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A Conformidade Constitucional
das Leis Processuais Penais
EDITORA LUMEN JURIS
EDITORES
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida
CONSELHO EDITORIAL
Alexandre Freitas Câmara
Antonio Becker
Augusto Zimmermann
Eugênio Rosa
Firly Nascimento Filho
Geraldo L. M. Prado
J. M. Leoni Lopes de Oliveira
Letácio Jansen
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Marcos Juruena Villela Souto
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Sergio Demoro Hamilton
GERALDO PRADO
Sistema Acusatório
A Conformidade Constitucional
das Leis Processuais Penais
3a Edição
SUPERVISÃO EDITORIAL
Antonio Becker
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Maanaim Informática Ltda.
Telefone: (21) 2242-4017
CAPA
Márcia Campos
A EDITORA LUMEN JURIS
não aprova ou reprova as opiniões emitidas nesta obra,
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
―O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer
paraíso‖.
Para Giselle, com amor.
Sumário
APRESENTAÇÃO .......................................................................
PREFÁCIO..................................................................................
NOTA DO AUTOR À 1ª EDIÇÃO ................................................
NOTA DO AUTOR À 2ª EDIÇÃO ...............................................
NOTA DO AUTOR À 3ª EDIÇÃO ...............................................
1. INTRODUÇÃO ........................................................................
2. -O DIREITO PROCESSUAL PENAL E A CONFORMIDADE
CONSTITUCIONAL ....................................................................
2.1. Introdução ..........................................................................
2.2. Fontes e Antecedentes dos Direitos Fundamentais ........
2.3.
2.4. Direito, Processo
Constituição e Democracia
e Processo ........................................
Penal ..........................................
2.5. Sistema e Princípios: Uma Aproximação Tipológica ......
Em boadissertação
excelente hora, o amigode Geraldo
mestrado, Pradoonde
publica sua
estuda
profundamente a estrutura acusatória do processo penal.
Talvez em razão da ―inflação legislativa‖ dos últimos anos,
muitos importantes autores de Direito Penal e Processual
Penal têm se limitado à produção de obras de cunho
meramente exegético, procurando, já num primeiro
momento, dizer qual a melhor interpretação para este ou
aquele novo dispositivo legal.
Na verdade, esta década não tem sido muito fértil para a
doutrina penal e processual penal no Brasil, fazendo-nos
lembrar a ultrapassada época do procedimentalismo.
Principalmente no processo penal, sentimos falta de novas
obras de cunho mais sistemático, doutrinário e,
especialmente, crítico. Parece que o livro de Geraldo Prado
rompe com este ciclo e nos apresenta trabalho acadêmico do
mais alto valor científico.
Consoante o leitor comprovará, cuida-se de uma
monografia que, praticamente, esgota o tema pesquisado.
Restou demonstrada a excelência do sistema acusatório
moderno, que consegue criar condições que preservam a
imparcialidade do juiz sem prejuízo do caráter publicístico
do processo penal, como instrumento da atividade
jurisdicional do Estado. As características deste processo e os
princípios que o fundamentam são estudados de forma
densa e moderna, buscando-se sempre uma interpretação
que incorpore os valores que se possa extrair do nosso
sistema constitucional. O chamado Juizado de Instrução não
tem guarida em nosso sistema constitucional.
Desta forma, Geraldo Prado critica vários diplomas
recentes que se apresentam em descompasso com as
premissas teóricas que são estabelecidas durante o
desenvolvimento do trabalho. Faz uma verdadeira ―filtragem
constitucional‖ das novas leis que regulam matéria
processual penal. Já na leitura dos srcinais dos primeiros
capítulos desta excelente dissertação de mestrado, percebi
que seria produzida uma obra importante para a
compreensão de nosso sistema processual penal. Sua leitura
se apresenta
para útil nãodasómatéria.
os especialistas para os Muito
estudantes,
lucrei mas também
em lê-la, por
isso ouso recomendá-la.
Por derradeiro, quero dizer que fiquei honrado com o
convite de Geraldo Prado para ser o prefaciador de mais um
de seus livros. Cuida-se hoje de magistrado criminal que,
novo ainda, já ingressava no Ministério Público, sempre
através de disputados concursos públicos. Professor já
experiente, Geraldo Prado tem se salientado como
conferencista admirado. Assim, esta minha tarefa somente se
justifica em razão de ter começado primeiro, já que
possuidor de mais idade. Temos muitos pontos em comum,
inclusive na forma de pensar o Direito e a sociedade em
geral. Invocando o direito de resposta para que o leitor
possa, desde logo, perceber quem é Geraldo Prado, quero
publicamente rebater ―ofensa‖ que recentemente ele me fez,
chamando-me afetivamente de ―conservador‖, após painel de
que participamos na Escola da Magistratura do RJ. Em
verdade, Geraldo e eu desenvolvemos uma visão crítica em
face do ―sistema penal‖, apenas me afasto um pouco de seu
pensamento mais liberal na medida em que, ideologicamente
socialista, caminho na direção do chamado ―uso alternativo
do Direito‖. Sem me afastar da perspectiva ―garantista‖,
percebo a dimensão política do ―sistema penal‖ e quero usá-
lo também politicamente na busca do socialmente justo.
Julgo, entretanto, que os nossos caminhos chegam ao
mesmo lugar, vale dizer, a busca de uma sociedade e, por
consegüinte, de um Direito radicalmente democrático.
E isto está retratado no livro que o afortunado leitor ora
começa a ler.
Rio de Janeiro, outubro de 1998
Afrânio Silva Jardim
Nota do Autor à 1ª Edição
1. Introdução
4
ARNAUD, André-Jean e DULCE, María José Farinas, in Introdução à análise
sociológica dos sistemas jurídicos, Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 141-2.
5
BATISTA, Nilo, ZAFFARONI, Eugenio Raúl, ALAGIA, Alejandro e SLOKAR,
Alejandro in Direito Penal Brasileiro – I, Rio de Janeiro, Revan, 2003, p. 622.
maior parte das pessoas, parece óbvio que há de se rechaçar
esta ideologia.
Esta última é a posição adotada no Sistema Acusatório.
Em nenhum momento o livro toma partido da ideologia
funcionalista.
funcional paraSistema
entenderAcusatório
o Sistemaserve-se,
de Justiçatão-só,
Penal.da análise
É preciso, pois, distinguir análise funcional de ideologia
funcionalista.
Recorrendo outra vez a Arnaud, entende-se por análise
funcional: ―uma forma ou método de conhecimento
científico que, concretamente – e para o que aqui nos
interessa -, analisa e explica o direito – assim como outros
fenômenos normativos -, estudando as ‗funções‘ ou as tarefas
que o direito realiza para a sociedade, as que ele deveria
realizar, e como ele as realiza ou deveria realizá-las‖6.
Assim, nem toda análise funcional é devedora da
ideologia funcionalista. Pelo contrário, é possível trabalhar
com esta ferramenta para negar a validade da ideologia
funcionalista e revelar como, porque e para quem funciona o
Sistema de Justiça Criminal. Novamente Nilo Batista e
Zaffaroni irão nos lembrar que até certos textos marxistas
podem corresponder a este tipo de análise. Assinalam os
mencionados autores que ―disso resulta que, embora toda
concepção orgânica de sociedade tenda a ser antidemocrática
e reacionária, não é possível dizer a mesma coisa das análises
funcionais, que representam apenas um método paralelo às
explicações causais e intencionais nas ciências sociais‖7.
Nesse sentido, eleita a realidade dos fatos como o pano
de fundo da investigação normativa, a força desta
investigação deve residir na disposição de elaborá-la
criticamente, ou seja, livre dos conceitos que, difundidos
doutrinariamente, denunciam posições apriorísticas nem
sempre compatíveis com o modelo real da base de
sustentação institucional do processo penal vigente. A
6
Op. cit., p. 141.
7
BATISTA, ZAFFARONI et alli. Op. cit., p. 622.
incoerência de determinadas explicações acerca do Direito
Processual Penal, no Brasil, decorre da tentativa de conciliar
o inconciliável, de conferir às práticas processuais penais, ao
menos no âmbito do discurso, foro de legitimidade
constitucional
desse modo a quando algumas
verdadeira tensãonão o têm, escondendo-se
estabelecida em razão da
discrepância entre o preceito jurídico e a sua implementação.
Com efeito, cumpre fazer da crítica o predominante
método deste trabalho, assim entendida a expressão, na
concepção de Michel Miaille, como sendo a possibilidade de
fazer aparecer o ―invisível‖.8
Significa dizer não apenas que o objeto do nosso estudo,
tal seja, o sistema acusatório, conforme posto pela
Constituição9 e a estrutura processual estabelecida nas
principais leis que se seguiram à promulgação da Carta, deve
ser visto na perspectiva do seu dever ser mas,
12
Idem, p. 43.
13 Eugenio Raul Zaffaroni, apud Nilo Batista, Introdução Crítica ao Direito
Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 25.
14 Idem.
15 Ferrajoli, Luigi. Derecho y Razón: Teoria del Garantismo Penal, p. 104.
sobre Direito Penal, Estado e Constituição,16 assinala com
razão que a estipulação das categorias jurídicas submetidas
ao trabalho de classificação do jurista não deve desvincular-
se por completo dos parâmetros normativos instituídos
especialmente
doutrinador, se pelareconhecemos
Constituição. Assim
que nãoé que,
há salienta o
consenso
classificatório na doutrina e precisão terminológica dentro
da própria Constituição, também é verdade que pelo menos
cinco categorias jurídicas básicas são identificáveis à luz do
texto maior: direitos, garantias, normas, princípios e
remédios.17
É necessário debater a questão delicada da afirmação da
existência de uma outra categoria,18 isto é, daquela definida
como sistema, com todas as conseqüências derivadas desta
positivação, sem olvidar que em diversas hipóteses é possível
enquadrar o mesmo instituto jurídico em modelos
diferentes.
Além disso, releva destacar a premissa de uma eleição
constitucional de valores, pesquisando-se os aspectos que
resultam predominantes ou devem predominar no contraste
entre a Constituição jurídica e a Constituição real,19 uma vez
2.1. Introdução
Afirma Luhmann que toda convivência humana é
direta ou indiretamente cunhada pelo direito.1 As
implicações do direito na sociedade, particularmente desde o
século XVIII, serão observadas mais à frente, porém, sem
dúvida, é possível dizer que dos primórdios da socialização
do ser humano, com seu agrupamento em comunidades
rudimentares, até os dias de hoje, nos quais não se concebe a
vida isolada, havendo o homem se envolvido em tramas de
diversa natureza, especialmente determinadas pela divisão
do trabalhoa social,
regulando o direito
variedade marca sociais,
de relações a nossaeconômicas,
existência,
políticas, familiares, patrimoniais e educacionais.
Não se contesta a importância do direito enquanto
fenômeno, muito embora a realidade do mundo globalizado
haja relativizado o seu papel como ―conjunto de técnicas
para reduzir os antagonismos sociais, para permitir uma
vida tão pacífica quanto possível entre homens propensos
às paixões‖2. Isso decorre da superação progressiva das
características inerentes ao Estado-nação de base territorial,
praticamente ultrapassado pelo conceito quase universal da
predominância do sistema econômico, na sua essência
capitalista transnacional,
como assinala com precisãosubordinado lex 3mercatoria,
José Eduardoà Faria.
Norberto
geração, Bobbio citaem
22 determináveis ainda
vistaos de
direitos de quartae
carecimentos
interesses específicos, tais como as reivindicações referentes
ao tratamento da pesquisa biológica. Esta última categoria,
no entanto, necessita de uma maior investigação científica
para fixar claramente as fronteiras com os denominados
direitos fundamentais de terceira geração.
Finalmente, convém explicitar que os limites do
trabalho que se desenvolve não incluem a determinação da
natureza jurídica dos direitos fundamentais. Pretende-se
tão-só definir no continente da obra um conteúdo mais
modesto, contudo importante, que é a medida do princípio
ou sistema que realiza a estrutura do processo penal em
confronto com as principais leis processuais penais editadas
principalmente depois de 1988, época da promulgação da
vigente Constituição da República.
Porém, não se deve descuidar do estudo da natureza e
fundamento destes direitos, uma vez que se projetam nas
vias da persecução penal, impondo pelo menos sublinhar que
a doutrina constitucional lhes dedica intenso labor, oscilando
entre baseá-los, de acordo com Böckenförde,23 numa
tentativa de estabelecimento de uma teoria geral, talvez
incompleta mas bastante aproximativa, a partir das
perspectivas liberal ou do Estado de Direito burguês,
institucional,24 valorativa, funcional-democrática e social,
34 Habermas, ob. cit., p. 113. Vale destacar que, apesar da propalada idéia
pertinente ao conceito e alcance do direito subjetivo, visto antes, trata-se de
dogma da tradição liberal a crença dos direitos de primeira geração ser
exercitados contra o Estado, como muito bem salientou Comparato (ob.
cit., p. 47).
forma dos pleitos eleitorais).
Assim, o direito positivo que resultava da ação da
instância legislativa, referido ao direito privado, não podia
satisfazer as exigências das sociedades complexas e sequer
atendia satisfatoriamente
incapaz que ao suposto asdagrandes
era de integrar socialmente legitimidade,
massas
que acorreram às cidades, como conseqüência do processo
de industrialização.
Haveria de acontecer alguma reação, até porque,
reconhece Habermas, ―a fonte de toda legitimidade está no
processo democrático da legiferação; e esta apela, por seu
turno, para a soberania do povo‖,35 muito mais presente nos
discursos do que na realidade.
Os séculos XIX e XX, portanto, por força da ascendência
social e econômica da burguesia e o incremento tantas vezes
desumano das condições de trabalho da massa operária,
classe social conseqüente às mudanças derivadas da
Revolução Industrial e do modo capitalista de produção e
divisão dos bens, testemunhou conflitos intestinais que
colocaram frente a frente a burguesia e o proletariado, dando
srcem a conquistas que se refletiram em uma nova ordem
de direitos fundamentais, a partir da universalização, ainda
que lenta, do sufrágio político e da liberdade de associação,
precursora dos sindicalismos.36
63 Idem.
64 Campilongo (ob. cit., p. 53) adverte que é ridículo submeter os direitos
fundamentais ao escrutínio do maior número. A regra da maioria tem um
limite claro: não é legítima — nem ela nem nenhuma outra —, para
condicionar, suprimir ou reduzir os direitos essenciais da pessoa humana.
A autêntica democracia realiza-se com a atribuição do poder soberano à
maioria, por meio do respeito aos direitos essenciais da pessoa humana
(Comparato, ob. cit., p. 79).
contínua revisão e mantém a sociedade unida‖65.
Alertar para isso é não perder de vista e não alienar a
importância de definir a democracia usando bitolas largas,
potencializada que está a alienação em razão das opções
políticas
Em dotempo
Estado de
contemporâneo.
globalização, vale dizer que o
encaminhamento das demandas democráticas vicejadas no
plano dos direitos fundamentais de segunda e terceira
gerações, especialmente nos países denominados periféricos
ou do Terceiro Mundo, deixa aos poucos as pautas políticas,
diminuindo conseqüentemente o intervencionismo e
dirigismo estatal — retorna-se à era do Estado mínimo —, de
sorte a reduzir o direito público praticamente ao direito
penal, com o restabelecimento inevitável de um tipo de
Estado semelhante ao conhecido estado gendarme.
Sem, por enquanto, vincular diretamente os novos
tempos e a cultura que os inspira à estrutura processual
penal em concreto, vale insistir em sublinhar a tendência
política da sociedade atual, porque a adoção de uma cultura
de Estado mínimo, de Estado penal ou simplesmente
punitivo, tendo como sua única responsabilidade o
monopólio legítimo do emprego da força, produz um tipo
específico de política criminal, ilumina um movimento penal
e acaba incidindo sobre o modelo de sistema processual
acatado e interpretado, ainda que à luz de uma constituição
democrática.
Salienta Bobbio que a idéia de que o único dever do
Estado consiste em impedir que os indivíduos provoquem
danos uns aos outros, deriva de uma arbitrária redução de
todo direito público a direito penal.66
A noção de democracia que orienta este trabalho parte
da premissa de que se trata de sistema político
convencionado institucionalmente, cujo propósito está em
promover decisões políticas, legislativas e administrativas,
72 Ver, a respeito, Weffort, Francisco. Qual Democracia?, São Paulo: Cia. das
Letras, 1996.
73 Renato Janine Ribeiro, a propósito da política, antecipa considerações
sobre o sentido de público, aplicáveis sem dúvida ao âmbito da estrutura
processual e relevantes, no que concerne à vinculação entre direito e
democracia, ou, mais propriamente, entre direito e processo, na medida em
que ambos os sentidos pressupõem um nível de educação que favorece, se
presente, a otimização instrumental da democracia. Assim, público se opõe
a privado, ressalta o autor, e se faz sinônimo de bem comum , algo que não
pode ser alvo de apreciação egoísta ou particular. Trasladando-se o
conceito para o processo penal, teremos que a instrumentalidade do
mencionado meio não comporta visões particularistas do direito que
pretende efetivar e não admite o próprio direito penal como um fim em si
mesmo, porém apenas como mecanismo de tutela adequada e razoável
para determinados tipos de conflitos. Por outro lado,público se opõe a
palco e revela não mais o dado da participação ativa, mas da passiva
assistência, cujo único sentido positivo consiste na possibilidade de
controlar a ação dos atores políticos, inclusive do juiz. Nestes derradeiros
termos, os princípios da publicidade e do duplo grau de jurisdição
aparecem como naturais consectários da idéia de participação democrática
no processo, prevendo a um só tempo a idéia de que todo poder deve ter
algum tipo de controle, visível socialmente (―A Política como Espetáculo‖,
in Anos 90: Política e Sociedade no Brasil, Evelina Dagnino [org.]. São
Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 31-40).
legitimidade necessária à enunciação das decisões.
Piero Calamandrei, em obra clássica, acentuava, na
década de 1950, a relação científica e política entre processo
e democracia, assinalando, em uma postura enfática a
respeito da natureza
em um Estado jurídicahá
democrático, dode
primeiro, que, opor
se entender processo,
conjunto de
relações jurídicas entre pelo menos três sujeitos — processus
est actum trium personarum — sem subordinação entre
eles, mas sim com vinculações recíprocas em termos de
direitos e deveres.
Além disso, naquilo que diretamente se vincula ao
objeto do nosso trabalho, por processo se deve aceitar apenas
o processo de partes contrapostas, dialético,74 asseverando o
mestre peninsular:
―Nel processo moderno, quello che risponde ai
principi costituzionali degli ordinamenti
democratici moderni, le due parti sono sempre
indispensabili. Il principio fondamentale del
processo, la sua forza motrice, la sua garanzia
suprema, è il ―principio del contraddittorio‖.‖75
A consideração da participação, independentemente do
aspecto de publicidade que deve revestir a ação pública na
esfera democrática,76 é cercada de maior significado, no
plano da estruturação da base sobre a qual se desenvolverá o
processo, justamente por levar em conta, como disse
Calamandrei, não uma relação de poder, envolvendo súditos,
mas de equilíbrio entre sujeitos, cada qual com suas
responsabilidades, voltados todos, no entanto, à realização
83 Idem, p. 69.
84 Ferrajoli, ob. cit., p. 50.
provavelmente ao que a parte quis demonstrar pelo poder de
explicação das evidências ajuizadas.
A legitimidade da atividade jurisdicional está
condicionada ao emprego de técnicas que imunizem o
processo do decisionismo
decisão arbitrária) judicial
e não iludam (em outras
quanto palavras,
à conquista da
de uma
verdade real, o que só ocorrerá na medida em que sejam
assegurados os direitos e garantias fundamentais,
permitindo que acusação e defesa demonstrem a
correspondência entre as teses esposadas e as provas
produzidas, com a redução do subjetivismo inerente a todo
julgamento.
Desta forma, será legítima a atividade jurisdicional
penal, porque terá sido possível conferir à sentença a
qualidade de haver apreendido o tipo de verdade que pode
ser constatada de modo mais ou menos controlável por
todos, mas isso só acontecerá se forem satisfeitas as
garantias do juízo contraditório, oral e público, isto é, na
vigência do sistema acusatório. A legitimidade do exercício
do poder, cujo berço é a soberania popular, é a fonte da
democracia.
Naturalmente por isso a perspectiva democrática do
processo estabelece um tipo privilegiado de relação entre
direito e democracia, mas não se pode olvidar das influências
culturais determinantes, presentes na sociedade civil, a um
tempo condicionadas e condicionantes da maneira pela qual
a batalha sem concessões por um modelo de estrutura
democrática do processo penal, compatível com a vontade
igualmente democrática expressada na Constituição, ecoa
concretamente no meio judiciário e social, portanto, no
microcosmo e no cosmo sociais.
