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SUMÁRIO
Aula 15 | Sequências didáticas para reflexão e ação, a partir da “língua nossa de cada dia” ... 21
15.1. Representações linguísticas dos alunos e os obstáculos à aprendizagem .................................. 23
15.2. Preconceito Linguístico ................................................................................................................... 24
Para falarmos do ensino da língua portuguesa, dos seus conteúdos e de suas metodologias, é necessário fazer
uma reflexão rápida sobre como a percebemos, para que possamos compreender sua natureza dinâmica não
só em seus aspectos de uso individual da fala, mas também nos de uso coletivo, no caso, a língua. O fato é que
a fala, a linguagem e a língua sempre serão objetos de trabalho do professor desta disciplina.
Voltando rápido ao início da história do nosso idioma, é importante colocar que, desde os
idos da colonização portuguesa, no Brasil, pelo fato de os jesuítas terem difundido a língua
portuguesa, fazia-se uso dos dois idiomas: o tupi-guarani e o português. Muitos anos
depois, a utilização do tupi foi proibida por uma Provisão Real. É importante registrar que,
com a chegada de muitos imigrantes da metrópole, o tupi já estava sendo suplantado
pelo português. E depois da expulsão dos jesuítas, foi fixado o português, definitivamente,
como o idioma do Brasil. Sem contar com as influências recebidas de imigrantes europeus
depois da independência brasileira.
De lá pra cá, são várias as situações que determinaram o ensino da língua portuguesa nas escolas. Ângelo
(2005), em sua tese de doutorado, apresenta este percurso, considerando alguns fatos em seus respectivos
tempos. Vejamos!
Ainda segunda a autora, aconteceu também, nos anos 1970 e 1980, a publicação de textos escritos por
linguistas e documentos oficiais voltados ao ensino da língua materna que apresentavam críticas ao ensino,
então existente, e propunham um novo direcionamento a ele. E ela declara e defende que
Ou seja, não convém a postura de que esta ou aquela “vertente de ensino da língua
portuguesa” é a correta. Precisamos, como professor/a, não só ter um nível consistente de
conhecimento da própria língua, mas também das metodologias de ensino.
E a busca por esses conhecimentos deve ser contínua no percurso do docente. Assim, acreditamos que, se
compreendemos esse processo de existência de uma língua, se dominamos bem o conteúdo a ser
trabalhado, torna-se mais fácil termos certa abertura a qualquer forma de ensino da nossa língua materna,
desde que seja priorizado o foco nas possibilidades mais significativas de aprendizagem e do uso efetivo da
língua em suas práticas sociais. Afinal, a língua só há razão de existir se está a serviço da comunicação entre
as pessoas.
E para dar continuidade aos tópicos desta aula, passaremos agora a refletir sobre alguns aspectos
importantes constituintes do ensino da língua portuguesa, como a diferença entre língua, linguagem e fala e
os sentidos sociais da linguagem; passaremos um pouco pelo campo da linguística até chegar a algumas
metodologias para o ensino da língua portuguesa. Por fim, refletiremos sobre a importância de percebermos,
como professor/a, os fenômenos de variação linguística e a perspectiva da sociolinguística.
Por isso, nosso objetivo maior para esta UIA é conhecer os conteúdos e metodologias de
ensino da Língua Portuguesa, refletindo a prática das opções metodológicas para o ensino
da língua, da prática da escrita, da leitura e da linguagem oral, tendo os gêneros do
discurso como objetos de ensino e aprendizagem.
Como podemos perceber nessa charge, houve um ato de comunicação entre os dois personagens, pois
ambos fizeram uso da linguagem verbal, produzida pela fala, que apresenta o aspecto individual da
linguagem humana; por isso a linguagem pertence, exclusivamente, a cada indivíduo que a utiliza.
Ou seja, a língua é um bem público, já que é de uso comum a todos que se utilizam dela para atos de
comunicação. Terra (1998) ainda cita Tatiana Slama-Cazacu, que declara ser “a língua um bem pessoal, na medida
em que é um bem coletivo“. E esclarece o conceito de “bem”. Ele diz que “bem são coisas que, por serem úteis ao
homem, são objeto de apropriação; é tudo o que é vantajoso ou útil a um dado fim” (1997, p.7).
Assim, se a língua é útil, vantajosa ao homem, o principal veículo de comunicação é necessário à nossa existência
e se não conseguimos viver em sociedade sem nos comunicar, então, a língua é um bem muito precioso.
Bem ... acreditando que a distinção de língua e fala ficou compreensiva, finalizamos esse tópico conceitual,
apresentando mais uns detalhes conceituais sobre linguagem e alguns exemplos.
Por exemplo: a linguagem que você fala em vivência da sua língua; a linguagem dos surdos-mudos; a
linguagem de sinais de trânsito; a linguagem de uma bandeira em corrida de automóveis, etc. Todas, de
acordo com o sistema de sinais que utiliza, são constituintes da linguagem verbal e não verbal, como já vimos
em aulas anteriores.
IMPORTANTE!
• Não devemos confundir língua com escrita, porque são dois sistemas distintos.
• A escrita representa um estágio posterior de uma língua. Tanto que muitas pessoas
utilizam a língua sem saber utilizar a forma escrita. Os analfabetos, por exemplo.
• A linguagem humana é uma dádiva que nos foi dada. O que precisamos é ter as
condições necessárias para que ela se desenvolva.
• Embora se possa falar em linguagem dos animais, emprega-se o termo linguagem
com referência à capacidade humana.
“Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi. Decoreba: esse é o método de ensino.
Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino.” (Estudo errado, de Gabriel – o
pensador) (TERRA, 1997, p.17-19)
anterior, pertence ao coletivo. Já a fala é algo individual, um ato particular de cada pessoa.
Com seu estudo sobre a língua e a fala, ele muito contribuiu para esta ciência – a
linguística.
