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David Mondlane1
Este estudo avalia a percepção e interpretação dos agricultores das comunidades do
Distrito de Magude sobre as Mudanças Climáticas e as respostas para a redução da
vulnerabilidade através de estratégias de adaptação.
A abordagem metodológica baseia-se numa pesquisa qualitativa, desenvolvida aos
agricultores das comunidades do Distrito de Magude, Província de Maputo, onde se
identificou o problema. Os resultados da pesquisa apontam que a maior parte dos
agricultores não conhece o termo “Mudanças Climáticas”, mas percebeu da alteração na
temperatura e precipitação, sendo que grande parte considera que a precipitação
decresceu e todos perceberam o aumento da temperatura. A interpretação sobre o
fenómeno não é a mesma dentro das comunidades. Para alguns agricultores, a falta de
chuva explica-se pela zanga dos espíritos dos antepassados locais, para outros é uma
causa divina e que o homem não pode intervir. Todos os agricultores perceberam dos
efeitos da falta de chuva e calor intenso uma vez que não tiveram colheita.
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Este artigo é baseado na dissertação de mestrado para obtenção do grau de mestrado na Faculdade de
Letras – Departamento de Sociologia da Universidade Eduardo Mondlane
Introdução
Um dos grandes problemas actuais que a humanidade tem enfrentado tem a ver com o
meio ambiente, que vem sendo afectado pelas Mudanças Climáticas (MC). As MC
abalam o mundo no seu todo e constituem-se num dos grandes problemas que põe em
causa o desenvolvimento da humanidade através da degradação dos principais
ecossistemas afectando o sector agrícola. O sector agrícola é dependente dos recursos
naturais, das condições de temperatura e precipitação, daí que é severamente afectado
por este fenómeno.
Este estudo tem como objectivo geral avaliar a percepção e interpretação dos
agricultores das comunidades do Distrito de Magude sobre às Mudanças Climáticas e as
respostas para a redução da vulnerabilidade. Especificamente, o estudo tem os seguintes
objectivos: a) Analisar a percepção/interpretação que os agricultores das comunidades
de Magude têm sobre as Mudanças Climáticas; b) Identificar as estratégias adoptadas
pelos agregados familiares em face de situações de vulnerabilidade; e c) Identificar os
meios (recursos) de subsistência que as comunidades encontram para resistirem aos
efeitos da seca e estiagem.
Para a percepção da vida quotidiana, segundo Berger & Luckmann, (1996:35) é preciso
ter em conta o carácter intrínseco antes da abordagem em causa. Os autores vêm o dia-
a-dia como uma realidade interpretada pelos homens, dotando-a de significado uma vez
que forma para eles um mundo coerente. Para o estudo desta realidade, é preciso, antes
de mais, esclarecer os fundamentos do conhecimento na vida quotidiana, a saber, e as
objectivações dos processos (e significações) subjectivas graças às quais é construído o
mundo intersubjectivo do senso comum de acordo com (Berger & Luckmann 1996: 35).
É no quotidiano e em interacção que os indivíduos constroem o seu conhecimento e dão
“vida” ao mundo. Deste modo, a partir desta teoria, podemos captar as percepções e
interpretações sobre as Mudanças Climáticas bem como as estratégias de adaptação das
comunidades do distrito de Magude face ao fenómeno.
A metodologia usada para a elaboração da pesquisa consistiu primeiro em pesquisas
exploratórias de modo a proporcionar maior familiaridade com o problema em estudo,
seguidas pela pesquisa bibliográfica sobre o assunto e revisão da literatura. Pela
natureza do fenómeno em estudo que é a percepção e interpretação das comunidades às
Mudanças Climáticas através de comportamentos e actividades quotidianas, o estudo é
de tipo qualitativo por permitir a descrição de fenómenos complexos, analisar e
interpretar certas variáveis bem como compreender e classificar processos dinâmicos
vividos por grupos sociais. O universo em estudo são as comunidades do Distrito da
Magude, Província de Maputo. Para a obtenção da informação necessária neste estudo
foi seleccionada uma amostra não probabilística de tipo intencional, constituída por 50
agregados familiares afectados pela seca e que tenham a agricultura como base de
sobrevivência. Para além de agregados familiares foram entrevistados adicionalmente os
chefes dos postos administrativos (5 informantes chaves) com algumas questões
específicas como líderes das comunidades. Os critérios tomados em consideração para a
selecção do grupo alvo foram: ser chefe do agregado familiar com idade igual ou
superior a 18 anos independentemente do sexo. Para a pesquisa, cada entrevistado
corresponde ao chefe do agregado familiar (AF) ou seu substituto. Foram por tanto
feitas 55 entrevistas a chefes de agregados familiares afectados pela seca e estiagem nos
5 Postos Administrativos que compõem o Distrito de Magude. Deste número, fazem
parte os respectivos chefes de postos administrativos. O número dos entrevistados
subdivide-se da seguinte maneira: 28 homens chefes de agregados familiares e 27
mulheres também chefes de agregados familiares.
