firmar a escritura definitiva de compra e venda.
um dano irreparável, posto que mesmo obtendo o preço de volta com juros e correção,
muitas vezes não conseguia mais adquirir imóvel do mesmo porte.
O Decreto 58/37 passou a regular a promessa de compra e venda, estabelecendo sua
irretratabilidade cogente, e a possibilidade de adjudicação compulsória na hipótese de
recusa injusta da realização da escritura definitiva, por parte do promitente vendedor, e
também a oponibilidade erga omnes da promessa registrada no RGI.
Entretanto, chegou-se à conclusão de que este Decreto não se aplicava aos imóveis
não loteados, e por isso veio a Lei 649/49, que também concedia aos promitentes
compradores o direito à adjudicação compulsória, mas não estabelecia a irretratabilidade da
promessa.
Em 1979, nasceu a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, Lei 6.766/79, que
reproduziu as proteções do Decreto 58/37, estabelecendo, ainda, no artigo 26, § 6°, já
transcrito, a possibilidade do promitente comprador registrar o imóvel em seu nome sem a
necessidade da escritura definitiva ou da ação de adjudicação compulsória, desde que
apresente ao RGI o instrumento da promessa acompanhado do recibo de quitação. Esta lei
regula a promessa de compra e venda de imóveis loteados urbanos, de forma que o Decreto
58/37 é atualmente aplicado somente aos loteamentos rurais.
Os artigos 1.417 e 1.418 do CC, já transcrito, tratam da promessa de compra e
venda de imóveis não loteados, o que fica claro na redação do primeiro destes dispositivos,
que permite a estipulação de cláusula de arrependimento – o que é inadmissível nos
imóveis loteados. Vale esclarecer que a jurisprudência é unânime no sentido de que, mesmo
existindo cláusula de arrependimento expressa, o direito potestativo de arrepender-se perde
vigência, sendo que a maioria entende que só pode ser exercido pelo promitente vendedor
até a quitação da última parcela, havendo ainda alguns julgados que dispõem que o direito
de arrependimento, nestes casos, só é cabível até as arras penitenciais, ou seja, até o
pagamento da primeira parcela, e não da última.
Vale ainda mencionar que a promessa de compra e venda pactuada junto a uma
incorporadora tem regras diferentes das que se apresentou, porque além de se tratar de uma
relação consumerista, o artigo 32, § 2°, da Lei de Incorporação Imobiliária, Lei 4.591/64, a
reputa irretratável e irrevogável:
“Art. 32. O incorporador sòmente poderá negociar sôbre unidades autônomas após
ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes
documentos:
(...)
§ 2° Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de
cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem
direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória
perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência
posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
(...)”
Assim o é para que o promitente comprador tenha tempo de purgar a mora, ante a
relevância dos direitos envolvidos neste contrato.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XVII
Direitos reais de garantia: conceito, características, requisitos subjetivos, objetivos, formais. Vencimento
antecipado da dívida. Penhor: conceito, objeto e modalidades. Análise crítica do penhor legal. Propriedade
fiduciária: conceito, objeto, legislação aplicada, análise crítica da prisão civil do depositário infiel.
Notas de Aula24
24
Aula ministrada pelo professor Carlos Santos de Oliveira, em 23/11/2009.
A propriedade é plena quando nela estão inseridos todos os atributos reais possíveis,
mas pode ser limitada, quer pela cessão de parte de seus atributos – quando o proprietário
entrega o uso, a fruição, como quando concede a superfície –, ou pode ser ainda resolúvel,
que é a propriedade fadada a se extinguir.
Veja: na propriedade resolúvel, não há propriedade plena, pois existe uma limitação
temporal: a propriedade durará apenas o tempo que levar para que outrem a adquira, pelo
pagamento de parcelas correspondentes a sua aquisição. O exemplo mais clássico de
propriedade resolúvel é o fideicomisso: o testador deixa um determinado bem ao fiduciário,
que terá a propriedade deste bem até quando o fideicomissário puder recebê-lo em seu
patrimônio – ou seja, o fiduciário tem a propriedade até certo termo, quando esta se
resolverá em favor do fideicomissário.