Para o escritor e filósofo francês Roland Barthes, a língua é o primeiro e principal instrumento de comunicação
e do pensamento de que dispomos, por isso a chamou de sistema modelizante primário. E, segundo os
linguistas norte-americanos Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf (apud Bizzocchi, s/d), ela é também o filtro
através do qual o homem vê e pensa o mundo à sua volta e assim se dá conta de sua própria experiência.
Para Melo,
O autor ainda defende que uma palavra em uso pode ter representações diferentes. E exemplifica: “dizer
‘negro’ não é o mesmo que dizer ‘afro’ quando nos referimos a um indivíduo de tez escura. Afinal, o que
estaria implícito nessas escolhas lexicais?” Ele defende não ser aleatório o uso de um termo ou do outro, pois,
naturalmente, está atrelado a fatores de ordem social, cultural e cognitiva que permeiam a interlocução em
que tal uso foi feito. Desse modo, é possível assegurar que, conforme a escolha de um dos termos, o
processo de atribuição construirá sentidos diferentes, pois os referentes (os objetos do mundo, elementos
extralinguísticos) serão identificados diferentemente com os atributos culturais do que forem denominados
– “negro” ou “afro” (MELO, s/d).
Esse tipo de reflexão ocorre por considerarmos que a linguagem é um fenômeno que funciona como um
processo intersubjetivo, pragmático e ideológico e que se manifesta eminentemente como prática social. E a
língua, portanto, serve como uma maneira de retratar o que há fora dela.
Por fim, está impregnada, na linguagem, a manifestação do que somos pelas interações sociais, porque a
língua é produtora e produto da cultura, a diversidade cultural é causa da diversidade linguística e vice-versa.
forma de socializar-se. E os pais, com suas instruções verbais, seja nas atividades do dia a dia, seja com
histórias com valores culturais, são decisivos nesse processo.
A socialização através da linguagem pode ocorrer também de forma implícita, por meio
de participação em interações verbais que têm marcações sutis de papéis e status.
(ELY & GLEASON, 1996 apud BORGES & SALOMÃO, 2003, p.1)
Ou seja, antes de aprender a falar, a criança, através da linguagem, tem acesso a valores, crenças e regras,
adquirindo os conhecimentos de sua cultura. Isso acontece porque
à medida que a criança se desenvolve, seu sistema sensorial - incluindo a visão e audição
- se torna mais refinado e ela alcança um nível linguístico e cognitivo mais elevado,
enquanto seu campo de socialização se estende, principalmente quando ela entra para
a escola e tem maior oportunidade de interagir com outras crianças.”
(BORGES & SALOMÃO, 2003, p.1)
Então, quanto mais cedo a criança se envolve nas relações sociais, mais benefícios obterá a curto ou longo
prazo, tendo em vista as experiências e aprendizagens que resultam de tais interações. (GARTON, 1992, apud
BORGES & SALOMÃO, 2003).
Nesse contexto, como a capacidade de adquirir a linguagem é inerente ao ser humano, ele também pode
construir e desenvolver o conhecimento da língua materna. De acordo com Oliveira, Grassi, Teixeira (s/d, p. 1),
uma criança aos cinco anos de idade já faz uso proficiente de sua língua materna, sem
que fosse necessário que alguém a tivesse ensinado. Nesse sentido é coerente pensar
que as crianças, ao chegarem à escola, já têm pleno domínio da sua língua e, por isso, o
professor deve compreender que não vai ensinar a língua a seus alunos, mas sim um
sistema de representação que é a língua escrita.”
(OLIVEIRA, GRASSI, TEIXEIRA, s/d, p. 1)
Para isso, entendemos ser imprescindível que o professor procure conhecer, refletir e desenvolver – da
melhor forma possível (e continuamente) – a língua em todas as suas dimensões, tanto estruturais como
discursivas. Um estudo reflexivo contínuo não só da própria língua, mas também dos processos de ensino e
aprendizagem e das metodologias significativas. Em especial para a prática pedagógica dos professores que
trabalham com os anos iniciais. (OLIVEIRA, GRASSI, TEIXEIRA, s/d)
Com os desafios impostos pelo Ensino Fundamental, sobretudo, pedagógicos para a área
educacional, é preciso pensar em uma prática educativa que considere a criança como
eixo do processo e leve em conta as diferentes dimensões de sua formação. E o
desenvolvimento da linguagem escrita, por seu caráter complexo, multifacetado e
precursor de novos conhecimentos, cumpre um papel fundamental na garantia do direito
à educação. (MONTEIRO & BAPTISTA, s/d).
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METODOLOGIAS DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA | UIA 4 | 10
No estudo feito pelas autoras, para mobilizar os processos de aprendizagem das crianças de modo a ajudá-
las no desenvolvimento das capacidades relacionadas à leitura e à escrita e na construção de representações
sobre esse objeto de estudo, as propostas de atividades e as estratégias metodológicas precisam ser
sequenciadas, articuladas e contextualizadas. Ou seja, as crianças precisam participar de um conjunto de
atividades caracterizado por um ciclo de ações e procedimentos de ensino-aprendizagem – as chamadas
Situações de Aprendizagem. E garantem que a organização dos ciclos de Situações de Aprendizagem fica
mais fácil quando as professoras têm em mente uma proposta de ensino na qual possam buscar referências
metodológicas para projetar seus trabalhos junto às crianças.
Vale ressaltar, ainda, que, para uma proposta de ensino se tornar um referencial e se
materializar em uma prática de ensino adequada, ela deverá ser validada e reconstruída a
partir do conhecimento que se tem das crianças e também das interações que se
estabelecem entre os participantes do grupo escolar e deles com os objetos do
conhecimento. Dessa forma, a avaliação e o planejamento são fatores determinantes para
a consolidação desta prática. (MONTEIRO & BAPTISTA, s/d)
Desse modo, a avaliação diagnóstica é um procedimento de ensino a ser adotado com o objetivo de se
estabelecerem relações entre a proposta de ensino, o perfil pedagógico da turma e as necessidades de
aprendizagem específicas de cada aluno, inclusive no que diz respeito ao nível de aquisição da linguagem
falada e escrita. O planejamento pedagógico, por sua vez, como projeto de trabalho do professor, só se torna
efetivo se elaborado a partir da articulação entre a proposta de ensino e os sujeitos da aprendizagem.
