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EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Tema I

Conceitos Gerais. Ações constitucionais e as Constituições que as instituíram. O caráter sumário dos
remédios constitucionais. Distinção entre recurso e ação autônoma de impugnação. Legitimidade ordinária e
extraordinária. Efeitos da sentença. Legitimidade recursal. O MP como agente e interveniente.

Notas de Aula1

1. Remédios constitucionais

Há diferença entre direitos, garantias e remédios constitucionais. O artigo 5º da


CRFB trata dos direitos e garantias fundamentais, sediando também as ações
constitucionais.

Os direitos fundamentais, essenciais à condição humana, são garantidos no


ordenamento jurídico pelas normas positivas e pelos princípios. Para a instrumentalização
da proteção destas garantias contra violações há os remédios constitucionais, ações voltadas
à proteção dos direitos fundamentais.

Os meios assecuratórios do cumprimento dos direitos fundamentais, em verdade,


são as garantias constitucionais fundamentais. Tais garantias não são direitos em si; são
instrumentos de proteção a direitos. Como exemplo, o direito fundamental à liberdade
encontra meio de se implementar, dentre outros, na inviolabilidade do domicílio: o direito
essencial é a liberdade; a garantia fundamental que ampara este direito é a inviolabilidade.

Ocorre que esta nota instrumental das garantias fundamentais é ainda mais marcante
em algumas delas, que são unicamente dedicadas a operacionalizar direitos fundamentais:
são os remédios constitucionais. Veja, então, que os remédios constitucionais não deixam
de ser, eles próprios, garantias constitucionais aos direitos fundamentais; seu escopo,
porém, é efetivamente instrumental, objetivo, talhando o meio processual para implemento
do direito fundamental ameaçado ou violado.

Os remédios constitucionais podem se dirigir ao amparo do cidadão em face do


Poder Público – direito de petição, de certidão –, ou podem servir para propiciar a
movimentação judiciária para resguardo dos direitos, e estas são as ações constitucionais
propriamente ditas, remédios em essência: habeas corpus, habeas data, mandado de
segurança, mandado de injunção e ação popular.

1.1. Ações constitucionais e as Constituições

O habeas corpus surgiu em Roma, mas teve sua maior evolução no direito inglês,
chegando ao sistema brasileiro no final do século XIX. Em sua concepção essencial sempre
se dedicou a proteger um tipo especial de liberdade, a liberdade de ir e vir, liberdade
locomotiva.
A teoria brasileira do habeas corpus foi desenvolvida por Rui Barbosa, e
inicialmente a concepção do nosso constituinte era diferente da que se apresentava nos
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Aula ministrada pelo professor Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos, em 18/8/2009.

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ordenamentos estrangeiros, para este remédio. No Brasil, originalmente, a Constituição de


1891 estabelecia que o habeas corpus se dedicava a proteger o indivíduo contra qualquer
violência ou coação por abuso de poder, e não especificamente aos ataques ao seu direito de
locomoção. Esta concepção inicial dedicava-se a aproximar a figura do juiz brasileiro à do
juiz inglês, que era aquele capaz de amparar o indivíduo contra quaisquer desmandos do
regime – afastando-se da concepção francesa, até então vigente, em que o juiz não tinha
qualquer ingerência contra o Poder Público.

Em 1934, porém, a especialização do habeas corpus foi também aqui


implementada, passando este remédio a se dedicar unicamente à proteção do direito de
locomoção. Também nesta época, portanto, se criou o mandado de segurança, dedicado a
amparar os demais direitos ameaçados ou violados, e a ação popular (somente em 1988
vieram os demais remédios, habeas data e mandado de injunção).

O mandado de segurança é o remédio constitucional contra atos de ilegalidade e


abuso praticados pelo Poder Público (ou por quem desempenhe atividade essencialmente
pública) contra o indivíduo.

O mandado de injunção tem um histórico interessante. Este instrumento, muito


utilizado na common law, por lá se presta justamente a peticionar ao Judiciário pela criação
de uma lei para o caso concreto, eis que o direito extremamente jurisprudencial deste
sistema não tem na lei genérica a sua principal fonte, mas sim nas decisões judiciais. No
Brasil, em que o sistema encontra nas leis e nos princípios as principais fontes, o mandado
de injunção assume escopo mais supletivo do que primário, servindo para promover a
regulamentação de direitos que, sem lei, não podem ser exercidos – especialmente
presentes nas normas constitucionais de eficácia limitada.

O habeas data, por sua vez, é a ação que foi criada para por fim à idéia de sigilo na
res publica. É intolerável que a informação sobre o indivíduo, detida pelo Poder Público,
seja omitida do próprio indivíduo, e para a liberação desta informação é que se presta este
remédio.

Por fim, a ação popular é remédio bastante peculiar, pois tem escopo mais amplo do
que a tutela mandamental que geralmente é a pretendida nos demais remédios, permitindo a
anulação do ato impugnado e a reparação do erário. Há quem entenda que até mesmo a
improbidade administrativa, que é normalmente veiculada em ação civil pública, pode ser
perseguida por meio de ação popular.

1.2. O caráter sumário dos remédios constitucionais

O procedimento dos remédios constitucionais deve ser o mais célere e ágil possível.
Afora a ação popular, todos os demais remédios, inclusive, demandam a existência do
chamado direito líquido e certo, apesar desta expressão constar unicamente do texto do
dispositivo do mandado de segurança.
É direito líquido e certo aquele que é certo quanto à sua existência, delimitado
quanto a sua extensão, e que pode ser exercido de plano, ante a prova pré-constituída de sua

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delimitação e certeza. Na verdade, o que é líquido e certo é o fato que fundamenta o direito
que se pretende, eis que o fato precisa estar claramente comprovado. Tanto que o direito ser
controvertido, havendo mais de uma tese em debate na doutrina ou jurisprudência, não
impede a impetração de mandado de segurança, por exemplo, como se vê no enunciado 625
da súmula do STF:

“Súmula 625, STF: Controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão
de mandado de segurança.”

Esta lógica, como dito, serve para todas as ações constitucionais: em todas elas
inexiste dilação probatória, à exceção da ação popular. No habeas corpus, por exemplo, é
preciso que haja prova da restrição indevida ao direito de locomoção plenamente
constituída, pois do contrário a impetração será infundada.

O caráter sumário destas ações é perfeitamente compatível, favorável até, à


concessão de liminares nestas ações.

1.3. Legitimidade ordinária e extraordinária

A legitimidade processual ordinária é a que assiste naturalmente ao próprio titular


do direito material que se deduz em juízo; a extraordinária é aquela que é dada pela lei,
excepcionalmente, a pessoa diversa daquela que é titular do direito pleiteado.

O habeas corpus é ação em que qualquer pessoa, além do próprio titular do direito
de locomoção, é legitimada para a impetração. Inclusive, no habeas corpus, todos têm
também capacidade postulatória plena, dispensando-se a representação por advogado.

No mandado de segurança, são os detentores dos direitos ameaçados ou violados


que têm a legitimidade ordinária para sua defesa. Excepcionalmente, órgãos, como o MP ou
as assembléias legislativas, por exemplo, poderão receber esta legitimidade, se o direito que
estiver em mira for pertencente ao bojo de prerrogativas destas mesmas instituições. Assim,
é caso excepcional em que um órgão, e não uma pessoa, pode deduzir lide em juízo.

No mandado de injunção, é titular do direito, e portanto legitimado ordinário, aquela


pessoa que se vê tolhida no exercício de determinado direito fundamental porque há
carência de norma regulamentadora.

No habeas data, a legitimidade ordinária para a ação é daquele que tem o acesso a
dados pessoais sobre si negado pelo Poder Público – excepcionalmente, os herdeiros do
titular dos dados.

1.4. Efeitos da sentença dos remédios constitucionais

No mandado de segurança, a tutela destina-se somente a fazer cessar a ilegalidade


aviltante ao direito em questão. Não se pode pretender no mandamus, por exemplo, a
condenação ao pagamento de verba pecuniária.

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No mandado de injunção, a discussão sobre o efeito da sentença é, sem dúvida, o


mais ferrenho tema. Inicialmente, a idéia do constituinte era a de permitir que o juiz, nesta
sentença, produzisse a norma faltante para o caso concreto, de forma individual e
específica, à similaridade do que se passa na common law. Contudo, o receio de que esta
sentença representasse grave violação à separação de poderes, o mandado de injunção
procedente, a princípio, passou a ter como efeito a mera notificação ao legislativo de sua
mora em produzir a norma faltante, e nada mais.

Avançando um pouco, a jurisprudência do STF passou a admitir que outras normas


existentes pudessem ser utilizadas,se, após o curso de prazo fixado na sentença do mandado
de injunção para o legislativo editar a norma faltante, este permanecesse inerte. Até então,
não há criação, propriamente dita, de norma para o caso concreto. Há apenas a utilização de
outra norma para suprir a lacuna.

No habeas data, por seu turno, a sentença é efetivamente mandamental, porque seu
dispositivo determina que haja o acesso aos dados pessoais do titular, que lhe fora negado
anteriormente.

Veja que, em sua maioria, as sentenças das ações constitucionais são mandamentais,
em que se emite, literalmente, um mandamento ao agente público, no sentido requerido
pelo titular do direito, sob pena de prevaricação ou desobediência.

2. Distinção entre ações autônomas de impugnação e recursos

Ambos os instrumentos são dedicados a atacar decisões judiciais. A diferença


fundamental, porém, é que o recurso se implementa dentro de uma mesma relação jurídica
processual, aquela em que foi proferida a decisão atacada – é uma extensão do mesmo
direito de ação já em curso. Nas ações autônomas de impugnação de decisões,
diferentemente, forma-se uma relação jurídica processual distinta, com pedido e causa de
pedir diferente da original – mesmo que as partes sejam as mesmas da original.

Como exemplo, ao se recorrer de uma sentença, se poderá pedir pela reforma ou


anulação desta, sob quaisquer argumentos que façam depreender que a decisão está
equivocada quanto ao direito ou ao procedimento. Ao se ajuizar uma ação rescisória, que é
uma ação autônoma de impugnação, o pedido é pela rescisão da sentença, baseado em uma
das causas arroladas na lei como vícios de rescindibilidade da decisão.

Casos Concretos

Questão 1

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JOANA impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Guarda


Municipal, que a declarou inabilitada no respectivo concurso público por deficiência
visual.
A autoridade impetrada informou que o laudo médico, dado pela junta, afirmava
essa deficiência.
É cabível a transformação do mandado de segurança em ação ordinária, para se
fazer perícia no juízo?

Resposta à Questão 1

Seguindo o artigo 8º da revogada Lei 1.533/51, hoje replicado no artigo 10 da Lei


12.016/09, os juizes mais apegados ao formalismo extinguiam o mandado de segurança,
quando se demonstrasse necessária a produção de provas alheias às documentais, porque
não há dilação probatória no rito do mandamus. Veja os dispositivos:

“Art. 8º - A inicial será desde logo indeferida quando não for caso de mandado de
segurança ou lhe faltar algum dos requisitos desta lei.
Parágrafo único. De despacho de indeferimento caberá o recurso previsto no art.
12.”

“Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não
for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou
quando decorrido o prazo legal para a impetração.
§ 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e,
quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber
originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão
competente do tribunal que integre.
§ 2º O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da
petição inicial.”

Ocorre que esta não parece ser a melhor orientação, ante a busca pela efetividade
processual. Inexistindo prejuízo na conversão do rito, a instrumentalidade dos atos
processuais recomenda que seja aproveitado o processo, promovendo a adaptação
necessária. Destarte, o juiz poderá, sim, determinar a emenda à inicial, de forma que se
converta o rito do mandado para o ordinário, permitindo a dilação probatória necessária à
solução do litígio.

Tema II

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Habeas corpus. Interdictum de homini libero exhibendo. Histórico: Código de Processo Criminal de 1832, a
Lei Saraiva e a Doutrina Brasileira do HC. A Emenda Constitucional de 1926. Partes. Limites objetivos.
Revisão Criminal. O HC como ação autônoma de impugnação.

Notas de Aula2

1. Writ of habeas corpus

Partamos do conceito constitucional deste remédio:

“(...)
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
(...)”

O habeas corpus é o remédio constitucional destinado exclusivamente à liberdade


de locomoção.

O habeas corpus surgiu em Roma, como dito, sob a nomenclatura de interdictum de


homini libero exhibendo, ação destinada a pedir a exibição da pessoa que estava
aprisionada, a liberação daquela pessoa. No direito inglês, porém, é que ganhou a forma
atual, de ação contestatória do cerceamento da liberdade locomotiva pura.

Ao ser importado para o Brasil, contudo, assim veio a redação da Carta Magna de
1891: “Dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente
perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”. Veja que não há
menção, neste teor, da específica proteção ao direito de ir e vir, e por conta deste dispositivo
é que surgiu a teoria brasileira do habeas corpus.

Rui Barbosa foi quem capitaneou esta inserção do habeas corpus no direito pátrio, e
à época do seu acolhimento no Brasil não havia a adstrição de seu objeto de tutela à
liberdade locomotiva. Portanto, o habeas corpus era utilizado, por aqui, como se mandado
de segurança fosse, para a defesa de qualquer direito fundamental líquido e certo contra
ilegalidade ou abuso de poder. Apenas com a Emenda Constitucional de 1926 o habeas
corpus assumiu a restrição do seu objeto, limitando-se ao direito de locomoção, assim
restando até hoje.

Adentrando as bases do direito de locomoção, tem-se por certo que a prisão é uma
situação excepcionalíssima. Veja o artigo 5º, XV, LXI, LXV e LXVI da CRFB:

“(...)
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
bens;
(...)

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Aula ministrada pelo professor Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos, em 18/8/2009.

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LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
(...)
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;
(...)”

Assim, a restrição da liberdade depende de previsão legal estrita; a decisão que


retira a liberdade deve ser regiamente fundamentada; é medida extremamente excepcional;
e deve ser assegurado ao preso o respeito a seus direitos, em amplo espectro. Qualquer
destes parâmetros que for ignorado ou desrespeitado de qualquer forma, enseja a
impetração de habeas corpus. Vejamos cada parâmetro.

A lei é exigência inequívoca e prévia a qualquer prisão que se pretenda, e a lei


estabelece que a prisão preventiva, por exemplo, só será permitida se preenchidos os
critérios do artigo 312 do CPP:

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e
indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)”

Diante da permissão legal, resta ao juiz estabelecer, quando comanda a prisão, os


plenos fundamentos que alinhem sua decisão ao permissivo legal da prisão. O risco à
ordem pública, por exemplo, é um fundamento à prisão preventiva, quando há prova do
cometimento do crime, e ao menos indício da autoria por determinada pessoa: sendo o caso,
a prisão é possível. Suponha-se, porém, que se a decisão que determina a prisão não deixa
claramente demonstrada a garantia de ordem pública que faz possível esta restrição à
liberdade, o habeas corpus terá lugar.

Uma causa recorrente à impetração de habeas corpus é a falta de fundamentação, ou


defeito nesta, do auto de prisão em flagrante: havendo ilegalidade na prisão, o habeas
corpus é cabível, e provavelmente terá sucesso.

A parte ativa, o pólo ativo no habeas corpus, o impetrante, pode ser o paciente ou
qualquer pessoa do povo, inclusive o próprio juiz, de ofício. Até mesmo pessoas jurídicas
podem impetrar habeas corpus em favor de um particular (não podendo, é claro, serem
pacientes do writ jamais). Esta amplíssima legitimação decorre da previsão do inciso LXV
do artigo 5º da CRFB, supra, que exige a imediata libertação de quem for ilegalmente
preso.

O pólo passivo é a autoridade coatora, aquela que está exercendo a coação apontada
como ilegal. Em regra, são autoridades públicas, mas nada impede que alguém da seara
privada cerceie a liberdade locomotora de uma pessoa, podendo figurar no pólo passivo do
habeas corpus. Como exemplo, a constrição de uma pessoa em um hospital, após poder ser
liberada, porque a conta hospitalar ainda não foi paga.

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O paciente do habeas corpus, aquele que sofre a limitação em seu direito de ir e vir,
por óbvio, é somente a pessoa natural, porque somente ela é titular do direito locomotivo.
Não pode, por isso, haver como paciente a pessoa jurídica, ou um animal.

O habeas corpus tem por objeto a cessação de uma ilegalidade que seja capaz de
cercear o direito de ir e vir. Em termos claros, o habeas corpus se presta, primariamente, a
libertar o paciente que esteja preso ilegalmente, ou prevenir que venha a ocorrer prisão
ilegal. Este remédio se presta, também, ao trancamento de um inquérito policial, ou de uma
ação penal, sempre que a liberdade estiver em risco.

Destarte, não é cabível o habeas corpus para a insurgência contra a imposição de


uma pena de multa, por exemplo, eis que a liberdade de ir e vir não está tolhida ou
ameaçada por esta condenação. Se a multa for ilegal, caberá mandado de segurança.

Também não é cabível a impetração de habeas corpus contra ato genérico e


abstrato, como a lei: a impetração deve alvejar um ato concreto, individualizado, dirigido
ao paciente.

A natureza jurídica do habeas corpus é de remédio constitucional, ação


constitucional sumária. Por esta natureza sumária, a carência de instrução do writ seria
ensejadora de extinção do feito, quando impetrado por quem teria condições de promover a
instrução prévia do processo – quando a impetração for feita por advogado, por exemplo.
Se o impetrante não tem como produzir provas, porque é absolutamente leigo, ou está em
condições de restrição de sua liberdade – o impetrante é o próprio paciente, e está preso,
por exemplo –, não é razoável se exigir que haja esta prova pré-constituída – permitir-se-á,
neste caso, a juntada posterior das provas da coação, salvando o ato.

A competência para o habeas corpus é ratione personae, dirigida pela qualidade da


pessoa do impetrado. Assim, se a autoridade apontada como coatora é o promotor de
justiça, a competência é do tribunal eis que este é o foro para julgamento do parquet. Se
aponta-se o delegado de polícia, a competência é do juiz de primeiro grau. Se for impetrado
o juiz, a competÊncia é do tribunal – e assim por diante.

O habeas corpus contra ato de juiz de juizado especial criminal, a princípio, seria
julgado pela turma recursal, eis que é a instância revisora natural dos atos deste juiz. Contra
ato da própria turma recursal, porém, a quem se dirige a competência? Veja que, há pouco
tempo atrás, se entendia que este habeas corpus seria dirigido diretamente ao STF, porque o
tribunal de justiça não teria competência revisora dos atos das turmas, e o STJ não teria
competência para julgar atos deste órgão, eis que sua competência é revisora de atos de
tribunal, e a turma recursal não é tribunal. Todavia, o STF, em recente decisão dedicada a
mandado de segurança, mas plenamente aplicável ao habeas corpus, decidiu que a
competência para julgamento de habeas corpus contra ato de turma recursal é, de fato, do
respectivo tribunal de justiça. Veja a decisão trazida no informativo 457 da Corte Maior, e o
julgado a que faz referência, o HC 86.834:

“Ato de Turma Recursal de Juizado Especial Criminal: RMS e Competência do


STF

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Não cabe ao STF o conhecimento de recurso ordinário interposto contra decisão


denegatória de mandado de segurança emanada de turma recursal de juizado
especial criminal. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a
agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança em que se
alegava o cabimento do recurso. Entendeu-se que a Constituição é taxativa (art.
102, II, a) quanto à interposição de recurso em mandado de segurança, o qual só
cabe contra acórdão de tribunal superior, e que, apesar de as turmas recursais
funcionarem como segunda instância recursal, enquadram-se como órgãos
colegiados de primeiro grau. Ademais, afastou-se a pretensão de interpretação, por
analogia, com o recurso em habeas corpus interposto contra órgão colegiado de 1º
grau, haja vista tratar-se de orientação superada em face do que decidido, pelo
Plenário, no HC 86834/SP (j. em 23.8.2006), no sentido de que compete aos
tribunais de justiça processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma
recursal de juizado especial criminal.
RMS 26058 AgR/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.3.2007. (RMS-26058)”

“HC 86834 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. MARCO


AURÉLIO. Julgamento: 23/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Ementa: COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - DEFINIÇÃO. A competência
para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e
impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA
RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais
submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal
de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso,
julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado. COMPETÊNCIA -
HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez ocorrida a declinação da competência,
cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida
acauteladora, ficando a manutenção, ou não, a critério do órgão competente.”

O habeas corpus pode ser utilizado em matéria criminal ou cível, sendo que, em
matéria cível, hoje, somente é cabível quando da prisão civil, que hoje só é admitida em
caso de débito alimentar impago. A competência, é claro, se mantém ratione personae, mas
a especialização do órgão deve ser respeitada: se o ato é criminal, o habeas corpus compete
ao juízo criminal; se é cível, ao juízo cível.

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Casos Concretos

Questão 1

O órgão do Ministério Público encarregado da defesa dos interesses dos animais


impetrou habeas corpus em favor de uma chimpanzé, pedindo a sua transferência do
zoológico local para o local de seu habitat natural, sob o argumento de que os símios têm
95% dos caracteres humanos. Comente sobre a impetração.

Resposta à Questão 1

É descabida: o habeas corpus sequer pode ser conhecido, por impossibilidade


jurídica do pedido. Os animais, apesar de altamente tutelados, não têm personalidade, pois
sua natureza jurídica é de coisa. São objetos de direito, e não sujeitos de direito. Destarte,
não titularizam direitos, ao menos por enquanto, em nosso ordenamento.

Questão 2

Deteminado menor, com 13 anos de idade, representado por sua mãe, por
intermédio de advogado, impetrou Habeas corpus por se sentir tolhido em seu direito de ir
e vir, em virtude da Portaria do Juiz de Menores que estabeleceu que menores de 14 anos
de idade não podem assistir a determinados filmes nos cinemas da cidade do Rio de
Janeiro. Alega que seus pais possuem o poder familiar e a sua guarda, sem restrições.
Sendo deles a tarefa de educá-lo, não pode a Portaria do Juiz sobrepor-se ao poder
familiar.
Pede que lhe seja garantido o direito de assistir aos filmes vedados pela Portaria,
desde que autorizado por seus pais.
Dados os fatos como verdadeiros, decida de forma fundamentada.

Resposta à Questão 2

Este não é o tipo de liberdade que é protegido pelo habeas corpus. Este remédio não
tem toda e qualquer liberdade como objeto, mas tão somente a locomotiva, liberdade de ir e
vir.
Para além disso, a restrição administrativa é genérica e abstrata, e o objeto do
habeas corpus é sempre um ato concreto e individualizado de cerceio. Mas repare que,
mesmo se se tratasse de um ato concreto, a limitação de determinada atividade não é
amparada por habeas corpus – sendo cabível, talvez, o mandado de segurança.
Além da inadequação da via, materialmente esta irresignação também não teria
sucesso, se o ato de coação fosse concreto, eis que o poder familiar não pode sobrepor
normas de ordem pública.

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Tema III

Mandado de segurança I. Natureza jurídica. Os pressupostos constitucionais. Requisitos constitucionais


específicos. Direito líquido e certo. Ato comissivo ou omissivo inquinado de ilegalidade ou de abuso de
poder.

Notas de Aula3

1. Mandado de segurança

Muito recentemente – há um dia útil atrás, para ser exato – entrou em vigor a nova
lei que disciplina e regulamenta o mandado de segurança, diploma que revogou a antiga Lei
1.533/51 e de todos os diplomas que regulamentavam esta ação constitucional. Trata-se da
Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, e, diante desta recente alteração, já se impõe um estudo
baseado nesta novel legislação.
O mandado de segurança deve ser tido como garantia constitucional, e não como
uma mera ação cível. Seu fundamento, cláusula pétrea, vem no artigo 5º, LXIX, da CRFB:

“(...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica
no exercício de atribuições do Poder Público;
(...)”

O writ of mandamus é residual diante do habeas corpus e do habeas data. Somente


quando o direito líquido e certo não for especificamente amparado por estas outras duas
garantias, será cabível o mandado de segurança.
O ato que desafia o mandamus deve promanar de autoridade pública. o artigo 1º, §
1º, da Lei 12.016/09, traz um rol de equiparações a esta figura da autoridade pública:

“Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e


certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente
ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou
houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça.
§ 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou
órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem
como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de
atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
§ 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial
praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia
mista e de concessionárias de serviço público.
§ 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer
delas poderá requerer o mandado de segurança.”

Tem legitimidade ativa para o mandado de segurança qualquer pessoa, natural ou


jurídica, que tenha direito líquido e certo violado ou ameaçado. Há algumas peculiaridades,
porém. Os órgãos públicos, por exemplo, se caracterizam justamente por sua falta de

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Aula ministrada pelo professor Cláudio Brandão de Oliveira, em 10/8/2009.

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personalidade jurídica própria, o que, em princípio, impede-os de figurarem no pólo ativo


ou passivo de ações judiciais de qualquer natureza. Contudo, a doutrina e a jurisprudência
reconhecem capacidade processual a determinados órgãos públicos para impetração do
mandado de segurança. Basicamente, esta capacidade é reconhecida aos órgãos
independentes, aqueles que representam os Poderes, como as Câmaras Municipais, os
Tribunais de Contas, etc. Certamente, surgirão teses defendendo que esta legitimação de
órgãos não mais persiste, mas parece que ainda é, sim, possível.
Outra peculiaridade sobre a legitimidade para impetração do mandamus decorre
diretamente do caput do artigo 5º da CRFB:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)”

Veja que este dispositivo direciona os direitos arrolados nos incisos para os
brasileiros e para os estrangeiros residentes no Brasil. Esta previsão, porém, não elide a
legitimidade do estrangeiro não residente em solo pátrio para impetrar mandado de
segurança, quando se lhe perceber o avilte ao direito líquido e certo. Afinal, o estrangeiro
aqui não residente pode ter aqui patrimônio, por exemplo, e vir a sofrer alguma violação
contra este seu direito. Por isso, é consenso que o estrangeiro, mesmo aqui não residindo, é
legitimado ao mandamus.
O writ é um instrumento de controle particular da atuação do Estado. Pode, porém,
o próprio Estado precisar desta garantia, ou seja, pode o próprio Estado precisar impetrar
um mandado de segurança contra outro ato estatal. Isto é possível por contada nossa forma
federativa de Estado, em que se pode cogitar facilmente de um direito líquido e certo do
Município sendo violado por autoridade estadual, por exemplo, quando então será
necessária a proteção judicial do ente menor.
Pode acontecer caso ainda mais peculiar: pode um órgão público impetrar mandado
de segurança para o controle de ato de autoridade de outro órgão público, de outro Poder,
mas que integre a mesma pessoa jurídica. Por exemplo, pode a Câmara Municipal, que
integra a estrutura do Município, impetrar mandado de segurança contra ato do Prefeito
Municipal, sendo perfeitamente possível esta legitimação ativa e passiva. A interpretação da
legitimidade ativa no mandamus, diga-se, deve ser sempre o mais ampliativa possível, eis
que, como dito, é uma garantia constitucional, mais do que uma simples ação.

1.1. Direito líquido e certo

Para efeito de impetração do mandado de segurança, direito líquido e certo é aquele


que pode ser comprovado de plano, no momento da impetração. Por isso é que, no
mandamus, a prova é pré-constituída, ou seja, a petição inicial do mandado de segurança
deve ser instruída com todos os documentos comprobatórios do direito do impetrante.
Há uma definição clássica doutrinária sobre o direito líquido e certo, que diz que é
aquele direito certo quanto a sua existência, delimitado quanto a sua extensão, e apto a ser
exercido no momento da impetração.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

A prova pré-constituída dos fatos, portanto, deve ser sempre documental, e não
cabe, jamais, produção de prova qualquer no curso do rito do mandado de segurança.
A única exceção à prova pré-constituída vem estabelecida no § 1º do artigo 6º da
Lei 12.016/09:

“Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei
processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a
primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa
jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
§ 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em
repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a
fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício,
a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o
cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do
documento para juntá-las à segunda via da petição.
§ 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a
ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação.
§ 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado
ou da qual emane a ordem para a sua prática.
§ 4º (VETADO)
§ 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei
no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo
decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.”

Se o documental necessário a formar a prova estiver em poder da autoridade ou de


terceiro, não tendo o impetrante acesso a tais documentos, o juiz requisitará a apresentação
de tais provas por quem as detenha.
Dúvida surge quando o juiz percebe que o direito líquido e certo não estava presente
apenas quando no momento de sentenciar: será este caso de extinção sem resolução do
mérito, ou o juiz denegará a segurança com resolução do mérito? O direito líquido e certo é
condição da ação, ou é condição para que o pedido seja procedente?
A doutrina diverge, mas de uma forma ou de outra, se o juiz decide
desfavoravelmente ao pleito porque não há a liquidez ou a certeza do direito, está dizendo
que não restaram produzidas as provas necessárias para tanto. Por isso, a parte interessada
pode, se quiser, acionar novamente o Poder Judiciário, em processo no qual terá a
oportunidade de produzir tais provas, e obter seu direito.

1.2. Mandado de segurança preventivo ou repressivo

O mandado de segurança preventivo é aquele impetrado sempre que ficar


caracterizada uma ameaça ao direito do impetrante, e a jurisprudência exige que tal ameaça
seja efetiva, para que enseje a proteção. O mero temor de que a administração vá praticar
determinado ato não justifica a impetração do mandado de segurança preventivo.
Bom exemplo é o de um mandado preventivo impetrado contra um parecer que
indique opinião desfavorável ao impetrante: não se justifica esta impetração, porque o
parecer, opinativo, não será necessariamente acolhido pela autoridade, ou seja, a ameaça
que representa ao direito do impetrante não é efetiva, sendo no máximo uma possibilidade.

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Outro exemplo de descabimento do mandado de segurança preventivo é a


impetração contra projeto de lei: se há a possibilidade de não ser este projeto aprovado, não
há a ameaça efetiva.
O mandamus repressivo, por sua vez, é bem, simples: consiste no pedido de
segurança contra ato violador do direito líquido e certo que já foi efetivamente praticado
pela autoridade ou equiparado.

1.3. Prazo

O novel diploma manteve o prazo decadencial de cento e vinte dias para a


impetração do mandamus, como se vê no artigo 23 da Lei 12.016/09:

“Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos


120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”

Na vigência da Lei 1.533/51, surgiu entendimento de que este prazo seria


inconstitucional, cerceador do acesso à justiça. O STF, porém, sempre entendeu que era
perfeitamente constitucional.
O pedido de reconsideração do ato violador, em esfera administrativa, não interfere
na contagem do prazo para impetração.
No mandado de segurança preventivo, o direito de requerer a ordem perdura
enquanto houver a ameaça efetiva, não contando-se os cento e vinte dias por simples
ausência de lógica, eis que não há mais prevenção quando se implementa o termo ad quem
da ameaça: se esta cessa sem consumar o avilte, não há interesse no mandado; se a violação
temida se consuma, o mandado será repressivo, e não preventivo.
Nos casos de omissão violadora do direito, o mandado de segurança repressivo
poderá ser impetrado também no prazo de cento e vinte dias, mas o termo a quo é definido
como sendo a data em que o ato deveria ter sido praticado e não o foi, quando esta data for
determinada. Se não há momento definido para a prática do ato, diga-se, o mandado
repressivo da omissão será impetrável a qualquer tempo, eis que não é possível definir o
termo inicial da contagem do prazo.
A interposição de recurso administrativo do ato constritor influi no termo inicial do
prazo para a impetração: este prazo começará a correr a partir da ciência da decisão
administrativa sobre o recurso, e não da ciência do ato original recorrido. Inclusive, a
autoridade coatora será a que emitiu a decisão, em sede revisora administrativa.

1.4. Autoridade coatora

Deve ser apontada como autoridade coatora, no writ, aquela que determinou a
prática do ato. Em regra, só pode figurar como autoridade coatora aquela que tem
atribuição decisória, e não o mero executor do ato. É claro que se se confundirem na
mesma figura, o executor e o ordenador, ele é quem será apontado no pólo passivo.
Há uma hipótese na qual o executor será equiparado a autoridade coatora, podendo
figurar no pólo passivo do mandamus: quando a ordem superior por ele executada for
manifestamente ilegal. Neste caso, o agente tinha o dever de não cumprir tal ordem, e se o
fez, estará equiparando-se à autoridade ordenadora.

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Outra situação peculiar é quando o executor exacerba a atribuição que lhe foi
conferida. Neste caso, será ele a autoridade coatora, mas veja que, em verdade, não atuou
como executor: atuou por ânimo próprio, eis que a ordem por ele recebida não comandava
aquela atuação exacerbada. Por isso, não era, de fato, mero executor, respondendo como
autoridade coatora propriamente dita.
Quando se tratar de órgão colegiado, a autoridade coatora é o próprio órgão
colegiado, e não o seu presidente. O ato é exarado pelo órgão como um todo, em uma só
manifestação, pelo que é este órgão a autoridade que deve ser impetrada. Mesmo que o
órgão seja notificado na pessoa do seu presidente, o ato é do órgão como um todo, e por
isso é a ele que se dirige a impetração.
O § 1º deste artigo 1º equipara a autoridade pública os representantes de partidos
políticos. Esta equiparação já foi muito discutida na jurisprudência, e havia sido rejeitada,
porque a CRFB de 1988 passou a considerar os partidos políticos como entidades privadas,
naturalmente alheadas do Poder Público. Contudo, a lei veio para alterar o entendimento
maciço da jurisprudência e doutrina, reputando cabível o aponte do dirigente de partido
político como autoridade coatora.
Se se tratar de ato complexo, aquele que demanda manifestação de mais de uma
pessoa para que se produza, sem que nenhuma das manifestações seja tida por principal ou
acessória, a autoridade coatora será plural: são postos no pólo passivo todos os
manifestantes no ato, e não apenas aquele que por último manifestou, como entende parcela
menor da doutrina. No ato composto, por seu turno, em que há mais de uma manifestação,
mas uma é principal em relação às demais, é claro que a autoridade coatora é somente a que
praticou o ato principal.

1.5. Mandado de segurança contra decisão judicial ou ato recorrível administrativamente

Da decisão judicial recorrível não se admite a impetração de mandado de


segurança. Veja o artigo 5º, II, da Lei 12.016/09:

“Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:


I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.
Parágrafo único. (VETADO)”

A redação do inciso II acima pode dar a entender que, se a decisão comportar


recurso que não tenha possível efeito suspensivo, será cabível o mandado de segurança, ou,
ainda, que seria cabível mandado de segurança com o único escopo de atribuir efeito
suspensivo a tal recurso.
Ocorre que, na verdade, a interpretação mais correta é a de que, se há cabimento de
qualquer recurso contra a decisão judicial, tenha ele efeito suspensivo possível ou não, não
caberá a impetração de mandado de segurança. Se há previsão de recurso judicial, esta é a
via de revisão da decisão, e não o mandamus. Excepcionalmente, porém, há quem admita a
impetração de mandado de segurança apenas para atribuir o efeito suspensivo, se a lei que
prevê o recurso não prevê este efeito.
A regra, portanto, é o descabimento de mandado de segurança para controlar
decisão judicial recorrível, pois o controle é por via de recurso. Veja a súmula 267 do STF:

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Súmula 267, STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de
recurso ou correição.”

Quanto à decisão transitada em julgado, por sua vez, a situação é incontroversa: não
cabe mandado de segurança de forma alguma.
Quanto ao ato que desafie recurso administrativo, a situação é também complexa. O
artigo supra diz, no inciso I, que se há cabimento de recurso administrativo com efeito
suspensivo contra determinado ato, não é possível a impetração de mandado de segurança
contra este ato, criando perplexidade similar à da decisão judicial recorrível, só que com um
outro aspecto agravante a ser considerado: a questão do cerceamento do acesso à justiça.
Da forma que foi redigido, o dispositivo dá a entender que a via recursal
administrativa, se existente, é mandatória. Contudo, a interpretação que se amolda aos
preceitos constitucionais da unicidade de jurisdição e acesso à justiça é a de que, uma vez
pendente de julgamento em recurso administrativo que teve efeito suspensivo, não cabe,
contra aquele mesmo ato, a impetração do mandamus. Ou seja, não basta a potencialidade
do recurso administrativo com efeito suspensivo existir, é necessário que este tenha sido
interposto e esteja em curso com efeito suspensivo.
Vale dizer que este dispositivo foi repetido da revogada Lei 1.533/51, e nesta
vigência o dispositivo equivalente era repetidas vezes declarado inconstitucional. O
legislador quis incentivar a solução em esfera administrativa, mas não pode ser esta via
imposta, como parece ser, na interpretação literal do dispositivo.

1.6. Petição inicial do mandamus

O artigo 6º da Lei 12.016/09, já transcrito, estabelece que a petição deverá ser


apresentada em duas vias, mas é claro que quantas forem as autoridades coatoras, tantas
serão as vias suplementares apresentadas, além da original que comporá os autos judiciais.
O artigo 7º da mesma lei dispõe sobre as providências iniciais:

“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:


I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda
via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez)
dias, preste as informações;
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica
interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo,
ingresse no feito;
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento
relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja
finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou
depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
§ 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá
agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973 - Código de Processo Civil.
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de
créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a
reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou
a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
§ 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a
prolação da sentença.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

§ 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.


§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo
se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no
5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”

A autoridade coatora é notificada para prestar informações, em prazo de dez dias, e


não é citada para contestar. Ao ser notificada, a autoridade deverá justificar o motivo da
prática do ato apontado como ilegal.
Prestar informações é um ato pessoal da autoridade apontada, que não pode ser
delegado a outrem, nem mesmo a advogado.
Tecnicamente, a notificação é feita por mero ofício, mas na praxe é feita por oficial
de justiça, eis que a burocracia faz com que a chegada do ofício às mãos da autoridade seja
demasiadamente morosa.
A jurisprudência tem admitido que, mesmo que a prestação de informações não seja
uma contestação, possa a autoridade coatora alegar, ali, questões processuais, como as
preliminares de toda sorte.
Se a autoridade coatora não prestar informações, quedando-se inerte, ou prestá-las
fora do prazo, é claro que não se aplicam efeitos da revelia, mesmo porque o ato coator será
julgado válido ou não com base na prova pré-constituída, não sendo as informações
prestadas fundamentais como uma contestação o é para o contraditório.
Havendo informações prestadas pela autoridade, estas contam, porém, com
presunção de legitimidade, como todo ato praticado pela administração pública. surtindo
dúvida entre o documental do impetrante e as informações, o juiz deve pender para estas,
em função desta presunção.
O órgão de representação jurídica da autoridade coatora será cientificado da
impetração, a fim de ingressar no feito, se reputar necessário, como dispõe o inciso II do
artigo supra. Antes desta previsão, discutia-se quem ia expressamente no pólo passivo, se a
pessoa jurídica (como era o entendimento maior) ou o órgão de representação, tendo a nova
lei, portanto, pacificado a questão: é, de fato, a pessoa jurídica, e não o órgão de
representação. Destarte, o órgão de representação será intimado para, eventualmente,
impugnar o mandado de segurança, mas o pólo passivo, a notificação, é da pessoa jurídica.
O artigo 4º da Lei 12.016/09 trata da impetração remota do mandado de segurança:

“Art. 4º Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais,


impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio
eletrônico de autenticidade comprovada.
§ 1º Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama,
radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata
ciência pela autoridade.
§ 2º O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis
seguintes.
§ 3º Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão
observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-
Brasil.”

1.7. Liminar

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O inciso III do artigo 7º, supra, estabelece que a liminar pode ser concedida com ou
sem exigência de caução que ampare a sua reversibilidade, em caso de indeferimento final
da ordem.
Da decisão sobre a liminar, deferindo ou denegando-a, cabe agravo de instrumento,
conforme o § 1º do artigo em estudo, o que pôs fim a uma discussão antiga neste setor: a
Lei 1.533/51 não previa recurso da decisão que indeferiu a liminar, pelo que havia quem
sustentasse caber outro mandado de segurança, somente contra esta decisão denegatória,
porque seria irrecorrível. Outra corrente, que era majoritária, defendia que mesmo não
havendo previsão expressa na lei, esta decisão ainda comportava agravo de instrumento.
Esta acabou sendo, de fato, a opção legislativa.
A lei anterior estabelecia prazo de noventa dias, prorrogáveis por mais trinta. Hoje,
a liminar tem vigência até a sentença, como dispõe o artigo 7º, § 3º, supra. Se, na sentença,
o juiz denega a segurança, deverá revogar a liminar, no corpo da própria sentença.
Ante a natureza garantista do mandamus, há quem sustente que o juiz pode
conceder liminar diversa do pedido expresso pelo impetrante, se a adstrição ao pedido
expresso for insuficiente para resguardar o direito de que se pretende prevenir o
perecimento. Há, mesmo, quem entenda que a liminar possa ser concedida de ofício, pelo
mesmo fundamento.
O mandado de segurança tem prioridade de tramitação, perdendo em ordem apenas
para o habeas corpus. Isto acentua a nota de garantia constitucional do mandado de
segurança.
Sendo deferida a liminar, se o impetrante agir contrariamente ao que dele se espera,
o juiz decretará perempção ou caducidade da liminar, na forma do artigo 8º do novel
diploma:

“Art. 8º Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio


ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o
impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de
promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe
cumprirem.

