Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
RESUMO ABSTRACT
A presente resenha trata do livro: O ser The present review deals with the book;
da compreensão: fenomenologia da situa- O ser da compreensão: fenomenologia da
ção de psicodiagnóstico1, escrito pela pro- situação de psicodiagnóstico (The being of
fessora Monique Rose-Aimée Augras. A comprehension: phenomenology of psycho-
autora, sem dúvida alguma, apresenta uma diagnosis situation), by Monique Rose-Aimée
obra de excelente qualidade, levando em con- Augras. The authour presents a work of
sideração a abrangência do tema e o leitor a excellent quality taking into consideration
que se destina. Os iniciantes e os já inicia- the comprehensiness of the subject na the
dos na prática do psicodiagnóstico encon- reader. The beginners and the already
trarão uma obra de organização clara e initiated in the practice of psychodiagnosis
consistente apresentada em sete capítulos dis- will find a clear and consistent work divided
tintos (Por que não a fenomenologia?, A si- in seven chapter, allowing the reader to
tuação, O tempo, O espaço, O outro, A fala, aunderstand and analyze the proposal of the
A obra), permitindo-lhes compreender e ana- author.
lisar as propostas da autora.
1
Augras, M. R. A. (2002). O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico.
(10ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
94 – PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 4, nº.1, 2003, pp. 94-98
Nemésio Dario Vieira de Almeida
Psicólogo clínico, especialista em Psicologia do Trânsito, mestre em Psicologia Social
e da Personalidade PUC-RS, atua em Psicologia do Trânsito desde de 1994
no Departamento de Psicologia do DETRAN-PE
A pesquisadora Augras em sua obra tância reconceituar o que vem a ser saú-
procura abandonar a visão psicanalítica de e doença:
tradicional que se tem do processo do psi-
codiagnóstico, apoiando-se na antropo- uma definição em termos puramen-
logia de concepção fenomenológica te estatísticos, situando o normal na
existencial, na qual mostra que angústia faixa média, deve ser afastado, por
e conflitos são situações bem-vindas à desprezar os aspectos qualitativos
dialética do existir e que se processam do comportamento e prestar-se à ca-
numa constante superação das tensões ricatura do normal perqueno-burgu-
entre sujeito e objeto, homem e mundo, ês. A normalidade deverá ser
morte e liberdade. descrita, antes como a capacidade
Dessa forma procura abordar grandes adaptativa do indivíduo, frente às
temas da existência humana como A Si- diversas situações de sua vida. Isto
tuação, O Tempo, O Espaço, O Outro, A supõe um posicionamento filosófi-
Fala e A Obra, procurando deduzir mo- co, que estabeleça as dimensões do
dalidades de compreensão dessas diver- viver, e leve em conta o jogo dialé-
sas vivências, ou seja, tratando de dirigir tico da vida (Augras, 2002, p.11).
um novo olhar sobre os diversos vetores Numa visão existencial a vida proce-
que compõem a situação de diagnóstico de dialeticamente, ou seja,
numa perspectiva fenomenológica. “ordem e desordem” são processos
Logo no início do seu livro Augras contínuos no desenvolver do ho-
nos sugere um questionamento por de- mem e do mundo “nesse caso, a
mais pertinente: “Por que não a fenome- saúde do indivíduo será avaliada em
nologia?”. Para nos chamar atenção a sua habilidade para não só manter
respeito do vocabulário da psicologia o equilíbrio, mas também superar a
clínica, e de grande parte da psicologia crise do ambiente, utilizando então
ser tomada empresta da psicanálise, “não sua capacidade criadora para trans-
haverá outro modo de formular os pro- formar esse meio inadequado em
blemas individuais além deste?”, ou seja, mundo satisfatório. Vê-se que essa
além dos conceitos propostos pela psica- definição da saúde como processo de
nálise. Ao mesmo tempo ressalta que o criação constante do mundo e de si
problema da distinção entre normal e pa- integra também o conceito de doen-
tológico, “está no âmago da própria defi- ça: saúde e doença não representam
nição da psicologia clínica. Pode-se dizer opostos são etapas de um mesmo pro-
sem risco de exagero que atualmente [em cesso (Augras, 2002, p. 12).