Esta secção do estudo faz uma abordagem integrada das matérias concernentes a uma
análise da percepção e interpretação das Mudanças Climáticas dentro das comunidades
de agricultores, a adaptação às mesmas bem como a diversificação dos meios de
subsistência como estratégia de redução da vulnerabilidade. Estas justificam pela
interligação que tem entre si e a sua correlação na explicação do objecto em causa. O
estudo analisa primeiro como as comunidades percebem e interpretam o fenómeno das
Mudanças Climáticas (MC). Da interpretação que dão ao fenómeno, elas adaptam-se
através estratégias quotidianas para a redução da vulnerabilidade. As MC trazem
consigo grandes desafios à humanidade por causa do seu forte impacto sobre o ambiente
natural bem como para o desenvolvimento humano. Os impactos das Mudanças
Climáticas variam de um local para o outro, daí que a sua compreensão exige análises
regionais e para sectores económicos específicos. O sector agrícola, por ter uma
dependência directa da natureza, é o que mais sofre com as MC. Sendo que os efeitos
das MC impactam de forma directa na agricultura, importa a existência de esforços para
que os agricultores saibam lidar com as adversidades trazidas pelas alterações de modo
a que reduzam significativamente a sua vulnerabilidade. Para tal, é preciso que haja uma
percepção sobre o fenómeno. Assim, é relevante rever a literatura sobre a percepção
sobre as MC, adaptação às mesmas e a diversificação dos meios de subsistência.
De acordo com Maturana & Mpodozis (1987), perceber é, configurar objectos e não
captar uma informação nos termos da neurobiologia hegemónica. Todavia, cada
indivíduo percebe, interpreta, reage e responde de forma diferente diante das acções
sobre o meio. Blennow et al (2012) entendem a percepção como um conhecimento das
características que direccionam os seres humanos a tomar iniciativas e a responder aos
eventos de Mudanças Climáticas que são factores cruciais para a condução de uma
efectiva formulação de políticas públicas. Por outro lado, Hansen, J. (2004) entende a
percepção das Mudanças Climáticas em termos de percepções de riscos que fazem parte
de "modelos mentais" maiores que orientam as decisões que as pessoas fazem para
protegerem-se e a outros de danos relacionados ao clima e às culturas.
Se Blennow et al (2012) consideram percepção como “conhecer o fenómeno”, Spencer
(2011) fala da percepção como experiência em primeira mão. Para ele, uma das razões
pelas quais as pessoas não podem tomar medidas para mitigar ou adaptar-se às
Mudanças Climáticas (MC) é que elas não possuem experiência em primeira mão
acerca das possíveis consequências. Nesta perspectiva, os indivíduos que têm
experiência directa sobre as MC têm maior probabilidade de se preocupar com o
problema e, portanto, mais inclinados a realizarem comportamentos sustentáveis. A
experiência pessoal é pensada para ser um motor principal das percepções de risco e a
percepção de risco é maior se recentemente tiver sido experimentado (idem). Relacionar
eventos locais com as MC também pode ter impactos perceptivos e comportamentais na
medida em que estes ajudam a tornar os problemas menos distantes e mais tangíveis
Spencer (2012). A outra questão na percepção das MC tem a ver com a distância em
relação ao fenómeno. As pessoas afectadas pelas MC ou que se relacionam com as
possíveis consequências têm mais probabilidade de sentir e perceber mais do que as que
se encontram em lugares geograficamente distantes das áreas vulneráveis (idem). De um
modo geral, para Spencer, a percepção do risco sobre as Mudanças Climáticas é movida
pela experiência pessoal que por sua vez depende da proximidade geográfica com o
fenómeno.