A autoridade coatora recebeu uma obrigação legal adicional, quando notificada para
cumprimento da liminar, prevista no artigo 9º da Lei 12.016/09:

“Art. 9º As autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da


notificação da medida liminar, remeterão ao Ministério ou órgão a que se acham
subordinadas e ao Advogado-Geral da União ou a quem tiver a representação
judicial da União, do Estado, do Município ou da entidade apontada como coatora
cópia autenticada do mandado notificatório, assim como indicações e elementos
outros necessários às providências a serem tomadas para a eventual suspensão da
medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder.”

Foi criada a obrigação, mas não a sanção pelo seu descumprimento, pelo que não se
vê qual seja o resultado da desatenção a este comando.

1.8. Suspensão de segurança

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Do deferimento da liminar cabe ainda outra forma de controle, além do agravo de


instrumento: o pedido de suspensão de segurança. Veja o artigo 15 da Lei 12.016/09:

“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada


ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e
à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do
respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e
da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5
(cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput
deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal
competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo,
quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a
que se refere este artigo.
§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.
§ 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar
se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na
concessão da medida.
§ 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única
decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a
liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.”

Apesar da redação truncada, o pedido de suspensão de segurança é cabível sempre


que a motivação extrajurídica ali prevista – grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à
economia pública – for percebida. A atenção ao pedido é do Presidente do Tribunal
respectivo, que poderá suspender a execução da decisão liminar contrária a tais interesses.
A natureza jurídica desta suspensão é controvertida, mas tende a prevalecer o
entendimento de que se trate de uma providência cautelar atribuída ao Presidente do
Tribunal, e não recurso.
O pedido de suspensão, na vigência da lei anterior, só poderia ser formulado por
pessoa jurídica de direito público, mas hoje pode também o Ministério Público requerer
esta providência.
A Lei 8.437/92 já previa esta medida, com legitimidade do MP, mas agora está
consolidada sua legitimação na lei dedicada ao tema.
Nada impede que o pedido de suspensão corra concomitantemente com o agravo de
instrumento que é cabível contra a mesma decisão. Como dito, têm naturezas e
fundamentos diferentes.
Da manutenção da liminar pelo Presidente do Tribunal, desacolhido o pedido de
suspensão, cabe agravo; do julgamento deste agravo, mantida a liminar, cabe outro pedido
de suspensão de segurança, ao STJ ou STF.

1.9. Intervenção do Ministério Público

Findo o prazo para apresentação de informações, o MP será intimado a se


manifestar, na forma do artigo 12 da Lei 12.016/09:
“Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7o desta Lei, o
juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo
improrrogável de 10 (dez) dias.

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão


conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em
30 (trinta) dias.”

A atuação do MP é imposta por lei, portanto, mas há quem entenda que há casos em
que não haveria interesse a legitimar esta oitiva. Com ou sem parecer, porém, os autos
serão conclusos.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O juiz, verificando irregularidades na petição inicial, notadamente a fragilidade da


prova pré-constituída, pode determinar a emenda ou complementação da petição,
observando o art. 284/CPC, a magnitude constitucional do mandado de segurança e o
princípio da economia processual?

Resposta à Questão 1

Sim, não só pode, como deve: é exatamente por conta da natureza de garantia
constitucional do mandado de segurança que as formalidades processuais corriqueiras
devem ser relativamente postas de lado.

Questão 2

Em determinado Estado da Federação, por intermédio da Companhia Estadual de


Energia Elétrica - CEEE, sociedade de economia mista, instaurou-se processo licitatório
para efeito de habilitação de pessoas jurídicas visando à construção de usina hidrelétrica.
Ultimada a primeira etapa do processo licitatório, a diretoria coletiva da CEEE julgou a
fase de habilitação da mencionada concorrência pública. Vislumbrando a existência de
irregularidades no julgamento, algumas empresas construtoras, participantes do certame,
impetraram mandado de segurança. Decida sobre o cabimento do mandamus, bem como
sobre a competência para processo e julgamento, observando-se a qualidade da pessoa
que proferiu o ato.

Resposta à Questão 2

Da decisão alvejada cabe recurso administrativo com efeito suspensivo, pelo que
sequer seria cabível o mandado de segurança, mas há quem entenda que não se pode tolher
o acesso ao Judiciário, pelo que seria possível a impetração.
Sendo considerado cabível, a autoridade coatora é a diretoria da companhia
estadual, e, por isso, a competência é a definida na legislação estadual de organização
judiciária.
Veja o REsp. 84.082:
“REsp 84082 / RS. DJ 01/07/1996 p. 24002. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO
DE SEGURANÇA CONTRA ATO PRATICADO POR SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE AUTORIDADE - ART.
1. DA LEI N. 1.533/51. O CONCEITO DE AUTORIDADE PARA JUSTIFICAR
A IMPETRAÇÃO DO "MANDAMUS" E O MAIS AMPLO POSSIVEL E, POR
ISSO MESMO, A LEI AJUNTOU-LHE (AO MESMO CONCEITO), O
EXPLETIVO: "SEJA DE QUAL NATUREZA FOR". OS PRINCIPIOS
CONSTITUCIONAIS A QUE ESTA SUJEITA A ADMINISTRAÇÃO DIRETA E
INDIRETA (INCLUIDAS AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA)
IMPOEM A SUBMISSÃO DA CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS
PUBLICOS AO PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO, INSTITUTO
JURIDICIZADO COMO DE DIREITO PUBLICO. OS ATOS DAS ENTIDADES
DA ADMINISTRAÇÃO (DIRETA OU INDIRETA) CONSTITUEM ATIVIDADE
DE DIREITO PUBLICO, ATOS DE AUTORIDADE SUJEITOS AO DESAFIO
PELA VIA DA AÇÃO DE SEGURANÇA. "IN CASU", A COMPANHIA

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

ESTADUAL DE ENERGIA ELETRICA - CEEE – NA MEDIDA EM QUE


ASSUMIU O ENCARGO DE REALIZAR A LICITAÇÃO PUBLICA PARA
EFEITO DE SELECIONAR PESSOAS OU ENTIDADES PARA REALIZAÇÃO
DE OBRAS E SERVIÇOS DO MAIOR INTERESSE DA SOCIEDADE
PRATICOU ATOS ADMINISTRATIVOS, ATOS DE AUTORIDADE, JA QUE
REGIDOS POR NORMAS DE DIREITO PUBLICO E QUE NÃO PODERÃO
PERMANECER FORROS A IMPUGNAÇÃO ATRAVES DO MANDADO DE
SEGURANÇA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNANIME.”

Questão 3

CARLOS ROSA impetrou mandado de segurança contra ato omissivo do


magistrado de primeiro grau por não ter prolatado sentença no tempo previsto na lei
processual. O processo estava concluso para sentença há mais de um ano.Nas suas
informações, o impetrado admitiu ter colocado o processo na "pilha para sentença", onde
permaneceu por mais de um ano, sem qualquer decisão.O relator solicitou diligência à
Corregedoria, em que se constatou haver, na mesma pilha, mais de 100 processos
conclusos para sentença, alguns há mais de 1 ano. O Ministério Público opina pela
denegação da ordem por ser o writ o meio inidôneo. Pergunta-se: O Mandado de
Segurança é o remédio constitucional adequado para tutelar o direito do impetrante? Por
quê? Há direito líquido e certo? Em caso de resposta positiva, qual?

Resposta à Questão 3

O TJ/RJ decidiu a questão no MS 2004.004.1439:

“MANDADO DE SEGURANCA. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO.


Julgamento: 20/10/2004 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.
MAGISTRADO. EXCESSO DE PRAZO PARA SENTENCA. OMISSAO.
IRREGULARIDADE PROCESSUAL.
MANDADO DE SEGURANÇA. Omissão do Magistrado Em Prolatar Sentença no
Prazo Legal. Direito Líquido e Certo da Parte Em Obter a Decisão. Via
Mandamental Idônea. Segurança Concedida. Apurada administrativamente a
ocorrência de irregularidade no andamento do processo, e até admitido pelo
Magistrado ter o processo permanecido na pilha para sentença por mais de um ano
sem qualquer decisão, impõe-se reconhecer a indevida omissão da autoridade
judiciária no cumprimento do seu dever de julgar. É direito liquido e certo da parte
obter a decisão judicial no prazo legal, caso em que o mandado de segurança se
apresenta como via idônea para obter a tutela desse direito. Segurança concedida.”

Tema IV

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Mandado de segurança II. As condições da ação mandamental. A legitimação ativa e passiva no mandado de
segurança individual e no coletivo. A autoridade coatora. As informações. Litisconsórcio e assistência no
mandado de segurança.

Notas de Aula4

1. Mandado de segurança

1.1. Mandado de segurança contra atos legislativos

De modo geral, não se admite a impetração de mandado de segurança para controle


de atos legislativos, eis que eles são abstratos e genéricos, desafiando controle de
constitucionalidade.
O que se admite, porém, é a impetração de mandado de segurança para controle de
lei de efeitos concretos, justamente por não ter, esta lei, a abstração e generalidade típica
dos atos legislativos. A lei de efeitos concretos é lei formal, mas materialmente é um ato
administrativo, e por isso desafia mandamus.
Há uma utilização peculiar do mandado de segurança que é perfeitamente admitida:
este pode ser utilizado como instrumento de controle judicial preventivo de
constitucionalidade. O STF entende cabível a impetração de mandado de segurança por
parlamentar que vise a impedir a tramitação de proposta de emenda constitucional contrária
a cláusula pétrea. O que está em alvo de segurança, ali, é o direito líquido e certo do
parlamentar ao devido processo legislativo reformador da Constituição. Não é possível,
porém, a mesma utilização para impedir a tramitação de projeto de lei inconstitucional, mas
apenas emendas inconstitucionais, porque a tramitação de projetos de lei inconstitucionais
não é vedada na CRFB, como o é a de emendas, no artigo 60, § 4º, que impede a
deliberação sobre tais matérias:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
(...)”

1.2. Mandado de segurança contra ato disciplinar

A Lei 1.533/51 proibia a utilização do mandamus contra ato administrativo de


natureza disciplinar. A nova Lei 12.016/09, porém, não repetiu esta proibição, reforçando a
tese jurisprudencial que já mitigava este descaimento.
O que a jurisprudência entendia era que não cabia mandado de segurança para
controlar o mérito do ato disciplinar, mas seria cabível para controle da legalidade de tal ato
(como a inobservância do contraditório e ampla defesa, por exemplo). Este é o
entendimento que deve ser mantido, na novel regulamentação.

4
Aula ministrada pelo professor Cláudio Brandão de Oliveira, em 10/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

1.3. Mandado de segurança coletivo

O inciso LXX do artigo 5º da CRFB é a sede constitucional deste instrumento:

“(...)
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e
em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados;
(...)”

A nova lei regulamentou este dispositivo nos artigos 21 e 22:

“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses
legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos
da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus
estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto,
autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo
podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade
ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”

“Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada


limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.
§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações
individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título
individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de
30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança
coletiva.
§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a
audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que
deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

Repare que os interesses difusos não estão açambarcados no rol de proteção do


mandamus coletivo, como se vê no parágrafo único do artigo 21, supra.
A legitimidade dos partidos políticos não é muito clara. A redação é um tanto
confusa, não deixando clara qual a margem de interesses que podem por ele serem
deduzidos em mandado de segurança coletiva. O problema, em verdade, é na própria
legitimação constitucional dos partidos políticos, que nunca se justificou claramente.

A sentença do mandado de segurança é secundum eventum litis, assim como na ação


civil pública: para se beneficiar da decisão favorável no mandado coletivo, é preciso ter

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

desistido do individual em trinta dias depois da ciência da impetração do coletivo que lhe
alcance.

1.4. Honorários advocatícios e embargos infringentes

Confirmando a jurisprudência anterior do STF, a lei 12.016/51 diz claramente que


não são devidos honorários advocatícios de sucumbência no mandado de segurança. Veja o
artigo 25 deste diploma:

“Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de


embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios,
sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.”

O artigo supra definiu também o descabimento de embargos infringentes no


mandamus, quando a decisão de tribunal, em tese, desafiasse este recurso.

1.5. Competência

A competência do mandado de segurança é ratione personae, ou seja, é definida em


razão da qualidade da autoridade coatora.
No âmbito Federal, a CRFB detalha a competência. No âmbito estadual, esta
competência é definida na Constituição Estadual e nas leis de organização judiciária de
cada Estado, sendo que a divisão interna de competência vem prevista nos regimentos
internos dos Tribunais.
A EC 45/04 promoveu uma pequena alteração na competência do mandado de
segurança envolvendo questão trabalhista. Excepcionalmente, é cabível o mandamus para
controle de ato praticado pelo juiz do trabalho. Antes desta emenda, quando o juiz do
trabalho fosse a autoridade coatora, sendo ele um juiz federal, a competência para o
mandado de segurança era do TRF, como visto. Hoje, porém, segundo o inciso IV do artigo
114, na justiça do trabalho foi eleito o critério ratione materiae para o mandado de
segurança trabalhista, e não a regra geral, ratione personae. Veja:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”

O artigo 2º da nova lei é relevante neste tópico:

“Art. 2º Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de


ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser
suportadas pela União ou entidade por ela controlada.”
Esta previsão cria uma situação estranha: qual será a competência para julgar o
mandado de segurança impetrado contra dirigente de sociedade de economia mista
controlada pela União? O artigo 109, I, da CRFB dispõe que:

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as
de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça
do Trabalho;
(...)
VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade
federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
(...)”

Ora, a sociedade de economia mista não está no rol do inciso I do artigo supra, pelo
que é dada a competência para suas causas à Justiça Estadual, mas a autoridade federal está
na previsão do inciso VIII, e a redação do artigo 2º da Lei 12.016/09, acima, considera
autoridade federal aquela que represente entidade controlada pela União. Sendo assim, o
mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de sociedade de economia mista
controlada pela União terá a competência sediada na Justiça Federal, em se observando esta
nova previsão do artigo 2º do novel diploma.
A perplexidade se dá pela segmentação procedida: as ações regulares que envolvam
sociedades de economia mista da União são de competência da Justiça Estadual, enquanto
os mandados de segurança contra atos desta mesma sociedade são de competência da
Justiça Federal, porque são atos praticados por autoridade federal, nos termos da nova lei.
Pelo ensejo, as empresas públicas e sociedades de economia mista integram a
administração pública indireta, mas são pessoas jurídicas de direito privado. Por isso, só é
cabível mandado de segurança para controlar atos praticados por dirigentes destas empresas
quando a natureza do ato se relacionar com alguma atribuição do Poder Público. Por
exemplo, uma ingerência ilegal de um dirigente de um banco público sobre uma conta-
corrente por ele gerenciada não desafia mandado de segurança, mas a preterição em
concurso público para ingresso neste mesmo banco enseja o mandamus, pois o respeito à
ordem do concurso é atribuição de caráter público. Esta dinâmica se encontra prevista no §
2º do artigo 1º da Lei 12.016/09, já transcrito.
Se o ato coator foi praticado por uma determinada autoridade, mas o seu superior
avocou a competência para o ato antes da impetração do mandado, este passa a ser a
autoridade a ser apontada como coatora. Se a avocação se der após a impetração do
mandamus, porém, não haverá relevância para definição do juízo competente: a avocação
posterior do ato não pode deslocar a competência definida inicialmente. Mesmo encampado
o ato, não se desloca a competência.
Há entendimento de que se o impetrante apontar erroneamente a autoridade
responsável pelo ato, o juiz deve notificar a real autoridade coatora, e se a competência for
outra, deve remeter para lá os autos. Assim o é porque, por vezes, a estrutura da
administração pública torna difícil a identificação, pelo impetrante, de quem seja a
autoridade a ser apontada. Mas há quem defenda que, no erro do aponte da autoridade pelo
impetrante, o processo deveria ser extinto – o que não se coaduna com a natureza de
garantia do mandamus.

1.6. Descumprimento de decisões do writ

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O artigo 26 da Lei 12.016/09 dispõe que é crime de desobediência o


descumprimento de qualquer decisão do mandado de segurança. Veja:

“Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas
em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da
aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.”

É claro que quando o descumprimento for simplesmente por absoluta


impossibilidade material, não há que se falar em configuração do crime, porque carece de
qualquer ânimo do descumpridor, e a imputação de crime seria atribuição de
responsabilidade penal objetiva, o que é inadmissível.

Casos Concretos

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Questão 1

O Partido Integralista impetrou Mandado de Segurança coletivo em face do


Decreto 500/91 do Município de Mananciais, que trata de majoração do IPTU.O Tribunal
de Justiça do Estado concedeu a segurança. Irresignado, o município recorreu à
competente instância suscitando a ilegitimidade do partido político para a propositura do
respectivo mandado de segurança coletivo, uma vez que este não poderia agir em nome
dos contribuintes, mas, somente, em defesa de direito seu ou de seus filiados. Aduz, ainda,
que, para proteção dos interesses dos contribuintes de IPTU, no presente caso, caberia
ação civil pública. Pergunta-se:
1) Partido político tem legitimidade para propositura de mandado de segurança
coletivo, em quais hipóteses?
2) É cabível o mandado de segurança coletivo em favor de pessoas não filiadas ao
partido político?
3) Demonstre semelhanças e diferenças na legitimidade ativa e na passiva entre o
mandado de segurança individual e o coletivo.
Decida a questão, fundamentadamente, não deixando de citar os pressupostos de
cabimento do mandado de segurança coletivo.

Resposta à Questão 1

1) Sim, nas hipóteses expressamente consignadas no artigo 21 da Lei 12.016/09.

2) A redação do dispositivo é um tanto truncada, mas dali se depreende que


somente para defesa de filiadas ou de interesse do partido em si,não de pessoas
alheias aos quadros.

3) Os direitos individuais homogêneos são passíveis de segurança por um ou outro


meio, sendo poucas as outras semelhanças.

Veja o RE 196.184:

“RE 196184 / AM – AMAZONAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):


Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 27/10/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma.
Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE
SEGURANÇA COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE
PARTIDO POLÍTICO. IMPUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA. IPTU.
1. Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só
podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva.
Precedente: RE nº 213.631, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/04/2000. 2. O partido
político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo
para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar
majoração de tributo. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.”

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

JOÃO CARLOS, candidato ao concurso de Analista Judiciário do Tribunal de


Justiça, impetra mandado de segurança em que impugna o conteúdo de determinadas
questões, bem como o contraste delas com normas do edital. Aponta o Presidente do
Tribunal como autoridade impetrada. A Procuradoria do Estado requer a extinção do feito
sem resolução do mérito por que o fato de ser aquela autoridade presidente da comissão
de concurso, não o qualifica como autoridade coatora, já que o certame fora terceirizado,
cabendo a uma outra instituição privada a elaboração das questões. Manifeste-se acerca
do cabimento do respectivo writ.

Resposta à Questão 2

A questão é bastante controvertida, mas o STJ reputa autoridade coatora quem


organizou o certame. Veja o Ag. Rg. no RMS 24.116:

“AgRg no RMS 24116 / AM. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM


MANDADO DE SEGURANÇA. DJe 02/06/2008.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO.
INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO HIERÁRQUICA.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO DESPROVIDO.
I – No caso, cabe ao Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE) elaborar
as questões da prova do concurso e julgar os respectivos recursos administrativos.
II – Insurgindo-se o mandado de segurança contra ato de atribuição do
CESPE/FUB (conteúdo de questão de concurso em contraste com normas do
edital), o e. Desembargador Presidente da Comissão do Concurso não deve figurar
como autoridade coatora.
III – Além da manifestação acerca do mérito do mandamus por parte da autoridade
apontada coatora, exige-se, para fins de aplicação da “teoria da encampação”,
vínculo hierárquico imediato entre aquela autoridade e a que deveria, efetivamente,
ter figurado no feito.
IV – In casu, não existe relação de hierarquia entre o e. Desembargador Presidente
da Comissão do Concurso e o CESPE/FUB.
Agravo regimental desprovido.”

Tema V

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Mandado de segurança III. O ato impugnado. O prazo para propositura da ação. A liminar. O Ministério
Público no mandado de segurança. A sentença: natureza jurídica. Encargos da sucumbência.

Notas de Aula5

1. Mandado de segurança – análise pontual da Lei 12.016/09

Este diploma recém publicado veio substituir todas as normas que versavam
especificamente sobre o mandado de segurança, concentrando em si toda a regulamentação
desta ação constitucional. É importante, portanto, proceder a uma análise breve de todas as
alterações e possíveis repercussões desta nova lei, revendo os artigos pontualmente.
O artigo 1º já apresenta inovações:

“Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e


certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou
com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver
justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam
quais forem as funções que exerça.
§ 1º Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou
órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem
como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de
atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
§ 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial
praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia
mista e de concessionárias de serviço público.
§ 3º Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer
delas poderá requerer o mandado de segurança.”

O caput contempla expressamente a pessoa jurídica como legitimada ao mandamus,


pondo fim a uma controvérsia sobre o tema, pois havia corrente, já minoritária, que
defendia que, como garantia constitucional individual, o mandado de segurança não
importava à pessoa jurídica, mas somente aos indivíduos, pessoas naturais. A corrente que
defendia a legitimação da pessoa jurídica alegava, com acerto, que a CRFB prevê um rol
mínimo de garantias, e a legislação ampliativa de tais garantias é sempre bem vinda, pelo
que a legitimação da pessoa jurídica é possível. A novel norma acompanhou a melhor
orientação.
O § 1º do artigo supra considera equiparados a autoridades públicas os
representantes de órgãos ou partidos políticos, para fins de impetração do mandamus.
Originalmente, a Lei 1.533/51 já previa assim, tendo sido excluída esta equiparação em
alteração posterior, e agora, na novel legislação, veio novamente ao elenco de autoridades.
O § 2º deste artigo exclui cabimento do mandado de segurança para reclamar dos
atos de gestão comercial. Esta previsão seria até mesmo dispensável, porque por definição
só pode ser considerado ato de autoridade, alvejável por mandado, aquele em que o Estado,
ou equiparado, atua com as prerrogativas do Poder Público, coativa e compulsoriamente – o
que não ocorre nos atos de gestão comercial, por óbvio.
O § 3º do artigo 1º determina que quando várias pessoas detiverem o mesmo direito,
qualquer uma delas tem legitimidade ativa para impetrar o mandado de segurança. É uma

5
Aula ministrada pelo professor Wilson Marques, em 11/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

outra previsão que seria dispensável, eis que a própria natureza da definição de legitimação
ordinária permitiria concluir o que ali está escrito.
Avançando para o artigo 4º da Lei 12.016/09, vê-se, aí sim, uma boa inovação:

“Art. 4º Em caso de urgência, é permitido, observados os requisitos legais,


impetrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio
eletrônico de autenticidade comprovada.
§ 1º Poderá o juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama,
radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata
ciência pela autoridade.
§ 2º O texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis
seguintes.
§ 3º Para os fins deste artigo, em se tratando de documento eletrônico, serão
observadas as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-
Brasil.”

Vê-se uma tendência a minimizar as formalidades no rito do mandado de segurança,


a exemplo do que se passa desde sempre no habeas corpus.
O artigo 5º da lei em estudo é bastante criticado:

“Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:


I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.
Parágrafo único. (VETADO)”

O entendimento majoritário acerca deste dispositivo, que já era rechaçado na


vigência da Lei 1.533/09, é de que é claramente inconstitucional, eis que se trata de redução
de garantia constitucional, o que não é dado ao legislador infraconstitucional fazer. Se a
CRFB não limita o cabimento nos casos ali expressos, a lei não pode fazê-lo.
Debalde esta crítica, ao menos o inciso II do artigo supra é louvável, desde que
interpretado corretamente. Ali, consagrou-se o entendimento judicial de que se a decisão é
irrecorrível, o mandamus é cabível – devendo ser ignorada a limitação referente ao efeito
do recurso. Cabendo qualquer recurso, a decisão não pode ser atacada por mandado de
segurança.
O artigo 6º da Lei 12.016/09 apresenta os requisitos da peça inicial do mandado de
segurança, no caput, e ali traz uma outra previsão redundante: a parte final do caput
estabelece que será indicada a autoridade coatora e a pessoa jurídica que esta integra, é
vinculada ou representa. Ora, a pessoa jurídica é quem deve ser apontada como ré do
processo do writ, pelo que é uma indicação absolutamente necessária. E mais: a autoridade
é supostamente coatora, porque somente ao final será esta confirmada como coatora, se for
procedente o mandamus, ou não será coatora, se for improcedente. Veja:

“Art. 6º A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei
processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a
primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa
jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
§ 1º No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em
repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a
fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício,

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o


cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do
documento para juntá-las à segunda via da petição.
§ 2º Se a autoridade que tiver procedido dessa maneira for a própria coatora, a
ordem far-se-á no próprio instrumento da notificação.
§ 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado
ou da qual emane a ordem para a sua prática.
§ 4º (VETADO)
§ 5º Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei
no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 6º O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo
decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito.”

O § 3º do artigo supra também consagra entendimento que já vigorava, trazendo-o


expresso, quando identifica a autoridade coatora como aquela que tenha praticado o ato
diretamente, ou ordenado sua prática.
O § 5º estabelece que a segurança deve ser denegada quando da incursão em
hipóteses de extinção sem resolução do mérito. Se empregado este termo, há que se ter
cautela, eis que deverá ser adstrito às hipóteses de extinção sem resolução do mérito.
O § 6º, novamente, positiva o óbvio: se há denegação da ordem, é porque há
extinção sem resolução do mérito, e sempre que há este tipo de decisão, há coisa julgada
formal, permitindo a renovação da ação.
O artigo 7º da Lei 12.016/09 repete erro terminológico que vem desde sempre
presente: utiliza-se do termo notificação para identificar a comunicação inicial entre autor e
réu, quando deveria se valer do termo citação. Além disso, determina a notificação à
autoridade coatora, quando deveria, tecnicamente, determinar a citação do réu,que no
mandamus não é a autoridade coatora, e sim a pessoa jurídica de que ele faz parte, como
visto. Veja:

“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:


I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda
via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez)
dias, preste as informações;
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica
interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo,
ingresse no feito;
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento
relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja
finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou
depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
§ 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá
agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973 - Código de Processo Civil.
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de
créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a
reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou
a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
§ 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a
prolação da sentença.
§ 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo


se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no
5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”

Outra estranheza constante deste dispositivo é a previsão do inciso II: ali se


determina que seja dada ciência ao órgão de representação judicial do impetrado. Tomemos
como exemplo a representação do Estado, que é da Procuradoria-Geral do Estado: a sua
cientificação deveria ser incumbência do Estado, quando notificado, e não do Judiciário; e
mais: ali se diz que o órgão de representação judicial poderá ingressar no feito, mas não há
qualquer sentido nesta expressão, porque quem já é parte no feito é o ente representado, e
não o representante judicial: o Estado já ingressou no feito quando notificado, não havendo
ingresso da PGE quando se manifestar. É um dispositivo bastante atécnico, dando a
entender algo como se o advogado de uma parte citada fosse igualmente citado para
ingressar no feito, compor o pólo passivo – o que é uma impropriedade tremenda. Na
prática, portanto, consiste apenas em um ofício enviado ao representante da pessoa jurídica
impetrada, noticiando do feito, sem mais.
O inciso III deste artigo 7º também demanda críticas. Ali se vê presente a exigência
dos requisitos ordinários para antecipação de tutela, especialmente a probabilidade do
direito, mas principalmente a frustrabilidade do provimento jurisdicional final: exige o
dispositivo que a liminar seja concedida somente se, não o sendo, a medida final se torne
inútil.
A parte final deste inciso III, que trata da possível exigência de caução como
contracautela, tem sido muito criticada pela OAB, que inclusive requereu que tal parte
fosse vetada no projeto desta Lei 12.016/09. Argumenta, a OAB, que este dispositivo é
deveras elitista, na medida em que quem possa caucionar poderá obter a liminar, e quem
não dispuser de recursos não poderá obter a decisão de urgência. Todavia, não procede tal
crítica, porque além da contracautela ser facultativa, como dispõe o texto, o juiz é quem
definirá sua extensão e intensidade, podendo adequá-la ao caso concreto.
O § 1º do artigo supra determina o cabimento do agravo de instrumento contra
qualquer decisão sobre a liminar, concessiva ou negatória. Apesar de ser esta a lógica – pois
que qualquer decisão interlocutória desafia agravo, por natureza –, o dispositivo põe fim a
discussão antiga sobre a decisão denegatória da liminar, o que já foi até objeto de súmula
que estabelecia o descabimento do agravo. Hoje, o cabimento é expresso.
O § 3º apresenta uma questão conturbada: a validade da liminar. Em que pese ali
estar expresso que esta tem efeitos até a prolação da sentença, o entendimento mais correto
deve ser o de que persistem seus efeitos até o trânsito em julgado da decisão final, porque
não é difícil se conceber que haja, entre a sentença e a decisão final, a demora do processo,
e se o direito acautelado pela liminar estiver desamparado, poderá perecer entrementes. O
artigo 807 do CPC já daria esta nota, servindo como reforço argumentativo em prol desta
tese da validade até o trânsito:

“Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo


antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo,
ser revogadas ou modificadas.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará
a eficácia durante o período de suspensão do processo.”

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O artigo 8º da lei em comento traz uma pequena impropriedade, ao reduzir a


perempção ou caducidade à constatação ex officio ou a requerimento do MP. Ora, se a
matéria é cognoscível de ofício, qualquer um poderá propugná-la, inclusive o réu, a pessoa
jurídica da qual a autoridade participa, e não apenas o MP. Veja:

“Art. 8º Será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio


ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o
impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de
promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe
cumprirem.”

O artigo 10 da Lei 12.016/09 fala do indeferimento da inicial:

“Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não
for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou
quando decorrido o prazo legal para a impetração.
§ 1º Do indeferimento da inicial pelo juiz de primeiro grau caberá apelação e,
quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber
originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo para o órgão
competente do tribunal que integre.
§ 2º O ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da
petição inicial.”

O caput deste artigo supra expressa, novamente, o óbvio: faltando interesse-


adequação, qualquer inicial é indeferida, e estando caduca, pela perda do prazo, idem. O §
1º apenas se presta a tornar claro o cabimento de recursos que seriam mesmo os cabíveis,
mesmo se não fosse expresso neste dispositivo.
O § 2º do artigo supra fala de forma similar ao que é previsto no artigo 264 do CPC,
mas estabelece a imutabilidade do pólo ativo em momento aquém do que o CPC estipula.
Veja:
“Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir,
sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições
permitidas por lei.(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese
será permitida após o saneamento do processo. (Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 1º.10.1973)”

Assim, o ingresso de litisconsortes é possível somente até o despacho da inicial, e


não até a citação efetiva, como na regra geral. Isto impede que sejam aproveitadas liminares
já concedidas por co-impetrantes tardios.
O caput do artigo 12 da Lei 12.016/09 estabelece que o juiz ouvirá e o MP opinará
no feito. Há uma certa incongruência entre esta redação do caput e o parágrafo deste artigo,
porque os verbos do caput indicam a obrigatoriedade de oitiva do MP e igualmente a
obrigatoriedade de manifestação deste parquet, ao passo que no parágrafo se nota clara
dispensabilidade de efetiva manifestação do MP. Veja:

“Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7º desta Lei, o
juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo
improrrogável de 10 (dez) dias.

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão


conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em
30 (trinta) dias.”

O caput permitiria concluir que o MP deve oficiar, e deve manifestar-se


efetivamente, meritoriamente; contudo, o parágrafo vem e desfaz esta impressão, fazendo
crer que é dispensável o parecer ministerial. Por isso, e pela própria regra de hermenêutica
que considera a técnica legislativa segundo a qual o parágrafo não pode contrariar o caput,
deve ser lido o artigo com a supressão da expressão “ou sem” do teor do parágrafo único,
devendo ser tida por obrigatória, portanto, a oitiva e manifestação conclusiva do MP.
O caput do artigo 14 deste diploma é realmente inútil, pois de sentença cabe sempre
apelação. Veja:

“Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.


§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo
grau de jurisdição.
§ 2º Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer.
§ 3º A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada
provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida
liminar.
§ 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em
sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração
direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado
relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da
inicial.”

Da mesma forma, a previsão do § 1º deste artigo supra é repetitiva, porque a


sentença que concede a segurança é contrária ao Poder Público, e pela regra geral este tipo
de decisão já é submetido ao reexame necessário.
O § 2º causa estranheza: ele contraria o artigo 499 do CPC, porque a autoridade
coatora não é parte, nem terceiro prejudicado, muito menos o MP. Entretanto, esta
subversão não é vedada ao legislador especial, que pode excepcionar a regra geral, quando
houver uma boa justificativa, pelo que é válida esta legitimação recursal excepcional. Veja
o artigo 499 do CPC:

“Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro
prejudicado e pelo Ministério Público.
(...)”

Repare que pode acontecer de a autoridade coatora ter interesse jurídico, como
quando a ilegalidade do ato repercutir em responsabilidade civil para esta autoridade. Neste
caso, estará amoldado ao conceito de terceiro prejudicado, mas se for o caso o próprio
artigo 499 do CPC autorizaria a legitimidade recursal, sendo despicienda a previsão do
artigo 14, § 2º, da Lei 12.016/09. De qualquer forma, a legitimação desta lei especial não
faz diferença, legitimando todas as autoridades, interessadas juridicamente ou não.
O artigo 17 da lei em tela visa a salvaguardar o direito de demoras causadas pela
tramitação fática do processo: se a publicação da decisão demorar a ocorrer, por mora na
feitura do acórdão ou qualquer motivo extrínseco, as notas taquigráficas serão publicadas
no lugar do próprio acórdão. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Art. 17. Nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos


recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do
julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas,
independentemente de revisão.”

A intenção do legislador foi boa, mas cogita-se da constitucionalidade deste


dispositivo, eis que já houve casos de normas similares declaradas inconstitucionais pelo
STF, por conta da violação da necessidade de fundamentação expressa do decisum, pois na
nota taquigráfica esta fundamentação não fica explícita como fica no acórdão lavrado em
atenção ao julgamento. Possivelmente este será o entendimento sobre tal dispositivo.
O artigo 16 do diploma am análise apresenta regra, esta sim, bastante salutar:

“Art. 16. Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a
instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão do julgamento.
Parágrafo único. Da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar
caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre.”

Este dispositivo diz exatamente o contrário do que é posto na súmula 622 do STF:

“Súmula 622, STF: Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que
concede ou indefere liminar em mandado de segurança.”

A lei revogou, com muito acerto, esta súmula acima, porque qualquer decisão do
relator desafia agravo, no caso o inominado, ou regimental quando a lei nada diz.
O artigo 18 da Lei 12.016/09 é mais uma previsão dispensável, porque se limita a
repetir o cabimento de recursos que já é a regra geral, prevista inclusive na CRFB:

“Art. 18. Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância


pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente
previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.”

O artigo 19 do mesmo diploma dispõe que se há denegação da ordem, ou seja, o


processo é extinto sem resolução do mérito, a via própria poderá ser acessada para resolver
o mérito. De fato, assim o é em qualquer ação judicial, porque a coisa julgada meramente
formal não impede o ajuizamento da ação que intente resolver o mérito, desde que sanada a
carência que levou à não-apreciação do mérito. Veja:

“Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir
o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos
e os respectivos efeitos patrimoniais.”

O artigo 21 da lei em tela trata do mandamus coletivo, não promovendo alterações


no caput. No parágrafo único, porém, as mudanças são significativas:

“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses
legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos
da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto,


autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo
podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade
ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”

Ali se vêem os direitos que podem ser tutelados por mandado de segurança coletivo,
e se percebe que os direitos difusos, outrora tutelados nesta via, não são mais, restando o
mandado coletivo dedicado aos direitos coletivos e aos transindividuais homogêneos.
Novidade que se vê no mandado de segurança coletivo é a que vem prevista no
caput do artigo 22 desta Lei 12.016/09:

“Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada


limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.
§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações
individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título
individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de
30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança
coletiva.
§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a
audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que
deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

A limitação que se impõe à coisa julgada, ali, é um tanto redundante. No mandamus


coletivo, o que se passa é a substituição processual, legitimidade extraordinária, em que o
impetrante defende em nome próprio direito que não lhe pertence, mas sim aos membros do
grupo que representa. Na substituição processual, a coisa julgada atinge o substituído, para
qualquer efeito, favorável ou desfavorável, e por isso se vê que o alcance da coisa julgada
já seria exatamente este que o caput positivou, não sendo nada peculiar em relação à regra
geral, portanto.
O artigo 23 da mesma lei repetiu o malfadado artigo 18 da revogada Lei 1.533/51:

“Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos


120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”

Este prazo decadencial para a propositura do mandado de segurança é uma


excrescência jurídica, na medida que uma garantia constitucional não pode sofrer
limitações por parte do legislador infraconstitucional. Perdeu-se, com a nova lei, a
oportunidade de sanar esta absoluta impropriedade, pelo que permanece a limitação
flagrantemente inconstitucional deste prazo decadencial.
O artigo 24 da nova lei chega a ser risível: se a lei geral é sempre aplicável na
omissão da lei especial, os artigos a que aponta já seriam aplicáveis, sendo absolutamente
inútil este dispositivo:

“Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 da Lei no 5.869, de


11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”

Michell Nunes Midlej Maron 37


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O artigo 25 da Lei 12.016/09 concentra duas regras que são, em verdade, péssimas
opções legislativas:

“Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de


embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios,
sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.”

O descabimento dos embargos infringentes só tem uma razão de ser plausível: a


positivação do entendimento que integrava a súmula do STJ, no enunciado 169. Porque, a
rigor, não há qualquer sentido em se refrear o cabimento de um recurso que seria
naturalmente cabível, seguindo-se a regra geral. Ao contrário, seria até mais recomendável
o cabimento de mais uma oportunidade revisional,m ante o cunho garantista do mandamus.

“Súmula 169, STJ: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de


mandado de segurança.”

Mas é a manutenção expressa, neste artigo 25 supra, do descabimento dos


honorários advocatícios no rito do writ mandamental que permanece o maior absurdo. O
único argumento que se levantava em favor do descabimento da verba honorária era a
ausência de previsão na Lei 1.533/51. Ora, se a lei especial é omissa, aplica-se a geral, e o
CPC é régio em regulamentar os honorários, pelo que não havia qualquer solidez neste
argumento. Agora, porém, infelizmente, a lei veda expressamente o que a jurisprudência já
vedava, sem qualquer razão jurídica.
A vedação aos honorários acaba, na prática, fazendo preferível, aos advogados, a via
ordinária – e também aos próprios impetrantes, que certamente seriam favorecidos pela
possibilidade de obtenção de condenação sucumbencial quando da negociação de
honorários contratuais com seu advogado.
O artigo 26 da nova lei prevê que é crime de desobediência o descumprimento das
ordens emitidas em mandado de segurança. O legislador errou desastrosamente, aqui: o
descumprimento de ordem judicial por agente público não se subsume ao crime de
desobediência, mas sim ao crime de prevaricação, constante do artigo 319 do CP. O crime
de desobediência é dedicado aos particulares que descumpram tal ordem. Veja:

“Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não cumprimento das decisões proferidas
em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da
aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.”

“Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”

“Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-
lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”
O artigo 29 do novel diploma revogou todas as normas que tratavam do mandado de
segurança, cujos ditames, em verdade, foram praticamente todos englobados no corpo da

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

nova Lei 12.016/09, e não meramente extirpados do ordenamento – especialmente no que


tratavam da vedação de liminares em mandados de segurança. Veja:

“Art. 29. Revogam-se as Leis nos 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4


de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de
1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1o da Lei no
6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e
o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996.”

Feita a análise legal, passemos ao estudo dos pontos de maior indagação sobre o
writ of mandamus.