(MONTEIRO & BAPTISTA, s/d). E finalizam defendendo que
Assim, o ensino da língua materna nos anos iniciais do Ensino Fundamental deve ter, como um de seus objetivos,
não só promover uma aquisição da linguagem falada e escrita, mas também desenvolver, na criança, um
potencial linguístico, crítico e criativo. Isso, através da leitura e da produção escrita, considerando estas como
essenciais na construção do conhecimento da criança. Dessa maneira, acreditamos que a compreensão da criança
sobre a sua fala, sobre o que ela lê, bem como o fato de que ela escreve alguma coisa para ser lida por alguém
devem fundamentar a prática pedagógica na escola, nesse nível de ensino. (SILVA, s/d)
Ele afirma que “o objetivo da linguística é a construção de uma gramática geral que
permita a descrição de todas as línguas”. Mostra também, em sua obra, como o falante
adquire a linguagem, internalizando de modo completo a gramática de sua língua.
Apresenta as noções de competência e desempenho e de gramática gerativa.
(CHOMSKY 1971 apud TERRA, 1997)
E por se relacionar com outras áreas do conhecimento humano, tendo por base os conceitos dessas, pode-se
dizer que a linguística apresenta a seguinte subdivisão: a) Psicolinguística, que compreende as relações entre
linguagem e pensamentos humanos; b) Linguística aplicada, a qual aplica os conceitos linguísticos no
aperfeiçoamento da comunicação humana, como é o caso do ensino das diferentes línguas; c)
Sociolinguística, que trata das relações existentes entre fatos linguísticos e fatos sociais.
Desse modo, como a linguística incorpora conceitos de outras ciências, ela também empresta a outras áreas
do conhecimento seus conceitos. É fato que a linguística está presente na psicanálise, na crítica literária
assim como na obra de vários pensadores importantes, afinal, independentemente da área, somos os únicos
seres com capacidade para comunicação por meio da fala.
o entendimento da escola é que o aluno só vai aprender a partir do seu ingresso na vida
escolar, pois é nesse espaço que ele toma contato mais efetivo com o sistema da língua.
Há, no ensino atual, um descaso com a linguagem do aluno, cujas experiências e o falar,
normalmente, são menosprezados em sala de aula.
(BERNARDO e NAUJORKS, s/d)
Segundo os PCNs da Língua Portuguesa, “a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos
os acessos aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos”
(BRASIL, 1997, p. 15). Para as autoras, o problema está no fato de as escolas trabalharem esses “saberes
linguísticos” de maneira limitada, usando frases soltas para ensinar as regras gramaticais; e os textos, quando
inseridos em suas atividades, têm como mote servir de material para o ensino gramatical, nunca utilizado
como objeto principal em que os elementos linguísticos que os constituem se apresentam como língua em
uso. O texto é visto como a formação de um grupo de frases reunidas que não influencia no
desenvolvimento discursivo, fundamental no desenvolvimento do aluno.
O fato é que a atividade textual tem acontecido de forma restrita aos momentos de leitura e
interpretação, enquanto o ensino da língua está restrito à gramática. Os textos são excluídos
de atividades mais práticas da vida escolar, fazendo com que o aluno não perceba que ele
próprio se insere, através de textos, no ato comunicativo com outras pessoas.
Ou seja, a comunicação e a capacidade discursiva do aluno devem ser os objetivos principais das aulas de
língua portuguesa e, para que haja essa comunicação, é necessário trabalhar com textos variados, pois,
através deles, os alunos descobrem os diversos usos da língua, tanto na fala como na escrita. Esse trabalho
pode ser feito também com produções textuais dos próprios alunos (e também do professor), pois é a partir
dessas produções que colocamos em prática o uso dos diversos gêneros textuais, para o que, infelizmente,
também se percebe uma prática não muito incentivada.
O fato é que, para desenvolver a competência linguística, não basta o domínio da norma “legitimada” como
padrão, o aluno precisa saber usar a língua em diversas situações que exijam graus de comunicação distintos.
O ensino da nossa língua vai muito além de normas gramaticais, por isso é tão
necessário trabalhar com textos. Só assim o aluno pode chegar à compreensão do uso
da língua. E essa prática deve ser iniciada, com muitas vivências, desde os anos iniciais.
Trabalhar com o texto faz com que o aluno adquira um conhecimento mais consistente
para compreender o mundo que o rodeia, e assim, se compreender, principalmente se
esse trabalho é desenvolvido desde os anos iniciais, além de aumentar sua habilidade na
comunicação, o aluno pode refletir sobre sua língua através dos textos. Essa
competência só é possível quando o aluno mantém contato com a leitura e a escrita,
pois essa prática desenvolve sua capacidade discursiva através dos anos.”
(BERNARDO e NAUJORKS, s/d, p.5)
Por fim, trabalhar diretamente com a língua em uso, isto é, por meio de textos, é, efetivamente, a estratégia
mais eficaz para o ensino da língua ou da gramática da língua portuguesa.
Então, o aluno começa a entender que ele é um falante dessa língua e que utiliza em todos os momentos de sua
vida e de maneira diversificada; por isso é um trabalho que exige muito a seguinte prática: leitura-escrita-reescrita.
Depois de passarmos pelos conceitos de fala, linguagem e língua; de refletirmos acerca do universo da
linguística e sobre a capacidade de comunicação, que é inerente ao ser humano; depois de percebermos que
o texto é, certamente, o melhor instrumento de trabalho para o ensino da língua, agora, vamos falar de
algumas formas de aquisição da língua e mais um pouco sobre algumas concepções de linguagem e o uso
delas nas práticas sociais. Primeiro, apresentaremos algumas concepções teóricas de alguns autores sobre
linguagem. Sigamos!
