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Boas, além de dedicar-se ao estudo da cultura e dos costumes
dos povos primitivos, foi igualmente um pensador que sempre
demonstrou um vivo interesse pelas ciências naturais, tendo,
inclusive, concluído o seu doutoramento no campo da Física. Seus
achados nessa área foram fundamentais à aplicação dos métodos
utilizados pela Ciência Física à Antropologia Física e desses à
Antropologia Cultural. Através desses métodos, Boas pode então
aferir o crescimento, o desenvolvimento e as mudanças na estrutura
física humana como um passo importante à compreensão dos
fenômenos culturais.
A partir de então, o seu interesse por novas áreas do
conhecimento, ao longo da sua vida acadêmica, se foi ampliando.
Mais um exemplo típico dessa aludida integração emana do episódio
da sua participação numa expedição ao Ártico na qual se utilizou,
dentre outros, recursos das ciências geográficas para mapear toda a
costa de Bafflinland.
Entretanto, não resta dúvidas que o seu constante e
fundamental interesse esteve precipuamente voltado para o estudo
das comunidades humanas, nomeadamente sob o ponto de vista
cultural.
Um dado relevante é o de que suas investigações, não se
limitaram fundamentalmente à ótica dos indivíduos como fonte
exclusiva e determinante do processo cultural, mas sim, de como
suas características naturais se refletiam na vida grupal, tudo isso
mercê das descobertas, tanto no campo das ciências naturais quanto
no das humanas e como, sobretudo, o somatório das suas teorias e
métodos contribuíam para um entendimento mais amplo e profundo
da existência coletiva e da continuidade das organizações sociais.
“The group, -dizia ele – “not the individual is always the primary
concern of the anthropologist.”
Tudo isso justifica a amplitude e o alcance dos seus estudos
antropológicos que, segundo ele, conduzem a uma concepção da
natureza interdisciplinar da Antropologia e dos métodos que lhes são
inerentes:1
2
através desses saberes diversificados, interpretar a funcionalidade
dos grupos sociais e dos papeis que os indivíduos desempenham
dentro deles.
Isso parece sugerir que, ora se descortina, conjunta e
interativamente, as possibilidades de uma avaliação das diferenças e
semelhanças entre os próprios indivíduos dentro e entre seus
respectivos grupos ora, alternativamente, numa visão at large, entre
os próprios grupos, enquanto formas organizadas de manifestação
coletiva.
Em outros termos e de forma mais pormenorizada, isso implica
que, os aludidos achados das ciências naturais, especificamente
atinentes às características anatômicas, fisiológicas, neurológicas e
mentais dos indivíduos em articulação com as provenientes das
ciências humanas e sociais, voltadas aos hábitos, crenças e valores
individuais dos membros do grupo, possam, em se metabolizando,
lançar luz mais efetiva à compreensão dos problemas culturais sob
sua dupla face, a saber: quer em relação aos próprios traços
psicológicos que servem de lastro aos comportamentos
individualmente considerados, quer, alternativamente, como eles
histórica e sociologicamente se ampliam, unificam e interagem para
se integram em atitudes valores e crenças que já agora, passam a
refletir, diga-se assim, uma espécie de vontade coletiva das
comunidades humanas.
Todavia, o problema não é tão simples assim. A conjunção
entre as ciências da natureza e as sociais e humanas, tendo em vista
as suas diferenciações finalísticas e sua diversidade de perspectivas
metodológicas, quando direcionadas a um mesmo propósito suscitam
um cuidadoso tratamento epistemológico, nomeadamente se o objeto
em questão pertence a esfera dos fenômenos socioculturais. Isso se
torna ainda mais complexo – como no presente caso - na medida em
que o desafio é confrontado vis-a-vis as teorias que se apoiam no
determinismo causalista das tradicionais correntes evolucionistas,
considerando-o o quantum satis para explicar as diferenças entre
culturas humanas; essa concepção estruturalista cria barreiras
intransponíveis entre povos e civilizações com base nas diferenças
raciais, geográficas, tecnológicas, etc.
Antes propriamente de adentrar no âmago da teoria boasiana e
suas objeções às correntes evolucionistas caberia algumas
considerações em torno do tradicional divorcio entre ciências naturais
e humanas, bem como da proposta apresentada que por parte dos
historicistas alemães.