2. Aspectos peculiares do mandado de segurança

A Constituição autoriza o uso do mandado de segurança contra ato comissivo ou


omissivo que violar direito líquido e certo, ou seja, aquele que possa ser comprovado de
plano, por prova pré-constituída, que tenha sido praticado por autoridade pública ou quem
atue em prerrogativa de autoridade pública. Para definir qual ato seja impugnável, portanto,
é preciso primeiro definir quem o praticou, ou seja, autoridade pública ou entidade a ela
equiparada.
Além disso, o ato precisa ser de autoridade, e não apenas da autoridade: é preciso
que o ato seja praticado na prerrogativa do Poder Público, ou seja, do jus imperii estatal,
coativamente. Não pode, por isso, ser impugnado por mandado de segurança um ato de
gestão comercial, como quando o Estado atua em igualdade formal de condições perante os
particulares – numa contratação paritária, por exemplo.
A omissão estatal pode ser impugnada por mandamus, eis que esta pode violar
direito líquido e certo. Como exemplo, pode o particular ter seu direito de certidão violado
pela inércia do Estado em atender seu pedido – não pela negativa, que seria ato comissivo,
mas pela absoluta inércia, pura omissão. Outro exemplo de omissão a desafiar mandado de
segurança é o direito a haver sentença em prazo razoável, o que pode ser violado pela
inércia do juiz em exarar a decisão.
A autoridade pública pode ser própria ou por equiparação, como já se pôde antever
no artigo 1º do novel diploma.
Como visto, o réu do mandado de segurança, a parte que ocupa o pólo passivo, é a
pessoa jurídica de cujos quadros faz parte a autoridade que produziu o ato, e não a própria
autoridade. Isto levaria a pensar que o aponte da exata autoridade praticante do ato é
irrelevante, porque o réu seria o ente ou entidade pública que ela integra, de qualquer
forma. Contudo, é de fato importante apontar quem é esta autoridade coatora, não porque
passará a ser presente no pólo passivo – não será parte, nunca –, para sim para definição de
um aspecto fundamental: a competência do processo, que é definida ratione materiae.
Veja: se o aponte da autoridade pelo impetrante indica o Governador do Estado do
Rio de Janeiro, a competência para o mandamus é do Órgão Especial do Tribunal de
Justiça; se aponta um secretário estadual, a competência é de uma Câmara Cível; se a
autoridade apontada é um fiscal de rendas, a competência é de uma vara da Fazenda
Pública – e em todos os casos o réu é o mesmo, o Estado do Rio de Janeiro.
O erro do aponte de autoridade coatora já foi apontado como causa para extinção do
processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva. Ora, este entendimento era

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

um verdadeiro impropério: o réu nunca foi ou será a autoridade coatora, e sim a entidade
que ela presenta. Sendo assim, se a parte é a mesma, como no caso exemplificado – o
Estado do Rio de Janeiro –, não importa quem foi apontado: o réu é legítimo, quem quer
que tenha sido apontado pelo impetrante. O direito do impetrante é oponível ao réu, à parte
do processo, e não à autoridade apontada como coatora6.
Se a autoridade que deveria ter sido apontada como coatora determinaria a mesma
competência que a autoridade que foi efetivamente apontada, não há conseqüências
maiores: o julgador simplesmente determinará a notificação para solicitação de informações
à verdadeira autoridade coatora, dando seguimento ao processo. Outrossim, se a correção
no aponte da autoridade for provocar alteração da competência, ainda que não haja
ilegitimidade, há incompetência, pelo que os autos deverão ser remetidos ao juízo
competente, que é o que dará prosseguimento ao feito, notificando a correta autoridade para
prestação de informações.
É considerada autoridade coatora, nos termos do § 3º do artigo 6º da lei em estudo,
já transcrito, aquela que tenha praticado o ato ou que tenha proferido a ordem para que o
ato tenha sido praticado, quem teve o poder de determinar ou ordenar a prática do ato. Não
se insere neste conceito de autoridade coatora o legislador de lei inconstitucional, porque
mesmo que ele tenha produzido a norma: é autoridade coatora aquele que, em função desta
norma, praticou ou ordenou determinado ato concreto atentatório ao direito líquido e certo.
Da mesma forma, aquele que emite um parecer contrário ao direito não é autoridade
coatora: somente será assim considerado aquele que, em razão do parecer, praticou ou
ordenou a prática de um ato ilegal.
É por conta dessa lógica que não se admite, como é cediço, a impetração de
mandado de segurança contra lei em tese, pois não há violação concreta por esta lei a
direito líquido e certo algum, ante a abstração e genericidade da lei. D’outrarte, a chamada
lei de efeitos concretos, formalmente lei mas materialmente ato administrativo, pode
impingir violação direta ao direito de alguém, e se o fizer poderá, sim, ser alvejada por
mandamus.
Outra questão que se coloca, ainda pertinente ao aponte da autoridade coatora, é a
definição dos atos complexos e compostos. O ato complexo é aquele que é decomponível
em vários outros: a investidura de alguém em cargo público é um bom exemplo, eis que a
nomeação, a posse, e outros atos prévios, conformam a investidura como ato completo. Nos
atos desta espécie, como são diversas as autoridades que contribuíram para a formação do
ato, determina-se a competência, ou seja, elege-se como autoridade coatora, aquela
autoridade maior que emitiu participação no ato complexo. Não há hierarquia entre os
diversos atos, mas se elege a autoridade maior que tenha ali atuado.
O ato composto, por seu turno, é aquele que não se decompõe em outros atos
segmentares: é um só ato, mas a sua efetividade, eficácia, depende de aprovação de uma
autoridade superior, e, por esta dinâmica, a autoridade maior será a apontada como coatora.
Como exemplo, se um secretário de Estado emite uma portaria, a qual precisa ser aprovada
pelo Governador, é este último que, aprovando-a, será apontado como autoridade coatora.

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Diferente será o caso em que se apontar como autoridade coatora pessoa que represente outra entidade, outra
pessoa jurídica, diversa daquela em cujo âmbito se deu a produção do ato coator: neste caso haverá clara
ilegitimidade passiva, por erro teratológico na eleição do pólo passivo, ensejando a extinção sem resolução do
mérito. Por exemplo, se o impetrante ajuíza mandado de segurança em face do Estado, reclamando de coação
ilegal por parte de ato do Prefeito.

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EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Havendo qualquer hierarquia entre as autoridades manifestantes, na produção do ato, a de


maior calibre será eleita como coatora.
Nos órgãos colegiados, há quem ache que se aponte o respectivo presidente como
autoridade coatora, mas esta não deve ser a orientação a ser seguida. Nestes casos, o ato é
do órgão colegiado, e não do presidente, pelo que é o próprio colegiado que deve ser
considerado autoridade coatora.

2.1. Prazo

Voltando ao aspecto do prazo, em que pese a afirmação, mais acertada, de que seria
uma restrição inconstitucional à garantia que é a natureza do mandamus, há até mesmo
súmula do STF amparando esta limitação, como se vê no enunciado 632 desta Corte:

“Súmula 632, STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a
impetração de mandado de segurança.”

Sendo assim, é necessário definir como se conta este prazo. O início do prazo é da
ciência do ato, e não do ato em si, pois a pretensão mandamental só nasce quando o
prejudicado tem ciência do ato. Havendo pedido de reconsideração, diga-se, o prazo corre
mesmo da ciência original do ato, e não da negativa da reconsideração, porque este pedido
não suspende ou interrompe o curso do prazo de cento e vinte dias.
Diferentemente ocorre quando, acompanhando o pedido de reconsideração, há o
chamado recurso hierárquico, como alternativa em caso de negativa da reconsideração – o
reclamante pede que seja reconsiderado, e sucessivamente, se não o for, que receba tal
pedido como recurso hierárquico. Recebido o recurso, o ato coator passará a ser a decisão
deste recurso que mantiver a coação, ou seja, tal como no efeito substitutivo dos recursos
judiciais, o primeiro ato, recorrido, deixa de existir, e passa a ser ato coator a decisão que o
substituir. Conseqüentemente, a autoridade revisora, julgadora do recurso, será agora
reconhecida como autoridade coatora naquele ato.
Quando o ato coator for omissivo, simplesmente não se conta o prazo, porque a
coação, consubstanciada na omissão, se renova a todo tempo, enquanto a omissão perdurar.

2.2. Liminar

Como visto no estudo do artigo 7º da Lei 12.016/09, a concessão da liminar, que


aqui tem natureza de antecipação de tutela (e não cautelar, como entendem erroneamente
alguns autores), conta com dois pressupostos: a relevância do fundamento, que é a
probabilidade da existência do direito, o fumus boni juris; e a ineficácia da medida
concedida somente ao final, se a concessão da ordem for cair no vazio se não tutelada
antecipadamente.
A liminar em mandado de segurança tem natureza de antecipação de tutela, e não
cautelar, porque ela se presta justamente a satisfazer, provisoriamente, exatamente o que a
parte obterá com o provimento final do processo. Como se sabe, a cautelar se presta a
garantir a efetividade do processo, e não a satisfazer provisoriamente a exata pretensão do
impetrante, como é o caso. O pedido cautelar é muito diferente do antecipatório.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

A liminar não pode ser concedida ex officio. Mesmo que a lei não seja expressa em
negar ou autorizar esta atuação de ofício, a regra geral é a inércia do Judiciário, pelo que
somente seria possível a concessão de ofício se a lei expressamente autorizasse.
Neste sentido, sequer a concessão de providência liminar diferente da que foi
especificamente requerida será possível. Isto porque se o juiz conceder medida diversa da
requerida, porque entende que será mais adequada e eficaz, estará atuando de forma extra
petita, o que equivale a um atuar de ofício, restrito à parte que concedeu de forma a
extrapolar o pedido.
A vedação à concessão de liminares, presente de forma esparsa em diversas normas,
e para diversas situações diferentes, casuísticas até, está presente de forma concentrada na
nova lei, como visto. Persiste, no entanto, a seguinte crítica: é constitucional qualquer
vedação à concessão de liminares no mandado de segurança?
O melhor entendimento é de que é, de fato, inconstitucional esta vedação. Isto
porque a lei proibitiva da liminar está, em verdade, impedindo o juiz de dar cumprimento
ao que a própria CRFB exige, quando determina que a proteção ao direito seja garantida
pelo mandado de segurança. Ao impedir que a liminar seja possível, a lei está impedindo,
por vezes, que o mandado de segurança tenha qualquer eficácia, enquanto garantia contra
ato lesivo de direito líquido e certo.
A decisão concessiva ou denegatória da liminar, pelo relator, desafia agravo
inominado, como visto. Isto pôs fim à discussão ferrenha sobre o cabimento do agravo
contra esta decisão, sendo que o descabimento chegou a ser sumulado pelo STF, no
enunciado 622 desta Corte, já transcrito – que está superado, portanto. Da mesma forma, a
decisão liminar do juiz, em qualquer sentido, hoje comporta agravo de instrumento.
A eficácia da liminar, como visto, encontra limitador temporal na lei: é vigente até a
sentença. Ocorre que este limitador não é a melhor opção, porque a lógica da dinâmica
processual exigiria a necessidade de manutenção dos efeitos da liminar até o trânsito em
julgado, e não até a mera prolação da sentença – como o já abordado artigo 807 do CPC
indica. Veja a súmula 405 do STF, que acabou sendo a orientação adotada na lei,
tristemente:

“Súmula 405, STF: Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no


julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária.”

Michell Nunes Midlej Maron 42


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Casos Concretos

Questão 1

Após a conclusão de estudos desenvolvidos pela Secretaria de Transportes, em que


se concluiu que era elevada a tarifa praticada pelas linhas de ônibus municipais, o
Prefeito, mediante Decreto publicado em 27/04/2001, entendeu por reduzir a mesma em
15%, a partir do dia 03/05/2001. Contra tal ato normativo foi impetrado, em 28/10/2001,
mandado de segurança pelas empresas de transporte municipal. Para elas, houve falsa
motivação, posto inocorrerem as alegadas distorções tarifárias, sendo o escopo daquela
autoridade apenas conquistar a simpatia popular. Alegou-se, ainda, que a Administração
Pública não obedeceu ao princípio do contraditório ao proceder à alteração de forma
unilateral. Finalmente, pugna pela tempestividade da impetração, já que o art. 18 da Lei
1533 não fora recepcionado pela Constituição e, ainda que se entendesse de forma
diferente, a hipótese cuida de relação jurídica de trato sucessivo, tendo a decadência
atingido somente as prestações vencidas 120 dias antes da impetração. Na verdade, por
ser aquele ato normativo de efeitos permanentes, é ele passível de ser alvejado a qualquer
momento, enquanto perdurar a lesividade, sob pena de gerar a perda do direito material
afetado pelo ato abusivo do Poder Público. Decida de forma fundamentada.

Resposta à Questão 1

Em que pese a crítica bastante acertada à constitucionalidade do prazo decadencial,


é fato que este ainda tem vigência, hoje. Por isso, sendo observado, no caso concreto há a
caducidade dos atos praticados há mais de cento e vinte dias da impetração, mas não há
daqueles mais recentes do que isso, se for de trato sucessivo; se for permanente, sequer teve
início a fluência do prazo, eis que a lesão está em curso. Esta é a solução, mesmo à luz da
Lei 12.016/09, e por isso tem razão o impetrante.
Veja o MS 1999.004.00462, do TJ/RJ:

“1999.004.00462. MANDADO DE SEGURANCA. Funcionalismo. Gratificação


Especial de Atividade. Acréscimo ao estipêndio, concedido por despacho do Exmo.
Sr. Governador do Estado, a Procuradores do Estado em atividade e a aposentados
exercentes de cargos comissionados e de assessoramento superior, no âmbito do
Poder Executivo, mediante critérios de concessão de Gratificação de Encargos
Especiais. Negativa da concessão da vantagem aos Procuradores do Estado
inativos e a seus pensionistas. Lei Complementar nº 6/77. Artigos 93 e 179.
Decreto Lei nº 220/75. Artigo 24, inciso 8º. Redação da Lei nº 720/83.
Constituição Federal. Artigo 40, § 8º. Constituição Estadual. Artigos 82, § 2º e 89,§
5º. Aplicação. DECADÊNCIA. Prazo para pedir segurança Atos continuados ou
de trato sucessivo. Atos omissivos. Forma de contagem do prazo decadencial. Lei
nº 1.533, de 31.12.51. Artigo 18. Exegese. Se a ofensa a direito líquido e certo
resulta de atos continuados ou de trato sucessivo, a cada nova prática renova-se o
prazo para a impetração da segurança. Se a lei ou o regulamento não fixaram o
momento fatal para a prática do ato, o prazo para impetração de Mandado de
Segurança, contra o ato omissivo, não flui. CARÊNCIA DA AÇÃO
MANDAMENTAL. Impossibilidade jurídica do pedido. Alegação de que " o
Judiciário, em sede de controle de constitucionalidade das leis, somente pode se
portar como legislador negativo, jamais como legislador positivo, de modo que se
uma dada lei é atacada por anti-isonómica, não é possível estender sua

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

aplicabilidade, atas apenas retirar a sua aplicação". Invocação da Súmula nº 339 do


Supremo Tribunal Federal, de acordo com a qual, "Não cabe ao Poder Judiciário,
que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servi-dores públicos, sob
funda-mento de isonomia". Verdadeiro sentido da Súmula, nos casos em que a
causa envolve extensão de vantagens aos inativos, concedidas aos servidores em
atividade. Jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federai. "Considerando que o § 4º
( atual 8º ) do artigo 40 da Constituição Federal - que determina a extensão aos
inativos de quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos
servidores em atividade - é norma constitucional de eficácia imediata, o
reconhecimento do direito a tal extensão, por decisão judicial, não ofende o
princípio da separação dos poderes, sendo inaplicável, nessa hipótese, a Súmula nº
339 do Supremo Tribunal Federal" ( Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial
no 214.724 - RJ - de que foi relator o Ministro Sepúlveda Pertence, in In-formativo
nº126 ) "Não se pode, a pretexto de alegar indevida interferência na Administração
Pública, subtrair-se da apreciação do Poder Judiciário qualquer reclamo de lesão a
direito subjetivo do cidadão.." ( Órgão Especial, Mandado de Segurança nº
469198, relator Desembargador Laerson Mauro ) MANDADO DE SEGURANÇA.
Legitimação passiva para a causa. Definição. No mandado de segurança, parte
passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade apontada como
coatora, não esta própria que, portanto, em sede mandamental, não pode ostentar,
em caso algum, a qualidade de parte legítima ou ilegítima. PROCURADORES DO
ESTADO. Desempenho de atividades extras, relacionadas com consultoria jurídica
e representação judiciai de sociedades de economia mis-ta, empresas públicas,
fundações e autarquias integrantes da administração indireta. Vantagens
pecuniárias devidas em decorrência do desempenho dessas atividades
suplementares. Natureza jurídica. Efeitos. As vantagens pecuniárias devidas em
decorrência do desempenho, em condições comuns, de atividades extras,
excepcionais ou especiais, que escapam à rotina administrativa, às quais
constituem um acréscimo, ostentam a natureza jurídica de adicionais - de função
ou ex facto oficii - que aderem ao vencimento e se incluem nos cálculos dos
proventos da aposentado-ria e, pois, nos das pensões. Preliminares rejeitadas.
Segurança concedida.” (grifo nosso)

Questão 2

Martinho Martins da Silva, policial militar, foi punido, através do Decreto XX.YZY
de 03/07/2000, como se fora um policial da chamada "banda podre", mesmo diante do fato
de ter o inquérito, que ensejou a punição, sido arquivado a requerimento do Ministério
Público. Irresignado com a situação impetrou mandado de segurança, em 05/06/2003,
figurando como autoridade coatora o Exmo. Sr. Governador do Estado de Sapucaia, com o
fim de desconstituir o ato administrativo que o colocou em disponibilidade, reintegrando-o
aos quadros de sua corporação. Liminar indeferida. O Estado de Sapucaia manifestou-se
argüindo litispendência por ter o impetrante ingressado, no mesmo dia, com dois
mandados de segurança, com o mesmo pedido e causa de pedir, estando um deles
tramitando na Vara de Fazenda, requerendo a extinção do feito. Informações não foram
prestadas. Pergunta-se:
1) Quais as hipóteses de decretos em que será cabível o mandado de segurança?
Esclareça sobre as espécies de atos em que é cabível o mandado de segurança.
2) É cabível mandado de segurança contra ato jurisdicional do Supremo Tribunal
Federal?
3) Quais os requisitos necessários para concessão de medida liminar em mandado
de segurança?

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

4) Decida a questão.

Resposta à Questão 2

1) Cabe contra os atos de efeito concreto, que têm destinatário isolado,


determinado, não cabendo contra o chamado decreto autônomo, que
materialmente é uma lei. Basicamente, se resume a um critério genérico: são
atacáveis por mandamus os atos de autoridade.

2) Aqui surge uma certa perplexidade. O STF entende que não é cabível mandado
de segurança contra qualquer ato seu, do pleno ou de fracionários. Ocorre que a
CRFB, no artigo 102, I, “d”, fine, dá competência ao STF para julgar mandado
de segurança contra ato do próprio STF:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas
anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da
República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal
de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo
Tribunal Federal;
(...)”

É uma posição um tanto estranha, esta do STF, mas é a que vigora.

3) É preciso que haja a probabilidade da existência do direito, e a frustrabilidade da


medida se for concedida somente ao final.

4) Prosseguiu apenas o primeiro mandamus, em razão da litispendência, e neste


será julgado procedente o writ se a ilegalidade foi comprovada.

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Tema VI

Coisa julgada no mandado de segurança individual e no coletivo. Recursos. Apelação. Embargos


infringentes. Agravo. Reexame necessário. Recurso ordinário. Execução. Suspensão da liminar e dos efeitos
da sentença concessiva da segurança. O MS como ação autônoma de impugnação.

Notas de Aula7

1. Coisa julgada no mandado de segurança

A sentença do mandado de segurança não tem muita diferença das sentenças


proferidas em quaisquer ações ordinárias. A coisa julgada, por isso mesmo, não é também
muito peculiar.
Os artigos 15 e 16 da revogada Lei 1.533/51 tratavam do tema, e aparentavam um
certo conflito:

“Art. 15 - A decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por


ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.”

“Art. 16 - O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão


denegatória não lhe houver apreciado o mérito.”

O que a literalidade do artigo 15 supra passava era que a sentença no mandado de


segurança simplesmente não transitava em julgado, porque poderia o titular do direito
negado acessar o Judiciário na via ordinária para requerê-lo.
É claro que esta não é a leitura que devia prevalecer, mesmo porque o artigo 16
dizia que, na verdade, era preciso que a decisão denegatória não houvesse enfrentado o
mérito do mandado, pelo que apenas teria trânsito formal em julgado, para ser possível o
ajuizamento de uma nova ação, na via própria – o que é a regra geral da coisa julgada,
como se sabe.
O que se via, portanto, era uma redação legislativa inútil, eis que esta previsão
combinada dos artigos supra levava apenas ao que é a pura regra geral das coisas julgadas
formal e material. Debalde tamanha inutilidade, até mesmo súmula foi editada sobre o
tema, no enunciado 304 do STF:

“Súmula 304, STF: Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo


coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.”

Conclui-se, portanto, que a coisa julgada no mandado de segurança é igual a


qualquer outra, especialmente diante da manutenção dos dispositivos da antiga Lei
1.533/51, que se converteram, respectivamente, no artigo 19 e no § 6º do artigo 6º da Lei
12.016/09.
No mandado de segurança coletivo, tutelam-se hoje somente direitos coletivos e os
transindividuais homogêneos, mas não os difusos. Rememorando, estes direitos difusos não
têm titularidade delimitável, e por isso o legislador achou por bem alheá-lo da tutela
mandamental. Direitos coletivos são aqueles que encontram uma certa delimitação,
podendo ser reunidos seus titulares, que são indeterminados, em uma determinada

7
Aula ministrada pelo professor Wilson Marques, em 11/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

categoria, esta determinada. E direitos transindividuais homogêneos são aqueles que


pertencem a pessoas determinadas, sendo divisíveis, mas que apresentam pontos comuns,
havendo um vínculo de homogeneidade no direito que permite sua reunião para fins de
tutela jurisdicional.
A legitimação para o mandamus coletivo é extraordinária, ocorrendo a substituição
processual, mas com algumas peculiaridades, especialmente na coisa julgada: na
substituição processual comum, a coisa julgada opera efeitos quer seja contrária, quer seja
favorável ao substituído. Na que ocorre no mandado de segurança coletivo, a despeito do
ajuizamento deste mandamus, é possível que os substituídos ajuízem mandados de
segurança individuais autônomos, em defesa do mesmo direito, sem que haja litispendência
(o que é óbvio, eis que as partes são diversas, porque no mandado coletivo o substituído
não é parte).
Aplica-se analogicamente, no mandado de segurança coletivo, as regras dedicadas a
processos coletivos de toda sorte, como a ação popular e a ação civil pública, e neste ponto
merecem atenção os artigos 103 e 104 do CDC:

“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa
julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com
idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do
parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo
improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando
se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as
vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão
interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria
ou classe.
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os
interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão
propor ação de indenização a título individual.
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da
Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por
danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste
código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que
poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.”

“Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do


art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da
coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo
anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da
ação coletiva.”

Julgado procedente o pedido, no mandado de segurança coletivo, a ação individual


perde o sentido, porque o § 3º do artigo 103, supra, permite que a coisa julgada coletiva
alcance o impetrante individual.
Vale dizer, também, que o substituído que quiser tem legitimação individual para a
execução.

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

2. Recursos

Da sentença do mandado de segurança cabe apelação, em regra apenas no efeito


devolutivo, diante da possibilidade de execução provisória que é expressa no artigo 14, §
3º, da Lei 12.016/09:

“Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.


§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo
grau de jurisdição.
§ 2º Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer.
§ 3º A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada
provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida
liminar.
§ 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em
sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração
direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado
relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da
inicial.”

Em relação aos agravos, como dito, a lei os reconhece cabíveis, pacificando a


discussão que existia sobre o tema.
Por fim, os embargos infringentes são incabíveis por expressa consignação legal, no
já abordado artigo 25 do novel diploma legal.
A decisão que for proferida em única instância no tribunal, em mandados de
competência originária do colegiado, desafia recurso ordinário, se denegatória a ordem, ou
recursos especial e extraordinário, se a ordem for concedida, na forma do já transcrito
artigo 18 da Lei 12.016/09.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

PAULO DE TARSO, servidor público da Justiça do Trabalho, requereu sua


aposentadoria, a qual fora decretada pelo Presidente do TRT. O valor dos proventos
incluía a parcela referente aos "anuênios" incidentes sobre o seu tempo anterior de prática
de advocacia. Em síntese, sucedeu o seguinte:· A aposentadoria de Paulo fora inicialmente
decretada pelo Presidente do TRT com a vantagem pretendida: considerou-se, na parcela
dos anuênios, o tempo de advocacia.· No entanto, o Tribunal de Contas, ao apreciar a
legalidade da concessão (CF, art. 71, III), devolveu o processo ao TRT para refazer o
cálculo, dele subtraindo o correspondente ao referido exercício profissional.· Assim, refeito
o título da aposentadoria pela administração do TRT, o TCU - em decisão de 28.4.01 -
julgou-o legal e deferiu-lhe o registro.· Posteriormente, em 25.03.02, o TRT julgou
mandado de segurança, impetrado por PAULO DE TARSO contra ato do Exmº Sr. Juiz
Presidente do Tribunal, no qual, acolhendo entendimento da Inspetoria Geral do Egrégio
Tribunal de Contas da União e diligência por ela solicitada, excluiu, do tempo de serviço
do requerente, aquele correspondente à advocacia para efeito dos anuênios.· A segurança
foi deferida. A decisão transitou em julgado.· Em conseqüência, a então autoridade
impetrada emitiu novo ato, restabelecendo a vantagem e novamente o submeteu ao
Tribunal de Contas, que, então, lhe negou registro. PAULO DE TARSO, então, impetra
mandado de segurança contra essa decisão do Tribunal de Contas da União, que julgou
ilegal e recusou registro à sua aposentadoria. Decida sobre a segurança, e observe se a
força da res judicata, que cobriu a concessão da segurança, é oponível ao TCU, de modo a
compeli-lo, por sua vez, a desconstituir a decisão que julgara legal ao registrar o segundo
ato de aposentadoria, a fim de registrar o terceiro.

Resposta à Questão 1

Antes de tudo, cabe diferenciar a eficácia da sentença da eficácia da coisa julgada. A


eficácia da sentença é sempre oponível a todos, pois ela existe no mundo jurídico para
todos: ninguém pode ignorá-la. A eficácia da coisa julgada, porém, só se impõe entre as
partes daquele processo, com algumas ressalvas, inclusive erga omnes.
Por isso, mesmo que o TCU não tenha participado do processo – não sendo
alcançado pela coisa julgada –, a sentença não pode por ele ser ignorada, eis que existe para
todos. Destarte, o ato deve ser registrado, porque a sentença assim o comanda.
Veja o que disse o STF, no MS 22.658, cuja ementa e transcrições do informativo 83
desta Corte seguem abaixo, pela ordem:

“MS 22658 / RJ - RIO DE JANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA.


Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 10/09/1997. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: Tribunal de Contas: registro de aposentadoria: mandado de segurança
posterior para compelir a autoridade administrativa a alterar o ato concessivo já
registrado não impõe ao Tribunal de Contas deferir o registro da alteração:
aplicação da Súm. 6/STF, não elidida pela circunstância de o ato administrativo
subseqüente ao registro ter derivado do deferimento de mandado de segurança para
ordenar a sua prática à autoridade competente retificar a aposentadoria que
concedera, mas não para desconstituir a decisão anterior do Tribunal de Contas.”

“Aposentadoria e Tribunal de Contas da União

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O Tribunal indeferiu, por unanimidade, mandado de segurança impetrado por juiz


classista contra decisão do TCU que recusara registro ao ato administrativo da
Presidência do TRT da 1a Região que cumprindo decisão, transitada em julgado,
concessiva de mandado de segurança favorável ao impetrante determinara a
inclusão, para fins de anuênio, do tempo de exercício da advocacia. Destacou a
impetração que a decisão do TCU, baseada em sua Súmula 123 ("A decisão
proferida em mandado de segurança impetrado contra autoridade administrativa
estranha ao Tribunal de Contas da União, a este não obriga, mormente se não
favorecida a mencionada autoridade pela prerrogativa de foro conferida no art.
119, I alínea i da Constituição."), ofenderia a garantia da coisa julgada. Prevaleceu
o entendimento do relator, Min. Sepúlveda Pertence, que, invocando a Súmula 6
do STF ("A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria, ou
qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de
aprovada por aquele Tribunal, ressalvada a competência revisora do Judiciário."),
ponderou não ser a coisa julgada oponível ao Tribunal de Contas. A eficácia da
sentença exauriu-se com a prática do ato reclamado pelo Presidente do TRT; tal
ato, no entanto, continua a demandar a chancela da Corte de Contas (CF, art. 71,
III, que dispõe sobre a competência do TCU para "apreciar, para fins de registro, a
legalidade ... das concessões de aposentadoria ..."). Precedente citado: RMS 8.657
(RTJ 20/69).MS 22.658-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.9.97 .”

Questão 2

Um grupo de empresas da construção civil impetrou mandado de segurança


coletivo em face da Fazenda Nacional, com objetivo de eximir-se do pagamento do PIS
sobre a receita bruta, conforme disposto nos Decretos-lei n° 2.445/88 e 2.449/88. O
mandado foi denegado, tendo a decisão transitado em julgado. Uma das empresas,
inconformada com a decisão, resolve interpor, em caráter individual, o mesmo mandado de
segurança, mantidos o pedido (não recolhimento do PIS) e a causa de pedir
(inconstitucionalidade dos referidos Decretos-lei).Pergunta-se:
a) Caso o mandado de segurança coletivo ainda estivesse tramitando, caberia
acatar o mandado de segurança individual?
b) Na hipótese do mandado de segurança individual estar em julgamento e ocorrer
ingresso superveniente de mandado de segurança coletivo idêntico, o juízo deverá
acatar este último?
c) Tendo a decisão do mandado de segurança coletivo transitado em julgado, há
cabimento em se proceder ao julgamento do mandado de segurança individual?

Resposta à Questão 2

a) Sim, pois são independentes, devendo ser observados os critérios dos artigos
103 e 104 do CDC.

b) Diante da independência, sim, o coletivo tem toda a admissibilidade.

c) Há clara ocorrência de perda superveniente do interesse de agir, porque já há o


resultado favorável que lhe pode alcançar.

Veja o REsp. 150.376:

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“REsp 150376 / PR. DJ 18/09/2000 p. 117.


PROCESSUAL CIVIL - PIS - DECRETOS-LEIS 2.445 E 2.449/88 -
INCONSTITUCIONALIDADE - MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO E
MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL - IDENTIDADE DAS PARTES,
CAUSA E OBJETO DE PEDIR - COISA JULGADA CONFIGURADA - CPC,
ART. 301, § 2º - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO
MÉRITO - VIOLAÇÃO À LEI FEDERAL E À SÚMULA NÃO
CONFIGURADAS - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE – INCIDÊNCIA
DAS SÚMULAS 282 E 356/STF - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO
COMPROVADA - LEI 8.038/90 E RISTJ, ART. 255 E PARÁGRAFOS -
PRECEDENTES STJ.
- Constatado que o tema de direito objeto da relação litigiosa em curso já foi objeto
de decisão em outro processo, entre partes idênticas, há que ser reconhecida a
ocorrência da coisa julgada, o que acarreta a extinção do feito, sem julgamento do
mérito.
- Se o Tribunal "a quo" não enfrentou os temas objetos dos preceitos legais e da
súmula indicados pelo recorrente como contrariados, e não foram opostos
embargos de declaração suscitando a apreciação dos mesmos, carece o recurso do
prequestionamento indispensável à sua admissibilidade.
- Descumpridas as determinações legais e regimentais que disciplinam a
demonstração da divergência, não se admite o apelo interposto com fundamento na
letra "c", do autorizativo constitucional.
- Recurso não conhecido.”

Questão 3

A Associação Beneficente dos Subtenentes e Sargentos, Policiais e Bombeiros


Militares do Mato Grosso do Sul impetrou Mandado de Segurança Coletivo contra ato do
Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, alegando, em síntese, que a fixação do
soldo, parcela básica de remuneração a que faz jus o militar, não pode ser inferior ao
salário-mínimo, o que contraria o disposto nos arts. 7º, incisos IV e VII e 39, § 2º, da
CRFB/88. O Plenário do Tribunal de Justiça de MS, ao entendimento que a Associação
impetrara idêntico Mandado de Segurança, com o objetivo de assegurar aos agentes
públicos militares vencimento básico correspondente a um salário-mínimo, acolheu a
preliminar de coisa julgada e decretou a extinção do processo mandamental. Irresignada,
a Associação interpôs Recurso Ordinário e sustentou que as partes, em ambas as causas,
não são as mesmas, já que uma nova classe, a dos bombeiros militares, não foi incluída no
primeiro mandamus. E por se tratar de relação jurídica continuativa, a modificação na
situação de fato e no estado de direito, afasta os efeitos da coisa julgada. Dados os fatos
como verdadeiros, houve coisa julgada no Mandado de Segurança Coletivo? Justifique sua
resposta.

Resposta à Questão 3

A alteração dos substituídos não importa em absolutamente nenhuma relevância


para a dinâmica da legitimação extraordinária da associação, substituta processual. Houve,
portanto, coisa julgada material, e o processo deve ser extinto por tal causa.

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Veja o RMS 9.624, do STJ:

“RMS 9624 / MS. RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE


SEGURANÇA. DJ 06/09/1999 p. 100.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA.
ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. NOVOS SÓCIOS
Existência de coisa julgada tendo em conta que o mandado de segurança coletivo,
impetrado por associação de classe no interesse dos seus representados na
qualidade de substituta processual, versa sobre questão já decidida em ação
anteriormente proposta pela mesma entidade.
Não prospera a alegação da posterior entrada de novos associados nos quadros da
associação como justificativa para afastamento dos efeitos da coisa julgada
- Recurso desprovido.”

Tema VII

Mandado de injunção. Legitimidade ativa e passiva. Habeas Data.

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Notas de Aula8

1. Mandado de injunção

Diz a CRFB, no artigo 5º, LXXI:

“(...)
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
(...)”

Este instrumento surgiu na CRFB de 1988, nunca antes tendo existido no


ordenamento nacional. Ele veio, no entanto, para tentar solucionar uma anomalia que
sempre fez parte das ordens constituintes antecedentes: a síndrome da inefetividade das
normas constitucionais. Jamais houve, na história nacional, uma Constituição que tenha
conseguido implementar todos os direitos que previa, antes da sua substituição por uma
outra Carta Magna.
Todas as Constituições contiveram em seu bojo normas de eficácia limitada,
dependentes de regulamentação, e grande parte destas normas jamais chegou a ser
regulamentada, antes de que a ordem constitucional viesse abaixo perante uma nova ordem.
Na assembléia constituinte de 1987, porém, o ideal de formação de um Estado pleno
levou à busca por uma efetivação maior dos direitos previstos na Carta por vir, e se pensou
em um instrumento que operacionalizasse a busca pela regulamentação, quando o
legislador infraconstitucional demonstrasse mora na edição de leis efetivadoras das normas
de eficácia limitada do corpo da Constituição. E este instrumento é o mandado de injunção.
No direito estadunidense da década de 1970, havia já o writ of injunction, apontado
por muitos autores como a fonte de inspiração de nosso instrumento de nome similar.
Contudo, este remédio norte-americano não se destina apenas a procurar suprir lacunas
legislativas, como o nosso tem por escopo; o writ of injunction tem o condão de obrigar o
Poder Público a cumprir direitos fundamentais, da forma que for, e não a produzir leis
regulamentadoras, apenas. É bem diferente, portanto.
O termo “injunção” vem do verbo injungir, que significa obrigar, determinar,
mandar. Ironicamente, porém, este instrumento brasileiro, originalmente, não conseguia
impor nada ao Poder Público. Mas a perspectiva tem mudado, como se verá.
O artigo 5º, LXXI, da CRFB, supra, foi por muito tempo questionado em sua
autoaplicabilidade. Parte da doutrina entendia que este instrumento, o próprio mandado de
injunção, carecia de norma constitucional para sua utilização. Contudo, no Mandado de
Injunção 107, o STF firmou entendimento até hoje vigente de que todos os remédios
constitucionais são inscritos em normas de eficácia plena, ou seja, não dependem de
qualquer norma regulamentadora futura para produção de seus efeitos. Veja os julgados
deste MI 107:
“MI 107 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. Relator(a):
Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 21/11/1990. Órgão Julgador: TRIBUNAL
PLENO.
EMENTA: - Mandado de injunção. Estabilidade de servidor público militar. Artigo
42, paragrafo 9., da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir. - Esta

8
Aula ministrada pela professora Flávia Bahia Martins, em 14/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Corte, recentemente, ao julgar o mandado de injunção 188, decidiu por


unanimidade que só tem "legitimatio ad causam" ,em se tratando de mandado de
injunção, quem pertenca a categoria a que a Constituição Federal haja outorgado
abstratamente um direito, cujo exercício esteja obstado por omissão com mora na
regulamentação daquele. - Em se tratando, como se trata, de servidores publicos
militares, não lhes concedeu a Constituição Federal direito a estabilidade, cujo
exercício dependa de regulamentação desse direito, mas, ao contrario, determinou
que a lei disponha sobre a estabilidade dos servidores publicos militares,
estabelecendo quais os requisitos que estes devem preencher para que adquiram tal
direito. - Precedente do STF: MI 235. Mandado de injunção não conhecido.

“MI 107 QO / DF - DISTRITO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM NO


MANDADO DE INJUNÇÃO. Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Julgamento:
23/11/1989. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA
AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. - EM FACE DOS TEXTOS DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E
ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DE DIREITO, GARANTIA OU
PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ARTIGO 5., LXXI, DOS QUAIS O
EXERCÍCIO ESTA INVIABILIZADO PELA FALTA DE NORMA
REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER
JUDICIARIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA
OMISSAO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA EM REGULAMENTAR
POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE
ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DE CIENCIA
DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDENCIAS
NECESSARIAS, A SEMELHANCA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO (ARTIGO 103, PAR-2., DA
CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO
CONSTITUCIONAL OPONIVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS
PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR
PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE
A OMISSAO INCONSTITUCIONAL. - ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE
MANDADO, E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE - QUE
ESTA DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ARTIGO 102, I, 'Q' -, AUTO-
EXECUTAVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE
DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO
PROCEDIMENTO, APLICAVEL QUE LHE E ANALOGICAMENTE O
PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER.
QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-
APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO
VOTO DO RELATOR.”

As questões processuais peculiares, diz o STF, são perfeitamente solucionáveis em


se utilizando as normas do mandado de segurança por analogia.
A finalidade do mandado de injunção, portanto, é dar plena efetividade às normas
constitucionais de eficácia limitada que, relativas a direitos fundamentais, dependem de
regulamentação ainda não produzida. Não é qualquer inércia ou omissão legislativa – e o
mandado de injunção não cuida de outras omissões que não as legislativas 9 – que pode ser
questionada por meio de mandado de injunção: seu campo é limitado, dedicado a direitos
fundamentais que dependem de norma que ainda não existe. Outros direitos constitucionais

9
Omissões administrativas e judiciais se resolvem por vias próprias, jamais por meio de mandado de
injunção.

Michell Nunes Midlej Maron 54


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alheios à gama fundamental não são passíveis de terem sua efetividade propugnada em
mandado de injunção.

1.1. Condições da ação no mandado de injunção

Materialmente, é preciso que a petição inicial deste remédio traga de forma explícita
o seguinte binômio: a impossibilidade de exercício do direito fundamental e a inexistência
da lei que o faria possível.
Ademais, se o indivíduo não está em circunstância que o coloque sob direta
titularidade do direito que pretende defender, não lhe assistirá interesse de agir no mandado
de injunção. Por exemplo, não é possível que um desempregado busque, por meio de
mandado de injunção, a efetivação da norma constitucional que garante o aviso-prévio
proporcional, norma esta que carece de regulamentação ainda hoje: se não é empregado
celetista, aos quais se dirige a norma constitucional em questão, falta-lhe interesse de agir
pedindo tal norma, bem como falta-lhe também legitimidade ad causam para tanto.
A legitimidade ativa do mandado de injunção individual, pelo ensejo, incumbe a
qualquer pessoa natural ou jurídica cujo direito fundamental esteja à míngua de
regulamentação. A legitimidade do mandado de injunção coletivo, por seu turno, vem
consignada no artigo 21 da Lei do Mandado de Segurança, Lei 12.016/09, que como dito se
aplica por analogia, além do inciso LXX do artigo 5º da CRFB:

“(...)
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e
em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados;
(...)”

