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Vergílio Ferreira
Olga de Sá
Doutora em Comunicação e Semiótica e Mestre em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Orientadora de Pós-Graduação e Pesquisadora do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Resumo: Abstract:
O Artigo é um breve ensaio crítico sobre a análi- This paper is short critical essay about the exis-
se existencial na obra de Vergílio Ferreira, foca- tential analysis in the Vergilio Ferreira’s work.
lizando Aparição e destacando sua contribuição We focus the romance Aparição, stressing its
para a ficção portuguesa. contribution to the Portuguese fiction.
Palavras-chave: Keyword:
Vergílio Ferreira - Literatura portuguesa moder- Vergilio Ferreira - Modern Portuguese Litera-
na - Literatura e Filosofia - Análise existencial. ture - Literature and Philosophy - Existential
Analysis
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Os três romances mais importantes de Vergí- sendas da revelação do Transcendente, nos limites
lio Ferreira são: Estrela polar (1962), Alegria breve da condição humana, do existencial. Não se detém
(1965) e Aparição (1959), que poderia intitular-se na solução de problemas psicológicos, na visão da
Epifania, aproximando-o de um procedimento de morte como desagregação e perda, mas como reen-
Clarice Lispector, com quem, sem dúvida, sua ficção contro. Alberto, o protagonista, abandona os even-
tem uma interface. tos externos, desliga-se dos conflitos cotidianos, para
Não desconhecemos a importância, na evolu- ouvir e calar, no ermo de sua ilha.
ção estilística do autor, do romance Mudança (1949) A Arte perde sua funcionalidade, expressão
e de romances hoje desconhecidos como O caminho mais viva e verdadeira, espécie de religião ,sem Deus.
fica longe (1943) e Onde tudo foi morrendo (1944). Compreende que sua existência é ser. Que é o
Mudança, como diz a contracapa da 2ª. edi- universo? Uma barreira ou uma passagem? As pare-
ção da coleção de Autores Portugueses, da editora des separam ou permitem a comunicação?
Arcádia, “é considerado por Mário Dionísio, como
a obra em que o seu autor conquistou a ‘maioridade Descobri as raízes da minha vida, a flagrância do
literária’ e é uma das realizações mais representati- que sou (FERREIRA, 1964, p. 65).
vas, no campo da ficção, da literatura portuguesa”,
nas décadas de 40/ 50, estendendo-se até a litera- E vi a face desse alguém que me habitava, que me
era e eu jamais imaginara. Pela primeira vez eu ti-
tura moderna.
nha o alarme dessa viva realidade que era eu, desse
É verdade que a revista Presença (1927-40)
ser vivo que até então vivera comigo na absoluta
trouxera um aspecto novo à ficção portuguesa: a indiferença de apenas ser e em que agora descobria
introspecção. Precursores como Almada-Negreiros, qualquer coisa mais, que me excedia e me metia
Antonio Botto e Sá-Carneiro, não podem ser esque- medo (FERREIRA, 1964, p. 70).
cidos. Além disso, a literatura de Miguel Torga, José
Régio e Branquinho da Fonseca, embora conserve A dúvida sobre quem se é, acaba sendo um
vestígios dos mitos do clássico romance português, caminho de descoberta. Não à maneira cartesiana,
alcança uma transfiguração, que se pode chamar po- não pelo caminho da lógica. É uma chispa, num áti-
ética. mo, sem véu, como uma graça.
Vergílio Ferreira é, sem dúvida alguma, o mais
importante criador de linguagem, na esteira de Eça A mancha da lua fosforece como o vapor de uma
de Queirós, no século XIX. lenda, sagra-me como um dedo na fronte. E outra
Vergílio Ferreira nasceu em Melo, em 1916, e vez agora me deslumbra, em alarme, a presença ilu-
veio a falecer no dia 1 de março de 1996. Licenciou- minada de mim a mim próprio, o eco longínquo das
-se em Filologia Clássica, em 1940. Intencionalmen- vozes que me trespassam (FERREIRA, 1964, p. 10).
te, filiou-se ao neo-realismo, comprometido com a
transformação social, como objetivo da arte. Porém, O ser sempre esconde uma presença, e isto
afasta-se dessa corrente e elege a problemática exis- constitui um mistério.
tencial. Escreve em Um escritor apresenta-se: Alberto sabia que sua presença de homem esta-
va sempre envolta pela presença dos outros homens.
Nasci para a literatura nos fins da II Guerra Mundial. A Dispersa seu ser social nas refeições com os amigos,
esperança ou a certeza, quebradas depois na dúvida e no carnaval, mas essas relações formalmente sociais
na questionação alargada, foi a sorte que me coube. Do geram uma insatisfação existencial. Contudo, não
“homem económico” ao homem que o excede vai todo pode bastar-se; só, é como a terra sem água. É como
o percurso que realizei. Mas o próprio “homem econó- o professor solitário do filme de Visconti Violência e
mico”, que eu julguei cumprido na planificação estatal,
paixão, que desalojado de sua solidão pela tagarelice
sofreu--me graves restrições ao exemplo nada edificante
da família,que invade sua casa, acaba descobrindo
dos países em que se efectivou. Mas, sobretudo o que
veio a preocupar-me foi justamente o que a esse homem
que aquela gente era sua família humana, e lhe trou-
excede. Porque um homem não cabe numa tigela de ar- xera a concretude irredutível do ser.
roz e só morto se ajeita nas quatro tábuas do fim. (FER- Não que Alberto conseguisse comunicar-se.
