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A “revolução analítica” em teorias sociais: um

balanço parcial

Hélio Ricardo Alves


Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

GT 27: Para onde vai a Teoria Social contemporânea?

32º Encontro Anual da ANPOCS


27 a 31 de outubro de 2008
Caxambu, MG
INTRODUÇÃO

Há quase trinta anos, o sociólogo norueguês Jon Elster publicava o livro “Ulisses
e as Sereias”, em que propunha aquilo que denomino aqui como sendo uma abordagem
“analítica” das teorias sociais, utilizando-se para tanto de argumentos que,
posteriormente, foram reafirmados e ampliados em outros textos1. Talvez a expressão
“revolução” que utilizo no título deste trabalho seja imprópria: o que o autor propôs não
era, ao menos em seus elementos centrais, exatamente revolucionário. Isso porque, por
um lado, outros autores já haviam defendido posições semelhantes desde o século XIX
e, por outro, mesmo entre os autores do grupo de marxistas analíticos, o livro de G. A.
Cohen – Karl Marx’s theory of history: a defence – já havia sido publicado um ano
antes2.

Além dos temas de Ulisses não serem “revolucionários”, o trabalho do grupo de


marxistas analíticos não constituíam, em sua maioria, algum tipo de agenda de pesquisa
visando a romper com a ciência social tradicional. Longe disso, nos trabalhos dos outros
autores que participavam do grupo, essa abordagem mais geral sobre as teorias sociais
aparecia apenas incidentalmente.

Apesar disso, os textos de Elster, em particular Ulisses, “Marxismo,


funcionalismo e teoria dos jogos” e “Making sense of Marx”, e de outros membros
originais do grupo de marxistas analíticos, obtiveram grande repercussão ao longos dos
anos 80 e 90. A intensidade de debates e reviews que tomam trabalhos dos marxistas
analíticos como objeto só não é mais surpreendente do que a divisão, em certos
momentos bastante virulenta, entre autores e detratores do trabalho do grupo3.

1
Além de Ulisses (1979) outros textos fundamentais de Elster no período inicial desse empreendimento
incluem “Marxismo, funcionalismo e teoria dos jogos” (1982) e “Sour Grapes” (1983a). Os argumentos
de “Ulysses and the Sirens” são retomados posteriormente em “Ulysses Unbound (2000)”. Para uma
versão atualizada das posições do autor acerca da filosofia das ciências sociais, ver Elster, 2007.
2
Peter Herdström remonta o pioneirismo das posições analíticas a Tocqueville, Weber, Parsons e Merton.
Quanto a contemporâneos de Elster, o autor ressalta a importância de Raymond Boudon, Thomas
Schelling e James Coleman, além do próprio Elster. Ver Herdström (2005, p. 6-9).
3
Cito um exemplo: em um simpósio em torno de “Making sense of Marx”, publicado pela revista Inquiry
em 1986, textos críticos ao livro possuem títulos como “Making nonsense of Marx” e “Making sense of
Elster”. Em sua réplica, no mesmo número da revista, Elster afirma sobre esses textos “The replies to the
‘fundamentalist marxists’ (...) are relatively brief, because the dismissive, unscholarly nature of their
comments”.
Arrisco três razões para o lugar assumido pelos trabalhos desse grupo no interior
dos debates acadêmicos nesse período. Em primeiro lugar, a atividade de Elster e seus
colegas do chamado marxismo analítico procurou, na leitura da obra de Marx a partir de
ferramentas teóricas sempre compreendidas como rivais ao marxismo, reinterpretar um
marco teórico que é tradicionalmente avesso a grandes alterações e, além disso, afetado
por um grande debate acerca de concepções políticas. A revisão proposta pelo grupo,
além disso, introduzia um instrumental saído diretamente do aparato da “ciência social
burguesa4”, em particular da economia neoclássica, e questionava pontos centrais da
teoria marxista, como a teoria do valor de Marx.

Uma segunda razão que pode explicar a popularidade alcançada pelos trabalhos
desse grupo pode ser localizada no interior de um movimento teórico maior. Embora a
penetração do chamado “imperialismo econômico” nas ciências sociais não date deste
período, não há dúvidas de que houve um grande avanço a partir do final dos anos 70.
Enquanto a teoria da escolha racional se convertia no fundamento padrão das pesquisas
sobre instituições políticas, o trabalho de Elster procurava discutir os fundamentos da
racionalidade e seus limites. Ainda que as falhas da racionalidade tenham sido expostas
desde Ulisses, a fundamentação filosófica da escolha racional continua sendo objeto de
intenso debate5.

Por fim, uma terceira razão para a que os trabalhos desses autores tenham
alcançado essa relevância do final dos anos 70 em diante, diz respeito à intensa
atividade exercida por alguns deles. Jon Elster é reconhecidamente um dos autores mais
produtivos nas ciências sociais, Adam Przeworski converteu-se em um dos principais
cientistas políticos dos Estados Unidos, e mesmo autores com uma atividade menor, de
um ponto de vista quantitativo, como Cohen, ocupam posições acadêmicas de grande

4
A oposição entre teoria marxista e “ciência social burguesa”, nestes termos, está presente na frase de
abertura de Marxismo, funcionalismo e teoria dos jogos”. Uma das principais críticas dos marxistas ao
marxismo analítico, aliás, é de que esta corrente não reconhece a distinção de método (Tarrit, 2006, p.
597-600).
5
Duas observações laterais: primeiro, convém notar que a “fundamentação filosófica da racionalidade”,
seja lá o sentido que se queira dar a esta sentença, não recebe a mesma atenção por parte de todos que
trabalham com este modelo. Para vários autores, sobretudo na área da economia, o mais importante seria
a possibilidade de modelar o comportamento dos agentes como se eles agissem com base nos
pressupostos da escolha racional. A segunda observação é que uma leitura cronológica da obra de Jon
Elster mostra o progressivo abandono da teoria da escolha racional.
destaque6. Por certo, tais características não devem ser tomadas como dados acerca da
qualidade ou da correção dos pontos de vista desse grupo: posições acadêmicas e
publicações são, como tudo mais, suscetíveis de disputas de poder, mas dificilmente
esses fatores são capazes de manter posições acadêmicas por longo prazo7.