“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses
legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos
da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus
estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto,
autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo
podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade
ou de parte dos associados ou membros do impetrante.”
Veja que se exige que o partido político tenha representação no Congresso Nacional
para ter legitimidade para o mandado de injunção coletivo, e se entende que esta
representação é configurada em havendo apenas um deputado federal ou senador eleito.
Além disso, o uso do mandado de injunção coletivo demanda, para os partidos políticos, a
pertinência temática, eis que só pode defender direito do próprio partido ou de seus

Michell Nunes Midlej Maron 55


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filiados, como diz a nova norma do mandado de segurança, supra (o que é uma inovação
extremamente restritiva, porque antes da nova lei do mandamus não havia esta necessidade
de demonstração de pertinência temática).
Em suma, o mandado de injunção coletivo pode ser ajuizado pelos mesmos
legitimados para o mandamus coletivo, e com as mesmas restrições, os quais atuarão como
substitutos processuais, desnecessária qualquer autorização expressa dos associados para
ajuizamento da ação.
A respeito, veja o MI 361:

“MI 361 / RJ - RIO DE JANEIRO. MANDADO DE INJUNÇÃO. Relator(a):


Min. NÉRI DA SILVEIRA. Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE. Julgamento: 08/04/1994. Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO.
Ementa: I - MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: ADMISSIBILIDADE,
POR APLICAÇÃO ANALOGICA DO ART. 5., LXX, DA CONSTITUIÇÃO;
LEGITIMIDADE, NO CASO, ENTIDADE SINDICAL DE PEQUENAS E
MEDIAS EMPRESAS, AS QUAIS, NOTORIAMENTE DEPENDENTES DO
CRÉDITO BANCARIO, TEM INTERESSE COMUM NA EFICACIA DO ART.
192, PAR. 3., DA CONSTITUIÇÃO, QUE FIXOU LIMITES AOS JUROS
REAIS. II. MORA LEGISLATIVA: EXIGÊNCIA E CARACTERIZAÇÃO:
CRITÉRIO DE RAZOABILIDADE. A MORA - QUE E PRESSUPOSTO DA
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA OMISSAO
LEGISLATIVA -, E DE SER RECONHECIDA, EM CADA CASO, QUANDO,
DADO O TEMPO CORRIDO DA PROMULGAÇÃO DA NORMA
CONSTITUCIONAL INVOCADA E O RELEVO DA MATÉRIA, SE DEVA
CONSIDERAR SUPERADO O PRAZO RAZOAVEL PARA A EDIÇÃO DO ATO
LEGISLATIVO NECESSARIO A EFETIVIDADE DA LEI FUNDAMENTAL;
VENCIDO O TEMPO RAZOAVEL, NEM A INEXISTÊNCIA DE PRAZO
CONSTITUCIONAL PARA O ADIMPLEMENTO DO DEVER DE LEGISLAR,
NEM A PENDÊNCIA DE PROJETOS DE LEI TENDENTES A CUMPRI-LO
PODEM DESCARACTERIZAR A EVIDENCIA DA
INCONSTITUCIONALIDADE DA PERSISTENTE OMISSAO DE LEGISLAR.
III. JUROS REAIS (CF,ART.192, PAR. 3.): PASSADOS QUASE CINCO ANOS
DA CONSTITUIÇÃO E DADA A INEQUIVOCA RELEVÂNCIA DA DECISÃO
CONSTITUINTE PARALISADA PELA FALTA DA LEI COMPLEMENTAR
NECESSARIA A SUA EFICACIA - CONFORME JA ASSENTADO PELO STF
(ADIN 4, DJ 25.06.93, SANCHES) -, DECLARA-SE INCONSTITUCIONAL A
PERSISTENTE OMISSAO LEGISLATIVA A RESPEITO, PARA QUE A SUPRA
O CONGRESSO NACIONAL. IV. MANDADO DE INJUNÇÃO: NATUREZA
MANDAMENTAL (MI 107-QO, M. ALVES, RTJ 133/11): DESCABIMENTO
DE FIXAÇÃO DE PRAZO PARA O SUPRIMENTO DA OMISSAO
CONSTITUCIONAL, QUANDO - POR NÃO SER O ESTADO O SUJEITO
PASSIVO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE EXERCÍCIO OBSTADO
PELA AUSÊNCIA DA NORMA REGULAMENTADORA (V.G, MI 283,
PERTENCE, RTJ 135/882) -, NÃO SEJA POSSIVEL COMINAR
CONSEQUENCIAS A SUA CONTINUIDADE APÓS O TERMO FINAL DA
DILAÇÃO A SSINADA.”

Figura no pólo passivo do mandado de injunção, individual ou coletivo,


necessariamente, a autoridade que estiver em mora legislativa, geralmente o Congresso
Nacional. De outra sorte, o STF entende que contra a carência de apresentação de projeto
de lei de iniciativa reservada, o pólo passivo da ação é composto pela autoridade que
deveria ter apresentado tal projeto, não constando ali o Congresso, que nada poderia ter

Michell Nunes Midlej Maron 56


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feito para suprir a mora legislativa da autoridade que tem a iniciativa privativa sobre o
tema. Sendo matéria concorrente, porém, a Mesa do Congresso compõe o pólo passivo.
Em suma, no pólo passivo do mandado de injunção teremos o Poder, órgão,
entidade ou autoridade que tenha o dever de regulamentar a norma constitucional, e de
acordo com o STF, se a matéria for de iniciativa reservada, o pólo passivo vai ser composto
por quem deveria ter apresentado o projeto e ainda não o fez.

1.2. Cautelar

O entendimento atual é pela impossibilidade de concessão de cautelar em mandado


de injunção. Veja o Ag. Rg. no MI 342:

“MI 342 AgR / SP - SÃO PAULO. AG.REG.NO MANDADO DE INJUNÇÃO.


Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 31/10/1991. Órgão Julgador:
PRIMEIRA TURMA.
Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO
CONTRA DESPACHO QUE INDEFERIU PEDIDO DE LIMINAR. - JA SE
FIRMOU A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE NO SENTIDO DE QUE NÃO
E CABIVEL AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DESPACHO QUE INDEFERE
LIMINAR REQUERIDA EM MANDADO DE INJUNÇÃO. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.”

A lógica é que a liminar, cautelar ou antecipatória, é sempre satisfativa, no mandado


de injunção, sendo que tornaria inócua a decisão ao final, qualquer que fosse o teor desta..

1.3. Competência

A fixação da competência para o mandado de injunção segue critério ratione


personae, em função da pessoa apontada no pólo passivo como em mora legislativa, a
quem cabe a edição da norma regulamentadora faltante. O artigo 102, I, “q”, trata da
competência do STF, e o 105, I, “h”, da competência do STJ:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for
atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do
Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio
Supremo Tribunal Federal;
(...)”
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for
atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou
indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos
órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça
Federal;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

1.4. Concretude da decisão definitiva do mandado de injunção

Este tema tem sido aquele em que se têm observado as mais significativas
mudanças no mandado de injunção.
Por muito tempo, o STF entendeu que não poderia se imiscuir na atividade
legislativa jamais, em apreço à separação de poderes. Por isso, não poderia aplicar normas
para suprir omissões legislativas, tampouco fixar prazos para que o legislador as suprisse.
Por quase vinte anos esta foi a posição do STF, desde a CRFB de 1988. No esteio deste
entendimento, então, a decisão do STF se limitava a declarar a mora legislativa, não tendo
absolutamente nenhum efeito prático, tal decisão, sobre a situação concreta posta em juízo,
tampouco propugnando forçosamente a formulação da regra ausente. Trata-se da clássica
posição não concretista geral do STF, que pode ser vista nos julgados do MI 20 e MI 168:

“MI 20 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. Relator(a):


Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 19/05/1994. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno.
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO - DIREITO DE GREVE
DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL - EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO
CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO - MODELOS NORMATIVOS NO
DIREITO COMPARADO - PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA
CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) - IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO
ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR - OMISSÃO LEGISLATIVA -
HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO - RECONHECIMENTO DO ESTADO
DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL - IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE
DE CLASSE - ADMISSIBILIDADE - WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE
GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o
direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente
limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual,
para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo
próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao
servidor público civil não basta - ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma
constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício.
O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só
se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta
Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do
exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de
aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto
constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o
exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de
injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e
irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a
ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma
regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de
vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários.
MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e
pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de
viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de
direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.”

Michell Nunes Midlej Maron 58


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“MI 168 / RS - RIO GRANDE DO SUL. MANDADO DE INJUNÇÃO.


Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 21/03/1990. Órgão
Julgador: TRIBUNAL PLENO.
Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO. NATUREZA. O MANDADO DE
INJUNÇÃO NEM AUTORIZA O JUDICIARIO A SUPRIR A OMISSAO
LEGISLATIVA OU REGULAMENTAR, EDITANDO O ATO NORMATIVO
OMITIDO, NEM, MENOS AINDA, LHE PERMITE ORDENAR, DE
IMEDIATO, ATO CONCRETO DE SATISFAÇÃO DO DIREITO
RECLAMADO: MAS, NO PEDIDO, POSTO QUE DE ATENDIMENTO
IMPOSSIVEL, PARA QUE O TRIBUNAL O FAÇA, SE CONTEM O PEDIDO
DE ATENDIMENTO POSSIVEL PARA A DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA OMISSAO NORMATIVA, COM CIENCIA
AO ÓRGÃO COMPETENTE PARA QUE A SUPRA. CRÉDITOS JUDICIAIS
CONTRA A FAZENDA PÚBLICA: PAGAMENTO PARCELADO (ADCT, ART.
33): FACULDADE DO PODER EXECUTIVO. O ART. 33 DO ADCT DE 1988
NÃO OUTORGOU DIREITO AO CREDOR DA FAZENDA PÚBLICA AO
PAGAMENTO PARCELADO NELE PREVISTO, AO CONTRARIO, COMO
FACULDADE DO PODER EXECUTIVO COMPETENTE, EXTINTA COM O
TRANSCURSO DO PRAZO DECADENCIAL DE 180 DIAS SEM DECISÃO A
RESPEITO; A OMISSAO DELA, POR CONSEGUINTE, NÃO DA MARGEM A
MANDADO DE INJUNÇÃO.”

Esta jurisprudência começou a ser revista, especialmente quando a composição do


STF se alterou, dando entrada a ministros mais atuantes em prol da efetividade da CRFB.
mais do que apenas a declaração da mora legislativa, o STF tem assumido verdadeiro papel
de legislador positivo nos mandados de injunção, buscando aplicações analógicas em leis
vigentes para solucionar a falta do direito fundamental, representada na inércia legislativa –
atribuindo até mesmo efeitos erga omnes a tais decisões. Esta é a moderna posição
concretista geral do STF, que tem seu baluarte no julgamento conjunto dos MI 670, 708 e
712, cuja ementa capitulada pelo primeiro segue abaixo:

“MI 670 / ES - ESPÍRITO SANTO. MANDADO DE INJUNÇÃO. Relator(a):


Min. MAURÍCIO CORRÊA. Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES.
Julgamento: 25/10/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF,
ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS
CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL
PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA
ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE,
NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES
DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA
INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE
GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60
(SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE
SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA
DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 1.
SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO
DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL (STF). 1.1. No julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves,
DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao
mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos
constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não


poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF;
ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional
constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a
norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma
omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida
em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é
dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença sig nificativa em relação
a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui
competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a
suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao
interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que
lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes
institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que
garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo
legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção
jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional
primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia
fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o
Tribunal passou a admitir soluções "normativas" para a decisão judicial como
alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5o, XXXV).
Precedentes: MI no 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI no
232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.3.1992; MI nº 284, Rel. Min. Marco
Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI no 543/DF,
Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI no 679/DF, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 17.12.2002; e MI no 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003. 2. O
MANDADO DE INJUNÇÃO E O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES
PÚBLICOS CIVIS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF. 2.1. O tema da existência,
ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e
limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por
diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou
o entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-se-ia à declaração
da existência, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora
específica. Precedentes: MI no 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996;
MI no 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002; e MI no 485/MT, Rel. Min.
Maurício Corrêa, DJ 23.8.2002. 2.2. Em alguns precedentes(em especial, no voto
do Min. Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI no 631/MS, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002), aventou-se a possibilidade de aplicação aos servidores
públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor
privado (Lei no 7.783/1989). 3. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES
PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO LEGISLATIVA
INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR DIVERSAS VEZES,
DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS DE CONSOLIDAÇÃO DE
TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À MATÉRIA. A EXPERIÊNCIA DO
DIREITO COMPARADO. LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS
NORMATIVAS E INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE
OMISSÃO. 3.1. A permanência da situação de não-regulamentação do direito de
greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação da regularidade das
instituições de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o). Além de o tema
envolver uma série de questões estratégicas e orçamentárias diretamente
relacionadas aos serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle
dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento grevista
tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afastado
por uma verdadeira "lei da selva". 3.2. Apesar das modificações implementadas
pela Emenda Constitucional no 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de
lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

que o di reito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber
tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa
prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. 3.3. Tendo em vista
as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito
de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que,
assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é
possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou
omissão do Legislativo. 3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas
vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a
permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos
servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma
típica omissão judicial. 3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na
Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas
como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a
proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao
modelo de separação de poderes (CF, art. 2o). 4. DIREITO DE GREVE DOS
SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GREVE
DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI No 7.783/1989). FIXAÇÃO DE
PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE
GREVE PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do
direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às "atividades essenciais", é
especificamente delineada nos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Na hipótese de
aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos
servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente e ntre as
necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos
servidores públicos civis (CF, art. 9o, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o
direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os
cidadãos (CF, art. 9o, §1o), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao
legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei
disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou
menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço
público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo
texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o
STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao
legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos
servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado.
Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador
infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da
disciplina desse direito constitucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa
alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido
de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente
regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37,
VII). 4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos,
contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso
concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao
tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão
de tratar-se de "serviços ou atividades essenciais", nos termos do regime fixado
pelo s arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de
cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços
públicos que tenham características afins a esses "serviços ou atividades
essenciais" seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados
ditos "essenciais". 4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos
servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a
idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades
estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não
está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Para os fins desta

Michell Nunes Midlej Maron 61


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decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é


apenas exemplificativa (numerus apertus). 5. O PROCESSAMENTO E O
JULGAMENTO DE EVENTUAIS DISSÍDIOS DE GREVE QUE ENVOLVAM
SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DEVEM OBEDECER AO MODELO DE
COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES APLICÁVEL AOS TRABALHADORES
EM GERAL (CELETISTAS), NOS TERMOS DA REGULAMENTAÇÃO DA
LEI No 7.783/1989. A APLICAÇÃO COMPLEMENTAR DA LEI No 7.701/1988
VISA À JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS QUE ENVOLVAM OS
SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO DE
ATIVIDADES RELACIONADAS A NECESSIDADES INADIÁVEIS DA
COMUNIDADE QUE, SE NÃO ATENDIDAS, COLOQUEM "EM PERIGO
IMINENTE A SOBREVIVÊNCIA, A SAÚDE OU A SEGURANÇA DA
POPULAÇÃO" (LEI No 7.783/1989, PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 11). 5.1.
Pendência do julgamento de mérito da ADI no 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso,
na qual se discute a competência constitucional para a apreciação das "ações
oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Feder al
e dos Municípios" (CF, art. 114, I, na redação conferida pela EC no 45/2004). 5.2.
Diante da singularidade do debate constitucional do direito de greve dos servidores
públicos civis, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação
jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem-se fixar também os
parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória
e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder
Público e os servidores públicos civis. 5.3. No plano procedimental, afigura-se
recomendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei no 7.701/1988 (que
versa sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos
coletivos), no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos
judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o
momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos
do inciso VII do art. 37 da CF. 5.4. A adequação e a necessidade da definição
dessas questões de organização e procedimento dizem respeito a elementos de
fixação de competência constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a
possibilidade e, sobretudo, os limites ao exercício do direito constitucional de
greve dos servidores públicos, e a continuidade na prestação dos serviços públicos.
Ao adotar essa medida, este Tribunal passa a assegurar o direito de greve
constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição Federal, sem
desconsiderar a garantia da continuidade de prestação de serviços públicos - um
elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são
extremamente demandadas pela sociedade. 6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS
DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO
ÂMBITO DA JUST IÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A
EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO
ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA
QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA.
MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A
APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 6.1. Aplicabilidade aos
servidores públicos civis da Lei no 7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do
caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado
ao juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão de
tratarem de "serviços ou atividades essenciais" (Lei no 7.783/1989, arts. 9o a 11).
6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção, aplicação da Lei no
7.701/1988, no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos
judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o
momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos
do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se
definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação

Michell Nunes Midlej Maron 62


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desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas


condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou
abranger mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de
uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior
Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2o, I, "a", da Lei no
7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma
única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais
Federais (aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). Para o caso da
jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a
uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça
(também por aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). As greves de
âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal
Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de
greve de servidores municipais, estaduais ou federais. 6.4. Considerados os
parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si,
no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos
âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do
pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a
excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art.
7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à
suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias
de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido
provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou
por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da
suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine). 6.5. Os
tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas
cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve
dos servidores públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a
preservação do objeto da querella judicial, qual seja, o percentual mínimo de
servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento
paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos
possessórios para a desocupação de dependências do s órgãos públicos
eventualmente tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que
apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 6.6. Em razão da
evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do
direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de
segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso
Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de injunção conhecido e, no
mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das
Leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam
a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.”

Nesta posição concretista geral, o STF aplica analogicamente a norma existente ao


caso carecedor de norma específica, e no caso concreto o fez aplicando aos direito de greve
dos servidores públicos a norma dedicada a regulamentar o direito de greve dos
empregados privados, até que a norma específica do serviço público venha ao ordenamento
– decisão que alcança a todos os servidores públicos do país.
Há ainda uma outra posição revelada pelo STF, que se pode chamar de concretista
individual, que não defere efeitos erga omnes à decisão do mandado de injunção, como o
faz quando manifesta a posição concretista geral. Nesta modalidade de decisão, o STF
supre a mora legislativa, mas a decisão alcança apenas as partes do processo, e entrega-lhes
o meio de instrumentalização do direito, que poderá ser criado para o caso concreto pelo
juiz. É o caso da aposentadoria especial, que se vê discutida no MI 721, dentre outros:

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EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“MI 721 / DF - DISTRITO FEDERAL. MANDADO DE INJUNÇÃO.


Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 30/08/2007. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno.
Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no
inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de
injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação
mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração
não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada.
MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo
subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada.
APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO
À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR -
ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina
específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via
pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, §
1º, da Lei nº 8.213/91.”

Não significa que o STF, hoje, seja absolutamente concretista, geral ou individual,
em sede de mandado de injunção. Significa, isto sim, que esta Corte está em uma fase de
transição que certamente se encaminha para a concretude ampla das decisões neste
instrumento.
Vale a síntese: a posição clássica do STF, em sede de mandado de injunção, é a não
concretista geral, que, em nome da separação de poderes, impedia o Judiciário de suprir a
omissão da norma faltante, e também de determinar prazo para o legislador legislar sobre a
carência, restando a sentença com mero efeito declaratório da mora legislativa do poder
omisso. A posição concretista geral, por seu turno, defende que o Poder Judiciário pode
solucionar a omissão legislativa, atuando como legislador positivo, com a sua
regulamentação produzindo efeitos erga omnes. Por fim, a posição concretista individual
determina que o juiz possa criar lei para o caso específico, tendo a decisão efeitos
subjetivos inter partes, individualizadamente concretos.

1.5. Quadro de omissões legislativas declaradas inconstitucionais pelo STF

Segue transcrito um quadro das decisões em que se declarou a mora do Poder


Legislativo e cuja matéria ainda se encontra pendentes de disciplina, e mais abaixo as
transcrições de alguns temas de alta relevância:

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EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Processo Relator Data do julgamento


MI 788 Min. Carlos Britto 15/4/2009
MI 795 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 796 Min. Carlos Britto 15/4/2009
MI 797 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 808 Min. Carlos Britto 15/4/2009
MI 809 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 815 Min. Carlos Britto 15/4/2009
MI 825 Min. Carlos Britto 15/4/2009
MI 828 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 841 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 850 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 857 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 879 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 905 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 927 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 938 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 962 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 998 Min. Cármen Lúcia 15/4/2009
MI 758 Min. Marco Aurélio 1/7/2008
MI 670 Min. Maurício Corrêa 25/10/2007
MI 708 Min. Gilmar Mendes 25/10/2007
MI 712 Min. Eros Grau 25/10/2007
MI 721 Min. Marco Aurélio 30/8/2007
ADI 3682 Min. Gilmar Mendes 9/5/2007
MI 695 Min. Sepúlveda Pertence 1/3/2007
ADI 3276 Min. Eros Grau 2/6/2005
MI 278 Min. Carlos Velloso 3/10/2001
MI 95 Min. Carlos Velloso 7/10/1992
MI 124 Min. Carlos Velloso 7/10/1992
MI 369 Min. Sidney Sanches 19/8/1992

“Aposentadoria Especial do Art. 40, § 4º, da CF


O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em mandado de
injunção impetrado contra o Presidente da República, por servidora do Ministério
da Saúde, para, de forma mandamental, assentar o direito da impetrante à
contagem diferenciada do tempo de serviço, em decorrência de atividade em
trabalho insalubre prevista no § 4º do art. 40 da CF, adotando como parâmetro o
sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/1991, art. 57), que dispõe
sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada. Na espécie, a impetrante,
auxiliar de enfermagem, pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora
a que se refere o art. 40, § 4º, a fim de possibilitar o exercício do seu direito à
aposentadoria especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos em atividade
considerada insalubre. Salientando o caráter mandamental e não simplesmente
declaratório do mandado de injunção, asseverou-se caber ao Judiciário, por força
do disposto no art. 5º, LXXI e seu § 1º, da CF, não apenas emitir certidão de
omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades
constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

conseqüências da inércia do legislador. (MI 721/DF, rel. Min. Marco Aurélio,


julgada em 30.08.2007)
Na linha da nova orientação jurisprudencial fixada no julgamento do MI 721/DF
(DJE publicado em 30.11.2007), o Tribunal julgou procedente pedido formulado
em mandado de injunção para, de forma mandamental, assentar o direito do
impetrante à contagem diferenciada do tempo de serviço em decorrência de
atividade em trabalho insalubre prevista no § 4º do art. 40 da CF, adotando como
parâmetro o sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/1991, art.
57), que dispõe sobre a aposentadoria especial na iniciativa privada. Tratava-se, na
espécie, de writ impetrado por servidor público federal, lotado na função de
tecnologista, na Fundação Oswaldo Cruz, que pleiteava o suprimento da lacuna
normativa constante do aludido § 4º do art. 40, assentando-se o seu direito à
aposentadoria especial, em razão de trabalho, por 25 anos, em atividade
considerada insalubre, em que mantinha contato com agentes nocivos, portadores
de moléstias humanas e com materiais e objetos contaminados. Determinou-se, por
fim, a comunicação ao Congresso Nacional para que supra a omissão legislativa.
(MI 758/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.7.2008)
Em sessão plenária do dia 15.04.2009, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, à
unanimidade, concedeu parcialmente a ordem nos MI 788/DF, MI 795/DF, MI
796/DF, MI 797/DF, MI 808/DF, MI 809/DF, MI 815/DF, MI 825/DF, MI
828/DF, MI 841/DF, MI 850/DF, MI 857/DF, MI 879/DF, MI 905/DF, MI
927/DF, MI 938/DF, MI 962/DF, MI 998/DF, para comunicar a mora legislativa à
autoridade coatora competente e determinar a aplicação, no que couber, do artigo
57 da Lei nº 8.213/91. Dessa forma, reafirmou-se o entendimento do Tribunal no
sentido de que, ante a prolongada mora legislativa, no tocante à edição de lei
complementar reclamada pela parte final do § 4º do artigo 40 da Constituição
Federal, impõe-se a aplicação das normas correlatas previstas no artigo 57 da Lei
nº 8.213/91, em sede de processo administrativo. Na mesma ocasião, o Tribunal
resolveu questão de ordem suscitada pelo Ministro Joaquim Barbosa para autorizar
que os Ministros decidam monocraticamente e definitivamente os casos idênticos.”

“Direito de Greve
O Tribunal julgou três mandados de injunção impetrados, respectivamente, pelo
Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado do Espírito Santo -
SINDIPOL, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João
Pessoa - SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do
Estado do Pará - SINJEP, em que se pretendia fosse garantido aos seus associados
o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF ("Art. 37. ... VII - o
direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei
específica;"). O Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e
propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei
7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada.
(MI 670/ES, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar
Mendes, 25.10.2007; MI 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 25.10.2007; MI
712/PA, rel. Min. Eros Grau, 25.10.2007)”

“Lei Complementar Federal para Criação de Municípios


O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente pedido formulado em ação direta
de inconstitucionalidade por omissão, ajuizada pela Assembléia Legislativa do
Estado de Mato Grosso, para reconhecer a mora do Congresso Nacional em
elaborar a lei complementar federal a que se refere o § 4º do art. 18 da CF, na
redação dada pela EC 15/1996 (“A criação, a incorporação, a fusão e o
desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período
determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia,
mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação
dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

lei”), e, por maioria, estabeleceu o prazo de 18 meses para que este adote todas as
providências legislativas ao cumprimento da referida norma constitucional. (ADI
3682/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, 9.5.2007)”

“Aviso Prévio Proporcional


O Tribunal julgou procedentes quatro pedidos formulados em mandado de
injunção para declarar a mora legislativa do Congresso Nacional na
regulamentação do direito ao aviso prévio proporcional previsto no art. 7º, XXI, da
CF, e para determinar a comunicação da decisão a esse órgão (CF: “Art. 7º São
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais... XXI - aviso prévio proporcional ao
tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;”). (MI
369/DF, rel. org. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Francisco Rezek;
MI 95/RR, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda
Pertence, 7.10.1992; MI 124/SP, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão
Min. Sepúlveda Pertence, 7.10.1992; MI 278/MG, rel. orig. Min. Carlos Velloso,
rel. p/ o acórdão Min. Ellen Gracie, 3.10.2001; MI 695/MA, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 1º.3.2007)”

“Tribunal de Contas: Criação de Cargos no Modelo Federal


O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo
Partido Democrático Trabalhista - PDT e declarou a inconstitucionalidade por
omissão, por ausência de lei de criação das carreiras de auditores e de membros do
Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará, a
impedir o atendimento do modelo federal (CF, art. 73, § 2º e art. 75 - verbete 653
da Súmula do STF). (ADI 3276/CE, rel. Min. Eros Grau, 2.6.2005)”

2. Habeas data

Diz o artigo 5º, LXXII, da CRFB:

“(...)
LXXII - conceder-se-á "habeas-data":
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de
caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,
judicial ou administrativo;
(...)”

O habeas data veio no esteio das mudanças políticas antecedentes da nova ordem
constitucional, como forma de permitir o acesso a cadastros informativos detidos pelo
Governo, mantidos especialmente inacessíveis durante a ditadura militar. Nosso habeas
data tem inspiração no norte-americano freedom of information act, de 1974.
Segundo o teor do dispositivo constitucional supra, o habeas data tem duas funções:
a abertura do conhecimento dos dados do impetrante, ou a retificação de informações
pessoais nos cadastros públicos. Mas há ainda uma terceira finalidade, esta prevista apenas
no artigo 7º, III, da Lei 9.507/97: a adição, complementação de informações ao cadastro do
impetrante. Veja:

“Art. 7° Conceder-se-á habeas data:


I - para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de
caráter público;

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

II - para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,
judicial ou administrativo;
III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou
explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência
judicial ou amigável.”

Esta terceira hipótese é perfeitamente constitucional, eis que incrementa o escopo da


ação constitucional, ampliando a garantia por ela representada.
Segundo Hely Lopes Meirelles, não se pode ajuizar habeas data com múltiplo
escopo, ou seja, não se pode pretender, ao mesmo tempo, conhecer dos dados e retificá-los
ou adicionar dados, por mera coerência: se se sabe do teor errôneo, se impetrará o writ já
com a pretensão retificadora; se não se sabe, precisando conhecê-los, não se pode pedir a
retificação de algo que não se conhece ainda.
O habeas data é personalíssimo: apenas o titular das informações em questão pode
impetrar a ação. O titular pode ser pessoa natural ou jurídica, e o legitimado só pode
impetrar o habeas data para obter informações sobre si mesmo.
Imagine-se, por exemplo, que algum candidato a cargo público tenha sido eliminado
de certame por ter falhado no exame psicotécnico, e que tenha sido-lhe negado acesso às
razões de tal reprovação, ou seja, dados sobre sua condição psicológica. Esta é uma clara
situação de dado pessoal que precisa ser revelado ao seu titular, despertando impetração de
habeas data, o qual será certamente provido.
Há que se diferenciar o direito à informação pessoal, que é o que aqui se garante, do
direito de certidão, que não é amparado pelo habeas data: quando se pretende a certidão de
dado já conhecido, que tenha sido negada pelo detentor do cadastro, o instrumento é o
mandado de segurança, e não o habeas data – sequer se tolerando a fungibilidade entre os
remédios constitucionais, como se sabe.
A exceção à personalidade do habeas data é referente ao falecimento do de cujus:
os herdeiros têm legitimidade para a impetração de habeas data para ciência de dados do
falecido, ou para a defesa da integridade de tais dados.
O estrangeiro também tem legitimidade para impetração do habeas data, porque o
direito fundamental à informação é também por ele titularizado. Até mesmo o estrangeiro
herdeiro do titular dos dados, como na exceção mencionada, tem esta mesma legitimidade.
O habeas data será improvido quando se demonstrar que o sigilo das informações
do impetrante é fundamental à segurança nacional em qualquer nível. O ônus da prova
desta relevância do sigilo incumbe à entidade coatora.
Em síntese: a natureza do habeas data é personalíssima, e portanto, via de regra, o
legitimado ativo é o titular da informação, salvo, entretanto, de acordo com a doutrina e
jurisprudência, a situação do de cujus, tendo em vista que seus herdeiros podem,
eventualmente, impetrar a ação, na defesa da honra, memória e nome.
Todo banco de dados público é acessível pelo habeas data, bem como todo banco
de dados privado de caráter público. Exemplos deste último caso são os cadastros
restritivos de crédito, como o SPC ou o Serasa. É claro que a divisão de recursos humanos
de uma empresa privada não poderá figurar no pólo passivo de um habeas data, portanto. A
nota que caracteriza um banco de dados privado como de caráter público é a manutenção de
dados de interesse externo, e a circulação destes dados perante terceiros – se adequando
perfeitamente os bancos e dados desabonadores dos consumidores. O artigo 1º, parágrafo
único, da Lei 9.507/97, traça o conceito de banco de caráter público:

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Art. 1º (VETADO)
Parágrafo único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados
contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que
não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das
informações.”

Sobre isto, veja o RE 165.304, em que o STF entendeu que o conteúdo de ficha
cadastral de empregados de empresa privada não podem ser acessados por via de habeas
data:

“RE 165304 / MG - MINAS GERAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI. Julgamento: 19/10/2000. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno.
EMENTA: Habeas Data. Ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A para a
revelação, a ex-empregada, do conteúdo da ficha de pessoal, por não se tratar, no
caso, de registro de caráter público, nem atuar o impetrado na condição de entidade
Governamental (Constituição, art. 5º, LXXII, a e art. 173, § 1º, texto original).”

No habeas data, o interesse de agir é um tanto peculiar. Veja a súmula 2 do STJ, e o


artigo 8º da Lei 9.507/97:

“Súmula 2, STJ: Não cabe o habeas data (CF, art. 5., LXXII, letra "a") se não
houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.”

“Art. 8° A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do
Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que
instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda.
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem
decisão;
II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem
decisão; ou
III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do
decurso de mais de quinze dias sem decisão.”

Durante parte da história deste instrumento, a súmula e os incisos do artigo supra


foram bastante criticados, porque representariam um cerceio irrazoável ao amplo acesso à
justiça. Contudo, o que a súmula e o dispositivo pretendem é que seja evitada a lide
desnecessária, bastando que o impetrante demonstre que tenha ao menos tentado acessar a
informação na via administrativa – e não o esgotamento da via administrativa. Esta é a
posição do STF, que pode ser colhida dos RHD 24:

“RHD 24 / DF - DISTRITO FEDERAL. RECURSO EM HABEAS-DATA.


Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 28/11/1996. Órgão
Julgador: Segunda Turma.
EMENTA: RECURSO DE HABEAS-DATA. CARÊNCIA DE AÇÃO:
INTERESSE DE AGIR. 1. A lei nº 9.507, de 12.11.97, que regula o direito de
acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas-data, acolheu os
princípios gerais já proclamados por construção pretoriana. 2. É princípio
axiomático do nosso direito que só pode postular em juízo quem tem interesse de
agir (CPC, arts. 3º e 267, VI), traduzido pela exigência de que só se pode invocar a

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

prestação da tutela jurisdicional diante de uma pretensão resistida, salvo as


exceções expressamente previstas. 3. Recurso de habeas-data não provido.”

E repare que não se exige que haja qualquer certidão da recusa ao acesso à
informação pelo impetrado; basta que haja a recusa tácita, ocorrida na demora superior ao
prazo ali previsto – dez ou quinze dias após o pedido administrativo – para restar
comprovada a intentada, bastante a configurar o interesse de agir.
Em suma, para o STF, o teor da súmula 2 do STJ e o artigo 8º da Lei 9.507/97 não
violam o amplo acesso à justiça, tendo em vista que a comprovação da recusa, em âmbito
administrativo, serve para comprovar o interesse de agir, uma das condições da ação.
A liminar é perfeitamente cabível no habeas data, bastando o preenchimento dos
requisitos gerais da urgência, o periculum in mora e o fumus boni juris.
A competência para julgamento do habeas data será fixada tal como a do habeas
corpus, ou seja, é ratione materiae, determinada em função da autoridade impetrada.
Aplicam-se os artigos 102, I, “d”, e 105, I, “b”, da CRFB:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas
anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da
República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal
de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo
Tribunal Federal;
(...)”

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
(...)
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado,
dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio
Tribunal;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
(...)”

Casos Concretos

Questão 1

O Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Município do Rio de


Janeiro (SATEM-RJ) impetra mandado de injunção em face do Exmº. Sr. Governador do
ERJ e da Assembléia Legislativa - ALERJ, narrando como causa de pedir: a falta de
regulamentação do art. 83, V, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, já que os
funcionários civis estaduais, em geral, e os auxiliares e técnicos de enfermagem, em

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

especial, que trabalham em sistema de plantões, que incluem parte da jornada em diurno e
parte em período noturno, não vêm sendo remunerados corretamente. Assim, através do
presente visa-se a obter o reconhecimento da omissão apontada e, bem assim, a mora
legislativa quanto à regulamentação do dispositivo constitucional consubstanciado no art.
83, V, da referida Carta Estadual, concedendo-se prazo ao Poder Público para promover
os atos indispensáveis à regulamentação já mencionada, de modo a permitir a aplicação
efetiva do direito ao adicional noturno aos servidores civis estaduais que exerçam cargo de
auxiliar técnico de enfermagem. Estudada a hipótese, responda de forma fundamentada:
a) O impetrante tem legitimidade ativa para ajuizar o mandado de injunção?
b) O Sindicato necessita de autorização expressa para a representação judicial dos
seus associados?
c) É admissível a tutela coletiva na via do mandado de injunção?

Resposta à Questão 1

a) Sim, ante a clara adoção analógica da Lei do Mandado de Segurança.

b) Não, pois como é substituto processual dos seus filiados, já tem poder de
representação judicial pelos direitos comuns a todos.

c) Sim, eis que a legislação do mandado de segurança permite expressamente esta


via coletiva.

Esta é a posição do TJ/RJ, exarada no MI 2001.046.00003:

“2008.046.00003. MANDADO DE INJUNCAO. DES. ALEXANDRE H.


VARELLA - Julgamento: 13/07/2009 - ORGAO ESPECIAL
MANDADO DE INJUNÇÃO. ENTIDADE DE CLASSE. OMISSÃO
LEGISLATIVA REFERENTE A REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO
CONSTITUCIONAL, AOS SERVIDORES PÚBLICOS, DA PERCEPÇÃO DE
ADICIONAL NOTURNO. Segundo entendimento atual de nosso Pretório
Excelso, nos termos do art. 5º, inc. LXXI da Constituição Federal, o mandado de
injunção há que ser adotado como uma forma de prestação jurisdicional, em um
sentido concreto, e não como mera ação declaratória. Lacuna legislativa, que se
prorroga por cerca de 20 anos, não tendo o Estado sido notificado para adoção das
medidas necessárias, quanto ao direito do servidor público perceber remuneração
superior, em razão do desempenho do horário noturno, nos termos dos artigos 39 §
3º da C.F. e 83, inc. V da Constituição Estadual, esta também prevista 73 da LCT,
ocasionando evidente prejuízo às conquistas previstas no art. 7º de nossa Carta
Magna. Situação em que se verifica tratamento diferenciado no que concerne ao
respeito a direitos trabalhistas fundamentais. Inexistindo previsão legislativa adota-
se o percentual de 20% (vinte por cento) previsto na Consolidação das Leis do
Trabalho, até que a legislação estadual discipline o tema. Ausência de violação ao
princípio da separação dos Poderes, ante a supremacia das normas constitucionais
fundamentais. Gratificação que era paga a servidores da área da saúde e que a veio
a ser cortada nos anos de 1999.Procedência do pedido para garantir aos filiados do
SINDSPREV/RJ que a remuneração noturna seja acrescida em 20% até que
sobrevenha legislação estadual disciplinando a matéria.”

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Questão 2

O Deputado Federal Nilson Agripino impetrou Habeas Data perante o STF com o
objetivo de "assegurar o conhecimento de informações relativas à sua pessoa, constantes
dos autos do Inquérito Policial nº 2.500 - 1/140, desse E. Tribunal". Narra a inicial que o
ora impetrante foi intimado por autoridade policial federal para "prestar esclarecimentos
sobre fatos em apuração relacionados à Operação Sanguessuga", sendo que "referidos
autos não foram disponibilizados para cópia e integral acesso pela defesa", apesar de ter
protocolado requerimento nesse sentido. Requer, em síntese, seja concedida "a ordem para
que a autoridade policial forneça a cópia do referido inquérito, sob pena de cerceamento
da ampla defesa e do contraditório". À luz do ordenamento constitucional vigente,
responda aos seguintes questionamentos:
1) O STF possui competência para julgar o habeas data no caso sob comento?
2) O teor do enunciado nº 2 da Súmula do STJ, fere o princípio do amplo acesso à
justiça?
3) Em face da negativa na prestação do direito de certidão, o remédio
constitucional judicial adequado é o habeas data ?

Resposta à Questão 2

1) Não: a competência é ratione personae, de fato, mas em função da pessoa do


impetrado, e não do impetrante. O foro competente para o julgamento do
delegado não é determinado constitucionalmente.

2) Não: ali se prevê que não há cabimento por conta da simples falta de interesse,
ante a falta de pretensão resistida. Assim como a própria Lei 9.507/97, no artigo
8º, esta previsão é escorreita, porque sequer exige que haja qualquer
manifestação negativa expressa por parte da administração, bastando sua inércia
por dez ou quinze dias para que a ação seja interessante.

3) Não: é o mandado de segurança, eis que a certidão não é a informação


negligenciada, em si.

A respeito, veja o HD 73 do STF:

“HD 73, STF: 1. Cuida-se de habeas data impetrado pelo Deputado Federal Nilton
Balbino com o objetivo de “assegurar o conhecimento de informações relativas a
sua pessoa, constantes dos autos do Inquérito Policial nº 2.328 – 1/140, desse E.
Tribunal” (fl. 02). Narra a inicial que o ora impetrante foi intimado por autoridade
policial para “prestar esclarecimentos sobre fatos em apuração relacionados à
Operação Sanguessuga” (fl. 03), sendo que “referidos autos não foram
disponibilizados para cópia e integral acesso pela defesa” (fl. 03), apesar de ter
protocolado requerimento nesse sentido (fls. 09/10). Requer, em síntese, seja
concedida “a ordem para que a autoridade policial forneça a cópia do referido
inquérito, sob pena de cerceamento da ampla defesa e do contraditório” (fl. 15).
2. O Supremo Tribunal Federal somente possui competência para processar e
julgar originariamente o habeas data contra atos praticados pelas autoridades
inscritas no rol do art. 102, I, d, da Constituição Federal, no qual não se encontra o
ora impetrado, Delegado de Polícia Federal. Sendo, portanto, manifesta a

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

incompetência desta Corte para a apreciação do presente writ, a ele nego


seguimento, nos termos do art. 21, § 1º, do RISTF. Arquivem-se os autos.
Publique-se. Brasília, 13 de julho de 2006. Ministra Ellen Gracie Presidente
(RISTF, art. 13, VIII).”

Questão 3

JOSÉ SILVA, aprovado nas provas de conhecimento do concurso público para


soldado policial militar, foi retirado do certame em razão da investigação social.
Inconformado, o candidato interpôs ação de habeas data em face do Comandante-Geral
da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de tomar conhecimento dos
motivos atinentes à sua reprovação, constantes dos registros abertos em seu nome, em
poder do órgão estatal que promoveu o concurso público. Pergunta-se:
1) O habeas data é o remédio hábil para instrumentalizar a tutela jurisdicional
pleiteada?
2) É possível o deferimento de medida liminar no habeas data? Respostas
fundamentadas.

Resposta à Questão 3

1) Sim, é exatamente o escopo desta ação constitucional, facultar acesso a dados


pessoais detidos por cadastro público.

2) Sim: mesmo que a Lei 9.507/97 não contemple esta possibilidade expressamente,
se comprovada a cautelaridade, é perfeitamente possível.

A respeito, veja a Apelação Cível 2003.001.14126, do TJ/RJ:

“APELACAO 2003.001.14126 DES. FERNANDO CABRAL - Julgamento:


04/11/2003 - QUARTA CAMARA CIVEL.
HABEAS DATA. CONCURSO PARA PROVIMENTO DE CARGO PUBLICO.
INVESTIGACAO SOCIAL. REPROVACAO. ACESSO A INFORMACAO.
Administrativo e Constitucional. "Habeas Data". Concurso publico. Candidato
aprovado nas provas de conhecimento, que foi eliminado do certame em razao da
investigacao social. Pretensao no sentido de que lhe seja permitido conhecer os
dados e informacoes constantes dos registros abertos em seu nome, em poder do
orgao estatal que promoveu o concurso, possibilitando-lhe saber as razoes que
levaram a Comissao respectiva a recusar a sua nomeacao. Legitimo interesse de
agir. Comprovado que a autoridade impetrada se recusa a fornecer ao impetrante as
informacoes solicitadas, inclusive, por conta de sua expressa manifestacao nos
autos, bem assim, a existencia dos dados perseguidos em poder do orgao estatal,
configurado esta' o interesse de agir do impetrante, diante da resistencia do
impetrado `a sua pretensao, fazendo surgir a necessidade do processo e sua
utilidade. O "habeas data" e' o remedio constitucional adequado para que o cidadao
possa ter conhecimento das informacoes existentes a seu respeito nos registros das
entidades publicas, podendo contradita'-las e requerer, se for o caso, a sua
retificacao. O sigilo das informacoes so deve ser preservado quando comprometer
a seguranca do Estado ou da sociedade. Recurso desprovido, mantendo-se a
sentenca de primeiro grau, que concedeu a ordem.”