Os estudiosos da ciência política, preocupados com a
análise dos diversos modelos de transições políticas, têm
dedicado especial atenção ao papel da consolidação cultural
dos valores que alicerçam o regime democrático.
Não se trata de aceitar simplesmente a prevalência da
escolha constitucional e, portanto, jurídica, da democracia,
como fator suficiente para a estabilização democrática. É
preciso que a democracia se faça presente como um valor
decisivo na vida das pessoas, pragmaticamente
imprescindível para alcançarem a vida digna. Moisés
assinala que a cultura política é condição sine qua non para a
orientação
generalizaçãodedecomportamentos
um conjunto de evalores
ações elementares
envolvendo aoa
processo de democratização, 85 esclarecendo que a
desconsideração da dimensão político-cultural afeta
gravemente o suporte democrático da sociedade. Não basta
um Estado democrático, é necessário que a sociedade
também o seja.
Eis, por isso, a razão pela qual Enrique Peruzzotti
destacou que a consolidação institucional da democracia está
sujeita também ao importante papel jogado pelas variáveis
culturais,86 que não podem ser desprezadas.
A institucionalização da democracia não depende
exclusivamente de processos de engenharia institucional
elaborados de cima para baixo, na perspectiva das elites, mas
ainda de ―práticas e identidades políticas da sociedade civil
e sua relação histórica com a democracia e o
constitucionalismo‖.87 Do mesmo modo, a estruturação
democrática do processo penal não se impõe simplesmente
de cima para baixo, ainda que se parta da Constituição, pelo
menos não sem que se vençam fortes adversários culturais,
credores inabaláveis da fé na verdade real, absoluta,
conquistável através de um procedimento penal de defesa
social, como o inquisitório, que, embora esteja em crise,
ainda se manifesta enquanto estrutura procedimental na
maior parte da América Latina, conforme salientou Alberto
M. Binder.88
131 Ferrajoli, Luigi. ―O direito como Sistema de Garantias‖, p. 41. Otto Bachof
acentuava que no exercício da função judicial de vigilância da
constitucionalidade das leis, o juiz só deve admitir uma lei como válida e
vinculante quando esta não só tenha sido formalmente promulgada de
acordo com a Constituição mas também se o seu conteúdo estiver de
acordo com os preceitos constitucionais Jueces
( y Constitución, Madrid:
Civitas, 1987, p. 32).
132 Canotilho, pp. 235-236.
sempre citada doutrina alemã (verfassungswandlungen).133
A relevância do processo hermenêutico para a
imposição predominante dos direitos fundamentais na esfera
penal é tão significativa, que vale recordar que o intérprete,
este mediador,
contribuirá principalmente
decisivamente na se for o juiz
escolha dospenal,
valores sempre
134
que o
guiarão, por meio da assunção de significados concernentes
a uma determinada concepção de Direito. Interpretar deriva
de interpres, isto é, mediador, intermediário, de sorte a
estabelecer-se no processo de interpretação a mediação entre
o texto e a realidade para, de acordo com Baracho,135
desenvolver-se o processo intelectivo através do qual,
partindo da forma lingüística contida no ato normativo,
chegar-se ao seu conteúdo ou significado.
Caso contrário, o juiz estaria reduzido a mero
instrumento de aplicação mecânica de um texto legal,
suscetível de ser substituído com muitas vantagens por um
133 Ver, sobre o assunto, Ada Grinover (As Garantias Constitucionais, p. 15).
Por oportuno é conveniente destacar que tal fenômeno é denominado, na
Espanha e em Portugal, mutação constitucional, entendendo-se, tal como
na Alemanha (Tribunal Alemão de Karlsruhe), tratar-se de uma mudança
de conteúdo das normas que, conservando a mesma redação, adquirem um
significado diferente (Vadillo, Enrique Ruiz. El Principio Acusatorio y su
Proyeccion en la Doctrina Jurisprudencial del Tribunal Constitucional y
Tribunal Supremo, Madrid: Actualidad Editorial, 1994, p. 19), ou, nas
palavras de Canotilho (ob. cit. pp. 236-239), operam a transição do sentido
sem mudar o texto, o que a difere da alteração constitucional, consistente
na reforma formal do compromisso político, acompanhada da alteração do
próprio texto da Constituição.
134 Não se despreza, por oportuno,a tese de que a hermenêutica constitucional
é campo aberto a todos que, no processo democrático de convivência social,
observam o direito, atuando conforme o significado que pessoalmente
atribuem à conformidade constitucional. A interpretação constitucional é,
pois, neste sentido, obra aberta, do ponto de vista dos sujeitos aptos a
realizá-la, consoante salientou Peter Häberle ( Hermenêutica
Constitucional — A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:
Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‗Procedimental‘ da
Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1997). No entanto, a vinculatividade da atuação
interpretativa do juiz é que, neste aspecto particular do problema, colocado
no trabalho, deve ser priorizada.
135 Baracho, ob. cit., p. 49.
computador.136 Eis a razão de Couture ter dito que:137
―Interpretar é, ainda que inconscientemente,
tomar partido por uma concepção do Direito, o que
significa dizer, por uma concepção do mundo e da
vida. Interpretar
uma simples é dar vida
proposição a umade
hipotética norma. Esta é
uma conduta
futura. Assim sendo, é um objeto ideal, invisível... e
suscetível de ser percebido pelo raciocínio e pela
intuição. O raciocínio e a intuição, todavia,
pertencem a um determinado homem e, por isso,
estão prenhes de subjetivismo.‖
Todo intérprete, salienta Couture, é, embora não o
queira, um filósofo e um político da lei e a concepção de
mundo e de direito que concebe, reafirme-se, deve estar
ancorada na Constituição, independentemente da postura
filosófico-jurídica
da existência préviaou política
de dele,
uma intérprete
decisão e,doaté tribunal
mesmo,
constitucional, no nosso caso, do Supremo Tribunal Federal,
sobre a matéria, evidentemente desde que sem força
vinculativa erga omnes.
Novamente, a lição de Baracho é valiosa, salientando a
difusa competência para aplicação das leis, pelos juízes,
conforme a Constituição, em virtude do que não devem
aplicar as normas que considerem inconstitucionais.138
Na atual etapa do constitucionalismo, na virada do
milênio para a civilização ocidental, a tarefa de interpretação
e aplicação dos textos legais de acordo com a Constituição
assume uma grandeza toda especial em virtude do processo
de corrosão das bases rígidas instituídas no nível normativo
136 Assim, com razão, leciona Zaffaroni, para quem,en rigor, en el actual
estado del saber jurídico, es casi imposible que, sea por vía explícita o bien
implícitamente, el juez no lleve a cabo un control constitucional de las
leyes, siempre que, naturalmente, opere conforme a esas pautas de saber
jurídico (Estructuras Judiciales, Buenos Aires: Ediar, 1994, p. 60).
137 Couture, Eduardo J. Interpretação das Leis Processuais, 3ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1993, p. 11.
138 Baracho, ob. cit., p. 53.
superior, em consideração às supostas demandas de
estabilidade governamental.
Assim, a recusa à chancela de constitucionalidade pode
ocorrer dentro da própria Constituição, se os movimentos
derivados de alteração
pilares intangíveis da suafundamentais
dos direitos ordem não respeitarem os
e da soberania
popular, com a legitimidade e separação dos poderes.
Movimentos de transformação da ordem constitucional
são freqüentes e se desenrolam fundados em demandas de
maior fluidez e flexibilidade dos instrumentos de soluções
dos conflitos sociais.
A redução de complexidade do direito processual pela
deformalização aparece na nossa Constituição, para ilustrar,
na disciplina do procedimento dos juizados especiais
criminais, que na sua regulação por lei ordinária não se
limitou a obedecer ao perímetro traçado no plano
constitucional — procedimento oral e sumaríssimo, com a
possibilidade de transação — para incorporar a
informalidade, celeridade e economia processual (Lei n o
9.099/95, artigo 62).
A filosofia da deformalização dos procedimentos, antes
de ser uma rebelião ao formalismo exagerado e imotivado,
em busca dessa maior fluidez e flexibilidade na hermenêutica
constitucional, pode ensejar a redução da eficácia das
garantias que dependem, justamente, da observação de
procedimentos.
Comparato sublinha, acertadamente, que todo direito é
formal, isto é, ―que ele nada mais deve ser que a realização
formal da justiça, a sua realização segundo certos meios e
regras conhecidos da comunidade‖ e acrescenta que ―a
regularidade formal é sempre uma garantia diante do
poder, uma limitação do arbítrio‖.139 É interessante
observar que, na década de 90, o sucessor aparente do
movimento do direito alternativo dos anos 70 é o modelo
150 Ataliba, Geraldo apud Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito
Administrativo, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 51.
151 Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, Brasília: Polis, 1989,
p. 75.
152 Rocha, Cármem Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade,
Belo Horizonte: Lê, 1990.
153 Idem.
que se associam e permitem o movimento
harmônico permanente do regramento pela
interpretação e na aplicação de suas disposições.‖
Isto posto,
da preciosa a primeira
lição anotação
de Cármem pertinente,
Rocha, que se extrai
fundamentalmente
jurídica mas nem por isso não antropológica, refere-se ao
fato de que um sistema não é um conjunto solto e
desarticulado de normas e instituições, o que foi ressaltado,
mas sim uma realidade medida exatamente em virtude da
coerência interna destas mesmas normas e instituições—
acrescentaria princípios e sujeitos, que agem no interior do
sistema de determinada maneira —, muito embora, hoje se
saiba, que os sistemas não têm pretensão de absoluta
harmonia e completude, o que explica eventuais antinomias
e lacunas.154
A inferência de tal realidade serve a inúmeros
propósitos, entre os quais se destaca o descritivo, em virtude
do que se potencializa a avaliação sistêmica a partir dos
comandos redutíveis aos emanados da norma fundamental
ou Constituição, base do sistema jurídico, e, ainda, o de se
prestar, metodologicamente, à compreensão da inter-relação
de elementos distintos.
No Dicionário de Ciências Sociais da Fundação Getúlio
Vargas, define-se sistema como:155
―Conjunto de coisas que ordenadamente
entrelaçadas contribuem para determinado fim;
trata-se portanto de um todo coerente cujos
diferentes elementos são interdependentes e
constituem uma unidade completa.‖
A evidência de um sistema constitucional, realçada por
Marcelo Neves como, em realidade, manifestação de um
157 Campilongo (ob. cit., p. 74), a propósito do termo autopoiesis, salienta que
o neologismo, tão esotérico quanto as idéias de Luhmann,traslada para os
sistemas sociais o conceito desenvolvido por Maturana e Varela, para
exame dos sistemas biológicos. De se salientar, por isso e por outras
evidências captadas na extensa obra de Luhmann, que tanto a generalidade
como a interdisciplinariedade se impõem no seu pensamento, a partir do
reconhecimento da complexidade social e da constatação de que toda teoria
deve ser uma arma para reduzi-la . A complexidade da sociedade
contemporânea se estabelece, para o sociólogo, em razão do aumento da
diferenciação de uma dada sociedade. O paradoxo da teoria do mestre
fundamenta-se no sentido de que somente com o incremento da
complexidade é possível reduzir-se a própria complexidade do dado ou
relação social em estudo, cumprindo a teoria este papel, que lhe defere o
pensador. Sendo assim, alcança Luhmann o projeto de concepção de uma
teoria sistêmica, como forma de compreensão da sociedade complexa, de
tal sorte que sua obra pode ser qualificada como ―sociologia sistêmica‖.
158 Izuzquiza, Ignacio. Sociedad y Sistema: La Ambición de la Teoria. Buenos
Aires, Barcelona e México: Ediciones Paidos, 1990, p. 19.
159 Fechado naturalmente do ponto de vista normativo, pois que somente o
direito pode mudar o direito, mas aberto cognitivamente, porque requer
trocas de informações entre os sistemas e seus ambientes, como ressaltou
Campilongo (ob. cit., p. 75).
básica,160 sem embargo do direito processual penal perfilar-
se como um sistema normativo próprio, auto-referente.161
Além dos fins de descrição e de compreensão da inter-
relação de seus elementos, a categoria sistema processual
reveste-se
delimitaçãoainda de especial
do espaço magnitude por
jurídico-processual possibilitar
destes elementos,a
em razão da função do sistema, vinculada à necessidade vital
que procura satisfazer.162
Dir-se-á que o elemento avaliado isoladamente,
pertence ao sistema processual na razão direta da sua
funcionalidade, que não poderá, todavia, desprezar para a
sua caracterização o que mais atrás se registrou como
tendência de uma funcionalidade de matiz garantista e não
meramente utilitarista.
Uma lei que proponha a iniciativa do juiz para o
processo penal de cunho condenatório não pode pertencer ao
sistema processual acusatório, embasado em uma
Constituição que o consagre e, portanto, tal lei não será
válida, ainda que funcional no sentido utilitarista, de mera
adjudicação de uma solução ao conflito de interesses penal.
A possibilidade de uma avaliação desse nível denuncia a
viabilidade e mesmo necessidade da categoria proposta, sem
embargo da concreta observação de que a função primordial
da estrutura processual há de ser aquela de garantia,
166 Silva, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 2ª ed. São
Paulo: RT, 1982. Barroso, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a
Efetividade de suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição
Brasileira, 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
167 Silva, José Afonso. Ob. cit., pp. 35 e 40.
168 Barroso, Luís Roberto. Ob. cit., pp. 89-118.
169 Mello, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo,
São Paulo: RT, 1980, pp. 230-231.
Constituição preocupou-se com a estruturação do processo
penal, o que é natural, na medida mesma em que dispôs
inúmeros direitos e garantias fundamentais referidos à
persecução penal, cabe indagar de que modo se tratou na
Carta desses eprincípios
Constitucional estruturantes.
o Direito Processual Afinal,
Penal são Direito
legatários de
uma vocação comum, como salientou Bettiol,
A verdade é que na tipologia dos princípios
constitucionais, conforme estudada por Canotilho,170 eleita
como a que preenche mais fielmente os objetivos deste
trabalho, destacam-se aqueles denominados fundamentais,
―historicamente objetivados e progressivamente
introduzidos na consciência jurídica‖, os princípios políticos
constitucionalmente conformadores, dado que ―explicitam
as valorações políticas fundamentais do legislador
constituinte‖, os constitucionais impositivos, derivados de
uma Constituição dirigente, que ―impõe aos órgãos do
Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a
execução de tarefas‖, e, finalmente, os princípios-garantia,
traduzindo-se em garantias diretas para todas as pessoas.
Parece evidente que, se é possível encontrar na
Constituição da República as diretrizes da estrutura
processual, tais diretrizes concebem-se certamente como
decorrentes dos princípios fundamentais do Estado de
Direito e da Democracia, com a divisão e controle de
poderes, ao lado da publicidade, e dos princípios-garantia,
vinculados à exigência de juiz imparcial, do exercício
privativo da ação penal pública pelo Ministério Público, da
garantia da ampla defesa (autodefesa e defesa profissional ou
técnica) e da prescrição da atividade de polícia judiciária a
determinados órgãos, consistindo estas diretrizes em
subprincípio derivado daqueles estruturantes, relacionados
aos dois citados, como, indiscutivelmente, o princípio da
separação de poderes.
Canotilho, em sua obra tantas vezes mencionada,
denuncia este fenômeno como a densificação dos princípios
A campo
aquele compreensão do fenômeno
do Direito jurídico
que lida com que envolve
a limitação das
liberdades do indivíduo, por meio da efetivação das mais
graves medidas de coação previstas no ordenamento jurídico
— nas leis e na Constituição — com emprego de mandatos e
proibições, projetando-se na esfera do exercício do poder
político, em um primeiro momento há de demandar exame
conforme o contexto espaço-temporal em que se encontra
inserido.
Os olhos devem estar voltados para a história, apesar de
sabermos que os elementos característicos predominantes
dos sistemas processuais variam não só do ponto de vista
histórico como precisamente,
Assinala, também na perspectiva
Julio B. teórica.
J. Maier,1 que se o
Direito, como matéria de estudo, é um objeto cultural, criado
pelo homem na medida em que estabelece formas de
convivência comunitária, sedimentadas no especial modo de
viver em um instante específico dessa vida politicamente
organizada, as suas regras são, portanto, contingentes.
Cuida-se de conseqüência da própria contingência da
organização social sujeita a transformações decorrentes das
condições demográficas e de exercício do poder, além das
experiências positivas e negativas vividas, de sorte que o
conhecimento do Direito seria impossível sem o
conhecimento do lugar que ocupa no estudo da evolução
jurídica.
Todos os povos, como se sabe, estão em contínua
transformação2 e a ciência e tomada de consciência da sua
História, da nossa História, representam a libertação de
preconceitos, pela capacitação do indivíduo para perceber o
7
CORDERO, Franco. Procedimiento Penal, Colômbia: Temis, 2000.
8 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Lide e o Conteúdo do Processo
Penal, Curitiba, Juruá, 1989 e O Papel do Novo Juiz no Processo Penal, in:
Crítica à Teoria Geral do Processo Penal, Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
9 FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro: Nau,
1999, p. 11.
de saber se alguém praticara determinado fato, desde que o
conflito inaugurado pela notícia do fato viesse a ser resolvido
de forma satisfatória de acordo com a concepção do grupo
social.
O que parahoje
irracionalidade a doutrina tradicional
deve merecer outra exalava cheiro de
consideração de
nossa parte. Quer se trate das ordálias, quer surja aos nossos
olhos como mitos fundantes de uma determinada maneira
de viver e de ver as coisas, como na passagem da Ilíada,
capturada por Foucault10, tais práticas tinham um ponto em
comum: eram dirigidas à resolução de um conflito. Somente
dessa maneira é possível entender a ―racionalidade‖ que
definia a ação dos povos germânicos primitivos, quando
estes se deparavam com conflitos episódicos.
Nilo Batista nos lembra da dificuldade de recomposição
de uma época caracterizada pela tradição oral e pelos
desafios naturais cuja11 capacidade de compreensão fugia
àquelas comunidades . Apesar disso, hoje estamos em
condições de saber que aqueles povos, tanto quanto os
antigos gregos, ―lutavam‖ incessantemente para alcançar a
paz na tribo. Isso importava considerar a integração do
sujeito ao grupo (à tribo) como condição para a
sobrevivência material e psíquica, como ainda implicava no
fortalecimento do grupo a partir da convergência de fatores
internos (práticas dos indivíduos) e externos (condições
climáticas, vitalidade dos rebanhos etc.), que poderiam ser
afetados de diversas maneiras. Era a quebra da paz a que se
fará referência nos próximos subitens.
10
FOUCAULT, op. cit., p. 31. A história reproduzida pelo mestre francês fala da
contestação entre Antíloco e Menelau durante jogos realizados na ocasião da
morte de Pátroclo. Houve uma corrida de carros em um circuito de ida e volta e
Menelau contesta o resultado, afirmando que Antíloco não fizera a volta no
ponto apropriado. Embora houvesse um ―fiscal‖ neste trecho do circuito, a
testemunha não é chamada a contar o que viu. Há um desafio, em forma de
juramento, diante do qual Antíloco recua, resolvendo a controvérsia em favor de
Menelau.
11 BATISTA, Nilo. Matrizes Ibéricas do Sistema Penal Brasileiro – I, Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p.30.
Agora, para o que nos interessa convém frisar que as
formas compositivas, que podem ter sido o juramento
(referido por Foucault em sua leitura da Ilíada) ou o
pagamento de algum bem (prática dos antigos povos
germânicos), nãoo visavam
havia praticado determinarapenas,
fato. Cuidava-se, se o agente A ou B
de encontrar
mecanismos de pacificação da sociedade, perturbada com a
―perda da paz‖. Tratava-se de composição de conflitos.
Este mecanismo persistiu entre nós. Formalmente, nos
crimes de exclusiva ação privada12, ao se permitir que a
vítima deixe de acionar o réu ou desista da ação proposta
caso encontre outra solução, que melhor lhe convenha.
Informalmente, mesmo nos crimes de ação pública
incondicionada, pois quando há vítimas as investigações
raramente são instauradas ou chegam a bom termo sem a
colaboração delas.
Na atualidade, mais que em passado recente estas
formas estão prestigiadas. Com efeito, os diversos
ordenamentos jurídicos valorizam o acordo entre agentes e
vítimas e até entre suspeitos e Ministério Público para por
fim ao processo (ou ao procedimento), Trata-se de uma outra
maneira de buscar a ―paz social‖, sem que se faça aqui, neste
momento, qualquer juízo de valor.
A tese que advogamos a partir da 3ª edição do ―Sistema
Acusatório‖ (e da edição do livro ―Elementos para uma
Análise Crítica da Transação Penal‖, já referido) consiste em
reconhecer a impossibilidade de, pura e simplesmente,
adotar as categorias dos sistemas processuais (quaiquer
deles) aos mecanismos de composição de conflitos na esfera
40 Manzini salienta que em algumas situações, uma vez exercida a ação penal,
o magistrado ficava investido dela (de poderes em relação a ela), ao ponto
de não poder despojar-se sem um motivo jurídico. Assim, mesmo que o
acusador abandonasse o processo, descreve Manzini, nem por isso caía a
acusação, devendo seguir-se as investigações públicas ( Tratado de Derecho
Procesal Penal, tomo I, pp. 6-7).
