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de Elisabeth Noelle-Neumann∗
Miguel Midões
se bem que com uma pequena análise pes- Noelle-Neuman. No entanto, desde então,
soal à temática. têm surgido várias ideias erradas e noções
Partindo do princípio que os meios de co- falsas acerca da mesma, que nunca é de-
municação formam, ou pelo menos contri- mais esclarecer. Falsos mitos que surgiram,
buem, para a opinião pública, pretendo ten- pela primeira vez, com a publicação da teoria
tar entender como é que no Caso Esmeralda, no “Journal of Communication”, em 1974.
os meios de comunicação portugueses se co- George Gerbner, editor deste mesmo jornal,
locaram do lado da família adoptiva, invo- chegou a dizer que o ideal de uma teoria tão
cando todos os direitos da pequena criança, complexa como esta nunca poderia ser com-
silenciando todos os que no vasto auditório pletamente apresentado num artigo de jornal.
de Portugal poderiam ter uma opinião con- Contudo, pode-se considerar que o núcleo
trária. Estou certo que os há, mas poucos duro desta teoria consiste no argumento de
foram os que não recearam vir a público ma- que as que as pessoas que têm uma opinião,
nifestar o seu ponto de vista. um ponto de vista, minoritário, tendem a cair
Mas, nem sempre a opinião vigorante é tão no silêncio ou no conformismo, perante a
forte como parece, ou pelo menos, a mais opinião pública geral. “Tend to fall silent
correcta. Francisco Saraiva de Sousa, no seu anda conceal their viiews in public”2 .
blog acerca da Espiral do Silêncio, lembra Contudo, apesar desta exposição estar cor-
que as pessoas que “recusam a perspectiva recta, Noelle Neumann e Thomas Peter-
dominante sentem-se marginalizadas e, fre- sen consideram ser necessário ir mais longe
quentemente, retiram-se e calam-se. Esta e não deixar este argumento colocado de
inibição faz com que a opinião que recebe forma tão simplificada. É necessário enten-
apoio explícito pareça mais forte do que re- der como a opinião pública interfere com o
almente é, e a outra, mais débil”. É sempre o comportamento das pessoas.
medo do isolamento que leva a que os apoi-
antes do ponto de vista menos visível fiquem
3 O que é a Opinião Pública?
silenciosos.
O resumo deste capítulo com a sua inter- Tentar entender o conceito de opinião pú-
ligação com este caso nacional, permite-me blica é entrar num mundo de confusões, mal
ainda aumentar, ainda que de dimensões re- entendidos e problemas de comunicação. E,
duzidas, a bibliografia e a literatura acerca apesar de não haver uma definição concreta
desta questão das Ciências da Comunicação, e geral do conceito de “opinião pública”,
tão chamada à ordem do dia, actualmente, muito se tem dito acerca deste, e o seu em-
que se designa por Teoria da Espiral do Si- prego nos mais variados contextos tem au-
lêncio. mentado de forma categórica.
2
Tradução: “Tendem a ficar silenciados e a con-
2 A Espiral do Silêncio ciliar as suas opiniões com as do público” – KAID,
Lynda Lee, Handbook of Political Communication
A Teoria da Espiral do Silêncio despertou Research, University of Florida, Lawrence Erlbaum
interesse nas Ciências Sociais quando foi Associates, Publishers, London, 2994, p.339.
apresentada pela primeira vez, em 1972, por
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prias ideias, pois estas eram defendidas por melhor o outro, mas sim na “ability to fore-
uma minoria e por isso desaprovadas. see how others will react”. 6
Em meados do século XVIII, Jean Jacques Mais tarde, depois de Mead ter sido ri-
Rousseau vem acrescentar que o Homem, dicularizado pelas suas ideias, surge Erving
sendo um ser em sociedade, está sempre ori- Goffman, que se torna no próximo marco na
entado a partir do exterior e adquire senti- descoberta da Natureza Social do Homem.