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O argumento da corrente favorável calca-se na previsão do artigo 129, VII e VIII, da


CRFB, que supostamente consolida o brocardo de “quem pode mais, pode menos”:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


(...)
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
(...)”

Esta seria uma manifestação da teoria dos poderes implícitos: se o MP pode


controlar a atividade policial, e requisitar (não requerer, mas sim exigir) diligências
investigatórias, nada o impediria de, ele próprio, realizar o que pode comandar, sendo
inclusive medida de economicidade processual. O poder de investigação estaria implícito,
compreendido nestas duas prerrogativas.
Há ainda outro argumento a favor do poder investigativo do MP: o artigo 129, III,
da CRFB, poderia ser aplicado por analogia à investigação criminal. Veja:

“(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(...)”

A diferença entre a ação penal pública e a ação cível pública reside apenas na
matéria que é tratada em cada uma, sendo que ambas são dedicadas à proteção do bem
comum – na penal a segurança pública, e na cível quaisquer outros bens coletivos ou
difusos. Assim sendo, se o MP pode buscar suporte fático para a promoção da ação civil
pública diretamente, porque não o poderia na ação penal? é por isso que este é um
argumento sólido a favor do exercício da polícia judiciária pelo MP.
Há ainda que se mencionar como fundamento a previsão do artigo 129, IX, da
CRFB:

“(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
(...)”

Este inciso deixa aberta a possibilidade de se ampliar as prerrogativas do MP,


tornando o rol constitucional das prerrogativas em elenco numerus appertus,
exemplificativo. Destarte, ali se incluiria o poder investigativo do MP, pois é plenamente
compatível com a finalidade do parquet: é corolário natural da sua atribuição investigativa
na seara cível a mesma possibilidade na órbita criminal. Todavia, este inciso dependeria de
previsão expressa infraconstitucional que conferisse expressamente tal atribuição ao MP,
sendo matéria tratada na Lei Complementar 75/93 e na Lei Orgânica do MP, Lei 8.625/93,
nesta constando do artigo 26, incisos II e IV:

“Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:


(...)

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir


procedimentos ou processo em que oficie;
(...)
IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de
inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da
Constituição Federal, podendo acompanhá-los;
(...)”

A LC 105/01 veio a disciplinar justamente a quebra de dados bancários e


financeiros, e, enquanto não declarada inconstitucional (há ADI em curso), deve ser
observada, valendo inclusive paras o MP no exercício da atividade investigativa.

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Tema VIII

Ação civil pública I. Bens tutelados. Competência do foro e do juízo. Objeto da ação. Tutela preventiva.
Condições da ação.

Notas de Aula10

1. Ação civil pública

A ação civil pública está inserida em um microssistema de tutela coletiva, conjunto


legislativo que sistematiza as ações dedicadas a tutelar direitos coletivos, lato sensu. Além
da ação civil pública, integram este microssistema o mandado de segurança coletivo, a ação
popular, etc.
O CPC foi designado para a tutela individual, e por isso é necessário que haja,
ainda, todo um arcabouço de normas dedicadas à processualização coletiva. Exemplo da
limitação do CPC, quando se trata de aplicar-se seus preceitos às ações coletivas, é a
própria coisa julgada, que na forma do CPC é sempre inter partes – o que não é verdade na
tutela coletiva,como se verá.
As leis que regem os diversos processos coletivos, por vezes, se intercomunicam,
mantendo normas que se aplicam umas às outras. Isto se dá pelo próprio conceito de um
microssistema, que é justamente esta regulamentação global do tema. Veja o artigo 21 da
Lei da Ação Civil Pública, Lei 7.347/85, por exemplo:

“Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e


individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o
Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)”

Os interesses tutelados nos processos coletivos são peculiares a esta seara. O CDC é
o diploma que indica quais serão os interesses a serem protegidos de forma coletiva. Veja o
artigo 81 do codex consumerista:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá
ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica
base;
10
Aula ministrada pelo professor Marco Antônio dos Santos Rodrigues, em 12/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os


decorrentes de origem comum.”

Cumpre desde logo apontar a diferenciação entre interesses e direitos, que parece ter
sido feita pelo legislador, no artigo supra. A doutrina majoritária defende que não há
qualquer diferença, pois interesses nada mais seriam do que direitos que são garantidos pela
legislação, leis e Constituição. Minoritariamente, porém, há quem faça diferença entre
interesses e direitos, porque os primeiros não seriam dotados de coercibilidade, enquanto os
segundos sim. Prevalece a tese pela sinonímia, porém.
Dito isto, vejamos cada uma das espécies de direitos coletivos lato sensu, a começar
pelos direitos difusos.

1.1. Direitos difusos

Segundo o inciso I do artigo supra, são direitos que são transindividuais,


indivisíveis, mas pertencentes a um grupo indeterminável de titulares ligados por uma
relação fática.
Ser transindividual significa que o direito ultrapassa a titularidade de uma só pessoa,
ou seja, não é possível se vislumbrar tal direito individualmente, detido por um só.
Ser indivisível, por sua vez, significa que não é possível atribuir parcela do direito a
uma ou mais pessoas, ou seja, o direito existe como um todo, e é inconcebível particioná-lo.
A ligação por relação fática que o permeia os direitos difusos, por sua vez, consiste
no fato de que são direitos comunitários, ou seja, há uma relação comum que une aquelas
pessoas que detêm o direito, mesmo que sejam indetermináveis: apenas os fatos são
comuns, mas as pessoas que se reúnem em torno dele são indetermináveis.
Bom exemplo é o direito ao meio ambiente: não há direito individual ao meio
ambiente, tampouco se pode cindir tal direito em parcelas a serem entregues a um ou outro
titular. E decorre de uma situação fática comum: num determinado Estado da federação
atacado por conduta violadora do meio ambiente, todos os cidadãos que residam, ou por
qualquer modo estejam ali, são titulares do mesmo direito.

1.2. Direitos coletivos stricto sensu

Tratam-se também de direitos transindividuais e indivisíveis, mas diferem dos


direitos difusos por serem titularizados por grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si, ou com um causador de um dano, por uma relação jurídica base.
É na origem do direito que se diferencia o coletivo do difuso, portanto: enquanto o
direito difuso surge de uma relação fática comum a todos, o coletivo stricto sensu surge de
uma relação jurídica que lhe serve de base.
Bom exemplo de direito coletivo é o de pessoas reunidas em cooperativa, cuja
classe foi lesada por algum fato: há uma relação jurídica base entre todos desta cooperativa
que justifica a ótica comum de todos sobre o direito lesado. Outro bom exemplo é o da
OAB, que reúne todos os advogados em um grupo, o qual tem direito comum a ser
defendido contra ato lesivo da OAB.
É clara, portanto, a determinabilidade dos titulares do direito coletivo. Enquanto os
direitos difusos reúnem titulares indeterminados, os direitos coletivos reúnem pessoas
determinadas ou ao menos determináveis.

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

José Carlos Barbosa Moreira entende que os direitos difusos e coletivos são direitos
essencialmente coletivos lato sensu, porque somente existem enquanto direitos coletivos,
não podendo ser individualizados sem perder sua essência.

1.3. Direitos individuais homogêneos

O CDC não define muito claramente os direitos individuais homogêneos. A


definição legal diz apenas que são aqueles direitos de origem comum, o que não esclarece
muita coisa.
A doutrina, portanto, busca definir os direitos individuais homogêneos como sendo
aqueles que não são essencialmente coletivos lato sensu: são individuais, e são divisíveis,
podendo ser particularizados pessoa a pessoa; contudo, por sua origem comum, são
passíveis de um tratamento homogêneo, assumindo caráter coletivo por conveniência a sua
proteção.
Exemplo de direito individual homogêneo é o de todas as vítimas de um mesmo
acidente. Em um acidente aéreo, cada uma das vítimas ou familiares têm direito individual
perfeitamente delimitável à indenização. Porém, a origem comum, o acidente, permite que,
ao invés de se dar a proteção individual de cada vítima – o que é perfeitamente possível,
diga-se –, dê-se a tutela coletiva deste grupo de pessoas, cujo direito individual é de tal
sorte homogêneo aos demais, que sua reunião é até mesmo recomendável.

1.4. Condições da ação civil pública

O artigo 1º da Lei 7.347/85 dispõe que:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação
dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
l - ao meio-ambiente;
II - ao consumidor;
III – à ordem urbanística; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
(Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
V - por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela
Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
VI - à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de
2001)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários
podem ser individualmente determinados. (Redação dada pela Medida provisória
nº 2.180-35, de 2001)”

O caput deste artigo poderia até dar margem ao entendimento de que se trate de uma
ação exclusivamente dedicada à reparação de danos, porque só fala em ações de
responsabilidade por danos morais e materiais. Contudo, a ação civil pública não está
reduzida apenas à tutela da reparação de danos, podendo buscar a tutela de direitos que não

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

envolvam este cunho reparatório. Pode a ação civil publica, inclusive, ser preventiva de
qualquer situação danosa.
Exemplo desta não adstrição seria a de uma ação civil pública pretendendo impedir
que uma determinada licença ambiental seja concedida, porque se assim o for causará
danos inadmissíveis ao meio ambiente. Não há reparação pretendida, apenas a prevenção.

1.4.1. Legitimidade

As condições genéricas da ação civil pública são as mesmas de outras ações


quaisquer: a legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica, mas são nas peculiaridades
da legitimidade ativa que se concentram as diferenças desta ação. Veja o artigo 5º desta Lei
7.347/85:

“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação
dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº
11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
(Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído
pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos
deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação
legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
(Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)
§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (Incluído pela Lei nª 8.078, de
11.9.1990)
§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da
União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que
cuida esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto)
(Vide REsp 222582 /MG - STJ)
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso
de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990)
(Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)”

Por muito tempo se entendeu que o Ministério Público somente teria legitimidade
para a defesa de direitos difusos e coletivos, mas não dos individuais homogêneos, ante a
redação do artigo 129, III, da CRFB:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos;
(...)”

A ausência dos direitos individuais homogêneos do teor deste inciso III supra seria
um silêncio eloqüente do constituinte, que não desejaria que o MP buscasse a tutela destes
direitos que não são essencialmente coletivos. O caput do artigo 127 da CRFB seria ainda
um reforço a esta tese:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
(...)”

Ora, sendo os direitos individuais homogêneos, em regra, disponíveis, não estariam


insertos nas atribuições institucionais do MP.
Hoje, porém, entende-se que o MP tem, sim, legitimidade para defender, em ação
civil pública, também os interesses individuais homogêneos: o STJ, instado a se manifestar
sobre a questão, entendeu que esta legitimidade do MP está presente quando o interesse
individual homogêneo tenha relevância social, quando então se enquadraria nos termos do
artigo 127, supra, que fala em interesses sociais.
Imagine-se, por exemplo, que há um acidente ambiental, que causou mortandade e
contaminação de um rio. Os pescadores ribeirinhos, com isso, perderam a sua fonte de
sustento, e diversas pessoas da comunidade sofreram danos ao beber a água, ante a
contaminação. O MP, sem dúvidas, poderá ajuizar ação civil pública para obter a reparação
dos pescadores e dos prejudicados pela água contaminada, mesmo que cada um pudesse
buscar sua reparação de forma autônoma: é clara a relevância social destes direitos
individuais homogêneos.
Ainda sobre a legitimidade, esta é atribuída também à Defensoria Pública, como
dispõe o inciso II do artigo 5º da Lei 7.347/85. Vale mencionar que o CDC já entregava esta
legitimidade à DP, como se vê no seu artigo 82, III:

“Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados
concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que
sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e
direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam
entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este
código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações
previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem
jurídico a ser protegido.
§ 2° (Vetado).
§ 3° (Vetado).”

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

E repare que este artigo contempla uma exceção à regra de que órgãos não têm
legitimidade, ao falar no inciso III em “entidades e órgãos da Administração Pública”. Com
a redação do artigo 5º da Lei 7.343/85, porém, a legitimação da DP restou bastante
ampliada, eis que expressamente ela poderá propor ações civis públicas sobre quaisquer
matérias, sobre quaisquer direitos coletivos lato sensu.
A DP não precisa atuar apenas em favor de economicamente hipossuficientes,
mesmo na propositura da ação civil pública. O simples fato de um réu qualquer ser revel,
tendo sido citado por meio ficto, desperta a atuação da DP como curadora especial, mesmo
que se saiba que este réu é pessoa economicamente abastada. Na ação civil pública,
inclusive, mesmo que o direito seja de pessoa não hipossuficiente, pode ter relevância
social tal que demande a sua proteção. Por isso, não é preciso que a DP demonstre que os
titulares do direito coletivo lato sensu são economicamente hipossuficientes.
As pessoas jurídicas federativas e as componentes da administração indireta têm
legitimidade clara para a propositura da ação civil pública, como dispõem os incisos III e
IV do artigo 5º da Lei 7.347/85. O inciso VI deste mesmo artigo traz a legitimidade das
associações, as quais precisam observar dois requisitos: a sua constituição há mais de um
ano, e a presença, em seus objetivos institucionais, da busca pela proteção daquele direito
coletivo lato sensu.
As exigências feitas à legitimação das associações servem como meio de prevenção
da propositura de ações civis públicas temerárias, porque da forma que redigidos os
dispositivos limitam um pouco a gama de associações que podem se prestar a este papel.
Trata-se de um controle da representatividade destas entidades, que deve ser adequada. Se o
juiz, porém, ao julgar a admissibilidade da ação, entender que o primeiro requisito, a pré-
constituição há mais de um ano, pode ser dispensado, a lei lhe faculta tal dispensa, no § 4º
do mesmo artigo.
A legitimidade para a propositura da ação civil pública, em todos os casos, teria que
natureza, ordinária ou extraordinária? Há três correntes doutrinárias a disputar o tema. A
primeira corrente, de Kazuo Watanabe, defende tratar-se de legitimidade ordinária, porque
o interesse defendido pelos legitimados não é meramente alheio: é um interesse
institucional, pelo que os legitimados defendem interesse também próprio, em nome
próprio – ainda que também de outras pessoas.
Barbosa Moreira defende, ao contrário, tratar-se mesmo de legitimidade
extraordinária, porque, a rigor, o legitimado defende em nome próprio o interesse geral, e
não atinente a si próprio, como se dá na legitimidade ordinária. Este entendimento tem
prevalecido.
Nélson Nery Júnior, por fim, defende que não se trata nem de uma, nem de outra:
trata-se de legitimidade autônoma, porque não se enquadraria perfeitamente em nenhuma
das situações de legitimidade puramente extraordinária ou puramente ordinária. Seria, em
termos, uma legitimidade para conduzir o processo, apenas. Mesmo por isso, o § 3º do
artigo 5º da Lei 7.347/85 permite a continuidade da ação por outro legitimado, quando a
desistência ou abandono for infundado, ao invés da extinção sem resolução do mérito – a
condução do processo é o objetivo dos legitimados, somente.
A legitimidade ativa é concorrente, ou seja, todos podem propor a ação civil pública
sobre o tema pretendido.
Os legitimados ativos poderiam ocupar o pólo passivo de uma ação civil pública?
Arruda Alvim entende que não, valendo-se do artigo 81do CDC, já transcrito, que fala

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

somente em defesa dos interesses e direitos, o que faz clara correlação com o pólo ativo da
ação, e não com o pólo passivo. Ada Pellegrini, por sua vez, entende que é possível que as
pessoas ali arroladas ocupem o pólo passivo da ação civil pública, baseando seu raciocínio
no § 2º do artigo 5º da Lei 7.347/85: se ali está previsto que podem se habilitar como
litisconsortes de qualquer das partes, está claro que podem figurar no pólo passivo, se
entenderem necessária as atuação neste sentido. Além disso, Ada vê também no artigo 83
do CDC bom fundamento para tal faculdade:

“Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela.
Parágrafo único. (Vetado).”

Ora, se este dispositivo prevê que a adequada tutela dos interesses do consumidor
(leitura que se estende para qualquer direito tutelado pela ação civil pública) pode ser
perseguida livremente, sob qualquer meio, também pode ser tutelado pela participação do
legitimado no pólo passivo da ação.
Exemplo claro desta legitimidade passiva seria de uma ação civil pública ajuizada
pelo MP em face de uma associação de moradores, contra a perturbação ambiental que
aquela comunidade tem empreendido: é perfeitamente cabível a colocação desta associação
no pólo passivo.

1.4.2. Interesse e possibilidade

Com relação a estas duas condições da ação, não há muitas diferenças em relação ao
regime geral das ações civis, do CPC. Com relação à possibilidade jurídica do pedido,
porém, o parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/85, já transcrito, apresenta uma
peculiaridade, pois prevê o descabimento de ação civil pública para veicular determinadas
pretensões. Como exemplo, a ação civil pública sobre matéria tributária não é possível,
porque o pedido é vedado em lei – o pedido seria impossível.

1.5. Competência

O artigo 2º da Lei 7.347/85 prevê a competência para a ação civil pública:

“Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer
o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas
as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o
mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)”

Este artigo diz expressamente que se trata de competência funcional do foro do


local do dano. Causa estranheza, este dispositivo, porque a competência pelo local do dano
é territorial, e não funcional, eis que esta última diz respeito à divisão de funções dentro de
um mesmo processo, ou de processos interligados entre si – o que nada tem a ver com a
previsão deste artigo
Destarte, este dispositivo deve ser interpretado como se o legislador quisesse ter
estabelecido ali uma competência territorial absoluta, e é assim que tem sido lido: trata-se

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

de uma competência territorial inafastável, porque deferida em favor do juiz mais eficaz
para a análise da causa (por isso teria sido usado o termo funcional, eis que o juiz que
melhor atenderá à causa deverá nela funcionar).
O foro competente é de fácil constatação quando se tratar de dano local, facilmente
identificado – como quando há um dano no interior de uma cidade, fazendo competente o
juízo daquela comarca. Problema surge é quando o dano extrapola limites territoriais claros,
envolvendo mais de um Município ou comarca, ou mesmo mais de um Estado. Nestas
situações, aplica-se o artigo 93, II, do CDC:

“Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a


justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de
âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil
aos casos de competência concorrente.”

Destarte, é competente o foro da capital, em danos regionais, aqueles que alcançam


mais de um Município dentro de um mesmo Estado. Nos danos nacionais, aqueles que
alcançam mais de um Estado, o STJ entende que há concorrência de foros, entre as capitais
dos Estados envolvidos e o Distrito Federal.
A competência da Justiça Federal cria uma problemática: se no local em que se deu
o dano não houver Justiça Federal instalada, a ação será proposta na Justiça Estadual, ou
será proposta na sede da Justiça Federal mais próxima, dentro da seção judiciária
respectiva? Há delegação de competência da Justiça Federal à Estadual, neste caso?
O artigo 109, § 3º, da CRFB, prevê a delegação de competência da Justiça Federal
para a Estadual, nos casos ali expressos – ações previdenciárias –, abrindo margem à
delegação para outras matérias, a ser procedida por lei:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


(...)
§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos
segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de
previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do
juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas
sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
(...)”

Em virtude do artigo 2º da Lei 7.347/85, passou-se a entender que a lei estaria, ali,
fazendo justamente esta delegação de competência a que alude a CRFB, de forma implícita.
Veja a súmula 183 do STJ:

“Súmula 183, STJ: Compete ao juiz estadual, nas comarcas que não sejam sede de
vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União
figure no processo.(*)
(*) Julgando os Embargos de Declaração no CC n. 27.676-BA, na sessão de
08/11/2000, a Primeira Seção deliberou pelo CANCELAMENTO da Súmula n.
183.”

Como já se vê na transcrição deste enunciado, este entendimento foi revisto, tendo


sido cancelada a súmula, pois o próprio artigo 83 do CDC estabeleceu ressalva à

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

competência da Justiça Federal, que deve ser mantida, e a lei não falou em delegação de
competência, no artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública, não havendo que se falar em
delegação tácita.
O parágrafo único deste artigo 2º em comento trata da prevenção de competência.
No CPC, há duas regras de prevenção, previstas nos artigos 106 e 219 deste diploma:

“Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma
competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro
lugar.”

“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz
litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
(...)”

O artigo 106 define que o “cite-se” é suficiente para determinar prevenção ao juízo
que o emitir, quando se tratar de juízos de mesma competência territorial. O artigo 219, por
sua vez, torna prevento o juízo que alcançar a citação válida primeiro, em se tratando de
juízos de bases territoriais diversas.
Já o parágrafo único do artigo 2º da Lei 7.347/85 estabeleceu uma regra diferente de
prevenção: reputa prevento o juízo em que for proposta a ação. Esta regra é objeto de
crítica doutrinária, quando lida em conjunto com o artigo 16 do mesmo diploma:

“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
(Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)”

Este artigo cria uma limitação territorial da coisa julgada na ação civil pública, o
que leva a um problema: se o juiz em que foi proposta a ação é prevento para todas as
outras que vierem a ser propostas, e a coisa julgada só alcança o limite territorial da
competência do prolator, haverá contradição entre as duas regras.
A doutrina dominante, de fato, reputa inconstitucional este artigo 16, supra, aos
seguintes argumentos: é clara violação da segurança jurídica, porque haveria possibilidade
de decisões contraditórias sobre a mesma questão, além de representar violação ao acesso à
justiça, por limitar o uso da tutela coletiva. Seria, também, violação à razoabilidade, sendo
absolutamente irrazoável restringir territorialmente a coisa julgada. contudo, a
jurisprudência tem aplicado este artigo 16.
Aplicando-se o artigo 16, portanto, a prevenção deve ser entendida como ocorrida
apenas no limite territorial do órgão prolator em que se propôs a primeira ação. É claro que
outras bases territoriais terão liberdade de julgamento, porque a coisa julgada é restrita
territorialmente, afinal.

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Casos Concretos

Questão 1

Uma Organização não-Governamental é legitimada a ajuizar ação civil pública?

Resposta à Questão 1

As ações civis públicas têm rol de legitimados próprio, presente no artigo 5º da Lei
7.347/85. Somente o fato de ser uma Ong não empresta à entidade tal legitimidade. Porém,
se a Ong se tratar de uma associação que preencha os requisitos legais deste artigo, será
legitimada.

Questão 2

Determinada empresa é fabricante de medicamentos que traz riscos à saúde e, até,


à vida de usuários que sejam portadores de problemas cardíacos ou de pressão elevada.
Por essa razão, uma associação para defesa dos consumidores propôs ação civil pública
em face da aludida empresa, postulando: a) a condenação da empresa a incluir na
embalagem e na bula do medicamento advertência ostensiva sobre os mencionados riscos;
b) a condenação da empresa a não comercializar o medicamento enquanto não fizer a
inclusão da advertência na embalagem e na bula; c) a condenação da empresa a indenizar
os usuários que tiverem sofrido danos em razão da ingestão do medicamento, assim como
a indenizar os parentes dos usuários que faleceram. RESPONDA
FUDAMENTADAMENTE:
a) Quais são os tipos de interesses tutelados pela ação civil pública?
b) É admissível a ação civil pública por órgão do Ministério Público, para a tutela
de interesses individuais?

Resposta à Questão 2

a) Em abstrato, são os direitos coletivos lato sensu, divididos em difusos, coletivos


stricto sensu e individuais homogêneos, na forma do artigo 81 do CDC.
No caso concreto, tendo em conta que para se definir o direito em tutela
é preciso observar qual a pretensão deduzida, o pedido de condenação à inclusão
da advertência é claramente tutelar de direito difuso, eis que seus titulares,
titulares do direito à informação adequada, são indeterminados; o pedido de
condenação a não comercializar o produto sem as alterações é igualmente
difuso, sem relação jurídica base identificadora dos titulares do direito à

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

segurança no consumo. Já o pedido de condenação à reparação é claramente


individual homogêneo, porque é divisível por cada titular identificável.

b) Sim, pois mesmo que haja divergência na doutrina, por contada redação dos
artigos 127 e 129, III, da CRFB, o STJ já se posicionou pela possibilidade de
defesa de direitos individuais homogêneos pelo MP, se o direito tiver a
necessária relevância social.

Tema IX

Ação civil pública II. Procedimento. Liminar. Atuação do Ministério Público. Litisconsórcio. Desistência ou
abandono da ação. Recursos. Execução. Coisa Julgada nas ações coletivas.

Notas de Aula11

1. Procedimento da ação civil pública

O procedimento da ação civil pública segue muitas regras gerais do CPC, mas há
peculiaridades unicamente atinentes a esta aça, previstas na sua lei própria e no
microssistema de tutelas coletivas como um todo.
O primeiro aspecto a ser considerado é o da liminar. Como em qualquer ação, é
possível a tutela de urgência na ação civil pública. veja o artigo 4º da Lei 7.347/85:

“Art. 4º Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou
aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico
(VETADO). (Redação dada pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)”

Ao lado desta previsão, há que se observar também o artigo 12, caput, da mesma
lei:

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.
§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em
julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.”

Os requisitos para concessão da liminar são os mesmos que já são consabidos em


toda tutela de urgência: o fumus boni juris e o periculum in mora.

1.1. Incidente de suspensão da liminar

11
Aula ministrada pelo professor Marco Antônio dos Santos Rodrigues, em 12/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Na ação civil pública é cabível o incidente de suspensão de eficácia da liminar,


instrumento muito similar à suspensão de segurança, no mandado de segurança. Existem
três meios de impugnação de decisões no direito brasileiro: os recursos; as ações
autônomas de impugnação; e os sucedâneos recursais. O incidente de suspensão da
eficácia da decisão liminar não se amolda exatamente em nenhum destes três grandes
grupos: ele não critica a decisão juridicamente, não intenta retirá-la do mundo jurídico, mas
apenas tolher sua eficácia. Na doutrina, há quem defenda tratar-se de sucedâneo recursal,
mas estaria mesmo mais próximo a um incidente processual, posto que não é exatamente
um ataque à decisão, em si.
Somente a pessoa jurídica de direito público pode se valer deste incidente, nos
termos do § 1º do artigo supra. Tal incidente não forma uma nova relação processual, pois
se trata de um mero pedido dirigido ao presidente do respectivo tribunal.
Por não ser recurso ou algo que o valha, este incidente não está sujeito à
unirrecorribilidade: mesmo no curso do incidente, pode a Fazenda que peticionou pela
suspensão da decisão dela ainda recorrer,concomitantemente, se qualquer prejuízo.
Mesmo que previsto apenas contra a liminar, como se vê no artigo supra, a Lei
8.437/92, no artigo 4º, traça um regramento geral para este incidente, e diz, no § 1º, que tal
incidente pode objetivar a eficácia de sentença. Veja:

“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do


respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar
nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do
Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação
cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto
não transitada em julgado.
§ 2º O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em
setenta e duas horas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de
cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o
restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de
suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso
especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando
negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se
refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. (Incluído pela
Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 7º O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar,
se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na
concessão da medida. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 8º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única
decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a
liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

§ 9º A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em


julgado da decisão de mérito na ação principal. (Incluído pela Medida Provisória nº
2,180-35, de 2001)”

Este artigo ainda contempla mais uma diferença do que é previsto na Lei da Ação
Civil Pública: amplia o rol de legitimados para o pedido de suspensão, incluindo nele o MP,
além da pessoa jurídica interessada.
Os fundamentos do pedido de suspensão são calcados em conceitos jurídicos
extremamente abertos. A Lei 7.347/85 fala em lesão à saúde, à ordem, à segurança e à
economia, e a Lei 8.437/92 aduz as hipóteses de flagrante ilegitimidade e interesse público.
A doutrina critica esta amplitude de fundamentos, entendendo até mesmo inconstitucional
tais previsões, mas a jurisprudência é pacífica em admitir como válido este instrumento,
nos termos em que está previsto.
A súmula 626 do STF é relevante:

“Súmula 626, STF: A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo


determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em
julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a
sua manutenção pelo STF, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou
parcialmente, com o da impetração.”

Veja, então que mesmo que a liminar deixe de existir, porque uma sentença a
substituiu, a suspensão de eficácia continua vigente, até o trânsito em julgado da última
decisão. O § 9º do artigo 4º, supra, tem o mesmo sentido que esta súmula. Esta situação
revela o que se chama de ultratividade da decisão de suspensão, porque ela ultrapassa a
própria existência da decisão que suspendeu.
Da decisão do incidente pelo presidente do Tribunal cabe agravo inominado, para o
órgão colegiado competente – no TJ/RJ, o Órgão Especial. O indeferimento da suspensão
de eficácia comporta outro pedido de suspensão, dirigido aos Tribunais Superiores, pela
Fazenda ou MP, que restarem inconformados com a negativa.

1.2. Atuação do Ministério Público

Além da legitimidade ativa detida pelo parquet, este poderia atuar na ação civil
pública buscando defender o erário? Cândido Dinamarco entende que não, baseado na
análise do inciso IX do artigo 129 da CRFB:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
(...)”

Este autor não entende que seja autorizada a atuação do MP em defesa do erário,
porque seria exatamente a atuação vedada no dispositivo, como consultoria jurídica ou
representação judicial de entidades públicas. Todavia, o STJ não comunga da mesma teoria,
como se vê na súmula 329 desta Corte:

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Súmula 329, STJ: O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil
pública em defesa do patrimônio público.”

Entende o STJ que a própria CRFB, no artigo 127, prevê quais serão os interesses
protegidos pelo MP, e ali se encontra tato a ordem jurídica como a social, objetivos que
podem bem açambarcar a proteção ao erário como objeto de defesa pelo MP.
Seria possível a presença de um litisconsórcio entre mais de um órgão do MP?
Poderia o MP estadual atuar em litisconsórcio com o MP federal, ou o MP estadual de um
ente poderia atuar com ouro MP estadual, em ação de outro Estado? ou cada um fica
restrito às ações civis públicas de seu âmbito?
João Batista Lopes entende que cada MPO deve atuar somente na esfera da sua
justiça, do ente federativo em que se sedia. Destarte, o MP de um Estado somente poderia
atuar neste Estado, e o MP federal apenas na Justiça Federal – não comportando o
litisconsórcio.
Fredie Didier, no que é amplamente acompanhado pela jurisprudência, defende que
é possível, sim, o litisconsórcio entre Ministérios Públicos, ao argumento de que não se
deve tomar por guia a qual ente federativo está ligado o MP, e sim as suas atribuições. Se a
atribuição for comum a ambos, MP estadual e federal, a atuação conjunta, litisconsorcial, é
perfeitamente válida.
O MP também pode atuar como custos legis, como autoriza o artigo 5º, § 1º, da Lei
da Ação Civil Pública, já transcrito. Isto significa, portanto, que em toda e qualquer ação
civil pública o MP oficiará, quer como parte, quer como fiscal da lei. Atuando como parte,
porém, poderá o MP atuar simultaneamente, no mesmo feito, como fiscal da lei?
Fredie Didier entende que sim, porque a atuação como custos legis é um requisito
de garantia de imparcialidade na demanda, revelando funções diferentes do MP. Todavia,
Nélson Nery Júnior defende a desnecessidade de atuação do MP como custos legis quando
ele já for parte, pois se o MP já está presentado na demanda, e pela unidade que informa o
MP, seria descabido imaginar-se que outro órgão do parquet atuasse na mesma demanda –
além de que a própria propositura da ação civil pública pelo MP já revela que este percebeu
alguma lesão a direito coletivo que precisa de tutela, revelando já uma atuação fiscalizatória
da lei, portanto. O STF já encampou esta última posição, entendendo inclusive que o
próprio legislador diz, no artigo 5º, § 1º, da Lei 7.347/85, que a atuação como fiscal só terá
luar quando não for o MP parte do processo.

1.3. Desistência e abandono da ação

A desistência no processo comum depende de concordância do réu, como se vê no


artigo 267, § 4º, do CPC, porque deve ser dada ao réu a oportunidade de obter sentença de
mérito que seja a si favorável. Veja o artigo:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela
Lei nº 11.232, de 2005)
(...)
III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor
abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;
(...)
VIII - quando o autor desistir da ação;
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

§ 1º O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos,
declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a
falta em 48 (quarenta e oito) horas.
(...)
§ 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o
consentimento do réu, desistir da ação.”

Sequer tendo sido citado o réu, ou concordando este com a desistência, o processo
comum se extinguirá.
Este regime não se aplica à ação civil pública, que conta com regra específica
regulando a desistência, no § 3º do artigo 5º da Lei 7.347/85, já transcrito: havendo
desistência infundada do autor da ação, o MP ou outro legitimado encampará a condução da
ação. Havendo desistência, ocorre sucessão processual, e não a extinção do feito sem
resolução do mérito.
Repare que a lei, neste § 3º do artigo 5º, fala em desistência por parte da associação.
José dos Santos Carvalho Filho defende a interpretação literal deste artigo, pelo que
somente a desistência por parte de associação, e não de outro legitimado, seria passível de
encampação da ação por outro legitimado. Na prática, acaba que a leitura literal é mesmo a
única possível, porque os demais legitimados – MP, DP – são regidos por regra de
indisponibilidade em sua atuação, sendo a desistência muito pouco provável.
A sucessão pelo MP, antes da sentença, é apenas um poder, e não um poder-dever de
assumir a causa. Isto porque pode se tratar de uma ação temerária, e é claro que o parquet
não tem dever de assumir ação infundada. Já após a sentença, quando estiver em curso a
execução coletiva da decisão, o MP deverá, mais do que poderá, assumir a execução se
houver desistência ou abandono (exceto na execução coletiva versando sobre direitos
individuais homogêneos sem finalidade social, que é peculiar, como se verá adiante).
No caso de abandono da causa, o juiz não extingue o feito, não se aplicando o § 1º
do artigo 267 do CPC, porque haverá a assunção da demanda pelos legitimados, como dito,
nos mesmos moldes da desistência.

1.4. Recursos

Aplicam-se à ação civil pública os mesmos recursos do processo civil em geral, mas
o artigo 14 da Lei 7.347/85 tem previsão específica sobre o efeito dos recursos nesta seara:

“Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano
irreparável à parte.”

O efeito suspensivo dos recursos, na ação civil pública, é ope judicis, só existindo se
o juiz entender que deve ser concedido. A apelação, portanto, tem em regra apenas efeito
devolutivo, sendo o efeito suspensivo concedido pelo juiz se entender preciso.
O interesse recursal, na ação civil pública, não tem correlação com a sucumbência,
necessariamente, como o tem na regra geral do processo civil, constante do artigo 499 do
CPC:

“Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro
prejudicado e pelo Ministério Público.
§ 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu
interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial.

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

§ 2º O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que


é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.”

Na ação civil pública, pode o vencedor da lide ter interesse em recorrer para alterar
o fundamento da decisão que lhe foi favorável, especialmente se ela se tratar de decisão
sem coisa julgada material (quando o recurso para obter este fundamento material é
interessante ao vencedor). Pelo ensejo, vejamos em apartado as diversas nuances da coisa
julgada nos processos coletivos.

1.5. Coisa julgada nos processos coletivos

Iniciemos por um quadro esquemático:

Direito Limites subjetivos Modo de produção

Individuais Inter partes (artigo 472, Pro et contra


CPC)

Difusos (artigo 103, I, Erga omnes Secundum eventum


CDC) probationis

Coletivos stricto sensu Ultra partes Secundum eventum


(artigo 103, II, CDC) probationis

Individuais homogêneos Erga omnes Secundum eventum litis


(artigo 103, III, CDC)

A coisa julgada, ordinariamente, em direitos puramente individuais, se produz inter


partes, alcançando apenas aqueles que participem do processo, e se operam quer para o
bem, quer, para o mal das partes – pro et contra.
Nos direitos difusos, porém, a coisa julgada alcança a todos, ante a indeterminação
dos titulares do direito ali discutido. Todavia, não se produz pro et contra,
independentemente do resultado: se a decisão transitada calcar-se em falta de provas, não
há formação de coisa julgada material, mas apenas formal, como forma de prevenir que
eventual atuação negligente do legitimado coletivo possa prejudicar a coletividade
interessada.
Nos direitos coletivos em sentido estrito, a coisa julgada é ultra partes, o que
significa que não alcançam a todos, erga omnes, mas alcançam mais do que apenas as
partes que contam do processo, tendo efeitos sobre todo o grupo que comunga da relação
jurídica base, todos os titulares determináveis, ainda que ausentes no presente processual.
Esta coisa julgada material igualmente só se produz se não houver fundamento em falta de
provas, sendo secundum eventum probationis pelos mesmos motivos que a coisa julgada
dos direitos difusos.
Nos direitos individuais homogêneos, por sua vez, a coisa julgada é erga omnes,
pelo seguinte raciocínio: se todos que se enquadrem no evento fático que fundamenta a
homogeneidade podem ser determinados, mas não o são de plano, significa que todos que
ali se enquadrarem, no presente ou futuro, são abarcados nos efeitos da coisa julgada. mais
do que ultra partes, como nos direitos coletivos, é erga omnes porque é guiada pelo mundo

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

dos fatos: não há uma relação jurídica de base, mas apenas uma relação de fato comum a
todos, que reúne todos os titulares. Quanto ao resultado, esta coisa julgada só opera efeitos
materiais se for favorável aos titulares do direito, porque se for desfavorável ainda permite
que todos os titulares possam, individualmente, ajuizar as próprias ações pessoais buscando
solução favorável. É claro que as partes – o legitimado extraordinário e o réu – são
alcançados pela coisa julgada, de qualquer forma; quem escapa à coisa julgada, em caso de
improcedência, são só os titulares individuais representados na ação coletiva.

1.6. Execução de sentenças coletivas

As sentenças coletivas podem ser genérica ou não. No caso dos direitos individuais
homogêneos, pode ser genérica, como autoriza o artigo 95 do CDC:

“Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a


responsabilidade do réu pelos danos causados.”

Nos direitos difusos e coletivos em sentido estrito, porém, em regra a sentença será
líquida e certa, ante a indivisibilidade destes direitos. Nestes casos, portanto, a regra será a
execução coletiva: da mesma forma que o próprio direito é indivisível, o é também a
execução, e a reparação de danos será destinada a um fundo, na forma do artigo 13 da lei
7.347/85:

“Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado


reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais
de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da
comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará
depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção
monetária.”

Esta execução é chamada de fluid recovery, porque a reparação do dano se dá de


forma fluida, coletiva, e não particularizada por pessoa envolvida.
Nos direitos individuais homogêneos, ao contrário, a regra é que a liquidação e
execução se dêem de forma individual, prioritariamente. Cada titular executará a própria
parcela do direito, como dispõe o artigo 100 do CDC:

“Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em


número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82
promover a liquidação e execução da indenização devida.
Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado
pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.”

Segundo este ártico, portanto, os supostos titulares dos direitos devem se habilitar a
fim de obter a sua própria liquidação, que é diferente da liquidação de sentença normal. Há
mais do que a verificação da extensão do dano: há a verificação também da existência do
direito daquele que se habilitou, pois é a oportunidade em que se apresenta como titular do
direito.

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Se as liquidações individuais não forem suficientes, porque ausentes ou


incompatíveis com a extensão do dano, somente então, poderá o legitimado coletivo atuar
na execução coletiva da sentença. É uma atuação subsidiária, portanto.
O STJ, no informativo 366, tratou de situação peculiar, em que se afastou a
aplicação desta regra do artigo 100 do CDC – a legitimação subsidiária do substituto na
execução coletiva – quando o valor devido a cada vítima era ínfimo, tornando inviável a
execução individual. Por isso, permitiu a execução coletiva de plano, mesmo que
formalmente pudesse ser feita a execução singular por cada titular de direito. Veja:

“EXECUÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO. POUPANÇA.