41 Maier, Julio B. J. Derecho Procesal Penal Argentino, p. 46.
42 Tucci, Rogério Lauria. Lineamentos do Processo Penal Romano, p. 159.
43 Fato percucientemente notado por Julio Maier. Derecho Procesal Penal
Argentino, p. 47.
44 Manzini, Vincenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal, tomo I, p. 7.
em tese vigorava um modelo procedimental que carecia do
acusador privado, mas, na prática, alguns agentes públicos
(curiosi, nunciatores etc) passaram a desenvolver verdadeira
atividade de polícia judiciária, transmitindo aos juízes os
resultados das de
alguém deixava suas pesquisas,
apresentar a princípio sempre que
a accusatio.
Por sua vez, os magistrados foram ampliando cada vez
mais a sua esfera de atribuições, alcançando aquelas antes
reservadas aos particulares, até chegar-se ao extremo, como
salientou Manzini, de se reunirem em um mesmo órgão do
Estado as funções que atualmente competem ao Ministério
Público e ao juiz,45 com a máxima disposição dos
magistrados de descobrirem a verdade, não deixar ao
desamparo os fracos e evitar o non liquet, tal seja, o
pronunciamento da não-decisão, a impossibilidade de um
veredicto decisivamente solucionador do concreto conflito de
interesses. Hélio Tornaghi advertiu para o fato de que o
sistema acusatório na Antigüidade, principalmente tal como
se desenvolveu na fase republicana de Roma, ter oferecido
graves inconvenientes, anotando, com especial destaque, os
seguintes:46
• a impunidade do criminoso;
• a facilitação da acusação falsa;
• o desamparo dos fracos;
• a deturpação da verdade;
• a impossibilidade de julgamento, em muitos casos;
• a inexeqüibilidade da sentença, em outros.
45 Idem.
46 Tornaghi, Hélio. Instituições de Processo Penal, vol. II, p. 5.
amplos poderes ao magistrado, não somente para investigar
as infrações penais, recolhendo provas, como, ainda, para
julgar a causa,47 podendo valer-se mesmo da tortura.48
De se destacar que, ao contrário do que viria a ocorrer
posteriormente,
inquisitorialismo, na
se emIdade
Roma Média, sob a égide
ainda predominava do
a forma
pública e oral, mesmo no procedimento extra ordinem,
como momento culminante dessa estrutura processual, em
realidade a instrução escrita e secreta, derivada do poderoso
aparato estatal, aos poucos foi sucedendo a anterior, até
constituir-se em sua parte ou forma principal, surgindo, pois,
como semente da Inquisição que mais tarde dominaria a
Europa Continental.49
Sobre essa passagem histórica vale registrar a seguinte
observação de Julio Maier:50
51 Ver, sobretudo, Piero Fiorelli (ob. cit., p. 332), que remarcou o fato das
municipalidades italianas terem estatuído, a princípio, nessa época, um
processo do tipo acusatório. Porém, a consolidação dos organismos
comunitários ensejou a atribuição aos magistrados de funções mais
amplas, aproximando-se até transformar-se normalmente em um modelo
inquisitório.
52 Jescheck, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal - Parte General, 4ª
edição, Granada: Comares, 1993, p. 80.
53 Maier, Julio B. J. La Ordenanza Procesal Penal Alemana: Su Comentario
y Comparación com los Sistemas de Enjuiciamiento Argentinos , Buenos
Aires: Depalma, 1978, p. 24. Sippe, segundo Nilo Batista, é a designação do
clã a que a pessoa pertencia (BATISTA, Nilo.Matrizes Ibéricas..., p. 32).
causas cíveis.54
Ocorre, todavia, que em uma fase posterior toda
infração passou a ser considerada como rompimento da paz
(Friedensbruch), autorizando, conseqüentemente, a guerra e
asorte
vingança perdia o(Blutrache
que familiar ofensor ee Fehde ou Faida
sua família a ),proteção
de tal
comunitária.
Tal sistema progrediu até que fosse permitido o
pagamento do preço da paz à comunidade (Friedensgeld),
por meio de convênios reparatórios, e uma indenização ao
ofendido ou sua família (Busse), o que era possível em se
tratando de infrações menores.55 Nilo Batista ressalta a
existência da capitular de Carlos Magno, de 802, que
recomendava às famílias evitar acrescentar uma inimizade
ao mal já feito, destacando, porém, que durante extenso
período ―a anuência a uma composição ultrajava o
sentimento coletivo da honra familiar e só mais tarde o
ressarcimento assumiria um papel central na superação de
tais litígios‖.56
A partir de um determinado momento o entendimento
privado constitui-se no método predominante de solução dos
conflitos de interesses de natureza penal, o que não impedia
o ofendido de se socorrer dos Conselhos ( Placita),
assembléias populares que ministravam justiça, começando
aí o verdadeiro processo judicial de corte acusatório.57
Tal processo peculiarizou-se pelo direito privado de
iniciativa da persecução (nemo iudex sine actore),
começando diante do fracasso da composição entre as partes
sobre a emenda ou indenização ou por reclamação unilateral
do ofendido ou sua família ao tribunal ( Hundertschaft),
composto por pessoas capazes para guerra ( Thing). As
63
FOUCAULT, Michel. A Verdade e as..., p. 23.
64 Maier, Julio B. J. La Ordenanza Procesal Penal Alemana, p. 28, e Fiorelli,
Piero, ob. cit., p. 333.
65 Alcala-Zamora y Castillo, Niceto e Levene, Ricardo, Hijo.Derecho Procesal
Penal, p. 218.
66 Almeida Junior, João Mendes de. O Processo Criminal Brasileiro , pp. 80-
81.
satisfará exigências comuns aos dois mundos: o eclesiástico,
assombrado por heresias, e o civil, que via na expansão
econômica a srcem da criminalidade exasperada em face do
paradigma anterior. Fixa o autor italiano que os interesses
que têm de sercom
incompatível protegidos exigem
as acusações o automatismo
privadas, enquantorepressivo
a cultura
romana, sofisticada para os padrões bárbaros, estava a exigir
decisões ―técnicas‖.67
Muito embora os séculos XIII e XIV marquem o início
da predominância do modelo inquisitorial, transplantado
para a justiça laica com o fortalecimento das monarquias e,
conseqüentemente, com a formação do conhecido Estado-
Nação e a centralização do poder secular, ainda nas cidades
italianas conviviam formas inquisitórias com formas
acusatórias. Isso é vislumbrado em registros de Bolonha e
Florença, sendo a inquisição, subsidiária do modelo
acusatório, implementada apenas quando uma acusação não
era exercitada.68
A remanescente estrutura acusatória, no entanto,
começa a render-se a aspectos quase sempre identificados no
procedimento inquisitório, tais como a forma escrita da
dedução da acusação e o segredo que envolvia a produção da
prova testemunhal, chegando, pois, ao emprego da tortura, a
culminância das presunções e da confissão.
Será Foucault novamente a nos lembrar que a técnica de
―reunir pessoas que podem, sob juramento, garantir que
viram, que sabem, que estão a par‖, como mecanismo de
prorrogação da atualidade do delito, sugere a maior
racionalidade do procedimento da inquisição em oposição à
aparente brutalidade e ao caráter arbitrário dos duelos, jogos
e desafios (provas) dos povos bárbaros. O mestre francês, no
entanto, lança luz sobre o passado. Destaca que os objetivos
das ―provas‖ e juízos de Deus era um: superação do conflito
instaurado pela notícia ou prática do delito; enquanto o fim
perseguido pelo sistema da inquisição era outro: colocar um
67
CORDERO, Franco. Procedimiento..., vol. 1, p. 16.
68 Fiorelli, Piero. Ob. cit., p. 333.
eficaz instrumento de gestão à disposição da nova estrutura
de poder que se formara na Europa Continental. ― O
inquérito na Europa Medieval é sobretudo um processo de
governo, uma técnica de administração, uma modalidade
de gestão; maneira
determinada em outras palavras,
do poder o ‖.
se exercerinquérito
69 é uma
Por fim, o equilíbrio entre os dois modelos se rompe e o
sistema inquisitório vive seu apogeu no continente europeu,
até ser descartado, ao menos na Europa Ocidental
(Continental), no século XIX.
Pode-se afirmar que a herança da cultura hegemônica e
estilizada do Direito Romano, cultivada nas prestigiosas
universidades italianas pelos glosadores (1100 a 1250) e pós-
glosadores (de 1250 a 1450), superou o Direito Germânico,
de tradição popular. A Igreja, indiscutivelmente, contribuiu
para o sucesso da difusão do modelo de inspiração
romanística, cujo último paradigma havia sido, como visto, a
cognitio extra ordinem, difundindo universalmente o
modelo inquisitorial à base de uma universalidade cristã,
tendente a se impor a todos os povos.
Maier giza que o Direito Romano, ao contrário do
Império dentro do qual nasceu, não sucumbiu à invasão
bárbara e não tardou a impor suas idéias, mais desenvolvidas
e elaboradas.70
Embora hoje a Inquisição seja vista com todas as
reservas, cumpre remarcar que na sua época o discurso
dominante a apresentava como produto da racionalidade,
confrontada com a suposta irracionalidade das ordálias ou
juízos de Deus, que substituiu, enquanto sistema de
perseguição da verdade, pela busca da reconstituição
histórica, procurando, tanto quanto possível, reduzir os
privilégios que frutificavam na justiça feudal, fundada quase
exclusivamente na força e no poder de opressão dos senhores
69
FOUCAULT, Michel. A Verdade e as..., p. 72 e 73.
70 Maier, Julio B. J. Derecho Procesal Penal Argentino, p. 54.
feudais sobre os demais,71 pessoas que a rigor estavam
sujeitas a medidas punitivas discricionárias, impostas pelos
mencionados senhores feudais.
Vale deixar consignado que a Inquisição começa
propriamente
anônima, como quando
formasedeadmite a denúncia
principiar
72, inclusive
uma investigação,
prescindindo-se dela, mais tarde, ao se permitir o início do
processo de ofício, bastando para tanto o rumor público,
revelador da ocorrência de uma infração. Franco Cordero
relembra que nessa hora o juiz passa da posição de
expectador impassível para converter-se em protagonista do
sistema.73
A jurisdição eclesiástica a princípio destinava-se ao
julgamento de membros da Igreja, porém conforme o poder
temporal desta última foi se expandindo, resvalou para a sua
competência uma enorme gama de infrações penais
consideradas contrárias, mesmo que distantemente, aos
interesses da Igreja.74
Principalmente a partir do momento em que as
autoridades judiciárias eclesiásticas passaram a ser
exercitadas por monges designados pelo Papa, as
características marcantes da Inquisição foram a forma
75 Idem, p. 57.
76 João Bernardino Gonzaga, ob. cit., p. 60.
predominância da forma escrita, derivada da necessidade de
documentação do que era apurado em segredo, cumpria
garantir-se a regularidade dos procedimentos.
O controle do poder político, inerente ao processo
judicial por crimes,
inquisitorialismo assegura
a delegação no períodocategorias
a determinadas áureo do de
funcionários, os procuradores do rei, da atribuição de
oficialmente investigar as infrações penais, ainda que delas
só haja rumores. Faustin Hélie vê na instituição a semente
do Ministério Público.77
É bem verdade que, mesmo como meros delegados, os
juízes tinham de ser controlados na medida em que eles
dispunham do poder de iniciar uma investigação
independentemente de qualquer denúncia, e menos também
de acusação. A acusação até poderia existir. O juiz além do
mais estava habilitado a infligir ao acusado tormentos, disso
ao final não se escusando nem mesmo os nobres. O controle
do poder dos juízes era exercido não somente pela
possibilidade de se recorrer da decisão, cujo êxito estava
condicionado a fatores de ordem material, mas ainda por
meio da disciplina legal rigorosa de avaliação e crítica do
material probatório.
Assim é que o sistema introduziu um mecanismo de
valoração legal da prova, que estabelecia, em abstrato, as
exigências ou condições para o juiz decidir sobre a
persecução. Acentuou Maier o seguinte:78
106 Roxin, Claus. El Ministerio Público En El Proceso Penal, Buenos Aires: Ad-
Hoc, 1993, p. 39.
107 Fredas, Pietro, na introdução à 3ª edição de De las Pruebas Penales, de
Eugenio Florian, p. 10.
108 Vale acentuar que, transplantado da Inglaterra para o continente europeu
pela Revolução Francesa, exceto para Holanda e Dinamarca, o júri não se
adaptou aos costumes dos povos continentais, sendo abolido ou tendo sua
Cumpre explicitar que a instituição do júri, no
continente europeu, obedeceu à lógica da identidade entre o
direito e a lei, pela qual a verdade política por esta
expressada, de forma genérica e abstrata, haveria de ser
meramente proclamada
permitia interpretar a pelo juiz profissional
lei com a quemno
maior liberdade, nãoseu
se
processo de aplicação.
Tratava-se, portanto, de mais uma reação ao Antigo
Regime, desenvolvendo os jurados — juízes leigos — o papel
de guardiões dessa presumida verdade política da lei, em um
clima de abstrata homogeneidade de uma sociedade,
marcada, naturalmente, por uma nova categoria de conflitos
que, ao longo dos séculos XIX e XX, poriam a nu o dogma da
universalidade dos interesses burgueses.
Conforme Alcala-Zamora e Ricardo Levene, na própria
França, e antes na Áustria e na Espanha (respectivamente,
1897, 1873 e 1882), acentuou-se a tendência acusatória do
processo penal, sem prejuízo da manutenção das
características basicamente inquisitórias da sua primeira
etapa (o segredo, a escrituração e a iniciativa judicial),
combinando, de acordo com os renomados autores, as
vantagens de ambos os sistemas de que derivou,109 de sorte
que passa a ser conhecido, também, como sistema acusatório
formal.110
114 Desde 4 de dezembro de 1978, por força da Lei nº 53/1978, que modificou
o artigo 302 da LEC, os sujeitos pessoalmente envolvidos com as
investigações sumariais podem tomar conhecimento das diligências e
intervir em todas elas, sendo, portanto, consoante interpretação do
tribunal constitucional espanhol, uma exceção para as partes (Lorca
Navarrete, Antonio María. El Proceso Penal de La Ley de Enjuiciamiento
Criminal, p. 87).
dezembro de 1988.115
Como sintoma da incongruência da estrutura acusatória
formal ou mista em vigor, ressalta Navarrete a possibilidade
de funcionarem, lado a lado, o juiz inquisidor, o Ministério
Público e o ofendido,
salvaguarda de um alcançando-se, pelas dificuldades
processo garantista, algo como dea
quadratura do círculo.
A Alemanha, por sua vez, recepcionou novamente a
experiência jurídica estrangeira, por conta da expansão
napoleônica, introduzindo entre os povos germânicos a
declaração de direitos fundamentais do povo alemão, em
1848, pela qual se optava, decisivamente, pela publicidade e
oralidade do processo penal, pela inclusão do elemento
popular na tarefa de julgar, condicionando-se a atuação da
jurisdição a uma provocação de parte, com a conseqüente
descentralização das funções principais do processo: acusar,
defender e julgar.116
Em realidade, muito embora haja, entre os estudiosos
do processo penal alemão, quem lhe recuse a qualificação de
deduzido conforme o sistema acusatório, justamente porque
não seria um processo de partes, substancialmente
falando,117 o certo é que o princípio acusatório, caracterizado
pela divisão de funções — acusar, defender e julgar — está
efetivamente preservado.118
A persecução penal, de um modo geral, começa com o
procedimento preparatório, previsto no § 160 e seguintes do
StPO, dirigido pelo Ministério Público, sendo essencialmente
126 Silva, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, vol. I, Lisboa: Verbo,
1996, pp. 54-83.
127 PEREIRA, Rui. A crise do Processo Penal in: Revista do Ministério Público ,
97, ano 25, jan-mar 2004, Lisboa, p. 21-22.
temperado pelo princípio da investigação.128
Mais tarde, a Lei 59/98 foi editada visando superar
aspectos de estrangulamento que subsistiam, sendo, porém,
alvo de críticas. A principal reserva foi oposta ao chamado
―processo
etapa do de ausentes‖, que
indispensável supostamente
caráter esvaziou
contraditório esta
que deve
sublinhar o processo penal. 129
Finalmente, entre 1999 (com a lei de proteção de
testemunhas) e 2004 (com a lei de prevenção e repressão do
branqueamento) Portugal oscila, inclinando-se ora em
direção à cultura inquisitorial do passado, ora na linha da
estrutura acusatória que a Constituição da República
consagra.
Ainda na família do direito de srcem européia
continental, é valioso mencionar a situação argentina,
naquilo que nos é dado conhecer, desde logo esclarecendo,
por oportuno, que as Províncias, equivalentes aos nossos
Estados da Federação, dispõem de legislação própria,
distinta daquela aplicada em se tratando de delito da
competência federal, definido por exceção.
Inspirado, a partir da libertação da Espanha, em 1810,
por um movimento de identificação com o sistema francês,
de onde vinham as idéias que predominaram entre os
revolucionários, o processo penal argentino vive cruciante
contradição, na medida em que, atualmente, o Código
Procesal Penal de la Nación vigora, instituído pela Lei n o
23.984, em vigor desde setembro de 1992, cujas bases ainda
são aquelas próprias do sistema de tipo misto, conforme o
antigo modelo italiano, com forte presença do juiz de
instrução, sem embargo de haver reforçado o papel do
Ministério Público. Releva notar que durante a realização do
Seminário Interamericano sobre Reformas Processuais
Penais na América Latina, realizado em Buenos Aires entre
145
Cordero, Franco. Op. cit., p. 88.
objetivo de realizar o direito penal material, enquanto no
processo acusatório é a defesa dos direitos fundamentais do
acusado contra a possibilidade de arbítrio do poder de punir
que define o horizonte do mencionado processo.
Assim, como
a interferência dosassujeitos
―regrasque
do jogo‖ não se do
participam concretizam
processo, sem
não
há dúvida de que são os atos que estes sujeitos praticam que
hão de diferenciar os vários modelos processuais.
É preciso ter em mente que a análise puramente
objetiva, que visualiza os atos sem entender quem são os
sujeitos que os praticam, descarna o processo. Gestão da
prova e acusação são atividades que não dizem nada se não
olharmos quem – que sujeitos (históricos) – realiza estes
atos. Até porque com a identificação dos sujeitos será
possível compreender os porquês das coisas.
Quando focalizamos estes atos – que expressam a
obediência dos sujeitos às regras do jogo -, temos de
classificá-los, identificando o que há de comum, por
exemplo, entre os diversos atos que o juiz pratica ao longo do
processo. O ponto de convergência destes atos é aqui
denominado ―tarefa‖, porque defendemos que os atos
processuais atendem a funções, não são desinteressados,
ainda que muitas vezes estas funções não sejam percebidas
com clareza ou imediatamente.
Como nas linhas antecedentes ficou registrado, a função
predominante do processo inquisitório consiste na realização
do direito penal material. O poder de punir do Estado (ou de
quem exerça o poder concretamente) é o dado central, o
objetivo primordial.
No sistema inquisitório, portanto, os atos atribuídos ao
juiz devem ser compatíveis com o citado objetivo. Em
linguagem contemporânea equivale a dizer que o juiz cumpre
função de segurança pública no exercício do magistério
penal.
Essa linha de raciocínio permite abarcar todos os atos
judiciais inquisitórios em um só plano. Exercer a ação penal
no lugar de terceiro, quer srcinalmente como previa o artigo
531 do Código de Processo Penal brasileiro, quer de modo
superveniente, interferindo na delimitação do objeto do
processo (como ocorre com a mutatio libelli), significa
prestigiar a idéia de que a punição não pode depender de um
autor de ação penal independente e livre para apreciar se
deve Da
ou não
mesmaacusar e o queatribuir
maneira, deve (ouaonão)
juiz oincluir
poderna
deacusação.
produzir
provas de ofício deforma o ―duelo intelectual‖ a que se refere
Cordero. Supor que a atividade probatória está desvinculada
do exercício dos ―direitos processuais― (James Goldschmidt)
e imaginar, por outro lado, que juiz exerce ―direitos‖ no
processo importa controlar o material da decisão para
reduzir as brechas da impunidade.
É também o que acontece com o denominado recurso de
ofício. O juiz que ―recorre‖ da própria sentença para
submetê-la obrigatoriamente a exame por tribunal de
segundo grau, em hipóteses em que a decisão srcinária é
favorável ao réu, suspeito ou investigado, concorre para a
política de segurança pública de que se torna protagonista.