Na propriedade fiduciária, do artigo 1.361 do CC, a propriedade do credor sobre o
bem subsiste como garantia da dívida contraída perante si pelo ex-dono da coisa, mas é
uma propriedade destinada a se resolver, retornando ao devedor, quando quitadas todas as
parcelas da dívida garantida.
A propriedade fiduciária, que é do uma variação do direito de propriedade, não está
no rol dos direitos traçado no artigo 1.225 do CC, e poderia ser considerada um quarto
direito real de garantia.
O direito real de garantia pode ser definido como direito subjetivo da parte, que,
através de manifestação da vontade, tem o condão de afetar um determinado bem como
garantia de uma determinada obrigação. Vejamos cada qual destes direitos classicamente
apontados – a hipoteca, o penhor e a anticrese – de forma apartada, deixando de lado a
alienação fiduciária em garantia, que foi alvo de tema próprio.
As disposições gerais sobre os direitos reais de garantia têm início no artigo 1.419
do CC:
“Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado
em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.”
Tal “parte geral” dos direitos reais de garantia, que vai até o artigo 1.430 do CC, é
aplicável a todos os direitos reais desta natureza, inclusive, alguns dispositivos, até mesmo
à alienação fiduciária em garantia, quarta modalidade identificada no CC, como dito, pela
previsão do artigo 1.367 do CC:
“Art. 1.367. Aplica-se à propriedade fiduciária, no que couber, o disposto nos arts.
1.421, 1.425, 1.426, 1.427 e 1.436.”
Veja que até mesmo um artigo de tratamento especial ao penhor (1.436 do CC) é
aplicável à propriedade fiduciária do CC.
Os direitos de garantia são, antes de tudo, direitos reais, e com isso têm todas as
características destes, com algumas exceções. Característica geral dos direitos reais,
altamente relevante nos de garantia, é a sequela. A partir do momento em que se outorga
este direito real ao garantido, a coisa passa a ser afetada a garantir a obrigação de direito
pessoal, a ele aderindo, e por isso quando inadimplida a obrigação, a coisa pode ser
reivindicada pelo credor garantido.
A preferência é uma das exceções: incide sobre o penhor e a hipoteca, mas não
sobre a anticrese. Veja o artigo 1.422 do CC:
“Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto
a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de
sua constituição.”
bem, tornar-se proprietário dele, caso o devedor não honre a dívida – espécie de
adjudicação automática do bem em lugar da dívida inadimplida. Veja o artigo 1.428 do CC:
O que esta norma prevê é que não é possível que a garantia vá se desfazendo na
proporção do pagamento da dívida garantida, a não ser que esta seja a dinâmica imposta
pelas partes no contrato, expressamente. Não pode, no silêncio do contrato, o devedor
entender que seu bem está parcialmente liberado do gravame, na proporção da parcela paga
da dívida.
Este artigo mereceria uma releitura, à luz do princípio do adimplemento substancial,
não para entender-se que haja a exoneração parcial da garantia, mas sim para reputar
exonerada esta quando quase todas as parcelas forem quitadas: restará a parcela final da
dívida, mas não haverá mais a garantia pelo bem, por conta do pagamento de quase todas as
parcelas. É uma leitura moderna, bastante antenada com a constitucionalização do Direito
Civil, eis que premia a boa-fé objetiva, demonstrada pelo devedor substancialmente
adimplente, que não é mal pagador.
1.2.3. Acessoriedade
O artigo 1.419 do CC, há pouco transcrito, determina que o direito real de garantia é
acessório a um direito obrigacional: a obrigação é principal, não podendo existir direito real
de garantia autônomo – o que é muito óbvio, eis que se não há o que se garantir, não há
sentido em se criar garantia vazia.
1.2.4. Requisitos
“Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em
anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese
ou hipoteca.
§ 1° A propriedade superveniente torna eficaz, desde o registro, as garantias reais
estabelecidas por quem não era dono.
§ 2° A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia
real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode
individualmente dar em garantia real a parte que tiver.”