Passados trinta anos da publicação de Ulisses, o que mudou nas teorias sociais
em razão da abordagem analítica? Por outro lado, o que mudou no interior da
abordagem analítica, e nas formulações de seus principais autores? O texto a seguir não
tem a pretensão de responder de modo completo a essas questões: como um trabalho
ainda em desenvolvimento, indica mais o percurso do que o ponto de chegada desse
debate. Para tanto, procurei seguir a seguinte estratégia: (a) evito refazer o percurso
intelectual deste ou daquele autor ao longo desses trinta anos; (b) ignoro as divergências
conceituais entre os autores citados, que são muitas e variadas; (c) deixo de lado,
também, qualquer pretensão de traçar uma história detalhada dos conceitos centrais da
escola analítica8.

Estabelecido o que não será visto neste texto, resta anunciar sobre o que ele
trata. Escolho três temas que acredito centrais no empreendimento analítico, tanto
originalmente em Ulisses quanto naquilo que, de forma um tanto vaga, trato aqui como
teorias sociais analíticas. Depois de um breve comentário sobre o que seria uma teoria
social analítica, discuto então os temas do abandono das explicações funcionalistas em
favor de explicações intencionais, do individualismo metodológico e da escolha
racional, procurando também mostrar algumas das conexões entre estes temas.

Resta ainda um pequeno comentário para evitar um mal-entendido. Nos


parágrafos anteriores, e nos que se seguem, não fiz distinção entre a teoria social
6
Atualmente, G. A. Cohen é “Chichele Professors of Social and Political Theory”, cátedra que já foi
ocupada por Isaiah Berlin, enquanto Elster assumiu uma posição no Collège de France, com uma cátedra
denominada “Racionalidade e Ciências Sociais”.
7
Tenho em mente aqui um texto não muito recente, mas escrito por dois cientistas sociais respeitados,
que caracteriza o grupo dos marxistas analíticos como portadores de uma “taxa de citações mútuas,
excepcionalmente elevada” e “tom deliberadamente autocelebrador”, além de sugestões de que o grupo
foi artificialmente “inflado” ao dirigir a edição de coleções de livros dedicadas a esse tipo de abordagem
no interior da Cambridge University Press (Wacquant e Calhoun, 1991).
8
A título de ilustração, caso não fizesse essas restrições: no primeiro caso, caberia mostrar como os
autores do marxismo analítico assumiram áreas diferentes da teoria política, das pesquisas com grande
dose de formalização de Przeworski aos debates de Cohen acerca da teoria da justiça. No segundo caso,
poderia ser discutido o modo como diferentes autores do grupo do marxismo analítico aceitavam ou
rejeitavam o individualismo metodológico ou a teoria dos jogos. Por fim, poderíamos mostrar o
progressivo abandono da teoria da escolha racional por parte de Elster, e a formulação detalhada dos
mecanismo das normas sociais e emoções.
analítica e o marxismo analítico. Evidentemente, os dois conceitos não possuem a
mesma extensão, sendo o segundo um subconjunto do primeiro. Coerente com minha
promessa, ou ameaça, de assumir algum descuido conceitual ao longo desse texto, e de
meu desinteresse em discutir aqui as implicações do empreendimento analítico para a
teoria marxista, as referências ao marxismo analítico e a seus autores devem ser
entendidas, salvo indicações em contrário, como comentários acerca das teorias sociais
analíticas de modo geral.
O que é “analítico”?

Comecemos por definir melhor sobre o que falamos quando nos referimos a
“teorias sociais analíticas”. Ao referir-se, em uma entrevista, ao marxismo analítico, Jon
Elster, sustenta que ele seria “simplesmente sinônimo de pensamento claro” (Elster,
1991, p. 99). Em uma definição menos informal, Peter Hedström afirma que a teoria
social analítica, ou sociologia analítica, “procura explicar processos sociais complexos,
dissecando-os cuidadosamente e então trazendo ao foco seus componentes constituintes
mais importantes”, procurando explicações “precisas, abstratas, realistas e baseadas em
ações” (Hedström, 2005, p. 1).

Ainda de acordo com Hedström, a abordagem analítica seria baseada na


explicação ao invés da descrição, respondendo a perguntas sobre o mecanismo causal
capaz de explicar determinado fenômeno social. Ao invés de buscar leis explicativas
gerais, as teorias analíticas concentram-se em identificar mecanismos causais. Embora a
definição do que vem a ser realmente mecanismo possa variar entre diferentes autores
identificados com a abordagem analítica, e não nos interesse aqui a discussão
epistemológica mais detalhada sobre mecanismos, podemos aceitar a versão de que um
mecanismo social seria “uma constelação de entidades e atividades que são que são
conectadas umas às outras de tal modo que criam regularmente um determinado tipo de
resultado” (Hedström, 2005, p. 11)9.

