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UMA ARTICULAÇÃO ENTRE O PRAGMÁTICO FILOSÓFICO E A

ANTROPOLOGIA CULTURAL DIRECIONADA À COMPREENSÃO, NUMA


PERSPECTIVA HISTÓRICA, DE PROBLEMAS DE NATUREZA SOCIAL E
JURÍDICA E ALGUNS DOS SEUS REFLEXOS NO BRASIL.

ABSTRACT – O presente trabalho busca preliminarmente,


identificar uma possível interação entre o Pragmatismo Filosófico-
Jurídico e os métodos de investigação utilizados pela Antropologia
Cultural, com ênfase nas concepções e métodos de abordagem
utilizados pela corrente intitulada de Particularismo Cultural,
inspiradas nas ideias do pai da Antropologia Moderna, Franz Boas.
Parte do legado que serve de pano de fundo à compreensão desta
análise será histórica e suscintamente revista, a partir de alguns
paradigmas da chamada Modernidade os quais vão ordenados na
seguinte sequência: a) a tradição francesa que remonta ao
cartesianismo; b) o legado histórico-filosófico germânico, em
particular do Historicismo, suas propostas epistemológicas e
metodológicas e suas repercussões no contexto social, político e
educacional então vigente; c) a tradição filosófica norte-americana,
relacionada ao Pragmatismo Filosófico e Jurídico, nomeadamente em
relação as propostas metodológicas concebidas pelos seus fundadores
nos séculos XIX e XX; d) avaliar, até que ponto tais paradigmas
produziram, direta ou reflexamente, efeitos e consequências na
formação jurídico-cultural da nação brasileira.

FRANZ BOAS; O PARTICULARISMO ANTROPOLÓGICO E


CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS SUAS ABORDAGENS
METODOLÓGICAS

Um dos great fathers do Pragmatismo Jurídico americano


salientou que o fenômeno jurídico não pode ser compreendido apenas
às expensas do raciocínio lógico e sim de uma pertinente avaliação
das experiências que brotam do seio da cultura. Esse entrelaçamento
entre o Direito e a Cultura traz à colação o indispensável concurso de
uma multiplicidade de saberes, dentre eles o de uma das mais
relevantes ciências sociais: a Antropologia.
As ambições dessa área do conhecimento, voltada – como sua
própria epígrafe indica - ao estudo do homem, bifurca-se, por seu
turno, em Antropologia Física e Antropologia Cultural. Além disso, a
Antropologia, abriga no seu corpus um conjunto dos problemas que
lhe são pertinentes e que fazem parte de várias outras disciplinas, o
que, necessariamente, lhe empresta um caráter multidisciplinar. Esse
intercurso entre diferentes saberes pode ser ilustrado através da obra
do pensador alemão Franz Boas, considerado o pai da Antropologia
Moderna.

1
Boas, além de dedicar-se ao estudo da cultura e dos costumes
dos povos primitivos, foi igualmente um pensador que sempre
demonstrou um vivo interesse pelas ciências naturais, tendo,
inclusive, concluído o seu doutoramento no campo da Física. Seus
achados nessa área foram fundamentais à aplicação dos métodos
utilizados pela Ciência Física à Antropologia Física e desses à
Antropologia Cultural. Através desses métodos, Boas pode então
aferir o crescimento, o desenvolvimento e as mudanças na estrutura
física humana como um passo importante à compreensão dos
fenômenos culturais.
A partir de então, o seu interesse por novas áreas do
conhecimento, ao longo da sua vida acadêmica, se foi ampliando.
Mais um exemplo típico dessa aludida integração emana do episódio
da sua participação numa expedição ao Ártico na qual se utilizou,
dentre outros, recursos das ciências geográficas para mapear toda a
costa de Bafflinland.
Entretanto, não resta dúvidas que o seu constante e
fundamental interesse esteve precipuamente voltado para o estudo
das comunidades humanas, nomeadamente sob o ponto de vista
cultural.
Um dado relevante é o de que suas investigações, não se
limitaram fundamentalmente à ótica dos indivíduos como fonte
exclusiva e determinante do processo cultural, mas sim, de como
suas características naturais se refletiam na vida grupal, tudo isso
mercê das descobertas, tanto no campo das ciências naturais quanto
no das humanas e como, sobretudo, o somatório das suas teorias e
métodos contribuíam para um entendimento mais amplo e profundo
da existência coletiva e da continuidade das organizações sociais.
“The group, -dizia ele – “not the individual is always the primary
concern of the anthropologist.”
Tudo isso justifica a amplitude e o alcance dos seus estudos
antropológicos que, segundo ele, conduzem a uma concepção da
natureza interdisciplinar da Antropologia e dos métodos que lhes são
inerentes:1

“anthropology is not a single science, for the anthropologist


pressuposes a knowledge of individual anatomy, physiology,
psychology and applies this knowledge to groups. Every one
of these sciences may be and is being studied from an
anthropological point of view.”

Se, como Boas pressupõe e se observou acima, há uma


profícua interação entre as ciências naturais e as ciências sociais,
uma vez que o concurso de ambas é indispensável à compreensão
dos problemas culturais então, poder-se-ia dizer que Boas, ao tomar
o indivíduo como ponto alpha e embrião do grupo a que racial e
socialmente pertence, sua concepção antropológica se propõe a,
1
BOAS, Franz Anthropology and Modern Life The Norton Library, New York, 1962 p. 12

2
através desses saberes diversificados, interpretar a funcionalidade
dos grupos sociais e dos papeis que os indivíduos desempenham
dentro deles.
Isso parece sugerir que, ora se descortina, conjunta e
interativamente, as possibilidades de uma avaliação das diferenças e
semelhanças entre os próprios indivíduos dentro e entre seus
respectivos grupos ora, alternativamente, numa visão at large, entre
os próprios grupos, enquanto formas organizadas de manifestação
coletiva.
Em outros termos e de forma mais pormenorizada, isso implica
que, os aludidos achados das ciências naturais, especificamente
atinentes às características anatômicas, fisiológicas, neurológicas e
mentais dos indivíduos em articulação com as provenientes das
ciências humanas e sociais, voltadas aos hábitos, crenças e valores
individuais dos membros do grupo, possam, em se metabolizando,
lançar luz mais efetiva à compreensão dos problemas culturais sob
sua dupla face, a saber: quer em relação aos próprios traços
psicológicos que servem de lastro aos comportamentos
individualmente considerados, quer, alternativamente, como eles
histórica e sociologicamente se ampliam, unificam e interagem para
se integram em atitudes valores e crenças que já agora, passam a
refletir, diga-se assim, uma espécie de vontade coletiva das
comunidades humanas.
Todavia, o problema não é tão simples assim. A conjunção
entre as ciências da natureza e as sociais e humanas, tendo em vista
as suas diferenciações finalísticas e sua diversidade de perspectivas
metodológicas, quando direcionadas a um mesmo propósito suscitam
um cuidadoso tratamento epistemológico, nomeadamente se o objeto
em questão pertence a esfera dos fenômenos socioculturais. Isso se
torna ainda mais complexo – como no presente caso - na medida em
que o desafio é confrontado vis-a-vis as teorias que se apoiam no
determinismo causalista das tradicionais correntes evolucionistas,
considerando-o o quantum satis para explicar as diferenças entre
culturas humanas; essa concepção estruturalista cria barreiras
intransponíveis entre povos e civilizações com base nas diferenças
raciais, geográficas, tecnológicas, etc.
Antes propriamente de adentrar no âmago da teoria boasiana e
suas objeções às correntes evolucionistas caberia algumas
considerações em torno do tradicional divorcio entre ciências naturais
e humanas, bem como da proposta apresentada que por parte dos
historicistas alemães.
A teoria do particularismo cultural de Franz Boas, ao se opor a
essa interpretação causal, propõe, alternativamente, uma interação
entre diferentes povos e culturas sob o pressuposto de que, não
obstante as distinções entre os seus respectivos padrões culturais é
possível encontrar pontos de intersecção entre elas, capazes de
acomodar suas respectivas diversidades e eventuais semelhanças
culturais, sem que isso chegasse a afetar substancialmente as suas
3
originais estruturas, mas que permitisse, em contrapartida, conceber
novas e mais funcionais formas de difusionismo e adaptação cultural
ao environment, ao mesmo tempo em que preservasse suas
respectivas especificidades e heranças culturais.
A teoria cultural de Franz Boas representa assim um repto
contra o determinismo cultural que predominou no século XIX, com
base nas teorias evolucionistas que predominaram à época, em
particular as concebidas por Herbert Spencer, Morgan, Taylor, Frazer
e, do ponto de vista francês, Augusto Comte, e Arthur Gobineau,
este último um dos corifeu do racismo, cuja obra “A desigualdade das
Raças Humanas” tornou-se um dos mais radicais libelos contra a
integração racial. Gobineau, diga-se de passagem, esteve inclusive
no Brasil país que considerou um caso sem solução, em virtude da
miscigenação racial aqui predominante.
Boas, em várias passagens da sua obra, refere-se a
problemática das integrações raciais e culturais, salientando que,
apesar das diferenças raciais entre os integrantes do grupo e
independentemente das prévias condições geográficas climáticas e
históricas é possível verificar que as causas que produzem essas
variações, tanto internas quanto externas, decorrem de condições
ambientais, essas últimas, e psicológica, as primeiras, representam
espécie de leis que disciplinam a evolução cultural. Logo, não há
como admitir que tais fenômenos se manifestem sob idênticas formas
e regulados pelas mesmas causas, mas que delas emergem
diferentes formas de articulação entre eles no seio da diversidade
entre culturas. As formas de criação de cultura entre diferentes
grupos não podem ser atribuídas , e não obstante as concepções,
ideias e valores dos indivíduos desenvolver a nível global, modelos
funcionais de comportamento interativo entre eles.
Apenas a título de ilustração, na sua obra, «Race, Language
and Culture« Boas deixa claro suas convicções e crenças ao
confrontar o trabalho do antropólogo, preocupado com a estrutura
dos fenômenos culturais vis-a-vis o do etnólogo, voltado à
compreensão das interações funcionais.2