mentos de existência, através da percepção Goffman era psicólogo clínico e trabalhava
que tem daquilo que os outros pensam de si. com doentes do foro psiquiátrico, logo com
Considero, aliás, esta ideia como um acres- as suas expressões faciais, as suas aparências
cento fundamental ao que chamamos hoje externas. Descobre que estes tentam ajustar
“Espiral do Silêncio”, uma vez que a mai- a sua aparência e o seu comportamento para
oria dos indivíduos de uma sociedade que que pareçam normais, melhor, para que se-
não pronunciam a sua opinião com medo de jam reconhecidos como tal. Segundo este
represálias, fazem-no, acima de tudo, com investigador, quanto mais anónimo é o pú-
medo daquilo que os outros possam vir a blico, maior é o medo de exposição do do-
pensar de si. Ou seja, antes mesmo de che- ente psiquiátrico. Mais um exemplo que vem
garmos ao isolamento pelo silêncio de um mostrar que, no dia a dia, por vezes até in-
ponto de vista minoritário, o ser humano re- conscientemente, adequamos as nossas opi-
aliza este exercício mental. Tenta perceber o niões à maioria, só para não sermos discri-
que os outros vão ficar a pensar se partir na minados, com o receio daquilo que os ou-
defesa de determinada opinião. tros possam vir a pensar de nós. Tentamos,
Rousseau considerou ainda que cada indi- no seio de um grupo, fazer-nos parecer “nor-
víduo trava uma batalha interior entre a sua mais”.
natureza individual, (a satisfação das suas
necessidades, dos seus interesses), e a natu-
5 Embaraço - indicador do medo
reza social, (a necessidade de ser reconhe-
cido e respeitado pelos outros). O problema do isolamento
está em conciliar as duas naturezas. O embaraço, ou o ficar embaraçado, numa
Também Mead, nos finais do século XIX, determinada situação, é também, sem dú-
inícios do século XX, tentou contribuir vida, um indicador de medo do isolamento,
para esta noção de Natureza Social do Ho- de reprovação social. Há, por isso, autores
mem. Ao descobrir a “Interacção Simbó- que defendem que o comportamento humano
lica”, Mead descobriu o “estado interior” – está sujeito a um tipo de controlo pessoal in-
onde cada indivíduo imagina o que os outros terior, mesmo antes de entrar em cena o já
dizem ou pensam de si, e como o vão jul- falado controlo social. Uma situação pode
gar perante determinada atitude ou tomada ser constrangedora, quando se vão contra
de posição. Agora, Interacção Simbólica não
6
pode ser confundida com empatia. Este pro- Tradução: “habilidade com que os outros vão
reagir” - KAID, Lynda Lee, Handbook of Politi-
cesso social não consiste na ideia de entender cal Communication Research, University of Florida,
Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, London,
2994, p.343.
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sume o seu clímax nos meios de comunica- adoptivo) que: “convenhamos, qualquer pes-
ção nacionais, desde jornais, rádios, revistas, soa de bem recusaria entregar a SUA filha
televisões e passa a ser tema principal na ida a um estranho”. A pessoa de bem aqui é o
para o trabalho, no café e ainda debatido em pai adoptivo, o estranho é o pai biológico.
escolas e universidades. Um só caso marca a A opinião é clara. A indução dos leitores à
actualidade nesta altura: caso Esmeralda. mesma opinião ainda mais clara o é. Mas,
Na Internet surgem centenas de “blogs” ainda acrescenta mais: “o espantoso é que o
pessoais, a partilhar opiniões acerca desta militar precisou de se defender de uma deci-
questão, quase todos eles, defendendo a opi- são do tribunal. É claramente um caso de jus-
nião maioritária e, neste caso, também a opi- tiça cega, mas infelizmente injusta”. Basta-
nião da maioria, senão totalidade, dos meios nos estes pequenos excertos para ficarmos
de comunicação portugueses. Petições, “Ha- sensibilizados para o facto de que os “me-
beas Corpus”, abaixo-assinados de apoio ao dia” constroem a opinião pública, ou pelo
sargento e à família adoptiva surgem um menos tentam, e que numa questão moral,
pouco por todo o país. Apresentadoras de e obviamente esta assume esse estatuto, os
televisão reiteram perante as câmaras que ta- jornalistas, editores, directores, melhor, os
manha injustiça jamais foi vista em Portu- profissionais da comunicação não só assu-
gal e que os juízes devem dar a volta à lei, mem uma posição como a defendem acer-
de forma a salvaguardar o bem-estar psico- rimamente. José Leite Pereira termina com
lógico da criança. No ecrã, pelas nossas casa chave de ouro a sua crónica, dizendo que:
dentro, entram psicólogos, médicos, políti- “por muito que custe a alguns juízes, nem
cos, desportistas, convidados dos mais vari- sempre os pais biológicos merecem os seus
ados programas a apoiar e a suportar a ideia filhos”8 .
de que nada havia de mais errado do que en- Mas, e o que acontece à minoria que tem
tregar a Esmeralda ao pai biológico. Durante uma posição diferente nesta história, e que
o tempo em que todo este processo se desen- consegue enfrentar o temor das represálias
rolou, e continua a desenrolar, embora agora e o medo do isolamento. Numa das muitas
com menos atenção por parte dos “mass me- notícias sobre este caso colocadas no site da
dia”, foi esquecida a minoria, aquela que par- RTP, conseguimos aperceber-nos porque se
tilha uma opinião diferente. A opinião pú- chega à espiral do silêncio, porque os indiví-
blica esteve e está marcada pela posição dos duos que defendem uma opinião minoritária
meios de comunicação e caíram no silêncio tendem a calar-se. Esta notícia tem anexado
todos aqueles que pensaram um dia de forma um blog que permite deixar comentários. A
diferente. A isto se chama de “Espiral do Si- Opinião Pública neste caso é a de que a Es-
lêncio”. meralda deve, sem lugar a dúvidas, ser man-
Para tal vejamos, no dia 21 de Janeiro de tida com os pais adoptivos.