Além de estratégia de explicações por mecanismos, as teorias sociais analíticas


estariam comprometidas com a dissecação e abstração dos fenômenos sociais a serem
explicados. A busca pelos microfundamentos dos fenômenos sociais e a insatisfação
com formulações que não apresentariam os componentes básicos do fenômeno
estudado, particularmente na medida em que essa explicação atribuísse características
volitivas a entidades gerais – sejam elas instituições sociais ou construtos teóricos –
caracterizam grande parte dos autores identificados com a teoria social analítica.

Como percebido no comentário de Elster citado anteriormente, a busca por


clareza e precisão conceitual é uma das características mais marcantes entre aqueles que

9
A estratégia de explicação por mecanismos é discutida, a partir de diferentes pontos de vista, em
Hedström e Swedberg, 1998. Para uma discussão aprofundada sobre essa estratégia na obra de Elster,
bem como seus limites, ver Ratton Jr. e Morais, 2003.
propõem a abordagem analítica. Sem dúvida alguma, essa característica, junto com a
“dissecação”, é a que mais aproxima o empreendimento da teoria social analítica
daquele desenvolvido desde a primeira metade do século passado pela filosofia
analítica. Livrar-se do “encantamento da linguagem”, como propunha Wittgenstein, ou
daquilo que Gilbert Ryle denominava de “expressões sistematicamente enganadoras”,
constituía uma atividade fundamental dos filósofos analíticos na busca por evitar
confusões conceituais. Impossível não reconhecer um eco desse empreendimento
filosófico quando Hedström afirma que “definições ambíguas como esta [trata-se de um
trecho de La Distinction em que Pierre Bourdieu define seu conceito de habitus] são
como nuvens mentais que mistificam ao invés de clarificarem” (Hedström, 2005, p. 4).

Mas a busca por clareza pode ainda ir mais longe. Ao menos na leitura de alguns
autores identificados com teorias analíticas, a clareza conceitual pode, ou deve, ser
alcançada através da formalização matemática, o que aparece claramente nos trabalhos
de John Roemer. A formalização e o uso de ferramentas como a teoria dos jogos serviria
para evitar as confusões conceituais que seriam comuns às teorias sociais tradicionais.

O quanto essa utilização da matemática é necessária, útil ou mesmo


corretamente conduzida, é alvo de controvérsias. A redução do peso que a teoria da
escolha racional sofrerá no trabalho de alguns autores, em particular no de Elster, torna
a formalização menos importante do que se imaginava anteriormente. Mesmo autores
que a utilizam de forma bastante extensa, como Adam Przeworski, sugerem algum
cuidado no uso deste tipo de ferramenta10.

Mas o uso das teorias formais pode ser abusivo ainda de outra maneira. Em um
texto bastante crítico, que se propõe a discutir a leitura que Jon Elster faz de Marx,
Robert Paul Wolff (1990) sugere que a clareza conceitual de Elster, assim como o uso
feito por ele da teoria dos jogos e da linguagem analítica, fica muito aquém dos
objetivos pretendidos pelo sociólogo norueguês, criando uma situação que Wolff
denomina como sendo a utilização da “retórica da teoria dos jogos, sem atenção à sua
lógica” (p. 471, nota). De forma ainda mais incisiva, afirma acerca de uma passagem de
“Making sense of Marx” (p. 472)

10
Em recente entrevista para Gerardo Munck, a ser incluída em livro, Przeworski se diz cético quanto ao
uso da teorias dos jogos em todas as situações possíveis, por duas razões: o fato de que algumas vezes as
pessoas não agem de forma estratégica e que a teoria gera equilíbrios múltiplos.
this passage perfectly captures the style and tone of Elster’s analysis:
superficially careful, precise, rigorous, apparently aware of the
complexities of human motivation (...) a quantitative formalism
lurking just below the surface. Clearly, Elster’s language implies, if
we insisted, he could put the whole thing into symbols, thereby
removing the slightest vestige of subjective opinion from his analysis.
And yet, the entire passage is utterly mad – a crackpot account that
sounds as though it comes from Swift’s account of the voyage of
Lemuel Gulliver to Laputa, or from Anatol France’s Penguin Island,
or, worse still, from Robert Nozick’s Anarchy, State, and Utopia.

Não pretendo discutir as afirmações de Wolff aqui, entre outras coisas porque o
estilo formalista, no sentido matemático, de Elster se reduz com o tempo mas,
indicando o que pode ser apenas uma mera coincidência para com a impressão de
Wolff, note-se que foi um erro matemático cometido por Elster na primeira edição de
Ulysses que tornou necessária a correção deste livro e a impressão de uma nova edição
corrigida em 1984.

Por fim, uma quarta característica das teorias sociais analíticas é destacada por
Hedström. Teorias sociais analíticas centram sua análise na ação social dos atores
centrais que participam dos fenômenos sociais analisados. É essa ação que deve ser
explicada pelo mecanismo causal, mostrando porque os atores sociais fazem o que
fazem. Essa estratégia explicativa introduz um elemento que é fundamental para
compreendermos as teorias sociais analíticas: a intencionalidade. Segundo Hedström,
“we can understand why actors do what they do IF we assume that their behavior is
endowed with meaning, that is, that there is an intention explaining why they do what
they do” (p. 5, grifo meu). Intencionalidade é um dos temas centrais nas teorias
analíticas, que passo a discutir.
Funcionalismo e Intencionalidade

O impacto exercido por algumas das características presentes nas propostas das
teorias sociais analíticas, em particular o individualismo metodológico e a escolha
racional, reduziu a atenção para o lugar de uma concepção que está na base dessas
mesmas características. Trata-se da defesa do abandono do funcionalismo, ou das
explicações funcionalistas, em ciências sociais e sua substituição por explicações
intencionais.