A teoria do particularismo cultural de Franz Boas, ao se opor a
essa interpretação causal, propõe, alternativamente, uma interação
entre diferentes povos e culturas sob o pressuposto de que, não
obstante as distinções entre os seus respectivos padrões culturais é
possível encontrar pontos de intersecção entre elas, capazes de
acomodar suas respectivas diversidades e eventuais semelhanças
culturais, sem que isso chegasse a afetar substancialmente as suas
3
originais estruturas, mas que permitisse, em contrapartida, conceber
novas e mais funcionais formas de difusionismo e adaptação cultural
ao environment, ao mesmo tempo em que preservasse suas
respectivas especificidades e heranças culturais.
A teoria cultural de Franz Boas representa assim um repto
contra o determinismo cultural que predominou no século XIX, com
base nas teorias evolucionistas que predominaram à época, em
particular as concebidas por Herbert Spencer, Morgan, Taylor, Frazer
e, do ponto de vista francês, Augusto Comte, e Arthur Gobineau,
este último um dos corifeu do racismo, cuja obra “A desigualdade das
Raças Humanas” tornou-se um dos mais radicais libelos contra a
integração racial. Gobineau, diga-se de passagem, esteve inclusive
no Brasil país que considerou um caso sem solução, em virtude da
miscigenação racial aqui predominante.
Boas, em várias passagens da sua obra, refere-se a
problemática das integrações raciais e culturais, salientando que,
apesar das diferenças raciais entre os integrantes do grupo e
independentemente das prévias condições geográficas climáticas e
históricas é possível verificar que as causas que produzem essas
variações, tanto internas quanto externas, decorrem de condições
ambientais, essas últimas, e psicológica, as primeiras, representam
espécie de leis que disciplinam a evolução cultural. Logo, não há
como admitir que tais fenômenos se manifestem sob idênticas formas
e regulados pelas mesmas causas, mas que delas emergem
diferentes formas de articulação entre eles no seio da diversidade
entre culturas. As formas de criação de cultura entre diferentes
grupos não podem ser atribuídas , e não obstante as concepções,
ideias e valores dos indivíduos desenvolver a nível global, modelos
funcionais de comportamento interativo entre eles.
Apenas a título de ilustração, na sua obra, «Race, Language
and Culture« Boas deixa claro suas convicções e crenças ao
confrontar o trabalho do antropólogo, preocupado com a estrutura
dos fenômenos culturais vis-a-vis o do etnólogo, voltado à
compreensão das interações funcionais.2
2
BOAS, Franz «Race,Language and Culture» -Collier MacMillan Limited, London, 1966,p.
4
objetivo deste trabalho, razão pela qual o assunto será mais
extensamente examinado.
3
Op. cit. p.341
5
racista e determinista estigmatizava as concepções desenvolvidas à
época, não seria inoportuno trazer à colação o problema sob enfoque
a importância da contribuição de Boas relativamente à compreensão
da realidade sociocultural brasileira, a qual será, igualmente, objeto
deste estudo, cuja relevância foi sobejamente enfatizada pelo
sociólogo e antropólogo brasileiro Gilberto Freyre
4
FREYRE, Gilberto “Casa Grande e Senzala”Global Editora, 2007, p..381
5
6
O relativismo tem várias acepções, sendo uma das mais
conspícuas a professada pelo pensador alemão Oswald Spengler, no
início do século XX, na sua obra “A Decadência do Ocidente” Nela,
Spengler aplica o conceito de relativismo, para além das fronteiras do
conhecimento, aplicando-o inclusive a todos os valores humanos,
sejam científicos ou morais. É precisamente pela negação da
possibilidade de transmitir valores morais que Spengler lança por
terra a possibilidade de que os mesmos possam ser transmitidos de
época para época, de civilização para civilização o que no fundo
contradiz a própria concepção de determinismo.