O elemento comum entre o exercício da ação penal pelo
juiz, a produção de provas de ofício e o recurso igualmente
de ofício está na consecução de tarefas que a moderna
doutrina do processo assevera que compõem o chamado
direito de ação (e o co-respectivo direito de defesa). 146 Como
todas estas tarefas apontam para a prevalência do interesse
em punir sobre o de tutelar os direitos fundamentais do réu,
elas podem ser reunidas sob a rubrica de tarefas de acusação.
A acusação consiste na imputação a alguém da prática de um
crime com ―pedido‖ de condenação.
A construção teórica do princípio acusatório há de
consumar-se mediante oposição ao princípio inquisitivo. São
antagônicas as funções que os sujeitos exercem nos dois
modelos de processo. É desse antagonismo, portanto, que as
146
Historicamente, o discurso inquisitório atribui o acúmulo de funções em
mãos do juiz ao generoso propósito de evitar a punição de inocentes. Não é
preciso recorrer às inquisições eclesiásticas para compreender a falsidade do
argumento. Basta ver que é este modelo, fundado na busca da verdade real, que
mesmo nos subterrâneos da persecução penal contemporânea facilita a
aceitação da tortura.
diferenças devem ser extraídas.
Assim, se na estrutura inquisitória o juiz ―acusa‖, na
acusatória a existência de parte autônoma, encarregada da
tarefa de acusar, funciona para deslocar o juiz para o centro
do
queprocesso, cuidando
deve marcar de preservar a nota de imparcialidade
a sua atuação.
Nisso consiste a base teórica em cima da qual
procederemos à análise do princípio acusatório.
Ao aludirmos ao princípio acusatório falamos, pois, de
um processo de partes, visto, quer do ponto de vista estático,
por intermédio da análise das funções significativamente
designadas aos três principais sujeitos, quer do ponto de
vista dinâmico, ou seja, pela observação do modo como se
relacionam juridicamente autor, réu, e seu defensor, e juiz,
no exercício das mencionadas funções.
155
Pelo artigo 109 do citado decreto, o juiz da falência era competente para
receber ou rejeitar a denúncia. Somente depois de proferir essa decisão é que
deveria transferir o processo para o juiz criminal (§2º).
156
Objeções acerca do conhecimento técnico de que deve estar dotado o juiz
criminal, nestes casos, devem ser superadas pela idéia de que nos dias atuais os
magistrados deverão estar continuamente se aprimorando e se preparando para
as sofisticadas causas criminais com que se deparam. Isso, é evidente, sem
prejuízo da prova técnica que caracteriza a maioria destes processos.
necessário garantir que, independentemente da integridade
pessoal e intelectual do magistrado, sua apreciação não
esteja em concreto comprometida em virtude de algum juízo
apriorístico.
Trata-se
máxima aqui,não
pela qual talvez, de àuma
basta compreensão
mulher invertida
de César ser da
honesta.
No caso, ao juiz não é suficiente parecer honesto; terá de sê-
lo verdadeiramente, inclusive do ponto de vista intelectual.
Exemplo claro de causa de impedimento, derivada desta
ordem de coisas, reside na impossibilidade de o juiz que
tenha requisitado a instauração de inquérito policial vir a
processar e julgar acusado em processo penal iniciado em
razão desta investigação.
Observe-se que nesta hipótese o juiz poderá se sentir
habilitado a apreciar com isenção as teses que a Defesa
venha a apresentar. Todavia, o réu não poderá confiar em
um juiz que, independentemente de qualquer causa penal, já
se manifestou a princípio pela existência de uma infração
penal, ainda que ao nível de um juízo sumário, provisório e
superficial.
De fato, nestas circunstâncias, poderá haver inversão do
ônus da prova, com o réu se sentindo impelido a demonstrar
que o juiz inicialmente não tinha razão. A confiabilidade das
partes na isenção do juiz emerge como condição de validade
jurídica dos atos jurisdicionais. Ausente tal requisito
estaremos diante de atos absolutamente nulos.157
Também por esse motivo o antigo inquérito judicial da
falência, citado neste tópico, violava o princípio acusatório e
era inconstitucional.
II. DA ACUSAÇÃO
Por igual, não se deve controverter a respeito do
168
Badaró, ob. cit., p. 97-98.
169 Asencio Mellado, José Maria. Principio Acusatorio y derecho de defensa en
el proceso penal, Madrid: Trivium, 1991, p. 22. É a posição de Paulo
Rangel, em Direito Processual Penal, 8ª edição, Rio de Janeiro, Lumen
Juris, p. 63-65.
pública do conflito de interesses penal, que se transforma em
caso penal, sendo a sanção penal170 pública e portanto
resultante de uma atribuição estatal, a vedação cada vez
menos rigorosa à disponibilidade do conteúdo do processo
penal está guiada pela assunção do interesse público
subjacente.
Diferente seria se inseríssemos a ação penal
condenatória em um contexto meramente formal, em virtude
do qual pudéssemos confundi-la exclusivamente com o
poder de iniciativa, quando então todos os demais atos, dos
quais os de instrução são talvez o principal exemplo,
ficassem à mercê dos poderes de investigação do juiz. Não
haveria aí disponibilidade do conteúdo do processo não
porque a natureza jurídica do direito material levado à pugna
a interditasse, mas por força de ser o juiz e não o dominus
litis, isto é, o Ministério Público, a personificação do Estado
como titular do direito material em questão.
E a rigor quem não é o titular do direito dele não pode
abdicar. Também seria diferente se admitíssemos a retirada
da própria acusação e, apesar disso, a emissão de sentença
de mérito pelo juiz. Neste outro caso, teríamos de concordar
com Mellado e assinalar que a decisão judicial importaria em
verdadeiro exercício de acusação de ofício, pelo tribunal.171
Mas como o critério de disponibilidade deve ser ditado
pelo direito positivo, levando em conta a natureza do direito
de punir (aspecto material e não processual), vinculando
obrigatoriamente o Ministério Público naqueles casos
reputados de prevalecente interesse público pelo legislador,
o princípio dispositivo em si, relacionado com a disposição
sobre o objeto do processo, não integra ou se opõe ao
princípio acusatório, sendo importante, porém acidental. A
prevalência do interesse público tem a ver com a inibição da
iniciativa particular a remarcar o caráter não vingativo mas
de composição do processo penal.
170
A sanção penal é tomada como conseqüência jurídica da infração penal
perseguida pela atividade processual do autor da ação penal.
171 Asencio Mellado, José Maria. Ob. cit., p. 23.
Isso não significa dizer que o juiz está autorizado a
condenar naqueles processos em que o Ministério Público
haja requerido a absolvição do réu, como pretende o artigo
385 do Código de Processo Penal brasileiro172.
Pelo contrário.
a validade Como
da sentença que oo juiz
contraditório é imperativo
venha a proferir, para
ou, dito de
outra maneira, como o juiz não pode fundamentar sua
decisão condenatória em provas ou argumentos que não
tenham sido objeto de contraditório, é nula a sentença
condenatória proferida quando a acusação opina pela
absolvição.173
O fundamento da nulidade é a violação do contraditório
(artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República).
Como destaca Badaró, ―a regra da correlação entre
acusação e sentença é uma decorrência do princípio do
contraditório‖.174 Avançando sobre o tema, o culto professor
paulista sublinha que, na atualidade, não é correto limitar a
idéia – e o alcance – do contraditório apenas ao debate sobre
questões de fato.175 Também as questões de direito estão
afetas ao contraditório, pois que podem estar marcadas pela
controvérsia a ser esclarecida mediante escolha entre duas
ou mais teses pertinentes ao mesmo tema.176
172
O texto no corpo do livro, seguinte à nota, foi incluído na terceira
edição para sanar qualquer dúvida acerca da posição do autor sobre
o tema.
173
Não é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal. No acórdão
proferido
em em HC
28/05/04, 82.844/RJ,
fixou-se que é 2ª Turma, Relator
significativo o fatoMin.
de oNelson Jobim,
Ministério publicado
Público ter
sugerido a absolvição do réu, sugestão acatada pelo juiz de primeiro grau, para
determinar a absolvção. No caso o Assistente do Ministério Público recorreu da
sentença absolutória e obteve a condenação em segundo grau. Esta condenação
foi atacada por Habeas Corpus.
174
BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Correlação entre acusação e
sentença, São Paulo, RT, 2000, p. 27.
175
Idem, p. 32.
176
Exemplo disso é a questão sobre a insignificância de determinada ação não
negada pelo réu. O único debate no processo pode ser acerca da qualificação de
comportanto insignificante – e atípico – ou não. Negar o contraditório sobre
este ponto é esvaziar o princípio constitucional e retornar ao tempo do
Assim, quando em alegações finais o Ministério Público
opina pela absolvição do acusado o que ocorre em concreto,
no processo, é que o acusador subtrai do debate
contraditório a matéria referente à análise das provas que
foram produzidas
consideradas na etapaaoanterior
desfavoráveis réu. Comoe que possam
a defesa ser
poderá
reagir a argumentos que não lhe foram apresentados? Esta é,
em resumo, a posição de Santiago Martínez, ao avaliar a
posição dos tribunais argentinos sobre o assunto.177
É interessante notar certa peculiariade do processo
penal brasileiro: a figura do Assistente de Acusação. Com
previsão no artigo 268 do Código de Processo Penal, o
Assistente poderá habilitar-se ao processo e participar dos
atos processuais. Em alegações finais o Assistente se
pronunciará antes da Defesa.
Nestes termos, se o Assistente do Ministério Público,
devidamente habilitado, se pronunciar em alegações finais
pela condenação, opondo argumentos que poderão ser
respondidos pela Defesa, a exigência do contraditório terá
sido atendida.
No caso do direito brasileiro o ofendido fiscaliza a
obrigatoriedade do exercício da ação penal pública (artigo
5º, inciso LIX, da Constituição da República). Essa
fiscalização é realizada, via de regra, por meio da ação penal
privada subsidiária da pública (artigo 29 do Código de
Processo Penal). Todavia, se a ação pública foi
oportunamente proposta, fica para o ofendido apenas a
possibilidade de acompanhar o processo, habilitando-se
como assistente178. Caso não o faça, creio que estará
O princípio
prejudicado acusatório
de forma séria, nopode
planoigualmente
da Defesa, aparecer
quando
estivermos diante das modalidades de procedimento cujo
objeto se caracteriza por ser infrações penais consideradas
graves.
Com efeito, a limitação da publicidade interna do
procedimento afeta primordialmente o contraditório e deste
modo atinge as posições defensivas, impedindo o imputado-
acusado e seu Defensor de terem acesso a informações
importantes, de poderem contrariá-las e, destarte, de
contribuírem para a formação da convicção do juiz. As
estratégias de combate à criminalidade organizada, por meio
da infiltração de agentes policiais, do estímulo à cooperação
de arrependidos e, principalmente, por conta das restrições
que impõem à publicidade interna do processo, negando ao
imputado participação nos procedimentos preliminares,
mesmo quando se trata de medidas de natureza cautelar,
correspondem a métodos pré-modernos de atuação da
justiça penal cujo propósito é tornar efetivo o direito penal a
qualquer preço.186
Note-se que há significativa diferença entre a necessária
185
A violação da presunção neste caso ocorre quando o juiz ou o Ministério
Público advertem o autor do fato (artigo 76 da Lei n. 9.099/95) para os riscos de
recusar a proposta de aplicação direta de pena e partir para o processo
tradicional. Essa ―advertência‖ embute consideração prévia da ―culpa‖ do
investigado, pessoa que segundo a Constituição da República deve ser tratada
como inocente (artigo 5º, inciso LVII).
186 De algum modo, todas estas formas eram conhecidas ao tempo em que
predominava, na Europa Ocidental, o processo inquisitorial de influência
eclesiástica. O e. Supremo Tribunal Federal tem enfrentado com freqüência a
questão e decidido pela inoponibilidade do sigilo do inquérito policial ao
advogado do indiciado. HC 82354 / PR – PARANÁ HC - Relator: Ministro
Sepúlveda Pertence. 1ª Turma. Julgamento em 10 de agosto de 2004.
Publicação: DJ DATA-24-09-2004 PP-00042 EMENT VOL-02165-01 PP-
00029.
busca de suporte probatório, pelo acusador, para
posteriormente deduzir sua acusação, e as atuações durante
a fase preliminar, voltadas à limitação ao exercício de
direitos fundamentais do imputado.
sigilo,Há atos dealgum
durante investigação quepena
tempo, sob precisam permanecer
de fracassarem sob
os fins
da própria investigação. Entre eles não se inclui, certamente,
a produção antecipada de provas, que somente estará
justificada diante do risco de perda da prova em virtude da
natural demora do processo, e as ações que visam restringir
o exercício de direitos fundamentais do imputado — tais
como a prisão processual e a interceptação das comunicações
telefônicas —, que só poderão ter validade jurídica se
submetidas ao contraditório pelos menos diferido, isto é,
realizado em um momento posterior ao da adoção da
providência187.
Com isso, a compatibilidade com o princípio acusatório
dependerá de a Defesa concretamente estar em condições de
participar em contraditório do processo com as
características acima mencionadas.
Os atos de natureza cautelar que são levados a cabo sem
audiência prévia da parte contrária - inaudita altera pars -,
dependerão do contraditório a posteriori para estarem
revestidos de validade jurídica.
De todo modo, quando as condições de participação da
Defesa são canceladas, os atos eventualmente realizados
podem estar entre dois extremos: são simplesmente
informativos, e o juiz não poderá considerá-los no processo.
Quando muito os levará em conta para ajuizar a presença de
justa causa para a ação penal; ou não valerão de modo
algum. Nesta categoria será possível inscrevermos a
187
O procedimento das interceptações é autuado em apartado, nos termos da
Lei n. 9.296/96. Permanece em sigilo durante o período de captação das
conversas telefônicas (prazo de quinze dias, prorrogável por mais quinze) e
depois deve ser objeto de controle dos interessados. Ver do autor o livro Limites
às Interceptações Telefônicas e a Jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005.
denominada delação premiada188, isoladamente insuscetível
de ser alcançada pelo contraditório, pois contrapõe com
exclusividade versões apresentadas por interessados, sendo
meramente uma questão de fé o convencimento dela
derivado.
Também neste âmbito se enquadra a infiltração,
medida que consiste, do ponto de vista filosófico, no fato de o
Estado permitir aos seus agentes que participem pelo menos
do crime de formação de quadrilha a pretexto de controlar e
combater a criminalidade. A par da grave concessão de
ordem ética, haverá sempre a possibilidade de se atribuir a
priori valor superior às informações adquiridas desta
maneira em oposição aos demais elementos de convicção
introduzidos no processo pelas partes, reconduzindo o
sistema das provas tarifadas ao ambiente processual,
dissimuladamente189
Por fim, ressalte-se que a atuação do imputado e de seu
Defensor deverá se projetar no processo de execução penal,
porque nele o comando contido na sentença poderá tornar-
se realidade.
Da participação efetiva da Defesa na execução penal
dependerá a natureza processual, ou apenas administrativa,
desta modalidade de procedimento.
188
Há vários dispositivos legais que cuidam da delação premiada. O mais
abrangente está definido no artigo 14 da Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999,
pelo qual é possível reduzir a pena em até dois terços, desde que o acusado haja
colaborado voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal,
visando a identificação de co-autores e partícipes, a localização da vítima com
vida e a recuperação total ou parcial do produto do crime. O artigo 13 da citada
Lei chega a prever o perdão judicial para o agente colaborador, desde que a
personalidade do beneficiado, a natureza, circunstâncias, gravidade e
repercussão social do fato criminoso indiquem a conveniência da medida.
189
O texto Da Lei de Controle do Crime Organizado: Crítica às Técnicas de
Infiltração e Escuta Ambiental, publicado srcinalmente no Livro Escritos de
Direito e Processo Penal em Homenagem ao prof. Paulo Cláudio Tovo (Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2002), sob coordenação de Alexandre Wunderlich, está
ao fim, como Anexo I. Trata da matéria e o autor acredita que será útil
complemento ao que está sendo examinado neste trabalo.
3.2.2.2. Da Perspectiva Dinâmica do Processo: Da Atuação
dos Sujeitos Processuais
Na linha do
considerados que se refere são
estaticamente, ao autor,
essasaoa acusado e ao juiz,
nosso juízo as
principais observações. Como foi sublinhado antes, é hora de
passarmos ao exame da dinâmica processual e ver como
reagem os diversos sujeitos à ação dos demais. Equivale à
tentativa de captar a atuação dos sujeitos como em um filme.
É válido, no entanto, acrescentar, pelo que há de
comum a acusado e acusador, que a modalidade de
configuração dos respectivos estatutos jurídicos, erguida em
bases de liberdade com responsabilidade, caracteriza a
moderna concepção das partes como sujeitos do processo
penal.
Começaremos pelo estatuto da Defesa em movimento,
porque este é, em nossa opinião, o que mais diretamente
sofre com as ―novas‖ interpretações que de um lado
resgatam a inquisitorialidade e do outro vestem com figurino
acusatório o que necessariamente não é. Como parece que o
fenômeno decorre da prevalência da ideologia de lei e ordem,
para restringir os direitos da Defesa no processo, como
afirmamos na última parte do item 3.2.2 III, é oportuno
examiná-lo em primeiro lugar.
I. -O Estatuto da Defesa em Movimento: O Conflito entre os
Interesses do Defensor e do Acusado e o Limite às
Soluções de Consenso
Com efeito, sobre o acusado deve-se sublinhar, com
reservas, que não corresponde ao anseio de justiça qualquer
proposta fundada na idéia de que não possa dispor da
capacidade de autodeterminação, que não é um direito, mas
uma característica inerente à sua condição de ser humano.
Pode, pois, em uma lógica não-paternalista, mas
responsável desde que consciente da situação gerada pelo
processo e dos cenários hipotéticos que a eleição de algumas
alternativas de comportamentos poderá implicar, escolher
mesmo soluções que resultem na disposição sobre o
conteúdo do processo acusatório.
É claro que em um Estado Democrático, que aspira a
consecução da máxima justiça social, tais eleições inspiram-
se no propósito
penais, de resolução
razão pela justa
qual a lógica dados conflitos de interesses
produtividade, verificada
em ordenamentos jurídicos coincidentemente acusatórios,
não é válida. Não se trata de viabilizar acordos penais para
aumentar o número de pessoas condenadas.
Ponderando-se, porém, os bens e interesses em jogo
com a disciplina da autodeterminação de um ser, que
compreende em seu particular estatuto essa característica
como essencial, é válido considerar a importância e o relevo
que tem a vontade do acusado para o desfecho de um
processo penal de natureza acusatória. O limite das
possibilidades da autodeterminação no campo jurídico-penal
se põe principalmente quando outra característica inerente à
condição de ser humano puder ser suprimida, tal como, por
exemplo, a liberdade pessoal.
Entre as edições anteriores do Sistema Acusatório e a
atual (3ª) há o hiato no qual foi pesquisado e produzido o
livro Elementos para uma Análise Crítica da Transação
Penal, fruto de tese de doutorado.
As conclusões da pesquisa, para a qual remeto o leitor,
recomendam cuidado na interpretação e reconhecimento do
espaço de decisão de que o acusado pode dispor acerca de
uma série de direitos e garantias processuais que lhe são
assegurados pela Constituição da República e pelos tratados
internacionais de direitos humanos.
Assim, o afastamento do paternalismo no tratamento
dispensado ao acusado não pode levar a supor que as
condições concretas de funcionamento do Sistema Penal
proporcionem igualdades de toda natureza, a ponto de ser
sempre considerada válida a decisão pessoal de não se
defender!
As desigualdades materiais não desaparecem por
decreto, como a história não chega ao fim simplesmente
porque um cientista social decreta o ―fim da história‖!
E a criminologia crítica irá demonstrar que as
desigualdades sociais no mínimo são responsáveis pela
definição da criminalidade de determinados setores da
sociedade. O emprego do poder de selecionar condutas
delituosas
realidade osestá na base do princípio
Parlamentos da reserva
contemporâneos legal,
ainda mas naa
o põem
funcionar para conter grandes massas sociais .190
Desse modo, não é razoável admitir igualdades
materiais onde elas não existem e hipoteticamente transferi-
las para o processo penal, que muito pouca contribuição
pode oferecer para superar essas desigualdades.
O chamado processo penal consensual se esforça para
realizar essa tarefa inatingível. Baseado no princípio da
autodeterminação do acusado, que não se coloca em cheque,
sustenta a possibilidade de o réu decidir não se defender e
aceitar, diretamente, uma pena ou medida criminal (é o que
ocorre com a transação penal e a suspensão condicional do
processo, ambas previstas nos artigos 76 e 89 da Lei dos
Juizados Especiais Criminais).