Uma associação dedicada à defesa do consumidor busca a execução coletiva de
acórdão que condenou o banco recorrente a pagar a 115 de seus associados
correção monetária de valores depositados em caderneta de poupança e referentes
a janeiro de 1999. Diante disso, é razoável afirmar que os interesses difusos e
coletivos jamais se individualizam, por ser de sua essência a indivisibilidade, o que
impõe sempre a execução coletiva iniciada pelas entidades indicadas no art. 82 do
CDC, salvo outros legitimados. Já os interesses individuais homogêneos são
divisíveis por natureza e ganham tratamento processual coletivo por simples
questão de política judiciária, sendo inegável a legitimidade ativa das vítimas para
a liquidação e execução. Porém, hoje é indubitável que as associações detêm
legitimidade para propor ações coletivas, lastreadas na substituição e representação
processual. Contudo, nesse último instituto (amparado pela própria CF/1988, tal
como apregoado pelo STF), a associação não atua em nome próprio, mas, sim, em
nome e por conta dos interesses dos associados. Assim, se atua no processo de
cognição por substituição, nada impede que passe a atuar, na liquidação e
execução, como representante. Dessarte, após a sentença, se constatado que o valor
atribuído a cada vítima é ínfimo a não justificar o ônus econômico que envolve a
liquidação e execução, há que se admitir a execução coletiva baseada na
representação processual como única forma idônea de pulverizar tal custo, de
forma consentânea com as diretrizes que orientam o processo coletivo. Na
hipótese, apesar de a execução envolver valor global superior a oitocentos mil
reais, há créditos a receber inferiores a cem reais, inviáveis de se submeter à
execução individual. Anote-se que ignora o mandamento constitucional a
interpretação de que a execução coletiva só é possível nos termos do art. 100 do
CDC ou decorrido um ano sem habilitação de credores, submetido o produto da
indenização ao fundo do art. 13 da Lei da Ação Civil Pública. Quanto à liquidação
por simples cálculos, revela-se, pela leitura do art. 98 do CDC, que a sentença
prolatada na ação coletiva é sempre ilíquida, porém o referido códice não
determina procedimento específico para a liquidação, o que autoriza admitir aquela
forma, sem olvidar que algumas sentenças (tais como as relativas aos acidentes
ambientais) exigem liquidação em que se prove a condição da vítima. No caso,
foram juntados extratos a indicar onde e quanto havia depositado, a permitir
simples operação matemática para se chegar ao valor devido. Precedente citado do
STF: RMS 21.514-DF, DJ 18/6/1993. REsp 880.385-SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 2/9/2008.”

A súmula 345 do STJ é relevante:

“Súmula 345, STJ: São devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas
execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não
embargadas.”

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

A Lei 9.494/97 prevê, no artigo 1º-D, que quando a Fazenda não embargar a
execução, não serão devidos honorários por parte desta. Veja:

“Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas
execuções não embargadas. (NR) (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de
2001)”

Vê-se que o STJ, na súmula 345, supra, entende inaplicável este artigo 1º-D nas
execuções individuais de sentença coletiva, porque nestas há a necessidade de constituição,
pelo exeqüente, de advogado capaz de proceder na fase cognitiva necessária à liquidação,
bem como conduzir o processo até o fim.

Michell Nunes Midlej Maron 94


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Casos Concretos

Questão 1

O Ministério Público Estadual, visando à anulação do ato de diplomação de 7


Vereadores, propôs ação civil pública. Como causa de pedir, invocou a
inconstitucionalidade do art. 8º da Lei Orgânica Municipal que fixara o número de 21,
quando deveria ser de 14 o total de Vereadores daquele Município, de acordo com o que
dispõe a Constituição da República.
Caso o juízo de 1º grau julgue procedente o pedido do parquet, seria correto
afirmar que a declaração da inconstitucionalidade, nesta hipótese, ensejaria a usurpação
da competência do STF, pela utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação
direta de inconstitucionalidade? Fundamente.

Resposta à Questão 1

Não se trata de sucedâneo de ADI, porque a declaração de inconstitucionalidade


consta somente do fundamento da decisão, e não do dispositivo, e, como se sabe, a coisa
julgada tem por limite objetivo apenas o dispositivo da decisão. não há usurpação de
competência do STF, portanto.
Veja as transcrições da Reclamação 1.733, do STF, no informativo 212 desta Corte:

“Ação Civil Pública e Controle Difuso (Transcrições) RCL 1.733-SP (medida


liminar)* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO.
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE
CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE.
INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
- O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da
ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de
constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público,
mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que,
nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como
objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial,
indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina.
DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, promovida
com o objetivo de fazer preservar a competência do Supremo Tribunal Federal,
alegadamente usurpada por magistrado de primeira instância, que, ao julgar
procedente ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Estado de São
Paulo, veio a declarar, incidentemente, a inconstitucionalidade do art. 8º da Lei
Orgânica do Município de Sorocaba/SP, que fixara em vinte e um (21) o número
de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 341).
Em conseqüência desse ato sentencial, e em virtude do acolhimento do pedido
formulado pelo autor, reduziu-se, para catorze (14) Vereadores, o número de

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

membros que a Câmara Municipal de Sorocaba/SP poderá ter na próxima


legislatura (fls. 342).
A sentença em questão sofreu recurso de apelação, que, interposto pela Câmara
Municipal de Sorocaba (fls. 346/376), não foi julgado pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, pois ainda aguarda distribuição naquela Corte judiciária.
A parte ora reclamante, para justificar a alegação de que teria havido usurpação de
competência do Supremo Tribunal Federal, sustenta que a pretensão do Ministério
Público local - que foi integralmente acolhida pelo ato sentencial impugnado -
"não é apenas a de uma declaração incidental de inconstitucionalidade, que valeria
tão-só para as partes litigantes, mas, sim, a declaração de inconstitucionalidade que
espargirá seus efeitos 'erga omnes' sobre toda a coletividade, sobre todos os
cidadãos (...)" e que "A ação intentada, por conseguinte, não pode prosperar,
devendo ser trancado seu processamento ab initio, por representar disfarçada
utilização de ação direta de inconstitucionalidade pelo Ministério Público, em sede
de Ação Civil Pública, com o objetivo de reduzir o número de Vereadores, em
ofensa à autonomia municipal de auto legislar" (fls. 9).
O ora reclamante - após afirmar que "Não cabe ao Ministério Público, no caso
relatado, a ação proposta para os fins nela objetivados, por visível usurpação de
competência para julgamento da real ação a ser proposta: a ADIN e não a que foi
intentada, perante essa Colenda Suprema Corte" (fls. 14) - requer "a suspensão
liminar da eficácia da sentença de primeira instância, até o julgamento final desta
reclamação" (fls. 15), com a conseqüente extinção do processo de ação civil
pública, instaurado, por iniciativa do Senhor Promotor de Justiça, perante a 5ª Vara
Cível da Comarca de Sorocaba/SP (fls. 17).
Passo a examinar a admissibilidade do meio processual ora utilizado, analisando,
para esse efeito, a questão pertinente à suposta prática de ato de usurpação da
competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal.
Se é certo que o remédio constitucional da reclamação revela-se cabível, quando se
evidenciam as situações previstas no art. 102, I, "l", da Carta Política (RTJ
134/1033, Rel. Min. CELSO DE MELLO), notadamente nas hipóteses em que se
busca preservar a integridade das atribuições jurisdicionais outorgadas, ao
Supremo Tribunal Federal, pela Constituição da República, impõe-se verificar se,
no caso ora em exame, registra-se, ou não, a alegada ocorrência de usurpação da
competência deferida a esta Corte.
Sabemos - ante o que prescreve a Carta Política (CF, art. 102, I, "a") - que nem
mesmo esta Suprema Corte dispõe de atribuições jurisdicionais, para, em sede de
controle normativo abstrato, efetuar a fiscalização concentrada de
constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição da República.
Na realidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em
autorizado magistério doutrinário (ALEXANDRE DE MORAES, "Direito
Constitucional", p. 581-582, 7ª ed., 2000, Atlas; CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES
GANDRA MARTINS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 4º, tomo
III/148 e 512, 1997, Saraiva; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, "A Fiscalização
Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro", p. 183, item n. 3.2.4, 2ª ed.,
2000, RT; ZENO VELOSO, "Controle Jurisdicional de Constitucionalidade", p.
386, item n. 351, 1999, Cejup; JOSÉ NILO DE CASTRO, "Direito Municipal
Positivo", p. 322-323, item n. 5, 3ª ed., 1996, Del Rey, v.g.) - tem advertido que o
único controle possível de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal,
em face da Carta da República, é aquele que se exerce incidenter tantum, pelo
método difuso, por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de
cada caso concreto ocorrente (RTJ 102/49 - RTJ 124/612 - RTJ 127/394 - RTJ
135/12, v.g.):
"O nosso sistema constitucional não admite o controle concentrado de
constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição
Federal; nem mesmo perante o Supremo Tribunal Federal que tem, como
competência precípua, a sua guarda, art. 102.

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O único controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em


face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido 'incidenter tantum',
por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso
concreto."
(RTJ 164/832, Rel. Min. PAULO BROSSARD - grifei)
"O sistema constitucional brasileiro não permite o controle normativo abstrato de
leis municipais, quando contestadas em face da Constituição Federal. A
fiscalização de constitucionalidade das leis e atos municipais, nos casos em que
estes venham a ser questionados em face da Carta da República, somente se
legitima em sede de controle incidental (método difuso). Desse modo, inexiste, no
ordenamento positivo brasileiro, a ação direta de inconstitucionalidade de lei
municipal, quando impugnada in abstracto em face da Constituição Federal.
Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal."
(ADI 2.141-ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Presente esse contexto, cabe examinar se se revela legítima, ou não, a instauração
de controle incidental de constitucionalidade de leis municipais, contestadas em
face da Constituição da República, mediante ajuizamento de ação civil pública, em
cujo âmbito venha a ser suscitada, como condição indispensável à resolução do
litígio, questão prejudicial pertinente à validade jurídico-constitucional de
determinado ato emanado do Poder Público.
A discussão em torno desse tema impõe algumas reflexões, que, por necessárias,
apresentam-se indispensáveis à apreciação da controvérsia suscitada nesta sede
processual.
É inquestionável que a utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação
direta de inconstitucionalidade, além de traduzir situação configuradora de abuso
do poder de demandar, também caracterizará hipótese de usurpação da
competência do Supremo Tribunal Federal.
Esse entendimento - que encontra apoio em autorizado magistério doutrinário
(ARNOLDO WALD, "Usos e abusos da Ação Civil Pública - Análise de sua
Patologia", in Revista Forense, vol. 329/3-16; ARRUDA ALVIM, "Ação Civil
Pública - Lei 7.347/85 - Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação",
p. 152-162, vários autores, 1995, RT; HUGO NIGRO MAZZILLI, "A Defesa dos
Interesses Difusos em Juízo", p. 115/116, item n. 7, 12ª ed., 2000, Saraiva;
ALEXANDRE DE MORAES, "Direito Constitucional", p. 565/567, item n. 9.1.4,
7ª ed., 2000, Atlas; GILMAR FERREIRA MENDES, "Direitos Fundamentais e
Controle de Constitucionalidade", p. 396/403, item 6.4.2, 2ª ed., 1999, Celso
Bastos Editor: JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, "Ação Civil Pública",
p. 74/77, item n. 8, 2ª ed., 1999, Lumen Juris, v.g.) - reflete-se, por igual, na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no entanto, somente exclui a
possibilidade do exercício da ação civil pública, quando, nela, o autor deduzir
pretensão efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de
constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo (RDA 206/267, Rel. Min.
CARLOS VELLOSO - Ag 189.601-GO (AgRg), Rel. Min. MOREIRA ALVES).
Se, contudo, o ajuizamento da ação civil pública visar, não à apreciação da
validade constitucional de lei em tese, mas objetivar o julgamento de uma
específica e concreta relação jurídica, aí, então, tornar-se-á lícito promover,
incidenter tantum, o controle difuso de constitucionalidade de qualquer ato
emanado do Poder Público.
Incensurável, sob tal perspectiva, a lição de HUGO NIGRO MAZZILLI ("O
Inquérito Civil", p. 134, item n. 7, 2ª ed., 2000, Saraiva):
"Entretanto, nada impede que, por meio de ação civil pública da Lei n. 7.347/85, se
faça, não o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis, mas,
sim, seu controle difuso ou incidental.
(...) assim como ocorre nas ações populares e mandados de segurança, nada
impede que a inconstitucionalidade de um ato normativo seja objetada em ações
individuais ou coletivas (não em ações diretas de inconstitucionalidade, apenas),

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

como causa de pedir (não o próprio pedido) dessas ações individuais ou dessas
ações civis públicas ou coletivas." (grifei)
É por essa razão que o magistério jurisprudencial dos Tribunais - inclusive o do
Supremo Tribunal Federal (Rcl 554-MG, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - Rcl
611-PE, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, v.g.) - tem reconhecido a legitimidade da
utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental
de constitucionalidade, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia
constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-
se como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal,
como corretamente assinalado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
(RT 722/139):
"Apresenta-se lesivo à ordem jurídica o ato de Município com menos de três mil
habitantes, que, a pretexto de organizar a composição do legislativo, fixa em 11 o
número de Vereadores, superando o mínimo de 9 previsto pelo art. 29, IV, a, da CF.
Controle difuso ou incidental expressamente permitido (CF, arts. 97, 102, III, a, b,
e c e parágrafo único, 42, X, 105, III, a, b e c). Ininvocabilidade de direito eleitoral
adquirido."
Assentadas tais premissas, entendo que a espécie ora em exame não configura
situação caracterizadora de usurpação de competência do Supremo Tribunal
Federal, pois a controvérsia pertinente à validade jurídico-constitucional do art. 8º
da Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP foi suscitada, incidentalmente, no
processo de ação civil pública, como típica questão prejudicial, necessária ao
julgamento da causa principal, cujo objeto identifica-se com o pedido de redução,
para catorze (14), do número de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 117).
Cabe referir, neste ponto, que, além de revelar-se plenamente cabível o controle
incidental de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição da
República (RTJ 164/832, Rel. Min. PAULO BROSSARD), assiste, ao magistrado
singular, irrecusável competência, para, após resolução de questão prejudicial,
declarar, monocraticamente, a inconstitucionalidade de quaisquer atos do Poder
Público:
"Ação declaratória. Declaração 'incidenter tantum' de inconstitucionalidade.
Questão prejudicial. O controle da constitucionalidade por via incidental se impõe
toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base
em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao
objeto do pedido. Recurso extraordinário conhecido e provido."
(RTJ 97/1191, Rel. Min. RAFAEL MAYER - grifei)
Tendo-se presente o contexto em que proferida a sentença que julgou procedente a
ação civil pública promovida pelo Ministério Público da comarca de Sorocaba/SP,
constata-se que o objeto principal desse processo coletivo não era a declaração de
inconstitucionalidade do art. 8º da Lei Orgânica do Município.
Ao contrário, a alegação de inconstitucionalidade da norma legal em referência foi
invocada como fundamento jurídico (causa petendi) do pedido, qualificando-se
como elemento causal da ação civil pública, destinado a provocar a instauração de
questão prejudicial, que, decidida incidentemente pelo magistrado local, viabilizou
o acolhimento da postulação principal deduzida pelo Ministério Público,
consistente na redução do número de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 117).
Nem se diga, de outro lado, que a sentença proferida pelo magistrado local poderia
vincular, no que se refere à questionada declaração de inconstitucionalidade, todas
as pessoas e instituições, impedindo fosse renovada a discussão da controvérsia
constitucional em outras ações, ajuizadas com pedidos diversos ou promovidas
entre partes distintas.
É que, como se sabe, não faz coisa julgada, em sentido material, "a apreciação da
questão prejudicial, decidida incidentemente no processo" (CPC, art. 469, III).
Na realidade, os elementos de individualização da ação civil pública em causa não
permitem que venha ela, na espécie ora em exame, a ser qualificada como
sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, pois, ao contrário das

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

conseqüências que derivam do processo de controle normativo abstrato (RTJ


146/461, Rel. Min. CELSO DE MELLO), não se operará, por efeito da autoridade
da sentença proferida pelo magistrado local, a exclusão definitiva, do sistema de
direito positivo, da regra legal mencionada, pelo fato de esta, no caso ora em
análise, haver sido declarada inconstitucional, em sede de controle meramente
difuso.
Mais do que isso, o ato sentencial em causa também estará sujeito, em momento
procedimentalmente oportuno, ao controle recursal extraordinário do Supremo
Tribunal Federal, cuja atividade jurisdicional, por isso mesmo, em momento
algum, ficará bloqueada pela existência da ora questionada declaração incidental
de inconstitucionalidade.
Os aspectos que venho de ressaltar - enfatizados em irrepreensível magistério
expendido por OSWALDO LUIZ PALU ("Controle de Constitucionalidade -
Conceitos, Sistemas e Efeitos", p. 220/224, item n. 9.7.2, 1999, RT) - foram
rigorosamente expostos por PAULO JOSÉ LEITE FARIAS ("Ação Civil Pública e
Controle de Constitucionalidade", in Caderno "Direito e Justiça", Correio
Braziliense, edição de 02/10/2000, p. 3):
"Na ação civil pública, o objeto principal, conforme já ressaltado, é o interesse
público, enquanto que, na ação direta de inconstitucionalidade, o objeto principal e
único é a declaração de inconstitucionalidade com força de coisa julgada material e
com eficácia erga omnes.
Na ação civil pública, a inconstitucionalidade é invocada como fundamento, como
causa de pedir, constituindo questão prejudicial ao julgamento do mérito. Na ação
civil pública, a constitucionalidade é questão prévia (decidida antes do mérito da
ação principal) que influi (prejudica) na decisão sobre o pedido referente à tutela
do interesse público. É decidida incidenter tantum, como premissa necessária à
conclusão da parte dispositiva da sentença.
Uma vez que a coisa julgada material recai apenas sobre o pedido, e não sobre os
motivos, sobre a fundamentação da sentença, nada obsta que a questão
constitucional volte a ser discutida em outras ações com pedidos e/ou partes
diversos. Nesse sentido, é cristalina a legislação processual civil em seu art. 469,
verbis:
'Art. 469. Não fazem coisa julgada:
(...)
III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo'.
A ação direta de inconstitucionalidade é instrumento do controle concentrado da
constitucionalidade; por outro lado, a ação civil pública, como todas as ações
individuais ou coletivas, mesmo sendo um instrumento de processo objetivo para a
defesa do interesse público, é instrumento de controle difuso de
constitucionalidade.
Observe-se, ainda, que, na ação civil pública, a eficácia erga omnes da coisa
julgada material não alcança a questão prejudicial da inconstitucionalidade, é de
âmbito nacional, regional ou local, conforme a extensão e a indivisibilidade do
dano ou ameaça de dano. Na ação direta, a declaração de inconstitucionalidade faz
coisa julgada material erga omnes no âmbito de vigência espacial da lei ou ato
normativo impugnado (nacional ou estadual).
Ademais, as ações civis públicas estão sujeitas a toda cadeia recursal prevista nas
leis processuais, onde se inclui o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal
Federal, enquanto que as ações diretas são julgadas em grau único de jurisdição.
Portanto, a decisão proferida na ação civil pública no que se refere ao controle de
constitucionalidade, como qualquer ação, se submete, sempre, ao crivo do egrégio
Supremo Tribunal, guardião final da Constituição Federal.
Finalmente, a ação civil pública atua no plano dos fatos e litígios concretos,
através, notadamente, das tutelas condenatória, executiva e mandamental, que lhe
assegurem eficácia prático-material. A ação direta de inconstitucionalidade, de

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

natureza meramente declaratória, limita-se a suspender a eficácia da lei ou ato


normativo em tese.
Não se confundem, pois, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação civil
pública, não ocorrendo, in casu, usurpação de competência do Supremo Tribunal
Federal." (grifei)
Impõe-se relembrar, por necessário, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal,
ao decidir o tema ora em exame, admitiu a possibilidade de utilização da ação civil
pública como instrumento adequado e idôneo de controle incidental de
constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público,
mesmo quando contestados em face da Constituição da República, proclamando
não se registrar, em tal hipótese, situação configuradora de usurpação da
competência desta Corte Suprema (Rcl 600-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA -
Rcl 602-SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO).
O eminente Ministro CARLOS VELLOSO, ao decidir a Rcl 559-MG, de que foi
Relator - e tendo em consideração os precedentes firmados por esta Suprema Corte
- bem resumiu a questão ora em exame, fazendo-o nos seguintes termos:
"O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, julgando as Reclamações 597-SP,
Rel. p/acordão o Min. Néri da Silveira, 600-SP, Rel. Min. Néri da Silveira, e 602-
SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, decidiu que a ação civil pública, em casos
como este, que tem por objeto direitos individuais homogêneos, não é substitutiva
da ação direta de inconstitucionalidade, esta da competência exclusiva do Supremo
Tribunal Federal, mesmo porque a decisão proferida naquela ação civil pública não
tem eficácia erga omnes, considerada esta eficácia no seu exato sentido. Por isso,
as Reclamações 597-SP, 600-SP e 602-SP, acima indicadas, foram julgadas
improcedentes (Plenário, 03.09.97).
Assim posta a questão, nego seguimento à presente reclamação, ficando sem efeito
a medida liminar deferida." (grifei)
Devo ressaltar, ainda, por necessário, que não são aplicáveis ao caso presente as
decisões concessivas de medida liminar, proferidas na Rcl 1.692-RJ, Rel. Min.
MOREIRA ALVES, e na Rcl 1.701-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, eis que,
naquelas causas, não se cuidava de ação civil pública, como na espécie ora em
exame, mas de ações diretas de inconstitucionalidade promovidas, originariamente,
perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, circunstância essa que
fazia incidir, sobre os atos emanados da Corte judiciária fluminense, o precedente
firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento plenário da Rcl 383-SP,
Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 147/404):
"Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo
Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal
de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a
dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais
federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses
dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-
membros.
- Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o
Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário, se a
interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma
constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o
sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente."
(grifei)
Finalmente, mesmo admitindo-se, por mero favor dialético, a possibilidade de
reconhecimento da alegada usurpação de competência do Supremo Tribunal
Federal (o que implicaria desconsiderar a própria jurisprudência firmada, na
matéria, pelo Plenário desta Corte, nas Reclamações 559-MG, 597-SP, 600-SP e
602-SP), ainda assim não se revelaria viável dar trânsito, neste Tribunal, à presente
reclamação.
É que os ora reclamantes - embora insurgindo-se contra a sentença proferida pelo

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

magistrado estadual de primeira instância, cuja resolução do litígio teria importado


em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal - promoveram esta
reclamação contra o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 3),
que sequer julgou o recurso de apelação interposto contra o ato sentencial
mencionado, não lhe sendo juridicamente imputável, por isso mesmo, a prolação
de qualquer decisão de que se pudesse inferir lesão à integridade das atribuições
jurisdicionais da Corte Suprema.
Na realidade, a Corte judiciária paulista limitou-se a manter decisão de seu ilustre
Presidente, que havia negado, à Câmara Municipal de Sorocaba, a medida de
contracautela, por esta requerida nos termos da Lei nº 8.437/92.
Como se sabe, o Presidente do Tribunal, ao apreciar o pedido de contracautela
deduzido com apoio no art. 4º da Lei nº 8.437/92, não formula qualquer juízo sobre
o fundo da controvérsia suscitada na causa principal, limitando-se, no exercício
desse poder excepcional que lhe foi outorgado pelo ordenamento positivo, a
verificar se a decisão proferida reveste-se, ou não, de potencialidade danosa ao
interesse público.
Desse modo, a presente reclamação deveria ter sido promovida, não contra o E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 3), mas, sim, contra o MM. Juiz de
Direito da 5ª Vara Cível da comarca de Sorocaba/SP.
De qualquer maneira, no entanto, não importando a perspectiva sob a qual se
analise o tema ora em exame (inocorrência de usurpação da competência do STF
ou ilegitimidade passiva ad causam do TJSP), torna-se inviável o trânsito, nesta
Corte, da presente reclamação, restando prejudicada, em conseqüência, a
apreciação do pedido de medida liminar.
Arquivem-se os presentes autos.
Comunique-se, com urgência, ao Senhor Presidente do E. Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, ao Senhor Presidente do E. TRE/SP, ao MM. Juiz de Direito
da 5ª Vara Cível da comarca de Sorocaba/SP (Processo nº 1.499/2000) e ao Juízo
da 137ª Zona Eleitoral (Sorocaba/SP), o teor desta decisão, encaminhando-se-lhes
cópia integral do presente ato decisório.
Publique-se. Brasília, 24 de novembro de 2000. Ministro CELSO DE MELLO
Relator.* decisão publicada no DJU de 1º.12.2000”

Veja também o que disse o STF em outros dois informativos, 260 e 261, pela
ordem:

“Ação Civil Pública e Controle Difuso


O controle difuso de constitucionalidade das leis pode ser exercido em sede de
ação civil pública, no juízo de primeiro grau, quando for necessário para a decisão
da hipótese concreta, sendo legitimado para a propositura da ação o Ministério
Público. Com esse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário
para determinar o regular processamento de ação civil pública - cuja inicial havia
sido liminarmente indeferida sob o fundamento de não constituir a mesma meio
idôneo para o questionamento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo -
proposta pelo Ministério Público em defesa do patrimônio público, na qual se
pleiteia a declaração de nulidade de ato normativo municipal que majorou os
subsídios de vereador, com a conseqüente restituição aos cofres públicos das
quantias indevidamente recebidas. Precedentes citados: RCL 600-SP e RCL 602-
SP (acórdãos pendentes de publicação, v. Informativo 82). RE 227.159-GO, rel.
Min. Néri da Silveira, 12.3.2002. (RE-227159)”

“Ação Civil Pública e Controle Difuso


Iniciado o julgamento de reclamação na qual se alega ter havido a usurpação da
competência originária do STF para o julgamento de ação direta de
inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a), por juiz federal de primeira instância, em

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

razão de ter deferido liminar em ação civil pública promovida pelo Ministério
Público, na qual se pleiteia a nulidade do enquadramento dos ex-ocupantes do
extinto cargo de censor federal nos cargos de perito criminal e delegado federal de
que trata a Lei 9.688/98, levado a efeito mediante Portarias do Ministro da Justiça,
com a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da Lei 9.688/98. O
Min. Carlos Velloso, relator, proferiu voto no sentido de julgar improcedente a
reclamação por entender que o controle difuso de constitucionalidade de lei pode
ser exercido em sede de ação civil pública, no juízo de primeiro grau, quando for
necessário para a decisão da hipótese concreta, e que, na espécie, a declaração de
inconstitucionalidade pleiteada pelo Ministério Público não consubstancia o pedido
da ação civil pública, mas sim a causa de pedir. Após, o julgamento foi adiado em
virtude do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
RCL 1.503-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 21.3.2002.(RCL-1503). RCL 1.519-CE,
rel. Min. Carlos Velloso, 21.3.2002.(RCL-1519)”

Questão 2

Ação civil pública, movida pelo Ministério Público em face do Município de


Maricá, tem por objeto a taxa de iluminação instituída pela Lei Municipal nº 748 de julho
de 2002. Sustenta-se que o serviço de iluminação pública, além de indivisível, é também
prestado uti universi, pelo que a respectiva taxa afrontaria dispositivos constitucionais. E
afirma que a EC 39/2002 trata de contribuição para o custeio do serviço de iluminação
pública e não de taxa. Em contestação, o Município argüi preliminar de ilegitimidade ativa
do Ministério Público e de inidoneidade da via eleita. Decida as preliminares,
justificadamente.

Resposta à Questão 2

A via é inidônea, de fato: o artigo 1º da Lei 7.347/85 veda expressamente, no


parágrafo único, a veiculação de matéria tributária em ações civis públicas. Além disso, a
jurisprudência entende que a defesa de direitos tributários é puramente individual, não
ensejando, na essência, a defesa coletiva, tornando ilegítimo o MP para o feito.
Veja a posição do TJ/RJ na Apelação Cível 2001.001.10134:

APELACAO 2001.001.10134. DES. PAULO GUSTAVO HORTA - Julgamento:


5/01/2002 - SETIMA CAMARA CIVEL.
ACAO CIVIL PUBLICA. TAXA MUNICIPAL. INCONSTITUCIONALIDADE.
SUSPENSAO DA COBRANCA. MINISTERIO PUBLICO. ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL. ILEGITIMIDADE ATIVA. IMPOSSIBILIDADE
JURIDICA DO PEDIDO. EXTINCAO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO
DO MERITO.
Acao Civil Publica. Taxa municipal de servicos urbanos. Legitimacao ativa do
Ministerio Publico e da OAB. Preliminar de impossibilidade juridica do pedido.
Inexistencia de defesa de direitos individuais homogeneos. 1. Decisao deste orgao
fracionario no Agravo de Instrumento n. 12.047/99 considerando que o Ministerio
Publico nao detem legitimacao extraordinaria para promover a presente Acao Civil
Publica, com indicacao juridica baseada no art. 21 da Lei n. 7347/85. 2. Conquanto
o inciso I do art. 44 da Lei n. 8906/94 tenha ampliado a finalidade de atuacao da
OAB, orgao de classe dos advogados, que nao tem a natureza de autarquia, nao
esta' legitimada a propor Acao Civil Publica em defesa de direitos individuais
homogeneos, como sao os direitos relativos `a cobranca de taxa de servico publico

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

municipal. A OAB nao se acha equiparada juridicamente ao Ministerio Publico no


exercicio da defesa dos interesses da coletividade no manejo da acao coletiva.
Ilegitimidade ativa da OAB que se declara, extinguindo-se o processo sem
julgamento do merito (art. 267, VI, do CPC). 3. Demais disso, ja' decidiu o Egregio
STJ que "a Acao Civil Publica nao se presta ao sustamento de pagamento de
tributo mediante a declaracao incidental de inconstitucionalidade de norma que o
instituiu, uma vez que, ao admitir-se tal possibilidade, estar-se-ia fazendo uso de
via inadequada (Acao Civil Publica), para substituir a Acao Direta de
Inconstitucionalidade" Resp 140.368-MG-Rel. Min. Jose' Delgado. (IRP)”

Veja também o REsp. 259.679:

“REsp 259679 / RJ. DJ 25/03/2002 p. 185.


Processual Civil. Ação Civil Pública. IPTU. Ilegitimidade Ativa Ad Causam do
Ministério Público. Lei 7.347/85. Lei Municipal 7.439/96.
1. O Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam para propor Ação
Civil Pública, assumindo a defesa dos interesses de contribuinte e visando derruir
lei municipal. Demais, não pode ser utilizada para obstar a cobrança de tributos,
instrumentalizada com a feição de ação direita de inconstitucionalidade.
2. Precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso provido.”

Questão 3

O Poder Judiciário pode deixar de aplicar, de forma incidental, lei considerada


inconstitucional, em sede de ação civil pública ajuizada para tutela de interesse difuso?

Resposta à Questão 3

Não há qualquer óbice a esta declaração incidental, porque a coisa julgada na ação
civil pública alcança apenas e tão-somente o dispositivo, como em qualquer decisão, não
açambarcando a fundamentação da sentença, e a declaração de inconstitucionalidade
ocorrerá na ratio decidendi, e não no dispositivo.

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Tema X

Ação rescisória. Distinção com a querella nullitatis. Relativização da coisa julgada.

Notas de Aula12

1. Ação rescisória vs. querella nullitatis

As decisões judiciais são atacáveis por meio de recursos, sucedâneos recursais, e


ações autônomas de impugnação. A ação rescisória é uma destas ações autônomas.
Distinguem-se as ações autônomas de impugnação dos recursos, essencialmente, na
continuidade ou não da relação processual. Se do instrumento utilizado não surgir nova
relação processual, mas mera continuação da original, trata-se de recurso, mesmo sendo
autos diferentes, como no agravo de instrumento, pois os autos são a mera manifestação
física do processo, sendo que a pluralidade física de autos não revela pluralidade de
processos. Se nova relação tiver origem, trata-se de ação autônoma.
A ação rescisória tem objeto restrito: só pode alvejar decisão de mérito transitada
em julgado, aquela decisão que responde substancialmente à pretensão deduzida, afirmando
ou negando o direito pretendido, e que tenha alcançado o status de coisa julgada, sem mais
qualquer recurso cabível (mesmo se existir recurso, não sendo este mais cabível, cabe a
rescisória).
A ação rescisória tem dupla finalidade. A primeira é desconstituir a decisão
rescindenda, sacando-a do mundo jurídico, o que tem por principal efeito demonstrar que o
conflito que fora solucionado pela decisão rescindida volta a aparecer sem solução. Daí
exsurge a segunda finalidade da rescisória: promover o rejulgamento da lide que ficou
novamente sem solução, julgamento este que será feito pelo próprio juízo que rescindiu a
decisão, se competente (pois se não for, será encaminhado o feito ao que o seja). Às
funções da rescisória se dão os nomes, respectivamente, de judicio rescindens e judicio
ressissorium.
Por vezes, apenas o judicio rescindens será bastante, ou mesmo possível. Bom
exemplo é quando a ação rescisória se destinar a atacar decisão que ofendeu a coisa
julgada, porque a mera rescisão da decisão encaminha a solução da lide àquela coisa
julgada ofendida, sendo impossível a feitura de novo julgamento – pois ele próprio
ofenderia, de novo, a coisa julgada original.
Veja que, peculiarmente, se a sentença de mérito transitada am julgado não tiver
feito coisa julgada material, o que é possível, não caberá ação rescisória. A sentença de
mérito que não faz coisa julgada material é possível muito excepcionalmente, quando seu
transito em julgado seja secundum eventum probationis ou secundum eventum litis: é o caso
das ações de tutela coletiva que só operam vinculação material, coisa julgada material, se

12
Aula ministrada pelo professor Wilson Marques, em 11/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

favoráveis aos titulares coletivos substituídos pelo autor da ação coletiva, pois se
desfavoráveis não os impedem de agir autonomamente. A ação rescisória, nestes casos em
que não há coisa julgada material, carece de interesse-necessidade, eis que o mero
ajuizamento de ação própria terá efeito para atender à pretensão do interessado.
Assentadas as bases da ação rescisória, cumpre distinguí-la a querella nullitatis.
Antes de tudo, cumpre trazer um brevíssimo histórico deste segundo instituto.
No Direito Romano, a distinção entre error in procedendo e error in judicando era
por demais relevante, e, diga-se, o erro de procedimento era tido como muito mais grave do
que o erro de julgamento, pois acreditavam muito mais graves as ilegalidades do que as
injustiças. Por isso, as sentenças eivadas de error in procedendo eram consideradas
inexistentes, e, assim, sequer precisariam de qualquer impugnação para sua elisão – a
sentença simplesmente não era um documento hábil a produzir efeitos, bastando uma
petitio simplex para chamar atenção do juízo para tal inexistência.
Outrossim, quando o vício fosse de julgamento, a sentença existia, e a argüição de
defeito deveria vir, sim, deduzida em algum meio de impugnação – eleita para tanto, à
época, a appelatio, recurso por excelência.
Na idade média, the dark ages, não se evoluiu na ciência jurídica, como pouco se
evoluiu em todas as áreas do conhecimento humano. Na Renascença, especialmente na
Itália, retomaram-se os estudos do direito, e se identificou a necessidade de, mesmo na
sentença eivada por error in procedendo, era necessária a utilização de algum meio de
impugnação, não sendo bastante a mera ignorância da existência da decisão, porque isto
gerava muita insegurança jurídica. Em conclusão, para a sentença injusta, manteve-se a
apelação como meio de impugnação; para a sentença ilegal, criou-se a querella nullitatis.
A querella nullitatis não veio ao direito moderno com a exata feição com que
surgira na origem. A restitutio in integrum teve grande influência no escopo da querella
moderna. Não só em relação à natureza do vício, error in procedendo, se definiria para o
que era servível esta ação, mas sim pela necessidade de que a situação retornasse ao termo
original, antes da ocorrência da violação ao direito representada na sentença indevida, quer
ilegal, quer injusta. Veja que, em diversos ordenamentos, a dualidade permanece: restitutio
para injustiças, querella para ilegalidades. No Brasil, porém, há uma certa mescla.
No Direito Brasileiro do Império, decorrente do Direito Português, o Regulamento
737 de 1850, que foi, a bem da verdade, nosso primeiro código processual civil, estabelecia
que a sentença nula precisaria da invalidação por meio de algum instrumento, dentre o rol
que estabelecia: apelação, revista, embargos à execução ou ação rescisória.
Há no Brasil, como dito, uma certa simbiose entre a querella e a restitutio in
integro, fundamento histórico da ação rescisória. Há casos em que a querella seria o meio
de impugnação necessário, mas a lei expressamente consigna que é cabível a ação
rescisória, e vice-versa. Esta “promiscuidade”, diga-se, se sente também nos recursos,
porque a apelação, aqui, serve para invalidação ou reforma, respectivamente por vício de
procedimento ou por erro de julgamento – o que não ocorria na origem do instituto, como
visto.
A distinção entre a inexistência, a anulabilidade e a nulidade hoje é bem traçada. A
sentença é inexistente quando lhe falta um elemento estrutural essencial – relatório,
fundamento e dispositivo, bem como juiz investido a subscrevê-la. Se a sentença conta com
todos os elementos estruturais presentes, ela existe, mas pode ser inválida porque algum
destes elementos esteja viciado, gerando nulidade ou anulabilidade. O vício que provier de

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

norma cogente torna a sentença nula; se o vício vem de norma dispositiva, a sentença é
anulável.
Uma vez que a sentença, eivada por qualquer vício, transite em julgado, ela deixa de
ser viciada para passar, talvez, a ser rescindível. A coisa julgada tem efeito sanatório sobre
os vícios, como se sabe, efeito este que consiste na purificação dos vícios da sentença
viciada; contudo, se o vício for daqueles arrolados como causa de rescisão, deixa de haver
nulidade ou anulabilidade, mas entra em cena a rescindibilidade.
Tome-se por exemplo a sentença proferida por juiz absolutamente incompetente: era
nula, até o trânsito em julgado; agora, feita a coisa julgada, é rescindível. E há clara
diferença entre rescindibilidade e nulidade: enquanto a sentença nula não produz efeitos, a
sentença rescindível, se não for efetivamente rescindida, produzirá todos os efeitos como se
um julgado perfeito fosse. Neste aspecto, a rescindibilidade é muito similar à anulabilidade.
Pode acontecer que o vício seja tão severo, que a coisa julgada não só não é capaz
de o purificar, como na rescindibilidade, como não diminui a intensidade do vício (como
faz quando convola nulidade em rescindibilidade). Imagine-se que o réu, condenado, sequer
tenha sido jamais integrado ao processo, jamais tendo sido citado. Esta sentença pode ser
alvo de rescisão ou de impugnação, quando demandado seu cumprimento.
A conclusão a que se chega, portanto, é que não há sentença nula após o trânsito em
julgado: ou sanou-se pelo trânsito; ou é rescindível; ou é também impugnável. Passado o
tempo hábil para rescisão ou impugnação, diga-se, esta sentença passa a ostentar natureza
jurídica de sentença inexpugnável: conquanto não seja válida, é tornada imutável em prol
da segurança jurídica – sequer desafiando querella nullitatis, como defendia Pontes de
Miranda.
Acenar-se na doutrina com a possibilidade de ação declaratória de nulidade da
sentença, quando eivada deste vício (a ausência de citação,por exemplo), a que se nomeia
de querella nullitatis insanabilis. Ocorre que esta ação não parece se compatibilizar com o
sistema do CPC, que impede que juizes re-enfrentem matéria já decidida, porque o trânsito
em julgado impede a dedução de novas matérias, porque a coisa julgada é a preclusão
máxima de alegações em juízo. Além disso, a ação anulatória da sentença transitada em
julgado não teria sequer um juízo a ser corretamente apontado como competente, porque o
juízo e primeiro grau não poderia, por exemplo, ser competente para anular um acórdão,
por exemplo, e o tribunal tem competência traçada literalmente na lei, não sendo
encontrado em seu rol de competências a dita ação.
Vale consignar ainda que o trânsito em julgado ocorre quando a sentença não
comporta mais recursos, e há decisões que assim se verificam no exato momento em que
são proferidas: as sentenças homologatórias de acordo entre as partes, por exemplo, não são
impugnáveis por recurso, porque quem pacificou a lide foram as próprias partes, carecendo
de interesse recursal, portanto. E vale ainda dizer que recurso inadmissível não obsta o
trânsito em julgado, pelo que o prazo da rescisória será contado desde o fim do prazo para
recurso, e não da data de declaração da inadmissibilidade do recurso.

2. A querella nullitatis no sistema processual civil brasileiro13

13
Texto adaptado de artigo, com este título, de autoria de Adriana Moreira Silveira Freitas, advogada e juíza
leiga do juizado especial cível da Comarca de Três Lagoas – MS, e Ana Maria Suares Rocha, analista
judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

2.1. Introdução

O tema é de constante atualidade, vez que as discussões sobre a eficácia das


sentenças tidas como inexistentes permeiam doutrinadores e operadores do direito em geral
desde os primórdios do estudo da ciência jurídica.
A ação declaratória de inexistência mostra-se como o instrumento adequado para
extirpar do mundo jurídico sentenças que sejam fruto de ato processual absolutamente nulo
ou inexistente, ante a ausência de algum dos pressupostos de existência (ou de constituição)
do processo (como a petição inicial, a jurisdição, a citação e a capacidade postulatória).
Com este estudo, pretende-se questionar a existência ou não de um instrumento
próprio, no ordenamento jurídico brasileiro, para a extirpação dos efeitos destas sentenças
inexistentes, bem como analisar as hipóteses de cabimento deste instrumento processual – a
querella nullitatis – diferenciando-o da ação rescisória e da ação anulatória. Desta maneira,
o trabalho proposto poderá auxiliar na maturação do debate, trazendo uma contribuição
efetiva nesta seara.