Quanto ao evolucionismo clássico, trata-se de uma doutrina
determinista de cunho metafísico, seja ela materialista, seja
espiritualista e que interpreta o real na sua totalidade e não
simplesmente como uma dimensão biológica da evolução dos seres
vivos. Esse evolucionismo de caráter metafísico tem em Spencer o
seu fundamental representante. Para ele a ideia do progresso é o
carro chefe que impulsiona toda a realidade. Nesse sentido, tanto
Boas, como os pragmatistas rejeitaram, categoricamente esse tipo de
evolucionismo.
Para concluir sinopticamente essa polêmica sugere-se que se
traga à baila as reflexões da conceituada antropóloga americana Ruth
Bunzel, no seu prefácio a já referida obra de Boas “Antropology and
Modern Life”. (Bunzel, juntamente com Ruth Benedict e Margareth
Mead, foram alunas das mais destacadas de Franz Boas e que
vieram, mais tarde, a se tornarem famosas pesquisadoras no campo
da Antropologia).
Bunzel esclarece que: “Boas was no ‘cultural relativist’ in the
sense of thinking that there were no ethical absolutes.”.
Para fundamentar a sua argumentação ela se serve de
exemplos atinentes às pesquisas de Boas sobre à vida primitiva dos
selvagens. Para ilustrar a sua argumentação Bunzel se refere ao fato
de que, o ter sido o canibalismo uma prática comum entre os
Esquimós, ela não pode ser considerada como algo absolutamente
neutro e infenso de considerações de natureza moral; assim, elas não
poderiam ser olhadas apenas sob o ângulo de uma objetividade
desinteressada e, muito menos de um certo relativismo determinista,
Por exemplo, em impulsos da própria natureza humana que, à luz das
concepções hobbesianas, considera o homem, instintivamente, um
ser mau e violento “Homo lupus homine” constitui um argumento que
serve, em última análise, para justificar a instituição de um regime
monárquico absolutista em que a liberdade humana é
contratualmente negociada mêrce da barganha da segurança.
As práticas canibalescas dos Esquimós, ocorreram, outrossim,
admitia Boas, em virtude de certos imperativos de sobrevivência os
quais marcaram inexoravelmente os estágios primitivos do processo
civilizatório, mas em nenhuma hipótese como instrumento de
natureza política que justificasse a submissão do grupo à vontade
monocrática do soberano.
7
Apenas, a título de argumentação – e para consignar o fato de
que, apesar do nível civilizatório do nosso atual estágio de evolução
social e política atitudes dessa natureza ainda se repetem
contemporaneamente- caberia referir ao acidente aéreo ocorrido
recentemente com um avião chileno nos Andes, do qual resultou a
prática de canibalismo entre os seus sobreviventes) Fatos como esses
colocam insuperáveis dilemas à aceitação da prática em sí,
particularmente quando problemas dessa ordem, são postos, vis-a
vis, as nossas concepções morais e as legislações modernas, o que
suscita, obviamente, dramáticas e conflitantes interpretações.
Assim, em relação aos Esquimós e as suas práticas canibalistas
elas se deveram – à luz da teoria de Franz Boas - à estrita
necessidade de sobrevivência, criando certas situações-limite que o
ser humano terá fatalmente de vivenciá-las, mas nunca estabelecer
sobre as mesmas juízos que moralmente as justifiquem.
Elas devem ser interpretadas analogamente – esclarece Bunzel
- àquelas em que o biólogo admite como inexorável os hábitos
predatórios dos tigres que se servem das suas presas para garantir a
sua própria sobrevivência. Mas, esclarece Bunzel6:
6
BOAS, Franz, op. cit. p.9
8
cultural avançado e, nesse sentido, não só a elas se se
antagonizavam, como poderiam tutelá-las e explorá-las7:
7
BOAS, Franz, op.cit. p.10
8
Coser A Lewis “Master of Sociological Thought” Harcourt Brace Jovanovich Inc. , New York, 1971 p
292/203.
9
inauguram uma nova etapa no desenvolvimento das ciências sociais,
em particular da Antropologia.
A relação dos antropólogos formados sob a orientação de Boas
é praticamente incalculável; além daquelas já mencionadas e que
foram suas mais diletas discípulas, Ruth Benedict, Ruth Bunzel e
Margaret Mead, detaque-se ainda. Alfred Koeber, Robert Lowie
Eduard Sapir, Melville Herskovits, Alexander Goldweiser e outros.