O problema está em que o réu tem chances reduzidas de
não ser punido, desde o processo de criminalização primária,
que seleciona condutas em que na maioria das vezes ele está
previamente enquadrado por pertencer a certo grupo social,
até a hora em que a pressão do tempo191 e o ambiente, ambos
desfavoráveis, termina pesando para que aceite as soluções
penais aparentemente mais generosas, sob pena de ter que
encarar o rigoroso processo tradicional! Em suma, o acusado
é ameaçado com a presunção de culpa!
As chamadas soluções consensuais não estão no círculo
temático do Sistema Acusatório (como foi sublinhado antes),
pois visam resolver conflitos extra-processuais e, portanto,
190
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados
Unidos, Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos, 2001.
191
A abordagem de Aury Lopes Jr. sobre o papel do tempo no processo, levada
a termo no livro Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da
Instrumentalidade Garantista), (Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004), é
sugestiva.
não objtivam apurar fatos para com base nisso arbitrar
responsabilidades.
Há de se pensar uma dogmática apropriada para elas,
tarefa-desafio segundo Alberto Binder192.
As decisões
processo pessoais (confessar
penal acusatório do acusadoousão não,relevantes
recorrer no
ou
não, falar por si mesmo em audiência, não apenas no ato
formal de interrogatório, indicar provas), mas não devem ser
confundidas com aquelas outras, do processo consensual,
que podem ser oportunas e talvez funcionem como estratégia
de abrandamento do rigor punitivo, todavia sistematizadas e
difundidas levam paulatinamente ao retorno do modelo
inquisitorial que mira a pessoa, o corpo do acusado, como
alvo da ação estatal.
Em que pesem as oposições existentes,193 o estatuto do
defensor no processo penal, por sua vez, coaduna-se com
propósitos de resolução justa do caso penal, observada a
adequada tutela jurídica dos direitos e interesses do acusado.
Assim, é lícito acentuar que o advogado ou defensor
exerce um munus público (contribuindo em grande parte
para a resolução da causa conforme o direito) equilibrado
por tudo quanto, no exercício da sua atividade, imponha a
atuação ou omissão, ambas necessárias à preservação ou
conquista de posições jurídicas de vantagem para o acusado,
conforme o direito.
Essa é a razão pela qual se concebe, em um processo
acusatório, a positivação de poderes do advogado do acusado
para se opor à vontade deste último, sempre que divise, nas
conseqüências da manifestação dela, a operação de grave
prejuízo jurídico. Daí porque se constata uma dualidade de
estatutos — defensor/acusado —, apta a ensejar a
juridicidade do recurso da defesa contra a vontade do réu.
192
BINDER, Alberto. O descumprimento das formas processuais: elementos
para uma crítica da teoria unitária das nulidades no Processo Penal, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 44, citado anteriormente.
193 Referidas e analisadas por José Narciso da Cunha Rodrigues (―Sobre o
Princípio da Igualdade de Armas‖, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal ,
ano 1, nº 1, Lisboa: Aequitas, jan-mar/1991, pp. 77-103).
II. -O ESTATUTO DA ACUSAÇÃO EM MOVIMENTO: A
OPORTUNIDADE REGULADA NA AÇÃO PÚBLICA E A VEDAÇÃO
ORDINÁRIA À INVESTIGAÇÃO DIRETA
Sobre o estatuto do acusador, em decorrência do
princípio de liberdade responsável, também são devidas
algumas considerações.
A. A Oportunidade Regulada na Ação Pública
A primeira delas reside na seguinte premissa, segundo
nosso pensamento, fundamental: a oficialidade do exercício
da ação penal e, conseqüentemente, da tarefa de dedução da
acusação, não modifica substancialmente o estatuto do
acusador, a ponto de criar uma absoluta incompatibilidade
entre decisões de conveniência ou oportunidade e de estrita
obrigatoriedade.
Com efeito, não há exercício de função pública salvo por
seres humanos e a liberdade de autodeterminação é, como
assinalamos em lance anterior, da natureza humana.
É evidente que, no exercício da função pública,
submete-se o agente ao império da legalidade, que, no
campo penal, em consideração à máxima da isonomia,
obedece a princípios de moralidade e impessoalidade. Apesar
disso, sempre há um espaço no qual é possível eleger
alternativas e se os critérios de escolha variam conforme seja
o acusador particular ou oficial, para o último hão de levar
em conta a moralidade, impessoalidade e, via de
conseqüência, a objetiva isonomia, que não o impedirão de
contribuir decisivamente para a implementação da política
criminal mais justa.
Neste caso, a perspectiva histórica há de por acento no
fato de o Ministério Público ter nascido, com a sua
conformação próxima à atual, como fruto do processo de
revisão crítica do exercício do poder, provocada pela
Revolução Francesa,194 objetivando desempenhar decisivo
papel na persecução penal, mas inserido em um projeto
orgânico de vigência real do conjunto de garantias
indispensáveis à dignidade da pessoa humana.
Em um modelo
no protagonismo dasacusatório,
partes, há que historicamente
de se se funda
conceder espaço para
uma atuação mais flexível do Ministério Público, porquanto
a noção da persecução penal em todas as circunstâncias,
referida a todas as infrações penais (ainda que consideremos
somente as noticiadas), rende louvor ao fim de defesa social,
perseguido no processo inquisitório, acima e além dos
limites de humanidade necessários à harmônica convivência
social.
Um estatuto jurídico do acusador que reprima
completamente as suas potencialidades de conformação da
política criminal, a pretexto de vincular a ação do Ministério
Público à legalidade, esconde deliberadamente a
possibilidade da legalidade surgir em ambientes de
flexibilidade, de acordo com critérios de impessoalidade e
moralidade e também de acordo com propostas de redução
do caráter flagrantemente elitista da justiça penal,
redistribuindo as forças de persecução conforme uma mais
coerente e justa avaliação do que deve merecer o dispêndio
de energia do Estado.
Na perfeita compreensão de Maximiliano Rusconi,
sobre o estatuto jurídico do acusador público no âmbito do
sistema acusatório e de acordo com o princípio acusatório,
centrado na idéia do justo processo, alerta-se:195
El principio de oportunidad como elemento
para racionalizar el uso de poder de persecución
criminal, evitar una selección ‗irregular y
203
As objeções opostas ao extinto inquérito judicial, na falência (ver item I, em
3.2.2.1) são igualmente válidas quando se trata da investigação de magistrados.
Com efeito, a Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979, ainda em vigor até
a edição do Estatuto da Magistratura, em seu artigo 33, parágrafo único, prevê
que a investigação da prática de crime atribuído a magistrado deverá ser
realizada pelo Tribunal ou Órgão Especial competente. Além do óbvio
desrespeito ao princípio da igualdade de tratamento, que exigiria outro livro
para ser explicado e contestado à luz da Constituição da República de 1988, há a
questão prévia de se atribuir à autoridade encarregada do julgamento a
atribuição para apurar o fato.
204 A intervenção do juiz, nesta fase, só se explica, conforme o princípio
acusatório, quando necessária para, conforme a Constituição, preservar ou
comprimir, legitimamente, o exercício de direitos fundamentais, porquanto o
julgador não tem interesse jurídico na propositura da mencionada ação.
Comecemos, portanto, pela análise da tarefa de
avaliação das provas. A primeira e mais importante
observação deriva da necessária distinção entre as ações de
introduzir
condenatório.e avaliar as provas no processo penal
A propósito, salienta Gomes Filho que, em um modelo
processual duelístico, como o adversary, existente na
Inglaterra, por exemplo, a iniciativa da atividade probatória
incumbe preponderantemente aos próprios litigantes, daí
decorrendo o papel de mero moderador e mediador,
desempenhado pelo juiz que preside o julgamento, o qual
raramente intervém, como os jurados.205
Nessa direção, fundamenta-se uma estrutura processual
preocupada em evitar injustificadas e errôneas privações de
direitos e em garantir a participação e o diálogo dos
interessados no processo de decisão.206
Por outro lado, convém assinalar que, no modelo
inquisitório, o princípio é justamente o oposto, refletindo a
proeminência da figura do juiz e a subalternidade das
partes na tarefa de obtenção do material probatório, o
dogma da verdade real, a preocupação com a economia
processual e, sobretudo, uma concepção peculiar de livre
convencimento, visto, consoante precisamente remarca
Gomes Filho, como liberdade absoluta na própria condução
do procedimento probatório, e não na sua real e histórica
dimensão de valoração desvinculada de regras legais, mas
incidente sobre um material constituído por provas
admissíveis e regularmente incorporadas ao processo.207
Ora, se estamos convencidos, o que é certo, da
vinculação entre direito de ação (e, naturalmente, também
de defesa) e direito à prova, é razoável supor que haja mais
do que uma simples relação jurídica, pela qual o segundo
219
HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento, São Paulo, Martins Fontes,
2000.
220
NICOLÁS, Juan Antonio e FRÁPOLLI, María José.Teorías de la verdad en
el siglo XX, Madrid, Tecnos, 1997.
confirmada. Como as hipóteses do processo penal são duas:
há crime e o réu é responsável ou isso não é verdade, a prova
produzida de ofício visará confirmar uma das duas hipóteses
e colocará o juiz, antecipadamente, ligado à hipótese que
pretende comprovar.
Assim, por exemplo, se uma testemunha X afirma sem
muita convicção que viu o réu subtrair o carro da vítima e
que estava ao lado de outra testemunha Z, não arrolada, a
decisão do juiz, de ofício, de ouvir a mencionada testemunha
Z só pode ser determinada pela convicção honesta de que a
testemunha Z confirmará o fato. É evidente que se a
testemunha Z negar o fato, o juiz tenderá a levar isso em
consideração. Caso, porém, a testemunha confirme as
declarações da outra, dificilmente o réu poderá acreditar que
o juiz dará crédito a testemunhas que vier a arrolar para
desmentirem as duas primeiras. Com isso estará quebrado o
frágil equilíbrio em que se sustenta a imparcialidade do juiz
no processo penal.
No exemplo anterior o juiz não pesquisou fontes de
prova, ressalva feita por Badaró para tentar fixar algum
limite à atividade probatório de ofício do juiz.221
De todo modo, aceita a tese da inércia judicial,
prosseguimos no plano específico da avaliação do material
probatório recolhido pelas partes, para averbarmos que a
plena liberdade de avaliação cede hoje, fora do Sistema
Acusatório, perante duas distintas situações: o valor de
compromisso da confissão do acusado, como assunção de
um princípio de autonomia da vontade, nos casos de justiça
penal consensual para os quais a resposta penal implique em
uma solução mais favorável ao réu; e a admissão de um
conjunto mínimo de provas legais negativas.
221
De acordo com Gustavo Badaró (Ônus da prova..., p. 119) a busca da prova
pelo juiz não fere a imparcialidade desde que tais poderes de instrução sejam
exercitados dentro de determinados limites. Para Badaró o juiz não está
autorizado a buscar ―fontes de prova‖, atividade propriamente investigativa,
mas poderá agir diante da notícia de uma prova, ―como a informação de que
certa pessoa presenciou os fatos‖.
A.1. -Do Livre Convencimento e a Confissão do Acusado —
Soluções Consensuais
Com efeito, uma nova concepção de retribuição,
arrimada no propósito
entre acusado, de provocar
vítima e sociedade, recíprocas influências
aproximando-os, resgata
o valor da confissão para o processo penal, dessa vez,
diferentemente do passado inquisitório, voltada a uma
solução de compromisso que restaure a paz social.
A idéia é evitar o processo de marginalização induzido
pela pena de prisão, sacrificando, em uma mínima porção e
nos limites que o próprio acusado e seu defensor
entenderem razoáveis, o patrimônio jurídico do primeiro.
Para tanto, renove-se a advertência, há de se conceber o
acusado como ser dotado de autodeterminação e
responsabilidade, que não podem ser legítima e
paternalmente tuteladas, reivindicando-se, nessa postura,
uma reação do juiz limitada pelo definido espaço de
consenso e não subordinada à busca da descoberta da
verdade real a qualquer preço.222
Neste ponto, modificamos parcialmente o entendimento
esposado até esta edição (3ª). Sustentamos no passado que
não havia dúvida de que a implementação do princípio
acusatório, na hipótese, consideraria não somente o conjunto
de poderes, direitos e deveres dos sujeitos processuais,
perspectivados estaticamente, mas ainda nas suas relações
sucessivamente desenvolvidas.
Com base nisso, ao se analisar a posição do acusado e
seu defensor em um regime inspirado no princípio
acusatório, novamente em que pese à força dos argumentos
de Teresa Armenta Deu,223 teríamos de reconhecer que o
exercício concreto do direito de defesa pode ser renunciado,
sublinhe-se, excepcionalmente, desde que admissível à luz
da Constituição e conforme os interesses peculiares do
228 Sobre o tema, além dos textos adiante referidos, cumpre examinar duas
obras de inequívoco valor:Contributo alla Teoria della Sentenza Istrutoria
Penale, de Pietro Nuvolone, Padova: Cedam, 1969; e―La Correlazione fra
Accusa e Sentenza nel Processo Penale‖, de Giuseppe Bettiol, in Scritti
Giuridici, tomo I, Padova: Cedam, 1966. No direito brasileiro há também
os extraordinários trabalhos: A Sentença incongruente no processo penal,
de Diogo Malan (Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003) e Correlação entre
acusação e sentença, de Gustavo Badaró (São Paulo, RT, 2000).
229 Vadillo, Enrique Ruiz. El Principio Acusatorio y su Proyeccion en la
Doctrina Jurisprudencial del Tribunal Constitucional y Tribunal
Supremo, p. 27.
alguien es acusado de hurto y de este delito se
defiende, si se encuentra, después, com una
condena por coacciones, aunque la pena sea
inferior y hasta le pueda producir satisfacción
espiritual
tener este elúltimo
cambio
unadelmenor
título carga
de imputación, por
de reproche
social, no cabe duda de que há quedado indefenso
porque frente a esse delito de coacciones no se há
podido defender de una manera eficaz.
Como mencionamos, ao aludirmos ao estatuto jurídico
do autor, uma das suas facetas mais importantes está em
determinar o objeto do processo, em relação ao qual serão
deduzidas as provas e haverá de se circunscrever a sentença.
Trata-se de exercício da função de acusar, pois fundada
em um juízo provisório da existência de determinada
infração penal (a existência de justa causa), coloca-se ao réu
a infração que se lhe imputa, no plano duelístico peculiar à
relação processual.
É exatamente isso, ou, com outras palavras, cuida-se
aqui do fenômeno da imputação, ao qual em um processo
penal democrático há de corresponder a atividade de defesa,
por força das garantias das convenções internacionais.
Assim, quando por exemplo o Ministério Público atribui ao
réu a prática de determinado furto, imputando-lhe esse
furto, permite que o réu se defenda dessa imputação. O
acusado pode confiar na eficiência da defesa, pois sabe que é
o acusador que lhe imputa o delito e não o juiz.
Também Grau, na linha de pensamento aduzida por
Vadillo, concorda que, com independência de suas mais ou
menos amplas faculdades de modificar a qualificação
jurídica do fato, não pode o Tribunal alterar o objeto do
processo, nem, e isto é sumamente importante, condenar por
fatos de que o acusado não tenha podido defender-se.230
Caso seja admitida a alteração substancial dos fatos, por
iniciativa do tribunal, ainda quando seja dada oportunidade
233
MALAN, Diogo Rudge. A Sentença..., op. cit., p. 4.
234
Idem.
acusatório, pelo qual responsavelmente o autor avalia e
ajuíza a sua pretensão, consoante a compreensão que detém
da qualificação jurídica dos fatos provados.
Supor que o Ministério Público não saiba qualificar
juridicamente os fatos
em rota de colisão com apurados noEventuais
a realidade. inquérito erros
policial é estar
materiais
podem ser corrigidos pelo juiz, ouvido o acusador e o réu.
Pontos de vista diferentes sobre a qualificação jurídica,
porém, não podem ser impostos ao acusador, sob pena de o
juiz tomar o lugar dele.
É razoável que se possibilite ao acusador modificar, em
face das provas surgidas durante a audiência, a qualificação
jurídica do fato, quer reconhecendo outro mais grave, quer
reconhecendo outro de igual ou menor gravidade que o
srcinal. Porém, admitir que o juiz o faça afronta o princípio
acusatório, o que não é aceitável, mas se admite, quando
muito, em uma medida de preservação das garantias do
acusado, modificando-se a qualificação jurídica do fato para
outra, que corresponda à infração de igual ou menor
gravidade.
São, contudo, condições sine qua non de validade da
alteração que o fato novo esteja descrito na acusação inicial
(ou no chamado aditamento), portanto deve estar contido
nela com todas as suas circunstâncias, e à defesa deve ser
oferecida oportunidade de debater e, eventualmente, se
entender o defensor necessário, produzir provas, para que
somente então seja proferido decreto condenatório. A
desclassificação de roubo para furto, por exemplo, será
possível porque o fato furto está contido no roubo. Não será
possível, porém, reconhecer uma qualificadora do furto não
descrita de forma expressa na denúncia por roubo.
O ideal, conforme o princípio acusatório, é que apenas
ao autor seja permitido alterar a qualificação jurídica do
fato, em qualquer hipótese. Se o acusador persistir na
posição srcinal, com a qual o juiz não concorda, cabe a este
absolver o acusado, o que não impediria o processo pelo fato
realmente verificado, já que este não foi objeto de
deliberação, com força de coisa julgada.
Aqui, entretanto, mudamos nossa opinião em relação às
duas edições antecedentes do Sistema Acusatório. No início
defendíamos que não afetava a hipótese o princípio da
proibição de bis in idem235 porque o fato julgado,
independentemente
atribuam, é diferenteda qualificação
do fato real,jurídica que ao
revelado as partes
longo lhe
do
processo.
Não é bem assim, A regra é que ninguém será
processado duas vezes pelo mesmo fato. A exceção em
termos de garantia em prol do acusado só pode favorecer o
acusado. Assim, independentemente de o fato real ser
reconduzido de alguma forma ao tipo de crime expressado
na causa de pedir da ação penal deduzida no processo
concluído, numa relação qualquer de continente a conteúdo
(como no exemplo de furto e roubo, em que o furto está
contido no roubo), o segundo processo está proibido.
A oportunidade de a acusação demonstrar o fato sobre o
qual funda a sua pretensão é única. De acordo com a
Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n.
678/92) ou o acusador demostra a correção da sua pretensão
ou não poderá mais processar o réu.
Assim ocorre, segundo defendemos, como conseqüência
das implicações políticas e jurídicas do princípio do favor
rei, atuando como obstáculo aos abusos que inevitavelmente
poderiam advir da divergência de juízos entre o acusador e o
julgador.
Em conclusão, diga-se também que mesmo o simples
ajustamento da qualificação jurídica da infração penal, em
obediência ao princípio jura novit curia, ainda quando a
petição inicial acusatória descreva minuciosamente o fato,
haverá de ser promovido antes da emissão da sentença,
assim como as partes têm de ser provocadas para se
manifestarem sobre circunstâncias que agravam ou
diminuem a pena, tornando a matéria alvo do debate
contraditório, que é o núcleo fundamental da máxima
Correspondiendo,
calificación jurídica de ante
tales todo,
hechosalenTribunal la
virtud del
principio iura novit curia, sin que pese a ello esa
calificación sea aleja al debate contradictorio, el
cual recae no sólo sobre los hechos, sino también
sobre su calificación jurídica. (STC. 105/1993, de
23 de novembro de 1993)237
236
O artigo 385 do Código de Processo Penal brasileiro dispensa a audiência
prévia da defesa e da acusação nos casos em que o juiz reconhece agravantes
não alegadas pelo autor da ação penal. Isso também viola o princípio acusatório.
237 Grau, Joan Vergé. La Defensa del Imputado, p. 121. Enrique Ruiz Vadillo
também, por sua vez, traz à luz decisão do Tribunal Superior Espanhol,
proferida em 28 de setembro de 1989, cujos termos são, literalmente, os
seguintes: No se puede penar un delito más grave que el que haya sido
objeto de acusación; No se puedem castigar infracciones que no hayan
sido objeto de acusación; No se puede considerar un delito distinto del que
fue objeto de acusación, aunque las penas sean iguales o incluso cuando la
correspondiente al delito innovado sea inferior a la del delito objeto de
acusación a menos que reine entre ellos una patente y acusada
homogeneidad; No puedem apreciarse circunstancias agravantes o
subtipos penales que no hayam sido invocados por la acusación... (El
Principio Acusatorio y su Proyeccion en la Doctrina Jurisprudencial del
Tribunal Constitucional y Tribunal Supremo, pp. 33-34). Acrescenta este
último que o processo penal é um tríptico, sendo imprescindível que exista
um acusador, um acusado e um juiz, o qual não pode ocupar outra posição
que não seja a de julgar, porque, de outro modo, estará sendo, ao mesmo
tempo, acusador e juiz.