Uma pergunta: até que ponto a prática pedagógica do professor seria, consideravelmente, melhorada se ele
dominasse bem as concepções de linguagem? Travaglia apresenta esta fala como resposta:
Outro autor que vai ao encontro dessa teoria é Geraldi. Quando ele fala sobre a linguagem e sua forma de ser
concebida, reforça a sua importância no processo de interação afirmando o seguinte:
Mais do que ver a linguagem como uma capacidade humana de construir sistemas
simbólicos, concebe-se a linguagem como uma atividade constitutiva, cujo lócus de
realização é a interação verbal. Nesta relacionam-se um eu e um tu e na relação
constroem os próprios instrumentos (a língua) que lhes permitem a intercompreensão.”
(GERALDI, 1996, p. 67 apud CAMILLO, 2008)
Ou seja, a prática pedagógica para o ensino da língua nos anos iniciais do Ensino
Fundamental está diretamente ligada à compreensão que o professor tem das
inúmeras possibilidades de linguagem e de seus respectivos contextos e práticas
sociais em que acontecem os atos de comunicação.
Só com uma percepção consistente do universo das interações comunicativas, ele adquire maior capacidade
de elaborar, com maior eficácia, a metodologia mais adequada e mais significativa em sua ação pedagógica.
Para fundamentar seu estudo sobre a percepção do professor acerca das concepções de linguagem, Camillo
(2008) apresenta a teoria de três autores que, basicamente, pode abordar as três principais diferentes
possibilidades para se conceber a linguagem (Geraldi, 1996; Travaglia, 2002; Matêncio, 1994):
a. linguagem como expressão de pensamento: para esta concepção, presume-se que há regras a serem
seguidas para a organização lógica do pensamento e da linguagem. Segundo Travaglia (2002, p.21),
são elas que constituem as normas gramaticais do falar e escrever “bem”, as quais aparecem
consubstanciadas nos chamados estudos linguísticos tradicionais que resultam no que se tem
chamado de gramática normativa ou tradicional;
b. linguagem como instrumento de comunicação: para Saussure (1974), a linguagem funciona como
instrumento de comunicação. A língua, para o linguista, é um fato social porque pertence a todos os
membros de uma comunidade, é exterior ao indivíduo, e esse não pode nem criá-la nem modificá-la.
No ensino de Língua Portuguesa, essa nova concepção, baseada no estruturalismo, trouxe
mudanças, mas não tão intensas. Partiu-se da premissa de que a aprendizagem da Língua Materna
deveria ser realizada linear e descritivamente, visto que se acreditava na existência de um conteúdo a
ser transmitido pelo professor, e não em um objeto de estudo a ser (re)construído por meio da
interação professor-aluno, como reforça Matêncio (1994, p.79);
c. linguagem como forma ou processo de interação: nessa concepção, como define Travaglia (2002, p.23),
a linguagem é lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de
sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-
histórico e ideológico. Essa teoria se pauta nas ideias de Bakhtin (1986), que introduz uma definição
diferenciada de Saussure no que se refere à “língua”:
• 400 g de espaguete
Fonte: http://tinyurl.com/jj5svxl
Então? Percebeu que cada texto tem suas próprias características, certo? Imagino que você tenha
reconhecido, por exemplo, que o texto 3 não é o conto infantil, mas que “brinca” com nosso conhecimento
sobre conto e nos propõe uma reflexão – e uma solução – a respeito de uma certa realidade para nos
“vender” uma ideia. E o completo entendimento da mensagem depende tanto do que diz o texto linguístico
como o que “diz” a imagem. Depende também de o leitor reconhecer a figura clássica de Chapeuzinho
Vermelho – usando a capinha e o capuz vermelhos, carregando a cestinha. Mais importante ainda é saber
que o conto de Chapeuzinho Vermelho tem como cenário uma floresta. No entanto, mesmo sendo
necessário saber tudo isso, o leitor deve também ser capaz de reconhecer que aqui não se trata da história
infantil original, mas de um outro texto que utiliza esse conhecimento para dizer algo diferente: interpretar
corretamente o texto 3 depende tanto daquilo que conhecemos sobre contos infantis quanto sobre
anúncios publicitários ou propagandas.
Já no texto 2 podemos reconhecer duas partes distintas – fora a figura – organizadas textualmente de forma
diferente uma da outra. Uma parte é a enumeração dos ingredientes, a outra, o modo de preparar o prato.
Nesse caso, tanto o tema quanto a forma de dispor as informações no texto são importantes. Mesmo que
não esteja explicitado o subtítulo “modo de preparo”, nossa experiência de mundo preenche essa lacuna e
entendemos o trecho que deve ser assim interpretado.
No texto 1, você pôde perceber, por exemplo, que as informações estão organizadas em uma sequência de
parágrafos que abordam, cada um, um aspecto da vida de Carlos Drummond de Andrade. O tema – a vida de
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METODOLOGIAS DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA | UIA 4 | 18
um escritor famoso – é fundamental para que o texto seja identificado como uma biografia, não importando
exatamente que tipos de informações são expressas: podem tender mais para o lado pessoal, ou mais para o
lado profissional, ou mais para as razões de suas escolhas, ou mais para a descrição de sua obra...
Algumas dessas características são: a) o tipo de assunto abordado; b) quem está falando; c) para quem está
falando; d) qual a finalidade do texto; e) qual o tipo do texto (narrativo, argumentativo, instrucional, etc.).
Nesse sentido, é importante esclarecer logo a você algo importante. Atenção! Considera-se que os gêneros
textuais são inúmeros, até infinitos, ao contrário dos tipos textuais, que são limitados. A literatura, hoje,
divide os tipos textuais em: narrativo, descritivo, argumentativo, explicativo ou expositivo, injuntivo ou
instrucional. Veja o quadro a seguir!