Mas, na verdade, Boas nunca impôs as suas convicções a nenhum
deles, dando plena liberdade para que cada um construísse o seu
próprio caminho, muito embora, na sua longa estada na Universidade
de Columbia tivesse exercido uma forte e continua liderança, tanto do
ponto de vista acadêmico stricto sensu quanto da sua habilidosa
capacidade de organizar e dirigir iniciativas atinentes aos eventos na
esfera das atividades antropológicas, num ambiente no qual essas
atividades ainda não haviam galgado um espaço de cientificidade
relevante.
Apesar da sua preocupação com as diversificações históricas
das culturas e a sua natural rejeição a interpretações de cunho
globalizante, estribadas na clássica teoria da evolução e na esteira do
método comparativo, Boas, ponderadamente, criticou a ênfase
atribuída às teses que superestimavam as regularidades e
subestimavam as particularidades na totalidade do universo cultural.
Como ele acentuou na já mencionada obra “Race, Language and
Culture”9:
9
BOAS, op, cit. p.280
10
As considerações acerca do indivíduo e de suas interações com
o grupo, acima discutidas, segundo as propostas antropológicas de
Franz Boas serão, agora, analisadas sob a ótica de um dos fathers do
pragmatismo americano, John Dewey.
Dewey assinala que, o indivíduo, desde o seu nascimento,
enquanto partícipe de um grupo social, está compulsória e
constantemente assimilando e incorporando culturalmente tradições,
costumes e crenças oriundas do grupo. Entretanto, nas sociedades
onde a solidariedade é mecânica - para utilizar uma das categorias de
Durkheim - rupturas com tabus e mitos representam atitudes
desleais que afrontam a vontade coletiva. Portanto a rotina deve ser
religiosamente mantida e as inovações drasticamente recalcadas.
Contudo, a proporção que o conhecimento, os processos de
comunicação e as novas técnicas de lidar os recursos naturais e
humanos se ampliam e diversificam, a sociedade progressivamente
se vai tornando orgânica, (o contraponto durkheimiano ao conceito
de sociedade mecânica) permitindo que tais conhecimentos e técnicas
passem a ser a ela incorporados, através da sua assimilação à
mentalidade e aos hábitos dos indivíduos, favorecendo a inovação e a
criatividade10:
10
DEWEY, John “Experience and Nature, op.cit. p, 175
11
DOS CONCEITOS DE “EXPERIÊNCIA” E “DEMOCRACIA” NA
FILOSOFIA DE JOHN DEWEY
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
11
DEWEY, op.cit. p.p.122/123
14
pêndulo do relógio pragmático deweyano sob o qual oscila os
aconteceres experienciais.
Observe-se que no background dessa simples descrição acerca
do conceito de experiência é possível vislumbrar a presença de duas
teorias que servem de alicerce à sua conceptualização: a) o
evolucionismo e b) o espectro do método dialético hegeliano; quanto
ao primeiro, sua interpretação aproxima-se daquela esposada por
Boas, a qual será adiante analisada; em relação à segunda, vale
trazer à colação o depoimento do próprio Dewey ao afirmar que – não
obstante as suas divergências, a concepção hegeliana, Hegel havia
deixado um legado permanente para a sua formação filosófica.
O conceito de experiência inunda o universo pragmático, constituindo
o substrato de todo o conhecimento, filosófico, científico, sociocultural
ético e estético. Enquanto totalidade experiencial ele representa um
aglomerado infinito de elementos a estabelecerem entre si as mais
diversas e por vezes conflitantes relações.
Precisamente, por conta dessa variedade diversificada, tudo se
submete a um quê de precariedade, de instabilidade, suscetível a
contínuas e inesperadas transformações. Consequentemente, a
experiência se estiola num contínuo, que ora promove interações
entre os indivíduos ou entre estes e o meio-ambiente, ora acarretam
aporemas, raciocínios lógico-dialéticos que, segundo Aristóteles12,
conduzindo à perplexidade e a rupturas, em virtude de não permitir
que se identifique qual das alternativas inerentes à contradição se
possa optar.