238 Isasca, Frederico. Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no
Processo Penal Português, Coimbra: Almedina, 1992, p. 54.
o juiz limitação temática, traçando-se as fronteiras da
pesquisa das provas. A ampliação da acusação, como
registramos, demanda a iniciativa do acusador e, a partir de
determinada etapa do processo, consentimento do próprio
réu
srcem emao se ver processado
chamado conforme
caso julgado a alteração,
de consenso.239 dando
O foco no poder de definição do crime imputado ao réu
e o tratamento dispensado à matéria pelo Código de Processo
Penal brasileiro de 1941, inspirado no Código Rocco,
demonstram que a manipulação das funções processuais
para atribuir ao juiz atividade de parte autora, com
independência da gestão da prova, encarna a política
criminal da inquisitorialidade.
A gestão das provas nas mãos do juiz também
caracteriza a inquisitorialidade. E é assim porque deduzir
provas e deduzir a acusação são comportamentos
processuais das partes que se movem no processo motivadas
por interesses distintos do interesse do juiz. Este é ditado
pela imparcialidade e a presunção de inocência atua como
princípio constitucional de controle dessa imparcialidade.
Modificar o teor da acusação e produzir provas de ofício são
atividades que, em suma, atentam contra a presunção de
inocência.240
249 Lage, Nilson. Controle da Opinião Pública, Petrópolis: Vozes, 1998, p. 103.
250 López Ortega, ob. cit., p. 87.
tradição burocrática do Estado moderno.251
A admissão de que a forma oral faz diferença – e não é
mero capricho da moderna doutrina do processo penal -, está
ditada pela compreensão da ideologia que orientou a
escrituração no início
Com efeito, comodobem
Séc. XX.
ressaltou Josefina Martinez, a
forma escrita foi implementada como resultado do
reconhecimento da superioridade da razão. A suprema
capacidade humana de compreender a sua existência e
perceber as leis da natureza que a regem refletia a postura
científica positivista dominante no início do século passado.
Quebrar as amarras com o divino (com suposta ordem
natural emanada de Deus) e descobrir fórmulas racionais de
regulação de todos os fenômenos passou a ser a obsessão
daqueles tempos.
O governo dos homens também haveria de ser
orientado pela racionalidade e as burocracias deveriam
exprimir esse domínio da razão em todas as etapas da gestão
pública dos conflitos.
Paradoxalmente, a realidade é que em termos de
processo penal a burocracia da Inquisição fora a primeira a
se instalar na Europa, muito antes do sucesso do positivismo
e do direito natural fundado na razão. E a funcionalidade da
burocracia do Sistema de Justiça Criminal da inquisição,
com a previsão de seus recursos de ofício e a forma escrita
dos atos processuais, revelara-se eficiente mecanismo de
controle social.252
Assim, apesar de um primeiro momento de Reformas
Processuais ter-se voltado à oralidade,253 o século XIX e o XX
251
JOSEFINA MARTÍNEZ, María.Expedientes, in: Sistemas Judiciales, Ano 4,
n. 7, Buenos Aires, Centro de Estudios de Justicia de las Americas– CEJA,
2004, p. 4.
252
MAIER, Julio. Derecho Procesal Penal. I. Fundamentos., Buenos Aires,
Editores del Puerto, 2002, p.261.
253
Vale a pena acompanhar a resenha de Franco Cordero acerca do
desaparecimento e da reencarnação da Ordenação Criminal francesa de 26 de
agosto de 1670, eliminada entre 1790 e 1800 e ressurgida dos debates
viram florescer os processos penais da matriz européia
continental (de que o nosso Código de Processo Penal de
1941 é herdeiro direto) construídos em cima de estruturas
burocráticas da inquisição.
com Como foi edito,
acusado a forma escrita
testemunhas. subtraipelo
Incensada o contato
culto àdorazão,
juiz
faz supor que este contato é desnecessário: afinal, o que a
visão direta da audiência pode ministrar que já não esteja
nos autos?! O que não está nos autos não está no mundo!
O mesmo poder de dominação que a Justiça Eclesiástica
exercia por meio da Inquisição, em um mundo de poucos
letrados e multidões de analfabetos, passou a ser exercido
pelos órgãos do Estado, que manejavam (manejam) a
linguagem técnica do Direito (e ainda mais técnica dos
autos) para impor o Poder do Estado ao ditar decisões
penais.
Novo paradoxo: ninguém poderá escusar-se de cumprir
a lei por alegar ignorância, desconhecimento da lei! Ainda
que seja analfabeto. Todavia, as fórmulas escritas dos
procedimentos penais estão acessíveis a poucos! Como
controlar o conteúdo de justiça da sentença penal se não se
compreende os termos da sentença fora do linguajar técnico-
jurídico? E, também e mais importante, como participar do
―diálogo‖ processual se a maioria das intervenções no
processo é escrita e, por isso, essas intervenções exigem
habilidade especial de que só advogados, Ministério Público
e juízes são dotados?
A oralidade converte-se em condição de participação
efetiva no processo. Sem a mediação da forma escrita o
acusado poderá se fazer ouvir, a vítima e as testemunhas
também, e as decisões não terão como se ocultar em
linguagens estranhas à vida cotidiana.
Neste ponto percebe-se que oralidade não é mera
questão de forma. A matriz acusatória depende dela para
definir os papéis concretos exercitados pelos sujeitos
254
JOSEFINA MARTÍNEZ, María.Expedientes, op. cit., p. 6.
necessidade de participação do público na gestão da coisa
pública, inclusive, evidentemente, na gestão das decisões
judiciais sobre os casos penais, como pode ser vista na
condição de dar ao público, na qualidade de espectador,
satisfação
exercem asasuas
respeito da maneira como os agentes do Estado
funções.
Neste último caso, frisa com seguro fundamento Vicente
Greco Filho, atende a publicidade à função de garantia das
outras garantias, inclusive da reta aplicação da lei ,255 por
cujo meio podem os cidadãos controlar, de forma adequada,
o cumprimento da exigência de respeito aos direitos básicos,
além da moralidade e impessoalidade da ação estatal. Sem
perigo inaceitável para o sistema, a publicidade fica limitada
somente nas situações pertinentes à preservação de outros
direitos fundamentais, por meio da coordenação do exercício
de tais direitos, de acordo com o princípio da
proporcionalidade.
Justamente em virtude das restrições designadas
expressamente na Constituição da República de 1988,
classifica-se em publicidade para as partes e em geral e, sob
outro aspecto, em imediata e mediata, definindo-se a
publicidade interna como orientada com exclusividade às
partes.256
A eleição da publicidade como elemento comum e
permanente do processo permite-nos chegar à conclusão de
que, contemporaneamente, o próprio processo pode ser
definido como procedimento público em contraditório.
Reduzida a publicidade, fora dos casos expressamente
previstos nas Constituições e nas leis (no Brasil, na
Constituição da República), os atos processuais não estarão
aptos a produzir efeitos jurídicos, sendo, por isso, inválidos.
De acordo com o magistério de López Ortega, a
publicidade para as partes, ou interna, significa que todos os
255 Greco Filho, Vicente. Tutela Constitucional das Liberdades, São Paulo:
Saraiva, 1989, p. 113.
256 Marques, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. 1, p.
75.
atos processuais das partes, do juiz e dos demais sujeitos
deverão ser conhecidos na totalidade e tempestivamente pela
parte adversa,257 razão por que defende que este modelo de
publicidade está ligado ao princípio do contraditório.
É evidente
(inquérito policialque os atos
e outros) de investigação
dependerão, criminal
na maioria das
vezes, da preservação do sigilo para que conduzam a
resultados positivos. Pode-se dizer, então, que estes atos,
embora procedimentais e sujeitos ao princípio da legalidade,
não têm valor processual, não são atos processuais, e,
independentemente de passarem pelo filtro do contraditório,
nunca estarão dotados da aptidão para produzir efeitos
jurídicos. Todavia, no curso da investigação preliminar, atos
processuais de natureza cautelar poderão ser necessários e
deverão ser praticados. Neste caso, a publicidade interna
funciona como referimos anteriormente, ao tratarmos da
Defesa, de forma diferida, muito embora não se possa
recusar à Defesa acesso às informações porventura obtidas e
aos procedimentos adotados por ordem judicial.
Em perspectiva parecida colocam-se as questões dos
procedimentos híbridos, que não são exclusivamente
investigação criminal (etapa de preparação para o exercício
da ação penal) e também não são processos penais em sua
inteireza, pois nem sempre estão munidos de eficácia
jurídica para dar ensejo a soluções de mérito definitivas,
capazes de submeter decisões à qualidade de coisa julgada
material.
No Brasil, temos o termo circunstanciado, previsto no
artigo 69 da Lei no 9.099/95, que substitui o inquérito
policial em relação às chamadas infrações penais de menor
potencial ofensivo. Trata-se, sem dúvida, de modalidade de
investigação criminal cuja instauração define a priori quem é
o investigado e quem é o suposto ofendido, de sorte a
estabelecer posições processuais que serão importantes
conforme o desenrolar do procedimento.
A rigor, como procedimento de investigação, o termo
260 Garapon, Antoine. Juez y Democracia, Espanha: Flor del Viento, 1997, pp.
90-110.
261 Bourdieu, Pierre. Sobre a Televisão, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p.
81.
262 Prado, Geraldo. ―Opinião Pública e Processo Penal‖,in Ensaios Críticos
sobre Direito Penal e Direito Processual Penal , Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1995.
tratada como cobertura isenta e lisa do meio de
comunicação, que procura acentuar sua liberdade em face
dos investigados quando porventura estes integram ou são
vistos como parte das elites políticas, econômicas ou
intelectuais, na verdade
algumas danosas está a descobrir
conseqüências: um fato
a presunção deeinocência
produzir
sofre drástica violação, pois a imagem do investigado é
difundida como da pessoa responsável pela infração penal; e
em vista disso, o desequilíbrio de posições que os sujeitos
têm de suportar durante o período de exposição do caso pela
mídia transfigura os procedimentos seculares de apuração e
punição, passando subliminarmente a idéia do caráter
obsoleto e ineficiente das garantias processuais, a que se
soma a percepção do processo penal como meio demorado
de se fazer justiça em comparação com a ―célere‖ e ―perfeita‖
investigação da mídia.
É indiscutível que em semelhante situação o devido
processo legal e a liberdade de imprensa sofrem e assim esta
última, que se apresenta como direito civil elementar em
uma sociedade democrática, pode terminar produzindo em
seu extremo aquilo que deveria evitar: um modelo
autoritário de exercício de poder, em virtude de que os
procedimentos acabam tendo valor exclusivamente formal.
Convém aprofundar um pouco mais a análise para
trazer à tona a questão dos procedimentos ilegais de
apuração dos fatos, de que os meios de comunicação se
socorrem em muitas oportunidades, e que transmitem a
imagem do crime flagrado enquanto ocorre (a antiga
verdade real, agora com nova roupagem), amplamente
documentado e provado, supostamente cabendo à Justiça
tão-só sacramentar o veredicto de condenação e punir o
culpado.263
Como consignado na primeira parte deste trabalho, a
263
Renovo aqui a sugestão da leitura do texto de Aury Lopes Jr. sobre
evidência, prova, tempo e processo penal. Introdução Crítica ao Processo Penal:
Fundamentos da Instrumentalidade Garantista, Rio de Janeiro, Lumen Juris,
2004.
organização do sistema de direitos fundamentais em sua
etapa inicial considerou a necessidade histórica de conter o
poder do Estado, opondo-lhe barreiras consistentes nas
liberdades públicas.
Erasão
Estado e de alguma maneira
conferidos aindaexercício
poderes cujo é assim implica
porque em ao
virtual interferência na esfera privada das pessoas,
ameaçando o status de dignidade de que devem ser
portadores todos os seres humanos, independentemente de
quaisquer outras considerações.
No plano do processo penal, a proibição do emprego da
tortura, a garantia da inviolabilidade física, do domicílio, das
comunicações e do patrimônio, conjugam-se como regras
destinadas a proteger a honra, a liberdade e a vida dos
indivíduos, sendo que a crônica do exercício arbitrário do
poder registra o emprego do processo penal como forma de
exclusão e controle dos grupos sociais indesejáveis,
naturalmente ao mesmo tempo em que se procurava
controlar as ações que realmente atentavam contra
interesses expressivos das comunidades.
Ter tudo em um mesmo conjunto sempre facilitou o
poder no instante de encontrar um pretexto para
excepcionar o emprego de meios processuais racionais e
éticos de apuração das infrações penais, de sorte que a defesa
social fundamentou discurso de compressão de exercício de
direitos fundamentais em condições de justificar o processo
penal dos regimes autoritários de meados do século XX, na
Europa Ocidental.
Apesar disso, o movimento de internacionalização dos
direitos fundamentais, iniciado após o fim da Segunda
Guerra Mundial, ocupou espaços e detonou irreversível
conscientização do caráter inalienável e irrenunciável destes
direitos, obrigando o Estado a perseguir o delito e punir o
delinqüente com as armas dispostas em um regime de estrita
legalidade e eticidade.
Ocorre que o desenvolvimento da comunicação de
massas, em um contexto de sociedade capitalista e tomando
a forma cada vez mais acentuada de empresas transnacionais
de comunicação (as grandes corporações, que monopolizam
estes meios), edificou novo tipo de poder, neste caso fora do
Estado.
A lógica de freios e contra-pesos não funciona em
relação a consumo
virtude do eles, quemassivo
preconizam auferir legitimidade
das informações em
que veiculam.
O emprego da censura não é aceitável, pois no lugar de
eliminar a doença mata o paciente, abrindo caminho para o
extermínio da liberdade de informação e expressão.264
Embora se saiba que, no tocante ao funcionamento
geral das corporações do ramo, a liberdade de imprensa é
ditada por interesses mercadológicos, sobrevive em
importante medida a liberdade de informação de que fazem
uso os operadores da imprensa e que tem sido fundamental
para esclarecer as pessoas (detentoras do direito a serem
informadas) a respeitos de fatos relevantes da vida pública e
social.
Com base nisto, parece que o controle das situações de
conflito entre liberdade de imprensa e devido processo legal
está em se proibir à imprensa aquilo que é igualmente
proibido ao Estado, isto é, fazer uso de informações obtidas
criminosamente.
Como a censura prévia é impossível,265 duas alternativas
podem ser consideradas: o recurso aos mecanismos de
responsabilidade tradicional, de natureza reparatória; e a
intransigente proibição de que as partes do processo lancem
mão das provas obtidas dessa maneira, a qualquer título.
Ademais, a fidelidade ao sistema acusatório implica em
estipular que a sede para a solução dos conflitos de
264
Sobre censura é indicada a leitura de Liberdade de Informação e o Direito
Difuso à Informação Verdadeira, de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de
Carvalho, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 129-135, que no mesmo trabalho
pesquisa o projeto da chamada ―Lei da Mordaça‖.
265 López Ortega refere a experiência do direito inglês, com as limitações
prévias à liberdade de informar asseguradas pelo emprego da medida
denominada contempt of court, prevista no Contempt of Court Act, de 1981.
Assinala que na Grã-Bretanha o interesse do público na liberdade de expressão
deve ceder ante o interesse do público de não impedir ou ameaçar gravemente
o curso da justiça. Ob. cit., p. 70.
interesses de natureza penal é — e sempre deverá ser — o
processo judicial. Portanto, o ponto de vista defendido em
―Opinião Pública e Processo Penal‖, em 1995, continua
válido. Nos casos de intensa exploração pela mídia, é
conveniente
suspendendo que se proceda
o curso ao desaforamento
do procedimento enquantotemporal,
durar o
estado de excitação social.
Finalmente, visando resguardar a coerência interna
entre os diversos elementos constitutivos do sistema
acusatório, quando confrontados com a publicidade pós-
moderna, convém seguir e ampliar o exemplo espanhol, pelo
qual, em virtude da ordem ministerial de 27 de novembro de
1959, completada pelo ofício circular de 22 de abril de 1985,
o Ministério Público está autorizado a emitir comunicados
escritos, destinados à imprensa, a fim de evitar informações
errôneas.266 A propósito destes comunicados, deve a lei
garantir à parte que se sentir prejudicada o direito de fazer
uso de igual expediente, assegurando-se, assim, não só a
liberdade de informação como também o exercício desta
liberdade verdadeiramente como função social.
É sempre bom lembrar que as portas fechadas aos
esclarecimentos públicos — que devem ocorrer
excepcionalmente, em casos de repercussão, quando
flagrantemente uma informação tida como errônea ganha
curso livre e é capaz de conformar a opinião pública — são
ultrapassadas por conta de práticas clandestinas,
insuscetíveis de serem controladas.
O processo penal democrático necessita da publicidade
dos seus procedimentos e assegurá-la pode impedir que se
coloque no seu lugar a publicidade espetacular dos atores
que deles tomam parte, além de facilitar o controle e coibir
os excessos.
penalNanoverdade,
Brasil, até mesmo
e por o estudo
conta disso odaestudo
históriados
do processo
sistemas
processuais penais, não é fácil, na medida em que o olhar do
pesquisador tantas vezes está condicionado às formas mais
visíveis nos dias atuais, resultantes da predominância
cultural, política e econômica de srcem européia.
Do modo de enxergar a sociedade e os mecanismos de
composição dos conflitos de natureza penal e de solução dos
casos penais é possível deduzir uma maneira de ver o
processo penal brasileiro aceita passivamente como natural.
A partir dessa forma naturalizada de enxergar o processo
penal emitem-se juízos de valor e se consideram — ou não —
válidas e científicas
com exclusão determinadas
de outras, experiências
sobre as quais não é raro ahistóricas
doutrina
sequer dedicar alguma mínima atenção.
É o que ocorre com as práticas penais mais antigas. Em
realidade, se o esquecimento ou falta de curiosidade sobre os
tempos primitivos, no Brasil, pode haver sido gerado pelo
que Eduardo Galeano designou como o fato de até que os
leões tenham seus próprios historiadores, as histórias das
caçadas continuarem glorificando apenas o caçador, é
importante, em uma perspectiva crítica, resgatar a história
oculta, pelo que pode nos ensinar de nós mesmos e das
alternativas que a ordem social, política e jurídica tem
condições de oferecer.
Neste contexto, quase sempre olvidamos que os
portugueses,
população deaocerca
chegarem nestas
de dois terras, de
milhões encontraram uma
pessoas, que
ocupavam a Costa Atlântica e tinham a partilhar, em
circunstâncias desconhecidas para os europeus,
características comuns. 1
É da tradição dos nossos estudos jurídicos, talvez para
não termos de refletir sobre as condições e as conseqüências
do genocídio perpetrado desde o ciclo das grandes
navegações, nada dedicarmos a esta quadra da nossa vida
política e social ou, quando muito, situarmos o estudo do
período indígena e dos índios de um modo geral como
atividade secundária e não influente, situada na ante-sala de
um edifício maior onde reside a escravidão negra.2
Nilo Batista acrescenta a estes aspectos duas outras
dificuldades, opostas agora aos que se animam ao estudo das
práticas penais no direito indígena: de uma delas falamos
quando abordamos o desenvolvimento das estruturas de
composição dos conflitos nas sociedades simples e consiste
na ausência de distinção entre um direito penal e um direito
civil e, conseqüentemente, entre métodos específicos de
resolução dos conflitos que eventualmente se verifiquem. A
diferença não se resume aos métodos ou procedimentos e
envolve uma concepção de organização social e econômica
homogênea e coletivista, em relação à qual as demandas por
justiça acabam sendo de tipo diverso; da outra pode-se dizer
que se trata da técnica de interpretação das práticas penais
mediante a correta aplicação daquilo que foi chamado de
raciocínio ou pensamento pré-lógico.3
Pode-se extrair para o nosso estudo, todavia, a
1 Ribeiro, Darcy. Diários Índios, São Paulo: Cia. das Letras, 1996, p. 12.
2 Monteiro, John Manuel. Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens
de São Paulo, São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 8.
3 Batista, Nilo. ―Práticas Penais no Direito Indígena‖, in Revista de Direito
Penal, vol. XXXI, Rio de Janeiro: Forense, 1982, pp. 75-86.
constatação que os nativos organizavam-se em conjuntos
tribais, com lideranças bélicas mas responsáveis pelo
provimento de decisões da vida material e social, que
estavam sempre sujeitas ao consentimento de seus
seguidores.
Ao lado dos rituais místicos e das guerras entre tribos,
decisivamente influentes na ordem social, dada a
fragmentação política existente, havia a propriedade comum
dos meios de produção, despreocupada do sentido de
circulação de bens e acumulação de riquezas que está na base
da organização produtiva capitalista.4
Com tal conformação social, não é de estranhar que as
situações de conflito segundo a nossa percepção não
merecessem dos indígenas a atenção que lhes dispensamos,
salvo quando derivadas da ação de pessoas de outros grupos
sociais, gerando aí confrontos e guerras.