Segundo se vê no caput, somente pode outorgar a garantia somente aquele que tem
a disposição sobre o bem, e, antes disso, que seja capaz para tanto, ou representado ou
assistido, conforme a incapacidade. Este é o requisito subjetivo destes direitos.
Ainda no caput, se vê requisito negativo imposto para que o bem possa ser dado em
garantia: que não seja vedada a sua alienação. Esta inalienabilidade afeta aqueles chamados
bens fora do comércio. Aqui cumpre chamar atenção para o conceito da
extracomercialização, que é justamente esta natureza de bem fora do comércio: podem os
bens ser absolutamente extracomerciais, como as águas oceânicas, o ar atmosférico, etc.,
que assim o são por sua própria natureza; ou relativamente extracomerciais, quando esta
característica é dada por lei ou por força da vontade, como os bens públicos afetados –
legalmente extracomerciais – ou os bens gravados por cláusula de inalienabilidade, como
no clausulamento restritivo em testamento, por exemplo.
Ora, se a garantia tem por escopo liquidar o bem e com isto quitar a dívida
garantida, quando inadimplida, não podendo o bem ser alienado, não há qualquer préstimo
na sua outorga em garantia.
A garantia, em regra, é dada pelo próprio devedor, com bem próprio, mas a lei
permite que seja dado bem de terceiro, por este terceiro, em garantia da dívida alheia. É
disposição de vontade, nada impedindo esta dinâmica. Por exemplo, pode uma pessoa dar
bem próprio em penhor para garantir a dívida de seu amigo, por mera questão de amizade.
Além dos requisitos objetivos e subjetivos dos direitos reais de garantia, há também
que ser observado os requisitos formais, impostos no artigo 1.424 do CC:
“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos
entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos
referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”
“Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer
dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e
Documentos.”
“Art. 1.438. Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou
particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que
estiverem situadas as coisas empenhadas.
Parágrafo único. Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor
rural, o devedor poderá emitir, em favor do credor, cédula rural pignoratícia, na
forma determinada em lei especial.”
A ausência do registro faz com que se perca a garantia real perante terceiros, mas
não significa que o negócio seja inexigível entre as partes. A necessidade do registro é
justamente para criar oponibilidade erga omnes, ante a publicidade, mas o negócio não
registrado ainda é vigente entre as partes que o pactuaram.
garantia, voltando ao valor original; se não o fizer, a dívida garantida será considerada
desde já vencida e exigível na integralidade.
Um pouco antes desta pacificação pelo plenário, o STF ainda fazia uma distinção
entre o depósito judicial e o contratual, entendendo que no judicial ainda seria possível a
prisão, mas não no contratual. Veja o HC 92.541 do STF, que retrata a exceção do
depositário judicial infiel:
Se o depósito for judicial, portanto, o STF ainda entendia que sua infidelidade
poderia levar à prisão civil, como se vê, o que era uma posição bastante estranha, eis que
nem o Pacto de São José da Costa Rica, nem a CRFB, trazem distinção a este respeito entre
o depósito contratual e o judicial, o que levaria à conclusão de impossibilidade da prisão
civil por qualquer infidelidade do depósito, seja ele contratual ou judicial. Porém, esta
posição do STF já foi deposta, como visto, pelo entendimento do plenário, exposto no RE
466.343, acima transcrito: não subsiste mais qualquer prisão de depositário infiel em nosso
ordenamento.
1.4. Penhor
O penhor é uma modalidade de direito real de garantia que tem por objeto bens
móveis, ou mobilizáveis (como os bens imóveis por acessão intelectual, as atuais
pertenças).
O penhor é direito real, que se constitui por manifestação de vontade, não se
confundindo jamais com a penhora, que é um ato judicial complexo de constrição de bens
para satisfação de créditos judicialmente reconhecidos.
O contrato de penhor, pelo qual se institui este direito real de garantia, é um contrato
real, e não meramente consensual: de nada vale a manifestação de vontade de constituir o
penhor se não houver a efetiva entrega da posse do bem garantidor ao credor. Veja o artigo
1.431 do CC:
Sem a entrega da posse, não há contrato formado: este só se aperfeiçoa pela tradição
do bem dado em garantia. Antes disso, o contrato assinado não é suficiente para criar a
relação jurídica.