O argumento de que as explicações funcionalistas devem ser abandonadas


constitui um dos temas centrais de Ulisses. Segundo Elster, a filosofia da ciência que
perpassa os capítulos de seu livro pode ser expressa da seguinte maneira:

i- Há basicamente três modos de explicação em ciência: causal, funcional e


intencional
ii- Todas as ciências utilizam explicações causais
iii- As ciências físicas utilizam apenas explicações causais
iv- Não há lugar para a explicação intencional em biologia
v- Não há lugar para a explicação funcional em ciências sociais
vi- Em biologia, uma distinção pode ser feita entre causalidade sub-funcional e
causalidade supra-funcional
vii- Em ciências sociais, uma distinção similar pode ser feita entre causalidade
sub-intencional, que se refere a processos que ocorrem no indivíduo, e
causalidade supra-intencional, que se refere à interação entre indivíduos
viii- O comportamento de animais e humanos deve ser estudado com as noções de
função e intenção como idéias reguladoras, pois nem todo comportamento animal
é funcional e nem todo comportamento humano é intencional

Explicações funcionalistas em ciências sociais, para Elster, repousariam em


analogias malfeitas com a biologia e seriam sustentadas por uma crença bastante
arraigada: a de que “todos os fenômenos sociais e psicológicos possuem um significado,
isto é, deve existir algum sentido, alguma perspectiva, em que eles seriam benéficos
para alguém ou algo, e que esses efeitos benéficos é que explicam o fenômeno em
questão” (Elster, 1983b, p. 55).

O problema central da explicação funcional residiria, nesse sentido, em uma


falha lógica: a de supor que um fenômeno posterior – o benefício obtido por alguém ou
algo – possa explicar a ocorrência de um fenômeno anterior – a ação ou fato social que
gerou esse benefício. Mesmo que seja possível mostrar que um fenômeno social
determinado gerou benefícios a algo ou alguém, isso não se constitui em uma
explicação válida para sua ocorrência, a menos que sejamos capazes de explicar o
mecanismo que fez com que a obtenção, ou a possibilidade de obtenção do resultado
indicado, tenha desencadeado o fenômeno.

Grande parte dos exemplos de Elster acerca da explicação funcionalista,


sobretudo em seus escritos do final dos anos setenta e início dos anos oitenta, ao
fornecidos pela teoria marxista. A razão principal disso é que a teoria marxista, sejam os
textos do próprio Marx ou de autores marxistas, concede capacidade explicativa aos
supostos benefícios obtidos pelo capital quando da ocorrência de determinados
fenômenos sociais. Neste ponto, há grande divergência entre a posição de Jon Elster,
que sustenta a necessidade de descobrir o mecanismo retroativo capaz de estar na
origem do fato social analisado, e a de Cohen, que sugere que isso não seria
necessário11.

No lugar de explicações funcionais, portanto, Elster, e uma parte dos teóricos


analíticos, sustenta que explicações intencionais devem formar a base das teorias
sociais. Os agentes sociais devem ser capazes de criar determinados estados de coisas
como conseqüência de sua ação intencional. Nas palavras de Elster, “explaining
behavior intentionally is equivalent to showing that it is intentional behavior, i.e.,
behavior conducted in order to bring about some goal. We explain an action
intentionally (…) when we are able to specify the future state it was intended to bring
about” (Elster, 1983b, p. 70).

Explicações intencionais exigem agentes intencionais Agente intencionais


devem ser capazes de formular preferências sobre o estado de coisas que se pretende
criar, ter um conjunto de crenças acerca da maneira de atingir tal estado de coisas, e agir
para obtê-lo. A defesa da explicação intencional, portanto, fornece as bases tanto do
individualismo metodológico quanto da teoria da escolha racional.

11
Ver Cohen (1982) para esta posição.
Individualismo Metodológico e Ontológico

O individualismo metodológico se constitui como um dos pontos de maior


divergência entre os autores que desenvolvem teorias sociais analíticas. Se Elster, por
exemplo, acredita que ele é trivialmente verdadeiro, Levine, Sober e Wright sustentam
que ele “não é boa metodologia científica”. Mas de que individualismo metodológico
falamos aqui? Lars Udehn propõe uma tipologia que estabelece cinco tipos de
individualismo metodológico: (a) a teoria do contrato social, tal como aparece em
Hobbes; (b) a teoria do equilíbrio geral; (c) o individualismo metodológico identificado
com a escola austríaca de economia; (d) o modelo popperiano e, por fim, (e) o
individualismo metodológico de Coleman.

As primeiras duas versões poderiam ser classificadas como “individualismo


natural” ou atomistas, ainda segundo a tipologia de Udehn. A razão fundamental para
isto é que, nessas concepções, nenhum antecedente sócio-cultural entraria na explicação
dos fenômenos sociais, sendo esses apenas o resultado da interação entre os indivíduos.
Já a escola austríaca percebe os seres humanos como sociais, enquanto o modelo
popperiano se assemelha ao individualismo metodológico tal como praticado pelo
neoinstitucionalismo.