Ainda assim, pelo que disso resultou, o conjunto destas
práticas pode ser interessante quando visto no contexto da
convivência com costumes europeus. Se o processo de
expansão cultural dos portugueses, difundido no Brasil em
virtude da dominação político-econômica e da subjugação
das populações nativas, determinou o desenrolar histórico
adiante analisado, não é inviável do ponto de vista da
antropologia lançar mão da idéia de sistemas de adaptação,
desenvolvida entre outros por Darcy Ribeiro, 5 para
considerarmos a experiência da chamada República dos
Guaranis (1610 — 1768).
22
Ver item 3.2.2.1 – II – Da Acusação.
23 Respectivamente, ADIN 1605-9-DF, Relator Ministro Sydney Sanches, e
ADIN 1579-6-DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
Tribunal Federal, sem notícia de deferimento de medida
liminar ou julgamento da causa até a presente data.
Vale, pois, reproduzir aqui o texto do Provimento no 07,
acima referido, pelo que tem de bem ilustrativo a respeito do
tema: Considerando que o Ministério Público é
instituição essencial à função jurisdicional do
Estado;
Considerando que a Constituição Federal de
1988 conferiu ao Ministério Público relevantes
funções na defesa da ordem jurídica e dos direitos
individuais e coletivos, redefinindo sua
competência e atribuições;
Considerando que pela atual Constituição são
funções institucionais do Ministério Público, entre
outras, promover privativamente a ação penal
pública; exercer o controle externo da atividade
policial; requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial;
Considerando as medidas adotadas pelo
Tribunal Regional Federal da 1a Região, Estados
do Rio de Janeiro e Bahia, no sentido de adequar
os procedimentos investigatórios aos atuais
mandamentos constitucionais;
Considerando que a remessa, distribuição e
exame de inquéritos policiais, e ordenação de
diligências pelo Juiz, antes da remessa ao
Ministério Público, ensejam a demora nas
investigações em detrimento da rápida apuração
da verdade real;
Considerando a decisão proferida pela 2a
Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios na Reclamação no
1.068/96;
Considerando o requerimento encaminhado
pelo Procurador-Geral de Justiça do Ministério
Público do Distrito Federal e dos Territórios, que
srcinou o P. A. n º 03.912/97;
RESOLVE:
Artigo 1o Somente serão admitidos para
distribuição às Varas Criminais da Justiça do
Distrito Federal os inquéritos policiais e outras
peças de informação,
obrigatória nosPúblico,
do Ministério casos quando
de intervenção
houver:
a) denúncia ou queixa;
b) pedido de arquivamento;
c) inquérito instaurado, a requerimento da
parte, para instruir ação penal privada e que deve
aguardar, em juízo, sua iniciativa (Código de
Processo Penal, artigo 19);
d) pedidos de prisão preventiva, busca e
apreensão, prisão temporária e outras medidas
cautelares;
e) comunicação de prisão em flagrante ou
qualquer outra forma de constrangimento aos
direitos fundamentais previstos na Constituição;
Parágrafo único. Independentemente de
distribuição, o Juiz encarregado de supervisionar
o Serviço de Distribuição encaminhará ao
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
o inquérito policial, peças de informação ou
procedimento em que não couber distribuição
(Código de Processo Penal, artigos 5o e 40).
Artigo 2o A devolução do inquérito pelo
Ministério Público à autoridade investigante, para
novas diligências, far-se-á independentemente de
sua tramitação pelo Judiciário, mesmo nos casos
anteriores à vigência deste provimento onde o
inquérito policial tenha sido distribuído a uma das
varas criminais.
Artigo 3o Este provimento entrará em vigor
30 (trinta) dias após a sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
Publique-se, registre-se e cumpra-se.
Na mesma direção estão o anteprojeto de código de
processo mencionado e o projeto de lei n o 31, de 1995, de
iniciativa do Senador Pedro Simon, sendo certo que, se o
segundo postula a tramitação direta dos autos de inquérito,
entre o membro do Ministério Público e a autoridade
policial, retirando do juiz também a possibilidade de
requisitar a instauração
mais completo da investigação,
e sistemático, acrescenta oque
primeiro, ainda
o controle da
obrigatoriedade, no (não) exercício da ação penal pública,
fica entregue ao próprio Ministério Público, por meio do seu
Conselho Superior, notificando-se o indiciado e o ofendido.24
Em idêntico sentido dispõe o Projeto de Lei n. 4.209/01,
preparado por Comissão presidida pela jurista Ada Pellegrini
Grinover, nos termos da Portaria 61 do Ministério da Justiça,
editada em 20 de janeiro de 2000.
Este projeto traz a seguinte redação para o artigo 28 do
Código de Processo Penal:
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, após a
realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da
inexistência de base razoável para o oferecimento de
32
Ver item 3.2.2.2 – III – A Mutatio Libelli.
33 Artigo 383. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que
constar da denúncia ou queixa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar
pena mais grave.
34 Muito embora preconizemos aqui, para validade do processo, que a
emendatio libelli em nenhuma hipótese surpreenda a defesa, instituindo-se o
debate contraditório em consideração ao reconhecimento daquela que é,
segundo o juiz, a acertada qualificação jurídica da infração, o eg. Supremo
Tribunal Federal decidiu diferentemente, como se pode observar no habeas
corpus nº 73.389-SP, julgado pela 2ª Turma, cujo relator foi o Exmo. Ministro
Maurício Correa, publicada a decisão em 6 de setembro de 1996, no Diário de
Justiça da União: ―Habeas Corpus‖. ―Emendatio libelli‖. Réu denunciado pelos
crimes de estelionato e de apropriação indébita e condenado pelo crime de
falsidade ideológica. Falta de intimação do acusado em face da
desclassificação: cerceamento de defesa não configurado. 1. Ocorre emendatio
libelli (CPP, art. 383) e não mutatio libelli (CPP, art. 384) quando o réu é
denunciado pelos crimes de estelionato e de apropriação indébita, porém
resulta condenado por falsidade ideológica, uma vez que a denúncia descreve
perfeitamente o fato delituoso mas nela consta qualificação penal diversa. 2. A
nova tipificação emprestada pelo juízo, em face da instrução processual, não
Em 1989, no exercício das funções judicantes,
recebemos denúncia do Ministério Público, por crime de
desacato à autoridade judiciária, cometido por advogado, no
curso de um processo civil, com atribuição ao juiz da prática
de fato
Nodefinido como
despacho crime,
inicial, naisso por petição.
verdade, decisão, haja vista a
conduta efetivamente descrita, a denúncia foi recebida,
emendando-a para classificar o crime na moldura penal da
calúnia, detalhada na vestibular com todos os seus elementos
e circunstâncias.
A alteração pareceu apropriada, tendo em conta a
diversidade de procedimento, um dos quais, acertado, com a
possibilidade de oferecer ao acusado a exceção da verdade.35
Justamente este tipo de controle, deduzido, a princípio
ou no decorrer do processo, até a sentença, permitirá que o
acusado não fique refém da classificação jurídica emanada
da acusação, em virtude da qual poderá, ou não, incidir um
modelo de processo consensual, poderá, ou não, ser cabível a
prisão preventiva ou a liberdade provisória, com ou sem
fiança.
Os critérios de classificação das infrações penais são,
pois, na exata medida em que se respeita o princípio
constitucional da reserva legal,36 na edição de leis
incriminadoras, determinados por modos de apreciação
dogmaticamente objetivados e, assim, passíveis de serem
controlados pelo juiz sem ferimento ao direito de iniciativa
das partes.
Da mutatio libelli
constitui cerceamento de defesa ou oblívio ao devido processo legal, porquanto
o acusado se defende dos fatos narrados na denúncia e não do delito nela
qualificado. 3. Hipótese em que a falta de intimação do acusado, em face da
desclassificação do delito, não configura cerceamento de defesa. 4. Habeas
Corpus indeferido.
35 Em decisão proferida em 26/11/1990, no habeas corpus nº 11.896/90,
julgado pela 1ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, tendo como relator o
eminente juiz Pirajá Pires, a emendatio libelli inicial foi mantida.
36 Artigo 5º, inciso XXXIX: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal.
Porém, se é viável, conforme a máxima acusatoriedade,
a aplicação do disposto no artigo 383 do Código de Processo
Penal, o mesmo não acontece com a previsão contida no
dispositivo
modificaçãoseguinte, queda
substancial autoriza, sobpor
acusação, diferentes
força daaspectos,
alteraçãoa
do fato investigado, consoante as provas produzidas, 37
ultrapassando-se, em alguns casos, o perímetro traçado pela
imputação contida no pedido acusatório.
É imperioso, desde logo, ressaltar que a mutatio libelli
se refere a uma mudança de perspectiva, relativamente a
elementares ou circunstâncias do fato sobre o qual se funda a
pretensão, em decorrência de provas surgidas durante a
instrução, mas não corresponde ao acréscimo de uma nova
acusação ou de uma acusação por novos fatos.
Se isso ocorrer, se na instrução vierem à tona novas
infrações penais de ação38penal pública incondicionada,
lembra Frederico Marques, cabe ao juiz dar a notícia crime
a quem de direito (artigo 40 do Código de Processo Penal).
Apesar disso, no primeiro caso previsto na lei —
mudança das circunstâncias ou elementares da conduta, com
preservação ou atenuação da pena — sem que seja necessária
ou exigível qualquer intervenção do acusador, admite-se que
o juiz amplie a esfera das quaestiones facti, como,
igualmente, assinala Frederico Marques,39 intervenha o
magistrado no âmbito interno do direito de ação, por meio
Segunda Turma
Recebimento da Denúncia e Desclassificação
Considerando que não cabe ao juiz, ao receber
a denúncia, desclassificar o crime nela narrado—
hipótese distinta da prevista do art. 383 do CPP
(―O juiz poderá dar ao fato definição jurídi ca
diversa da que constar da queixa ou da denúncia,
ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena
mais grave.‖), que faculta ao magistrado tal
possibilidade no momento de prolatar a sentença
— a Turma deferiu, em parte, habeas corpus
interposto contra decisão do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro que recebera queixa-
crime oferecida contra o paciente pelo crime de
injúria e não de calúnia contra autoridade pública,
tal como descrito na queixa (arts. 20, combinado
com o art. 23, III, da Lei 5.250/67, Lei de
Imprensa). No mesmo julgamento, ponderou-se, à
53
Marcellus Polastri Lima igualmente salienta a inconstitucionalidade do
recurso de ofício, com precisa fundamentação, com a qual concordamos. Curso
de Processo Penal, vol. 1, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p. 151.
cautela, porém, não devemos nos esquecer da advertência do
escritor: cuidado com o que só existe no Brasil e não é
jaboticaba!
A razão dessas linhas é comentar que a combinação de
princípios e regras
definindo seus que compõem
elementos, o Sistema
deve ultrapassar Acusatório,
o umbral das
coisas teóricas e chegar à cultura. Sem a vivência cotidiana a
nos revelar as contradições entre o dever ser de respeito às
igualdades e o ser concreto de frustração deste objetivo, nós
brasileiros em determinado momento chegamos a achar
natural e perfeita a instituição da escravidão.
Muitas vezes somente a ruptura tem capacidade de
transformar a realidade. Persuadir as forças dominantes a
abrir mão da situação de conforto gerada pela dominação é
acreditar em uma inocência do poder desmentida no dia-a-
dia.
Para a ruptura, porém, é preciso antes a posição de
estranhamento. São os antropólogos que nos lembram disso.
Quando todos os conviventes de uma determinada sala
diariamente se encontram e estão de terno e gravata, há a
tendência a aceitar que os demais seres viventes também
usam terno e gravata o dia todo! É preciso, pois, estranhar,
duvidar da normalidade das coisas e fixar o espírito
questionador para buscar na história a razão de ser das
categorias e instituições do direito e, sendo o caso,
transformá-las.
A se acreditar na ―normalidade‖ da escravidão,
estaríamos ainda hoje sob a égide do estado anterior à Lei
Áurea, que libertou os escravos no Brasil em 13 de maio de
1888. A tradição que nos orienta é aquela que condiz com os
propósitos democráticos de expansão da liberdade que, no
passado, era bem de posse de poucos, mas hoje é promessa
constitucional para a fruição de todos.
Feita a digressão necessária é o caso de registrar que em
nenhum outro país o Ministério Público com atuação na área
criminal se senta no lugar destinado ao tribunal, isto é, ao
lado do juiz. Não se trata de um problema na Europa ou nos
Estados Unidos da América, pois quando o Ministério
Público conquistou autonomia em face do juiz, com o fim da
inquisição, conquistou, conseqüentemente, o direito de não
ser confundido com o tribunal. Trata-se de direito do
Ministério Público.
Por que
audiências no Brasil,
criminais hoje, ainda
o Ministério é diferente
Público e na
se senta sala do
ao lado de
juiz?
O antropólogo Roberto DaMatta, na explêndida análise
do dilema brasileiro e no tópico dedicado à igualdade,
formula uma tentativa de explicar outra genuína criação
brasileira: o argumento de autoridade expresso na máxima
―você sabe com quem está falando!‖
De acordo com Roberto DaMatta, a definição de traços
hierarquizantes na sociedade brasileira, percebida por
Machado de Assis, explica a reinvenção do princípio da
igualdade, por meio da qual a posição social assegura a
validade do argumento que54 é empregado não para
convencer, mas para dissuadir.
Na realidade, segundo nossa ótica, a diferença do estado
da matéria no Brasil, em comparação com outros países, é
ditada pelo fato de não ter se completado o processo de
autonomia do Ministério Público.
Com efeito, o Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado. Isso
é indiscutível. Também merece ser colocado em relevo que
em sociedades com baixa densidade de organização social,
como é o nosso caso, instituições como o Ministério Público
são fundamentais para a consolidação da democracia, pois
que postulam a tutela efetiva de direitos difusos e coletivos
que beneficiam grandes setores da população que, de outra
maneira, estariam fora do circuito de gozo desses direitos.
De 1988 para cá o Ministério Público deu passos largos
para ocupar espaço condizente com as funções
constitucionais e hoje, no horizonte das vitórias que a
democracia brasileira computa é inegável a parcela de
54
DAMATTA, Roberto. Carnaval, malandros e heróis: para uma sociologia do
dilema brasileiro, 6ª ed., Rio de Janeiro, Rocco, 1997, p. 203.
responsabilidade dessa instituição.55
A autonomia administrativa, econômica e financeira do
Ministério Público também foi alcançada em boa medida, da
mesma forma que o poder de gestão da própria instituição
com independência do poder
A questão examinada de srcem
neste tópicopolítico-partidária.
se coloca, pois, com
exclusividade na seara penal. E o campo penal, no Brasil,
como demonstrado ao longo do trabalho, que tem ficado
impermeável à cultura da acusatoriedade.
Foi visto como ainda hoje se defende a existência de
poderes probatórios do juiz. Ligou-se o fato à idéia de que a
jurisdição penal está inserida no programa de segurança
pública do Estado e não dirigida à defesa das garantias
processuais, entre as quais há de ser ressaltado o direito ao
julgamento por juiz imparcial. Salientou-se que o mesmo
ocorre quando se trata de deferir ao juiz o poder de modificar
o conteúdo da acusação (mutatio libelli). Em ambas as
situações a ordem jurídica infraconstitucional procura
enquadrar as funções do Ministério Público, que é olhado
com desconfiança, como se seus membros não pudessem ser
dotados de liberdade para agir em defesa da sociedade. É
preciso, segundo a lógica inquisitorial que preside estes
institutos (artigos 156, parte final, e 384 do Código de
Processo Penal), transformar o juiz em fiscal do Ministério
Público. E isso é feito desde antes do processo (artigo 28 do
Código de Processo Penal), com a atribuição ao juiz do
controle da obrigatoriedade da ação pública.
Como sabem os sociológos56 as práticas sociais têm
55
Basta ver neste ano de 2005 as ações efetivas do Ministério Público contra a
remanescência do trabalho escravo e a negação de efetividade aos direitos à
saúde e educação. Com base em ações coletivas promovidas pelo Ministério
Público, vários grupos de pessoas foram libertados da cndição análoga a de
escravo e outros tantos tiveram acesso a remédios e escolas que, de outro modo,
não ficariam acessíveis.
56
Convém examinar a pesquisa coordenada por Sérgio Adorno, na USP,
intitulada Dossiê Judiciário.: Crime, Justiça Penal e Desigualdade Jurídica: as
mortes que se contam no Tribunal do Júri (Revista USP, 21, março-abril-maio
de 1994, p. 132).
mais força que as ordens do direito emanadas
abstratamente. Não fossem suficientes as amarras jurídicas
mencionadas, a enlaçar o Ministério Público ao juiz, coloca-
se o próprio Promotor de Justiça fisicamente ao lado do juiz.
É claroaoque
endereçada réu,além da óbvia
de que mensagem
a justiça subliminar
penal tem função
repressiva, motivo pelo qual juiz e Ministério Público estão
aliados na tarefa de punir, há outra igualmente sutil, dirigida
ao próprio Ministério Público. Segundo esta interpretação, a
posição do Ministério Público ao lado do juiz é justificada
por discurso que ressalta a importância da instituição,
todavia deixa abaixo da superfície a intenção de controle
judicial das funções de persecução.
Não há dúvida de que os objetivos latentes podem não
se realizar por conta da autonomia com que cada membro do
Ministério Público se comporta. Isso, também, é aplicável ao
instituto da mutatio libelli, à produção de provas de ofício
pelo juiz e à posição do Procurador-Geral de Justiça, que no
exercício da atividade posta pelo artigo 28 do Código de
Processo Penal poderá manter o ponto de vista (decisão) do
Ministério Público que oficiou pelo arquivamento da
investigação criminal.
A questão está naquilo que foi objeto de advertência no
início do trabalho. Em uma democracia privilegia-se o
governo sob a égide das leis e não de acordo com a
arbitrariedade incontrolável do ser humano.
Assim, não basta ao juiz a confiança na própria
imparcialidade. É necessário que se afaste do processo se
antes funcionou como perito (artigo 252 do Código de
Processo Penal). Assim, não basta para as partes (Ministério
Público e Defesa) confiança na autonomia do Ministério
Público e na não intervenção do juiz na atuação do
Ministério Público. É necessário que o Ministério Público
ocupe o seu lugar de parte, na sala de audiências, mantendo
o juiz eqüidistante do Ministério Público e da Defesa.
Essas são considerações sobre o tema que, em
realidade, não deixam de levar em conta os argumentos
apresentados pelos juzes criminais do Rio de Janeiro,
Rubens Casara e André Nicolitt, nas decisões pioneiras
proferidas na 2ª Vara Criminal de Itaperuna (MS/proc.
2004.078.00039) e em Arraial do Cabo (proc.
2003.005.000056-7), objeto de mandado de segurança, com
base
Tambémem conceitos defendidos porosHassemer
foram considerados e Habermas.
argumentos do voto
condutor do acórdão proferido na Sétima Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pelo
Desembargador Eduardo Mayr, Relator do Mandado de
Segurança n. 035/04, que manteve a decisão de deslocar o
Ministério Público da posição ao lado do juiz para outra
simétrica a da Defesa e a tese exposta pelo jurista e
Desembargador do Rio de Janeiro, Silvio Teixeira, citado por
Rubens Casara nas informações do mandado de segurança.
Por igual foram considerados os argumentos de Lênio
Luiz Streck, em artigo denominado A CONCEPÇÃO CÊNICA
DA SALA DE AUDIÊNCIA E O PROBLEMA DOS
PARADOXOS, recebido com carinho e que em breve será
publicado no site www.leniostreck.com.br.
Conclusão do capítulo 4
13 Idem.
14
Ver mudança de posição do Supremo Tribunal Federal, noticiada no início
deste item O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu julgar
procedente pedido em ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo
Procurador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade do artigo
3º da Lei nº 9.034/95, que instituiu a figura do juiz investigador (ADI 1570/UF,
rel. Ministro Maurício Corrêa, julgamento em 12 de fevereiro de 2004, com voto
vencido do Ministro Carlos Velloso).
9.034/95, que — dispondo sobre o acesso a dados,
documentos e informações fiscais, bancárias,
financeiras e eleitorais durante a persecução
criminal que verse sobre ação praticada por
organizações criminosas de— violação
―ocorrendo possibilidade estabelece que,
de sigilo
preservado pela Constituição ou por lei, a diligência
será realizada pessoalmente pelo juiz‘ o qual ‗fará
lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando
as informações colhidas oralmente e anexando
cópias autênticas dos documentos que tiverem
relevância probatória...‖. A referida lei determina,
ainda, que ―o auto de diligência será conservado
fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem
intervenção de cartório ou servidor, somente
podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as
partes legítimas na causa, que não poderão dele
servir-se para fins estranhos à mesma, e estão
sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal, em
caso de divulgação‖.