TIPOS GÊNEROS
Como já podemos constatar, cada gênero possui sua característica. Entretanto, é importante destacar que não
existe um texto que seja, por exemplo, exclusivamente argumentativo. Ao afirmar que a notícia é descritiva ou
narrativa, que a carta de leitor é argumentativa, as características dominantes são levadas em consideração.
Assim, ao se falar em tipo textual, costuma-se utilizar o adjetivo predominante, por exemplo: 1) gênero
romance, tipo textual predominante: narrativo; 2) gênero carta de opinião, tipo textual predominante:
argumentativo; 3) gênero manual de instrução, tipo textual predominante: injuntivo.
Por fim, trabalhar com os gêneros discursivos como objetos de ensino e aprendizagem da língua portuguesa
é uma forma de dar conta do ensino dentro de um dos vetores da proposta inicial dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), os quais, embora tenha havido controvérsias entre especialistas, constituem o
primeiro nível de concretização curricular. Foi o documento que representou um marco importante no
panorama das diretrizes educacionais no Brasil, cujo objetivo era reunir e organizar as principais reflexões
teóricas das últimas décadas e suscitar questionamentos relevantes sobre o modo de se trabalharem os
conteúdos de todas as disciplinas do currículo básico.
Para finalizar este tópico, apresentaremos mais algumas dicas sobre gêneros discursivos ou gêneros textuais.
1. É muito importante reforçar que um texto não precisa ter apenas um gênero textual, porém há
apenas um que se sobressai.
2. No momento da escolha do gênero textual, devem ser considerados a finalidade do texto, o papel
dos interlocutores e o contexto.
3. É impossível se comunicar verbalmente, a não ser por algum gênero, assim como é impossível se
comunicar verbalmente, a não ser por algum texto.
4. Texto é uma “entidade” concreta, realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual.
Quando dominamos um gênero textual, dominamos uma forma de realizar, linguisticamente, objetivos
específicos em situações sociais particulares.
Por isso, essa variedade é necessária para a criança perceber os diferentes objetivos de um texto escrito e seu
uso no dia a dia, de acordo com nossas necessidades e oportunidades.
O fato é que, por meio do texto escrito, nosso pensamento é exteriorizado, diferentemente do que ocorre no
momento da leitura, o qual se constitui em um momento de interiorização e reflexão. Isto é, tanto a leitura
quanto a escrita fazem parte da compreensão do texto escrito, que é um auxiliar na sistematização do código
linguístico.
Não só trabalhar em sala, mas também propor às crianças que tragam de casa diferentes gêneros textuais: 1)
Textos literários (contos, poemas, histórias em quadrinhos); 2) Jornalísticos (notícias); 3) Epistolares (cartas,
bilhetes, cartões, convites); 4) Publicitários (anúncios, propagandas); 5) Instrucionais (receitas, listagens,
manuais de instrução); 6) Textos não verbais, mistos e humorísticos (rótulos, logotipos, placas); 7) Científicos
(tabelas, gráficos); 8) Informativos, entre outros.
Essas atividades farão as crianças perceberem que a linguagem, além de transmitir informações, pode revelar
o que elas pensam, no mundo real ou no imaginário. E isso contribuirá, significativamente, para a formação
das chamadas operações mentais mais complexas. Afinal, como disse Vigotski (1999, p.156):
é preciso ter consciência de que a escrita deve ter significado para as crianças, de que
uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a
uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que
ela se desenvolverá não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e
complexa de linguagem.”
(VIGOSTKI, 1999, p. 156)
Bem ... fica a sugestão do portfólio! Tenho certeza de que não só as crianças mas você também irá gostar!!!
Depois de lhe apresentar um instrumento importante para a sua prática pedagógica – o portfólio –, que
possibilita você verificar e avaliar o desenvolvimento da criança no processo de apropriação da leitura e
escrita, apresentaremos, aqui neste tópico, outro modelo de trabalho, que está muito em voga no momento.
É a sequência didática, a qual consiste em “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira
sistemática, em torno de tipos ou de gêneros textuais oral ou escrito”. Elas estruturam-se em quatro etapas:
1. apresentação de proposta de trabalho aos alunos;
2. elaboração da primeira produção textual do gênero em estudo;
3. desenvolvimento de módulos de atividades em torno das características particulares do gênero;
4. produção textual final a partir dos conhecimentos construídos nos módulos de atividades.
Figura 1. Esquema da sequência didática. Fonte: DOLZ; NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004, P. 98.
Esse modelo consiste em orientar o trabalho do professor no desenvolvimento de práticas significativas, que
envolvam situações reais de uso da língua. Os pesquisadores da Universidade de Genebra Joaquim Dolz e
Bernard Schneuwly propõem em seu livro Gêneros orais e escritos em sala de aula um modelo para o trabalho
com gêneros textuais.
Para os autores, o primeiro procedimento para se iniciar um trabalho com sequência didática é fazer ao
aluno a apresentação da situação comunicativa que será estudada, envolvendo-o no projeto coletivo de
produção textual a ser desenvolvido. Nesse momento, é imprescindível apresentar exemplares do gênero ao
aluno para que ele manuseie, leia e reflita sobre a situação de produção do gênero em questão, ou seja, o
interlocutor (para quem se escreve), o assunto, onde ele circulará, qual a sua finalidade, bem como seus
elementos constitutivos.
Em seguida, propõe-se a escrita de um primeiro texto, que permitirá ao professor identificar os
conhecimentos prévios do aluno acerca do gênero, bem como mapear os aspectos mais frágeis para o
planejamento adequado das atividades futuras. Além disso, a produção inicial oferecerá subsídios para a
avaliação do aprendizado quando esse texto for comparado com o que será produzido no final da sequência.