Mas há ainda, por fim, outra área do conhecimento humano,
também inerente a presente análise, que não pode ser
desconsiderada, mercê do seu legado indispensável a uma
compreensão mais nítida da evolução do processo cultural e também
e principalmente, por guardar uma consanguínea relação com a
natureza e a função dos achados antropológicos e sócio-jurídicos
objeto da presente investigação. Trata-se da História. Isso porque,
tomando como ponto de partida as investigações históricas dos
antigos gregos, observa-se que foi a partir de Heródoto e depois com
Tucídides - apenas para mencionar alguns clássicos historiadores
notáveis – que elas, ao longo de todo o processo civilizatório, se
sucederam, com o propósito de temporalmente, descrever e
analiticamente interpretar o processo evolutivo das diferentes formas
de organização social, política, econômica, filosófica e estética da
cultura humana.
Estribado nessas reflexões sobre o conceito de experiência,
Dewey faz um balanço crítico das duas principais propostas
metodológicas modernas que, respectivamente se propõem, sob
premissas opostas, a explicar o que é o real e como, a partir dele, é a
possível acessar à verdade: o Racionalismo de René Descartes e o
Empirismo de John Locke.
B12 ABBAGNANO, Nicola “Dicionário de Filosofia” Martins Fontes, São Paolo, 1999, p,74
15
Segundo ele, a concepção cartesiana se apoia em dois pilares
historicamente distantes e epistemologicamente incompatíveis: a
reminiscência à ideia do “Ser”, cuja origem mais remota encontra-se
na Grécia com Parmênides, mas que, no século III, assume uma
feição neo-platônica com Plotino; segundo a acepção plotinana,
inclina-se por uma metafísica dualista e monista. Por um lado
pretende superar o dualismo platônico através da ideia do monismo
desenvolvido pela filosofia estoica, tudo sob a égide ds lógica
aristotélica; a visão inteligível do ser, não se esgota na pura forma,
mas congrega forma e matéria sendo esta última plenamente
inteligível. Segundo ele, esse arbítrio intelectualista que pretende
metodologicamente submeter o conhecimento dos objetos à camisa
de força do isolamento cognitivo, desconhece, como afirmava Dewey
que: They are things had before they are things cognized”.13
13
DEWEY, John “Experience and Nature”Open Court, 1971, p.21
14
DEWEY, John, op. cit. p.188
16
objective order; and in this contact resides its whole
import
17
Descartes tomou, preliminarmente, como seu ponto de partida
às suas reflexões sobre a verdade e a falsidade o repúdio a todo e
qualquer saber que proviesse da autoridade de outrem. Numa
considerável medida isso se deve à forma como sua educação foi
conduzida.
Descartes estudou no Colégio de La Fléche, uma instituição Jesuítica
na qual, obviamente, predominava o método silogístico-dedutivo
utilizado pelos escolásticos. Logo, uma das consequências dessa sua
formação foi a de ser levado a assumir uma atitude crítica, como um
essencial requisito à sua teoria racionalista. Por conseguinte, a
atitude metodológica que ele considerou como o único porto seguro
para que se pudesse chegar a verdades claras e distintas, seria a de
adotar, como ponto de partida a qualquer investigação acerca do que
é verdadeiro ou falso, a dúvida metódica. Com isso, Descartes
atribuiu à sua própria razão um papel crítico-criativo por considerá-la
como o instrumento, por excelência, capaz de ascender direta e
substancialmente à natureza mesma da sua própria existência: “je
pense, donc je suis”, eis o postulado que fundamenta todo o edifício
epistemológico desenvolvido pelo pensador francês. Uma das
consequências resultante da adoção dessa premissa é em
contrapartida, o ceticismo assumido por Descartes em relação ao
papel dos sentidos no conhecimento humano.
Dito ceticismo assume uma conotação filosófica; em
observando as reflexões desenvolvidas por Descartes nas primeiras
“Méditations Métsphysiques”, verifica-se que ele procura discorrer
acerca das coisas que se podem duvidar, chegando mesmo a assumir
uma postura fantasiosa. Ora – argumenta - se sou homem e se
costumo, como é óbvio, dormir, nessas ocasiões os meus sonhos me
trazem representações que não condizem com a própria realidade.
Assim, estando eu junto ao fogo, vestido, muito embora realmente
estivesse nu me minha cama, isso me leva a acreditar que vivo
constantemente enganado por tais ilusões e que não se trata,
apenas da dúvida natural dos sentidos, mas da hipótese de que tudo
me leva a admitir que existe um Gênio Maligno que esta
permanentemente a me enganar e que é capaz de por em dúvida
autenticidade das coisas do mundo e até a existência de Deus.
Segundo Descartes15:
15
DESCARTES, René – Méditations Métaphysiques” Presses Universitaires de France, 1956. p,p,33/34
18
n’ayant point de mains, point d’yeux, point de chair,
point de sang, comme n’ayant aucuns sens, mais
croyant faussement avoir toutes ces choses; et si par
ce moyen, il n’est pas em mom pouvoir de parvenir à la
connaissance d’aucune vérité à tout le moins il est in
ma puissance de suspendre mon jugement”
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em desacordo com a clássica concepção acerca do conhecimento
intelectual formulada por Aristóteles, cujo ponto de partida encontra
o seu alicerce no empírico, conforme se pode defluir da sua máxima
“Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu”. Essa ruptura
caracteriza, outrossim, o dualismo com o qual ele cinde a realidade
criando um fosso intransponível entre a razão e a experiência
empírica.
Mas a crítica cartesiana é também direcionada à própria lógica
vigente ao seu tempo, apoiada no raciocínio silogístico, direcionado
aos problemas de toda a filosofia então predominante; e, last but not
least, ele igualmente estendeu-a às aplicações álgebrícas, bem como
à clássica geometria analítica. Descartes então assinala que, apesar
dos estudos que empreendeu desde jovem no campo da filosofia, da
lógica e da matemática, nomeadamente em relação as análises
levadas a efeito pelos geômetras e que se voltaram ao estudo da
Álgebra, não lhes trouxe respostas mais consistentes às suas
indagações, Segundo ele17:
20
tratar-se de um dualismo gnosiológico e não metafísico; que os seus
estudos biológicos e fisiológicos acerca do corpo humano trouxeram
uma nova conotação acerca das possíveis interações entre corpo e
mente, o que representaria um elo de conciliação entre a sua
Metafísica e a sua Filosofia da Ciência.
Não é esse, contudo, o espaço para uma análise dos
fundamentos que dão suporte a tais argumentos, uma vez que eles
não fazem parte do objeto nuclear desta investigação. A sua exclusão
se deve, ademais e sobretudo, diga-se de passagem, ao fato de que
o point de départ do presente estudo considera irreversivelmente
aporética a prévia convicção da sua proposta filosófica – inobstante a
sua importância e o seu papel para o conhecimento lógico-
matemático – por restringir as possibilidades do conhecimento
empírico, na medida em que impôs um apriorismo ao ato de pensar
ao introduzir, como única e categórica alternativa, o modelo more
geométrico, único capaz, segundo Descartes, de facultar o acesso à
realidade.
Sob a ótica pragmática, o método preconizado pelo discurso
cartesiano, é aprisionado nas quatro paredes do seu calabouço
subjetivista. Sua proposta é absolutamente hermética, porque
incapaz de desvelar novos e mais promissores caminhos para uma
saudável interação entre a mente e as diferentes facetas e
potencialidades que a totalidade do mundo real é capaz de oferecer.
Essa é, em síntese, a substância da proposta pragmática, na medida
em que ela faculta aglutinar inusitadas experiências, que ao se
somarem, continua e interativamente, facultam uma ampla e mais
rica visão do mundo da vida (Lebenswelt) e as suas possíveis
consequências. Descartes, ao revés, desenvolveu um método
normativo, dualista, que formalmente impôs ao pensamento
condições apriorísticas de certeza, deixando à margem o potencial
que uma filosofia da experiência poderia efetivamente oferecer. Essa
é uma das principais razões que servem de fundamento à
considerável afinidade entre o cartesianismo e a já mencionada
filosofia do positivismo lógico.
Por todos esses argumentos e, a título de uma preliminar
conclusão que pretende ir um pouco além das considerações
antecedentes, propõe-se que a abordagem metodológica a ser
doravante adotada ao problema sob investigação compreenda: a) o
reconhecimento da existência de uma profunda inter-relação entre
fenômenos sócio-culturais e jurídicos b) a suposição de que a
proposta metodológica oriunda da Filosofia Pragmática se afigura
como a mais pertinente e afim à análise dessas duas dimensões do
universo cultural c) considerando a amplitude dos problemas culturais
envolvidos, busca-se encontrar na Antropologia um locus privilegiado
à identificação de preciosos subsídios e um mais amplo e percuciente
entendimento do universo da cultura. Para tanto, por fim, é crucial
que se promova uma articulação entre a referida abordagem
pragmática e o método concebido pelo antropólogo Franz Boas, com
21
o propósito de, às expensas desse concurso, aprofundar e tornar
mais abrangente a análise compreensiva dos fenômenos culturais em
questão.
22
do poder bélico do exército de Napoleão que, numa jogada política de
mestre, coopta uma aliança com 16 príncipes alemães para formar a
chamada Aliança do Reno.
A Prússia - que tinha como capital a influente cidade de Berlim
– cuja origem nobiliárquica remontava aos reis oriundos da
prestigiosa Casa de Hohenzollern, já vinha exercendo, ao longo de
todo o século XVIII, uma sólida liderança, nomeadamente através do
seu famoso monarca Frederico o Grande o que deu ensejo que o
estado prussiano se projetasse e que desempenhasse um papel
relevante, tanto na história política e social alemã quanto a sua
influente participação da sua corte a nível internacional. Todavia,
diante da nova conjuntura bélica imposta pelo poder do Imperador
francês Napoleão Bonaparte a Prússia se viu forçada inclusive a ter
que recuar o seu território para a margem direita do Reno. Só após a
defecção das forças francesas napoleônicas e com o advento do
Congresso de Viena, - responsável que foi pela reorganização política
e territorial de toda Europa - é que, mais uma vez, desabrocham as
condições necessárias a um promissor soerguimento da Prússia.
Soerguimento que veio a se consolidar na segunda metade do século
XIX com a criação da Alemanha Menor e a exclusão do Império
Austríaco. a Prússia retorna com toda a sua pujança ao cenário
europeu, já então sob o comando do então Chanceler Otto von
Bismark.
. Com isso, ela consegue não só retomar o seu espaço
territorial, mas, sobretudo, restaurar o seu prestígio e desta feita com
maior vigor, consolidando a sua liderança social política e econômica,
para eventualmente se tornar em 1871, o novo Império Alemão.
Sua projeção, todavia, teve uma efêmera duração. Em 1918, o
Império prussiano foi dissolvido, mercê da criação da chamada
República de Weimar. Esse foi, na verdade, o primeiro estágio para o
advento do seu ulterior e nostálgico epílogo o qual veio efetivamente
a ocorrer no ano de 1940, ocasião em que o estado prussiano foi total
e definitivamente abolido. Sua projeção, todavia, teve uma efêmera
duração. Em 1918, o Império prussiano foi dissolvido, mercê da
criação da chamada República de Weimar.
18
24
Napoleão.” (...) “A ideia de Hopkins trouxe consigo a pós-
graduação em níveis acadêmicos excepcionalmente altos para
uma civilização que ainda era bastante inexperiente.”
25
crenças metafísicas. Ao retornar de um passeio solitário pelo campo –
afirma - defrontei-me com um grupo de pessoas envolvido numa
acalorada disputa metafísica. O objeto da disputa: um esquilo
agarrado a um lado de uma árvore e, do lado oposto um homem a
observá-lo e que procura ver o animal integralmente, mas este se
move em torno da árvore, de sorte que o homem nunca o vê
integralmente. As perguntas que restam e que se torna objeto de um
acirrado debate se bifurcou em dois grupos numericamente iguais,
um afirmando e outro negando o sentido da expressão “ir em torno”.
Chamado a opinar – diz James – usando o argumento escolástico,
que numa contradição como a que ora se apresenta, há necessidade
de se fazer uma distinção que esclareça, como pondo de partida a
expressão “ir em torno” . E conclui James:
27
Even though it should shrink to the mere word ‘works’, that
word still seves you truly; and when you speak of the ‘time
keeping function’ of the clock, oro f the spring’s ‘elasticity’, it
is hard to see exactly what your ideas can copy.”
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