2007, o próprio director do JN (Jornal de No- Neste “espaço público” de debate, Ma-
tícias), José Leite Pereira, na sua crónica ha- tilde, de Lisboa, a dois de Fevereiro de 2008,
bitual disse que a “justiça [é] cega mas in- 8
Citações do artigo do Anexo 1 – “Justiça cega
justa”. O dirigente de um jornal vem a pú- mas injusta”, JN, 21 de Janeiro de 2007.
blico dizer, e referindo-se ao sargento (pai
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atreve-se a ter uma opinião diferente. Co- mal entendidos e até rejeitados socialmente
meça mesmo por dizer que “não há dúvida levou-os ao consenso com a massa e a opi-
que os jornais manipulam tudo. Eu faria o nião de maior força, partilhada e alimentada
mesmo que o Baltazar (. . . ) quando foi fa- pelos meios de comunicação nacionais.
zer os testes e deu positivo foi requerer a fi- O número sete dos pontos mais fortes da
lha (. . . ) mas o senhor sargento resolve fazer Teoria da Espiral do Silêncio, atrás menci-
frente à justiça, a Portugal e a todos”. onados neste trabalho, refere que “este pro-
Quatro dias depois surge o comentário de cesso apenas ocorre nas situações em que há
Isabel A., de São João da Madeira, que diz: uma questão moral forte – é a componente
“nunca pensei encontrar este tipo de comen- moral que dá poder à “opinião pública”. No
tários incongruentes, cheios de raiva e sem caso Esmeralda é nítida a componente moral
mais valia nenhuma para o caso”9 . Seguem- – primeiro porque na sociedade portuguesa e
se uma série de argumentos em defesa da nos bons costumes nacionais “criar é amor”,
menina em casa dos pais adoptivos. Quero depois porque um sargento implica “solidez
com este exemplo mostrar como uma pes- financeira e posição social” e ainda porque a
soa que, tendo uma opinião de menor força, conduta da mãe biológica não é bem aceite,
acaba por ser encarada por quem está no logo a do pai também não o será.
grupo dos detentores da opinião forte. Pro- A aplicação da Espiral do Silêncio a este
vavelmente, Matilde não estava preocupada caso continua a ser possível quando Noelle-
com aquilo que os outros iriam pensar de si Neumann nos afirma que só questões con-
ao lerem o seu comentário, desconhecia por troversas podem despoletar este processo e
isso a interacção simbólica de Mead, e não ainda quando frisa que os “mass media” po-
teve medo da rejeição dos que a rodeiam. dem influenciar, e muito, o processo da “Es-
piral do Silêncio”, quando numa questão mo-
ral tomam determinada posição e exercem
9 Conclusão
influência no processo. Foi notório pelos
Ao ler as primeiras noções de “Espiral do exemplos que apresentámos anteriormente
Silêncio” e à medida que avançava na lei- que tal aconteceu.
tura do capítulo 13 do livro “Handbook of
political communication researsh”, tornava-
10 Bibliografia
se claro na minha mente a associação destes
pressupostos teóricos com tudo aquilo que KAID, Lynda Lee, Handbook of Political
vi, li, ouvi e me apercebi do caso Esmeralda. Communication Research, University
O Silêncio obrigado estava ali, no rosto de of Florida, Lawrence Erlbaum Associ-
todos os portugueses, no meu local de traba- ates, Publishers, London, 2004
lho. Muitos devem ter pensado e ainda pen-
sam como Matilde, mas o medo de serem NEUMAN, Elisabeth, La Espiral del Silen-
cio. Opinión Publica: nuestra peil so-
9
Citações do Anexo 2 – Artigo da RTP on line, cial, Paidós, Barcelona, 1995.
“Caso Esmeralda: Tribunal notificou médicos para re-
tomarem acompanhamento psiquiátrico da menor” –
31 Janeiro de 2008.
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Caso Esmeralda e a Espiral do Silêncio de Elisabeth Noelle-Neumann 9
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