A terceira etapa da sequência didática compreende os módulos de atividades construídos a partir das
particularidades do gênero textual estudado. Dessa forma, por meio de um número ilimitado de atividades
que podem ser propostas – já que poderá haver tantas atividades quanto forem as necessidades do aluno no
processo de construção dos conhecimentos –, o professor poderá orientar o aluno, levando-o a familiarizar-
se com a estrutura, com o vocabulário específico e com as marcas linguísticas relativas ao gênero em estudo.
É possível também nesse momento construir com o aluno uma grade ou lista com critérios avaliativos
relativos ao gênero trabalhado, que servirá como referencial para a organização da produção textual final.
Na última etapa, em que se desenvolve a produção final do gênero estudado, o professor irá devolver ao
aluno a produção escrita inicialmente para que ele mesmo faça a revisão do próprio texto e assim possa
aprimorá-lo, por meio da revisão, aplicando todos os conhecimentos construídos durante o
desenvolvimento dos módulos. Essa revisão complementa a aprendizagem, uma vez que propicia ao aluno
refletir sobre aquilo que escreveu.
Nesse contexto, sabemos que não são apenas as ações pedagógicas planejadas em uma escola que
promovem a aprendizagem de uma criança, pois, a partir do momento em que nasce, o ser humano começa
a aprender, tanto o que lhe é ensinado de forma intencional como o que pode aprender pelo simples fato de
estar vivo, convivendo com outras pessoas em ambientes sociais diversificados. Muitas coisas que sabemos
não nos foram formalmente ensinadas.
Quando temos consciência desse fenômeno, nos empenhamos em cuidar do contexto escolar em que as
situações de ensino e aprendizagem acontecem. Situações essas que convém destacá-las, enumerando-as
para reflexão:
1. Não podemos formar leitores, por exemplo, se não houver livros e atos significativos de leitura e
escrita na sala de aula.
2. Não podemos formar escritores se convidarmos os alunos a escreverem seus próprios textos apenas
ocasionalmente, e somente depois que estiverem alfabetizados.
3. Não podemos seduzir nossos alunos a escreverem da forma que sabem se corrigirmos o tempo todo
tudo o que escrevem.
4. Não ensinaremos nossos alunos a trabalharem em grupo se essa não for uma meta expressa em atos
cotidianos na sala de aula.
5. Não faremos nossos alunos respeitarem os colegas que têm mais dificuldade se não expressarmos,
como professores, o nosso próprio respeito por eles. O contexto da sala de aula ensina, às vezes, mais
até do que o que planejamos intencionalmente. E o contexto da escola, para além da sala de aula,
ensina também.
Desse modo, os obstáculos para a aprendizagem da criança, em situações consideradas dentro da
normalidade no ambiente escolar, devem ser compreendidos a partir das mediações entre o sujeito e o saber,
pois a pedagogia não é, plenamente, suficiente. Segundo Libâneo,
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Portanto, no que tange ao aprendizado da linguagem e das suas representações, entendemos que o
professor, ao pautar-se no trabalho com os gêneros textuais, oportunizará ao aluno o aprimoramento da sua
competência linguística, ampliando a sua compreensão da realidade para que possa posicionar-se e interagir
diante das exigências da sociedade e, consequentemente, superar com mais segurança as dificuldades de
aprendizagem que possa vir a ter.
Assim, é sempre bom reforçar que:
De acordo com Cagliari (1989 apud Ichikawa, 2003. p. 44, apud Sobrinha e Filho, 2011), os
indivíduos aprendem a variação linguística peculiar das comunidades em que vivem,
porém, a sociedade se utiliza desses modos peculiares de se expressar para marcar
indivíduos e classes sociais pelo modo de falar. Esta atitude social revela os preconceitos,
pois marca diferenças linguísticas como índices de estigma ou prestígio.
Os autores também citam Tarallo (1986, p.3), que coloca o seguinte: “a variação é vista pela
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Por isso, faz-se necessário que o professor de Língua Portuguesa transmita e ensine aos seus alunos o
processo de variação linguística para que eles valorizem a sua própria língua e tornem-se pessoas cada vez
mais críticas, mais participativas e atuantes, política e socialmente. Desse modo, como disse Luana Castro
Alves Perez, “Aceitar a existência e a importância das variações linguísticas é o primeiro passo para combater o
preconceito linguístico”. E para corroborar com esta frase, eis esta simbólica imagem e os versos da música de
Legião Urbana.
Cara/o graduanda/o, para continuar o nosso percurso pelo maravilhoso universo da linguagem, relembre o
objeto de estudo da Sociolinguística, estudado em um tópico da aula 13. Vimos que ela “trata das relações
existentes entre fatos linguísticos e fatos sociais”.
Nesse sentido, acreditamos que, se você partir desse fato, muitos entraves e preconceitos já serão evitados.
Nossos alunos são oriundos de diversas realidades e, até mesmo, regiões. Então, como pode um professor
ignorar tal fato? Entretanto, negar ao aluno o conhecimento do português padrão ou português culto não
seria injusto? E a pergunta que não quer calar: A quem cabe essa “missão”?
Antes de continuarmos nossa conversa, vale esclarecer alguns pontos teóricos. Em primeiro lugar, mais uma
vez, é importante lembrar que toda e qualquer língua varia, sobretudo, o português, por alguns estudiosos,
chamado de “português brasileiro”. O Brasil é um país muito extenso territorialmente, assim, pensar que a
língua não irá mudar será inocência nossa. Haverá variação de acordo com a região, idade, sexo, grau de
escolaridade, profissão do falante, todos esses aspectos interferirão na linguagem, consequentemente,
teremos alunos provenientes de muitas dessas realidades. O que fazer? Aceitar tudo? Ignorar e ensinar
apenas a forma da gramática da língua portuguesa? O que a escola quer, hoje, como ensino da língua?
Sabemos, exatamente, como a escola deseja que se ensine a língua materna? Diante de tantas perguntas,
parece-nos que usar o repertório cultural desse aluno e ampliá-lo é a forma mais adequada de se ensinar a
língua portuguesa.
Para Marcos Bagno (2004, p. 39), há uma grande diferença entre norma padrão e
variedades cultas. A primeira seria um “modelo de língua”, um conjunto de regras, um
ideal sugerido pelos gramáticos tradicionais baseado nos cânones da literatura, logo, algo
inalcançável. O segundo termo é o que ele define como a língua dos falantes cultos, usada
em situações formais de escrita e fala. Para esse autor, esta sim deve ser pesquisada e
ensinada na escola, por ser mais próxima e real.
Diante desses fundamentos do professor Marcos Bagno, consideramos de fácil entendimento a enorme
importância de o docente desenvolver sua percepção dos fenômenos de variação linguística, pela
abordagem sociolinguística, para que possa se apropriar dessa realidade e, assim, desenvolver habilidades
para ações pedagógicas mais consistentes nesse aspecto e mais abertas para o ensino da língua, a partir do
texto e do contexto. Para isso, indicamos o vídeo com a entrevista de Bagno, no saiba mais, que fala sobre o
que é e como se faz preconceito linguístico.
Para aprofundar um pouco esse assunto, sugiro que assista a este vídeo
com o sociolinguista Prof. Dr. Marcos Bagno, da UnB. Nesta entrevista,
ele aborda pontos importantes de discussão sobre preconceito
linguístico, variação linguística e o ensino da língua. Esses pontos são: O
que é o círculo vicioso do Preconceito Linguístico? Quais as diferenças
entre documentos antigos e os Parâmetros Curriculares Nacionais ao
abordarem o Preconceito Linguístico? Como o professor pode
desconstruir o Preconceito Linguístico? Como podemos estabelecer
uma relação entre o Preconceito Linguístico e a formação ética do
aluno? Como ensinar a norma padrão sem incentivar o Preconceito
Linguístico? Bagno é autor dos livros Preconceito linguístico e A Língua
de Eulália, entre outros.
http://tinyurl.com/gwwt7ta
Nesse contexto, podemos constatar que a escola passou a ser o espaço mais adequado
para oportunizar, à criança, o exercício de ler e escrever.
Desse modo, torna-se imprescindível que o professor procure conhecer e utilizar metodologias diversas para
que sua prática pedagógica não o defina como um docente unilateral, que privilegia um único “jeito de
ensinar”, ou que só reproduz o que lhe ensinaram e, sobretudo, ser o típico professor que privilegia um
conteúdo em detrimento de outro.
Sabemos que as pessoas organizam seu dizer em textos, frutos de suas formações discursivas e
interdiscursivas, por isso o texto – escrito ou oral – é uma unidade linguística básica de comunicação. Nessa
direção, Alves (s/d, p.2) defende que
Esse sistema comunicativo é, pois, uma forma de ação, um lugar de interação que
possibilita aos indivíduos de uma sociedade a prática de diversas ações. É na
interlocução que a linguagem e o sujeito se constituem.
Assim, uma das funções da escola é proporcionar um encontro adequado entre o aluno e a linguagem para
que ele tenha condições de fazer uso adequado desse sistema simbólico, a fim de atender às necessidades
básicas de comunicação em uma sociedade que está em constante transformação. Entendemos que abordar
a linguagem como processo interlocutivo nas práticas educacionais exige uma práxis permanente, sem
cristalização de caminho. (ALVES, s/d)
O fato é que, desde a década de 1990, aconteceram mudanças significativas no que tange ao ensino da
língua portuguesa, que não significa mais o ensino da gramática da língua portuguesa. Esta tem se tornado
não “o”, mas “um” dos aspectos do ensino da língua materna. No entanto, não há como negar que ainda
existem muitos professores que apresentam dificuldade para desenvolver sua prática pedagógica com mais
diversidade de foco, principalmente a partir da prática da leitura e escrita de textos, em gêneros diversos,
considerando suas práticas sociais.
Ou seja, as mudanças no ensino da língua portuguesa dependem não só da construção de novos caminhos
para a práxis pedagógica, mas também de se ressignificarem outros, já enraizados, ou até de desconstruí-los.
Para isso, é preciso não só desencadear um conjunto de ações, mas também sustentar um processo de
mudança. Registra a autora:
Dessa maneira, podemos acreditar que, a partir dessa perspectiva, será possível atingir maior harmonia e
coerência entre a teoria e a prática do ensino da língua portuguesa, com predomínio da aprendizagem
significativa para a criança.
A oralidade é uma prática de total interatividade; por meio dela, gêneros discursivos são
criados e vão desde os mais informais até os mais formais, afirma Marchuschi (2001, p.25).
Assim, podemos simular em sala as mais variadas situações e é importante ressaltar que a
fala independe de tecnologias caras e elitistas. Só o homem em toda sua riqueza de
expressão basta.
Nesse sentido, mais importante que estudar as concepções da língua, é estudar os usos
da língua em suas várias possibilidades e gêneros textuais, por que não dizer
contextuais.
E para melhor ilustrar e fundamentar essa abordagem, sugerimos que você assista aos vídeos de Antônio
Marchuschi, publicado no canal do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (Ceel) da Universidade
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Federal de Pernambuco (UFPE). Lembramos que a parte 1 foi sugerida na aula 9, mas colocaremos o link
novamente aqui, caso você queira revê-la.
1
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios,
fundamentos e procedimentos na Educação Básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,
que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de
suas propostas pedagógicas. Para orientar as práticas educacionais em nosso país, respeitando as variedades curriculares já
existentes em Estados e Municípios, ou em processo de elaboração, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação
estabelece as seguintes Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental: I - As escolas deverão estabelecer, como norteadores de
suas ações pedagógicas: a) os Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
b) os Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem Democrática; c) os
Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.
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É importante ressaltar que, apesar das muitas críticas feitas aos PCNs, as ideias apresentadas no documento
não eram novas, pois autores como Fávero & Koch (1983), Luft (1997), Geraldi (1997), Perini (2000), entre
outros, há muito tempo, já discorriam sobre a abordagem mais produtiva no ensino de Língua Portuguesa.
Inclusive, deve-se se dizer que foram esses autores que influenciaram a elaboração dos PCNs (SANTOS, 2009).
A autora ainda sustenta que pesquisas por todo o Brasil mostram como se pode melhorar a concepção dos
alunos a respeito da própria língua e diminuir o preconceito linguístico, com atividades simples, as quais
privilegiam o uso, a reflexão, no lugar de apenas dividir e classificar termos, orações, etc. Da parte do
governo, as avaliações dos Livros Didáticos de Português (LDP) vêm tentando melhorar a qualidade dos
materiais didáticos, com programas como o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM).
O fato é que um bom trabalho escolar não pode desprezar o uso de um material didático
compatível e atualizado. Para isso, faz-se necessária uma avaliação cujos critérios
contemplem as perspectivas de um ensino voltado mais para o uso da língua do que para
as concepções teóricas que regem a língua portuguesa; e, claro, se o conteúdo
apresentado vai ao encontro do que preveem os PCNs.
Em termos práticos, para a apreciação e análise de um livro didático, podemos sugerir o seguinte: observar se
a variação linguística não é tratada apenas no primeiro capítulo, mas durante todo o livro didático; verificar
se os autores mostram as diferenças linguísticas por meio de boxes explicativos, por exemplo, em que
apresentam as diferentes variações da língua com exemplificações, a fim de contrastar uma variante com
outra, mas sem depreciação ou supervalorização de alguma delas; analisar se os exercícios são compatíveis
com o que foi teorizado; certificar-se de que haverá atividades práticas em diversos níveis, como, por
exemplo, prática da teoria, aplicação da teoria, produção textual com base no que foi demonstrado; observar
se há uma metodologia baseada no estudo da língua por meio do texto em seus diversos gêneros.
Ou seja, teorias como as que já estudamos acerca da linguística textual para o ensino
da língua têm de ser predominantemente valorizadas.
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E para finalizar este tópico, há uma importante reflexão, apresentada por Santos (2009), a respeito das
dificuldades do professor em trabalhar na perspectiva das teorias da linguística textual, na qual vale a pena
pensar. Ela declara em seu estudo o seguinte:
Sendo assim, é inegável que a responsabilidade de um ensino mais significativo da língua portuguesa para
os anos iniciais do Ensino Fundamental exige o esforço conjunto de todos que participam e fazem essa etapa
de formação da criança. E só o conhecimento das teorias, somado ao comprometimento de todos poderão
consolidar ações pedagógicas mais significativas e eficazes, capazes de promover o desenvolvimento da
criança dentro dos princípios registrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais.
Você terminou o estudo desta unidade. Chegou o momento de verificar sua aprendizagem.
Ficou com alguma dúvida? Retome a leitura.
Quando se sentir preparado, acesse a Verificação de Aprendizagem da unidade no menu
lateral das aulas ou na sala de aula da disciplina. Fique atento, essas questões valem nota!
Você terá uma única tentativa antes de receber o feedback das suas respostas, com
comentários das questões que você acertou e errou.
Vamos lá?!
REFERÊNCIAS
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em: <http://coral.ufsm.br/lec/02_05/Clarice.pdf>. Acesso em 20 out 2016.
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<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000375065&fd=y>. Acesso em 20 out 2016.
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da Perspectiva da Interação Social. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(2), pp. 327-336. Universidade Federal
da Paraíba. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n2/a13v16n2.pdf>. Acesso em 20 out
2016.
CAMILLO, Luciana Cristina Vargas da Cruz. Concepção de linguagem e ensino gramatical: a visão do
professor. Universidade Estadual de Londrina (UEL), 2010. Disponível em
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Rojo e Glais Sales Cordeiro. 3ª ed. Campinas: Mercado de Letras, 2004, p. 81-108. Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/xviii_cnlf/cnlf/03/016.pdf>. Acesso em 20 out 2016.
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SANTOS, Leonor Werneck dos. O ensino de língua portuguesa: PCN e livros didáticos em questão. 2009.
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TERRA, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997. (Ponto de Apoio).
GLOSSÁRIO
Posição axiológica: Relativo, neste contexto, a um posicionamento com certo juízo de valor; Valor: aquilo
que é valorizado pelas pessoas, é uma escolha individual, subjetiva e produto da cultura onde o indivíduo
está inserido. A axiologia é a teoria filosófica responsável por investigar valores, concentrando-se
particularmente nos valores morais. Etimologicamente, a palavra "axiologia" significa "teoria do valor", sendo
formada a partir dos termos gregos "axios" (valor) + "logos" (estudo, teoria).
Competência: conjunto de normas internalizadas que nos permitem emitir, receber e julgar enunciados. É a
competência que nos permite não só reconhecer enunciados velhos, bem como enunciados novos.
Desempenho: termo criado pelo linguista Noam Chomsky para designar o uso que se faz dessa
competência. “A efetiva comunicação não se dá pela competência linguística do falante, mas pelo seu
desempenho. Pois a língua é abstrata e só se concretiza pela fala.” (CHOMSKY, 1971, apud TERRA, 1997)
Gramática gerativa: Noam Chomsky criou o termo Gramática Gerativa para designar o conjunto de regras
internalizadas, pois ele defende que, embora o conjunto das regras de um idioma seja finito, elas nos
permitem gerar um número infinito de frases e textos.
Portfólio: Esta é uma palavra inglesa portfolio, registrada no VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa) com o acento portfólio, como forma de aportuguesamento. Faz referência a um dossiê, a um
conjunto de trabalhos que incluem materiais gráficos e fotografias, a uma carteira de títulos ou a uma
carteira para guardar documentos.