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21/10/2017 revista piauí - O movimento branco


questões cinematográficas
O MOVIMENTO BRANCO
Juliano Gomes responde ao texto da diretora de
Vazante, Daniela Thomas
POR JULIANO GOMES
19 DE OUTUBRO DE 2017 12:07

Fui citado duas vezes aqui neste espaço, no texto “O lugar do silêncio”, de Daniela Thomas.

No primeiro trecho em que fui citado, a minha fala que ela descreve foi dita ironicamente, diante de uma cineasta que
resolvia se abster, numa ocasião de troca de ideias, de conversar sobre que tipo de decisões foram tomadas por quem
é responsável por um filme de 6 milhões de reais. Minha fala está gravada em vídeo no site do festival – assim como
o resto do debate. Daniela Thomas “capitulou”, mas seu suposto algoz não entendeu o gesto. Resumindo: Daniela
tirou o corpo fora, eu reagi, ela diz que errou por ter tirado o corpo fora, mas desaprova a minha reação. No segundo
trecho em que apareço, talvez esteja o ponto onde vejo maior possibilidade de desdobramento, sobre a ideia de
“desresponsabilização”.

Para buscar descrever as estratégias retóricas do posicionamento da artista no debate e nesse texto, recorro a um
artigo que li recentemente da pesquisadora americana Robin DiAngelo, chamado “White fragility”.

O argumento dela é que o isolamento dos brancos em relação ao debate racial, uma circulação por ambientes
majoritariamente habitados por brancos, e uma ilusão de si mesmos como modelos de uma certa universalidade,
produzem uma enorme inabilidade para lidar com as mínimas situações de estresse nas quais o tema racial venha à
tona.

http://piaui.folha.uol.com.br/o-movimento-branco/ 1/3
21/10/2017 revista piauí - O movimento branco

O discurso da diretora de Vazante é frágil, produzindo a si como vítima e desenhando um cenário dantesco que os
vídeos podem desmentir: “crucificada”, “censurada”, “tudo muito violento”, “tanto ódio”, “censura”, “linchamento”,
e por aí vai. Essa postura defensiva, que recusa o debate com um microfone na mão, produz uma distância moral
entre ela e seus interlocutores, invisibiliza as forças históricas que situam aquele acontecimento, confunde
desconforto com desrespeito – comportamento típico de quem ocupa posições de poder e privilégio. Além disso, essa
estratégia discursiva produz a tal “desresponsabilização” a que me referi. Uma vítima não pode ser cobrada por
responsabilidades; ao se eleger vítima, ela se exime do problema. A manobra também permite que alguém que tem
junto a si todo um aparato midiático (um exemplo basta: o filme é coproduzido pela Globo Filmes, o que garante
visibilidade em todas as janelas dos maiores grupos de comunicação que sempre dominaram o Brasil) acuse ameaça
de “silenciamento”.

DiAngelo escreve que:

“A linguagem da violência que muitos brancos usam pra descrever intervenções antirracistas é algo muito
significativo, porque se trata de mais um exemplo de como a fragilidade branca perverte e distorce a realidade.
Empregando termos que sugerem ameaça física, ela evoca discursos históricos que descrevem negros como perigosos
e violentos.”

Nesta armadilha discursiva que aqui descrevo, os genocídios históricos, as desigualdades   perpetradas pelas elites,
obviamente brancas, são magicamente apagados, e a realizadora com maior poder político presente no festival (ela
dirigiu a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Nuzman, por exemplo) se torna alguém que precisamos
acudir diante da presença desses seres selvagens. Essa negação é o motor principal da desinformação histórica do
povo brasileiro em relação ao que realmente o formou, e obviamente isso se atualiza na historiografia do cinema.

Esse comportamento é tipicamente branco, de privilegiados. O racismo é um problema dos brancos, como diz Grada
Kilomba. Talvez cause espanto: branco é uma cor. É preciso visibilizar essa e outras posições. A meritocracia ou
universalidade é uma episteme que só serve a quem tem superávit de oportunidade.

Daniela Thomas usou seu espaço, tempo e visibilidade para dizer o que não acredita, justificada por essa narrativa de
que corria riscos. Só pode desperdiçar quem tem o que descartar. Perdemos todos uma bela oportunidade.

“A fragilidade branca não age sempre de maneira aberta; silêncio e ocultamento são funções da fragilidade. Quem
fala, quem não fala, quando, por quanto tempo, com que validade emocional são ideias-chave para entender os
padrões que mantêm as opressões em ação.” afirma Robin DiAngelo.

Essa alienação deliberada está relacionada ao autoritarismo velado de quem diz que “espera que o filme possa ser
desfrutado pelo que é”. Daniela Thomas, no festival e no texto posterior, desmonta as bases possíveis para o debate
franco. Não por acaso, meu texto publicado na Cinética – todo ele uma análise de procedimentos e significados do
filme – não é citado. A estratégia de manutenção de quem tem poder é invisibilizar suas posições, para que não
possamos compará-las, analisá-las, desdobrá-las.

A branquitude faz confundir conforto com segurança. A hipertrofia na narrativa do desconforto e o início do texto
com a suposta aclamação na Europa colonial sugere o lugar cativo que aguarda estes seres predestinados ao aplauso
permanente, que parecem ter conhecido só isso na vida. O problema não é nunca ter pensado sobre isso antes, mas
sim reagir com negação e querer controlar o modo de expressão de quem teve muito menos oportunidade de ser
ouvido. Pessoas brancas não são “só pessoas”. Negras pensam e repensam o tempo todo “como” devem falar para
serem ouvidos, para não serem vistas como selvagens, especialmente em ocasiões como o tal auditório.

Quem tem poder, privilégio, grana, dita a forma discursiva dos espaços, o tempo, em todos os lugares. No mínimo
abalo disso, parece que tocam as sinetas do apocalipse. A comparação com a tortura na ditadura brasileira é uma das
coisas mais hediondas que leio em muito tempo. Apocalipse é todo dia para aquelas que dizem há quatrocentos anos
“sim, sinhora” para sobreviver. Atualizemos as escalas.

Mas Daniela, não se preocupe. Em breve, virá uma horda de intelectuais e articulistas, poderosos e elegantes, nas
mais ornadas janelas, em defesa de você e do teu filme – não faltará crédito, nem publicidade. Todo esse episódio
tende a se apagar, como tem sido por todos estes séculos.

Entretanto, essa conversa é de todos. Tal experiência pode ser desdobrada em caminhos reais.

Passou da hora dos brancos se engajarem frontalmente nessa questão. Assumir claramente suas posições e cuidar de
seus dejetos é o mínimo que se espera. Não há debate sem história. Não há arte sem embate. E o abate dos de sempre
continua aqui fora.

***

Este artigo tem a mesma extensão do texto que foi escrito por Daniela Thomas neste espaço. Uma versão mais
detalhada pode ser acessada aqui.

JULIANO GOMES

http://piaui.folha.uol.com.br/o-movimento-branco/ 2/3

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