Diligências realizadas por juiz - II
O Tribunal, por maioria de votos, entendeu
que os argumentos sustentados pela autora da
ação — usurpação da função de polícia judiciária
(CF, art. 144, § 1o, IV, e § 4o), ofensa ao devido
processo legal (art. 5o, LIV) devido ao
comprometimento da imparcialidade do juiz na
apreciação de provas por ele próprio colhidas e
ofensa ao princípio da publicidade (CF, art. 5 o, LX)
— não possuíam a relevância jurídica necessária
para o deferimento da liminar. À vista dessas
alegações, considerou-se: a) que o magistrado tem
poderes instrutórios e a investigação criminal não
é monopólio da polícia judiciária; b) que a coleta
de provas não antecipa a formação de juízo
condenatório; c) que a CF autoriza restrições ao
princípio da publicidade (CF, art. 5o, LX). Vencido
o Min. Sepúlveda Pertence, que deferia a liminar
por violação ao princípio do devido processo legal
por entender que a coleta de provas desvirtua a
função do juiz de modo a comprometer a
imparcialidade deste no exercício da prestação
jurisdicional.
Corrêa, ADIN
publicada em1.517-DF, Rel.
30 de abril de Min.
1997.15Maurício
Sublinhando o Supremo Tribunal Federal a existência
de poderes judiciais de investigação, opta a e. Corte por uma
concepção restrita de princípio acusatório, excluindo do
conceito os elementos pertinentes à atuação do juiz, na
instrução, e sinalizando neste sentido não apenas na direção
dos procedimentos que a Lei no 9.034/95 criou, como
também em relação a todos aqueles instituídos para o
processo penal de conhecimento condenatório, o que vai
refletir, sem dúvida, na validade da interceptação telefônica
determinada de ofício. Ada Grinover, militando entre os que
declaram a inconstitucionalidade dos citados preceitos da Lei
no 9.034/95,16 concita a não-aplicação desta lei, editada
muito mais em conta da sua eficácia simbólica, como
verdadeiro e acabado exemplo de legislação-álibi, do que
propriamente por causa de alguma fé inabalável nos
predicados intelectuais dos juízes.
Outro importante ponto de (des)conexão com o sistema
acusatório, na Lei nº 9.034/95, refere-se à publicidade dos
procedimentos.
Deve ser observado que o cuidado que a legislação
aparenta dispensar à intimidade e vida privada pode ser
alcançado sem distorção do sistema acusatório, e com a
exigência, aliás sempre presente, em se cuidando de
17
Hoje a matéria pertinente ao sigilo bancário está tratada na Lei
Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001. Recomenda-se a leitura do
excelente livro de Juliana Garcia Belloque, Sigilo Bancário (São Paulo, RT,
2003).
requisitar informações e documentos para instruir
procedimentos administrativos de sua
competência.
O pressuposto é a existência de procedimentos
administrativos de competência do Ministério
Público.
Além disso, o dispositivo carece de
regulamentação por lei complementar (art. 129,
VI). Quanto ao artigo 29 da Lei no 7.492/86,
permite ele a requisição pelo Ministério Público de
documento ou diligência a ―qualquer autoridade‖.
A autoridade, no caso, seria dirigente do
Banco Central e não o gerente do banco, que não é
titular de cargo ou função pública. Em suma,
mesmo em se admitindo a legitimidade do
Ministério Público para requisitar a quebra do
sigilo bancário em caso de crime econômico, tal
requisição deveria ter sido dirigida ao Banco
Central, ao qual poderiam as impetrantes fornecer
os dados sem incidir nas penas cominadas ao
crime de quebra de sigilo bancário.
II — Ordem de habeas corpus concedida.18
Convém destacar que no plano constitucional agitou-se
a problemática da reserva da vida privada em face dos
processos judiciais, consignando-se, textualmente, a
providência de restrição da publicidade nas estritas
hipóteses de defesa da intimidade e interesse social — artigo
5o, inciso LX, da Constituição da República — sem perda de
consistência do aspecto de garantia do sistema acusatório,
porque, em verdade, preserva do dano quer o agente, cuja
inocência se presume, quer a vitima, que poderia ficar
submetida a vexames e constrangimentos com a exibição
pública dos seus tormentos.
42 Cintra, Antonio Carlos de Araújo, et al. Teoria Geral do Processo. 10ª ed.
São Paulo: Malheiros, 1994, p. 304.
novidade, adverte com razão Alberto Silva Franco, que
provoca a meditação quando, por oportuno, acrescenta:
Como entender que se possa, mediante um
o
acordo, aplicar,
9.099/95, por forçadedodireitos
pena restritiva art. 76 ou
da multa,
Lei n
conversíveis em pena privativa de liberdade, sem
que o acusado responda ao devido processo
legal?43
Mais ainda, na mesma linha e levando em conta o
fundamento de legitimidade democrática do exercício da
função jurisdicional, cabe também indagar com Ferrajoli
como é possível conceber o nexo entre crime e sanção a
partir de um comportamento processual do acusado e não
do valor de verdade sobre a existência da infração penal e a
responsabilidade de seu autor,
processo, em contraditório.44 demonstrado ao longo do
Parece que a resolução da perplexidade não decorre da
admissão de que, à vista dos requisitos definidos em Lei, o
Ministério Público esteja vinculado ao ato de propor o
acordo sobre a pena, porque se constitui em direito público
subjetivo do autor do fato, o que só faz aumentar as
dificuldades.
Segundo essa linha de pensamento, recusando-se o
Ministério Público a oferecer a proposta, o juiz não está
inibido de tomar a iniciativa, como parte da doutrina e
mesmo alguns tribunais se inclinam a aceitar.45
48
Essa é hoje a posição dominante, contra a qual nos manifestamos em
Elementos, op. cit.
49 Prado, Geraldo. ―Da Natureza Jurídica da Sentença Homologatória de
Acordo sobre a Pena — Lei nº 9.099/95‖, in Caderno Científico do Mestrado e
Doutorado em Direito da Universidade Gama Filho, nº 4, ano III, Rio de
Janeiro, 1996, pp. 31-46.
50 Deu, Teresa Armenta. Principio Acusatorio y Derecho Penal, pp. 38-39.
princípio algum de oportunidade. A segunda oposição refere-
se à possibilidade do acusado deixar de fruir um benefício
acessório, embora importante, ao tipo específico de
condenação, em consideração à opinião do Promotor de
Justiça.
deferir aoFigueiredo
MinistérioDias, tantas
Público vezesdiscricionariedade
alguma citado, assevera não
que
significa criar um espaço onde possam frutificar tratamentos
privilegiados ou discriminatórios, mas, sim, reconhecer a
importância que a instituição merece no contexto da
construção democrática da política criminal.
Aos abusos que podem decorrer do fato do Promotor de
Justiça indevidamente, na visão do juiz, não oferecer a
proposta de pena, opõe-se a possibilidade de controlar-se a
ação, no âmbito interno do Ministério Público, velando-se
por sua moralidade e impessoalidade. Basta, para isso,
recorrer-se à aplicação analógica do controle pelo
Procurador-Geral, regulado no artigo 28 do Código de
Processo Penal.
Mesmo se no lugar da proposta o representante do
Ministério Público opte pelo oferecimento direto da
denúncia, o procedimento deverá ser sustado para que o juiz
remeta ao Procurador-Geral os autos, alertando quanto à
desatenção sobre a obrigatoriedade da solução consensual.
Caso o Procurador-Geral concorde com o Promotor de
Justiça, não haverá o necessário consenso a conferir base à
transação e, em vista disso o processo retomará seu curso
natural. Se for o contrário, caberá ao próprio Procurador-
Geral formular a proposta de pena ou delegar a formulação a
outro Promotor de Justiça, homologando o juiz o acordo, se
este for concretizado, e deixando de receber a denúncia já
oferecida porque o conflito haverá sido resolvido
definitivamente.
O ideal, todavia, para a completa aproximação ao
princípio acusatório, estaria em a lei prever que antes de
oferecer a denúncia oral e à semelhança do que propomos
sobre o arquivamento, o Promotor de Justiça comunicasse
ao Conselho Superior do Ministério Público as razões do não
oferecimento da proposta, disso dando ciência ao ofendido e
ao investigado. Chancelada a solução, em instância superior,
teríamos o controle da atuação do Promotor de Justiça sem
incluir o juiz em uma etapa ainda precoce e preparatória da
ação penal tradicional.
A objeção
dificuldade que o de ordem
acervo prática
de autos derivada quer
de investigação da
pudesse
opor ao eficiente funcionamento do Conselho Superior do
Ministério Público, ou ainda em virtude da perda de
celeridade que a implantação da providência poderia
acarretar, teria de ser arrostada pela adequada estruturação
pessoal e material da instituição, de modo a torná-la apta a
apresentar respostas rápidas e eficazes às demandas que
dizem respeito à persecução penal.
A garantia da preservação do princípio acusatório, com
o inegável reconhecimento das graves funções atribuídas aos
membros do Ministério Público, justificaria com sobra o
aperfeiçoamento da instituição.
A objeção de ordem jurídica dos defensores da
transação penal como direito público subjetivo do acusado,
quanto ao exercício deste direito ser controlado não pelo
Judiciário, do qual não se pode excluir a apreciação de lesão
ou ameaça de lesão a direito, mas pelo titular da ação
condenatória, estará superada à vista da natureza jurídica da
proposta de transação — ação penal condenatória especial
não tradicional e não direito público subjetivo do réu — em
razão do que se pode afirmar que ninguém pode invocar o
direito de sofrer sanção penal.
Quando se assevera que, em determinadas condições, o
condenado tem direito público subjetivo ao sursis se está
afirmando que, com a sua responsabilidade determinada
legalmente, em um processo penal com ampla defesa e
contraditório, reconhece-se que entre as alternativas de pena
a correta e adequada é aquela representada pelo sursis.
Entretanto, na ausência de proposta de pena não temos
como argumento as alternativas de sanção consideradas
concretamente, porque sequer se concluiu sobre a existência
da infração penal e a responsabilidade do agente. Há um
processo condenatório, com requisitos de validade e eficácia,
a ser percorrido e superado antes das alternativas penais
emergirem.
Com razão,
discriminação Yadira
sexual Calvo
em todos lembra,queaose supõe
os níveis, tratar que
da
Deus escreve certo por linhas tortas; porém não os seres
humanos, que quando torcem as linhas o fazem porque têm
torcidas também as intenções.2
Assim é em termos de Direito e da mesma maneira
quando tratamos de Democracia, principalmente na América
Latina e de modo mais específico no Brasil.
Muito embora tenha parecido a muitos que a
promulgação da Constituição, em 1988, haja representado o
ponto culminante da transição para a democracia, os reflexos
de uma ordem jurídica democrática não são visíveis para
além dos contornos meramente formais da Democracia
procedimental. Por ordem democrática real, é preciso desde
logo fixar, entendemos algo mais que a simples conexão de
procedimentos entre elementos dispostos a assegurar a
participação popular, livre e direta, na eleição dos
representantes no Congresso e no Executivo. Em companhia
de Lola Aniyar, preferimos optar por um conceito
substancial, em virtude do qual a existência de três pilares
básicos é imprescindível para condensar o verdadeiro
significado do termo: que o poder seja ascendente, isto é,
que vá das camadas populares, para cima; que seja
utilitário, pois que responda a interesses generalizáveis;
que tenha capacidade para conter os abusos de poder.3
1 Trabalho elaborado para publicação na Revista Jurídica da Faculdade de
Direito Iguaçu – UNIG e na Revista Juris Poiesis, do Curso de Mestrado
em Direito da Universidade Estácio de Sá, que serviu de base para a
palestra com o mesmo título, proferida noVI Simpósio Nacional — Direito
Penal e Processual Penal — ―Novas Idéias — Novos Rumos , em ”
8 Mirabete, Júlio Fabrini. Execução Penal, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1992, p.
319.
9 Hassemer, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal, Barcelona: Bosch,
1984.
procedimento de execução deve ser a oral, ao contrário do
que está preconizado no artigo 196 da lei de execução. Hoje o
procedimento na execução penal é tudo, menos
predominantemente oral.
O Projeto
Congresso, prevêde Lei no 2.687-96,
a modificação em195tramitação
dos artigos no
a 197 da LEP
e introduz o procedimento oral e a audiência como regra. É
limitado quanto à possibilidade das partes provarem, o que
deve ser melhorado, contudo, avança ao incorporar a
audiência, que tende a reduzir as distâncias entre o juiz e o
condenado, seu jurisdicionado na execução.
Um procedimento oral, no qual, ainda conforme
Hassemer, o juiz desça do seu pedestal e encare as partes
como pessoas portadoras de direitos e deveres, ônus e
faculdades, e que esteja inserido em um contexto de
distribuição rigorosa das funções na execução, entre juiz,
Ministério Público e condenado, assistido por Defensor,
pode oferecer soluções equânimes, justas, para situações
diferenciadas no transcurso do processo, em virtude das
quais mesmo ao condenado por tráfico não se negue,
sistematicamente e sem motivação jurídica, quando for o
caso, a substituição da prisão por outra medida.
A oralidade envolverá aí, por outro lado, cuidados
especiais com o emprego da tecnologia no procedimento de
execução. Enquanto é indiscutível que a era da informática e
da telemática pode oferecer vantagens indiscutíveis, em
termos de controle do tempo de duração das penas e
medidas e da celeridade na produção dos atos jurídicos
necessários, um dos pressupostos elementares do processo
oral está em permitir o contato direto entre o juiz e a parte,
contato que não deve ser mediado por sofisticados recursos
de transmissão de voz e imagem, distanciando fisicamente os
protagonistas do processo e deixando um deles isolado em
ambiente que lhe pode ser hostil, justamente aquele sujeito
mais necessitado da segurança que o contato direto
proporciona.
A cultura pós-moderna implicada em determinadas
atitudes, louváveis sob inúmeros aspectos, porque visam
agilizar e melhorar a prestação jurisdicional, tem de se
render à realidade instrumental da tecnologia. Ela não vale
por si, como o processo igualmente não é um fim em si
mesmo!
A tecnologia
aplicação prática éproporciona,
importante pelos resultados
de modo que, que
se aestes
sua
resultados não atendem aos objetivos de propiciar uma
adequada tutela jurídica, devem justificar o abandono, ainda
que provisório, do recurso mais sofisticado. No caso, o
contato pessoal, na velha conhecida audiência, se causa
transtornos de locomoção, segurança etc., é um aparente
atraso que, em termos de processo jurisdicional, humaniza e,
neste sentido, acaba sendo um atraso progressista, algo
como DE VOLTA PARA O FUTURO. Seguindo este caminho,
creio que não necessitaremos temer pela advertência de
Boaventura de Sousa Santos, de que um dia teremos
pateticamente de inventar, sempre com atraso, o que já
tivemos quando éramos atrasados.10
Às vantagens da audiência devemos somar a
conveniência, no caso de presos, tendo em vista a sempre
alegada dificuldade de transporte e segurança, do ato
realizar-se nas unidades prisionais. Um dos pontos mais
sensíveis e de mais delicada solução jurídica está relacionado
aos desvios e excessos de execução, medida que não exclui a
audiência no tribunal, mas a complementa.
Quantas vezes o indivíduo devia estar cumprindo pena
em regime semi-aberto ou aberto e, apesar da penitenciária
ter essa qualificação, na prática, o sistema é fechado.
Quantas vezes a única progressão se dá exclusivamente de
sistemas mais fechados para outros apenas menos fechados!
Pior, todos sabemos que o artigo 88 da LEP, que trata das
mínimas condições físicas dos cárceres, é sistematicamente
desrespeitado pelos governos estaduais. São excessos na
execução das penas, conforme a tipologia desenhada no
artigo 185 da LEP, que o juiz poderá perceber in loco,
10 Santos, Boaventura de Sousa. Pelas Mãos de Alice, São Paulo: Cortez, 1995,
p. 67.
reforçando o seu dever de fiscalizar ao mesmo tempo em que
o jurisdicionado tem certeza, porque está em audiência com
o juiz, no próprio ambiente carcerário, que o magistrado
haverá de leva-los em consideração na hora de decidir sobre
os pleitos
direito deduzidos.
de serem ouvidasSepelo
as partes
juiz — tradicionalmente têmaoo
é dito que têm direito
seu dia na corte — o juiz passa a ter o direito ao seu dia na
prisão: one day in jail.
Para os presos, é benéfica a configuração procedimental
com essas características, aproximando o juiz da realidade de
vida do condenado, se houver a pretensão de convencê-los da
justiça intrínseca da ordem jurídica.
No plano processual, algumas conseqüências podem ser
desde logo percebidas:
a) quanto ao excesso de execução, além da providência
jurídica óbvia de eliminação da medida excessiva ou
desviada — por exemplo, transferindo-se o preso para
unidade compatível com as exigências da fase de execução —
caberá imaginar a viabilidade de pretensões jurídicas que
não se restrinjam à indenização preceituada no artigo 5o,
inciso LXXV, da Constituição da República, mas que,
aplicando o princípio da proporcionalidade, importem na
compensação quantitativa de sanção pela violência
qualitativa constatada. Verdadeira e jurídica redução da
pena. De lembrar que se outro preso, condenado ao mesmo
tempo de reclusão em regime idêntico, vai sofrer uma
limitação da sua liberdade na mesma porção de tempo a ser
suportada por este, em visível excesso, há quebra do
princípio constitucional da isonomia, que o Poder Judiciário
não pode deixar de coibir;
b) QUANTO AOS ADOLESCENTES, rompe-se muitas
vezes a ideologia do senso comum, que pode inspirar alguns
juízes, levando-os a crer na eficácia da internação como
medida estacionária da situação de conflito. Muitas vezes, o
caráter banal da internação está fundamentado na crença em
uma eficácia corretiva dela, absolutamente distante da
realidade, como demonstra a criminologia. O juiz, ao ter
contato direto com o cárcere e com o adolescente em
cumprimento de medida em condições concretas, estará
melhor instruído para pesar o que realmente pretende
internando o jovem e não se deixará iludir pela denominação
comum de ―Escolas‖ ou ―Educandários‖ que muitas destas
unidades ostentam.
Muitas outras questões mereceriam ser enfocadas, mas
a limitação de tempo permite tão-só citá-las, para orientar a
meditação dos interessados: o cabimento da execução penal
provisória, idealizada tendo em vista interesses reais do
condenado; a possibilidade jurídica do Ministério Público
recorrer a favor do processado, durante a execução; o não
cabimento do mandado de segurança para impedir a
imediata execução de decisão favorável ao condenado; o
procedimento do recurso de agravo (semelhante na execução
penal ao do recurso em sentido estrito); o caráter
jurisdicional pleno da execução, para englobar a questão das
faltas graves e suas conseqüências; a impossibilidade da
regressão de regime cautelar (objeto de recente decisão do
Des. Valmir da Silva, do Rio de Janeiro); e, finalmente, o
debate sobre se o preso tem direito a não progredir de
regime (por conveniência, segurança ou conforto, por
exemplo).
A teoria jurídica pode e deve fornecer os elementos
indispensáveis à construção de um processo de execução
penal mais humanizado e comprometido com os fins da
sanção, reformulando em linhas gerais o atual. Já se disse
que, embora disponha de duzentos e quatro artigos, a lei de
execuções penais dedica apenas dezoito ao processo,
demonstrando, em linhas gerais, como há muito salientou
Ada Grinover, uma certa falta de atenção da lei para com as
garantias processuais das partes e da jurisdição.11
Temos certeza que a elaboração de um novo processo de
execução, no entanto, não é suficiente para remodelar as
relações sociais penetradas pelo problema do crime.
1
Este artigo sintetiza as idéias apresentadas em 21 de abril de 2001,
no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, no Simpósio Novos Rumos, Novas
Idéias, promovido pelo Instituto de Direito– ID.
1. Introdução
Em 11 de abril passado foi sancionada a Lei n.
Organizado2.
É necessário desde logo salientar que em virtude da
organizações.
O objetivo deste texto é colocar em destaque a
informação.
Os modernos bancos de dados pessoais, que evoluem para a
delito.
O emprego da tortura e de outros meios cruéis para a
descoberta da verdade foi repudiado – ainda que na prática
prevalecentes.
Por isso cumpre reconhecer a existência de
8 Lei n. 8.072/90.
comportamentos penalmente proibidos, assegurando-lhes a
possibilidade de omitir a conduta capaz de violar a norma
penal.
Para tanto, é imprescindível que a lei penal
constitucional.
9 JUAREZ CIRINO.
O nullum crimen nulla poena sine legem, deduzido
do artigo 5o, inciso XXXIX, da Constituição da República,
(dos sujeitos que devem ser protegidos das ações contra seus
direitos fundamentais) como vertical (da profundidade da
proteção, com a implementação de ações judiciais de fundo
desigualdade15.
Desprezar a função política dos direitos
oportunidade!
Mais grave: a lei permite que o agente infiltrado não
4. A título de conclusão
As medidas previstas na Lei n. 10.217/01 apontam
fundamentais.
Na minha opinião, o controle repressivo da
criminalidade passa pelo aperfeiçoamento das polícias, a
GERALDO PRADO