Mas, independente da forma que toma o individualismo metodológico, há um


ponto importante a ressaltar. O individualismo metodológico é, como diz o nome, um
recurso metodológico: advém do fato de que, sendo o individuo o constituinte básico
dos fenômenos sociais, cabe explicar tais fenômenos a partir das ações, disposições e
crenças destes indivíduos. Nesse sentido, o individualismo metodológico não deve ser
confundido com outras concepções semelhantes, tais como atomismo – que ignora as
relações entre os indivíduos – ou o egoísmo auto-interessado, dado que o
individualismo metodológico seria compatível com uma variedade de motivações que
orientam a ação12.

Mas o ponto é que o individualismo metodológico, em que pese sua função na


explicação teórica, se assenta em alguma forma de individualismo ontológico. Não se

12
O abandono da teoria da escolha racional, por Elster, como a forma privilegiada de explicação da ação
humana, e o crescente interesse nas normas sociais e nas emoções como mecanismos dessa mesma ação,
não afeta sua adesão ao individualismo metodológico.
trata apenas do fato de que as entidades coletivas são compostas por indivíduos, mas se
trata também do fato de que apenas os indivíduos, e não essas entidades coletivas, são
capazes de ações intencionais. Em suma, se a intencionalidade e causalidade compõem
a forma de explicação a ser privilegiada nas ciências sociais, os atores que agem devem
ser capazes de fazê-lo de modo intencional, o que seria próprio dos indivíduos e não de
entidades supra-individuais.

A suposta trivialidade dessa concepção, ao menos quando formulada dessa


maneira, vem sendo posta à prova por algumas teorias sociais que resgatam algum grau
de “coletivismo” ou “holismo”. Destaca-se aí os trabalhos de Margaret Gilbert em torno
daquilo que ela denomina como sendo a “teoria dos sujeitos plurais”. Sem detalhar os
vários caminhos apontados pelos trabalhos de Gilbert, convém destacar que ela (a)
reconhece a existência de “sujeitos plurais” que (b) seriam formados a partir de “joint
commitments”. Esse tipo de compromisso coletivo, constitutivo dos sujeitos plurais,
seria construído a partir de um acordo informal entre indivíduos.

A proposta de Margaret Gilbert não prevê que entidades coletivas, por si só,
devam ser consideradas como sendo portadoras de intencionalidade, muito menos de
Escolha Racional

Se o individualismo metodológico pode ser separado da teoria da escolha


racional, a independência inversa parece menos plausível. Segundo os princípios do
individualismo metodológico, não existe algo como desejos ou crenças coletivas. O
comportamento racional de coletividades, no mesmo sentido em que falamos do
comportamento racional dos indivíduos, só teria sentido caso o individualismo
metodológico fosse falso e coletividades possuíssem preferências e desejos. Mesmo
como recurso analítico, a atribuição da racionalidade a coletividades deve ser realizada
com cuidado, e no caso da agregação de interesses individuais o teorema da
impossibilidade de Arrow introduz uma dificuldade que parece intransponível.

As dúvidas mais gerais acerca da teoria da escolha racional em teorias sociais


costumam dividir-se entre aquelas relativas à idéia de racionalidade mesma e àquelas
que procuram traçar uma distinção entre o uso possível dessas teorias na ciência
econômica e uma maior dificuldade de transplantá-las para o terreno das demais
ciências sociais. A diferença mais importante seria o fato de que não existem
mecanismos semelhantes ao mecanismo de mercado, capazes de levar a agregação de
ações individuais a um “ótimo de Pareto”.

Jon Elster distingue entre teorias amplas e restritas de racionalidade. Teorias


restritas exigem apenas que haja consistência entre os desejos e crenças dos agentes e
suas ações, sem examinar as crenças e desejos. Assim, se acredito que minhas chances
de ser aprovado em um concurso aumentam caso eu utilize uma calça azul no dia do
exame, ao agir desse modo ajo de modo racional. Essa definição torna-se ainda mais
fraca quando introduzimos a figura de um observador externo, que não tem
possibilidade de verificação ou conhecimento direto dos desejos e crenças dos agentes.
Nesse caso, da chamada preferência revelada, só podemos indicar irracionalidade
quando verificamos a existência de inconsistência na ação que observamos dos agentes.
Agentes que agiriam por um princípio não racional, por exemplo, realizando suas
escolhas aleatoriamente, só podem ser percebidos como irracionais quando uma escolha
resultar inconsistente em relação a outras já observadas. Como afirma Amartya Sen,
nessa concepção “you can hardly escape maximizing your own utility, except through
inconsistency13”.

Ao mesmo tempo, a teoria restrita não nos impede de falar de suicídio,


homicídio ou genocídio como comportamentos racionais. Quando procuramos
estabelecer uma teoria mais exigente de racionalidade, o que pretendemos é defender a
noção de que agir de modo racional é mais do que realizar a adequação entre as
preferências e crenças por um lado e a ação. Ao menos para as teorias sociais, parece
preferível trabalhar com uma teoria da escolha racional mais exigente, de modo que os
próprios desejos e crenças devem ser racionais ou, ao menos, internamente consistentes.

A racionalidade das crenças pode ser definida como a exigência de que elas
estejam fundadas de maneira sólida nas informações disponíveis. Assim, o exemplo
dado anteriormente, de que utilizo uma calça azul no dia do exame, não se pode ser
considerado como um caso em que a crença seja racional, já que dificilmente haveria
um sólido conjunto de informações sustentando tal crença. Nesse ponto, surge
claramente o limite da avaliação da racionalidade das crenças: não parece possível
estabelecer uma definição formal sobre quando uma crença seria ou não racional, sobre
quando alguém deveria deixar de recolher informações e aceitar a crença do modo como
ela está formada. O que faz com que duas pessoas desenvolvam crenças diferentes
frente às mesmas informações é sua capacidade de realizar um julgamento razoável.

