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Orlando, por sua vez, como afirma o biógrafo na última parte do livro, possui
múltiplos eus que se alternam e convivem em diferentes perspectivas e conflitos. Para além
do homem que era e da mulher que se tornou, inúmeras camadas, vezes estranhas, vezes
familiares disputam esse corpo que atravessa a história. O menino que açoita com prazer um
negro, o amante dos animais, a mulher que odeia afazeres domésticos e o homem que não
tem ânsias de poder. Há sempre um estranho e um conhecido insinuado por toda a narrativa
na incompatibilidade – e convivência - do rapaz que lê poesia na solidão obstinadamente e a
mulher que se dá aos festejos febris da sociedade. O coração é aí também o próprio estranho:
o que é a vida, o que é o amor? A personagem se pergunta repetidamente. Esse sentimento
mais interior e profundo da vivência, do amor, é simultaneamente o oculto, o inquietante.
Como dirá Nancy:
i
A expressão e de Gilles Deleuze e Félix Guatarri apresentada no ensaio “Ano zero – rostidade” (Mil platôs
vol.3) e se refere às inúmeras representações de poder que coordenam a vida social e individual como a
cultura, a língua, o estado político monetário, o princípio biológico de gênero, entre outros.