O termo adaptação, actualmente utilizado no campo de Mudanças Climáticas, tem suas
origens em ciências naturais, particularmente na biologia evolutiva. Este conceito,
refere-se ao desenvolvimento de características genéticas ou comportamentais, que
permitem que os organismos ou sistemas possam lidar com alterações ambientais como
forma destes sobreviverem e se reproduzirem segundo (Futuyama, 1979; Winterhalder,
1980; Kitano, 2002) citados por (Smit & Wandel, 2006). Nas ciências humanas, o termo
adaptação começou a ser usado em Antropologia Cultural e ecologista por Julian
Steward, designando '' adaptação cultural '' descrevendo o ajuste de '' núcleos de cultura
'' para o ambiente natural através de actividades de subsistência (idem).
No que diz respeito à diversificação dos meios de subsistência, a agricultura por conta
própria é cada vez mais incapaz de fornecer os meios de sobrevivência suficientes nas
áreas rurais de acordo com Ellis (1999). Uma vez insuficiente, é importante observar
alternativas capazes de mudar esta situação.
Aumentou 1 1 2
2 A época do término das Manteve-se 2 0 0
chuvas Decresceu 3 49 98
Aumentou 1 0 0
3 O número de meses com Manteve-se 2 0 0
chuva Decresceu 3 50 100
Aumentou 1 49 98
4 Os eventos extremos Manteve-se 2 0 0
Decresceu 3 1 2
Aumentou 1 50 100
5 A temperatura Manteve-se 2 0 0
atmosférica Decresceu 3 0 0
Aumentou 1 50 100
6 A frequência da época Manteve-se 2 0 0
seca Decresceu 3 0 0
A tabela acima faz uma descrição da percepção dos agricultores sobre as Mudanças
Climáticas durante o período em análise.
No que diz respeito aos eventos extremos, os agricultores consideram ter havido
aumento de eventos extremos com a subida da temperatura atmosférica e o longo
período de aquecimento, bem como a falta de chuva.
2
Nome fictício para efeitos de estudo
administrativas desde o Governo distrital até aos bairros, passando pelos postos
administrativos.
Do lado oposto de quem tem poder sobre os fenómenos naturais, 16% dos agricultores
abrangidos pelo estudo acredita que a chuva não cai e faz muito calor devido a ira dos
antepassados. Para estes agricultores, há uma perda gradual dos valores tradicionais
como cerimónias de evocação de espíritos dos antepassados para consultar se precisam
que algo seja feito para agradar o “governo espiritual” da área e alguns rituais de inicio
das épocas da bebida tradicional “canhu” que deviam ser praticados e preservados.
Relativamente à questão do início da época do Canhú (bebida tradicional típica da
região), mesmo tendo condições para produzir, ninguém está autorizado a fazê-lo antes
da evocação pública numa cerimónia dirigida pelos líderes tradicionais na presença das
elites governamentais. Tem acontecido no seu entender que algumas pessoas violam
esta ordenança, produzindo às escondidas (os que têm canhoeiros nos quintais recolhem
a fruta e preparam em segredo dentro das suas residências). Ainda nas violações,
algumas efemérides tradicionais não são respeitadas. Ninguém neste momento se
preocupa em dar continuidade com as práticas tradicionais que sempre caracterizaram o
distrito desde os tempos imemoriais de acordo com relatos dos entrevistados. A
propósito desta visão, uma das nossas entrevistadas disse o seguinte:
As pessoas já não têm respeito, acham que como estudaram sabem de tudo. Os
dirigentes não sabem que precisam ajoelhar-se sobre os que tem mais poder para
poderem governar bem. É preciso respeitar os seus antecessores. (Cristina Mabote3,
agricultora do Bairro Nhuiane A, Posto Administrativo de Panjane). Estas palavras
mostram a crença na dependência que os vivos têm em relação aos antepassados que
devem ser consultados e venerados. Sempre que houver um distanciamento e falta de
veneração, os antepassados se revoltam e exigem respeito por via de imposição ao
sofrimento de acordo com a crença destes.
Para que volte a chover, os líderes tradicionais devem organizar cerimónias de evocação
dos espíritos dos antepassados para conversar e pedir perdão para que seja restaurada a
harmonia entre os vivos e os mortos. No diálogo entre os vivos e os mortos, os últimos
irão determinar o que dever ser feito para que a aflição popular seja satisfeita.