1976] o conceito de normal está totalmen- E ainda,
te fora de moda” (augras, 2002, p.10).
Diante dessa relação doença mental o normal é aquele que supera os
e o conceito de normal é de suma impor- conflitos, criando-se dentro de sua
96 – PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 4, nº.1, 2003, pp. 94-98
a especificidade da existência hu- outro), o seu fazer-se (a obra)” (Augras,
mana, atribuindo significação à na- 2002, p. 25).
tureza e à história e, por assim dizer, Sobre O Tempo destaca que têm ocor-
transfigurando-as. Desde já, a exis- rido equívocos em psicologia em relação
tência se propõe como um feixe in- aos estudos sobre o tempo:
tricado de interações e de tensões.
Suporte da natureza e autor da his- questiona-se a consciência do tem-
tória, o homem fundamenta-se na po vivido, duração, memória, ori-
consciência de si e do mundo (Au- entação no tempo social. Situa-se o
gras, 2002, pp. 20-21). homem em relação à sua historici-
dade. Mas, em todo caso, o tempo
Nesse sentido, o conflito não deve ser é concebido como algo exterior ao
concebido como algo ruim, nocivo homem, que nele atua, que ele pode
tentar manipular em proveito pró-
expressa, antes a luta necessária en- prio, mas que, mais cedo ou mais
tre tendências contrárias que, suces- tarde, afirma-se-á como o seu Se-
sivamente opostas e sintetizadas, nhor (Augras, 2002, p. 26).
compõe o próprio processo da vida.
Nos termos da psicologia indivi- E ainda, com esse enfoque o tempo
dual, a crença tão difundida, segun- não é algo exterior ao homem,
do a qual conflito seria sinônimo
de desajustamento, toma feições de o tempo é extensão e criação da re-
ideologia superficial e ingênua. alidade humana. É paradoxalmen-
Advindo das tensões, o conflito é te condição de sua existência e
gerador de equilíbrio. Na dialética garantia da sua impermanência.
do sujeito e do objeto, a cisão é fon- Porque o homem cria o tempo, mas
te do impulso para o conhecimento não o determina. Falar do tempo é
e motor para a construção mútua do descrever toda a insegurança onto-
homem e do mundo. Nesse senti- lógica do homem. Vê-se o quanto a
do, a realidade é conflito, intrinse- psicologia tradicional do tempo, li-
camente. [...] (Augras, 2002, pp. mitada a experimentos sobre a per-
20-21). cepção do mesmo ou perdida em
especulações acerca da oposição
Ou seja, “reconhecendo-se na in- entre vivência individual e dura-
tencionalidade da sua consciência, a ção “objetiva”, deixa de lado uma
existência humana emerge na cisão. problemática mais funda, que a fe-
Consciência de si e consciência do mun- nomenologia trouxe à luz: o tem-
do são dois enfoques do mesmo fenôme- po como construção. Conforme
no. A realidade humana exprime-se na Heidegger, a explicitação autênti-
sua dimensão de ser no mundo”. ca do tempo situa-o “como horizon-
Para a dimensão do diagnóstico, obje- te da compreensão do ser, a partir
to presente da preocupação de Augras, da temporalidade como componen-
“a fala do cliente, nas entrevistas e nas te do ser” (Augras, 2002, p. 27).
provas, é a manifestação de sua realida-
de, e como tal será investigada. Através Já em O Outro, na relação de diagnós-
dela é que serão trazidos a lume as suas tico numa perspectiva fenomenológica
vivências: a sua história (o tempo), o seu existencial “o mundo da coexistência não
corpo (o espaço), a sua estranheza (o se estrutura em termos de oposição – ou
98 – PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, Vol. 4, nº.1, 2003, pp. 94-98