As crenças possuem ainda outro aspecto em relação à sua racionalidade. Pode-se


imaginar várias situações onde a possibilidade de sustentar uma crença irracional seja
preferível ao abandono dessa crença. Os exemplos incluem excesso de autoconfiança ou
otimismo para além das evidências disponíveis. Para muitos, perceber o mundo de
forma mais realista, de forma mais fria, pode ser um preço excessivamente alto para
pagar à racionalidade. Não obstante, a idéia de que poderíamos criar ou aderir a crenças
irracionais caso elas nos beneficiassem não parece ter qualquer fundamento. Não
podemos decidir de modo instrumental que crenças devemos ou não possuir, de acordo
com os benefícios esperados.

Há um ponto que ainda resta inexplorado nas teorias da escolha racional, e que
diz respeito à diferença importante entre a capacidade de atingir uma determinada

13
Sen, 1977, p. 322.
solução racionalmente, e a plausibilidade de que as pessoas realmente se comportem
desse modo. O problema aqui não se relaciona apenas com o fato de que a racionalidade
extrema é irrealista, mas com a disposição dos indivíduos em realizaram tais cálculos
racionais. O que sugiro aqui, sem argumentar de modo mais consistente, é que uma
maior atenção à diferença entre a existência de uma solução racional, e a realização dos
atos necessários para que tal solução seja colocada em prática, talvez dissolva, por
exemplo, o paradoxo do eleitor. Se for verdade que todos concordam que o custo do
voto é maior do que os benefícios que podem advir daí, é verdade também que ambos,
custos e benefícios, são diferenciados apenas quando o cálculo atinge várias casas
depois da vírgula. Talvez as pessoas não estejam dispostas a aplicar cálculos desse tipo
a questões que não são tão importantes, e neste caso o custo de votar não seja, afinal,
relevante.

A teoria da escolha racional tem sido debatida exaustivamente dentro das


ciências sociais e dentro da teoria analítica em particular. Embora o marxismo analítico
seja comumente chamado de marxismo de escolha racional, a teoria da escolha racional
não chega a se constituir como um ponto central para a teoria de todos os autores.
Mesmo Elster afirma que o centro da corrente analítica seria melhor representado pelo
individualismo metodológico do que pela teoria da escolha racional.

Na discussão acerca da fidelidade do modelo de escolha racional ao modo pelo


qual as pessoas realmente agem, chama a atenção que mesmo alguns defensores do
modelo duvidem de sua exatidão. Assim, John Ferejohn e Pasquale Pasquino admitem
que “ninguém acha que os seres humanos reais se comportem exatamente como as
teorias da escolha racional prescrevem”. Mais do que isto, os agentes “se desviam
sistematicamente das predições das teorias da escolha racional (Ferejohn e Pasquino,
2002, p. 5-6)”. De modo semelhante, Geoffrey Brennan sugere que o fato de que a
escolha eleitoral é incerta, diferentemente da escolha do consumidor, faz com que as
preferências tenham menos peso na ação política do que na ação econômica (Brennan,
1997, p. 105-106).

O problema central na controvérsia acerca das explicações baseadas na teoria da


escolha racional consiste em saber se os problemas que existem nessa teoria podem ser
resolvidos, ou ao menos minimizados, ou se eles possuem tal dimensão que tornam o
modelo de racionalidade econômica praticamente inútil quando transposto para a
ciência política ou para as ciências sociais de modo mais geral. Discuto, a seguir, duas
sugestões que procuram salvar a teoria da escolha racional – propostas por Pettit e Satz-
Ferejohn – e um caminho, o de Elster, que sugere, no limite, o abandono dos
pressupostos e particularmente da capacidade preditiva dessa teoria.

Philip Pettit parte do reconhecimento de que existe algum descompasso entre a


descrição do homo economicus, feita pela economia e por uma parte da teoria social em
geral, e nossas intuições, ou o senso comum, que percebe o calculador racional como
distante daquilo que conhecemos e imaginamos quando falamos dos seres humanos. O
autor se propõe a defender uma posição conciliadora entre essas duas concepções de ser
humano.

O descompasso existente entre a teoria da escolha racional e nossas intuições


ocorreria, para Pettit, em torno da centralidade do auto-interesse presente nessa
concepção de racionalidade. Embora não haja um modo único de entender o auto-
interesse, ele necessariamente se faria presente nessa abordagem. O que contraria o
senso comum é o fato de que há, na teoria econômica, pouco espaço para que as pessoas
relacionem-se com base em outra motivação que não o auto-interesse. Segundo o autor,
“the normal mode under which people exchange with one another is closer to the model
of a debate than the model of a bargain” (Pettit, 1995, p. 315).

Frente aos modos possíveis de articular o senso comum e a concepção do homo


economicus, Petttit descarta, de início, o modelo que sugere que o auto-interesse estaria
sempre no centro das preocupações, ou do cálculo que determina a ação a ser executada.
Ainda que se possa descrever algumas das ações aparentemente altruístas como sendo
uma espécie mais sofisticada de auto-interesse, Pettit duvida que todas as ações possam
ser descritas desse modo. Em um exemplo particularmente feliz, Pettit sugere que
quando alguém ajuda um idoso a atravessar a rua, mesmo que eu esteja satisfazendo um
interesse egoísta de em sentir realizando uma boa ação, minha ação ao tem como
objetivo a satisfação desse desejo egoísta, e sim o de ajudar o idoso a fazer a travessia.