2.2. Teoria da inexistência e sua aplicação no Direito Processual Civil brasileiro

Segundo o ensinamento do magistrado Rogério Marrone de Castro Sampaio 14, o


negócio jurídico praticado em desacordo com as normas vigentes poderá ter a invalidade
como sanção, dependendo da gravidade da afronta ao ordenamento. Assim, para este autor,
a nulidade absoluta relaciona-se aos vícios mais graves (violadores de preceitos de ordem
pública) – e esta pode ser alegada por qualquer pessoa, pelo Ministério Público, ou ainda
ser reconhecida de ofício pelo juiz, não comportando validação -, ao passo que a nulidade
relativa está relacionada aos vícios menos graves, com potencialidade para prejudicar
apenas os interessados no ato jurídico – e, portanto, só pode ser argüida pelos diretamente
interessados, não podendo ser conhecida de ofício pelo juiz, comportando validação.
A teoria do ato inexistente preconiza que o ato jurídico inexistente é aquele que não
reúne os elementos que sua natureza ou objeto impõe, sendo que a falta destes inviabiliza a
concepção do próprio ato. Assim, ainda que não expressamente prevista no ordenamento
jurídico, a teoria do ato inexistente não pode ser desprezada.
Trazendo a teoria da inexistência para o âmbito processual, o autor Rogério
Marrone de Castro Sampaio afirma que ela não pode ser automaticamente aplicada, vez que
as peculiaridades do direito processual não permitem esta manobra. Isto porque “as
nulidades, dentro do processo, vinculam-se, principalmente, à forma dos atos processuais”.
E conclui:

“É preciso compatibilizar o formalismo procedimental com o escopo último do


processo, de modo a se atingir uma tutela jurisdicional justa e, acima de tudo,
efetiva. (...) dentro da necessidade de se conferir estabilidade às relações jurídicas
(...) as nulidades, como regra, encontram o saneamento quando acobertadas pelo
manto da coisa julgada que se forma sobre a sentença, passível, apenas, de ser
desconstituída por ação rescisória e diante de hipóteses taxativamente previstas por
lei.”

14
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Querella Nullitatis. Cadernos Jurídicos da Escola Paulista da
Magistratura. São Paulo, v.2, n.4, p.97-113, mar/abr-2001.

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Diverso é o ensinamento de Tereza Arruda Alvim Wambier. Para a ilustre


processualista, a teoria da inexistência é perfeitamente aplicável ao processo civil:

“Como todo ato jurídico, a sentença comporta exame sob tríplice aspecto: a
existência jurídica em si mesma, a validade e a eficácia. A sentença existe desde
que contenha os elementos essenciais que a configurem como tal; que contenha um
dispositivo, seja dada por um juiz, etc15.”

Para a mencionada autora, “a existência ou inexistência, no direito, dizem respeito à


presença da situação típica, ao que se deve agregar o que o legislador tenha reputado os
elementos do tipo como essenciais (...).”
A opinião acima transcrita parece ser a mais adequada. Isto porque, sendo a
sentença um ato jurídico, e diante da ausência de algum pressuposto processual de
existência (ou constituição) no processo no qual ela foi prolatada, trata-se de ato
juridicamente inexistente (ainda que faticamente ele exista) – vício muito mais grave do
que a mera nulidade. Esta não é uma posição pacífica, no entanto, conforme será
demonstrado a seguir.

2.3. Diferenças entre nulidade e inexistência – sentença nula e sentença inexistente

Diversos autores tratam os conceitos de inexistência, nulidade absoluta e nulidade


relativa como expressões correlatas. Tereza Arruda Alvim Wambier, citando Adolfo Gelsi
Bidart, menciona que “a inexistência, a nulidade absoluta, e a nulidade relativa são termos
homogêneos que têm, em certa medida, a mesma base e que se podem ladear sob um termo
genérico que a todos compreenda: nulidades.” Esta mistura terminológica também é
percebida em Enrico Tullio Liebman, que considera a nulidade absoluta (ipso iure) como
sinônimo de inexistência16. Outros autores, no entanto, diferenciam estes dois conceitos,
como é o caso de Alexander dos Santos Macedo, comentando a hipótese prevista no artigo
741, inciso I do CPC:

“Se é necessário o ajuizamento de ação (...) o caso não é de inexistência, e sim de


nulidade ipso iure, como, entre outros, ensinam José Carlos Barbosa Moreira e
Pontes de Miranda. O processo e a sentença existem; se não existissem, não
haveria necessidade de ajuizamento de qualquer ação para declarar a nulidade
daquele ou para rescindir esta; bastaria uma petitio simplex, situação que tornaria
supérfluos os artigos 485 e 741, ambos do CPC, contra toda lógica e todo o sistema
do nosso ordenamento processual civil17.

Este não é o argumento acolhido pela Professora Tereza Arruda Alvim Wambier,
segundo a qual os atos inexistentes juridicamente são aptos para produzir efeitos, desde que
seja possível material, fática e concretamente.
Para diferenciar a nulidade da inexistência, existem os chamados pressupostos
processuais relativos a cada uma delas. Cumpre consignar, no entanto, que não há consenso
15
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 5ªed., rev., ampl. e atual. de
acordo com as Leis 10352/2001, 10358/2001 e 10444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.498.
16
LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Com notas da Drª. Ada Pellegrini
Grinover. São Paulo, Bushatsky, 1976. p.182/183.
17
MACEDO, Alexander dos Santos. Da Querella Nullitatis – Sua Subsistência no Direito Brasileiro. 3ªed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.47/48.

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

acerca da classificação destes pressupostos. Neste trabalho será utilizada a classificação


apontada por Rodrigo da Cunha Lima Freire, que divide os pressupostos processuais em
pressupostos de existência da relação jurídica processual e pressupostos de validade da
relação jurídica processual. Segundo este autor (citando o ensinamento de Tereza Arruda
Alvim Wambier), a presença dos primeiros determina a própria existência da relação
processual, ao passo que a presença dos segundos serve “apenas para proporcionar o
desenvolvimento válido e regular da relação processual, ou seja, do processo18”.
Desta maneira, proferida uma sentença estando ausente um pressuposto de
existência, este ato decisório será inexistente (e o remédio cabível será a ação declaratória
de inexistência, não sujeita a qualquer prazo prescricional ou decadencial). Mas se a
ausência for de um pressuposto de validade, o ato será nulo (e o remédio cabível será a ação
rescisória, sujeita a prazo decadencial de dois anos). No mesmo sentido é o ensinamento de
Alberto Camiña Moreira19.
Passa-se agora à análise dos pressupostos processuais de existência (ou de
constituição) do processo.

2.4. Pressupostos processuais de existência (ou de constituição) do processo

Os pressupostos de existência são sempre intrínsecos (ou seja, estão sempre


presentes no interior do processo), e são os seguintes: petição inicial, jurisdição, citação e
representação do autor (capacidade postulatória). Para cotejá-los com os pressupostos
processuais de validade, mister se faz elencar estes últimos, que se dividem em
pressupostos de validade intrínsecos e extrínsecos. Vamos a eles:
a) Pressupostos de validade intrínsecos: a.1) petição inicial válida; a.2) competência
do juízo e imparcialidade do juiz; a.3) capacidade processual e legitimidade processual; a.4)
citação válida.
b) Pressupostos de validade extrínsecos (ou negativos): b.1) litispendência; b.2)
coisa julgada; b.3) cláusula compromissória.
Assim, há clara distinção entre o que seja uma sentença inexistente (que padece da
ausência de um dos pressupostos processuais de existência) e uma sentença nula (que
padece da falta de um dos pressupostos processuais de validade).

2.5. Ação rescisória vs. ação anulatória vs. ação declaratória de inexistência

Na esteira do que foi acima mencionado, a ação rescisória e a ação anulatória,


ambas previstas expressamente no ordenamento jurídico nacional, não seriam aptas a lidar
com as sentenças inexistentes. Isto porque estas ações são desconstitutivas – e a
inexistência de uma sentença precisa ser declarada por meio de uma ação própria. Este seria
o objetivo da querella nullitatis, ou ação declaratória de inexistência – e, portanto, é ela o
meio processual adequado para extirpar do mundo jurídico as sentenças inexistentes. No
mesmo sentido, Rogério Marrone de Castro Sampaio, para o qual o ato a ser rescindido
deve existir, sendo imperioso o reconhecimento da querella nullitatis insanabillis.

18
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da Ação. Enfoque sobre o interesse de agir. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001. p.38.
19
MOREIRA, Alberto Camiña. Defesa sem embargos do executado: Exceção de Pré-Executividade. 3ªedição,
revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2001. p.81.

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Assim, para as sentenças tidas por inexistentes, não se pode utilizar a ação
rescisória, tampouco a anulatória, simplesmente porque não há o que rescindir ou anular em
uma decisão que juridicamente não existe. Esta inexistência deve, por sua vez, ser
declarada pelo Poder Judiciário, por meio de uma ação declaratória de inexistência. E é
justamente a subsistência no direito processual brasileiro de uma ação declaratória
específica, chamada querella nullitatis, o objeto do item seguinte.

2.6. Subsistência da querella nullitatis no Direito Processual Civil pátrio

A previsão de sentenças inexistentes e o seu tratamento já existiam nas Ordenações


Filipinas (título LXXV, livro III). No entanto, pergunta-se: a querella nullitatis subsiste em
nosso direito processual? Para Fernando da Fonseca Gajardoni, a resposta é afirmativa, a
despeito de esta ação não ter sido expressamente prevista no ordenamento jurídico pátrio:

“Indiscutível que ao menos nos primórdios da cultura jurídica brasileira havia


previsão legal no sentido da existência da querella ‘nullitatis’. (...) Hoje não há
previsão legal expressa, seja em relação à querella ‘nullitatis’, seja em relação à
‘restitutio in integrum’. Contudo, da análise das hipóteses de cabimento da ação
rescisória – art.485 do CPC – ainda é possível identificar quais teriam fisionomia
mais parecida com a primeira, e quais com a outra. Indiscutível, por outro lado,
que muito se perdeu com a ausência de previsão legal da ação de nulidade, seja em
relação à algumas hipóteses de cabimento não contempladas pelo art.485 do CPC,
seja em razão do prazo decadencial para ajuizamento e necessidade de análise pela
superior instância20.”

Desta maneira, alude o referido autor que não há, atualmente, no direito positivo
brasileiro, a previsão específica da querella nullitatis (ou ação declaratória de inexistência),
o que implica prejuízo aos operadores do direito no que se refere à impugnação das
sentenças inexistentes.
Para outros autores, há sim previsão expressa da querella nullitatis em nosso
ordenamento. É o caso de Alexander dos Santos Macedo, que aponta a hipótese do antigo
artigo 741, inciso I do CPC (atual artigo 475-L) como consagração expressa da querella
nullitatis no direito processual civil brasileiro. Por conseguinte, a única hipótese de
cabimento aventada pelo mencionado autor seria a da falta ou nulidade da citação do réu
revel. No mesmo sentido é a opinião de Rogério Marrone de Castro Sampaio, o qual elenca,
além da hipótese da nulidade/ausência de citação do réu revel, outras hipóteses de
cabimento da querella.
Quanto ao artigo 475-L do CPC (incorporado ao direito processual pátrio pela Lei
11.232, de 22 de dezembro de 2005), interessante notar que a hipótese da citação nula ou
inexistente é agora aventada por meio de mera impugnação (e não mais de embargos à
execução, como anteriormente dispunha o artigo 741, inciso I do mesmo diploma legal). É
certo que o CPC não estabelece quais os requisitos da petição de impugnação. Entretanto, o
tratamento legal mais simplificado dado à impugnação indica uma atenuação de seu
rigorismo formal – ou seja, tem a impugnação feição de incidente processual, e não de ação
autônoma.

20
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Sentenças Inexistentes e “Querella Nullitatis”. Disponível em
http://www.lfg.com.br/artigos/Sentencas_inexistentes.pdf (acesso em 20 de setembro de 2006).

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Portanto, diante da atual configuração da impugnação (aventada em sede de


execução de sentença) fundada na falta ou nulidade da citação do réu, não mais se pode
dizer que se trata de caso típico de ação declaratória de inexistência pois, in casu, estamos
diante de mero incidente processual, e não de ação autônoma.
Entretanto, acaso se entenda que qualquer instrumento processual é idôneo para
declarar a inexistência da sentença proferida sem a citação (na esteira do que preleciona
Enrico Tullio Liebman, conforme será visto em item infra), a hipótese do artigo 475-L do
CPC também estaria englobada dentre as possibilidades da querella nullitatis.

2.7. Hipóteses de cabimento da querella nullitatis – divergências doutrinárias a respeito

Existem muitos autores de renome que admitem a existência desta ação


impugnativa autônoma no Direito pátrio. Todavia, há entre eles divergências consideráveis
sobre as hipóteses de cabimento desta ação.
Para Silvio Ferigato Neto21, a ação declaratória de inexistência é cabível tanto nos
casos de ausência de pressupostos processuais de existência quanto nos casos de ausência
de condição da ação. Outros admitem a existência da querella nullitatis em hipóteses
bastante restritas, como no caso de citação nula ou inexistente.
Neste sentido é também o ensinamento de Alexander dos Santos Macedo, para
quem “o vício de atividade considerado o mais grave de todos é a falta ou nulidade de
citação do réu no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia 22”. Para este
autor, “a citação do réu constitui requisito de validade do processo e respeito ao direito de
defesa, insculpido como dogma na Constituição Federal (art.5º, inciso LV)22” (grifo
nosso), e não requisito de existência, como preceituam outros autores de renome, já
mencionados neste trabalho.
Há também os autores que incluem a chamada coisa julgada inconstitucional dentre
o rol de hipóteses de cabimento do remédio processual em estudo. É o caso de Humberto
Theodoro Junior e Carlos Valder, mencionados por Daniel Gomes de Oliveira: “Não se
pode olvidar que a coisa julgada inconstitucional é nula e atacada não por ação rescisória,
mas por ação declaratória de nulidade da decisão, a chamada querella nullitatis (...)”.
Assim, para Enrico Túlio Liebman, doutrinador de indiscutível renome, o fato de o
processo ser inexistente possibilita a sua impugnação por qualquer meio processual, não
sendo necessária a criação legislativa de uma ação impugnativa autônoma – a ação
declaratória de inexistência.
Desta maneira, vislumbra-se que, dentre os doutrinadores que concordam com a
existência da chamada querella nullitatis em nosso ordenamento, há bastante divergência a
respeito das hipóteses de cabimento deste instituto. Há aqueles que adotam posição bastante
liberal (como Tereza Arruda Alvim Wambier, que considera seis hipóteses de cabimento
para esta ação), bem como outros que adotam posição bastante restritiva (como Aldroaldo
Fabrício Furtado, que considera apenas a hipótese de citação nula ou inexistente, aliada à

21
FERIGATO NETO, Silvio. Algumas diferenças entre a ação rescisória, a querella nullitatis e a ação
anulatória. Disponível em http://www.diex.com.br/portal/artigos_det.asp?id=20050405103600589 (acesso em
01 de outubro de 2006).
22
MACEDO, Alexander dos Santos. Da Querella Nullitatis – Sua Subsistência no Direito Brasileiro. 3ª ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.73.

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revelia do réu), ou ainda os que acreditam na própria desnecessidade da querella nullitatis


para a extirpação da sentença inexistente (como é o caso de Liebman).
Em meio a tantas divergências, parece razoável admitir que o vício da inexistência
deva sim ser reconhecido pelo Poder Judiciário. Conforme ensina Rogério Marrone de
Castro Sampaio, “mesmo que considerado inexistente o ato processual, há necessidade de
que assim seja declarado pelo Poder Judiciário, o que é passível de ser atingido por ação
declaratória.”

2.8. O procedimento da ação declaratória de inexistência. Competência. Efeitos

A ação declaratória de inexistência revela-se uma verdadeira ação declaratória - por


conseguinte, os pressupostos processuais de existência (petição inicial, jurisdição, citação,
representação do autor), bem como os pressupostos processuais de validade (intrínsecos e
extrínsecos), devem ser observados.
A ocorrência de sentença inexistente, conforme mencionado anteriormente, impõe a
exclusão da ação rescisória, pois não há revisão a ser realizada. Portanto, o dispositivo da
decisão da querella nullitatis obrigatoriamente será uma declaração de inexistência.
Como ação declaratória que é, a querella nullitatis não se sujeita a prazo
decadencial ou prescricional. Isto porque o movimento do Poder Judiciário alcançará, tão
somente, uma certeza jurídica. Ademais, a ação deve obedecer o rito ordinário, vez que não
há outro previsto no ordenamento jurídico hábil a comportar o trâmite descrito.
Nesta oportunidade, é crucial dedicar algumas considerações acerca da competência
para o julgamento da querella nullitatis, bem como sobre os efeitos desta ação.
A querella nullitatis tem como pedido uma declaração que suplanta o interesse
individual, vez que é de interesse público o banimento de decisões inexistentes, que
afrontam tão gravemente o ordenamento jurídico.
Há quem sustente que o Supremo Tribunal Federal teria competência originária para
julgar a querella nullitatis ante a gravidade da situação experimentada. Contudo, tal
entendimento não se sustenta, por falta de previsão constitucional nesse sentido.
Alexander dos Santos Macedo ensina o seguinte:

“A competência para o processamento e julgamento da ação, que é funcional, é do


juízo que tiver processado e julgado a ação anterior, na qual ocorreu o vício,
podendo ser de primeira ou de segunda instancia, inclusive dos Tribunais
Superiores, até do STF.”

O entendimento deste autor se revela coerente. Admitir que apenas os tribunais


processem e julguem a querella nullitatis é o mesmo que aplaudir a supressão de instância,
vez que se trata de uma nova ação. Logo, apenas nos casos de competência originária deve
esta ação ser proposta perante um tribunal.
Para análise dos efeitos da querella nullitatis, há de ser traçado um paralelo entre a
ação declaratória de inconstitucionalidade e a própria querella nullitatis, vez que a sentença
inexistente afronta gravemente a Carta Magna.
Há autores que sustentam que os efeitos da declaração são ex tunc; outros sustentam
que os efeitos são ex nunc. A despeito da controvérsia, há de se observar que nem mesmo
os efeitos da ação declaratória de inconstitucionalidade são inflexíveis (havendo a chamada
“modulação de efeitos” pelo Supremo Tribunal Federal).

Michell Nunes Midlej Maron 112


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Ou seja: o julgador deve valer-se do princípio da proporcionalidade no julgamento


desta ação. É certo que algo inexistente deve ser tido como natimorto (efeito ex tunc) - mas,
em algumas situações excepcionais (em que estejam em jogo a garantia da ordem jurídica
ou a relevância social do caso concreto), há de ser reconhecido o efeito ex nunc. Assim, o
julgador deverá considerar as conseqüências da sentença inexistente no caso concreto, nos
moldes previstos para a modulação de efeitos na ação declaratória de inconstitucionalidade.

2.9. Conclusão

A ação declaratória de inexistência mostra-se como o instrumento adequado para


extirpar do mundo jurídico sentenças que sejam fruto de ato processual inexistente, ante a
ausência de um (ou alguns) dos pressupostos de existência (ou de constituição) do processo
(como a petição inicial, a jurisdição, a citação e a capacidade postulatória).
É certo que, apesar de inexistentes, tais atos produzirão regularmente seus efeitos
enquanto não forem expurgados do mundo jurídico. Assim, mister se faz a utilização desta
via processual autônoma, que objetiva denunciar as nulidades absolutas ocorridas no
processo (as quais chegam a torná-lo inexistente): a ação declaratória de inexistência,
objeto das considerações feitas no presente estudo.
É imperioso que o vício da inexistência seja declarado pelo Poder Judiciário, vez
que as sentenças tidas por inexistentes, ao menos no mundo fático, existem, e produzem
efeitos.
O estudo desta ação contribui para a maior difusão deste valiosíssimo instrumento
no meio jurídico, tanto na seara acadêmica quanto na profissional. Ao trazer luz a este
importante instituto, diferenciando-o da ação rescisória e da ação anulatória, as autoras
pretenderam demonstrar a presença deste remédio processual no direito processual pátrio, a
despeito da precariedade legislativa sobre o tema.

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Casos Concretos

Questão 1

Caio propôs em face de Tício ação de cobrança de dívida. O réu não foi citado e,
em decorrência, não apresentou resposta, mas, mesmo assim, o pedido inicial foi julgado
procedente, por sentença contra a qual não foi interposto recurso algum. Durante a fase de
cumprimento de sentença, o réu/executado, regularmente intimado do auto de penhora e
avaliação na forma do § 1º do artigo 475-J do CPC, permaneceu inerte, sem oferecer
impugnação. Dentro do biênio legal, tampouco ajuizou Ação Rescisória da sentença
exeqüenda. Às vésperas da hasta pública do imóvel penhorado, entrou com petição
pedindo ao juiz que cancele a praça marcada para o dia seguinte e declare a inexistência
ou, alternativamente, a nulidade de todo o processo de conhecimento, inclusive da
sentença que nele se prolatou. Alegou, em síntese, como causa de pedir, a prestação
jurisdicional, o seguinte: a) não tendo sido feita a citação, e, portanto, não tendo ocorrido
a triangulação da relação processual, inexiste processo, no sentido jurídico da expressão,
e, em decorrência, inexiste, igualmente, a sentença que, no processo inexistente, foi
proferida; b) a não se entender assim, pelo menos nulos ipso jure são o processo e a
sentença; c) tanto num caso como no outro, a sentença que se proferiu no processo de
conhecimento em que não houve citação e defesa não pode produzir efeito algum, menos
ainda o de autorizar a penhora de bens do suposto devedor e a alienação deles em hasta
pública; d) sendo caso de inexistência ou, pelo menos, de nulidade ipso jure do processo e
da sentença, o vício pode ser alegado em qualquer tempo, constituindo a alegação objeto
de querella nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo. Tício tem razão?

Resposta à Questão 1

O processo existiu, mas não há nulidade, eis que a coisa julgada converteu o vício
em rescindibilidade. Sendo o caso, cabe, de fato, a querella nullitatis. Veja o que entende o
STJ, nos julgados do REsp. 194.029 e do REsp. 220.110:

“REsp 194029 / SP. DJ 02/04/2007 p. 310.


PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. QUERELLA NULLITATIS.
CABIMENTO. LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE
TODOS OS RÉUS.
É cabível ação declaratória de nulidade (querella nullitatis), para se combater
sentença proferida, sem a citação de todos os réus que, por se tratar, no caso, de
litisconsórcio unitário, deveriam ter sido citados.
Recurso conhecido e provido.”

“REsp 220110 / PA. DJ 04/08/2003 p. 305. PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO


DO AGRAVO ANTES DA APELAÇÃO. ART. 559, CPC. VÍCIO INSANÁVEL.
NULIDADE ABSOLUTA. OCORRÊNCIA DA COISA JULGADA. EFEITO
SANATIVO. AGRAVO PREJUDICADO. DOUTRINA. RECURSO ESPECIAL
DESACOLHIDO.

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

I - O julgamento do agravo deve preceder ao da apelação, pena de nulidade, uma


vez que no agravo não se poderia desconstituir o acórdão da apelação, ficando o
mesmo sem objeto.
II - A nulidade decorrente da inobservância da ordem de julgamento estabelecida
no art. 559, CPC, fica acobertada pelo trânsito em julgado do acórdão da apelação,
restando a ação rescisória, se caracterizados seus demais pressupostos.
III - Somente os atos inexistentes e os nulos pleno iure não se sujeitam à coisa
julgada como sanatória geral.
IV - O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar eventual
ofensa a dispositivos da Constituição, missão reservada ao Supremo Tribunal
Federal.
V - A falta de demonstração da violação da lei federal, ainda que indicados os
artigos de lei, atrai a incidência do enunciado n. 284 da súmula/STF.”

Há, porém, no entendimento de Wilson Marques, o cabimento de mandado de


segurança contra esta sentença transitada em julgado, com o fito de desconstituir o processo
como um todo.

Questão 2

Otávio, juiz de Direito designado pelo TRE para coordenar a fiscalização da


propaganda eleitoral no Município de Petrópolis, ajuizou ação de indenização por dano
moral em face do Jornal Fluminense, por ter este publicado matérias ofensivas à sua
honra. Um dos juízes da comarca, para agilizar o pedido do colega, ordenou a citação do
jornal, dando-se por suspeito posteriormente ao ato processual, em razão da existência de
comunicado publicado em outro jornal da região, do qual foram signatários todos os juízes
da Comarca de Petrópolis, externando irrestrito apoio ao demandante, sobre os fatos do
processo. Em razão da suspeição de todos os juízes da Comarca, o TJ/RJ designou a juíza
Fátima para atuar no feito, tendo esta decretado a revelia do réu e julgado procedente o
pedido, fixando indenização no valor correspondente a 800 salários-mínimos.Iniciada a
fase de cumprimento da sentença, o jornal, no prazo de que trata o § 1º do art.475-J do
Código de Processo Civil, alegou nulidade do processo de conhecimento através de
exceção de pré-executividade, porque a citação foi determinada por juiz suspeito, que
assinou manifesto público em favor do autor. Aduziu ter excepcionado a suspeição na
época, mas sem sucesso. A exceção de pré-executividade não foi acolhida sob o
fundamento de que após o trânsito em julgado da sentença todos os vícios convalidam-se
pela "sanatória geral". Sustentou que não seria possível argüir a suspeição, nem mesmo
em sede de impugnação uma vez que não elencada no art. 475-L do CPC, muito menos em
exceção de pré-executividade que sequer tem previsão legal; e, finalmente, por respeito à
coisa julgada, garantia assegurada pela Constituição Federal para gerar segurança
jurídica. Diante do caso, como você decidiria a questão? Fundamente a resposta.

Resposta à Questão 2

Não tem razão a parte: a exceção de pré-executividade não é meio hábil a tratar do
tema.
Veja o Agravo de Instrumento 2003.002.06305, do TJ/RJ:

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. IVAN CURY - Julgamento: 16/03/2004 -


DECIMA CAMARA CIVEL. ACAO DE INDENIZACAO. PROPAGANDA
ELEITORAL. EXCECAO DE PRE-EXECUTIVIDADE.
Agravo de Instrumento. Ação indenizatória por dano moral proposta por Juiz de
Direito designado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro
para coordenar a fiscalização da propaganda eleitoral em Município desse Estado.
Jornal local que teria publicado matérias ofensivas à sua honra. Manifesto público
assinado por todos os Juizes da Comarca, anteriormente à propositura da demanda,
externando irrestrito apoio ao colega, sobre os fatos do processo. Exceção de
suspeição oposta. Revelia decretada. Sentença condenando a parte ré/agravante a
pagar o valor equivalente a 800 (oitocentos) salários mínimos à parte autora-
agravada. Ação de execução. Penhora de bens. Exceção de pré-executividade
rejeitada. 1 - A citação na ação de conhecimento foi ordenada por um dos Juizes
que assinou o manifesto, o qual declarou-se posteriormente suspeito por motivo
superveniente. Magistrado que carecia de isenção e imparcialidade suficientes,
pressupostos inamovíveis para a instauração de relação processual válida. Ato
processual absolutamente nulo, e, conseqüentemente nula a sentença. 2 - Violação
ao princípio constitucional do devido processo legal, superior ao dogma da
intangibilidade da coisa julgada. Princípio Constitucional que garante ao litigante
em um de seus mais importante ângulos, um juiz eqüidistante e isento. 3 -
Relativização da coisa julgada. Coisa julgada inconstitucional. Doutrina e
jurisprudência. A existência de vício essencial sobrevive a qualquer preclusão
alegada prevalecendo o interesse público de preservação da ordem jurídica justa e
dos princípios Constitucionais. 4 - Decisão prolatada na exceção de suspeição
carecendo de publicidade. Desrespeito aos princípios processuais. 5 - Agravo
provido, acolhendo-se a exceção de pré-executividade, anulando-se todo o
processado, a partir do ato que determinou a citação, inclusive.”

Questão 3

A Lei 9.099/95 expressamente declara a impossibilidade de utilização da ação


rescisória no Juizado Especial Cível. É possível substituí-la por mandado de segurança
para rescindir, total ou parcialmente, os efeitos da coisa julgada material?

Resposta à Questão 3

Wilson Marques entende que, mesmo que não se fale em substituição, a rigor, é
cabível o mandamus neste caso, ao argumento de que não há vedação constitucional a este
cabimento, se atendidos os pressupostos de cabimento do mandamus.

Michell Nunes Midlej Maron 116


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Tema XI

Ação popular constitucional.

Notas de Aula23

1. Ação popular

A ação popular é das mais antigas da história do direito,tendo nascido no Direito


Romano sob a alcunha de actiona popularis. Em Roma, todos os cidadãos romanos
poderiam propor esta ação com o fito de proteger o patrimônio comum, e os interesses
comuns em geral.
Na idade média, porém, esta ação foi deixada um pouco de lado, ante o mau
relacionamento entre Estado e cidadãos que à época vigeu. Desde 1836, porém, esta actio
ressurgiu com força, primeiro na Bélgica, neste ano; na França, em 1837; e na Itália, em
1859.
A primeira Constituição brasileira a trazer o instrumento com o devido valor foi a de
1934. Nesta Carta, porém, o escopo desta ação era a proteção do patrimônio público stricto
sensu, ou seja, os bens pertencentes aos entes federativos. A ação popular não tinha o amplo
espectro com que hoje conta.
A Constituição de 1937 representou um intervalo na história deste instrumento: ante
o autoritarismo do regime da época, não se contemplou a ação popular como instrumento
de controle da atuação estatal.
Em 1988, porém, é que a CRFB trouxe a ação popular com o alcance que deve ter,
qual seja, a efetiva defesa de todo interesse da sociedade. Diz a CRFB, no artigo 5º,
LXXIII:

“(...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência;
(...)”

Veja quão ampla é a finalidade desta ação, que não só protege o patrimônio público,
lato sensu, como também diversos outros valores abstratos, como a própria moralidade
pública.
A ação popular reforça a tese de que o processo não se destina apenas a solucionar
questões intersubjetivas. Há bens e interesses que são de todos, e por todos devem ser
protegidos – daí a evolução da tutela coletiva que tem sido empreendida.
A Lei 4.717/65 é a sede regulamentar da ação popular. Esta ação comporta
modalidades preventiva e repressiva, respectivamente quando há a ameaça ou a efetiva
lesão ao bem coletivo que se quer proteger. O artigo 21 da Lei 4.717/65 estabelece prazo de
cinco anos para a propositura da ação, contados do conhecimento da lesão:
23
Aula ministrada pela professora Flávia Bahia Martins, em 14/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Art. 21. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.”

Em suma, a ação popular visa a defender o patrimônio público, histórico e cultural,


a moralidade administrativa, e o meio ambiente, contendo pedido de não realização ou
anulação de ato lesivo ao bem comum. Possui natureza jurídica híbrida, pois é ao mesmo
tempo um remédio constitucional e um direito público subjetivo político. Pode ser
preventiva ou repressiva, sendo que a sua via repressiva deve obedecer ao prazo de cinco
anos, contados a partir do conhecimento da lesão.

1.1. Legitimidade

A natureza de manifestação de direito político, manifestação do sufrágio, por ser


direito público subjetivo político, significa que a ação popular só pode ser proposta por
cidadão brasileiro. O conceito de cidadania adotado em nosso ordenamento é estrito: é
cidadão somente aquele que está em gozo de seus direitos políticos. Por isso, o autor da
ação popular deve comprovar sua regularidade eleitoral, um dos requisitos da cidadania, já
na petição inicial. Qualquer cidadão, portanto, pode ajuizar ação popular em qualquer
parte do território nacional – e não somente naquele local onde reside, por exemplo.
Há quem defenda que esta legitimidade restrita não seria constitucional, mas a
jurisprudência não dá ouvidos a esta crítica: é limitado, o pólo ativo da ação popular, ao
cidadão.
Não são legitimados, portanto, os inalistáveis, ou aqueles que perderam ou estão
com seus direitos políticos suspensos. São inalistáveis os estrangeiros e os conscritos, e não
têm direitos políticos aqueles arrolados no artigo 15 da CRFB:

“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se


dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos
termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.”

O português equiparado poderia ajuizar ação popular? Se ele for considerado


cidadão, terá legitimidade, mas se não for, não terá. Veja: o artigo 12, § 1º, da CRFB,
permite que o português residente no pais pleiteie a equiparação a brasileiro naturalizado,
mas esta situação, de equiparado, não lhe atribui a condição de cidadão. Se o português
estiver nesta situação, não terá direitos políticos, e não será legitimado para a ação popular.
D’outrarte, se o português requerer à Justiça Eleitoral o reconhecimento de sua cidadania,
pela inscrição como eleitor, neste caso, tornar-se-á cidadão, e por isso se tornará legitimado
para a ação popular. Em síntese, só poderá ajuizar ação popular se se equiparar a brasileiro
naturalizado cível (perante o Ministério da Justiça) e politicamente (perante a Justiça
Eleitoral).

“Art. 12. São brasileiros:


(...)

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade


em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os
casos previstos nesta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 3, de 1994)
(...)”

Os menores de dezoito anos, maior de dezesseis, não precisa estar assistido para
ajuizar a ação popular, pois ainda que civilmente seja relativamente incapaz, é
politicamente capaz. A doutrina, em peso, defende que não é necessária a assistência, mas,
em sentido contrário à maioria, Luis Roberto Barroso defende que a convivência harmônica
entre a legislação material e processual exige que a assistência seja presente neste caso,
porque a CRFB traça a norma material – a existência de direito político – mas a norma
processual que demanda a assistência ainda deve ser observada. O STJ já se posicionou
pela necessidade da assistência, diga-se.
Pessoas jurídicas não podem ajuizar ação popular. Veja a súmula 365 do STF:

“Súmula 365, STF: Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação
popular.”

Da mesma forma, o Ministério Público não tem legitimidade para esta ação, apesar
de ter relevante papel no seu curso.
Vale a síntese: a ação popular só pode ser proposta pelo cidadão brasileiro, que, em
regra, é o brasileiro nato ou naturalizado que esteja em pleno gozo de seus direitos
políticos. Os inalistáveis, os inalistados, e os que sofreram perda ou suspensão de seus
direitos políticos, não têm legitimidade para a ação popular. Além disso, a súmula 365 do
STF deixa claro que a ação não pode ser ajuizada por pessoa jurídica, e esta vedação
alcança também o MP. Se os portugueses equiparados estiverem em gozo de direitos
políticos no Brasil, também podem ajuizar a ação. Segundo a doutrina majoritária, o
cidadão com menos de dezoito anos não precisa de assistência para ajuizar a ação popular,
pois a CRFB lhe dá legitimidade material e processual, mas Barroso, em sentido contrário,
entende que a CRFB não derrogou a legislação processual, pelo que há, sim, necessidade de
assistência para tal pessoa ingressar em juízo.
A Lei 4.717/65 exige que no pólo passivo estejam todos os envolvidos na lesão ou
ameaça que se estiver apontando: há um litisconsórcio passivo necessário. Contudo, não
será unitário, porque cada componente do pólo passivo pode sofrer efeitos diversos da
decisão da ação popular.

1.2. Função do Ministério Público na ação popular

O artigo 9º da Lei 4.717/65 determina:

“Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão


publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando
assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público,
dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o
prosseguimento da ação.”

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O MP pode dar prosseguimento à ação, desde que a considere necessária,


legitimidade que é também dada a qualquer cidadão, como se vê no dispositivo. É claro que
não está obrigado a prosseguir com ação que considere temerária.
O artigo 16 deste mesmo diploma traz outra atribuição importante para o MP:

“Art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença


condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a
respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30
(trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.”

O MP participará de todas as ações populares, como custos legis, e na forma dos


artigos supra, atuará ainda como substituto processual, e poderá promover a execução da
sentença, caso esta não seja promovida pelo autor da ação. Veja que a execução é um
poder-dever oficial, enquanto o prosseguimento da ação é um poder, apenas, por conta da
possível inutilidade da ação.

1.3. Competência e liminar

Em regra, a competência é do juízo de primeiro grau, dada a necessidade de se


facultar acesso a este importante tipo de justiça para todos os cidadãos. O artigo 5º da Lei
da Ação Popular trata da competência, e também abre caminho à liminar em ação popular,
no seu § 4º:

“Art. 5º Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da


ação, processá-la e julgá-la o juiz que, de acordo com a organização judiciária de
cada Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao
Estado ou ao Município.
§ 1º Para fins de competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Federal, do
Estado ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas
pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas
sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em
relação às quais tenham interesse patrimonial.
§ 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra
pessoas ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver;
quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o
juiz das causas do Estado, se houver.
§ 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que
forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos
fundamentos.
§ 4º Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo
impugnado. (Incluído pela Lei nº 6.513, de 1977)”

De acordo com a origem do ato impugnado é que será definida a competência: se a


União tem participação, será competente a Justiça Federal; se apenas os entes menores, a
Justiça Estadual.
Há, no entanto, ações populares de competência originária do STF: quando apontar
membros da magistratura ou quando a ação envolver conflito federativo. Veja as alíneas “f”
e “n” e do inciso I do artigo 102 da CRFB:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

(...)
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal,
ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
(...)
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente
interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem
estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;
(...)”

Destarte, a fixação da competência para a ação popular, na forma do artigo 5º,


caput, da Lei 4.717/65, levará em consideração o local de origem do ato ou omissão
impugnado, e, em regra geral, não há competência originária de tribunais para tal ação,
sendo a competência, em regra, dos juízos de primeiro grau, federais ou estaduais,
ressalvadas as exceções do artigo 102 da CRFB, acima apontadas.
A respeito, veja a Petição 3.388, constante do informativo 539 do STF:

“Demarcação de Terras Indígenas: Raposa/Serra do Sol - 13


Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido
formulado em ação popular ajuizada por Senador da República contra a União, em
que se impugnava o modelo contínuo de demarcação da Terra Indígena
Raposa/Serra do Sol, situada no Estado de Roraima, e pleiteava a declaração de
nulidade da Portaria 534/2005, do Ministro de Estado da Justiça, e do Decreto
homologatório de 15.4.2005, do Presidente da República — v. Informativos 517 e
532. Na sessão de 19.3.2009, o Tribunal, inicialmente, em votação majoritária,
rejeitou questão de ordem suscitada por representante de comunidade indígena
assistente, no sentido de renovação da oportunidade de sustentação oral das partes,
em face de novos fatos surgidos no julgamento, consubstanciados nas condições
submetidas à apreciação da Corte no voto-vista do Min. Menezes Direito. Vencido,
no ponto, o Min. Joaquim Barbosa, que acolhia a questão de ordem, ao
fundamento de que as referidas condições inovariam radicalmente em relação ao
que proposto na ação popular, não se tendo debatido sobre elas em nenhum
momento no curso do processo.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 18 e 19.3.2009. (Pet-3388)”

“Demarcação de Terras Indígenas: Raposa/Serra do Sol - 14


Quanto ao mérito, prevaleceu o voto do Min. Carlos Britto, relator, que assentou a
condição indígena da área demarcada como Raposa/Serra do Sol, em sua
totalidade, tendo o Tribunal aprovado, ainda, a partir das explicitações feitas pelo
Min. Menezes Direito, as seguintes condições: 1) o usufruto das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (CF, art. 231, § 2º) pode ser
relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, § 6º, da CF, relevante
interesse público da União, na forma de lei complementar; 2) o usufruto dos índios
não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que
dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional; 3) o usufruto dos índios
não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de
autorização do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação nos
resultados da lavra, na forma da lei; 4) o usufruto dos índios não abrange a
garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão da
lavra garimpeira; 5) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política
de Defesa Nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais
intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de
alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de


Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às
comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; 6) a atuação das Forças Armadas
e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica
assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas
envolvidas ou à FUNAI; 7) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela
União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de
transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela
União, especialmente os de saúde e educação; 8) o usufruto dos índios na área
afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade; 9) o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade
de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das
comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, as
tradições e os costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a
consultoria da FUNAI; 10) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve
ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições
estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 11)
devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no
restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela
FUNAI; 12) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não podem ser
objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte
das comunidades indígenas; 13) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer
natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das
estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer
outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido
excluídos expressamente da homologação ou não; 14) as terras indígenas não
poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que
restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena
ou pelos índios; 15) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos
grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática da caça, pesca ou coleta de
frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa; 16) as terras sob ocupação
e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas
naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos
artigos 49, XVI, e 231, § 3º, da Constituição da República, bem como a renda
indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de
quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros; 17) é vedada a
ampliação da terra indígena já demarcada; 18) os direitos dos índios relacionados
às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis; 19) é
assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de
demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase
em que se encontrar o procedimento. Determinou-se, por fim, a execução imediata
do acórdão, independentemente da sua publicação, ficando cassada a medida
cautelar concedida na ação cautelar 2009/RR, por meio da qual se suspendera a
desintrusão dos não-índios das áreas demarcadas. Deliberou-se, ainda, que a
supervisão da execução caberá ao Min. Carlos Britto, relator, que fará essa
execução em entendimento com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
especialmente o seu Presidente.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 18 e 19.3.2009. (Pet-3388)”

“Demarcação de Terras Indígenas: Raposa/Serra do Sol - 15


Quanto à condição 17, fizeram ressalva os Ministros Carlos Britto, relator, Eros
Grau e Cármen Lúcia. O relator, no ponto, tendo em conta o marco temporal
adotado pela maioria da Corte, admitia a ampliação de terras indígenas demarcadas
antes da Constituição de 1988. Ficaram vencidos os Ministros Joaquim Barbosa,
que julgava o pedido improcedente, e Marco Aurélio, que o julgava procedente. O

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Min. Marco Aurélio, preliminarmente, declarava a nulidade do processo,


apontando a ausência de: 1) citação das autoridades que editaram a Portaria
534/2005 e o Decreto homologatório; 2) citação do Estado de Roraima e dos
Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia; 3) intervenção oportuna do
Ministério Público na instrução da ação popular; 4) citação de todas as etnias
indígenas; 5) produção de provas; 6) intimação dos detentores de título de
propriedade. Relativamente ao mérito, fixava os seguintes parâmetros para uma
nova ação administrativa demarcatória, ao fundamento de ser nula a anterior: 1)
audição de todas as comunidades indígenas existentes na área a ser demarcada; 2)
audição de posseiros e titulares de domínio consideradas as terras envolvidas; 3)
levantamento antropológico e topográfico para definir a posse indígena, tendo-se
como termo inicial a data da promulgação da Constituição Federal, dele
participando todos os integrantes do grupo interdisciplinar, que deveriam
subscrever o laudo a ser confeccionado; 4) em conseqüência da premissa
constitucional de se levar em conta a posse indígena, a demarcação deveria se fazer
sob tal ângulo, afastada a abrangência que resultou da primeira, ante a indefinição
das áreas, ou seja, a forma contínua adotada, com participação do Estado de
Roraima bem como dos Municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia no
processo demarcatório; 5) audição do Conselho de Defesa Nacional quanto às
áreas de fronteira.
Pet 3388/RR, rel. Min. Carlos Britto, 18 e 19.3.2009. (Pet-3388)”

1.4. Gratuidade

A ação popular é gratuita, justamente por seu escopo protetivo de interesses


públicos. Fosse onerosa, certamente desencorajaria a propositura por cidadãos do povo, que
ficariam temerosos de padecerem de eventuais custas de sucumbência.
Se proposta de má-fé, como instrumento de perturbação política, como instrumento
de manipulação da justiça, a ação será onerosa.
Os honorários periciais, em regra, serão custeados pelo Poder Público, mas este
assunto é polêmico. Se o perito judicial for serventuário do Estado, a situação é mais
tranqüila, eis que este já é remunerado pelo Estado, normalmente. Sendo necessária perícia
alheia àquelas que são de possível realização pelos serventuários estatais, ainda assim se
incumbe o custeio ao Estado, em regra, mas a matéria ainda é alvo de discussão.