3
Nome fictício para efeitos de estudo
Argumentam que há tempos passados, problemas desta natureza eram resolvidos desta
maneira.
Outra interpretação sobre a falta da chuva no distrito tem a ver com a rivalidade entre
duas tribos Timba e Cossa. Sobre este assunto disseram o seguinte:
No que diz respeito à temperatura, 91% dos abrangidos pelo estudo disse ter sentido o
aumento da temperatura durante o período em estudo e 9 % disse não saber sobre o
assunto. No que concerne à ocorrência de eventos extremos, 96% dos agricultores
referiu-se a seca que perturbou a actividade agrícola e os restantes não tiveram nada a
dizer a este respeito.
Quando não chove que é o motivo do nosso estudo, as comunidades desenvolvem uma
série de actividades em substituição à agricultura como a venda de lenha, comércio em
pequena escala, o artesanato entre outras. Estas actividades traduzem-se em
diversificação dos meios de subsistência, vista como construção de um portfolio
diversificado de actividades e capacidades de apoio social para a sobrevivência e
melhoria do seu padrão de vida.
Os agricultores sem criação de animais e sem forças para procurar outro tipo de
trabalho, têm como fonte de subsistência os apoios de familiares de outros distritos da
Província de Maputo. Este grupo de agricultores é maioritariamente constituído por
idosos com filhos e netos a viver noutros distritos que oferecem cereais como milho,
arroz e dinheiro, doações do PMA/ADRA no âmbito do projecto comida pelo trabalho,
Cruz Vermelha de Moçambique, Caritas Diocesana, Instituto Nacional de Gestão de
Calamidades, entre outras formas de sobrevivência.
Em todas as actividades fora da agricultura (actividades não agrícolas) os agricultores
de Magude usam a sua mão-de-obra e capital humanos à sua disposição para ganhar a
vida. Desta forma, os rendimentos ganhos ajudam na criação do bem-estar em forma de
consumo, nutrição, saúde, contrapondo a sua situação de vulnerabilidade.
Ajuda de familiares
26% 2%
Venda de bebidas tr adicionais
Comércio geral
De acordo com o gráfico, 26% dos entrevistados, para a obterem alimentos, recorrem a
venda de carvão, 24% ao comércio geral.
Os agregados têm também uma rede de parentesco que auxilia em bens. Neste contexto,
os agregados com familiares que residem fora do distrito e não abrangidos pela seca tem
recebido oferta em bens alimentares como farinha de milho, arroz, amendoim, etc. Ao
nível institucional, existe no distrito uma intervenção governativa que apoia os
agricultores através da disponibilização de bens alimentares em parceria com o
Programa Mundial para Alimentação (PMA). Observa-se também um empenho do
Governo do distrito na disponibilização de água potável através de tanques de água e
pela montagem de um sistema de abastecimento de água baseado em furos e bombagem
através de energia produzida por um sistema de painéis solares.
Veja por exemplo na fotografia a seguir o sistema montado no Posto Administrativo de
Motaze.
Conclusões e recomendações
Conclusões
Recomendações
Partindo do princípio de que as Mudanças Climáticas são uma realidade e que para o
caso vertente manifestam-se através de mudanças no padrão da precipitação e
temperatura, afectando directamente a produção agrícola (base económica das
comunidades), o estudo considera importante o conhecimento e domínio de matérias
relacionadas com as MC no seio dos agricultores, mas também recomenda a:
• Maior divulgação de informações sobre o fenómeno por parte das autoridades do
Governo do distrito através de uma educação ambiental;
Bibliografia
9) Hansen James, Sabine Marx, Elke Weber, (2004), “The Role of Climate
Perceptions, Expectations, and Forecasts in Farmer Decision Making”,
International Research Institute for Climate Prediction, 04-01.
10) Humberto, Maturana, e Jorge Mpodozis, (1987). “Percepción: Configuración
conductual del objecto”. Arch. Biol. Med. Exp. Santiago, v. 20, p. 319-324.
17) Maturana, Humberto (1977), O que é ver? In: Magro,C.; Graciano,M.; Vaz,N.
(org.). A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, p. 77-105.
23) Smit, Barry. Wandel, Johanna (2006), “Adaptation, adaptative capacity and
vulnerabity”, Global Environmental Change, 16 (2006) 282–292, Canada