No lugar desse modelo que desloca o sentido da ação para o auto-interesse, Pettit
propõe um modelo que supõe o raciocínio econômico como uma espécie de sombra,
sempre pairando sobre motivações não originadas no auto-interesse. Haveria uma
espécie de presença virtual do homo economicus, que não estaria sempre ativo, como
que calculando os ganhos e perdas de cada ação executada, mas sim como um marco
capaz de estabelecer até que ponto o auto-interesse pode ser contrariado ou desprezado.
Essa presença virtual do homo economicus limitaria outras motivações, fundamentadas,
por exemplo, no hábito ou na cultura. Cada vez que o auto-interesse fosse contrariado
de modo extremo certos alarmes soariam, o homo economicus desligaria o piloto
automático e reassumiria o controle das ações.

A tentativa de Pettit incorre, porém, em três dificuldades. Em primeiro lugar o


conceito da virtualidade do homo economicus permanece bastante obscuro. Pettit sugere
que isso faria parte de um fenômeno mais geral de “virtual mind”. Os exemplos
oferecidos por Pettit para caracterizar tal fenômeno, porém, estão longe de serem
esclarecedores. Um deles consiste em sugerir que a virtualidade do raciocínio auto-
interessado se assemelha ao fato de que “I may implicitly believe that 2 times 101 is
202, even when I have never given a thought to that particular multiplication” (Pettit,
1995, p. 318). Ou seja, mesmo que eu nunca tenha realizado essa multiplicação eu, de
uma certa forma, sei o seu resultado, virtualmente.

A discussão de Pettit indica seu conhecimento de uma concepção bastante


conhecida em outra área da filosofia, a de “seguir uma regra”, pois ele rejeita
explicitamente esse outro modo, que acredito mais plausível, de descrever esse exemplo
da multiplicação. Se acredito no resultado da multiplicação indicada, isso se deve
apenas ao fato de que sei aplicar a regra de multiplicação quando perguntado pelo
resultado. A noção de que essa crença exista em algum lugar, mesmo que nunca tenha
sido invocada, cria uma entidade metafísica que dificilmente ajudaria a salvar a teoria
da escolha racional.

Em segundo lugar, a teoria de Pettit se assemelha à sugestão de Jon Elster acerca


da convivência entre dois tipos de mecanismos – motivações, diria Pettit – capazes de
explicar uma ação. No caso de Elster, como discuto mais adiante, a racionalidade
realmente pode operar como freio a um comportamento baseado em normas sociais. O
problema é que Elster sugere também a existência do mecanismo oposto, quando as
normas é que barram a racionalidade. Tal mecanismo, entretanto, encontra-se ausente na
análise de Pettit, pois admiti-lo equivaleria a imaginar também um homo sociologicus
virtual, o que demandaria um outro patamar teórico, capaz de explicar como as duas
virtualidades, e talvez outras ainda, coexistiriam. Novamente, a incapacidade de tomar
as outras motivações a sério encaminha Pettit para uma solução pouco plausível.

Por fim, o modelo de Pettit é capaz de explicar a relação da racionalidade com


hábitos ou padrões culturais, mas dificilmente explicaria a relação existente com o
comportamento sustentado por paixões, que podem confrontar o auto-interesse de modo
mais extremado. Se as exigências culturais ou os hábitos ainda podem entrar no cálculo
racional que desemboca na ação final, dificilmente o mesmo pode valer para
comportamentos apoiados, por exemplo, na inveja. Ao menos a partir de um certo
ponto, as paixões parecem retirar a racionalidade de cena, seja a cena virtual ou real.

Se Pettit leva a psicologia da escolha racional ao extremo de criar uma


racionalidade virtual, John Ferejohn e Debra Satz procuram defender a teoria da escolha
racional das críticas que se fundamentam em problemas derivados da psicologia do ator
individual. A intenção dos autores é introduzir uma terceira interpretação da teoria da
escolha racional, alternativa tanto às teorias internalistas, que compreendem a escolha
racional como uma teoria psicológica, como àquelas teorias radicalmente externalistas,
que sustentam que os processos mentais subjacentes à escolha racional não possuem
nenhuma importância.

A idéia central de Satz e Ferejohn é de que, ainda que a teoria padrão da escolha
racional seja uma teoria psicológica, essa interpretação seria opcional, na medida em
que “rational choice theory is consistent with nonpsychological interpretations that in
some contexts are more plausible” (Satz e Ferejohn, 1994, p. 71). Mais do que isso, Satz
e Ferejohn acreditam que a teoria da escolha racional é mais forte quanto mais restrições
existam para a escolha dos atores. A preocupação central dessa teoria deveria ser,
afirmam os autores, muito mais acerca dessas restrições e do modo pelo qual os atores
participam em uma determinada estrutura, e não os mecanismos de decisão desses
atores.

A proposta dos autores tem conseqüências importantes, e algumas até estranhas


para o padrão da escolha racional. Em particular, eles advogam que “structuralism –
social theory that offers explanations in terms of irreducible relational or structural
properties – can be compatible with rational choice theory. In this sense, the apparent
tension between the reductionism of rational choice and the holism of ‘structural’
theories is superficial” (Satz e Ferejohn, 1994, p. 71).