1.5. Controle de constitucionalidade e ação popular

A ação popular é um importante instrumento de fiscalização da constitucionalidade


incidental de normas primárias. É claro que, como qualquer ação do controle difuso, a
declaração de inconstitucionalidade não pode integrar o pedido: é apenas parte da causa de
pedir, destinada a figurar incidentalmente no fundamento da decisão.
Esta é a posição majoritária. Arnoldo Wald, no entanto, é contrário à utilização da
ação popular – ou de qualquer tutela coletiva – para controlar a constitucionalidade de atos.

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Casos Concretos

Questão 1

Uma vez proposta Ação Popular perante a Justiça Federal, foi deferido pedido de
tutela antecipada no sentido de determinar às Autoridades Impetradas - Presidentes da
República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal
- que fossem adotadas providências com relação à limitação de vencimentos e proventos
dos agentes políticos dos três poderes. Postulou-se, com tal medida, que fossem supridas
as omissões administrativas necessárias à efetividade do artigo 29 da Emenda
Constitucional n° 19/98.Cientificado da citada decisão, o Exm° Sr. Procurador Geral da
República ingressou com uma Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, alegando
usurpação de competência, pedindo liminar para a suspensão do curso da referida ação
até sua respectiva decisão final. Comente o deferimento de tal antecipação de tutela, as
razões que inspiraram a propositura da Reclamação por parte da PGR, bem como decida
fundamentadamente a questão.

Resposta à Questão 1

A tutela requerida na ação popular invade a competência do STF no julgamento da


ADI por omissão. Assim, neste caso, há usurpação da competência do Supremo, e a
reclamação deve ser provida.
Veja a Reclamação 1.017 do STF:

“Rcl 1017 / SP - SÃO PAULO. RECLAMAÇÃO. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA


PERTENCE. Julgamento: 07/04/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: Reclamação: usurpação da competência do STF (CF, art. 102, I, l): ação
popular que, pela causa de pedir e pelo pedido de provimento mandamental
formulado, configura hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade por
omissão de medidas administrativas, de privativa competência originária do
Supremo Tribunal: procedência.”

Questão 2

A Constituição incluiu, entre as causas de propositura da ação popular, a proteção


ao meio ambiente. A ação popular, antes da Constituição, era usada somente para
anulação de atos lesivos ao patrimônio público, exigindo-se, assim, a demonstração da
ilegalidade e da lesividade do ato. A ação popular, ajuizada para proteção ao meio
ambiente, está condicionada à demonstração do binômio ilegalidade-lesividade?

Resposta à Questão 2

O entendimento majoritário é de que não é necessário o preenchimento do binômio.


O meio ambiente geraria causa autônoma de propositura da ação popular, sendo dispensada
a demonstração do binômio ilegalidade-lesividade.

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Questão 3

Acusado de improbidade administrativa, o Prefeito de determinado Município, após


determinação judicial, fora afastado preventivamente de seu cargo. Tal decisão foi
modificada, conforme determinado pela 2ª Turma do STJ, ocasionando a recondução do
Prefeito.
Buscando a manutenção do afastamento do Prefeito, NEIDE MÁRCIA propõe ação
popular, perante o STF, com pedido de medida liminar, contra a decisão da 2ª Turma do
STJ. Entende que o ato decisório em tela deveria ser anulado pela ausência de técnica e de
amparo legal, além de revelar-se lesivo ao princípio ético-jurídico da moralidade. Pugna,
enfim, pela maior atenção por parte dos Tribunais do país a casos de improbidade
administrativa e malversação de verbas públicas. Para que se reconheça a competência do
STF para processo e julgamento, a autora popular invoca as normas contidas no art. 102,
I, n e o, da CRFB.
Analisando-se a natureza jurídica da ação popular, bem como o conteúdo do ato
estatal por ela impugnado, avalie o cabimento do pedido de NEIDE.

Resposta à Questão 3

Não é cabível ação popular em face de ato jurisdicional, conforme jurisprudência


assentada do STF: seria cabível o recurso dedicado ao guerreio da decisão. Veja, a respeito,
as transcrições da Petição 2.018, constantes do informativo 195 do STF:

“Ação Popular: Não Cabimento (Transcrições)


PET. 2.018-SP - medida liminar * RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO.
EMENTA: AÇÃO POPULAR PROMOVIDA CONTRA DECISÃO EMANADA
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA
ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INADMISSIBILIDADE
DA AÇÃO POPULAR CONTRA ATO DE CONTEÚDO JURISDICIONAL.
AÇÃO POPULAR DE QUE NÃO SE CONHECE.
- O Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária para processar
e julgar ação popular promovida contra decisão emanada do Superior Tribunal de
Justiça. Mais do que isso, revela-se inadmissível o ajuizamento da demanda
popular que busca a invalidação de ato de conteúdo jurisdicional (AO 672-DF, Rel.
Min. CELSO DE MELLO). Doutrina. Jurisprudência.
DECISÃO: Trata-se de ação popular constitucional, com pedido de medida liminar
(fls. 12), ajuizada contra decisão emanada da Segunda Turma do E. Superior
Tribunal de Justiça, "que reconduziu o Prefeito de São Paulo ao seu cargo" (fls.
10), promovida sob a alegação de que o ato decisório em causa deve ser anulado,
por "ausência de tecnicalidade" e de "absoluta falta de amparo legal", além de
revelar-se lesivo ao princípio ético-jurídico da moralidade.
O autor popular sustenta que, "Em casos de improbidade administrativa e
malversação de verbas públicas, os Tribunais do País devem estar sempre atentos",
qualquer que seja o transgressor das leis da República: "o governador, o prefeito ou
o vereador" (fls. 11).
O autor da presente ação popular, buscando a restauração do status quo ante,
pretende o deferimento de medida cautelar, em ordem a "Que o prefeito titular seja
substituído até o fim do julgamento" desta causa (fls. 12), restabelecendo-se,
provisoriamente, a decisão da mesma Colenda Segunda Turma do STJ, que, em

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

02/6/2000, ao manter o ato decisório da lavra da eminente Ministra ELIANA


CALMON, confirmou o afastamento preventivo do atual Prefeito do Município de
São Paulo.
O autor popular, invocando as normas inscritas no art. 102, I, "n" e "o", da
Constituição Federal, pretende seja reconhecida a competência desta Suprema
Corte, para processar e julgar, originariamente, a presente ação popular.
Passo a apreciar o pedido.
Cabe analisar, preliminarmente, a possibilidade de ajuizamento originário, perante
o Supremo Tribunal Federal, da presente ação popular constitucional.
Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 - observando uma tradição que se
inaugurou com a Carta Política de 1934 - não incluiu o julgamento da ação popular
na esfera das atribuições jurisdicionais originárias da Suprema Corte.
Na realidade, a previsão de ação popular não se subsume a qualquer das situações
taxativamente enunciadas no rol inscrito no art. 102, I, da Carta Política, que
define, em numerus clausus, as hipóteses de competência originária do Supremo
Tribunal Federal (RTJ 43/129 - RTJ 44/563 - RTJ 50/72 - RTJ 53/776):
"A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS
FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO.
.......................................................
O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência
institucional, tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do
rol constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições
jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil
que não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis
públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas
cautelares), mesmo que instauradas contra o Presidente da República ou contra
qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de
prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de
segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d).
Precedentes."
(Pet 1.738-MG (AgRg), Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)~
É por essa razão que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - quer sob a
égide da vigente Constituição republicana (RTJ 141/344, Rel. Min. CELSO DE
MELLO - Pet 296-MG, Rel. Min. CÉLIO BORJA - Pet 352-DF, Rel. Min.
SYDNEY SANCHES - Pet 431-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - Pet 487-DF,
Rel. Min. MARCO AURÉLIO - Pet 626-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet
682-MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 713-RJ, Rel. Min. CELSO DE
MELLO - Pet 1.546-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), quer sob o domínio da
Carta Política anterior (Pet 129-PR, Rel. Min. MOREIRA ALVES) - firmou-se no
sentido de reconhecer que a competência originária desta Corte, por revestir-se de
caráter estrito, não abrange as ações populares constitucionais, mesmo quando
propostas contra atos do Presidente da República, ou das Casas que compõem o
Congresso Nacional, ou de Ministros de Estado ou, ainda, de Ministros da própria
Suprema Corte:
"AÇÃO POPULAR. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - quer sob a égide da vigente
Constituição republicana, quer sob o domínio da Carta Política anterior - firmou-se
no sentido de reconhecer que não se incluem, na esfera de competência originária
da Corte Suprema, o processo e o julgamento de ações populares constitucionais,
ainda que ajuizadas contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal ou de quaisquer outras autoridades cujas
resoluções estejam sujeitas, em sede de mandado de segurança, à jurisdição
imediata do STF. Precedentes."
(Pet 1.641-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico


aspecto da questão, reconheceu não lhe assistir competência originária para
processar e julgar ações populares constitucionais contra quaisquer autoridades,
mesmo aquelas cujos atos estejam sujeitos, em sede de mandado de segurança, ou
de habeas corpus, à jurisdição imediata desta Corte, ainda que se trate de
impugnação a ato emanado do próprio Presidente da República:
"Competência. Ação Popular contra o Presidente da República.
- A competência para processar e julgar ação popular contra ato de qualquer
autoridade, inclusive daquelas que, em mandado de segurança, estão sob a
jurisdição desta Corte originariamente, é do Juízo competente de primeiro grau de
jurisdição.
Agravo regimental a que se nega provimento."
(RTJ 121/17, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)
Essa orientação jurisprudencial reflete-se no magistério da doutrina
(ALEXANDRE DE MORAES, "Direito Constitucional", p. 184, item n. 7.8, 7ª
ed., 2000, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, "Ação Popular", p.
129-130, 1994, RT, v.g.), que também assinala não se incluir, na esfera de
competência originária do Supremo Tribunal Federal, o poder de processar e julgar
ações populares, ainda que ajuizadas contra as altas autoridades da República.
Esse mesmo entendimento é perfilhado por HELY LOPES MEIRELLES
("Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, 'Habeas
Data'", p. 131, 20ª ed., 1998, atualizada por Arnoldo Wald, Malheiros), cuja
autorizadíssima lição deixou consignada a seguinte advertência:
"Esclareça-se que a ação popular, ainda que ajuizada contra o Presidente da
República, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara dos Deputados, o
Governador ou o Prefeito, será processada e julgada perante a Justiça de primeiro
grau (Federal ou Comum)." (grifei)
Vê-se, portanto, que falece competência originária ao Supremo Tribunal Federal
para processar e julgar a presente ação popular, revelando-se inaplicáveis ao caso,
por inocorrentes, as hipóteses previstas no art. 102, I, "n" e "o", da Constituição.
Mesmo, contudo, que se pudesse reconhecer a existência de competência originária
do Supremo Tribunal Federal, para apreciar a presente causa, ainda assim não se
revelaria admissível a utilização, na espécie, da ação popular constitucional.
É que o meio processual ora utilizado mostra-se de todo incabível, pois os atos
jurisdicionais, precisamente por comportarem um sistema específico de
impugnações, quer por via recursal, quer mediante ação rescisória, acham-se
excluídos do âmbito de incidência da ação popular.
Tratando-se de ato de índole jurisdicional, cumpre considerar a seguinte relação
dilemática: ou o ato em questão ainda não se tornou definitivo - podendo, em tal
situação, ser contestado mediante utilização dos recursos previstos na legislação
processual -, ou, então, já transitou em julgado, hipótese em que, havendo decisão
sobre o mérito da causa, expor-se-á à possibilidade de rescisão.
Na realidade, cabe registrar que nem todos os atos estatais estão sujeitos a
contestação mediante ação popular constitucional, pois, consoante advertem
doutrina e jurisprudência, esse meio especial de impugnação não incide sobre leis
em tese (J. M. OTHON SIDOU, "'Habeas Corpus', Mandado de Segurança,
Mandado de Injunção, 'Habeas Data', Ação Popular - As Garantias Ativas dos
Direitos Coletivos", p. 346, item n. 221, 5ª ed., 1998, Forense) e nem se estende a
resoluções judiciais revestidas de conteúdo jurisdicional:
"AJUIZAMENTO DE AÇÃO POPULAR CONTRA ATO DE CONTEÚDO
JURISDICIONAL. INADMISSIBILIDADE. AÇÃO POPULAR DE QUE NÃO
SE CONHECE.
Os atos de conteúdo jurisdicional - precisamente por não se revestirem de caráter
administrativo - estão excluídos do âmbito de incidência da ação popular, porque
se acham sujeitos a um sistema específico de contestação, quer por via recursal,
quer mediante utilização de ação rescisória. Doutrina.

Michell Nunes Midlej Maron 127


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Tratando-se de ato de índole jurisdicional, cumpre considerar que este, ou ainda


não se tornou definitivo - podendo, em tal situação, ser contestado mediante
utilização dos recursos previstos na legislação processual -, ou, então, já transitou
em julgado, hipótese em que, havendo decisão sobre o mérito da causa, expor-se-á
à possibilidade de rescisão."
(AO 672-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Informativo/STF nº 180)
Essa impossibilidade jurídica decorre da circunstância de a ação popular restringir-
se, quanto ao seu âmbito de incidência, à esfera de atuação administrativa de
qualquer dos Poderes do Estado, abrangendo, desse modo, como salienta JOSÉ
CRETELLA JÚNIOR ("Os 'writs' na Constituição de 1988", p. 128, item n. 40,
1989, Forense Universitária), unicamente, os atos administrativos, os contratos
administrativos, os fatos administrativos e as resoluções que veiculem conteúdo
materialmente administrativo.
É por tal razão que a jurisprudência dos Tribunais - após reconhecer a inviabilidade
do exame em tese da validade constitucional de qualquer diploma legislativo
(circunstância esta que transformaria a ação popular, indevidamente, em sucedâneo
da ação direta de inconstitucionalidade) - tem insistido na asserção de que a ação
popular somente "se destina à apreciação da validade ou nulidade de atos
administrativos" (RDA 35/48 - grifei).
Essa mesma orientação é também perfilhada por HELY LOPES MEIRELLES
("Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de
Injunção, 'Habeas Data'", p. 122/123, item n. 3, 20ª ed., 1998, atualizada por
ARNOLDO WALD, Malheiros), cujo magistério - após ressaltar que a ação
popular objetiva permitir ao Poder Judiciário o controle da atividade administrativa
do aparelho estatal - adverte que, "Em última análise, a finalidade da ação popular
é a obtenção da correção nos atos administrativos ou nas atividades delegadas ou
subvencionadas pelo Poder Público" (grifei).
Vê-se, desse modo, que o objeto da ação popular constitucional circunscreve-se
aos atos ou omissões que se projetam no plano das atividades estritamente
administrativas, revelando-se indiferente, para esse efeito, o domínio institucional
em cujo âmbito atua o agente público a quem se atribuiu o comportamento
qualificado pelas notas da ilegalidade e da lesividade patrimonial.
Cabe ter presente, bem por isso, na perspectiva do caso ora em exame, o
entendimento, que, apoiado em autorizado magistério doutrinário, repele a
possibilidade jurídica de impugnação de atos de conteúdo jurisdicional mediante
ação popular (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Ação Popular Constitucional -
Doutrina e Processo", p. 130, item n. 101, 1968, RT; PINTO FERREIRA,
"Comentários à Constituição Brasileira", vol. 1/213, 1989, Saraiva; HELY LOPES
MEIRELLES, "Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública,
Mandado de Injunção e 'Habeas Data'", p. 122/123, item n. 3, 20ª ed., 1998,
atualizada por ARNOLDO WALD, Malheiros; PÉRICLES PRADE, "Ação
Popular", p. 14, item n. 2.2, 1986, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA
FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 1/84, 1990, Saraiva;
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Os 'writs' na Constituição de 1988", p. 128, item n.
40, 1989, Forense Universitária; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO,
"Direito Administrativo", p. 540, 10ª ed., 1998, Atlas; ARRUDA ALVIM, "Ação
Popular", in Revista de Processo, vol. 32/163-177, 173).
A circunstância de os atos jurisdicionais, como a decisão ora questionada, não
serem sindicáveis em sede de ação popular constitucional não significa que todos
os atos do Poder Judiciário estejam excluídos do alcance desse importante
instrumento de fiscalização popular.
Não custa assinalar que há atos ou resoluções judiciais, de conteúdo materialmente
administrativo, que, afetados pelo vício da ilegalidade e agravados pela nota da
lesividade patrimonial, podem resultar da atividade desenvolvida por magistrados
ou Tribunais. Em tal situação, revelar-se-á possível a utilização da ação popular
constitucional, por tratar-se, precisamente, de atuação administrativa danosa ao

Michell Nunes Midlej Maron 128


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

patrimônio público, resultante de atos ou omissões imputáveis a órgão do próprio


Poder Judiciário.
Daí a observação de JOSÉ AFONSO DA SILVA ("Ação Popular Constitucional -
Doutrina e Processo", p. 131, item n. 102, 1968, RT):
"Se os atos de natureza jurisdicional não são suscetíveis de serem impugnados em
demanda popular, atos judiciais há, no entanto, que podem ser objeto desse
remédio. Assim, os atos judiciais de natureza administrativa, que só são judiciais
no sentido formal, subjetivo." (grifei)
No caso ora em análise, contudo, como já assinalado, trata-se de ato de caráter
tipicamente jurisdicional, circunstância essa que inviabiliza, por completo, ante as
considerações expostas, a demanda popular em referência.
Sendo assim, tendo em consideração as razões invocadas, não conheço da presente
ação popular constitucional, restando prejudicada, em conseqüência, a apreciação
do pedido de medida liminar (fls. 12).
Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 29 de junho de 2000.
Ministro CELSO DE MELLO. Relator.
* decisão publicada no DJU de 1º.8.2000.”

Michell Nunes Midlej Maron 129


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Tema XII

Meios de impugnação da sentença inconstitucional.

Notas de Aula24

1. Meios de impugnação da sentença inconstitucional

Antes do trânsito em julgado, é claro que a sentença inconstitucional é impugnada


pelos mesmos meios que qualquer outra sentença que está em desconformidade com o
ordenamento jurídico. O que se vai estudar, neste tópico, por óbvio, é a sentença
inconstitucional que alcançou o trânsito em julgado, e a indagação que isto suscita: qual é a
extensão da relativização da coisa julgada que é tolerável?
Antes de tudo, é preciso se dizer que não é a coisa julgada que é inconstitucional,
como se vê mencionado, comumente. O que é inconstitucional é a sentença que alcançou a
coisa julgada. A coisa julgada é uma qualidade da sentença, a imutabilidade que esta
adquire, e não ela própria.
A relativização da coisa julgada é uma idéia muitíssimo recente no estudo do
direito. A própria terminologia, “relativização”, merece críticas, porque só se pode pensar
em relativizar alguma coisa se ela for absoluta, pois do contrário, se já é relativa, não há
que se falar em relativizar – e a coisa julgada é relativa, como se vê na existência da ação
rescisória ou da revisão criminal. Impropriedades à parte, este é o termo que tem sido
empregado.
A coisa julgada precisa de relativização, adicional às hipóteses que a lei prevê –
como na rescisória –, porque há casos em que a decisão transitada em julgado carrega em si
uma injustiça absolutamente intolerável. Isto é especialmente presente nos casos em que a
decisão se demonstra inconstitucional. A doutrina aponta, para solução destas injustiças,
basicamente, dois caminhos a serem perseguidos. Vejamo-los.
O primeiro seria o de negar a própria existência da coisa julgada. Se a decisão
violou flagrantemente a Constituição, não se pode admitir que tenha feito coisa julgada,
pois não seria tolerável a atribuição de imutabilidade a uma decisão ofensiva à
Constituição.
A segunda via a ser buscada seria não a negativa da formação da coisa julgada
material, mas sim a sua desconsideração pelo ordenamento. Destarte, a coisa julgada
estaria formada, mas restaria ignorada pelo ordenamento, ante o grande peso do vício que
ela acoberta.
Veja que, por vezes, a decisão injusta está em perfeito alinho com a lei, e ainda
assim é injusta. Salvo os casos em que a própria lei autoriza o julgamento por equidade, não
pode o juiz, num Estado de direito, julgar contrariamente à lei. Sendo o caso, havendo uma
injustiça imposta por lei, não há que se falar de vício, a rigor, na decisão, mesmo que haja a
clara injustiça. Nestes casos, não há caminho outro que não a reforma legislativa, e não a
reforma da decisão.

24
Aula ministrada pelo professor Wilson Marques, em 11/8/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 130


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Sendo assim, a leitura dos artigos 471 e 474 do CPC fazem crer que nem uma nem
outra opção doutrinária podem ser seguidas. Não é dado ao juiz simplesmente ignorar estes
dispositivos, para poder ignorar a coisa julgada, desconsiderando-a, ou reputá-la
inexistente. Veja:

“Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à


mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no
estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi
estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.”

“Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e


repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao
acolhimento como à rejeição do pedido.”

Ademais disso, se fosse possível simplesmente desconsiderar a coisa julgada


formada, ou considerar que ela jamais se formou, rediscutindo a matéria, surgiria enorme
insegurança jurídica, eis que à inteligência do julgador seria entregue o destino final de toda
e qualquer lide. Nenhuma lide seria definitivamente pacificada.
O ideal, é certo, é que a decisão seja justa, mas a segurança jurídica não pode ser
desprezada, porque, por vezes, é ainda mais importante a segurança do que a justiça. Em
benefício da segurança jurídica, que permite a própria vida em sociedade, até mesmo a
injustiça deve ser consolidada, em algum momento, pois os eternos conflitos são
impedimentos à própria vida pacífica.
É claro que, na prática, a decisão absurdamente injusta terá muito pouca chance de
consolidar-se, pois há um enorme gama de meios de se a impugná-la. Se, contudo,
acontecer esta cristalização, pela coisa julgada, a melhor solução é a (terrível)
conformidade com a imutabilidade que ela adquiriu. Nada mais haverá a fazer. Como
diziam os clássicos, a coisa julgada faz do preto, branco, e do quadrado, redondo – res
judicata facit de albo nigrum, falsum in verum.
Um outro questionamento que surge é se a coisa julgada, como garantia
constitucional que é, poderia ter-se relativizada por meio de instrumentos jurisdicionais.
Ora, se nem a lei poderia prejudicar a coisa julgada, como a própria CRFB estabelece,
como poderia haver esta instrumentalização infraconstitucional para a relativização desta
garantia? É por isso que não se pode admitir que ao juiz seja dado este poder, como
defendem os dois pontos de vista doutrinários mencionados inicialmente.
Veja que toda esta discussão existe porque há casos, extremamente excepcionais,
que não encontram respaldo nos instrumentos presentes ordinariamente no ordenamento
jurídico, como as relativizações autorizadas em ação rescisória. Caso exemplar é o da
investigação de paternidade que, julgada procedente e transitada em julgado, vê no exame
de DNA, supervenientemente criado, que o suposto pai não o era, na verdade. É para este
tipo de perplexidade que surgem as teorias relativizadoras da coisa julgada.
Neste exemplo, a sentença agride a realidade de forma absurdamente contundente.
O STJ tem decidido, em casos tais – muito freqüentes, diga-se –, que a sentença original
transitada em julgado é passível de ação rescisória com base em documento novo – o laudo
de DNA –, na forma do artigo 485, VII, do CPC:

Michell Nunes Midlej Maron 131


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)
VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência
ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável;
(...)”

Esta solução do STJ resolve a problemática, mas não é exatamente técnica, porque o
conceito de documento novo não se amolda ao caso: o documento novo, como se vê, é
aquele que, já existente anteriormente, era ignorado ou não pôde ser utilizado – o que não
engloba a nova tecnologia do DNA. Todavia, técnica ou não, a posição do STJ é bastante
para resolver a questão.
Problema grande surge é quando a própria ação rescisória não mais for cabível,
porque o prazo se expirou. Parcela da doutrina entende que o prazo, na verdade, conta
desde quando houver a descoberta do documento novo, pelo que haveria dois anos para
propor a ação rescisória desde a realização do exame de DNA, no exemplo dado.
Novamente, não é solução técnica, porque a lei não diferencia a contagem do termo a quo
da rescisória, deixando-o sempre como desde o trânsito em julgado da decisão. Contudo, é
a melhor das soluções, porque a outra seria simplesmente entender que a ação rescisória,
nesta hipótese, não conta com qualquer prazo decadencial para sua propositura, o que não
parece muito razoável.
Cândido Rangel Dinamarco apresenta outra forma de relativização da coisa julgada.
Para este autor, a coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença, e, sendo assim,
quando tais efeitos não puderem se produzir, por serem inadmissíveis, a própria coisa
julgada inexisitiria. Ocorre que a premissa de seu raciocínio está equivocada: a coisa
julgada é a imutabilidade da sentença, e não de seus efeitos, que muitas vezes são
naturalmente mutáveis. O artigo 467 do CPC estabelece que a sentença é que é imutável, e
não seus efeitos:

“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

A ação rescisória por expressa violação de lei é o meio escorreito para relativizar a
coisa julgada inconstitucional, portanto. Perdido o prazo para a rescisão, nada mais acudiria
ao interessado.
Situação peculiar ocorre quando uma sentença transita em julgado baseada em
determinado fundamento legal, e este fundamento, posteriormente, é julgado
inconstitucional em ação direta, perante o STF. Luis Roberto Barroso entende que nem
assim aquela coisa julgada deveria ser desconstituída: prevalece, a coisa julgada, no embate
entre este valor e a ilicitude da norma declarada inconstitucional que a ensejou.
Por conclusão, vê-se que a melhor saída para todos estes imbróglios seria mesmo a
alteração legislativa para adequar o tema ao direito. De lege lata, a ampliação de casos de
relativização da coisa julgada não é possível; de lege ferenda, aplicam-se as hipóteses que a
doutrina propugna.

Michell Nunes Midlej Maron 132


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

2. Relativização da coisa julgada – perspectiva moderna25

A doutrina fala sobre a flexibilização da coisa julgada em duas posições: Barbosa


Moreira e Nelson Nery Júnior entendem que a coisa julgada não é suscetível de
flexibilização, mitigação ou relativização. Há dois fundamentos: a ação rescisória só cabe
em hipóteses taxativamente descritas no artigo 485 do CPC. Também não se pode esquecer
que a rescisória é utilizada para hipóteses de error in procedendo, e não de error in
judicando. Para eles, a coisa julgada é um dogma. É uma posição conservadora.
Em perspectiva mais moderna, outrossim, há autores que admitem a flexibilização,
a mitigação e a relativização da coisa julgada, desde que haja ponderação entre dois
princípios constitucionais: o da justiça das decisões judiciais, que é cristalizado pelo
princípio do acesso à justiça, e a segurança nas relações jurídicas, corporificada na garantia
da proteção à coisa julgada material – a coisa julgada não é absoluta.
Sobre a fundamentação teórica desta segunda corrente, há quatro posições: a teoria
do direito alternativo, de Amílton Bueno de Carvalho, para quem o direito não se confunde
com a justiça, ou seja, nem tudo o que legal é justo. Seria ilegal a mitigação da coisa
julgada. O ato viola o direito, mas atende à justiça.
Há também a teoria da impossibilidade jurídica dos efeitos da decisão, de Cândido
Rangel Dinamarco. Coisa julgada é o caráter imutável dos efeitos substanciais das decisões
de mérito. Só são suscetíveis os efeitos que sejam juridicamente possíveis. Por exemplo,
não poderia ser possível que um servidor público tivesse decisão num sentido e outro
servidor em outro sentido. Significaria, tal hipótese, a inexistência de coisa julgada
material.
Ainda há a teoria da joisa julgada inconstitucional, que hoje é a posição mais
difundida, sendo reputada ao Ministro José Augusto Delgado, do STJ.
Inconstitucionalidade é um vício que alcança todos os atos do Poder Público (legislativos,
executivos e judiciais). Neste caso, há invalidade da coisa julgada, ou seja, ela existe, mas
é inconstitucional.
Por fim, há a teoria da cedência recíproca entre os princípios constitucionais, de
Maria Cristina Almeida. Cedência recíproca implica na necessidade de ponderação com
outros princípios constitucionais, entre coisa julgada e outros princípios. Por exemplo, a
coisa julgada cede em ponderação com o princípio da verdade biológica, ou com o
princípio da tutela do meio ambiente sadio, ou ainda com o princípio da tutela do
patrimônio público.

2.1. Instrumentos processuais

Há quatro posições doutrinárias sobre o tema. Para Humberto Theodoro Júnior,


devem ser utilizadas as ações autônomas de impugnação ordinárias, quais sejam, a ação
rescisória e os embargos à execução. Se houver coisa julgada, não há prazo nem para a
rescisória e nem para os embargos.
Pontes de Miranda, por seu lado, entende que a coisa julgada deve ser relativizada
através de nova demanda. Deve ser oferecida nova demanda com o mesmo objeto. Deve-se

25
Notas de aula ministrada pelo professor Gustavo Nogueira, na Emerj, em meados de 2007. Não se conhece
a autoria do texto, pelo que sua menção, aqui, restou impossível.

Michell Nunes Midlej Maron 133


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

desconsiderar a primeira coisa julgada formada e entrar com uma nova ação igual. Há
precedentes do STF adotando esta posição.
Para Wilson Marques, seria cabível o mandado de segurança, e também se deve
desconsiderar o prazo de cento e vinte dias.
E há ainda quem aponte a ação declaratória de nulidade absoluta, a querella
nullitatis insanabilis: declara que existe no caso concreto uma nulidade absoluta. Essa ação
não tem prazo e se entende hoje que não está restrita à inexistência de citação. Entende-se
que é cabível em qualquer nulidade. É a posição mais seguida, principalmente por Ada
Pellegrini Grinover.
Alguns julgados demandam transcrição, os primeiros, enquanto a matéria era dada
ao STF, e em seguida aqueles julgados pelo STJ, quando encampou a matéria, após a CRFB
de 1988:

“RE 97589 / SC - SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 17/11/1982. Órgão Julgador:
TRIBUNAL PLENO.
Ementa: AÇÃO DECLARATORIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR SER
NULA A CITAÇÃO DO RÉU REVEL NA AÇÃO EM QUE ELA FOI
PROFERIDA. 1.PARA A HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 741, I, DO
ATUAL CPC - QUE E A DA FALTA OU NULIDADE DE CITAÇÃO,
HAVENDO REVELIA - PERSISTE, NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO - A
"QUERELA NULLITATIS", O QUE IMPLICA DIZER QUE A NULIDADE DA
SENTENÇA, NESSE CASO, PODE SER DECLARADA EM AÇÃO
DECLARATORIA DE NULIDADE, INDEPENDENTEMENTE DO PRAZO
PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA, QUE, EM RIGOR, NÃO E
A CABIVEL PARA ESSA HIPÓTESE. 2.RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONHECIDO, NEGANDO-SE-LHE, POREM, PROVIMENTO.”

“REsp 240712 / SP. DJ 24/04/2000 p. 38.


PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS. COISA JULGADA.
1. Efeitos da tutela antecipada concedidos para que sejam suspensos pagamentos
de parcelas acordados em cumprimento a precatório expedido.
2. Alegação, em sede de Ação Declaratória de Nulidade, de que a área reconhecida
como desapropriada, por via de Ação Desapropriatória Indireta, pertence ao
vencido, não obstante sentença trânsito em julgado.
3. Efeitos de tutela antecipada que devem permanecer até solução definitiva da
controvérsia.
4. Conceituação dos efeitos da coisa julgada em face dos princípios da moralidade
pública e da segurança jurídica.
5. Direitos da cidadania em face da responsabilidade financeira estatal que devem
ser asseguradas.
6. Inexistência de qualquer pronunciamento prévio sobre o mérito da demanda e da
sua possibilidade jurídica.
7. Posição que visa, unicamente, valorizar, em benefício da estrutura social e
estatal, os direitos das partes litigantes.
8. Recurso provido para garantir os efeitos da tutela antecipada, nos moldes e nos
limites concedidos em primeiro grau.”

“REsp 226436 / PR. DJ 04/02/2002 p. 370.


PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE
AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO
IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA.

Michell Nunes Midlej Maron 134


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA.


EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.
I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de
investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de
indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e
considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA
ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o
ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com
sentença julgando improcedente o pedido.
II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de
perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um
juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito.
Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição
da verdade ficta pela verdade real.
III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de
investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de
respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no
reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa
julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e
as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão.
Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem
de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade".
IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que
atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.”

A posição do TJ-RJ é a de que não há que se falar em coisa julgada inconstitucional,


seguindo, portanto, a posição conservadora de Barbosa Moreira.
Em regra, a decisão de invalidade produz efeitos ex tunc.

Casos Concretos

Michell Nunes Midlej Maron 135


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

Questão 1

O Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará - IDESP, por meio do


art. 34 de seu Regulamento de Pessoal, editado por uma Lei de 1987, vincula os salários
de seus servidores ao salário-mínimo. Muitos funcionários do IDESP pleitearam
judicialmente a aplicabilidade desse art. 34, e obtiveram decisões favoráveis, algumas em
caráter liminar, outras, em caráter definitivo. O Governador do Estado do Pará pretende
propor ação para suspender todos os processos em curso e paralisar todos os efeitos de
decisões judiciais que versem sobre a aplicação do referido dispositivo regulamentar, sob o
argumento de ser inconstitucional. Pergunta-se:
a) Há algum meio de impugnação que poderá ser utilizado pelo Governador?
b) As decisões que concederam a aplicação do mencionado dispositivo
regulamentar e que já transitaram em julgado, poderão ter sua execução sobrestrada?
Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 1

a) Sim, a ADPF.

b) Sim, pois é exatamente o escopo da declaração de inconstitucionalidade que


sejam resguardados estes direitos ali sendo violados, na execução em curso.

Veja a ADPF 33, constante do informativo 327 do STF:

“ADPF: Medida Liminar


Concluindo o julgamento iniciado em 20.3.2003 (v. Informativo 301), o Tribunal
referendou decisão monocrática proferida pelo Min. Gilmar Mendes, relator, que, à
vista do perigo de grave lesão às contas públicas do Estado do Pará, deferira
medida liminar em ação de descumprimento de preceito fundamental para, até
decisão final da ação, determinar a suspensão de todos os processos em curso e dos
efeitos de decisões judiciais que versem sobre a aplicação do art. 34 do
Regulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do
Pará - autarquia estadual extinta, sucedida pelo Estado para todos os fins de direito
-, o qual, dispondo sobre a remuneração de pessoal do citado Instituto, estabelece a
sua vinculação ao salário mínimo. Pretende-se, na espécie, ver declarada, com
eficácia erga omnes, a não-recepção do referido art. 34 pela CF/88, em face da
proibição de vinculação ao salário mínimo para qualquer fim contida no art. 7º, IV,
e da contrariedade ao princípio federativo.
ADPF 33 MC/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, 29.10.2003. (ADPF-33)”

Questão 2

Trinta servidores do Estado X obtiveram da Justiça a vantagem funcional que


pleiteavam, com trânsito em julgado do acórdão que os favorecia. Outros trinta e seis
servidores do mesmo ente da Federação, que ocupavam a mesma situação estatutária que
aqueles outros, receberam julgamento desfavorável, também com trânsito em julgado.
Responda de forma fundamentada:
a) Foi lesado algum princípio constitucional no segundo julgamento?

Michell Nunes Midlej Maron 136


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

b) Qual o meio de impugnação cabível contra a segunda decisão?

Resposta à Questão 2

a) Foi lesada a igualdade substancial, isonomia material, consagrada no artigo 5º,


caput, da CRFB.

b) Cabe ação rescisória, baseada em violação à expressa previsão em lei.

Questão 3

A paternidade do garoto R. S. Z. foi assegurada mediante sentença transitada em


julgado, sem a realização do exame de DNA. Tal exame foi feito depois de consumada a
coisa julgada, com o resultado negativo. Irresignado, o investigado quer impugnar essa
decisão já transitada em julgado, uma vez que está pagando alimentos a uma pessoa que,
na verdade, não é seu filho. Pergunta-se:
a) Há algum remédio processual adequado para impugnar decisão transitada em
julgado desse caso concreto?
b) A ação declaratória negativa de certeza seria instrumento adequado para tal
impugnação? Respostas fundamentadas.

Resposta à Questão 3

a) Não há, na ordem processual positiva vigente, qualquer remédio.

b) Não se faz possível, eis que não é cabível a relativização desta coisa julgada.

Veja os julgados do REsp. 435.102 e REsp. 107.248:

“REsp 435102 / MG. DJ 13/02/2006 p. 792.


Ação declaratória de nulidade de assento de registro de nascimento.
Reconhecimento da paternidade em ação anterior transitada em julgado, dando
ensejo ao registro agora impugnado.
1. Se o assento do registro civil decorre de decisão judicial transitada em julgado,
não é possível modificá-lo sem que aquela seja desconstituída pela via processual
própria.
2. Recurso especial não conhecido.”

“REsp 107248 / GO. DJ 29/06/1998 p. 160


AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE. EXAME PELO DNA POSTERIOR
AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA.
1. SERIA TERRIFICANTE PARA O EXERCICIO DA JURISDIÇÃO QUE
FOSSE ABANDONADA A REGRA ABSOLUTA DA COISA JULGADA QUE
CONFERE AO PROCESSO JUDICIAL FORÇA PARA GARANTIR A
CONVIVENCIA SOCIAL, DIRIMINDO OS CONFLITOS EXISTENTES. SE,
FORA DOS CASOS NOS QUAIS A PROPRIA LEI RETIRA A FORÇA DA
COISA JULGADA, PUDESSE O MAGISTRADO ABRIR AS COMPORTAS
DOS FEITOS JA JULGADOS PARA REVER AS DECISÕES NÃO HAVERIA
COMO VENCER O CAOS SOCIAL QUE SE INSTALARIA. A REGRA DO
ART. 468 DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL E LIBERTADORA. ELA

Michell Nunes Midlej Maron 137


EMERJ – CP IV Direito Constitucional IV

ASSEGURA QUE O EXERCICIO DA JURISDIÇÃO COMPLETA-SE COM O


ULTIMO JULGADO, QUE SE TORNA INATINGIVEL INSUSCETIVEL DE
MODIFICAÇÃO. E A SABEDORIA DO CODIGO E REVELADA PELAS
AMPLAS POSSIBILIDADES RECURSAIS E, ATE MESMO, PELA
ABERTURA DA VIA RESCISORIA NAQUELES CASOS PRECISOS QUE
ESTÃO ELENCADOS NO ART. 485.
2. ASSIM, A EXISTENCIA DE UM EXAME PELO DNA POSTERIOR AO
FEITO JA JULGADO, COM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO,
RECONHECENDO A PATERNIDADE, NÃO TEM O CONDÃO DE REABRIR
A QUESTÃO COM UMA DECLARATORIA PARA NEGAR A PATERNIDADE,
SENDO CERTO QUE O JULGADO ESTA COBERTO PELA CERTEZA
JURIDICA CONFERIDA PELA COISA JULGADA.
3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.”

Michell Nunes Midlej Maron 138

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