O parágrafo único do artigo supra trata dos penhores especiais, cuja nota marcante é
justamente a de que os bens dados em garantia permanecerão na posse do proprietário
devedor. Isto significa, portanto, que o contrato de penhor especial não é real: não se exige
a tradição para que o contrato seja formado. Nos penhores especiais, o contrato é
consensual, pois fosse real poderia inviabilizar o próprio adimplemento da dívida garantida,
eis que os bens ali empenhados são, em regra, instrumentos de trabalho do devedor, pelo
meio dos quais amealhará renda para pagar a dívida garantida.
Há regramento específico a todos os penhores especiais no CC. O penhor rural, por
exemplo, é gênero que se divide em penhor agrícola e penhor pecuário. Novidade trazida
pelo CC de 2002 é o tratamento especial dado do penhor de veículos, instrumento
facilitador da aquisição destes tipo de bem, tal como a própria alienação fiduciária.
O penhor, como dito, é criado por força da vontade das partes, como regra geral dos
direitos reais de garantia. O artigo 1.467 do CC, porém, inaugura o tratamento normativo de
uma espécie de penhor instituído pela lei, e não contratualmente:
Nas hipóteses ali mencionadas, o legislador entendeu que surge o penhor como
garantia legalmente instituída às obrigações ali contraídas, por sua peculiaridade.
No inciso I, o legislador implementou o penhor legal por conta da absoluta
transitoriedade da presença física do devedor, que, ausentando-se, pode fugir à obrigação
com muita facilidade. A crítica a este dispositivo é a seguinte: as relações ali açambarcadas
serão, via de regra, consumeristas, e o CDC prevê, no artigo 42, que não poderá o credor
expor o consumidor a situações vexatórias na cobrança da dívida, e nada mais
constrangedor do que ter seus bens de uso retidos para pagamento de débito.
Casos Concretos
Questão 1
também por ter sido irrecorrida a decisão que a determinou, julgou procedente o pedido e
ordenou a expedição de mandado de entrega do bem em 24 horas ou do equivalente em
dinheiro, sob pena de prisão até um ano.Responder, justificadamente:
1) A conversão era cabível?
2) A pena de prisão era pertinente à hipótese e, em caso positivo, era obrigatória
ou facultativa e mensurável no decisum da sentença?
3) Desatendida a obrigação, cumprida ou não, concedida a pena de prisão, haverá
outro meio eficaz para a satisfação do crédito?
Resposta à Questão 1
“Art. 904. Julgada procedente a ação, ordenará o juiz a expedição de mandado para
a entrega, em 24 (vinte e quatro) horas, da coisa ou do equivalente em dinheiro.
Parágrafo único. Não sendo cumprido o mandado, o juiz decretará a prisão do
depositário infiel.”
Questão 2
Resposta à Questão 2
1) A primeira medida é a purga da mora, que é hoje admitida pela maior parte da
doutrina, mas qualquer outro argumento cabível, por apreço à ampla defesa, será
admitido.
1.1.) Talvez se pudesse falar, neste caso, na aplicabilidade da teoria do
adimplemento substancial, mantendo o devedor a coisa e encaminhando a cobrança
do restante à via ordinária.
1.2.) Não: a liminar ainda poderia ser concedida.
2) O registro, segundo o artigo 1.361, § 1°, do CC, se dá no Detran e no RTD,
segundo corrente majoritária no TJ/RJ. Porém, há quem entenda que o registro no
Detran é suficiente.
3) O veículo é de propriedade do credor fiduciário, sendo hipótese de propriedade
resolúvel. Por isso, as dívidas do devedor fiduciante não podem gerar penhora sobre
aquele bem, podendo, no máximo, gerar uma penhora condicionada à resolução da
propriedade do credor, quando então o devedor passa a ser proprietário do bem. Já
quanto às dívidas do credor fiduciário, é possível a penhora, pois há propriedade sua
– só que resolúvel, sendo possível a perda futura do objeto da penhora.