REIRA,1981, p.199) Haveria, afinal, a possibilidade de um absoluto? A
coragem da liberdade excluiria tal possibilidade. A
Em seus textos, o centro é o homem. Em Apa- liberdade existencial seria cerceada, em seu vôo ili-
rição, ponto alto de sua carreira, focaliza, princi- mitado, pela crença num Deus transcendente. É pre-
palmente ‘este absurdo a que se chama morte’. A ciso afirmar que Deus não existe. Só neste grau zero
linguagem de Aparição é poética e exige do leitor se descobre a existência, que se está vivo. Para salvar
novos modos de recepção. esta extraordinária descoberta, esta pura presença
Fundindo realidade e poesia, surpreende as do próprio ser, esta iluminação, é necessário “aguen-
coisas, em sua inocência primeira, penetrando as tar e assumir”. O ateísmo não é “anti”. “Porque ser
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Textualmente, cito Vergílio Ferreira: “Não, não. 1983 - Parasempre
Deus não me fala. Ou fala, tão baixo que o não ouço. 1986 - Uma esplanada sobre o mar
Entre mim e ele há o grande mistério de tudo que 1987 - Até ao fim
levaria muito tempo a atravessar” (FERREIRA, 1987, 1990 - Em nome da terra
p. 562). 1993 - Na tua face
O questionamento sobre Deus é tão intenso e 1996 - Cartas a Sandra
radical, que Deus nasce como criação do homem. 1976 - A palavra mágica (publicada em separado, no en-
Pensar e escrever foram as grandes veredas da tanto faz parte do livro Contos)
obra vergiliana, resumo de sua vida, como exercício
de busca do ser. “(...) o rés do chão de mim como
‘escritor’, a minha rasa banalidade com uma caneta e Ensaios
uma folha”. (FERREIRA, 1980, p. 204)
Há um ensaio de Fernanda Irene Fonseca intitu- 1943 - Sobre o humorismo de Eça de Queirós
lado “Vergílio Ferreira, escrever: o título inevitável”, 1957 - Do mundo original
publicado na Internet, em que ela analisa longamente 1958 - Carta ao futuro
a essencialidade do ‘escrever’ na obra do grande Autor 1963 - Da fenomenologia a Sartre
português e a intertitularidade entre Pensar e Escrever. 1963 - Interrogação ao destino, Malraux
Vergílio Ferreira escreve para esclarecer suas pró- 1965 - Espaço do invisivel I
prias ideias, para vencer o indizível. Pergunta-se sem- 1969 - Invocação ao meu corpo
pre o que é escrever , porquê e para quê escrever. Sem 1976 - Espaço do invisivel II
dúvida, escrever é, para ele, uma necessidade vital. 1977 - Espaço do invisivel III
1981 - Um escritor apresenta-se
Escrever é ter a companhia do outro de nós que es- 1987 - Espaço do invisivel IV
creve. Portanto não te comovas muito, mesmo que 1988 - Arte tempo
ele se queixe. Porque abaixo dessa lamentação está o
vazio infinito da infinita desistência ou desinteresse
onde a palavra já não chega. Quando o que escreve
Diários
aí desce, a morte tem a sua possibilidade. Porque
deixa de ter significação (FERREIRA, 2001, p. 17)
1980 - Conta - corrente I
1981 - Conta - corrente II
O leitor, que convive com a obra de Vergílio
1983 - Conta - corrente III
Ferreira, tem de ser um leitor de introspecções, um
1986 - Conta - corrente IV
leitor avesso a livros de aventuras e ações.
1987 - Conta - corrente V
Será que ainda existem?
1992 - Pensar
1993 - Conta - corrente - nova série I
1993 - Conta - corrente - nova série II
O B R A S D E V E R G ÍL I O F E R R E I R A 1994 - Conta - corrente - nova série III
1994 - Conta - corrente - nova série IV
Ficção
R E F E R ÊN C I A S :
1943 - O caminho fica longe
1944 - Onde tudo foi morrendo
CUNHA, Carlos M. F. Ferreira. Os mundos (im)possíveis de Ver-
1946 - Vagão "J" gílio Ferreira, Lisboa: Difel, 2000
1949 - Mudança
FERREIRA, Vergílio. Aparição. 4ª edição. Lisboa, Portugá-
1953 - A face sangrenta lia, 1964.
1953 - Manhã submersa
_____. Espaço do invisível IV. Lisboa: Bertrand, 1987.
1959 - Aparição
_____. Escrever. Lisboa: Bertrand, 2001.
1960 - Cântico final
FONSECA, Fernanda Irene. “Vergílio Ferreira, escrever: o
1962 - Estrela polar
título inevitável”. In: Línguas e literaturas – Revista da Fa-
1963 - Apelo da noite culdade de Letras (on-line) Porto, 2003.
1965 - Alegria breve
MENDONÇA, Aniceta de. O romance de Vergílio Ferreira:
1971 - Nitido nulo existencialismo e ficção. Assis/São Paulo, ILHPA/Hucitec, 1978.
1972 - Apenas homens
PINA, Julieta Moreno. Para uma leitura de Aparição, de
1974 - Rápida, a sombra Vergílio Ferreira: romance-ensaio ou romance-problema.
1976 - Contos 3ª edição. Lisboa, Presença, 1995.
1979 - Signo sinal