A defesa da teoria da escolha racional como uma teoria moderadamente


externalista – que não nega que os mecanismos psicológicos estejam na base da
racionalidade mas prescinde da explicação desses mecanismos para que a teoria seja
aplicada – combate não apenas a explicação psicológica da escolha racional mas
também o individualismo metodológico. Afirmando não acreditar que sempre se deve
explicar os fatos sociais a partir do comportamento individual, os autores sugerem que
“the demostration of an equilibrium – whatever its cause – can constitute na
explanation”(Satz e Ferejohn, 1994, p. 78).

A teoria da escolha racional, nessa abordagem, constitui um esquema explicativo


capaz de justificar um certo fenômeno social, bastando para isso a perspectiva de que os
atores (partidos, indivíduos, firmas, etc.) agem como se realizassem o cálculo racional
auto-interessado. As motivações reais não importariam, na medida em que o ambiente –
a estrutura, como admitem – age como um selecionador e o resultado, a despeito do
mecanismo de decisão realmente adotado, seria o mesmo. Assim, as firmas devem se
comportar de modo a buscar o lucro, se querem sobreviver no mercado, do mesmo
modo que os partidos que querem se manter na política devem procurar maximizar os
votos.

Nesse ponto parece haver alguma confusão sobre o formato da crítica à teoria da
escolha racional. A abordagem de Satz-Ferejohn procura resolver o problema sobre as
motivações existentes em um ambiente onde há apenas uma coisa a se fazer: sobreviver,
seja como partido, firma ou político individual. Grande parte da crítica à escolha
racional, entretanto, não está preocupada com casos tão extremos, mas com situações
nas quais o comportamento não tende à maximização. Não por acaso, os autores
sugerem que o paradigma de sua abordagem é a biologia evolucionária e que, de modo
análogo, “much of rational choice theory operates in the context of powerful selective
mechanisms” (Satz e Ferejohn, 1994, p. 81).

As alternativas sugeridas por Satz e Ferejohn, Pettit e Levi procuram salvar a


escolha racional das críticas mais comuns, preservando seu poder explicativo. Um
caminho diferente é trilhado por Jon Elster, que sugere outros modos de compreender a
ação humana, fazendo da ação racional uma parte mas certamente não a mais
importante, da teoria da ação. Sua idéia se apóia, fundamentalmente, em um diferente
modo de explicação a ser sustentado nas ciências sociais (as explicações por
mecanismos) que desemboca em uma dose considerável de ceticismo.

A crítica à pretensão das ciências sociais em se constituírem como ciências


positivas, capazes de elaborarem leis com capacidade preditiva, é um dos pontos
centrais nos trabalhos mas recentes de Jon Elster. Se no combate ao funcionalismo,
realizado nos trabalhos anteriores, o problema seria uma proximidade perigosa com a
biologia, aqui a crítica reside em uma pretensão na aproximação das ciências sociais
com disciplinas como a física e a matemática: as técnicas matemáticas desenvolvidas e
aplicadas com algum sucesso na economia criariam a ilusão de que é possível, em
ciência política sobretudo, descobrir leis da sociedade do mesmo modo como
descobrimos leis do mundo físico.

Apesar disso, a crítica à ambição nomológica das ciências sociais não


desemboca na proposta de que a teoria social deva se restringir meramente a métodos
descritivos ou narrativos. Entre a formulação de leis científicas e a mera descrição
haveria lugar para o estudo de mecanismos. Nessa proposta, a tarefa das ciências sociais
consistiria em identificar os diferentes mecanismos de ação existentes, sem a esperança
entretanto de que seria possível antecipar qual dos mecanismos seria disparado em um
caso determinado. As ciências sociais seriam, por exemplo, incapazes de antecipar que
o desenvolvimento econômico em um país com regime autoritário necessariamente
resultará em uma transição para democracia, mas poderia no máximo identificar a
possibilidade desse desenlace, dentre outros.
Conclusões

As teorias sociais analíticas compõem um quadro variado, longe de se


apresentarem como uma escola ou uma tendência teórica. Nem o individualismo
metodológico, e muito menos a teoria da escolha racional, podem ser descritos como
pontos pacíficos entre os autores que se identificam, ou são identificados, com essa
abordagem. Neste sentido, os traços mais gerais descritos por Hedströn, a “dissecação”
e a explicação por mecanismos, seriam bases mais apropriadas para reconhecer os
autores analíticos.

Procurei rapidamente, neste texto, indicar como a intencionalidade, ou a


explicação intencional, ocupa um lugar central nessa concepção. Ao mesmo tempo, dois
preceitos que pareciam sólidos há trinta anos atrás, a escolha racional e o individualismo
metodológico, necessitam ser defendidos e, eventualmente, reformulados frente à
crescente descoberta de mecanismos de ação alternativos à escolha racional e a novas e
sofisticadas abordagens quanto a existência de entidades coletivas que não podem ser
reduzidas aos indivíduos que as compõem.

Embora o texto tenha se limitado a esses três componentes das teorias sociais
analíticas, uma série de problemas adicionais poderiam ser colocados, tais como as
diferentes interpretações acerca das explicações por mecanismo, do papel da
formalização nas teorias ou ainda dos diferentes mecanismos alternativos à escolha
racional. Saber de que modo as contribuições da vertente analítica podem ou não ser
incorporadas ou assumidas na pesquisa social é uma tarefa das teorias sociais do século
XXI.
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