«Undoubtedly these are, to a certain extent,


determined by structure, but they vary in the same
individual according to conditions, so that in a large
population, containing many distinct hereditary lines,
similar outer conditions may produce functional
similarities that may give the impression of being
determined by racial descent, while acually they are
due to similar conditions.»

Uma análise mais detalhada de uma possível conciliação entre


abordagens dessa natureza e, sobretudo, das propostas de natureza
metodológica que as interpretam é de importância fundamental ao

2
BOAS, Franz «Race,Language and Culture» -Collier MacMillan Limited, London, 1966,p.

4
objetivo deste trabalho, razão pela qual o assunto será mais
extensamente examinado.

Uma vez que as concepções de Franz Boas, em princípio, não


podem ser interpretadas sob a bitola de uma única teoria,
comportando, desse modo no seu bojo, o concurso de várias teorias e
métodos, se afiguraria, em princípio, no mínimo estranho para não
dizer incoerente, que ele tivesse – como alegam alguns dos seus
críticos – categoricamente desconsiderado desse concurso teórico a
teoria evolucionista, sem que, em contrapartida nela reconhecesse,
expurgados os seus exageros, certas virtudes, considerando,
sobretudo, a sua ampla relevância no universo acadêmico e científico
apesar – assinale-se - dos desvios epistemológicos e metodológicos
a que foi conduzida.
Caberia, então, verificar se, como e em que medida, Boas,
(que, com efeito, não havia renunciado radicalmente à utilização, do
método comparativo), por outro lado, modus in rebus dele se serviu
para efeito de fundamentar aspectos da sua concepção do
particularismo cultural.
Na verdade, apesar do fato de Boas ter criticado o
conservadorismo determinista do método comparativo clássico isso
não o impediu de aplicar métodos comparativos ao estudo das
comunidades humanas, embora o tivesse feito parcimoniosamente,
ou seja, conferindo-lhe um relativo grau de generalidade que
permitisse identificar, no contexto das comunidades humanas,
independentemente dos seus respectivos particularismos, certas
peculiares comuns às diferentes culturas, mas, sobretudo,
repugnando ilações que fossem explicadas com base em conotações
raciais, histórico-geográficas, econômicas, políticas, etc..
Em outros termos, o que Boas pretendia arguir é que, baseado
numa compreensão analógica, ou seja, numa metodologia que
permitisse identificar certas semelhanças no conjunto das diferenças,
intuir que algumas inclinações da mente humana e do grupo a que
pertence, podem conduzir a certos resultados comuns, que, apesar
de não guardarem entre si uma rigorosa identidade, permitem que se
constate entre eles formas funcionais de solucionar certos problemas,
não obstante as variações circunstanciais que os circunscrevem.3

“I wish to state once more that, in advocating this


procedure, I do not mean to imply that no general laws
of development exist. On the contrary, the analogies
that do occur in regions far apart show that the human
mind tends to reach the same results, not under
similar, but under varying circunstances.”

Ainda, no que concerne àquelas interpretações etnológicas já


referidas, desenvolvidas durante os séculos XIX e XX, cujo viés

3
Op. cit. p.341

5
racista e determinista estigmatizava as concepções desenvolvidas à
época, não seria inoportuno trazer à colação o problema sob enfoque
a importância da contribuição de Boas relativamente à compreensão
da realidade sociocultural brasileira, a qual será, igualmente, objeto
deste estudo, cuja relevância foi sobejamente enfatizada pelo
sociólogo e antropólogo brasileiro Gilberto Freyre

Freyre, um profundo estudioso da cultura e da família patriarcal


brasileiras, aluno de Boas em Columbia, na sua conhecida obra “Casa
Grande e Senzala” afirmou que as ideias do criador da Antropologia
Moderna, colocaram a questão das diferenças mentais entre grupos
humanos nos seus verdadeiros termos4:

“ele considera o fenômeno das diferenças mentais entre


grupos humanos mais do ponto de vista da história
cultural e do ambiente de cada um do que da
hereditariedade ou do meio geográfico.”

Referindo-se à importância daquele pensador para a formulação


da sua teoria sobre a problemática da miscigenação racial no Brasil,
Freyre ainda esclarece que:5

“Foi o estudo de antropologia sob a orientação do


professor Boas que primeiro me revelou o negro e o
mulato no seu justo valor – separados dos traços de
raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural,
Aprendi a considerar fundamental a diferença entre
raça e cultura, a discriminar entre os efeitos de
relações puramente genéticas e os de influências
sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de
diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta
todo o plano deste ensaio. Também no da diferenciação
entre hereditariedade de raça e hereditariedade de
família.”

Por fim, ainda acerca da contribuição de Franz Boas para a


Antropologia Cultural e das mencionadas críticas ás suas opções
metodológicas e epistemológicas é curioso verificar como elas
guardam, modus in rebus certa analogias – como se verá mais tarde
– com aquelas direcionadas pelos críticos do pragmatismo aos
genuínos líderes dessa vertente filosófica nos Estados Unidos.
Isso se explica em parte, em razão das afinidades entre as
ideias de alguns pragmatistas e as dos integrantes da corrente
antropológica intitulada de Particularismo Cultural. Elas estariam
relacionadas a preconceituosos entendimentos desses críticos de que
as mencionadas concepções estariam comprometidas ora com o
relativismo, ora com o evolucionismo, sem uma pertinente avaliação
acerca do alcance e do significado das aludidas teorias.

4
FREYRE, Gilberto “Casa Grande e Senzala”Global Editora, 2007, p..381
5

6
O relativismo tem várias acepções, sendo uma das mais
conspícuas a professada pelo pensador alemão Oswald Spengler, no
início do século XX, na sua obra “A Decadência do Ocidente” Nela,
Spengler aplica o conceito de relativismo, para além das fronteiras do
conhecimento, aplicando-o inclusive a todos os valores humanos,
sejam científicos ou morais. É precisamente pela negação da
possibilidade de transmitir valores morais que Spengler lança por
terra a possibilidade de que os mesmos possam ser transmitidos de
época para época, de civilização para civilização o que no fundo
contradiz a própria concepção de determinismo.
Quanto ao evolucionismo clássico, trata-se de uma doutrina
determinista de cunho metafísico, seja ela materialista, seja
espiritualista e que interpreta o real na sua totalidade e não
simplesmente como uma dimensão biológica da evolução dos seres
vivos. Esse evolucionismo de caráter metafísico tem em Spencer o
seu fundamental representante. Para ele a ideia do progresso é o
carro chefe que impulsiona toda a realidade. Nesse sentido, tanto
Boas, como os pragmatistas rejeitaram, categoricamente esse tipo de
evolucionismo.
Para concluir sinopticamente essa polêmica sugere-se que se
traga à baila as reflexões da conceituada antropóloga americana Ruth
Bunzel, no seu prefácio a já referida obra de Boas “Antropology and
Modern Life”. (Bunzel, juntamente com Ruth Benedict e Margareth
Mead, foram alunas das mais destacadas de Franz Boas e que
vieram, mais tarde, a se tornarem famosas pesquisadoras no campo
da Antropologia).
Bunzel esclarece que: “Boas was no ‘cultural relativist’ in the
sense of thinking that there were no ethical absolutes.”.
Para fundamentar a sua argumentação ela se serve de
exemplos atinentes às pesquisas de Boas sobre à vida primitiva dos
selvagens. Para ilustrar a sua argumentação Bunzel se refere ao fato
de que, o ter sido o canibalismo uma prática comum entre os
Esquimós, ela não pode ser considerada como algo absolutamente
neutro e infenso de considerações de natureza moral; assim, elas não
poderiam ser olhadas apenas sob o ângulo de uma objetividade
desinteressada e, muito menos de um certo relativismo determinista,
Por exemplo, em impulsos da própria natureza humana que, à luz das
concepções hobbesianas, considera o homem, instintivamente, um
ser mau e violento “Homo lupus homine” constitui um argumento que
serve, em última análise, para justificar a instituição de um regime
monárquico absolutista em que a liberdade humana é
contratualmente negociada mêrce da barganha da segurança.
As práticas canibalescas dos Esquimós, ocorreram, outrossim,
admitia Boas, em virtude de certos imperativos de sobrevivência os
quais marcaram inexoravelmente os estágios primitivos do processo
civilizatório, mas em nenhuma hipótese como instrumento de
natureza política que justificasse a submissão do grupo à vontade
monocrática do soberano.
7
Apenas, a título de argumentação – e para consignar o fato de
que, apesar do nível civilizatório do nosso atual estágio de evolução
social e política atitudes dessa natureza ainda se repetem
contemporaneamente- caberia referir ao acidente aéreo ocorrido
recentemente com um avião chileno nos Andes, do qual resultou a
prática de canibalismo entre os seus sobreviventes) Fatos como esses
colocam insuperáveis dilemas à aceitação da prática em sí,
particularmente quando problemas dessa ordem, são postos, vis-a
vis, as nossas concepções morais e as legislações modernas, o que
suscita, obviamente, dramáticas e conflitantes interpretações.
Assim, em relação aos Esquimós e as suas práticas canibalistas
elas se deveram – à luz da teoria de Franz Boas - à estrita
necessidade de sobrevivência, criando certas situações-limite que o
ser humano terá fatalmente de vivenciá-las, mas nunca estabelecer
sobre as mesmas juízos que moralmente as justifiquem.
Elas devem ser interpretadas analogamente – esclarece Bunzel
- àquelas em que o biólogo admite como inexorável os hábitos
predatórios dos tigres que se servem das suas presas para garantir a
sua própria sobrevivência. Mas, esclarece Bunzel6:

“because antropologists are studing human beings, and


because we are involved with mankind and, in a deep sense,
are our brothers keepers, this detachment is hard to achieve
without confusing moral sensibilities We have not had to live
with the daily prospect of starvation; we have not been taught
to believe that the Earth must be fertilized with human blood if
it is to bear. We can afford to value each human life.”

Um outro equívoco que igualmente se atribui à concepção


de Boas – adverte ainda Bunzel – é aquele que provém dos
críticos que costumavam taxá-lo de anti-evolucionista.
Apesar do assunto já ter sido, em parte, anteriormente
abordado há ainda certos aspectos que se torna oportuno
destacar; é que, na verdade, o que Boas realmente criticava
era aquela visão de um evolucionismo linear acerca das
interpretações etnocêntricas que prevaleceram ao longo dos
séculos XIX e XX, segundo as quais a espécie humana obedecia
a uniformes e determinísticos estágios de evolução que
necessariamente se sequenciavam numa lógica determinista e
dualista. Mas o que é mais importante destacar é que, com
base nessas premissas, as culturas eram seccionadas
praticamente em duas grandes categorias, insusceptíveis de
aproximação e de superação; aquelas que se encontravam em
estado de selvageria, atraso, subdesenvolvimento e, em
contraponto, às que tinham atingido um estágio de evolução

6
BOAS, Franz, op. cit. p.9

8
cultural avançado e, nesse sentido, não só a elas se se
antagonizavam, como poderiam tutelá-las e explorá-las7:

“It was the method and the ethnocentric bias that he


sought to correct. He believed not only in evolution, but
in progress – specifically in two fields of human
activity; in the growth of knowledge with its corollary of
technology and man’s increased control of his
environment, and man growing control of his
aggression with has enabled him to live at peace with
ever larger group of his fellows.”

Finalmente, do ponto de vista socio-antropológico, é oportuno


destacar que foi o sociólogo Emile Durkheim quem deu uma
importante contribuição para a evolução dos estudos etimológicos
através da introdução os métodos funcionalistas, como se verá
adiante. Mas, juntamente com Durkheim não se poderia omitir a
influência da obra de Franz Boas na obra de outro importante
sociólogo: Thorstein Veblen. Ambos, receberam nítidas influências de
vários pensadores pragmáticos e tiveram, por seu turno uma ativa
participação no pensamento dos mesmos. Em relação a Thorstein
Veblen, por exemplo, Lewis A Coser destaca o fato de que8 o referido
sociólogo:

“attended Charles Peirce´s lectures at John


Hopkins; John Dewey and George H, Mead were among
his colleagues in Chicago. Although there is no evidence
that he knew William James personally, his conception
of social source of self-steam and self-regard evidently
owes something to James as well as to Mead and
Dewey.”(…)”Any reader of Boas’work , or of its haute
vulgarization in Ruth Benedict Patterns of Culture,will
be struck by the resemblance between Boas’
description of the competitiveness among the Kwkiutl
where rivals fight with property only, and Veblen’s
descriptions of conspicuous consumption and waste in
his Theory of the Leisure Class.

UM ARREMATE CONCLUSIVO SOBRE O PENSAMENTO E O MÉTODO


DE FRANZ BOAS, SEU PARTICULARISMO HISTÓRICO E SUAS
APROXIMAÇÕES COM O PENSAMENTO PRAGMÁTICO

O papel desempenhado por Boas na história e no


desenvolvimento da moderna Antropologia, através do seu
Particularismo Histórico, caracteriza-se, sobretudo pela ruptura entre
teoria e prática, o que o põe em conflito com o clássico viés dualismo
que caracterizou a epistemologia moderna, desde Descartes. Com
isso, a explicação causal caí por terra e Boas e seus seguidores,

7
BOAS, Franz, op.cit. p.10
8
Coser A Lewis “Master of Sociological Thought” Harcourt Brace Jovanovich Inc. , New York, 1971 p
292/203.

9
inauguram uma nova etapa no desenvolvimento das ciências sociais,
em particular da Antropologia.
A relação dos antropólogos formados sob a orientação de Boas
é praticamente incalculável; além daquelas já mencionadas e que
foram suas mais diletas discípulas, Ruth Benedict, Ruth Bunzel e
Margaret Mead, detaque-se ainda. Alfred Koeber, Robert Lowie
Eduard Sapir, Melville Herskovits, Alexander Goldweiser e outros.
Mas, na verdade, Boas nunca impôs as suas convicções a nenhum
deles, dando plena liberdade para que cada um construísse o seu
próprio caminho, muito embora, na sua longa estada na Universidade
de Columbia tivesse exercido uma forte e continua liderança, tanto do
ponto de vista acadêmico stricto sensu quanto da sua habilidosa
capacidade de organizar e dirigir iniciativas atinentes aos eventos na
esfera das atividades antropológicas, num ambiente no qual essas
atividades ainda não haviam galgado um espaço de cientificidade
relevante.
Apesar da sua preocupação com as diversificações históricas
das culturas e a sua natural rejeição a interpretações de cunho
globalizante, estribadas na clássica teoria da evolução e na esteira do
método comparativo, Boas, ponderadamente, criticou a ênfase
atribuída às teses que superestimavam as regularidades e
subestimavam as particularidades na totalidade do universo cultural.
Como ele acentuou na já mencionada obra “Race, Language and
Culture”9:

Thus we have seen that the comparative method can


hope to reach the results for which it is striving only
when it bases its investigations on the historical results
of researches which are devoted to laying clear the
complex relations of each individual culture. The
comparative method and the historical method, if I may
use these terms have been struggling supremacy for a
long time, but we may hope that each will soon find its
appropriate place and function. The historical method
has reached sounder basis by abandoning the
misleading principle of assuming connection wherever
similarities of culture were found.

Por fim, vale destacar que essa virada antropológica não


representou apenas uma tomada de posição metodológica
independentemente do que, de forma similar, veio a ocorrer no
campo da Sociologia e da Filosofia, particularmente no que concerne
as suas respectivas abordagens metodológicas.

AS REFLEXÕES DE BOAS ACERCA DO INDIVÍDUO E DA FORMAÇÃO


CULTURAL DAS COMUNIDADES GRUPAIS À LUZ DA CONCEPÇÃO
PRAGMÁTICA DE JOHN DEWEY

9
BOAS, op, cit. p.280

10
As considerações acerca do indivíduo e de suas interações com
o grupo, acima discutidas, segundo as propostas antropológicas de
Franz Boas serão, agora, analisadas sob a ótica de um dos fathers do
pragmatismo americano, John Dewey.
Dewey assinala que, o indivíduo, desde o seu nascimento,
enquanto partícipe de um grupo social, está compulsória e
constantemente assimilando e incorporando culturalmente tradições,
costumes e crenças oriundas do grupo. Entretanto, nas sociedades
onde a solidariedade é mecânica - para utilizar uma das categorias de
Durkheim - rupturas com tabus e mitos representam atitudes
desleais que afrontam a vontade coletiva. Portanto a rotina deve ser
religiosamente mantida e as inovações drasticamente recalcadas.
Contudo, a proporção que o conhecimento, os processos de
comunicação e as novas técnicas de lidar os recursos naturais e
humanos se ampliam e diversificam, a sociedade progressivamente
se vai tornando orgânica, (o contraponto durkheimiano ao conceito
de sociedade mecânica) permitindo que tais conhecimentos e técnicas
passem a ser a ela incorporados, através da sua assimilação à
mentalidade e aos hábitos dos indivíduos, favorecendo a inovação e a
criatividade10:

“Under such circunstances, individual variations of


thought remain privates reveries or are soon translated
into objective established institutions through gradual
accumulation of imperceptible variations. The
exceptional character of creative individuality is
reflected in attribution of the origin of arts, industrial
and political to gods and semidivine heroes.”

Um primeiro ponto merece aqui destaque: a abordagem


filosófico-metodológica pragmática, utilizada pelo Pragmatismo,
pressupõe a discussão de dois aspectos que, modus in rebus,
ratificam e consolidam o seu parentesco com os estudos
antropológicos: a) a abordagem interdisciplinar a qual atua como
uma espécie de cimento capaz de possibilitar a ambos a consolidação
das investigações provenientes de diferentes saberes e culturas como
no caso do presente estudo, na busca de formas interativas que
permitam metodologicamente encontrar um denominador comum,
hábil a articular - sem, com isso, identificar ou muito menos dualizar
- os achados oriundos das ciências estruturais de núcleo duro
(ciências naturais) e aquelas que lidam com aspectos funcionais
relacionados às predisposições mentais e idiossincráticas dos
indivíduos; b) o segundo ponto de interseção concerne ao próprio
conceito da palavra experiência e da forma como sua correta
interpretação poderia converter-se numa forma mais elevada de
vivência cultural: a experiência democrática.

10
DEWEY, John “Experience and Nature, op.cit. p, 175

11
DOS CONCEITOS DE “EXPERIÊNCIA” E “DEMOCRACIA” NA
FILOSOFIA DE JOHN DEWEY

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O conceito de interdisciplinaridade já vem sendo explorado


como um dos métodos imprescindíveis à compreensão integrada dos
objetos do conhecimento, sejam eles naturais, sociais ou humanos.
Para melhor ilustrá-lo conceba-se, figurativamente, a imagem de um
cristal ou de um diamante, cujas facetas, expostas à luminosidade
exibem cada uma delas, uma face da pedra que representa, sob certo
aspecto, visões particularizadas do seu conjunto cromático; mas por
seu turno, cada uma delas integra a sua totalidade, de sorte que, na
ausência de qualquer uma, o objeto deixaria de ser o que
originalmente é e o que integralmente representa.
Aplicada, agora, essa figuração, por exemplo, à análise,
interpretação e aplicação do fenômeno jurídico é fácil de pronto
perceber que as tonalidades de que tal fenômeno se reveste
(econômica, sociológica, antropológica, científica, filosófica, ética,
etc.) são fundamentais à sua compreensão integrada, caso contrário,
se reduzida ao mero logicismo positivista, tornar-se-ia
necessariamente refém da vontade do Estado e de seus detentores.
Essa alegoria - supõe-se - tem um papel didático para que
melhor se compreenda a relevância da interdisciplinaridade para os
propósitos de um trabalho que pretende se servir dos métodos de
pesquisa comuns às ciências da natureza e das sociais e humanas.
O próximo passo será, então, uma incursão sobre o
conceito de experiência e suas possíveis implicações e aplicações
para a temática sob estudo.

DO CONCEITO PRAGMÁTICO DE EXPERIÊNCIA

O conceito de experiência representa o fundamento que dá


sustentabilidade e funcionalidade à filosofia pragmática. A presente
abordagem considera-o, inclusive, um pressuposto indispensável para
que se chegue à pretendida compatibilidade entre os propósitos do
Pragmatismo e os da Antropologia Cultural, como sugere o presente
estudo. Isso porque, sendo a experiência o locus por excelência onde,
culturalmente, ambos encontram um denominador comum, as
reflexões e ações humanas, voltadas que estão às especificidades,
mutações e conflitos inerentes à sua própria natureza,
constantemente necessitam, metodologicamente, de uma adequada
compreensão intelectual, capaz de articular propostas hipotéticas
voltadas à solução de situações problemáticas que possibilitem a sua
superação.
A importância do conceito de experiência associado – como se
mencionou acima - ao de democracia, representa – inobstante as
idiossincrasias de alguns filósofos pragmáticos - um consenso
12
unânime entre eles. Ninguém, todavia, foi mais enfático quanto a sua
relevância do que John Dewey. Por conseguinte e com base nessas
ponderações é que se optou por considerar o aludido pensador como
o paradigma hábil à exposição dos aludidos conceitos
A importância dessas reflexões ganha maior magnitude, na
medida em que provém da filosofia de John Dewey - o mais
importante filósofo e educador americano. Dewey, ademais, foi o
pensador que mais do que qualquer outro, hiperbolizou os aspectos
políticos e educacionais da vida individual e social e da relevância da
democracia como conditio sine qua o consecução da autêntica
realização do homem. O que sobremodo contribuiu para que sua
imagem fosse objeto de uma contínua deterioração, seja na
convencional sociedade liberal americana, seja em outras regiões do
planeta.
Dewey chegou, inclusive, a ser considerado um radical agitador
e um perigoso ativista político.

Dewey diagnostica como uma espécie de patologia social a


inclinação da maioria dos seres humanos de conceber e procurar
solucionar os problemas, colocando-os sob a forma de conflitos que
estão a requerer soluções extremas ou seja, as escolhas da maioria
dos homens se dá na base do binômio dualista cuja equação se reduz
a ou ser isso, ou ser aquilo, não se admitindo, quaisquer
possibilidades intermediárias.
Com efeito, extremos não convergem, mas isso não implica,
afirma Dewey, que não se possa procurar um nível de conciliação
entre eles; assim, quando os problemas emergem e se antagonizam
no seio dos movimentos sociais, intelectualmente eles se refletem
sob a forma de controvérsias; há, do ponto de vista histórico, dois
tipos de interpretação que predominam no seio das relações sociais:
ou os indivíduos se apegam a valores e condutas acumuladas em
experiências passadas, ou simplesmente as rejeitam, seduzidos por
propostas inovadoras que rompem com o passado e com suas
tradições. Então, a proposta de Dewey consiste em, hipoteticamente,
tentar construir teorias que se proponham a compreender e
equacionar essas divergências antagônicas, através de uma
formulação crítica de teóricas alternativas que, nem adiram ao
saudosismo do retrocesso, nem cedam ao fascínio impensado pelo
novo e o inusitado. Decisões inteligentes nesse caso são
fundamentais (Inteligência e racionalidade não são sinônimos, muito
embora não sejam termos excludentes); logo, um plano de ação
inteligente pressupõe – como numa régua de Lesbos – um
aprofundamento e superação dos extremos inerentes as concepções
e práticas em disputa, através da sua subsunção, através da criação
de uma terceira alternativa.
Cabe, ainda, por fim, fazer mais uma referência às
mencionadas aproximações entre o Pragmatismo e a Antropologia
dessa vez relacionando-as à História. Isso porque entre elas há
13
também um predicamento comum que merece menção. É que cada
um ao seu modo, embora atribuam importância ao indivíduo como
agente das ações culturais, procuram estender e ampliar o seu olhar
para além de uma pura perspectiva subjetivista. O propósito passa a
ser então o de compreender, para além dele, certas peculiaridades
inerentes às condutas vistas numa perspectiva coletiva e que geram,
frequentemente, com não pouca frequência, situações problemáticas
que, por seu turno, conduzem à inúmeras perplexidades. É
precisamente nessas circunstâncias que há de se estar atento contra
as tentações de recorrer aos clássicos modelos cartesianos ou
behavioristas que põem o acento na representação racional pura do
objeto, ou numa relação entre o racional e o sensível cindidos por
um corte epistemológico, ou ainda recorrendo a leis uniformes e
unilineares submetidas à camisa de força de uma rígida e inexorável
teoria da evolução.
Dewey, que teve oportunidade de conviver na Universidade de
Columbia com Franz Boas e assimilar os aspectos nobres das suas
concepções destaca enfaticamente que11:

“Contemporary anthropologists have made clear the


historical nature of the phenomena with with they deal.
Cultures are in many respects individual or unique and
their manifestations are ‘explained’ by correlations with
one another nad by borrowings due to change contacts.
The chief, even if not sole,law of their changes is that
of transmission from other individual cultures.”

Visto, desse modo, na perspectiva histórica acima referida,


resta ao Pragmatismo e à Antropologia ainda a lição que deriva do
conceito basilar que serve de fundamento as suas construções
teórico-práticas: a teoria da experiência. Ela não interpreta o
passado, e o presente como momentos isolados e incomunicáveis.
Eles são sim, instâncias de um mesmo processo dialético, sujeitos a
uma contínua evolução e a uma mútua superação; certas
experiências passadas podem ser valiosas enquanto são capazes de,
estimular e promover o desenvolvimento de novas e mais ricas
experiências, ou, ao revés, na hipótese das mesmas se afigurarem
problemáticas, readaptá-las de sorte a superar os conflitos e
controvérsias que impedem o seu crescimento.
Os efeitos e as consequências dessa teoria Dewey,
analogamente, as canaliza para o processo educativo. Assim, é
possível que, tanto uma experiência educativa pretérita possa ser
promissora para o processo educativo do presente, como,
contrariamente, uma experiência do presente que não promova o
crescimento de novas e mais promissoras experiências pode ser
perniciosa tanto para o hic et nunc quanto para o futuro. Esse é o

11
DEWEY, op.cit. p.p.122/123

14
pêndulo do relógio pragmático deweyano sob o qual oscila os
aconteceres experienciais.
Observe-se que no background dessa simples descrição acerca
do conceito de experiência é possível vislumbrar a presença de duas
teorias que servem de alicerce à sua conceptualização: a) o
evolucionismo e b) o espectro do método dialético hegeliano; quanto
ao primeiro, sua interpretação aproxima-se daquela esposada por
Boas, a qual será adiante analisada; em relação à segunda, vale
trazer à colação o depoimento do próprio Dewey ao afirmar que – não
obstante as suas divergências, a concepção hegeliana, Hegel havia
deixado um legado permanente para a sua formação filosófica.
O conceito de experiência inunda o universo pragmático, constituindo
o substrato de todo o conhecimento, filosófico, científico, sociocultural
ético e estético. Enquanto totalidade experiencial ele representa um
aglomerado infinito de elementos a estabelecerem entre si as mais
diversas e por vezes conflitantes relações.
Precisamente, por conta dessa variedade diversificada, tudo se
submete a um quê de precariedade, de instabilidade, suscetível a
contínuas e inesperadas transformações. Consequentemente, a
experiência se estiola num contínuo, que ora promove interações
entre os indivíduos ou entre estes e o meio-ambiente, ora acarretam
aporemas, raciocínios lógico-dialéticos que, segundo Aristóteles12,
conduzindo à perplexidade e a rupturas, em virtude de não permitir
que se identifique qual das alternativas inerentes à contradição se
possa optar.
Mas há ainda, por fim, outra área do conhecimento humano,
também inerente a presente análise, que não pode ser
desconsiderada, mercê do seu legado indispensável a uma
compreensão mais nítida da evolução do processo cultural e também
e principalmente, por guardar uma consanguínea relação com a
natureza e a função dos achados antropológicos e sócio-jurídicos
objeto da presente investigação. Trata-se da História. Isso porque,
tomando como ponto de partida as investigações históricas dos
antigos gregos, observa-se que foi a partir de Heródoto e depois com
Tucídides - apenas para mencionar alguns clássicos historiadores
notáveis – que elas, ao longo de todo o processo civilizatório, se
sucederam, com o propósito de temporalmente, descrever e
analiticamente interpretar o processo evolutivo das diferentes formas
de organização social, política, econômica, filosófica e estética da
cultura humana.
Estribado nessas reflexões sobre o conceito de experiência,
Dewey faz um balanço crítico das duas principais propostas
metodológicas modernas que, respectivamente se propõem, sob
premissas opostas, a explicar o que é o real e como, a partir dele, é a
possível acessar à verdade: o Racionalismo de René Descartes e o
Empirismo de John Locke.

B12 ABBAGNANO, Nicola “Dicionário de Filosofia” Martins Fontes, São Paolo, 1999, p,74

15
Segundo ele, a concepção cartesiana se apoia em dois pilares
historicamente distantes e epistemologicamente incompatíveis: a
reminiscência à ideia do “Ser”, cuja origem mais remota encontra-se
na Grécia com Parmênides, mas que, no século III, assume uma
feição neo-platônica com Plotino; segundo a acepção plotinana,
inclina-se por uma metafísica dualista e monista. Por um lado
pretende superar o dualismo platônico através da ideia do monismo
desenvolvido pela filosofia estoica, tudo sob a égide ds lógica
aristotélica; a visão inteligível do ser, não se esgota na pura forma,
mas congrega forma e matéria sendo esta última plenamente
inteligível. Segundo ele, esse arbítrio intelectualista que pretende
metodologicamente submeter o conhecimento dos objetos à camisa
de força do isolamento cognitivo, desconhece, como afirmava Dewey
que: They are things had before they are things cognized”.13

“The isolation of traits characteristic of objects known,


and then defined as the sole ultimate realities, accounts
for the denial to nature of the charaters which make
things lovable and contemptible beautful and ugly,
adorable and awful. It accounts for the belief that
nature is na indiferente, dead mechanism; it explains
why charqacteristics that are the valuable and valued
traits of objects in actual experience are thought to
create a fundamentally troublesome philosophical
problem.”

Quanto a Locke, analisando historicamente a proposta do


filósofo inglês de que a mente é uma “tabula rasa”, seria possível
interpretá-la como uma tentativa de arquitetar o deslocamento de
categorias como gênero- espécie, cuja natureza é físico-biológica
para uma dimensão psicológica, na suposição de que, desse modo,
seria possível restabelecer bases empíricas a uma nova explicação da
relação sujeito-objeto. Entretanto, Locke, de fato, não assume o real
como um ponto de partida, mas, no dizer de Padovani, se serve do
pensamento ”fenomenalisticamente,” para chegar a ele, ou em outras
palavras, utilizando-se de uma nova forma de dualismo, pretende
acessar o mundo empírico tendo como aval o próprio pensamento;
isso, segundo Dewey, deixa claro que, para Locke, o pensamento é,
inevitavelmente, o ponto de contato com a realidade objetiva:14

“Similarly Locke’s simple idea is the classic Idea, Form


or Species dislodged from nature by external existence
and remains coercive for all subsequente intelectual
operations. The subjective as such is alien to Locke’s
way of thinking; his whole bias is against it, and in
favor of what is grounded in nature being a matters of
relations already established.The simple ‘idea’ is
merely man’s available point of contact with the

13
DEWEY, John “Experience and Nature”Open Court, 1971, p.21
14
DEWEY, John, op. cit. p.188

16
objective order; and in this contact resides its whole
import

Os princípios da continuidade e da interação são - como


intitulou John Dewey – as dimensões laterais e transversais da
experiência. Elas correspondem às formas ordenadoras da totalidade
dos fenômenos naturais e humanos que se processam no tecido da
natureza e do cultural environment.

Mas há ainda, por fim, outra área do conhecimento humano,


também inerente a presente análise, que não pode ser
desconsiderada, mercê do seu legado indispensável a uma
compreensão mais nítida da evolução do processo cultural e também
e principalmente, por guardar uma consanguínea relação com a
natureza e a função dos achados antropológicos e sócio-jurídicos
objeto da presente investigação. Trata-se da História. Isso porque, se
tomar-se como ponto de partida as investigações históricas dos
antigos gregos, observa-se que foi a partir de Heródoto e depois com
Tucídides - apenas para mencionar alguns clássicos historiadores
notáveis – que elas, ao longo de todo o processo civilizatório, se
sucederam, com o propósito de temporalmente, descrever e
analiticamente interpretar o processo evolutivo das diferentes formas
de organização social, política, econômica, filosófica e estética da
cultura humana.
Apesar da relevância dessas propostas metodológicas que
tiveram curso na mais recente Modernidade, sobretudo aquelas
relacionadas aos referenciais teóricos utilizados na presente
investigação e que ocorreram no final do século XIX e durante o
século XX, caberia, ademais, se bem que de forma sinóptica,
retroagir a análise a certos antecedentes histórico-filosóficos que,
apesar da sua longevidade secular, ainda se estendem e numa
considerável medida influenciam todo o panorama filosófico da
história cultural contemporânea.

A PROBLEMÁTICA METODOLÓGICA E SEUS ANTECEDENTES


HISTÓRICOS NA MODERNIDADE: A PROPOSTA CARTESIANA

O fosso que cindiu o conhecimento entre o científico e o


humanístico; ciências da natureza e ciências sociais; filosofia, ciência,
religião e arte representou um longo e tortuoso capítulo da história
da cultura ocidental.
Com efeito, um dos mais influentes paradigmas que
fundamentou e deu projeção especial a essas rupturas, teve a sua
origem na proposta racionalista formulada pelo filósofo francês René
Descartes, nomeadamente na sua obra “Discours de la Methode”,
obra que se encontra na origem de uma outra, não menos
importante, intitulada “Méditations Métaphysique”.

17
Descartes tomou, preliminarmente, como seu ponto de partida
às suas reflexões sobre a verdade e a falsidade o repúdio a todo e
qualquer saber que proviesse da autoridade de outrem. Numa
considerável medida isso se deve à forma como sua educação foi
conduzida.
Descartes estudou no Colégio de La Fléche, uma instituição Jesuítica
na qual, obviamente, predominava o método silogístico-dedutivo
utilizado pelos escolásticos. Logo, uma das consequências dessa sua
formação foi a de ser levado a assumir uma atitude crítica, como um
essencial requisito à sua teoria racionalista. Por conseguinte, a
atitude metodológica que ele considerou como o único porto seguro
para que se pudesse chegar a verdades claras e distintas, seria a de
adotar, como ponto de partida a qualquer investigação acerca do que
é verdadeiro ou falso, a dúvida metódica. Com isso, Descartes
atribuiu à sua própria razão um papel crítico-criativo por considerá-la
como o instrumento, por excelência, capaz de ascender direta e
substancialmente à natureza mesma da sua própria existência: “je
pense, donc je suis”, eis o postulado que fundamenta todo o edifício
epistemológico desenvolvido pelo pensador francês. Uma das
consequências resultante da adoção dessa premissa é em
contrapartida, o ceticismo assumido por Descartes em relação ao
papel dos sentidos no conhecimento humano.
Dito ceticismo assume uma conotação filosófica; em
observando as reflexões desenvolvidas por Descartes nas primeiras
“Méditations Métsphysiques”, verifica-se que ele procura discorrer
acerca das coisas que se podem duvidar, chegando mesmo a assumir
uma postura fantasiosa. Ora – argumenta - se sou homem e se
costumo, como é óbvio, dormir, nessas ocasiões os meus sonhos me
trazem representações que não condizem com a própria realidade.
Assim, estando eu junto ao fogo, vestido, muito embora realmente
estivesse nu me minha cama, isso me leva a acreditar que vivo
constantemente enganado por tais ilusões e que não se trata,
apenas da dúvida natural dos sentidos, mas da hipótese de que tudo
me leva a admitir que existe um Gênio Maligno que esta
permanentemente a me enganar e que é capaz de por em dúvida
autenticidade das coisas do mundo e até a existência de Deus.
Segundo Descartes15:

“Je supposerai donc qu’il y a, non point um vrai Dieu,


qui est la souveraine source de vérité, mais um certain
mauvais genie, non moins rusé et trompeur que
puissant, qui a employé toute son industrie à me
tromper. Je penserai que le ciel, l’air, la terre, les
couleurs, les figures, les sons et toutes les choses
extérieures qui nous voyons ne son que des illusions et
tromperies, dont il se sert pour surprendre ma
credulité. Je me considérerai moi-même comme

15
DESCARTES, René – Méditations Métaphysiques” Presses Universitaires de France, 1956. p,p,33/34

18
n’ayant point de mains, point d’yeux, point de chair,
point de sang, comme n’ayant aucuns sens, mais
croyant faussement avoir toutes ces choses; et si par
ce moyen, il n’est pas em mom pouvoir de parvenir à la
connaissance d’aucune vérité à tout le moins il est in
ma puissance de suspendre mon jugement”

A propósito, vale de logo consignar que a filosofia cartesiana foi


enfaticamente exaltada por Bertrand Russell um dos corifeus
modernos do positivismo lógico.
Em outras palavras, o raciocínio genuíno inerente ao cartesianismo
corresponde àquele que é capaz de conduzir o ser humano da dúvida
e da incerteza às verdades evidentes, abstraindo as falácias dos
sentidos para alcançar a perfeita conjunção entre a mente e a
verdade.
Para atingir esse desiderato Descartes enumera quatro estágios
que a mente deve obedecer para atingir o seu real propósito: a)
nunca aceitar como verdadeiro algo que não se reconheça como tal;
b) examinar cada evidência, subdividindo-as e analisando cada uma
das suas possíveis alternativas de solução; c) conduzir o raciocínio de
modo a que, em partindo das ideias mais simples, poder elevar-se
progressivamente a um nível do conhecimento mais complexo e
seguro e, finalmente, proceder a uma última e apurada revisão, de
sorte a assegurar que nada foi efetivamente omitido.
Consequentemente, o insight concebido por Descartes leva-o
então a concluir que verdades, claras e evidentes só podem ser
racionalmente concebidas e demonstradas, se, e somente quando,
submetidas à bitola das matemáticas. É o que se constata da leitura
da segunda parte da sua obra “O Discurso sobre o Método”.16

“Ces longues chaines de raisons, toutes simples et faciles,


dont les géomètres ont coutume de se servir pour parvenir a
leurs plus difficiles démonstrations,
m’avaient donné occasion de m’imaginer que toutes les
choses qui peuvent tomber sous la connaissance des hommes
s’entresuivent em même façon et que, pourvu seulement
qu’on s’abistenne d’em recevoir aucune pour vraie qui ne le
soit et qu’on garde toujours l’ordre qu’il faut pour le déduire
les unes des autres, il n’y em peut avoir de si éloignées
auxquelles enfin on ne parvienne, ni de se cachées qu’on ne
découvre.”

A constatação cartesiana representa, nessas circunstâncias, o


tiro de misericórdia desfechado contra todo e qualquer conhecimento
que não esteja subordinado à camisa de força da sua nova proposta
metodológica.
A proposta de Descartes constitui um desafio e uma tentativa
de falsear não só as bases experienciais do conhecimento, mas
também das suas possibilidades observacionais e, por conseguinte,
16
RENÉ, Descartes, “Discours de la Méthode” Livrairie Larousse, Paris VI p.27

19
em desacordo com a clássica concepção acerca do conhecimento
intelectual formulada por Aristóteles, cujo ponto de partida encontra
o seu alicerce no empírico, conforme se pode defluir da sua máxima
“Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu”. Essa ruptura
caracteriza, outrossim, o dualismo com o qual ele cinde a realidade
criando um fosso intransponível entre a razão e a experiência
empírica.
Mas a crítica cartesiana é também direcionada à própria lógica
vigente ao seu tempo, apoiada no raciocínio silogístico, direcionado
aos problemas de toda a filosofia então predominante; e, last but not
least, ele igualmente estendeu-a às aplicações álgebrícas, bem como
à clássica geometria analítica. Descartes então assinala que, apesar
dos estudos que empreendeu desde jovem no campo da filosofia, da
lógica e da matemática, nomeadamente em relação as análises
levadas a efeito pelos geômetras e que se voltaram ao estudo da
Álgebra, não lhes trouxe respostas mais consistentes às suas
indagações, Segundo ele17:

“Mais, en les examinant, je pris garde que, pour la logique, ses


syllogismes et la plus part de ses autres instruitions servent
plutôt à expliquer à autri les choses qu’on sait, ou même ,
comme l’art de Lulle, à parler sans jugement de celles qu’on
ignore, qu’à apprendre; et bien qu’elee contienne, en effect,
beaucoup de préceptes três vrais et três bons, il y en a
toutefois tant autres mêlés parmi qui son nuisibles ou
superflus, qu’il est preque aussi malaisé de les en séparer que
de tirer une Dianne ou une Minerve hors d’une bloc de marble
qui n’est point encore ébauché. Puis, pour l’analyse des
anciens et l’algebre des modernes, outre qu’elle ne peut
exercer l’entendement sans fatiguer beaucoup l’imagination;
et on s’est tellement assujetti em la derniére à certains
régles et à certains chiffres, qu’on em a fait um art confus et
obscur qui embarrasse l’esprit, ao lieu d’une Science que le
cultive.”

Nesse sentido, os fundamentos do racionalismo cartersiano na


modernidade foram concebidos às expensas de sofisticados níveis de
abstrações que se propunham a superar os cânones da clássica
Geometria Analítica e do estado d’arte da Álgebra de então.
Em síntese, o que também se deflui do texto de Descartes é a
sua fina ironia em relação ao legado filosófico que o antecedera. Ela
se torna mais explicita na medida em que ele afirmara que, apesar de
quase uma década dispendida e das inúmeras discussões levadas a
efeito pelos grandes pensadores que o antecederam, ele constatou
que nada havia de seguro que pudesse ser acrescentado, ou que
trouxesse fundamentos mais sólidos para às suas próprias
conjecturas .
Muito se tem argumentado em torno do dualismo que
caracteriza o pensamento de Descartes. Alega-se, em seu favor,
17
DESCARTES, René – op. cit. pp.25/26

20
tratar-se de um dualismo gnosiológico e não metafísico; que os seus
estudos biológicos e fisiológicos acerca do corpo humano trouxeram
uma nova conotação acerca das possíveis interações entre corpo e
mente, o que representaria um elo de conciliação entre a sua
Metafísica e a sua Filosofia da Ciência.
Não é esse, contudo, o espaço para uma análise dos
fundamentos que dão suporte a tais argumentos, uma vez que eles
não fazem parte do objeto nuclear desta investigação. A sua exclusão
se deve, ademais e sobretudo, diga-se de passagem, ao fato de que
o point de départ do presente estudo considera irreversivelmente
aporética a prévia convicção da sua proposta filosófica – inobstante a
sua importância e o seu papel para o conhecimento lógico-
matemático – por restringir as possibilidades do conhecimento
empírico, na medida em que impôs um apriorismo ao ato de pensar
ao introduzir, como única e categórica alternativa, o modelo more
geométrico, único capaz, segundo Descartes, de facultar o acesso à
realidade.
Sob a ótica pragmática, o método preconizado pelo discurso
cartesiano, é aprisionado nas quatro paredes do seu calabouço
subjetivista. Sua proposta é absolutamente hermética, porque
incapaz de desvelar novos e mais promissores caminhos para uma
saudável interação entre a mente e as diferentes facetas e
potencialidades que a totalidade do mundo real é capaz de oferecer.
Essa é, em síntese, a substância da proposta pragmática, na medida
em que ela faculta aglutinar inusitadas experiências, que ao se
somarem, continua e interativamente, facultam uma ampla e mais
rica visão do mundo da vida (Lebenswelt) e as suas possíveis
consequências. Descartes, ao revés, desenvolveu um método
normativo, dualista, que formalmente impôs ao pensamento
condições apriorísticas de certeza, deixando à margem o potencial
que uma filosofia da experiência poderia efetivamente oferecer. Essa
é uma das principais razões que servem de fundamento à
considerável afinidade entre o cartesianismo e a já mencionada
filosofia do positivismo lógico.
Por todos esses argumentos e, a título de uma preliminar
conclusão que pretende ir um pouco além das considerações
antecedentes, propõe-se que a abordagem metodológica a ser
doravante adotada ao problema sob investigação compreenda: a) o
reconhecimento da existência de uma profunda inter-relação entre
fenômenos sócio-culturais e jurídicos b) a suposição de que a
proposta metodológica oriunda da Filosofia Pragmática se afigura
como a mais pertinente e afim à análise dessas duas dimensões do
universo cultural c) considerando a amplitude dos problemas culturais
envolvidos, busca-se encontrar na Antropologia um locus privilegiado
à identificação de preciosos subsídios e um mais amplo e percuciente
entendimento do universo da cultura. Para tanto, por fim, é crucial
que se promova uma articulação entre a referida abordagem
pragmática e o método concebido pelo antropólogo Franz Boas, com
21
o propósito de, às expensas desse concurso, aprofundar e tornar
mais abrangente a análise compreensiva dos fenômenos culturais em
questão.

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA DA CRISE SOCIAL E


POLÍTICA NA ALEMANHA; A CRÍTICA VOLTADA À PRÓPRIA NATUREZA
DAS CIÊNCIAS; UMA ANÁLISE FENOMENÔLÓGICA COM VISTAS A
UMA POSSÍVEL INTERAÇÃO ENTRE AS CIÊNCIAS QUE SE SERVEM
DOS MÉTODOS EXPLICATIVOS, VIS-A-VIS AS QUE SE UTILIZAM DA
ABORDAGEM COMPREENSIVA E COMO CONCILIÁ-LAS E DIRECIONÁ-
LAS À INVESTIGAÇÃO DOS PROBLEMAS RELACIONADOS À ESFERA
CULTURAL

O monumental jurista e pensador liberal, considerado o pai dos


Constitucionalismo alemão Johann Jacob Moser, autor da alentada
obra de 53 volumes, versando sobre as fontes do Direito
Constitucional “Deutsches Staatsrecht, profeticamente declarou que a
nação alemã, herdeira do Sagrado Império Romano, não teria
chegado ao nível de fragilização social e religiosa em que se
encontrava, não tivesse incidido nos mesmos equívocos cometidos
pelo aludido Império. Segundo ele:

“The Roman Empire would still be indisputably the greatest


power in Europe if its people and above all those in the
highest positions of power, could reconcile their differences
and work more for the common good than for the furtherance
of their private interests.”

A degradação das províncias alemãs durante o século XVII,


particularmente no que concerne aos problemas de natureza
econômica e política foi – como afirma Moser – uma consequência
dos mesmos equívocos que já haviam ocorrido no Sacro Império
Romano. Tirante a Prússia, que tinha uma considerável projeção no
cenário europeu, poder-se-ia dizer que a Alemanha, de modo geral,
encontrava-se numa posição profundamente subalterna, se
comparada, por exemplo, a países como a Inglaterra, a França, a
Espanha e a Itália.
Há, todavia, um único aspecto o qual discrepa do conjunto
dessas condições de retrocesso e que precisa ser aqui consignado: é
que, apesar das crises resultantes do aludido estado de coisas, de
modo geral, algo ainda merecia especial destaque, no contexto social
das províncias germânicas; o fato de que o sistema educacional
vigente proporcionava à juventude um excepcional nível de
excelência cultural o qual, sem nenhum favor, tornou-se deveras
invejável em todo o continente europeu.
O esfacelamento político social e econômico da Alemanha
sofreu um sensível recrudescimento, nomeadamente durante o século
XIX. O Reich deixa praticamente de existir por força da interveniência

22
do poder bélico do exército de Napoleão que, numa jogada política de
mestre, coopta uma aliança com 16 príncipes alemães para formar a
chamada Aliança do Reno.
A Prússia - que tinha como capital a influente cidade de Berlim
– cuja origem nobiliárquica remontava aos reis oriundos da
prestigiosa Casa de Hohenzollern, já vinha exercendo, ao longo de
todo o século XVIII, uma sólida liderança, nomeadamente através do
seu famoso monarca Frederico o Grande o que deu ensejo que o
estado prussiano se projetasse e que desempenhasse um papel
relevante, tanto na história política e social alemã quanto a sua
influente participação da sua corte a nível internacional. Todavia,
diante da nova conjuntura bélica imposta pelo poder do Imperador
francês Napoleão Bonaparte a Prússia se viu forçada inclusive a ter
que recuar o seu território para a margem direita do Reno. Só após a
defecção das forças francesas napoleônicas e com o advento do
Congresso de Viena, - responsável que foi pela reorganização política
e territorial de toda Europa - é que, mais uma vez, desabrocham as
condições necessárias a um promissor soerguimento da Prússia.
Soerguimento que veio a se consolidar na segunda metade do século
XIX com a criação da Alemanha Menor e a exclusão do Império
Austríaco. a Prússia retorna com toda a sua pujança ao cenário
europeu, já então sob o comando do então Chanceler Otto von
Bismark.
. Com isso, ela consegue não só retomar o seu espaço
territorial, mas, sobretudo, restaurar o seu prestígio e desta feita com
maior vigor, consolidando a sua liderança social política e econômica,
para eventualmente se tornar em 1871, o novo Império Alemão.
Sua projeção, todavia, teve uma efêmera duração. Em 1918, o
Império prussiano foi dissolvido, mercê da criação da chamada
República de Weimar. Esse foi, na verdade, o primeiro estágio para o
advento do seu ulterior e nostálgico epílogo o qual veio efetivamente
a ocorrer no ano de 1940, ocasião em que o estado prussiano foi total
e definitivamente abolido. Sua projeção, todavia, teve uma efêmera
duração. Em 1918, o Império prussiano foi dissolvido, mercê da
criação da chamada República de Weimar.

Entretanto, faz-se necessário retroceder um pouco no tempo,


para fazer uma referência mais específica as já mencionadas
conquistas que resultaram numa sensível valorização do povo
germânico. Conquistas que foram alicerçadas através das
significativas reformas ocorridas nos planos educacional e cultural,
nomeadamente a partir do início do século XIX; reformas que vieram
a atingir o seu ápice durante o período que coincide com o da
reorganização política e administrativa da sociedade e do poder
militar prussiano. È o momento em que Willerm Von Humboldt faz a
exaltação do Espírito alemão como a sede da genuína liberdade. Em
outras palavras, para ele, a essência da liberdade tem o seu locus no
Espírito e não na Política. Essas ideias sobre o conceito de liberdade
23
Humboldt as direcionou à criação da Universidade de Berlim. A
Universidade humboldtiana foi uma instituição que simbolizou esse
ideal ao enfatizar a pesquisa e a pós-graduação, como condição de
possibilidade do pleno exercício da autonomia e da criatividade. Por
essa razão, o seu apanágio consiste no exercício da liberdade de
ensinar e liberdade de aprender (Lehrefreiiheit und Lernfreiheit)
enquanto manifestação espiritual livre na evolução do processo
cultural. Humlboldt é, assim, uma espécie de ícone que idealmente
sintetiza as mais íntimas aspirações espirituais do povo alemão.
Todavia, tais aspirações sofreram um rude golpe com a reviravolta
política ocorrida em 1871, a qual ao assumir uma conotação diversa
daquela concebida por von Humboldt e sua ênfase, para o qual a
educação deveria estar fundamentalmente voltada para o poder do
espírito como sede da criatividade e da liberdade humana,
transformou-se num processo da domesticação das mentes segundo
o qual a educação volta a ser concebida, como uma mera forma de
transmissão do saber, Kultur, e, dessa forma usada como um
instrumento voltado aos interesses políticos dos dirigentes. Instalados
no poder com o advento do II Reich.
Dai por que vale a pena mais uma vez que enfatizar que
o grande mérito da reforma educacional empreendida por
Humboldt foi torná-la uma visível alternativa para as aspirações
do povo alemão, na medida em que representou, uma
verdadeira reviravolta de natureza antropológica,
particularmente no que concerne à valorização do papel e da
função exercidas pelos professores pesquisadores e cientistas
para preparar a juventude para o soerguimento da cultura
nacional alemã. A influência exercida por essa notável
instituição, foi muito além das fronteiras do Império Germânico.
Seu modelo passou a ser emulado por vários países europeus,
tendo inclusive, lançado uma semente no sistema universitário
norte-americano, em particular na famosa Universidade de John
Hopkins. Acerca dessas irradiações germânicas nas
Universidades americanas é oportuno ouvir o testemunho de
Clark 18Kerr, na sua conhecida obra “Os Usos da Universidade”

“Foi na Alemanha que ocorreu o renascimento da


universidade.(...) mas o evento dramático foi a fundação em
1809 da Universidade de Berlim por Wilhelm von Humboldt,
que fez valer a sua influência no ministério prussiano. A ênfase
era em filosofia e ciência, em pesquisa, em ensino de pós-
graduação, na liberdade dew professores e alunos (Lehrfreiheit
e Lernfreiheit). Foi criado o departamento e também o
instituto. O professor foi reconhecido como a grande figura
dentro e fora da universidade. O plano de Berlim espalhou-se
por toda a Alemanha que estava na época entrando num
período de industrialização e de intenso nacionalismo, em
seguida ao choque causado pela derrota sofrida nas mãos de

18

24
Napoleão.” (...) “A ideia de Hopkins trouxe consigo a pós-
graduação em níveis acadêmicos excepcionalmente altos para
uma civilização que ainda era bastante inexperiente.”

O papel paradigmático desempenhado por Willelm von


Humboldt para o soerguimento da educação e da posterior
consolidação da cultura alemã, foi vale ressaltar, tão relevante
quanto o foi o de Schleiermacher, por intermédio das suas idéias e
práticas no campo da pedagogia voltadas para o terreno da política,
como também o foram as do genial Wolfgang Goethe para a
literatura, a arte a ciência e a cultura em geral; ou ainda as
exaltações de Fichte ao Eu, no seu famoso “Discurso à Nação
Alemâ”.
Não se poderia, entretanto, last but not least, deixar de fazer
referência, sob pena de uma grave omissão à importância da Filosofia
da História de Hegel e particularmente no que concerne ao seu
método dialético que profundamente influenciaram as teorias
educacionais e políticas europeias e, numa certa medida, as
americanas.

DA IMPORTÂNCIA DO MÉTODO PRAGMÁTICO: SEUS


REQUERIMENTOS CONSEQUENCIALISTAS, A
NATUREZA PROBABILISTICA DO SEU CONCEITO DE VERDADE, A
INTERDISCIPLINARIDADE E A PROPOSTA DEMOCRÁTICA DE JOHN
DEWEY

O Pragmatismo é uma concepção filosófica que modernamente teve


origem nos Estados Unidos, muito embora suas raízes remontem à
Antiguidade. Explicá-las, refoge às pretensões deste trabalho. O que
é importante aqui de logo assinalar é que o Pragmatismo moderno,
desde o seu aparecimento na segunda metade do século XIX,
caracterizou-se, como uma nova abordagem metodológica destinada
à compreensão dos clássicos problemas filosóficos.

A LÓGICA PRAGMÁTICA DE CHARLES SANDERS


PEIRCE

O EMPIRISMO RADICAL DE WILLIAM JAMES

A propósito, foi William James quem primeiramente caracterizou o


método pragmático como um instrumento por excelência capaz
de sopesar as verdades e os juízos de valor oriundos das correntes
filosóficas que o antecederam, bem como um antídoto contra o
fascínio de conceitos metafísico. Num dos seus principais artigos,
“What Pragmatism Means” que integra a conhecida obra de 1902
“Pragmatism; a New Name for some Old Ways of Thinking”, James
concebe uma curiosa história, que simboliza uma fina ironia às

25
crenças metafísicas. Ao retornar de um passeio solitário pelo campo –
afirma - defrontei-me com um grupo de pessoas envolvido numa
acalorada disputa metafísica. O objeto da disputa: um esquilo
agarrado a um lado de uma árvore e, do lado oposto um homem a
observá-lo e que procura ver o animal integralmente, mas este se
move em torno da árvore, de sorte que o homem nunca o vê
integralmente. As perguntas que restam e que se torna objeto de um
acirrado debate se bifurcou em dois grupos numericamente iguais,
um afirmando e outro negando o sentido da expressão “ir em torno”.
Chamado a opinar – diz James – usando o argumento escolástico,
que numa contradição como a que ora se apresenta, há necessidade
de se fazer uma distinção que esclareça, como pondo de partida a
expressão “ir em torno” . E conclui James:

“I tell this trivial anecdote because it is a peculiarly simple


example of what I wish now to speak of as the pragmátic
method. The pragmatic method is primarily a method of
settling metaphisical disputes that otherwise might be
interminable.”

Em síntese, o que James pretende ilustrar é que o uso da


palavra metafísica como utilizada, pode resultar num inacabável jogo
de palavras sem lançar luz decisiva sobre a verdade que se pretende
conhecer. Faz-se necessário apreender com maior clareza a posição
de James, não de todo admitida por aquele que foi considerado o pai
da concepção lógico-pragmática, Charles Sanders Peirce.
James descreve o papel do pensamento na percepção da
realidade como uma espécie de denominador comum entre as
diferentes e controversas formas de interpretá-lo. Para James uma
das virtudes do Pragmatismo é avaliar o peso da concepção de algo
cujo papel não é estritamente cognitivo. Nesse sentido, a
interpretação do conceito de verdade de James é mais ampla do que
a de Peirce, uma vez que esse considera o Pragmatismo apenas como
um instrumento capaz de determinar o significado científico de uma
hipótese, a qual só teria validade na medida em que fosse testada
por uma ciência ou por um sistema metafísico que se servisse do
método científico. Portanto, para Peirce, tudo está a depender da
possibilidade de um livre-arbítrio que se submeta a um limitado
autocontrole, capaz de impedir que a nossa reflexão possa cair nas
garras de um vão ilusionismo.
A concepção de verdade, segundo James, é formulada a partir
de uma sui generis formulação metafísica que ele intitula de
empirismo radical. Nesse sentido, o método por ele utilizado para se
chegar a uma verdade encara a verdade como um processo que
pressupõe avaliação e verificação. A verificação e validação por seu
turno consiste em verificar sua verificação e a validade da sua
validação. O caminho hábil para chegar a esse procedimento consiste
em procurar apreender as consequências práticas e suas conexões e
transições com a realidade. Diferentemente da das epistemologias
26
tradicionais que, ora veem o conceito como uma cópia da realidade e
portanto, a relação entre mente e objeto é algo estático que, no
modo de um imperativo categórico, esgota o seu entendimento. O
Pragmatismo, ao revés, diante de verdades assentadas sob tal
pressuposto, questiona, duvida (não a dúvida cartesiana) da crença
da veracidade dessas verdades para então indagar: que diferenças
tais verdades acarretariam para a vida real daqueles que nelas
creram e mais, quais experiências resultariam se elas fossem falsas?
Mas, diz James, os intelectualistas desenvolveram uma ideia
perniciosa acerca do conceito de verdade, uma vez que ela é, por
natureza, imóvel, insusceptível à evolução. Para ele, em
contrapartida: “The truth of an idea is not a stagnant property
inherent in it.”.
Portanto é preciso estar atento para a necessidade de
direcionar as nossas crenças, tornando-as e dinamicamente
sintonizadas com os nossos reais propósitos, pois crenças que não
são genuinamente verdadeiras, conduzem a consequências
inevitavelmente perniciosas. Nas suas próprias palavras:

The importance to human life of having true beliefs


about matters of fact is a thing too notorious. We live in a
world of realities that can be infinitely useful or infinitely
harmful. Ideas that tell us which of them to expect count as
the true ideas in all this primary sphere of verification, and the
pursuit of such ideas is a primary human duty. The possession
of truth so far from being here an end in itself, is only a
preliminary means towards other vital satisfactions.

As reflexões de James indicam que a ideia que se tem da


realidade, é, ao mesmo tempo, fluida e, por conseguinte, variável no
tempo, em função das circunstâncias, enquanto ela, a realidade, por
seu turno, denota como que um conceito puro. Por essa razão as
nossas ideias se vão a ela agregando como retalhos que se costuram
à colcha metafísica da experiência numa perene tentativa de copiá-la,
muito embora isso sempre ocorra de forma incompleta, turva e não
raro fugidia.
James assinala que o que vemos, por vezes, pode se
assemelhar à coisa real, mas contudo, não a esgota; confunde-se,
desse modo, a parte com o todo; é que a nossa concepção do objeto,
por vezes distraída ou, por vezes, tecnicamente incipiente não é
capaz de apreendê-lo, direta e fidedignamente mas no curso da sua
evolução escamoteando, assim, detalhes que lhes são inerentes.
James ilustra essa verossimilhança em outra passagem do ensaio
acima :

“Our true ideas of sensible things do indeed copy them. Shut


your eyes and think of yonder clock on the wall, and you get
just such a true Picture or copy of its dial. But your idea of its
‘works’ (unless you are a clockmaker) is much less of a copy,
yet it passas muster for it in no way clashes with the reality.

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Even though it should shrink to the mere word ‘works’, that
word still seves you truly; and when you speak of the ‘time
keeping function’ of the clock, oro f the spring’s ‘elasticity’, it
is hard to see exactly what your ideas can copy.”

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