4) Como se sabe, não subsiste mais qualquer espécie de prisão civil do depositário
infiel no nosso ordenamento.
Tema XVIII
Hipoteca: conceito, objeto, remissão pelo credor sub-hipotecário e pelo adquirente, remição do bem,
prenotação, registro e extinção. Análise crítica da execução extrajudicial. Anticrese.
Notas de Aula25
1. Hipoteca
Este direito real de garantia tem por objeto bens imóveis (sendo para tal efeito assim
considerados os navios e aeronaves), sendo uma das principais qualidades deste instituto
não desapossar o devedor do bem dado em garantia. É por isso que este é o direito real de
garantia de maior aplicabilidade no mundo jurídico.
25
Aula ministrada pelo professor Carlos Santos de Oliveira, em 23/11/2009.
“Art. 1.476. O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele,
mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor.”
se sub-rogará nos direitos da hipoteca anterior, sem prejuízo dos que lhe
competirem contra o devedor comum.
Parágrafo único. Se o primeiro credor estiver promovendo a execução da hipoteca,
o credor da segunda depositará a importância do débito e as despesas judiciais.”
Por conta disso, o credor de segundo grau tem a possibilidade de até mesmo remir o
bem, criando uma barreira a eventuais conluios entre o primeiro credor e o devedor – ele
“compra” a dívida do primeiro credor, passando a ser credor integral do devedor
hipotecário.
Assim como no penhor, é necessária a especialização e o registro, sendo registrada a
hipoteca na respectiva competência: imóveis no respectivo RGI; embarcações na Marinha;
e aeronaves na Aeronáutica. O CC é bem literal no que pertine ao registro, a exemplo da
hipoteca de estradas de ferro, como se vê no artigo 1.502:
A constituição de hipoteca, como não incide sobre a posse do bem – este permanece
como o devedor – não consiste em gravame suficiente a demandar proteção possessória. A
respeito, veja o REsp. 768.102:
2. Anticrese
“Art. 1.506. Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao credor,
ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e
rendimentos.
§ 1° É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos
pelo credor à conta de juros, mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima
permitida em lei para as operações financeiras, o remanescente será imputado ao
capital.
§ 2° Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá ser hipotecado pelo
devedor ao credor anticrético, ou a terceiros, assim como o imóvel hipotecado
poderá ser dado em anticrese.”
Não se pode, por exemplo, constituir duas anticreses sobre o mesmo bem, como se
pode na hipoteca, em que a coisa permanece com o devedor: a anticrese envolve a perda da
posse, temporariamente, em favor do credor, impedindo que nova garantia idêntica seja
imposta.
O artigo 1.507, inovativo no sistema em relação ao CC de 1916, cria a necessidade
de prestação de contas por parte do credor anticrético ao devedor, o que é mera questão de
lógica e justiça, porque quem administra coisa alheia deve fazê-lo na melhor forma
possível. Veja:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O imóvel objeto de hipoteca pode ser penhorado em qualquer execução, que não a
própria execução hipotecária, pois a lei só exige a intimação do credor hipotecário para
tanto, a fim de exercer preferência no recebimento. Esta preferência, contudo, não subsiste
diante de dívidas propter rem, como nas cotas condominiais, que prevalecerão sobre o
crédito garantido pela hipoteca.
A respeito, veja o Agravo de Instrumento 1999.002.01321, do TJ/RJ:
Questão 2
questão, destacando os aspectos jurídicos mais significativos, tais como natureza das
obrigações, institutos e conceitos abrangidos, com os respectivos efeitos e regimes,
correções necessárias, a condição familiar e o problema sucessório do adotivo, em tudo
citando os dispositivos legais adequados.
Resposta à Questão 2
Se a hipoteca foi constituída pelo construtor, aquele que pagou suas parcelas não
pode se ver na contigência de ter seu bem hipotecado. Sobre aquela unidade, não é possível
incidir a hipoteca. Veja a súmula 308 do STJ:
O adquirente tem direito à baixa na hipoteca, não podendo ser obrigado a pagar
duas vezes pelo mesmo bem.
Veja, correlata, a Apelação Cível 2008.001.00503, do TJ/RJ: