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Tema I
Princípios Constitucionais Penais I. 1) Importância do tema para o direito penal moderno: limitação do jus
puniendi estatal. 2) Princípio da legalidade: definição, origem histórica, fundamento legal, relação com a
tipicidade, aspectos principais, formas de violações indiretas. 3) Princípio da intervenção mínima: definição,
precedente histórico, fundamento constitucional, o "Direito Penal Simbólico" como conseqüência do uso
desmedido das leis penais. 4) Princípios da lesividade, da bagatela e da adequação social: definição,
fundamento legal e importância.
Notas de Aula
1.1. Legalidade
Não há crime sem lei anterior que o apresente, e a lei penal não retroage, salvo em
benefício do réu. A incriminação de uma conduta, em verdade, é a positivação de uma pauta
pela qual o indivíduo deve se conduzir, ou seja, se não há como o indivíduo saber
previamente o que é ou não permitido, não se pode punir aquilo que não se deixou avisado
que não poderia ser feito.
Assim, sob o aspecto de lei prévia, interessa ao Direito Penal apenas a conduta
humana voluntária. Por tal razão, sem uma lei prévia não há como se exigir um
comportamento do homem; não há como atribuir-lhe responsabilidade penal.
Vejamos uma questão jurisprudencial relevante neste aspecto. Os crimes hediondos,
até bem pouco tempo, eram punidos em regime de reclusão integralmente fechado. O STF
entendeu que este regime era inconstitucional, mas o fez em controle difuso – em um
habeas-corpus –, com efeitos meramente inter partes2. Na esteira desta decisão, a Lei
11.464/07 alterou a execução penal dos crimes hediondos, permitindo a progressão mas
aumentando o interregno para que esta ocorra. Veja que como a Lei 8.072/90 ainda estava
em vigor – a decisão da progressão foi inter partes –, esta Lei 11.464/07, permitindo a todo
1
Há crime sem pena? Pode um preceito tipificar uma conduta sem cominar pena? Para a maior parte da
doutrina, não pode haver crime sem pena. A norma que tipifica a conduta e não comina pena é mera exortação
moral, mas nunca será, tecnicamente, crime.
2
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes pronunciou outro voto em que defende uma alteração nestes efeitos da
inconstitucionalidade incidentalmente controlada, entendendo que deve haver a produção de efeitos erga
omnes da declaração ali proferida.
e qualquer crime hediondo a progressão, pareceria ser mais benéfica, pelo que seria
retroativa. Ocorre que, mesmo a decisão tendo sido inter partes, a progressão sem maior
interregno poderia ser concedida para quem a suscitasse em processo subjetivo, o que ficou
sendo impossível pela nova lei: agora, a progressão tem que respeitar ao maior interregno
trazido ali. Por isso, a nova lei, mesmo sendo aparentemente mais benéfica – vez que
permite a progressão sobre a vedação da Lei 8.072 –, é de fato mais gravosa àqueles que
foram condenados antes de sua promulgação, pois estes se guiariam pela Lei de Execuções
Penais, com alicerce jurisprudencial na decisão do STF, ou seja, teriam a progressão
normal, sem maior interregno. Assim se desenha, então: a nova lei se aplica ex nunc, pois
os condenados antes dela respondem à LEP, com amparo na inconstitucionalidade
declarada pelo STF. Veja:
Mas esta vedação não é absoluta. A doutrina amplamente majoritária sustenta que os
princípios constitucionais penais são garantias do indivíduo, e não poderiam ser utilizados
visando a agravar-lhes a situação. Por tal razão, a restrição do artigo transcrito da CRFB só
se faz presente contra MPs incriminadoras ou agravantes da situação. Destarte, as MPs
sobre matéria penal que beneficiem ao infrator, sob qualquer aspecto, serão válidas. Esta é
também a posição do STF. Veja:
Segundo Juarez Cirino dos Santos, a exigência de lei escrita diz respeito à
impossibilidade de criação de tipos penais a partir do costume. Como exemplo do que é
vedado pelo aspecto escrito da lei, na Alemanha havia uma lei que incriminava “atitudes
contrárias ao sentimento o povo alemão”. Esta previsão extremamente aberta era integrada
somente pelo costume, o que tornava absolutamente instável o sistema.
É vedada a criação de tipos penais a partir do costume, mas este pode se prestar
como fonte de integração de tipos penais. Poderá, sim, suprir conceitos abertos presentes
nos tipos penais. Para Cirino, o costume pode ser utilizado como fonte de integração de
tipos penais, pois isto não é vedado pela legalidade. Como exemplo, o artigo 4° da Lei
7.492/86, lei dos crimes de colarinho branco, consistente no crime de gestão temerária: este
conceito somente o costume das práticas de gestão pode preencher.
A norma penal em branco violaria a legalidade? O que se entende é que não viola,
em regra, apesar de haver doutrina que entenda que sim. Veja: é unânime o entendimento
“Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
(...)
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
(...)”
Segundo Cirino e Francisco de Assis Toledo, a lei penal deve possuir uma definição
que permita ao homem adequar seu comportamento ao que ali se prevê. Desta forma, se
exige uma taxatividade legal, de forma a não serem geradas quaisquer dúvidas sobre a
conduta incriminada.
Assim, o Direito Penal deve evitar ao máximo a previsão de tipos penais abertos.
O Direito Penal moderno pugna pela não intervenção do Estado nas condutas. Em
regra, as condutas sociais são permitidas. Por isso, há uma discussão doutrinária sobre o
que é o Direito Penal Mínimo e em que consiste o abolicionismo penal.
Quem defende o abolicionismo penal entende que a relação custo benefício do
sistema penal é péssima: os benefícios da criminalização são muito menores que seus
efeitos negativos na sociedade, e por isso o sistema penal deveria ser abolido de vez. Não é
tese razoável, contudo, pois é utopia pensar que a total ausência do Direito Penal tornaria a
sociedade melhor, sob qualquer aspecto.
Contrapondo-se, então, a esta tese do abolicionismo, Zaffaroni defende que o
Direito Penal deve viger, mas deve intervir tão-somente quando for estritamente necessário.
Deve ser buscada a descriminalização de condutas pouco relevantes, a despenalização de
atos pouco nocivos (a exemplo da Lei 9.099/95), reservando o Direito Penal gravoso às
condutas realmente violentas aos bens jurídicos eleitos para proteção.
O princípio da intervenção mínima está intimamente ligado ao Direito Penal
mínimo, de Zaffaroni, o qual tem raízes no Iluminismo. Segundo Luis Flávio Gomes, esta
doutrina defende que a intervenção do Direito Penal, que ainda é tida por necessária para
evitar outros tipos de controle social do delito (como a vingança privada), deve ser
reservada a lesões de maior monta a bens jurídicos. Tal movimento, ao contrário do
abolicionismo penal, que afirma que a pena criminal trouxe mais malefícios que benefícios
sociais, defende que deva haver uma despenalização, isto é, a adoção de soluções penais
diversas do cárcere (Lei 9.099/95), bem como processos de descriminalização de condutas
pouco relevantes.
A intervenção mínima não se confunde com a insignificância, ou bagatela,
tampouco com a adequação social, embora guardem similaridades. A intervenção mínima é
mais diretamente ligada à fragmentariedade do Direito Penal, a seleção que o Direito Penal
opera nos bens jurídicos, elegendo para proteção criminal apenas alguns poucos bens mais
valiosos, e não todos os bens jurídicos existentes (e, mesmo havendo lesão a um dos bens
jurídico eleitos, que esta lesão seja significativa para merecer tutela); e com a
subsidiariedade do Direito Penal, que determina que este seja a ultima ratio do sistema
jurídico.
1.3. Proporcionalidade
afastá-lo. 3. No cenário dos autos, não parece razoável concluir, com base em dois
episódios, que o réu faça da prática do descaminho o seu modo de vida. 4. Habeas
corpus concedido de ofício para cassar o título judicial condenatório formado
contra o réu.”
Luis Flávio Gomes opta pelo termo ofensividade para designar que um crime exige,
hoje, a produção de um resultado jurídico, que é o perigo ou a lesão ao bem jurídico
tutelado. Só haverá crime quando houver desvalor de conduta e desvalor de resultado.
Este princípio é implícito na CRFB, proveniente do artigo 98, I:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
b) Há duas correntes: a minoritária entende que nem mesmo se fosse abolir o crime
poderia ser válida a MP em matéria penal, por tudo que se mencionou na
resposta acima. A vedação na CRFB é expressa, sem ressalvas quanto à eventual
lex mitior. A corrente majoritária, entretanto, dispõe que há admissibilidade da
MP penal para beneficiar réus, pois como a legalidade é garantia fundamental do
indivíduo, não pode cercear atitude que seja em prol do indivíduo.
Questão 3
Reposta à Questão 3
Tema II
Notas de Aula
1. Princípio da Humanidade
Este princípio, de fato, tem que ser norte de toda e qualquer intervenção penal, em
nosso ordenamento jurídico. Tem assento constitucional, estando presente e manifesto em
diversos dispositivos da CRFB, quais sejam:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
(...)
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
(...)”
Veja que o Direito Penal pode restringir a liberdade da pessoa, mas não pode,
jamais, retirar sua humanidade, que é presente na dignidade da pessoa humana, assim como
não pode retirar sua vida, com a pena de morte.
Há algumas considerações acerca da vedação às penas perpétuas: a perda do cargo,
a perda do poder familiar, a perda de bens, dentre outros casos, não são restituídas ao
infrator penal. Seriam, então, hipóteses de penas perpétuas? Não é o caso: não são penas,
estes eventos inclusos nos artigos 91 e 92 do CP, mas sim efeitos da condenação, e os
efeitos podem ser perpétuos (assim como quaisquer efeitos aos bens jurídicos agredidos o
podem também ser). Ademais, repare-se que os efeitos são todos cíveis ou administrativos,
e não penais.
Quanto à vedação aos trabalhos forçados, o trabalho do preso não é obrigatório: é
condição para a obtenção de certos benefícios. Se não quiser trabalhar, sofre sanções, mas
não pode ser forçado a desempenhar trabalho algum.
Penas podem ser consideradas cruéis quando envolvem castigos físicos, mentais, ou
quaisquer sofrimentos injustificáveis. O RDD, regime disciplinar diferenciado, do artigo 52
da LEP, não é considerado pena cruel. Desde que haja sua necessidade, se trata de apenas
um maior rigor no cumprimento da pena, imposto àqueles presos que justificam suas
medidas.
2. Princípio da Culpabilidade
3. Personalidade da Pena
“(...)
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido;
(...)”
Veja que a segunda parte do dispositivo, que fala em extensão de alguns efeitos a
sucessores do condenado, não é uma exceção ao princípio: não se trata de transferência da
pena, e sim de efeitos cíveis da punição penal.
Quanto ao momento da invasão do patrimônio dos sucessores, na pena de perda de
bens, há uma particularidade: o Estado só pode haver para si a coisa quando a sentença de
perdimento transitar em julgado. Se porventura o bem for alienado antes do trânsito em
julgado, nada resta ao Estado fazer.
Há autores que entendem que toda pena de reparação de danos, quando executada,
perde tal caráter, pois poderá ser executada no cível. Entretanto, é a execução cível de uma
sanção penal, e por isso só pode incidir sobre o apenado, e não sobre seus sucessores. Da
mesma forma, a pena de multa, que é dívida de valor para efeitos de execução, e que
quando se executa segue as normas da execução fiscal, e não penal. O REsp 274.443 deixa
clara a posição do STJ, qual seja, de que a multa ainda é sanção penal mesmo durante a
execução fiscal, não podendo ser transferida aos sucessores por causa mortis do condenado
(morte que, como se sabe, extingue a punibilidade).
4. Igualdade
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
b) Sim. A apelação criminal tem interesse por haver efeitos diversos da condenação
por ausência de provas em relação à condenação por motivos incontestáveis, como a
inexistência do fato, ou a inexistência de responsabilidade do agente. Como
exemplo destes efeitos, a dedução do evento na esfera cível: se há absolvição por
ausência de provas, ainda pode haver a discussão no cível; se a absolvição é por
motivos mais concretos, a discussão cível não mais pode existir. O interesse recursal
está na obtenção da certeza nos motivos da absolvição.
Questão 2
CARLOS amarrado à cela e proibido de ter acesso à sua família e a seus advogados pelo
período de 30 dias.
Pergunta-se: Tal medida administrativa viola algum princípio constitucional? Por
quê?
Resposta à Questão 2
“(...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLVII - não haverá penas:
(...)
e) cruéis;
(...)
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
(...)”
Questão 3
Resposta à Questão 3
quanto à natureza da res que se pretende furtada – em que pese o furto de energia elétrica
ser tipo reconhecido na jurisprudência.
A resposta oficial, porém, diz que no caso não há sujeito passivo do crime, pois a
empresa em questão cobra uma tarifa que, rateada entre os consumidores, engloba em si as
faltas de cobrança; e, ainda na resposta oficial, uma segunda tese defende que não haveria
crime contra o patrimônio, vez que deixar de ganhar não é ter-se subtraído. Ambas as teses
oficiais são extremamente pobres, juridicamente.
Há ainda outra tese a ser sustentada: a aplicação, por analogia in bonam partem, da
regra expressa no artigo 168-A, § 2° do CP, tendo sido tese esposada no TJ/RJ, no acórdão
do processo 2005.050.0566-9:
Tema III
Notas de Aula
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
(...)”
Veja que há dezoito verbos que podem identificar o crime, mas se o agente pratica,
em uma só conduta, em um só fato, mais de um verbo, não poderá ser imputado mais de
uma vez, pois haveria bis in idem. E é justamente para solucionar este conflito interno, de
um só tipo, que se aplica o princípio da alternatividade. Este não é atinente a conflitos de
normas, pois a norma é uma só.
1.1. Especialidade
“Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência:
(...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
(...)”
“Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate:
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.
§ 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é
menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por
bando ou quadrilha.
Pena - reclusão, de doze a vinte anos.
(...)”
“Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º,
158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art.
223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o
limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das
hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.”
1.2. Subsidiariedade
Alguns bens jurídicos são protegidos obedecendo-se a uma escala, uma gradação:
em um tipo, protegem-no em determinado grau; em outro, protegem-no em grau mais
severo. Aqui, há relação de maior e menor gravidade entre a norma principal e a
subsidiária. O crime que pune mais gravemente a conduta, em razão da maior severidade da
lesão perpetrada, absorve o crime mais brando.
Exemplo clássico é o constrangimento ilegal, do artigo 146 do CP:
Este artigo tutela da forma mais ampla possível a liberdade individual de ir e vir. No
entanto, há diversos outros crimes que, em relação da maior gravidade da conduta lesiva à
liberdade, estes são principais em relação ao crime do artigo 146 do CP. Veja:
“Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate:
(...)”
“Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem
ou qualificam o crime:
(...)”
1.3. Consunção
“Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro
meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)”
Outro critério: não pode haver relação de consunção se o bem jurídico dos crimes
praticados for diverso, pois quando há ofensa a mais de um bem jurídico, o concurso é real,
e não aparente. Mas este critério, se levado ao pé-da-letra, elidiria boa parte das hipóteses
de consunção normalmente reconhecidas, inclusive a própria súmula 17 do STJ, pois ali se
absorve um crime contra a fé-pública por um crime contra o patrimônio.
A doutrina assim soluciona a questão: na verdade, não é que haja necessidade de
haver o mesmo bem jurídico aviltado pelos crimes, mas é necessário que haja a mesma
titularidade do bem jurídico violado. Como exemplo, a fé-pública pertence à coletividade,
e o patrimônio, a uma pessoa da coletividade – por isso se admite. Não pode haver
consunção quando os bens jurídicos violados pelo crime-meio e crime-fim pertencem a
titulares determinados distintos. Por isso o homicídio absorve o porte de arma, e o
estelionato absorve o falso.
Como última regra, o crime-meio deve nascer e morrer em razão do crime-fim.
Veja: o crime-meio só tem razão de ser se for para chegar ao crime-fim, pois esta foi sua
única função; se for um crime que se basta em si mesmo, na casuística, não será crime-
meio, mas crime autônomo. Um exemplo: sujeito falsifica identidade para dela se valer em
diversas situações do cotidiano, inclusive num estelionato. Este crime não absorverá a
falsidade ideológica, pois esta existiu autonomamente, não só em função do estelionato, e
tampouco extinguiu-se quando do cometimento do estelionato.
Há que se falar da progressão criminosa. A doutrina assim a define: se o agente, no
curso de uma execução criminosa, altera seu dolo e passa a realizar outra conduta típica,
com outra finalidade, mas dentro do mesmo bem jurídico tutelado, responde apenas pelo
crime mais grave. Como exemplo, o roubo que progride para a extorsão mediante
seqüestro, será por esta absorvido.
Não se pode confundir o post factum impunível, o exaurimento, com a progressão
criminosa: o exaurimento é a mera extenuação dos efeitos de um só tipo penal, e que por
isso é impunível. Como exemplo, o crime de petrechos de falsificação, e a postura em
circulação do item falsificado: esta é exaurimento daquele, e por isso impunível. Veja um
exemplo: o furto de um bem e a venda posterior deste bem a um terceiro que crê que o
vendedor é o dono da coisa. Esta segunda conduta, estelionatária, na verdade é exaurimento
do crime de furto, pois se presta tão somente a consolidar a vantagem obtida pelo furto.
Apesar de ser o entendimento majoritário, comportaria críticas, pois há dois titulares sendo
lesados – a vítima do furto e a vítima do estelionato –, pelo que seria caso de concurso real
de crimes.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Valendo-se da norma contida no art. 18, § 6º, I, do CDC, que considera impróprios
ao uso e consumo "os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos", o Ministério
Público denunciou VINÍCIUS, subgerente da Confeitaria Docinho Ltda., pelo cometimento
do crime tipificado no art. 7º, IX, da Lei 8.137/90. Isto porque agentes da fiscalização
sanitária, em 10/04/2007, encontraram no aludido comércio pouco mais de 6 kg de café
em pó da marca Café Brasil, embalado, fora do prazo de validade, pois vencido em
07/04/2007, sendo o produto inutilizado no local.
A denúncia foi rejeitada por ter sido considerada inepta, eis que não descreve fato
criminoso com respaldo num mínimo de prova, ressaltando que no procedimento policial
sequer se apurou se a mercadoria inutilizada pela fiscalização estava realmente imprópria
ao consumo.
O Ministério Público recorreu sustentando que o delito é de mera conduta, e se
consuma com a simples ação do agente, sendo dispensável a comprovação da
impropriedade material.
Indaga-se:
a) Assiste razão à acusação?
b) O art. 7º, IX, da Lei 8.137/90 é uma norma penal em branco? Conceitue e dê
as espécies de norma penal em branco.
Resposta à Questão 2
a) Assiste razão à acusação. Crimes de mera conduta são aqueles que não contam com
qualquer resultado naturalístico para se consumar, em nada sendo relevante esta
questão de classificação com a aferição técnica dos elementos materiais que
identificam a conduta como criminosa. É crime de perigo abstrato.
De outro lado, a lesividade impõe que o perigo deveria ser concreto, ou seja,
deveria haver a real nocividade do produto; destarte, como poderia se configurar a
conduta, se não há qualquer comprovação do preenchimento dos requisitos típicos
que a configuram como crime, ou seja, o perigo concreto? Estando provada a
impropriedade do produto, estará, aí sim, provada a mera conduta que é criminosa.
Esta é a tese esposada pelo TJ/RJ, no processo 2004.051.00108.
b) Não. A aferição da impropriedade não carece de outra norma para suprir qualquer
conceito em aberto do tipo. A impropriedade será aferida de condições fáticas, e não
de outra norma, o que característica das normas penais em branco. Veja:
Tema IV
Lei Penal no Tempo. 1) Teorias. 2) Princípios norteadores do conflito de leis no tempo. 3) Combinação de
leis. 4) Questões controvertidas.
Notas de Aula
“Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-
se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado.”
Veja que a quebra da coisa julgada pela retroatividade da lex mitior não é uma
decisão randômica do constituinte ou do legislador. Na ponderação entre a estabilidade das
relações jurídicas, segurança jurídica promovida pela coisa julgada, e o direito à liberdade,
promovido pela retroatividade in bonam partem, preferiu-se o segundo.
A irretroatividade, ao contrário, é mera leitura transversa da retroatividade: a lex
gravior não retroage, porque só retroage a lex mitior.
A ultratividade consiste na aplicação da lei ao fato que houver ocorrido durante sua
vigência, quando esta não mais estiver em vigor. São ultrativas, então, as leis excepcionais
e as leis temporárias, e também as leis mais benéficas que forem revogadas: a lex mitior é
sempre ultrativa e retroativa. Por isso se diz, inclusive, que a lex mitior conta com extra-
atividade, que nada mais é do que a reunião da ultratividade e da retroatividade.
As leis excepcionais e temporárias são tratadas no artigo 3° do CP:
“Lei 11.343/06, art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,
adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas,
ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda,
oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação
de drogas;
“Lei 6.368/76, art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,
adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter
em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar,
de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar;
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a
360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:
I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou
oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo
ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou
que determine dependência física ou psíquica;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de
entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.
§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:
I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine
dependência física ou psíquica;
II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou
vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para
uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine
dependência física ou psíquica.
III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o
tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou
psíquica.”
Em comparação com a previsão da antiga lei, a nova apresenta uma pena maior,
pois o que era de três a quinze anos, hoje é de cinco a quinze anos – o novel dispositivo
seria claramente lex gravior, então. Contudo, no § 4° da nova lei, há uma inovação que
suscita dúvidas:
“(...)
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1 o deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de
direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
Assim, ao réu primário enquadrado, hoje, no tráfico, a pena mínima pode partir até
mesmo de um ano e oito meses, pois pode ser reduzida de até dois terços. Na lei antiga,
mesmo a pena mínima sendo menor (três anos, contra os cinco de hoje), não havia
minorante para o primário: para este, então, a lei nova é mitior.
Há ainda outra consideração a ser feita nesta dialética em questão: seria aplicável
apenas o § 4° da nova lei, valendo-se da escala penal da lei antiga? Veja: a lei antiga tem a
escala penal menor, e portanto deve ultragir; a nova lei tem a previsão da minorante no §
4°, e portanto deve retroagir. Poderia ser feita uma combinação das duas, fazendo a
minorante incidir sobre a escala penal da lei antiga (culminando em uma pena mínima de
um ano, se submetida aos dois terços de redução)?
Há duas correntes. Uma, majoritária, defende que a ultração ou retroação da mais
benéfica deve sempre ser feita em bloco, a lei agindo integralmente, ou seja, neste caso,
seria aplicável apenas o artigo 33, § 4°, da nova lei, sendo a escala penal mínima iniciada
em um ano e oito meses. A corrente minoritária, por sua vez, defende que poderiam ser
combinados os preceitos, a fim de se formar um tertium genus mais benéfico, valendo-se
dos preceitos melhores de cada lei – a escala seria iniciada em um ano. A corrente que
defende a retroação em bloco é majoritária, contando com a adesão do STF, porque defende
que a formação de um terceiro gênero é atividade legiferante, violação da separação dos
poderes pelo Judiciário.
Assim, veja uma situação hipotética: se um agente dispara arma de fogo contra
vítima em uma data, na vigência de uma lei, e esta só vem a óbito um mês depois, já na
vigência de outra lei, será aplicável a legislação da data em que o disparo foi realizado,
qualquer que seja a natureza desta, lex gravior ou mitior.
O tempo do crime apresenta situações complexas. Vejamos uma: se a grávida toma
um abortivo, mas o feto não foi expelido. Contudo, um mês após o nascimento, a criança
morre, em razão do medicamento abortivo. Qual será o crime cometido? Neste caso, há
aborto, pois a teoria da atividade faz a conduta ser aferida na época em que realizada,
quando havia vida intrauterina sendo aviltada.
Vejamos se de outra forma fosse: por exemplo, nascendo esta mesma criança e a
mãe, inconformada com o insucesso do medicamento abortivo, toma do bebê e sufoca-o até
a morte. Neste caso, será claramente homicídio, vez que a manobra abortiva não é a
conduta a ser aferida como causa da morte, e sim o sufocamento; e como este foi intentado
contra vida extrauterina, há homicídio, e não aborto (nem se falando em infanticídio, pela
ausência de puerpério).
“Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo,, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e
as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e
do art. 75 deste Código.”
Neste crime continuado, se um dos crimes que serão reunidos for praticado já na
vigência de lex gravior, mesmo tendo os antecedentes sido cometidos na vigência da lex
mitior revogada, será aplicada a lex gravior a todos os crimes da cadeia delitiva.
Isto ocorre pelo seguinte raciocínio: se o agente incorreu na conduta criminosa
durante a vigência da lex gravior, esta deverá ser aplicada, por sua vigência açambarcar os
crimes nela cometidos – é a simples atividade da lei durante sua vigência, alcançando os
crimes ali cometidos. Os crimes anteriormente cometidos, por sua vez, se fossem
autônomos, seriam tratados sob a égide da lei que lá vigia. Entretanto, há que se observar
que o sistema penal não pode ser incongruente nem paradoxal: a primeira conduta de uma
continuidade delitiva não pode atrair e resumir em si a continuidade como um todo, pois se
a ficção jurídica reúne todas como se um só crime fossem, resulta que somente ao final da
continuidade criminosa se findou o crime ficto – e só ali se operou o fim da conduta, para a
teoria da atividade, sendo ali aferida a legislação aplicável.
Por conta disso, o STF editou a súmula 711:
“Súmula 711, STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao
crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.”
Veja que não se trata, absolutamente, de uma retroação da lex gravior; é apenas a
sua ação, sua aplicação a crime cometido durante sua vigência.
Normas penais em branco e tipos abertos não se confundem. O tipo aberto é aquele
que depende de uma leitura interpretativa de um dos seus elementos, a saber, o elemento
normativo, em regra. A norma penal em branco, por sua vez, não depende de interpretação,
como no tipo aberto, mas depende de uma complementação, que virá da própria fonte
normativa legislativa – norma penal em branco homóloga –, ou de outra fonte normativa –
norma penal em branco heteróloga.
A norma penal em branco homóloga ainda se subdivide em homovitelína e
heterovitelina: se a norma complementar é oriunda do mesmo campo do direito, é
homovitelina; se a seara do direito que provê a complementação é outra, a norma penal em
branco homóloga é heterovitelina. Como exemplos, respectivamente: os crimes praticados
por funcionários públicos encontram o complemento do conceito de “funcionário público
no próprio CP: é norma homovitelina; a bigamia busca o complemento para o conceito de
casamento no CC: é heterovitelina.
Outra distinção a ser feita quanto às normas penais em branco diz respeito à
natureza do seu complemento, não quanto à fonte, mas quanto à vigência: o complemento
poderá ter natureza temporária ou não-temporária. Pode o complemento ser não-
temporário, quando o que determina sua formulação são circunstâncias ou fatos igualmente
não-transitórios. Um exemplo claro é o da Lei de Drogas: a Portaria da Anvisa que traz
quais substâncias são classificadas como “entorpecentes” não o faz baseada em critérios
temporários. O fato de a portaria ser atualizada anualmente não retira sua característica de
não-temporária, pois é mera necessidade de atualização – os critérios de formulação são os
mesmos, não excepcionais.
De outro lado, a forma do complemento pode ser um aspecto qualquer temporário
ou excepcional, como no crime de venda por preço maior que o tabelado, do artigo 6°, I, da
Lei 8.137/90:
Apesar de quaisquer discussões que possam ter existido, por ocasião da inovação da
Lei 11.343/06, a questão agora é pacífica: não há descriminalização da conduta do usuário,
pois o que houve foi mera “descarceirização” de sua apenação. Veja:
Por conta disso, qualquer alegação de que o usuário de drogas recebeu abolitio
criminis é, hoje, tese vazia, tendo o STF já se posicionado pela não abolição do crime.
Casos Concretos
Questão 1
Alegou a defesa que a hipótese era de continuidade delitiva, devendo ser aplicada a
Lei nº 4.729/65, diploma então vigente à época da maioria dos delitos (1988 a 1990), pois,
tendo a Lei nº 8.137 entrado em vigor em 1990, os fatos ocorridos anteriormente não
poderiam ser por ela abrangidos, já que até então a Lei vigente era aquela que, inclusive,
previa pena mais leve. Do contrário, estaria o Poder Judiciário aplicando a novatio legis
in pejus, o que fere flagrantemente o princípio constitucional da legalidade.
Ignorando eventual ocorrência da prescrição, se fosse você o juiz da causa, como
decidiria?
Resposta à Questão 1
Apesar de estar incorreta a capitulação do MP, vez que não há concurso material, e
sim continuidade delitiva, ainda assim não assiste razão à defesa. Veja que aplicar-se-ia o
princípio tempus regit actum, ou seja, a lei do tempo do fato é a que deve ser aplicada,
salvo se houver lex mitior aplicável a tal fato. Contudo, in casu, ocorre que a prática era,
deveras, crime continuado, e este tem sua consumação remontada à época do último fato
praticado, pelo que a lei que se lhe alcança é a vigente a esta época, mais gravosa ou mais
benéfica.
Neste sentido, o STF editou a súmula 711, que dispõe que “a lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à
cessação da continuidade ou da permanência.”
O STF enfrentou esta questão no HC 81.544-8/RS.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Aplica-se o princípio tempus regit actum mitigado pela lex mitior aplicável ao fato.
A incriminação deve se ater ao crime de estupro, sendo desconsiderado qualquer gravame
referente ao uso da arma de fogo, vez que a novel legislação traz benesse penal que deve
retroagir para alcançar o crime de outrora. Há abolitio criminis da conduta de uso de arma
de brinquedo, da Lei 9.437/97.
Por isso, a condenação deve ater-se ao estupro, desconsiderando-se a criminalização
do uso de arma de brinquedo vigente à época, pela abolição do delito. O STJ enfrentou a
questão no REsp 631.354/RS.
Questão 3
Resposta à Questão 3
O fato de que o teto para a dispensa da licitação tenha sido ajustado não significa
que tenha havido mudança da concepção estatal sobre a reprovabilidade da conduta. O
complemento, o teto para dispensa da licitação, tido por norma de natureza não-temporária,
apenas se altera para se adaptar à realidade fático-econômica, e não em razão de qualquer
alteração da criminalização da conduta ali tipificada: não houve abolitio criminis, de forma
alguma. Assim, mantém-se a denúncia nos exatos termos. O STJ enfrentou a questão no
REsp 474.989/RS, assim decidindo.
Tema V
Lei Penal no Espaço. 1) Teorias. 2) Princípios norteadores do conflito de leis no espaço. 3) Territorialidade e
extraterritorialidade. 4) Questões controvertidas.
Notas de Aula
Quando se trata de aplicação da lei penal no espaço, se está tratando de quando a lei
penal brasileira é aplicável ou não.
1.1. Territorialidade
1.2. Extraterritorialidade
Este princípio serve para as exceções, em que se vai aplicar a lei brasileira para fatos
ocorridos fora do território brasileiro. Segundo o artigo 7° do CP, assim se demonstra a
extraterritorialidade:
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das
seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar
extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.”
Este artigo elenca as hipóteses em que, não fosse a extraterritorialidade, a lei penal
brasileira seria inaplicável, pois a territorialidade não os açambarcaria.
No inciso I, estão as hipóteses de extraterritorialidade incondicionada, em que a lei
brasileira se aplica sem qualquer ressalva ou condição. Estas hipóteses são fundamentadas
por princípios ainda anteriores à extraterritorialidade, que têm sede no direito internacional,
quais sejam:
“(...)
4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido
a novo processo pelos mesmos fatos.
(...)”
3
Data venia, não me parece entendimento correto. A pactuação feita pelo Brasil, no Pacto de São José da
Costa Rica, nada mais é do que o compromisso internacional de algo que a coisa julgada material já impunha,
há tempos, no nosso ordenamento criminal. Por isso, a leitura que creio correta, e que parece ser a única que
se coaduna com o ordenamento nacional – salvaguardando, principalmente, a soberania pátria – é que seja
apenas a vedação ao “reprocesso” arbitrário por fato já submetido à coisa julgada, mas dentro do próprio
sistema criminal pátrio: se o Brasil já processou e absolveu, não mais poderá processar o mesmo fato. Do
contrário, o que ocorreria é que a coisa julgada absolutória alcançada em processo realizado em outro país
seria oponível de forma absoluta contra o Brasil, impedindo nossa atuação soberana, e dando margem a
incongruências inadmissíveis, em que poderia o criminoso ser absolvido por um sistema corrupto e estar
isento da persecução brasileira.
Casos Concretos
Questão 1
Um navio de guerra argentino deixou o porto de seu país com destino à Argélia, na
África. Um problema mecânico obrigou o capitão a ancorar em terras brasileiras. Nesse
ínterim, alguns marinheiros saíram do navio para comemorar a vitória da Argentina sobre
o Brasil, no futebol, e acabaram por se envolver numa tremenda briga com os torcedores
brasileiros. Durante o confronto, um marinheiro argentino acabou matando um cidadão
brasileiro.
Pergunta-se:
a) Tendo o navio argentino natureza pública, o crime deverá ser julgado
segundo a lei penal argentina?
Resposta à Questão 1
b) Ainda seria considerado, o crime, cometido no Brasil e aqui punível, mas não
poderá haver persecução penal, aqui, senão mediante acordo entre os países, mas
por questões alheias ao Direito Penal, de jurisdição internacional, e não de
territorialidade. Se, hipoteticamente, o crime tivesse sido cometido dentro do
navio, aí sim, a lei penal brasileira não seria aplicável, posto que praticada por
estrangeiro em território estrangeiro.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Inconformado, entrou em contato com SINVAL, que, mediante paga, inseriu visto falso no
passaporte de WALBERTO.
Assim, WALBERTO conseguiu viajar para os Estados Unidos, entretanto, lá
chegando, é verificado que seu visto é falso, sendo então deportado para o Brasil.
Sabendo-se que nos Estados Unidos tal conduta é ilícita, pergunta-se:
a) Qual o crime praticado por WALBERTO?
b) Onde se consumou este crime?
c) A lei brasileira será aplicada ao caso?
Resposta à Questão 3
a) O crime de uso de documento falso, do artigo 304 do CP, que absorve o crime de
falso do artigo 297 do CP, para a maior doutrina:
“Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se
referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.”
Tema VI
Teoria da Conduta I. 1) Conceito de ação: comportamento humano como base da teoria do delito. 2) Teoria
causal da ação: a) Teoria causal-naturalista da ação: definição, fundamento filosófico, definição de ação e
omissão, características preponderantes; b) Teoria causal-valorativa da ação: definição, fundamento
filosófico, características preponderantes. 3) Teoria finalista da ação: definição, fundamento filosófico,
estrutura da conduta finalista, características preponderantes, comparação com a teoria anterior. 4) Teoria
social da ação: definição, fundamento, características preponderantes, comparação com as teorias causal e
final. 5) Teorias funcionalistas: a) Teoria personalista da ação: base metodológica, influência do pensamento
de Claus Roxin; b) Teoria da evitabilidade individual: base metodológica, influência do pensamento de
Jakobs.
Notas de Aula
1. Teoria da Conduta
Sabe-se que o causalismo não mais tem qualquer aplicação como teoria do delito,
hodiernamente. Todavia, seus institutos merecem estudo, diante da importância histórica
que apresentam, ao menos como fonte de entendimento evolutivo dos conceitos.
A teoria causal-naturalista da conduta, de Von Liszt e Beling, entendia a conduta
como um movimento corpóreo voluntário que produzia uma modificação no mundo
exterior (o resultado naturalístico). Assim, em suma, para o causalista, “matar alguém” seria
apenas provocar a morte de um ser humano, por qualquer meio.
Note-se que ao menos a voluntariedade5 sempre foi um elemento presente no
conceito de conduta, qualquer que fosse a teoria adotada, pois do contrário seria demasiado
absurdo: alguém ser punido por algo que não fez, e não podia evitar, dadas as
circunstâncias naturais da conduta (não é voluntário aquilo que é feito pelo meio externo ao
indivíduo, e não feito por este ao meio externo, como num fortuito).
Voltando à definição de conduta, o motivo pelo qual o conceito se atém à
manifestação externa se explica pela evolução histórica da conduta. Zaffaroni entende os
causalistas como idealistas (não no sentido romântico, ideal sendo lido no sentido de
perfeito, modelar), pela construção de um modelo jurídico ideal da conduta pela qual o
individuo deveria se pautar. Ocorre que a conduta não é um conceito que precise de criação
jurídica: a conduta está no mundo fático, precisando apenas da sua constatação empírica, e
não da indução de um conceito normativo para que passe a existir para o direito. A conduta
é um conceito pré-jurídico: “matar alguém” não é uma conduta criada pelo direito, cuja
negativa seja imposta aos indivíduos. “Não matar alguém” não é conceito jurídico criado
pelo Direito Penal: o direito apenas selecionou esta conduta e a tipificou como esperada,
sendo sua contrariedade punida. Ela sempre existiu no mundo fático, por isso é pré-jurídica.
Atentos a esta crítica, os causalistas tentaram adaptar sua tese, e criaram um
conceito jurídico de conduta puramente objetivo, completamente avalorado, sem qualquer
tipo de adução conceitual jurídica à conduta: os juristas apenas ativeram-se à reprodução
4
Uma exceção, das pouquíssimas, em que o “ser” é restrito, reside na vedação à adoção do nazismo como
ideologia política, que é expressa na Lei 7.716/89.
5
Voluntariedade não se confunde com finalidade: voluntariedade é elemento da conduta, enquanto finalidade
é elemento do dolo, elemento do tipo subjetivo.
Inspirados pelas críticas, e nas idéias de Kant (por isso se chama esta tese causalista
de neokantismo), os causalistas, representados por Mezger e Frank, na Alemanha,
desenvolveram uma tese em que a conduta passou a ser lida também com a presença de
elementos subjetivos, e não puramente objetiva, como a tese causal-naturalista apregoava.
Assim, a teoria causal-valorativa da conduta realizou a seguinte mudança: trouxe da
culpabilidade para a conduta a análise de alguns elementos subjetivos, na hipótese da
tentativa, e nos crimes que têm a especial finalidade de agir. Veja que o dolo, em si, não se
transportou para a conduta: foi mantido na culpabilidade, assim como a culpa.
De qualquer forma, esta teoria, mesmo não representando exatamente o dolo
natural, avançou na análise da conduta, vez que aduziu elementos de valoração ao seu
conceito – a conduta deixou de ser estritamente objetiva.
Com esta alteração, como se sabe, toda teoria do delito se altera, em efeito cascata.
Na tese da conduta causal-valorativa, a ilicitude se dividiu em material e formal (estudo
aprofundado adiante), mas a grande modificação que se operou, a esta época, foi na
culpabilidade. Surgiu a teoria normativa da culpabilidade: Frank produziu a idéia de que só
poderia ser reprovável a conduta daquele indivíduo que poderia agir de outro modo, o que
evoluiu para a moderna exigibilidade de conduta diversa, exigibilidade de conduta
conforme o ordenamento jurídico. Veja que o mérito desta tese é ultrapassar a abstração do
homem para individualizar sua conduta, de acordo com as exatas possibilidades e
circunstâncias desta: mesmo sendo uma conduta reprovada em abstrato, será medida a sua
inexigibilidade naquele caso concreto, para aquele indivíduo.
Assim, a quebra de uma regra padrão – “não matar” –, se para a casuística era
impossível não quebrar, será retirada a reprovabilidade do ato, o que se aproxima muito
mais da justiça. A culpabilidade se impregnou de um elemento importantíssimo, nesta
época, vigente até hoje: a normalidade das circunstâncias. Se o agente deixar bem claro
que as circunstâncias que o levaram a quebrar a regra padrão eram anormais, impelindo-o a
praticar a conduta contrária ao direito, ou seja, que a conduta compatível com a regra
padrão era inexigível, sua conduta não será culpável.
Ainda nesta teoria, Mezger opera uma releitura do dolo. Este, que já se compunha
dos elementos cognitivo e volitivo, mas era aferido apenas na culpabilidade, passou a
contar, por obra de Mezger, com mais uma particularidade a ser verificada no elemento
cognitivo: foi Mezger quem disse que, além da ciência dos elementos fáticos do tipo, o
agente deveria, para ser culpável, ter plena consciência atual da ilicitude da conduta. O
atual conhecimento da ilicitude (que depois evoluiu para o potencial conhecimento da
ilicitude, como se verá), então, elemento dependente de juízo de valor, passou a integrar a
culpabilidade.
Veja que, então, a culpabilidade continuou sendo um elemento psicológico do
delito, mas com elementos normativos.
Apesar de contribuir bastante para a teoria do delito, esta tese ainda não solucionou
as perplexidades causadas pela presença do dolo e da culpa na análise da culpabilidade. O
conceito ideal da conduta ainda reinava, e a doutrina caminhou para um conceito real de
conduta – este conceito só veio com os finalistas, pelo que Zaffaroni os chamou de
realistas.
Welzel, atento à necessidade de uma interpretação real da conduta, pois claro estava
que não se poderia entender que algo que era empírico fosse lido como uma criação
jurídica, desenvolveu a teoria finalista da conduta. Veja: o direito não cria a conduta que
quer reprimir; apenas a seleciona do meio externo, no qual ela já existe, a tipifica, e pune
sua realização.
Assim, Welzel cristaliza o finalismo na seguinte afirmação: não há comportamento
humano que não se dirija a um determinado fim. Toda ação ou omissão humana têm
alguma finalidade, não existindo conduta humana que não se destine a algum determinado
fim.
Esta leitura da conduta muda tudo. Welzel defende que nenhuma conduta humana
pode ser analisada exclusivamente do ponto de vista externo. Para o causalismo, “matar
alguém” era causar-lhe a morte, apenas, e se o fez com dolo ou culpa o que variava era
apenas o nível de reprovabilidade desta ação – mas “matar alguém” ainda é, de plano,
conduta típica. O finalismo altera esta interpretação: buscando o conceito pré-jurídico da
conduta, percebe que na realidade a conduta tem uma orientação para algum fim, sempre há
algum escopo na conduta humana, que não pode ser desconsiderado e deslocado para a
análise da medida da culpabilidade, somente. Deve ser lido na sua origem natural, ou seja
dolo e culpa devem ser aferidos na própria conduta que impulsionaram.
O funcionalismo, que ainda será mais bem estudado, acresce a tudo isso a
reverberação da imputação objetiva, em que, além do tipo do finalismo, se prevê ainda a
criação ou majoração do risco proibido ao bem jurídico tutelado. Adiante será tema
específico.
Esta teoria, esposada por Wessels, e também já vencida, não se opôs a nenhuma das
outras. Na verdade, apenas consistiu na tentativa de trazer ao conceito da conduta um
elemento político, qual seja, a relevância social da ação. Assim, conduta seria o movimento
corpóreo voluntário, que produz uma modificação no meio externo, dirigida a determinado
fim, e que seja socialmente relevante.
Veja, então, que é esta teoria que propugnou primeiramente o prisma da adequação
social, princípio vigente hoje, em tempos de finalismo, para alguns aspectos da tipicidade
conglobante. O problema desta teoria, porém, é que não apresenta critérios seguros de
aferição da relevância social, pelo que a discricionariedade no preenchimento deste aspecto
ficaria exacerbada, causando insegurança jurídica.
Outra crítica que derrocou esta teoria é que a relevância social não seria verificada
na conduta, e sim na tipicidade, em especial na tipicidade material, como hoje vige a
adequação social, como simples princípio de interpretação da norma, e não elemento
componente da conduta.
Mais uma vez, o funcionalismo se adiantou um pouco, tentando adequar a teoria
social da conduta ao direito vigente, oferecendo um parâmetro um tanto mais concreto para
a relevância social da conduta: é relevante, para o direito, aquela conduta que ofereça risco
criado ou majorado ao bem jurídico. Se não cria ou majora o risco, não é relevante ao
direito.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Tema VII
Teoria da Conduta II. 1) Ausência de ação: coação física irresistível, movimentos reflexos, estados de
inconsciência (a embriaguez letárgica, o caso fortuito e a força maior, controvérsias). 2) Os sujeitos da
conduta: sujeitos ativo e passivo. 3) A pessoa jurídica como sujeito ativo.
Notas de Aula
São reflexos os movimentos corpóreos não controlados pelo agente, frutos de uma
pane cerebral, tal como espasmos ou convulsões. Se um destes movimentos reflexos causar
uma lesão, um resultado danoso qualquer, não serão imputáveis seus resultados ao agente,
pois não há sequer conduta do agente a ser analisada, ausente a voluntariedade.
Um problema seria acerca da previsibilidade do movimento reflexo: se o reflexo é
previsível, como o de um epilético que sabe de suas convulsões, o agente passa a ter
imposto a si um dever de cuidado quanto a este. Por isso, se o agente, sabendo de sua
condição, não evita o resultado desta, será imputado por culpa, podendo-se até mesmo, a
depender da circunstância, cogitar-se do dolo eventual (como o epilético que dirige veículo
em risco de convulsões).
não teria sequer como prever, quando da actio, que ao atingir ao delirio tremens seus
espasmos causariam determinado resultado – os espasmos, por conceito, são imprevisíveis,
ao contrário de atos praticados quando embriagado, que podem ser previstos pelo agente
quando começa a beber.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
(...)
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
(...)”
O meio ambiente é tão caro ao homem, que a sua lesão imputa administrativa, civil
e penalmente a quem der causa. Mas como a maior causadora de danos ao meio ambiente é
a pessoa jurídica, e não o homem, optou o constituinte por estender à pessoa jurídica a
tutela penal de seus atos lesivos ao meio ambiente.
A redação do dispositivo transcrito é bem clara: “(...) pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções administrativas e penais (...)”. Assim, há a imputação da pessoa jurídica,
claramente definida, e a atribuição de sanção penal, isolada da administrativa. Quanto a
isso, não há dúvida, sequer sendo aplicada a subsidiariedade da tutela penal: se a
Constituição tivesse mencionado sanção penal ou administrativa, seria o caso; mas o
conectivo é um “e”, em sentido de adição.
Ocorre que a punição penal da pessoa jurídica é uma questão tremendamente
controvertida. A maioria absoluta da doutrina entende que é absolutamente inviável, no
sistema jurídico penal brasileiro, a responsabilização criminal da pessoa jurídica, mas o STJ
já se demonstrou afeito à tese contrária, entendendo aplicável a responsabilização penal da
pessoa jurídica nos crimes ambientais. O STF ainda não se pronunciou sobre o fato.
A Lei 9.605/98, no seu artigo 3°, trouxe o problema ao campo prático, pois é ali que
se possibilita a incriminação das pessoas jurídicas, efetivamente:
- Nullum crimen sine conduta: Não há crime sem conduta humana voluntária.
Ausente o comportamento humano, não há sequer como se percorrer a análise do
crime, não havendo sequer como se estudar a tipicidade, a ilicitude e a
culpabilidade.
Por isso tudo, não só os princípios expostos, mas também toda a principiologia
penal restaria afetada de algum modo pela incriminação da pessoa jurídica. A
responsabilidade penal subjetiva, então, é princípio de tão majorada importância, que seu
afastamento é extremamente penoso à sociedade, capaz de desestabilizar toda a vida social.
É interessante se mencionar que a França já conta com a responsabilização penal da
pessoa jurídica há muito tempo, mas suas bases são muito diversas daqui. Por lá, há toda
uma sistemática penal somente dedicada à responsabilidade da pessoa jurídica: há um
código penal de atividades de empresa, assim como um código de processo penal
empresarial, com sistemáticas próprias, alheias à construção penal subjetiva humana.
age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel.
Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes).
II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não
descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu
nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in
iudicio (Precedentes).
III - Com o trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta
prejudicado o pedido referente à nulidade da citação.
Recurso provido.”
Como se estabelecer, então, o liame psicológico que o concurso exige? Veja que o
Direito Civil adotou a tese realista da pessoa jurídica, ou seja, mesmo esta sendo uma
entidade abstrata, é uma realidade. Para o Direito Penal, entretanto, ainda existe a
divergência, sendo que, para a tese contrária à sua responsabilização, é ainda uma mera
ficção jurídica. Para a tese favorável à responsabilidade, a pessoa jurídica é uma realidade.
Mas, ainda assim, há como a pessoa jurídica ter vontade, elemento necessário ao liame
subjetivo caracterizador do concurso de pessoas?
A resposta vem do artigo 3° da Lei 9.605/98, já transcrito. Veja: ali se apresentam
requisitos para a responsabilização, quanto a quem tenha decidido por cometer a infração, e
quanto à reversão do benefício desta atividade ilegal:
“(...) nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua
entidade.
(...)”
Assim, a conduta humana é exigida, quer seja manifestada nas decisões dos
representantes ou de órgãos colegiados da empresa, e o liame se presume da reversão do
resultado em benefício da empresa. As decisões do representante legal ou órgãos colegiados
podem ser tidas como decisões da própria empresa, quando realizadas no interesse ou
benefício da própria entidade.
Além destes requisitos do artigo – decisão dos dirigentes e reversão em prol da
entidade –, adiciona-se outro requisito, para, afinal, conformar o liame entre os seres
humanos praticantes da conduta e a entidade abstrata: a conduta criminosa deve guardar
relação com a atividade da empresa. E haveria ainda um quarto requisito: a conduta
criminosa, danosa ao meio ambiente, deve ser realizada com os meios de que a empresa
dispõe, com sua logística de serviço (mesmo que por terceirização).
Veja que se ficar comprovado que os responsáveis humanos pela ordem do dano são
os únicos beneficiados pela conduta, não há como se falar em imputação da empresa, pois
carece, então, da configuração do liame.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Caio sequer agiu, pois não há conduta, vez que não há voluntariedade – força
externa moveu seu corpo na direção da lesão.
Mary, por sua vez, agiu com quebra do dever geral de cuidado que deveria ter
observado mormente em seu mister, pelo que se lhe imputa o resultado culposo pela
negligência, havendo a tipificação de sua conduta na lesão corporal culposa.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema VIII
Tipo e Tipicidade I. 1) Teoria do tipo: a) Origem e definição; b) Relação com a norma penal e com o bem
jurídico: juízo de tipicidade formal e material. 2) Funções do tipo, elementos estruturais. d) Importância do
tema: diferença entre objeto jurídico e objeto da ação.
Notas de Aula
1. Teoria do Tipo
Fato típico, ou tipo penal, é a descrição, na lei, de uma conduta humana proibida.
Quando se fala em tipicidade, em seu conceito mais puro, se está falando na adequação de
uma conduta humana ao modelo previsto em lei.
Assim, em verdade, as expressões fato típico e tipicidade são duas formas de se
dizer a mesma coisa. Quando o fato é típico, o é porque o legislador descreveu a sua
realização em uma lei, com correspondente previsão de pena. Ter tipicidade, por sua vez, é
ter a qualidade de estar descrito na lei penal: o fato típico tem tipicidade. É como se
dissesse “uma pessoa é honesta; ela tem honestidade”. A tipicidade é a qualidade que se dá
a uma conduta humana, por ela estar prevista – e proibida – na lei penal como fato típico.
O modelo de fato típico que se vai trabalhar, aqui, é o finalista. Welzel, criador do
finalismo, ao analisar a tipicidade percebeu que havia uma necessária relação entre fato
típico e fato ilícito. Assim, adotou um modelo, que fora criado por Ernest Mayer, em que há
independência entre tipicidade e ilicitude. Isto porque ilicitude, ou antijuridicidade, é a
relação de contrariedade entre uma conduta típica e o ordenamento jurídico. Veja: ser ilícito
penal significa necessariamente ser, primeiro, típico. Para se falar em ilicitude penal, é
pressuposta a tipicidade, pois se o fato não tem a qualidade de ter sido proibido em lei
penal, não pode ser contrário ao ordenamento.
Mayer entende, então, que todo fato típico tende a ser ilícito. O modelo adotado
pelo finalismo de Welzel, segue o conceito de que a tipicidade é um indício da ilicitude. Ou
seja: todo fato típico tende a ser ilícito, e o será, salvo se estiver presente uma causa de
justificação, uma causa excludente da ilicitude – é a teoria da ratio cognocendi, teoria
indiciária da tipicidade.
Ratio cognocendi significa “caminho para o conhecimento”, no caso, conhecimento
da ilicitude. O fato ser típico, então, é o primeiro passo no caminho para que haja a
ilicitude. Como primeiro passo, porém, o fato ser típico não significa que chegará
necessariamente ao destino da ilicitude, pois o próprio legislador prevê alguns desvios na
rota, as já mencionadas causas justificativas, que são normas de permissão, normas
autorizativas da conduta típica, as excludentes da ilicitude. Assim, sintetiza-se: sempre que
um fato for típico, a priori também será ilícito, salvo se houver alguma excludente de
ilicitude, prevista na lei penal, que o ressalve.
A conseqüência desta teoria da ratio cognocendi, então, é que fatos que são típicos,
por vezes, não são contrários ao ordenamento jurídico, pois a ilicitude é independente da
tipicidade, apesar de todo fato típico guardar relação de tendência a ser ilícito. Por isso,
matar alguém em legítima defesa ainda é um fato típico, mas não é ilícito, pois há causa
justificante que exclui a ilicitude. A tipicidade leva à ilicitude, em regra, mas admite estas
exceções justificantes.
Outro modelo, de Edmund Mezger, trouxe o conceito do tipo total de injusto, que é
um modelo de fato típico contraposto ao finalista, de Welzel (o qual é adotado no Brasil).
Mezger entendeu que a tipicidade e a ilicitude são indissociáveis; por isso, o que deve ser
aferido é somente a ilicitude do fato, pois ser típico é apenas uma das características do fato
ilícito. Veja: a ilicitude é o elemento amplo, do qual a tipicidade faz parte. Assim, só será
contrário a ordem o fato que for típico, pois se não for típico, não pode ser contrário à
ordem.
Por conta disso é que se entende o tipo de Mezger como total de injusto: reúne em
si, sempre e indissociavelmente, a tipicidade e ilicitude do fato. Também por isso
denomina-se a teoria de Mezger como ratio essendi, “razão de ser”, meio essencial para se
aferir a ilicitude.
É a teoria de Mezger que fez nascer a teoria dos elementos negativos do tipo, em
que as excludentes de ilicitude passam a integrar a própria estrutura do fato típico, como
elementos negativos da estrutura, ou seja: “matar alguém”, por exemplo, não é o tipo em si;
pela teoria dos elementos negativos do tipo, o crime é “matar alguém sem ser em legitima
defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do
direito”. Esta teoria, dos elementos negativos, será melhor estudada adiante.
No Brasil, como dito a teoria adotada é a indiciária do tipo, a ratio cognocendi,
sendo a tipicidade independente da ilicitude.
“Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal.”
O verbo do tipo: Todo fato típico é uma ação ou omissão, descrita por um verbo (ou
mais de um), um fazer ou deixar de fazer. No homicídio, o verbo que se pretende
impedir é “matar”.
Os elementos subjetivos, que também integram todo tipo penal – pois não há
responsabilidade penal objetiva no Brasil –, por sua vez, remetem ao âmago intelectual do
agente. São referências ao que se passa na mente do sujeito (e por isso são subjetivos) ativo
do crime, dizendo respeito ao que ele pretende, tenciona, tem por finalidade da sua conduta.
Estamos tratando do dolo.
Veja que o elemento subjetivo do tipo só existe no finalismo, tendo sido obra de
Welzel a sua introdução na tipicidade. Isto porque para a doutrina anterior, o causalismo, o
tipo se completava somente com os elementos objetivos – cingia-se exclusivamente à
tipicidade formal. O dolo ou a culpa se aferiam na culpabilidade, e não na conduta. Por
óbvio, o causalismo não pôde refutar o entendimento finalista, vez que toda conduta
humana tem alguma finalidade, algum intento em sua realização, e este intento não pode ser
dissociado da própria conduta.
Entenda: a conduta humana de puxar o gatilho e disparar em direção à cabeça da
vítima não pode ser considerada homicídio, fato típico, se não há por detrás de sua
realização o dolo ou a culpa. Poderá ser apenas uma conduta de ameaçar, ou de lesionar a
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Tipos abertos e normas penais em branco não se confundem. Os tipos abertos precisam de interpretação
pessoal do operador, enquanto a norma penal em branco depende de uma outra norma complementar para
delimitar sua tipicidade, e não de interpretação.
integridade física, e não matar, pelo que a sua tipificação depende, inafastavelmente, da
precisa identificação do elemento subjetivo do tipo. A conduta humana só se transforma no
verbo típico quando presente o exato elemento subjetivo que aquele verbo intenta rechaçar.
Dito isso, estudemos o elemento subjetivo clássico de todo tipo penal: o dolo. Este é
o elemento subjetivo geral, que compõe todos os tipos penais, sem ressalva, sendo dolo,
aqui, lido como finalidade.
Alguns tipos penais, entretanto, contam também com elementos subjetivos
específicos, os elementos subjetivos especiais, que consistem na especial finalidade de agir
do agente ativo. Além do dolo, é necessária a presença de uma finalidade específica para
que a conduta seja típica. Este elemento subjetivo específico se divide em duas
modalidades:
“Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate:
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.
(...)”
- Delitos de tendência: Esta categoria, pouco conhecida, dispõe que há certos tipos
que exigem do autor a manifestação de uma tendência específica na sua conduta.
A maior parte da doutrina pátria sequer considera que este elemento possa
existir, pelo que simplesmente desconsidera esta classificação. Veja: se há o especial
fim de agir, há o elemento subjetivo especifico, e o crime é de intenção, como visto;
se não há expressa a especial finalidade, o dolo é geral, e ponto. Contudo, a doutrina
que defende a existência dos crimes de tendência justifica que em alguns crimes
“Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou
farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também
multa.”
Vale ressaltar, porém, mais uma vez, que esta tese é minoritariíssima no
Brasil.
Em delitos omissivos impróprios, seria difícil se aplicar a tendência, pois o
garantidor se omite com o dolo geral de omissão, não se exigindo qualquer
finalidade tendenciosa na sua conduta omissiva. Nos próprios, então, aí é que a
teoria é mesmo inaplicável, pois o dolo de omissão é simples, não exigindo-se que o
agente “se omita para tal fim”.
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O crime de estupro, do artigo 213, não comportaria tal discussão, vez que demanda a ereção, naturalmente
revelando a manifestação da libido. Contudo, nos tempos de hoje, poder-se-ia discutir da tendência, em razão
das modernas técnicas medicinais para obtenção de ereções artificiais, que poderiam acarretar uma situação
de penetração sem libido.
2. Tipicidade Conglobante
Verbo Dolo +
+ +
+ Tipicidade material
Elemento descritivo Especial finalidade de agir
+ (se houver) (lesividade e
Elemento normativo insignificância)
(jurídico ou extrajurídico)
2.1. Antinormatividade
Alcançando esta conclusão, Zaffaroni faz uma releitura das excludentes da ilicitude,
do artigo 23 do CP. Veja:
criminalizante. Hoje, porém, inova-se nesta sistemática: a intervenção mínima não vige
apenas para o legislador, sendo guia também da atividade do aplicador do direito, em
especial o juiz e o Ministério Público. O meio pelo qual a intervenção mínima é posta como
instrumento para estas figuras da aplicação do direito é o princípio consectário da
insignificância ou bagatela: se a lesão for mínima, o aplicador da lei poderá deixar de fazer
o Direito Penal intervir, quer eximindo-se de denunciar 9, quer rejeitando a denúncia por
atipicidade material.
É importantíssimo não se confundir a lesão mínima, atípica, com a lesão pequena,
característica dos crimes de menor potencial ofensivo: nestes, há lesividade significante o
suficiente para que seja a conduta considerada típica, do ponto de vista da tipicidade
material. O parâmetro da menor potencialidade ofensiva é normativo, aferido em abstrato: é
de menor potencial ofensivo o crime de pena privativa de liberdade não superior a dois
anos, ou multa. A ínfima lesividade, que induz atipicidade material, é aferida em concreto,
pela causação ou não de agressão efetiva ao bem jurídico tutelado.
Casos Concretos
Questão 1
CLARISSA, grávida de dois meses, recebeu a notícia de que o feto que estava
gerando apresentava um defeito congênito relativo à anencefalia, de forma que ele iria se
desenvolver sem o cérebro. Diante de tal notícia, ela foi aconselhada a procurar um
médico no hospital público de seu bairro.
Lá chegando, recebeu a informação de que ele nada poderia fazer, uma vez que,
naquele caso, a lei não autorizava a realização do aborto e que, sendo assim, ela teria de
manter a gravidez até o fim.
Revoltada com a notícia, principalmente por saber que o seu filho "viveria" por
apenas poucas horas antes que o coração parasse de bater, CLARISSA procurou auxílio
jurídico junto à Defensoria Pública Geral do Estado e o Defensor Público designado para
atendê-la ingressou imediatamente com uma petição, junto à Vara Criminal competente
por distribuição, através da qual pleiteou uma autorização para que CLARISSA pudesse
submeter-se a um aborto, no hospital público de sua região residencial.
Pergunta-se:
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Nem se fala, então, em violação da obrigatoriedade da atividade do MP, pois se a conduta é atípica (do ponto
de vista da tipicidade conglobante), não há obrigatoriedade em denunciar.
Resposta à Questão 1
d) O tipo penal se presta a proteger bens selecionados pelo ordenamento jurídico, tal
a sua importância. É garantista, legitimador da sanção penal, e a tipicidade, no
Brasil, também tem função indiciária da ilicitude.
e) Decerto que sim. A norma penal se dirige à proteção do bem jurídico, e todo o
instrumental que a isto se prestará, sendo o tipo a descrição exata do que se pretende
fazer ausente do ordenamento.
Tema IX
Notas de Aula
1. Consentimento do Ofendido
Entenda: quando o não consentimento do titular do bem for um elemento que integre o
próprio tipo penal, de forma expressa ou implícita, se há o consentimento, não há tipicidade
formal. Veja:
- A primeira defende que a capacidade para consentir só surge a partir dos dezoito
anos de idade, em face das regras para a imputabilidade estabelecidas no CP, pois se
esta é a idade mínima para que o agente possa responder por lesões ao bem jurídico
alheio, também deve ser a idade mínima para que possa consentir na lesão de seu
próprio bem jurídico.
Ora, se a lei penal prevê que a pessoa pode dispor de sua liberdade sexual
aos quatorze anos, assim também o poderia para outros bens jurídicos disponíveis,
como a integridade física, o patrimônio, etc. Esta é a corrente majoritária, hoje.
diploma prevê que sanções são aplicáveis a menores a partir de doze anos –
adolescentes –, mas não a menores de doze anos – crianças. Se a lei entende que
pode punir adolescentes, maiores de doze anos, é porque entende que há
discernimento suficiente sobre os bens jurídicos, e se há este discernimento, há
possibilidade de consentimento.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
In casu, no furto, o consentimento não é elemento do tipo, por isso não excluiria a
tipicidade. Seria, porém, excludente da ilicitude, se fosse prévio, mas como foi posterior,
está consumado o crime de furto.
Entretanto, recai, a discussão, na insignificância da lesão: está, pelo ínfimo avilte ao
patrimônio, excluída a tipicidade material, pelo que a conduta, finalmente, é atípica.
Questão 2
FLÁVIO foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 334, caput,
do Código Penal.
Contra a decisão que recebeu a denúncia, a defesa de FLÁVIO impetrou Habeas
Corpus, buscando o trancamento da ação penal por falta de justa causa, já que a
tributação perfaz o valor de R$ 227,43 e a conduta do paciente é amplamente aceita nos
grandes centros urbanos, argumento reforçado, inclusive, pelo fato de o mesmo achar-se
desempregado, lutando por sua sobrevivência. Também suscitou a questão de que o
paciente já teria sofrido sanção administrativa (apreensão do bem).
Indaga-se:
a) A defesa de FLÁVIO está buscando a aplicação de que princípio(s)? Qual(is)
é(são), em tese, a(s) sua(s) conseqüência(s)?
b) A ordem, no caso em exame, deve ser concedida? Fundamente.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema X
Notas de Aula
1. Relação de Causalidade
está no tipo, mas não na conduta. Assim também é o nexo causal: este existe alheio à
conduta, servindo para interligar a conduta ao resultado.
Quanto ao resultado, ainda há uma diferenciação a ser feita. A concepção
naturalística do resultado é justamente esta que se mencionou, qual seja, a produção de
efeitos no mundo exterior, no mundo dos fatos, concreto. A concepção naturalística está no
plano da tipicidade formal, pois é o resultado que é relevante ao direito penal aquele capaz
de tipificar a conduta (pois se for resultado ínfimo, como já se viu, não há tipicidade
material, elemento da tipicidade conglobante). Veja que a concepção naturalística não é um
conceito jurídico: é uma constatação fática da ocorrência da lesão no mundo natural.
A concepção normativa do resultado, por sua vez, é o efeito jurídico do fato, o que
guarda relação com a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, ou seja, o crime,
para se tipificar, necessariamente lesionou, ou expôs a perigo, o bem jurídico tutelado pelo
tipo. Veja que aqui há relação com a lesividade, e, portanto, com a tipicidade material: se o
fato não lesionou ou expôs a perigo, de forma significativa, aquele bem jurídico, não há
crime, pois não há tipicidade material.
Desta forma, pode-se resumir que todo crime tem resultado, segundo a concepção
normativa, jurídica, mas do ponto de vista da concepção naturalística, não: apenas os
crimes materiais têm resultado naturalístico.
Como se disse, o nexo causal é a ligação entre a conduta e o resultado, e por
resultado, se deve ter em mente o resultado naturalístico. Destarte, conclui-se, por simples
silogismo, que somente os crimes materiais têm nexo causal: se o liame causal só existe
para ligar conduta e resultado naturalístico, e resultado naturalístico só existe em crimes
materiais, então os crimes materiais são os únicos que demandam nexo causal.
Assim, o nexo causal se presta a imputar o resultado ao agente. Por imputação,
entenda-se estabelecer a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado
naturalístico. É apenas o primeiro passo da completitude da tipicidade, mas é um passo
fundamental. Passemos, então, ao estudo do cerne da causalidade, da imputação do
resultado ao agente.
O artigo central para o estudo é o 13 do CP:
Antemão, deve se falar um pouco sobre o processo de causalidade sob o prisma dos
crimes omissivos, vez que considera-se causa toda ação ou omissão concorrente para o
resultado. Ocorre que o nexo causal se impõe como elemento dos crimes materiais, como
visto, e os crimes omissivos são, como se sabe, crimes de mera conduta.
Entretanto, os crimes omissivos em debate são aqueles omissivos impróprios: são os
crimes comissivos por omissão, que podem ser materiais, e por isso demandam a relação de
nexo causal.
O tipo comissivo contém uma ação proibida em sua descrição. O omissivo, descreve
a ação exigida do agente, aquilo que o legislador espera que ele faça. O crime comissivo
Assim, fica claro que, no crime comissivo, o resultado é imputado por sua
causação, enquanto no omissivo, o resultado é imputado pela sua não evitação. O resultado
naturalístico, então, é imputado ao seu causador, quando no crime comissivo, e àquele que
não o evitou quando deveria e podia, no crime omissivo impróprio.
Para se estabelecer o nexo causal nos crimes omissivos, é importante ainda levar em
conta outro aspecto de tais crimes: a omissão é normativa, enquanto a ação é natural. Isto
significa que, nos crimes comissivos, o legislador apenas seleciona situações do mundo
fático que pretende impedir que ocorram, e as proíbe: as condutas estão no mundo, e não na
lei; são apenas eleitas pela lei para a ilicitude. Nos omissivos, o legislador não selecionou
uma determinada conduta no mundo das coisas, pois a omissão não existe no mundo fático:
ela só surge após o legislador impor, previamente, um dever de agir. Assim, a omissão é
normativa: só existe omissão se existe o dever normativo de agir e o indivíduo o
descumpre.
No tipo comissivo, a causalidade é aferida pelo método do processo hipotético de
eliminação: o intérprete deve olhar para as condutas em análise e eliminar, hipoteticamente,
cada uma das que forem proibidas, e verificar se o resultado ainda ocorreria. Nos crimes
omissivos, a ação é exigida (e, como conseqüência, a omissão é proibida). Assim, o método
se inverte: deverá ser feito um processo hipotético de acréscimo. Veja: olhando para a
situação, o intérprete deverá acrescer, hipoteticamente, a ação que se esperava do indivíduo,
adicionando-a à equação criminal. Se, após o acréscimo da ação esperada, verificar-se que
o resultado não quisto ainda ocorreria, é porque não há nexo entre a inação e o resultado, e
este não poderá ser imputado ao agente omisso10; se após a adição da conduta exigida o
resultado for evitado, há o nexo entre este e a omissão, e o resultado será imputado ao
agente omisso.
Uma diferença relevantíssima deve ser apontada: enquanto no processo hipotético
de eliminação a verificação da elisão do resultado é precisa – pode haver certeza se o
resultado ocorreria ou não, caso a ação proibida inexistisse –, no crime omissivo não há
como ter certeza: é infactível que se saiba, por certo, se o resultado seria evitado caso o
garantidor agisse. Por isso, Welzel estabelece que o que se exige, no processo hipotético de
acréscimo da conduta, é que surja uma probabilidade acentuada, próxima da certeza, de que
o resultado lesivo (ou perigoso) não fosse ocorrer. Como a certeza aqui é impossível, a
grande probabilidade é suficiente.
Dito isso, passemos à análise mais profunda dos crimes comissivos.
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Nada impede que, na casuística, ainda possa restar consumado um crime de omissão própria, como o artigo
135 do CP.
Ali se pode apontar uma pequena falta do legislador: a redação seria mais clara se
dissesse, na parte final, descritiva, que “considera-se causa toda ação (...)”. Isto porque a
teoria que tem vigência, neste tema, é a da equivalência dos antecedentes causais, também
chamada de teoria da conditio sine qua non.
A equivalência dos antecedentes, a conditio sine qua non, resolve, decerto, a ampla
maioria dos problemas da identificação da causalidade, mas não todos. Veja: o processo
hipotético de eliminação, quando aplicado, pode acarretar uma falsa interpretação dos
antecedentes, pois pode surgir uma absurda situação: a conditio sine qua non pode
provocar, pela remoção das condutas que se pretende identificar como causas do resultado,
a retroação ao infinito. Por isso, Welzel disse que “a causalidade é cega”, e a equivalência
dos antecedentes permite, sim, esta retroação eterna, alcançando Adão e Eva.
Todavia, o processo deve ser racional. O Direito Penal só pode proibir aquilo que
seja evitável pelo agente, e esta evitabilidade vem da previsibilidade da ocorrência de
determinado fato. É por isso que a responsabilidade penal é subjetiva, e é por isso que o
resultado, para ser imputado, esbarra necessariamente no dolo e na culpa: a retroação
operada na conditio sine qua non encontra barreira na ausência de dolo ou culpa. E como
para Adão e Eva era impossível prever que Mévio mataria Tício em 2008, a sua conduta, de
fazer Mévio nascer, não é culposa nem dolosa, e por isso não é antecedente causal do
homicídio praticado por Mévio.
Em suma, ao aplicar o processo hipotético de eliminação, o intérprete deverá
verificar se a conduta antecedente é ou não dolosa ou culposa; se não o for, não pode ser
causa. Completando a frase de Welzel, “a causalidade é cega, mas a finalidade é vidente”: é
na finalidade da ação, no dolo ou na culpa, que se verifica se a conduta em questão é causa
ou não do resultado.
É importante se consignar que neste tópico não se está procurando exaurir a
imputação do crime, e sim a imputação do resultado: apenas se está no primeiro degrau da
imputação final, e este degrau se resume a determinar se um resultado pode ter imputada,
como obra sua, uma ação qualquer. Adiante, no plano subjetivo, é que se fará a imputação
completa do agente; por enquanto, a preocupação é apenas verificar se a ação é
determinante para a causação do resultado em questão. Imputado o resultado, em seguida se
fará a imputação da responsabilidade, em passo separado.
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Adiante, no estuda da teoria da imputação objetiva, será estudado posicionamento contrário, em que se
entende que se o risco não foi criado ou majorado, não pode o resultado ser imputado.
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Veja que se houvesse liame subjetivo entre os agentes, nada disso seria preciso, vez que o concurso de
pessoas faria com que a ação fosse considerada uma só.
envenenamento levou ao resultado, pelo que não se pode imputar um ou outro pela
consumação: ficariam os dois na tentativa.
Aqui cabe ainda mencionar outro caso: ao invés de veneno, foram dois tiros
disparados simultaneamente contra a vítima, por autores não conluiados; a vítima morre,
mas não se pode precisar qual disparo a matou. Seria caso de um homicídio consumado e
um tentado, mas não sendo possível a determinação de quem consumou, se consideram
ambos tentados: in dubio pro reo. Veja que não se trata de dificuldade em estabelecer o
nexo: a bala “x” causou a morte. O problema é a determinação da autoria de seu disparo, e
por isso se resolve pela aplicação do in dubio pro reo.
Há ainda outro problema a ser sanado, na questão da causalidade: as decisões
corporativas. Veja: no crime ambiental, quem será imputado da decisão que possibilitou à
pessoa jurídica realizar a conduta danosa? Se na assembléia que originou a decisão de
praticar a conduta, setenta por cento decidiu pela sua efetivação, e trinta por cento votou
contra, a retirada de um voto, singularmente, não afetará o resultado – pelo que a
eliminação hipotética de cada um dos votos faria com que nenhum dos votantes fosse
imputado. Por isso, a solução é a seguinte: que sejam todos os votos eliminados em
conjunto, ou seja, a eliminação hipotética global deve ser aplicada – todos os votantes a
favor do dano serão imputados pelo resultado; aqueles que votaram contra, são eximidos do
nexo.
Tudo que se estudou no tópico anterior foi a relação de causalidade levada a critério
pelo ponto de vista objetivo, somente se verificando subjetividade na limitação à retroação
da teoria da equivalência dos antecedentes – a culpa e o dolo.
Para a imputação do resultado pela causação, bastaria, do ponto de vista objetivo, se
estabelecer a ação, o resultado e o nexo entre eles, o que é feito pelo processo hipotético de
eliminação, como visto.
Agora, então, é necessária a feitura de uma nova fórmula. Antes disso, porém, é
necessário o estudo de uma questão relevantíssima na causalidade, que é a da
superveniência de causas. Vejamos.
lesão sendo, portanto, causa da morte. Contudo, isto parece injusto, pois como visto, “a
causalidade é cega”; por isso, entra em cena a finalidade (que é “vidente”).
Vejamos. A causa superveniente é relativamente independente, e esta expressão
merece destrinche: é superveniente porque ocorre depois da causa em análise; é
independente porque não é diretamente ligada à causa que se está analisando; e a
independência é relativa porque existe, em algum nível, uma relação de causa e efeito entre
a causa escrutinada e a superveniente – de alguma forma, é conseqüência da causa original.
A causa superveniente absolutamente independente consiste exatamente naquela que
não guarda nenhuma relação com a ação em escrutínio: não tem qualquer relação de
conseqüência, de causa e efeito, com a ação em apreço. É bem simples: uma pessoa atira
em outra, que em seguida morre de um acidente vascular cerebral completamente não
correlato ao tiro; removendo-se hipoteticamente a conduta do tiro, haveria a morte – pelo
que há apenas tentativa de homicídio.
Dito isso, fica claro que nas causas supervenientes relativamente independentes, ao
contrário das absolutamente independentes, a eliminação hipotética não pode ser aplicada
como solução, pois qualquer situação que ocorra após a primeira causa seria imputada ao
agente desta primeira. Vejamos um exemplo: o agente atira em uma pessoa, a qual, levada
ao hospital, vem a óbito pelo desabamento do prédio. Se a aplicação da eliminação
hipotética for feita, a vítima não estaria no hospital que desabou se não fosse pelo tiro, pelo
que o resultado morte é imputado ao agente. Não há lógica.
A solução, então, é a que foi adotada pelo legislador, neste § 1° do artigo 13 do CP.
Para alguns autores, ocorreu mitigação da teoria da equivalência dos antecedentes – já que
nem tudo será causa do evento –, enquanto parte da doutrina entende que o legislador
adotou, ali, a teoria da causalidade adequada, também chamada de condicionalidade
adequada. De uma forma ou de outra, o que se passa é que quando a causa superveniente
relativamente independente traz novo resultado, não se aplicará o processo da eliminação
hipotética, visto sua inoperabilidade neste caso; se a situação desenha uma soma de causas,
o dispositivo fala que esta ocorrência exclui a imputação, e não o nexo causal. Assim sendo,
se a superveniente produz o resultado ela própria, por si só, mantém-se o nexo (que é
natural, inarredável, pois é do mundo dos fatos), mas a imputação será atinente apenas ao
que já fora resultado da ação pretérita – o resultado da superveniente não pode ser imputado
ao agente inicial.
Acontece que há, aqui, uma tremenda questão a ser enfrentada: o alcance da
expressão “por si só”. É aqui, na verdade, a grande problemática do estudo deste tema. A
doutrina oferece um conceito bastante elucidativo. Aquilo que não for conseqüência direta
da ação, daquelas que saltam aos olhos, será ainda parte das conseqüências que são
imputáveis à ação original, e não à causa superveniente, se estiver dentro de uma linha de
normal evolução do perigo. Este conceito, casuístico, colhe da lógica fática a explicação
daquilo que se entende por decorrência previsível de uma ação ou decorrência imprevisível
de uma ação.
A palavra-chave, então, é a previsibilidade. Tudo que ocorrer, supervenientemente,
dentro desta linha de normal evolução do perigo – sendo previsível, portanto – será
imputável ao agente da ação original; se a causa superveniente alhear-se da linha de perigo
aberta pela ação original – sendo imprevisível –, será entendida como causadora, por si só,
do seu resultado, e este não será imputável ao agente que praticou a ação inaugural do
perigo. O resultado só pode ser imputado se realizado dentro do risco que foi originalmente
criado. E isto remete à teoria da imputação objetiva, que será estudada amiúde adiante.
Vejamos alguns exemplos: alvejada por tiro, pessoa morre por infecção hospitalar
quando levada a atendimento pelo tiro. É previsível, diante das estatísticas, que haja a
infecção hospitalar, e por isso este resultado encontra-se dentro da linha de perigo criada
pelo tiro – é imputável ao agente. A mesma pessoa morre por desabamento do prédio, como
dito: o resultado é imprevisível, e por isso alheio à linha de perigo criada pelo tiro – é
inimputável ao atirador.
Um exemplo menos simplista: a vítima do tiro morre por greve do sistema de saúde;
é imprevisível esta situação? Dependendo da situação fática, da conjuntura social em
questão, será imprevisível ou não. Hoje, no Brasil, é circunstância superveniente
imprevisível (se a greve já não estava instalada na hora do tiro), e, portanto, alheia ao risco
criado pela ação original – pelo que, hoje, não seria imputada a morte ao atirador.
O conceito de previsível é extremamente empírico, pois é relacionado à freqüência
com que o evento ocorre; se for uma freqüência razoável, será entendido como previsível.
Esta teoria, que para alguns foi adotada no artigo 13, § 1°, do CP, como dito,
consiste na seleção das causas antecedentes: nem todas as causas se equivalem para a
obtenção do resultado. Assim, esta teoria impõe uma valoração da adequação dos
antecedentes para configurá-los como causa hábil ou não – por isso a causalidade
adequada.
Assim se uma causa não for a mais adequada à produção do resultado, ainda que
seja causa, ao menos reflexa, não será o seu agente imputado – a causa inadequada tem
excluída a imputação pelo resultado.
De fato, o efeito de se entender aplicada a causalidade adequada ou a mitigação à
teoria da equivalência dos antecedentes é o mesmo: será excluída a imputação referente à
causa que não for determinante do resultado, recaindo a imputação na causa superveniente
imprevisível.
Casos Concretos
Questão 1
13
Veja que é questão de valoração. Em qualquer caso, a previsibilidade deve ser cuidadosamente aferida.
Resposta à Questão 1
b) Como dito, a infecção hospitalar é esperável, não é alheia ao risco criado pelo
agente. Assim, esta causa superveniente do resultado morte, como previsível, faz
parte do risco criado pelo agente.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
JOÃO MATOS foi denunciado pelo MP pela prática de homicídio culposo porque,
na condição de responsável pela presença de um técnico para coordenar a instalação de
elevadores em uma obra, deixou de manter em seu quadro funcional engenheiro
especializado para supervisionar e acompanhar a montagem e instalação de elevador na
referida construção.
Segundo se observa nos autos, o denunciado permitiu que a vítima, através de
arame improvisado em uma roldana, suspendesse baldes de terra e cimento quando, pelo
rompimento do referido arame, foi atingido pelo balde, vindo a falecer.
Assim, sustentou o MP, o denunciado, descumprindo exigência contratual, deixou
de observar o dever objetivo de cuidado, negligentemente.
A defesa pleiteou a absolvição do acusado ao argumento de que não se admite, no
Direito Penal, a responsabilidade objetiva, pois João não deu causa ao resultado,
inexistindo, in casu, nexo de causalidade.
Decida a questão.
Resposta à Questão 3
como esperado – tomasse o devido cuidado com os materiais –, é muito provável que o
resultado não ocorresse, pelo que a conduta é típica.
Por isso, e pelo fato de ser o réu o garantidor da relação – estava sob seu comando a
segurança da obra –, se lhe imputa o homicídio pela ocorrência da omissão imprópria, do
artigo 13, § 2°, do CP, na modalidade culposa.
Tema XI
O Crime Comissivo Doloso I. 1) Elementos estruturais: sujeitos, ação, nexo causal e resultado (de dano e de
perigo). Crime qualificado pelo resultado. 2) Composição do tipo subjetivo: o elemento geral (dolo) e os
elementos especiais: a) Dolo: definição e evolução teórica; b) O elemento cognoscitivo, cognitivo ou
intelectual do dolo: definição e requisitos; conhecimentos requeridos pelo dolo quanto aos elementos
descritivos e normativos (a valoração paralela na esfera do leigo ou do profano); c) Os desvios relevantes e
irrelevantes sobre a causalidade: conseqüências. O dolo geral; d) O elemento volitivo do dolo: sua
importância; a diferença entre vontade e desejo; teoria da vontade, teoria da representação e teoria do
consentimento. Críticas. Análise do Código Penal Brasileiro.
Notas de Aula
1. O Dolo
A teoria finalista, como se sabe, trouxe a análise do dolo para a conduta. Para a
teoria causalista, o dolo era um elemento da reprovabilidade, participando do conceito da
culpabilidade. Nesta época, havia também o elemento cognitivo e o volitivo do dolo, só que
analisados como medida da reprovabilidade da conduta, que já era típica e ilícita quando
analisada. De fato, assim se desenhava o dolo no causalismo: era a soma dos elementos
cognitivo, volitivo e do conhecimento da ilicitude, tudo analisado na culpabilidade. Por
isso, denomina-se a tese causalista do dolo de teoria extremada do dolo.
Welzel, ao entender o dolo como um elemento inseparável da conduta humana, nada
mais fez do que declarar o que a realidade demonstra. A tese finalista é apenas uma
constatação técnica do que a realidade físico-psicológica exprime: toda conduta humana
tem alguma finalidade, qualquer que seja. Por isso, o dolo que integra a conduta passa a ser
analisado na tipicidade, e não mais na culpabilidade, e passa a ser um dolo denominado
natural: na conduta, no dolo de toda conduta humana, há apenas a constatação de que
elemento cognitivo e volitivo impulsionam a conduta, deixando de lado, legando à
culpabilidade, a questão do potencial conhecimento da ilicitude. Por isso, o dolo finalista é
natural. Assim, o dolo finalista se traduz na consciência e vontade de realizar os elementos
objetivos e normativos do tipo. É a intenção penalmente relevante, sem qualquer juízo de
valor.
Zaffaroni tem a seguinte proposição para o dolo: “todo querer pressupõe um saber”.
Isto significa que não se pode intencionar determinada coisa se não se sabe o que esta coisa
é. Só se pode querer o que está na sua esfera de conhecimento. Por isso, o elemento
cognitivo do dolo vem antes do elemento volitivo, e esta ordem é inafastável, e a recíproca
não é verdadeira: pode-se saber sem querer, ou seja, o saber não pressupõe um querer.
Assim, quando se realiza um comportamento sem o elemento cognitivo, quando se
faz alguma coisa sem saber, se está em erro; e quando esta coisa realizada é típica, se estará
em erro de tipo. E como o dolo só está presente se há ambos os seus elementos – cognitivo
e volitivo –, a ausência do elemento cognitivo elide o dolo: o erro de tipo exclui o dolo.
Destarte, toda conduta humana tem que ser analisada em seu plano objetivo e
subjetivo, necessariamente, pois do contrário não se estará revelando corretamente a
realidade. E esta é a grande falha do causalismo, que só enxerga o tipo, a conduta, do ponto
de vista objetivo – pelo que o finalismo tomou campo como a tese dominante. O dolo
natural suplantou a tese causalista do dolo normativo.
Como se disse, o dolo é o “saber” algo e “querer” sua ocorrência. Mas saber e
querer o quê?
No causalismo, saber e querer residiam na culpabilidade, ou seja, o agente deveria
saber e querer uma conduta formalmente típica e ilícita, e esta ciência e vontade seriam
apenas a medida da culpabilidade. A culpabilidade, entretanto, é apenas o juízo de
reprovação da pessoa; na tipicidade e ilicitude, se está analisando o fato, e não o agente
(vez que não se pode admitir o Direito Penal do Autor, mas sim do fato).
Deixando a culpabilidade um pouco de lado, o dolo que permeia a conduta, e
integra o tipo, não admite qualquer juízo de valor – como dito, é natural, mera constatação
do fato real. Não se pode mais sequer pensar, segundo preleciona o finalismo, em dolo
como medida de reprovabilidade da conduta: não existem mais as expressões dolo intenso,
dolo brando, etc. O dolo é apenas a ciência do fato, somada à vontade de praticá-lo.
O tipo comum é congruente entre o elemento subjetivo e o objetivo: o
conhecimento tem que abranger todos os elementos do tipo, objetivos e normativos. A
congruência é isso: a necessidade de que o elemento cognitivo açambarque todos os
elementos objetivos do tipo.
Há elementos que têm natureza estritamente objetiva, e que portanto não são
circunstâncias que dependem de dolo para serem imputadas ao agente, e portanto são
independentes da presença do elemento cognitivo. Vejamos um exemplo: pessoa furta coisa
crendo ser de seu pai, mas na verdade não era. A escusa absolutória é puramente objetiva, e
por isso, não importa se o agente errou sobre a coisa: se esta não era, objetivamente, do
ascendente, é irrelevante se o agente sabia ou não. Será beneficiada se for objetivamente do
pai; se não é, não se beneficia – sabendo ou não.
Como dito, todo querer pressupõe um saber. Visto o saber, o elemento cognitivo do
tipo, passemos ao querer, o elemento volitivo do tipo.
Querer é diferente de apenas desejar. Querer pressupõe a possibilidade de realizar,
de intervir no processo causal do delito. Só interessa ao Direito Penal aquilo que for
desejado além da esfera íntima do agente, e que se transforme em um querer efetivo no
mundo fático, ou seja, é a vontade manifesta no mundo fático, com potência de pôr em
andamento o processo causal.
Vejamos um exemplo. Pessoa, almejando a morte de outra, convence-a a viajar de
avião, dando-lhe a passagem, torcendo para que um acidente ocorra. Esta conduta pode ser
refutada na tipicidade de duas formas: segundo a teoria da imputação objetiva, não é
conduta típica porque o ato de comprar a passagem e fomentar a viagem não cria ou
aumenta risco proibido – o risco de um vôo é risco permitido. Pela teoria finalista (que não
se opõe à imputação objetiva), o fato não é típico por conta da inexistência de dolo: o dolo
é a reunião do elemento cognitivo e volitivo, sendo que o querer deve extravasar a mera
vontade interna, manifestando-se no meio fático com potencial de causalidade – e o
“querer” do agente, em tela, é mero desejo interno, não correlato com a causalidade do
evento (o que seria diferente se este agente tivesse, de algum modo, certeza de que o
acidente ocorreria).
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A questão é deveras simples. É claro que a conduta de disparar arma de fogo em via
pública expõe a risco uma enorme gama de bens jurídicos, e é totalmente previsível que
possa aviltar um destes bens diretamente. Sendo lugar habitado, atingir um transeunte se
afigura hipótese não só possível, como provável, pelo que fica evidente que a ação de
Alcides foi calcada em dolo eventual: sabedor do risco, preferiu ainda assim insistir na
conduta.
Ocorre que a vítima consiste na mesma que seria alvejada intencionalmente, com
dolo direto, pelo autor do disparo. O que ocorre, então, ainda é a consumação do homicídio
doloso, mas sob dolo eventual, e não sob dolo direto.
É claro que, como passa por juízo de valor, há como se defender que houve culpa
consciente, pois Alcides não esperava, genuinamente, que o resultado ocorreria. E mais:
poderia até mesmo se defender a tese de que, completamente imprevisível, poderia estar
ausente o elemento cognitivo, pelo que haveria erro de tipo – de uma ou de oura forma,
seria culposo, nesta linha de defesa.
Questão 2
MONIQUE, tendo descoberto que sua tia, REGINA, a deixou como única herdeira
em seu testamento, começou a ter vontade de apressar a sua morte.
Assim sendo, querendo matar sua tia, comprou-lhe uma passagem de ônibus leito
com destino a Cabo Frio, esperando que, diante das más condições da estrada, ocorresse
um acidente fatal.
Depois de muito insistir, a sobrinha finalmente convenceu sua tia de fazer a viagem
e, durante o trajeto, efetivamente ocorreu um acidente e REGINA faleceu.
Dias depois, já descoberto que MONIQUE havia tramado o plano, pois houve
prova de que ela comprara a passagem de ônibus, o MP requereu sua prisão temporária,
que foi decretada.
Pergunta-se:
Do ponto de vista jurídico-penal, foi correta a medida?
Resposta à Questão 2
Tema XII
O Crime Comissivo Doloso II. 1) As relações entre o dolo e o conhecimento da ilicitude: teorias do dolo no
sistema penal; análise das teorias do dolo e da culpa. A nova visão funcionalista do dolo. 2) Espécies de
dolo: a) O dolo direto: de primeiro e de segundo grau; b) O dolo indireto: dolo cumulativo, alternativo e
eventual (diferença do dolo direto de segundo grau para a culpa consciente); c) O dolo de dano e o de
perigo. 3) Os elementos subjetivos do tipo distintos do dolo: histórico, terminologia e formas (delitos de
intenção, delitos de tendência, especiais motivos de agir).
Notas de Aula
1. Teorias do Dolo
Esta teoria fundamenta o dolo direto, ou imediato. Está prevista no artigo 18 do CP:
O inciso I diz que é doloso o crime em que o agente quis o resultado, e a doutrina
aduz a isso a responsabilidade por todas as conseqüências necessárias do seu
comportamento: é dolo direto tanto aquilo que se busca primariamente, o que é o dolo
direto de primeiro grau, como aquilo que se assume como resultado certo de ocorrer – o
dolo direto de segundo grau.
O dolo direto de primeiro grau, então, é a conduta que se busca de forma imediata:
há a ciência dos elementos objetivos e normativos (se houver) do tipo, há a vontade em
praticá-los, e o resultado buscado é coeso com a conduta. No dolo de segundo grau, há
todos os elementos objetivos e normativos, mas a vontade se dirige, originalmente, à
aquisição do primeiro resultado, do dolo direto de primeiro grau, sendo que o agente, ciente
dos resultados típicos necessários que virão do seu ato, o pratica assim mesmo. É o dolo
direto que alcança as conseqüências necessárias, ainda que não desejadas, da ação
pretendida. É por isso que se denomina, o dolo direto de segundo grau, também de dolo de
conseqüências necessárias.
Aqui cabe uma diferenciação entre o dolo direto de segundo grau e o dolo eventual.
Veja: a diferença reside na potência da ocorrência do resultado colateral. No dolo direto de
segundo grau, é certo que este resultado não primário vai ocorrer, ou seja, é um resultado
necessário daquela conduta. No dolo eventual, o resultado secundário poderá ocorrer ou
não, sendo que o agente assume o risco consciente de que este venha a ocorrer.
Entenda-se com um exemplo: o agente quer matar uma pessoa a tiros. Constata,
antes de matá-la, que está grávida, e que, portanto, a morte da mãe levará, com certeza, ao
aborto. Ao matá-la, estará imputado pelo aborto, vez que este é açambarcado pelo dolo
direto de segundo grau.
É necessário entender que, mesmo sendo conseqüência necessária, ainda resta a
necessidade que esta seja previsível para ser imputável, ao menos em caráter culposo, como
no dolo direto de primeiro grau: se a mulher grávida alvejada estava carregando três fetos,
trigêmeos, por exemplo, só será imputável um aborto doloso, pois sequer a título de culpa
se poderá imputar o aborto dos demais fetos – é absolutamente imprevisível, fora da esfera
cognitiva do agente, esta gravidez tão rara.
Esta teoria não mais vige, nem mesmo para seus próprios autores. Para esta tese,
bastaria a presença de previsibilidade para que a possibilidade do crime fique representada
na mente do agente, e conseqüentemente haja dolo. Por conta disso, a culpa consciente
É bastante óbvio: dolo de dano é aquele em que o crime é de dano, e dolo de perigo
é o que se vê no cometimento de crimes de perigo.
Onde há dolo de dano, necessariamente há dolo de perigo, pois na causação do dano
sempre se expõe a perigo o bem jurídico antes que o resultado venha sequer a ocorrer –
pois do contrário a tentativa sequer seria criminalizada. Ao contrário, onde há dolo de
perigo não há dolo de dano, ou a tipificação decerto se alteraria.
Se o dolo for de perigo, mas há resultado de dano, a ocorrência deste resultado só
poderá ser atribuída ao agente a título de culpa. Isto porque não há dolo eventual nos
crimes de perigo em relação ao dano, vez que os crimes de perigo são subsidiários aos
crimes de dano, se o crime de dano é mais grave. Veja:
“Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso,
a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º - Somente se procede mediante representação.”
“Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
(...)
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
(...)”
São aqueles crimes em que o perigo é presumido, não sendo necessária a efetiva
manifestação concreta de um perigo ao bem jurídico.
A doutrina, em especial Zaffaroni, critica veementemente esta classe de delitos, em
face da clara ausência de lesividade da conduta incriminada: se sequer há a manifestação
concreta de um perigo, se estará incriminando uma conduta que não tem, mor das vezes,
qualquer potencial de periclitação do bem jurídico tutelado.
Veja que a exigência deste “algo a mais”, desta especial finalidade, torna o tipo
incongruente, (ou, para Zaffaroni, congruente assimétrico): o elemento objetivo se torna
“menor” do que o elemento subjetivo, pois não basta que haja apenas o dolo em subtrair a
coisa, sendo necessário que se acresça a especial intenção de subtraí-la para si ou para
outrem.
Desta forma, o tipo incongruente, ou anormal, é este que não se perfaz senão
quando há o preenchimento desta dupla via subjetiva, concomitantemente: se não está
presente a especial finalidade de agir, a conduta que realiza o tipo objetivo, com ciência dos
seus elementos e vontade de praticá-los, ainda é atípica.
A doutrina classifica os delitos que exigem a especial finalidade de agir em duas
categorias, os delitos de intenção e os delitos de tendência. Os delitos de intenção ainda se
dividem em suas subespécies, quais sejam, os delitos mutilados de dois atos e os delitos de
resultado cortado. Vejamos um a um.
De forma em simples, delitos de intenção são aqueles em que a especial finalidade
de agir está expressa no tipo, textualmente posta na descrição, como no caso do furto: se o
agente, ao subtrair a res, não quer a coisa para si ou para outrem – fazer-se dono ou fazer
alguém dono –, não está preenchida a tipicidade do furto, e não há crime.
O crime mutilado de dois atos, delito de intenção, é aquele em que o legislador
percebe duas condutas que são reprováveis, e que são interligadas, em regra. Prefere,
porém, tipificá-las em mais de um tipo, a fim de prevenir a ocorrência de uma sem a outra –
o que pode ocorrer. Prefere fazer com que ambas as condutas possam se consumar em tipos
autônomos, pois se reunidas em um só poderiam ser tidas por exaurimento uma da outra, ou
preparação uma da outra, ou post factum impunível, ou mesmo tentativa um do outro.
Resumindo: no crime mutilado de dois atos, o agente realiza uma conduta, como passo
prévio para outra conduta, também sua, mas que é, por si só, típica (a primeira conduta).
Como exemplo, a falsificação de moeda e a postura em circulação:
A conduta de quem falsifica é prévia à sua própria conduta em usar a moeda, pondo-
a em circulação. O legislador mutilou o tipo, não descrevendo a conduta inteira no caput
(“falsificar e por a moeda falsa em circulação”) a fim de que não ficasse, a falsidade
frustrada na circulação, como mera tentativa.
No crime de resultado cortado, outra espécie de delito de intenção, o agente realiza
uma conduta prévia, típica, visando a realização de um outro resultado, por outra pessoa,
que não ele próprio. O nome, resultado cortado, vem da seguinte lógica: o segundo ato não
tem qualquer relevância penal para a tipificação da conduta do agente praticante da
primeira ação – desta, é mero exaurimento. Não há necessidade de que haja nada mais,
sendo dispensado o resultado posterior, que se transforma em exaurimento. O resultado foi
cortado, sendo suficiente o que já ocorreu para a tipificação. Como exemplo, a extorsão
mediante seqüestro:
“Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate:
(...)”
fizer com a especial finalidade de ofender a honra do destinatário, não haverá o crime de
injúria – mesmo que esta finalidade especial não esteja expressa no tipo:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
não há certeza do resultado, mas há probabilidade de que este vá ocorrer, e por isso há a
assunção do risco do resultado.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
CARLOS foi preso e processado pelo injusto penal de exercício ilegal da medicina,
previsto no artigo 282 do Código Penal.
Na denúncia, o Promotor de Justiça afirmou que ele estava atendendo um paciente
quando foi preso e que o consultório estava repleto de outras pessoas que esperavam para
serem atendidas.
Pergunta-se:
a) O crime imputado a CARLOS é de natureza habitual?
b) O delito atribuído ao réu atingiu a fase da consumação?
c) Caso ele ainda não tivesse atendido o primeiro paciente a situação se
alteraria?
d) A habitualidade é um elemento subjetivo do tipo?
e) Qual a diferença entre delito de intenção e delito de tendência?
Resposta à Questão 3
b) Há duas correntes. Para a clássica, não, pois não houve reiteração da conduta;
para a moderna, que entende ser crime de tendência, sim, pois a especial
c) Não se alteraria para a corrente clássica, pois não há tentativa em crime habitual,
mas se alteraria para a corrente moderna: como a tendência estava revelada,
seria caso de tentativa de crime habitual.
Tema XIII
O Erro de Tipo I. 1) Considerações gerais: evolução histórica; o erro de fato e o erro de direito; o erro de
tipo como criação da teoria finalista; a sua caracterização (exclusão do elemento intelectivo do dolo);
diferença para o erro de proibição e suas conseqüências. 2) O erro de tipo essencial (vencível e invencível): o
exame do artigo 20 do Código Penal Brasileiro; o erro de tipo essencial no crime omissivo. 3) O erro de tipo
acidental (espécies: o erro sobre a pessoa e o erro sobre a coisa; o erro na execução e o resultado diverso do
pretendido).
Notas de Aula
1. Erro de Tipo
Erro é a falsa percepção da realidade, ou, até mesmo, ausência de percepção. Como
se viu, o dolo reside no binômio cognição e volição, ou seja, “saber” e “querer”; inexistindo
o elemento cognitivo, ou existindo-o viciado, sob falsa percepção, o elemento volitivo fica
prejudicado, ou seja, não corresponde o “querer” ao “saber” – por isso, exclui-se o dolo.
Veja: se as ações realizadas são feitas sem que haja o fator cognição, não há o
elemento subjetivo do tipo. Quem está em erro de tipo, falsa percepção da realidade fática,
simplesmente não sabe o quê está fazendo. Nisso, difere o erro de tipo do erro de proibição:
neste último, o indivíduo sabe exatamente o que está fazendo – há correspondência entre o
elemento volitivo e o cognitivo –, mas sua análise da licitude, da legalidade daquele
comportamento, é equivocada – pelo que o dolo não está elidido, mas sim, talvez, a
culpabilidade, por ausência da potencial consciência da ilicitude (se o erro de proibição for
invencível).
Assim, veja que a gradação legislativa da repreensão às condutas errôneas é bem
acertada: enquanto aquela pessoa que não sabe o que faz tem o dolo excluído, e com isso,
sua conduta é atípica (podendo restar a conduta culposa), aquele que sabe o que faz, mas
não sabe a exata medida da ilicitude da conduta, tem apenas sua culpabilidade excluída, e
apenas possivelmente.
Atendo-nos à análise do erro de tipo, estratifica-se que é a conduta que realiza todos
os elementos objetivos e normativos do tipo, mas que não conta com o elemento subjetivo,
qual seja, o elemento volitivo do dolo: o agente atua sem querer, por não saber (todo
“querer” pressupõe um “saber”). Como conseqüência do erro de tipo, exclui-se o dolo, e
com isso a própria tipicidade, se o erro for inevitável, e se o erro for evitável, resta a
punição pelo crime culposo, se prevista esta modalidade.
Veja que a punição por culpa tem a seguinte lógica: quando alguém age em falsa
percepção, ou mesmo ausência de percepção, o faz por estar desatento às circunstâncias, e
esta atenção é exigível nos crimes que são punidos por culpa. Veja:
“CP, Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o
dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
(...)”
Este erro de tipo é essencial, pois a falsa percepção da realidade fática acarreta o
preenchimento do tipo objetivo, recai sobre elementos essenciais da conduta típica. O erro
de tipo vencível afasta o dolo, mas mantém a culpa; o invencível, afasta ambos, tornando a
conduta atípica.
1.1. Erro Sobre Elemento Normativo do Tipo
Todas as circunstâncias que puderem ser alcançadas pelo dolo do agente são
passíveis de erro de tipo. Por exemplo, ao agredir mulher, sem saber que era sua
ascendente, não se aplica a agravante do artigo 61, II, “e”, do CP, pois é erro de tipo sobre
circunstância fática, restando excluído o dolo.
Quando o erro incide sobre circunstância que não está açambarcada pelo dolo do
agente, não é relevante, pois o erro de tipos se presta a excluir o dolo. Veja: se o agente erra
quanto a sua condição de reincidente, achando que não o era, este erro é irrelevante: a
reincidência será considerada, para todos os seus efeitos. Da mesma forma, quanto às
escusas absolutórias, que são todas circunstâncias objetivas (furto de bem que crê pertencer
ao ascendente, por exemplo: não sendo o bem do ascendente, não se aplica a escusa).
Se a falsa percepção da realidade fática for induzida por terceiros, segundo o artigo
20, § 2°, a responsabilidade pelo evento danoso recairá sobre este terceiro:
“(...)
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
(...)”
Todavia, ao agente que incorreu no erro determinado pelo terceiro, será atinente a
responsabilidade culposa pelo resultado, se há presença da evitabilidade de que incorresse
no erro. Veja que, se assim ocorre, ambos responderão, mas não há concurso de agentes,
pois se a ação de um é dolosa – terceiro que induz ao erro –, e a de outro é culposa – agente
que deixa de evitá-lo –, não há liame subjetivo entre ambos, e o concurso pressupõe
comunhão de ações e desígnios. Neste caso, há a autoria mediata pelo terceiro, e a autoria
imediata pelo agente que erra.
Mesmo que o terceiro indutor do erro aja com culpa, não haverá o concurso, pela
falta do liame subjetivo entre ambos, inclusive sendo tema bastante intrincado, com grandes
discussões doutrinárias, a existência ou não de concurso de pessoas em crimes culposos.
O erro de tipo acidental é aquele erro que, em princípio, parece irrelevante. Recai
sobe elementos secundários da conduta típica, que em nenhum momento afetam a formula
da tipicidade. O agente erra por não ser exatamente o resultado por si esperado, mas sua
conduta não sai do tipo penal em momento algum. Vejamo-los.
“Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao
invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde
como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º
do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”
Na primeira parte, a vítima não foi atingida, mas apenas o terceiro; na parte final,
ambos foram atingidos. O CP assim resolve a questão:
- Se apenas o terceiro for atingido, se aplica a mesma regra do artigo 20, § 3°, sobre
o erro de representação, respondendo o agente como se tivesse atingido a pessoa
alvejada pelo ataque.
de ocultar o cadáver, e volta para jogá-la do penhasco, há dois crimes: homicídio tentado
pelo tiro, e homicídio culposo pelo penhasco. É tese isolada, mas coerente.
Em resumo: a doutrina tradicional, nas hipóteses em que o agente produz o
resultado visado de forma diversa da planejada, lhe atribui todo o resultado por uma
extensão do dolo da primeira conduta – é o dolo geral. Para a doutrina moderna,
minoritária, há tentativa no primeiro ato, e atuação culposa no segundo. Juarez Cirino é um
dos que distinguem, para esta hipótese, dolo direto e dolo eventual: neste, não há
planejamento de uma segunda conduta, e desta forma o erro quanto à causação é relevante
– haverá concurso entre tentativa, no primeiro, e culpa, no segundo ato. Sendo o dolo
direto, por outro lado, deve-se indagar sobre a presença de uma ou duas condutas: se há
uma só conduta diferida, o erro é irrelevante, respondendo o agente pelo fato consumado.
De outro lado, havendo duas condutas, o erro é penalmente relevante, e permite a
responsabilidade culposa no segundo ato, conforme o caso.
Por fim, há a aberratio criminis:
“Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na
execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde
por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado
pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.”
O aberratio criminis é o erro de coisa a pessoa. Neste, o bem jurídico atentado era
patrimonial, mas o resultado acerta uma pessoa. Por decisão legislativa, não se responderá
pelo crime tentado contra a coisa, respondendo pelo crime contra a pessoa na modalidade
culposa, se houver. Veja um exemplo: pessoa arremessa pedra para quebrar janela, e acerta
pessoa que passava atrás: responde pela lesão culposa, em concurso com o dano.
Veja que o erro de pessoa a coisa, contrário, não segue esta previsão do artigo 74 do
CP: será, sempre, imputável pela tentativa do crime contra a pessoa. Se ao arremessar uma
pedra contra uma pessoa, erra e acerta uma janela, responde pelo crime de lesão tentada, em
concurso com o dano culposo.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
a) A tese mais coerente seria a de erro de tipo, vez que faltou, ao agente, o
conhecimento sobre elemento fundamental do fato, e não há o dolo no cometimento
do crime em questão.
d) O erro de tipo pode ser essencial, quando for acerca de fatores determinantes,
relevantes ao resultado. Pode ser evitável ou inevitável: o primeiro exclui o dolo,
mas o agente responde pela conduta culposa, se configura crime nesta modalidade;
o inevitável exclui dolo e culpa, não respondendo criminalmente.
Pode ser também erro de tipo acidental, acerca do objeto (error in objeto),
onde o indivíduo pretendia atingir determinado bem e avilta outro (pretendia furtar
um bem e pega outro por engano); acerca da pessoa (error in persona), do artigo 20,
§ 3° do CP, onde o indivíduo pretendia vitimar alguém que sequer estava presente;
erro na execução (aberratio ictus), do artigo 73 do CP, onde o agente pretendia
vitimar alguém presente, mas por erro no cometimento (má pontaria, por exemplo),
atinge outra vítima; ou ainda resultado diverso do pretendido (aberratio criminis),
do artigo 74 do CP, onde o erro se dá de coisa para pessoa: o agente pretendia
atingir patrimônio e acaba por atingir pessoa, somente nisto se diferenciando do
error in persona e do aberratio ictus.
Em todos os casos de erro de tipo acidental, o agente responde
criminalmente, pois era ciente da proibição, mas de forma relativa ao crime que
pretendia, e não ao que se consumou (mais um exemplo de leitura finalista do CP).
Questão 2
A defesa alegou que PABLO não podia imaginar que se tratava de uma menor, em
virtude da aparência física de LAUDILENE, que tem 1,75 m de altura e um corpo
escultural, bem como pela sua desenvoltura no trato de assuntos sexuais, fatos que ficaram
constatados por ocasião do depoimento prestado pela vítima em Juízo.
Decida a questão.
Resposta à Questão 2
Assumindo que o enunciado se refira a pessoa não maior de quatorze anos (pois do
contrário não há qualquer relevância penal), a questão se trata de erro de tipo, uma vez que
a idade, por conta do artigo 224, passa a ser elementar deste tipo penal, e a aparência da
vítima, questão fática, se demonstrou invencível ao agente – excluída, portanto, a tipicidade
dolosa, e como não há estupro culposo, não há crime.
Questão 3
Resposta à Questão 3
poderá fazer com que o resultado seja imputado ao agente, o qual responderá apenas por
homicídio tentado da vítima original. Está certa a tese defensiva.
Tema XIV
O Erro de Tipo II. 1) As descriminantes putativas (conceito e importância do tema; as novas nomenclaturas:
erro de tipo incriminador e erro de tipo permissivo). 2) Controvérsias a respeito da natureza jurídica das
descriminantes putativas: exame das teorias extremada e limitada da culpabilidade; análise da teoria dos
elementos negativos do tipo. 3) A doutrina alemã e o conceito de erro sui generis (teoria do erro orientada às
conseqüências do erro).
Notas de Aula
1. As Descriminantes Putativas
“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de
pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
(...)”
A descriminante é sempre uma circunstância de fato. Veja que o erro que incide na
discriminante não se limita, sempre, à situação de fato, podendo ser atinente aos limites da
descriminante. Veja a seguinte hipótese: indivíduo tem frutas sendo furtadas de seu pomar,
e repele a agressão ao seu patrimônio, mas não se limita a escorraçar os agentes: supondo
ser seu direito, espanca-os. Veja que não errou quanto à situação fática – o furto existia –,
mas errou quanto aos limites de sua atuação permitida. Esta hipótese não se trata de
descriminante putativa, apesar de a ela se assemelhar.
Nas descriminantes putativas, o erro incide sobre a situação de fato, a qual o agente
supõe ocorrer, e que tornaria sua ação legítima, se estivesse presente.
O erro sobre as descriminantes são diferentemente tratados nas teorias causalista e
finalista da ação. No causalismo, o tipo era vazio, mera alteração no mundo dos fatos. Toda
a matéria subjetiva era tratada na culpabilidade, ou seja, dolo e culpa se analisavam na
culpabilidade, ao lado da consciência da ilicitude. Para a doutrina causalista, o problema do
erro sobre a descriminante era também situado na culpabilidade, como toda matéria de
ordem subjetiva. Para as teorias do dolo, causalistas (natural ou valorativa), erro de tipo e
erro de proibição se equiparavam, então. Assim, pode-se dizer que a distinção entre erro de
tipo e erro de proibição, para a teoria extremada do dolo, é irrelevante: ambos se
concentram na culpabilidade, pelo que se diz que à época vigia a teoria unitária do erro.
Esta é a teoria extremada do dolo. Na teoria limitada do dolo, a consciência da
ilicitude era potencial, como visto, e não atual, o que alterava, e muito, o dolo normativo
restante na culpabilidade. Na teoria extremada do dolo, o dolo normativo, composto dos
elementos consciência e vontade, além da contemporânea consciência da ilicitude, acabava
por gerar uma impunidade nos casos em que faltava a consciência atual da ilicitude. Os
exemplos da doutrina eram: a cegueira jurídica (aquele que não se informava
adequadamente) e a inimizade ao direito (aquele que era delinqüente habitual, militante do
crime, que não tem consciência da ilicitude porque não quer). Como à época, a atual ciência
da ilicitude era exigência para o dolo, acabava por acontecer a impunidade para quem não a
tivesse, por qualquer razão.
A teoria limitada do dolo, ainda causalista, por sua vez, foi trazida por Mezger.
Buscando solucionar o problema da falta de consciência atual da ilicitude, ele formulou a
idéia de conhecimento potencial, ou presumido, da ilicitude, por meio do qual criava uma
culpa jurídica14, que impedia a alegação de ignorância sobre a ilicitude do fato. Por isso, o
problema da teoria extremada, o requisito do conhecimento atual, contemporâneo ao fato,
da ilicitude, acabou: aquele que vive em sociedade tem que buscar saber suas regras, e só
não será culpável quando estas regras estiverem claramente inacessíveis. Estava resolvido,
para o causalismo, ao menos a questão do conhecimento da ilicitude.
Com a doutrina finalista, ocorre o deslocamento do dolo para o tipo penal, formando
o que se chama de tipo complexo do finalismo. Com isso, ocorre uma reelaboração nas
teorias que tratam do erro sobre as descriminantes: surgem então as teorias da
culpabilidade.
Com o finalismo, o dolo se desvincula da culpabilidade; o que era dolo normativo,
deixa de sê-lo e passa a ser visto como o dolo natural, contido na conduta. Com isso,
apenas a consciência da ilicitude resta para ser tratada na culpabilidade, o que provoca uma
releitura dos conceitos. Pela teoria extremada da culpabilidade (e não extremada do dolo,
14
É desta idéia que parte a construção, repulsiva, do Direito Penal do Autor, que hoje conta com manifestação
no Direito Penal do Inimigo. É pela culpa presumida que se imputa um agente, independentemente da análise
do fato, que deve ser a guia, como hoje é, no Direito Penal do Fato.
como antes, pois este não está mais nesta fase da análise do fato), o erro que recai sobre a
ilicitude da conduta é erro de proibição; desta forma, a descriminante putativa configura
hipótese de erro sobre causa de justificação, e como tal diz respeito à ilicitude da conduta,
sendo, mesmo, um erro de proibição. De fato, na teoria extremada da culpabilidade, todo
erro é erro de proibição.
Destarte, a falta de conhecimento de circunstâncias de fato, para o finalismo, causa
erro de tipo, pela simples presença do dolo natural na tipicidade da conduta, e não mais na
culpabilidade.
Na teoria limitada da culpabilidade, o erro sobre as descriminantes putativas tanto
pode ser de tipo quanto erro de proibição. Será erro de tipo quando recai sobre pressupostos
fáticos da causa de justificação; por outro lado, se este erro recair sobre os limites ou sobre
a própria existência da causa de justificação, será erro de proibição. Esta é a teoria adotada
na reforma penal de 1984, sendo a atualmente vigente no CP.
Contudo, é objeto de crítica de parte da doutrina, por não gerar um tratamento
uniforme ao erro de tipo, seja o tipo em questão incriminador ou permissivo. Veja: se se
está tratando um erro como erro de tipo, ele só pode afastar o dolo, e não a culpabilidade, e
daí vem a crítica.
Segundo Cezar Roberto Bittencourt, a técnica adotada na lei, na redação do § 1°
deste artigo 20, parece aproximar as conseqüências do erro nas descriminantes ao erro de
proibição. Contudo, em determinados casos concretos, a adoção da teoria limitada da
culpabilidade gera diversos problemas. Veja: se o erro sobre pressuposto fático da causa de
justificação é um erro de tipo, a sua conseqüência é afastar o dolo. Observe:
supõe que “C” irá agredi-lo. Pega então sua arma de fogo e dispara contra “C”, sem
atingi-lo, parando após gritos de diversos vizinhos alertando-o sobre a realidade, ou
seja, que “C” não busca agredi-lo. Não poderia “A” ser responsabilizado por
tentativa de homicídio.
Tal teoria, como visto, elaborada na Alemanha, trazia para dentro do tipo penal a
análise das causas de justificação, todas elas, criando com isso o chamado tipo total de
injusto.
A teoria traz para dentro do tipo penal a ausência das causas de justificação como
um elemento do tipo, o que é criticado pela doutrina, em peso, por exigir que o dolo do
agente percorra o elemento negativo. Com isso, o tipo penal só se aperfeiçoa se o agente
estiver ciente da ausência de justificante.
A doutrina aponta ainda que esta teoria equipara fatos irrelevantes penais a fatos
relevantes, cuja punição é excluída pelo tipo permissivo. Segundo Juarez Tavares, é
necessário lembrar que as causas de justificação pedem mais do que a mera ciência de sua
existência: pedem a própria situação de fato que as autorizem15.
O erro que recai sobre a causa de justificação, então, pela teoria dos elementos
negativos do tipo, é sempre erro de tipo.
Questão 1
Resposta à Questão 1
15
Mesmo por isso, não pode haver arquivamento de inquérito, ou HC para trancamento de ação penal, por
suposta presença de excludente de ilicitude, uma vez que demandam, as justificativas, dilação probatória
sobre a matéria fática que as autorize. No entanto, o STF tem decidido de forma contrária, e portanto atécnica,
concedendo HCs para solucionar casos em que haja a excludente de forma bastante clara.
Tema XV
O Crime Culposo I. 1) Evolução dogmática: a) Teorias da ação negligente (culposa); b) Avanços dogmáticos
atuais. 2) Estrutura típica: a) A inobservância do dever de cuidado objetivo (caráter objetivo e normativo); o
princípio da confiança e o risco permitido ou tolerado; as normas de trânsito e os regulamentos
profissionais; b) A previsibilidade objetiva; c) O nexo causal no crime culposo; d) O resultado; e) A
necessidade da presença de um elemento subjetivo (controvérsias).
Notas de Aula
1. Evolução Dogmática
16
Vejamos um exemplo: o ladrão que, ao tentar fugir, é contido pela vítima, e durante a briga esta vem a ser
atropelada e morre. Esta morte não pode ser imputada ao ladrão, pois não está dentro da linha de
desdobramento normal que se espera de um assalto, e, por sua imprevisibilidade, não pode ser imputável
culposamente ao agente.
3. Imputação Objetiva
“Indivíduo “A”, almejando matar “B”, aconselha-o a viajar para local onde turistas
têm sido mortos. “B” viaja e morre.”
“Traficante vende drogas em quantidade suficiente para uma overdose, sabendo, ele
e o usuário comprador, que poderia haver a morte. O usuário afirma que tomará
toda a droga. Sem se importar com o resultado, prossegue na venda. O usuário
morre por overdose.”
17
Veja que alguns autores, como Rogério Greco, limitam a análise da imputação objetiva à criação ou
majoração do risco proibido, não se preocupando com os demais critérios.
“Dirigindo imprudentemente, “A” colide com uma árvore vindo o passageiro “B” a
quebrar o quadril. Contudo, levado ao hospital, “B”morre por septicemia, por falta
de cuidados dos médicos.”
A morte não pode ser imputada a “A”, pois uma fratura causada pela infração do
dever de cuidado não acarreta, por si só, infecção generalizada, que como se viu não foi
decorrente da lesão, e sim das más condições do atendimento.
Um outro exemplo de auto-responsabilidade da vítima: em uma partida de futebol,
agente agride outro com soco, e a vítima, ao invés de se dirigir ao hospital, vai para casa,
morrendo dias depois em razão do agravamento da concussão. A auto-responsabilidade da
vítima, para a imputação objetiva, faria com que o resultado morte não fosse imputado ao
agente que desferiu o golpe, pois não buscar o tratamento é conduta relevante, causalmente,
ao resultado ocorrido.
Nos crimes culposos, há também esta relação obrigatória entre conduta desvalorosa
e resultado desvaloroso. Veja: se o resultado não decorrer do descumprimento da norma de
conduta, não pode ser imputado ao descumpridor. Como exemplo, um acidente de carro,
sem vítimas, causado pela quebra das normas de trânsito, que mata um transeunte por
infarto cardíaco causado pelo susto: não se pode atribuir ao agente do acidente a morte
deste transeunte, pois não está no âmbito de proteção da norma de trânsito descumprida a
tutela da vida. Veja:
“Sujeito realiza ultrapassagem em local proibido e com isto assusta um idoso que
dirige outro veículo, que tem um enfarto e morre.”
A norma violada pelo motociclista de trás, a que exige faróis acesos, serve para
proteger o próprio condutor, e terceiros em contato direto com ele, contra colisões, e não
proteger que um terceiro colida com um quarto. Por isso, não está no âmbito de proteção da
norma a proteção de terceiros contra colisões próprias. O resultado materializado não está
na finalidade da norma apara aquela pessoa. Houve o descumprimento da norma, houve o
risco criado, mas não houve a materialização do resultado por conta desse risco – o que fez
acontecer o acidente foi a conduta desidiosa do motociclista da frente.
A diminuição do risco proibido que está em curso (mesmo que seja diminuição
potencial), por óbvio, exclui o resultado da conta do agente, assim como a realização do
risco permitido, sem excessos. Segundo Roxin, sempre que houver a atuação do agente
diminuindo o risco, ou atuando dentro do risco permitido, não se pode imputar o resultado
aparentemente típico. A isso se somam os princípios do alcance do tipo, e do fim de
proteção da norma, para limitar a imputação objetiva.
Auto-
responsabilidade ou
Exclusão da imputação responsabilidade de
objetiva do resultado terceiros
3.1. Funcionalismo
imediatas e o tipo objetivo, mas também a realidade social, pois isso é a função do Direito
Penal – preservar os valores mais importantes de uma sociedade.
O direito, para Hegel, é a expressão da vontade geral, das expectativas maiores de
uma sociedade, e, ao lado do direito, existem e coexistem as expectativas individuais. Para
Hegel, sempre que alguém impõe sua vontade em confronto com a vontade social, esta
pessoa está rompendo o pacto social, o contrato social, e então se faz necessária a aplicação
de medidas que façam valer a vontade geral.
Jakobs promove uma releitura desse entendimento a partir do conceito das
expectativas: o homem, na sua vida, está sujeito a duas formas de expectativas: a dele em
relação aos fatos naturais – dita expectativa cognitiva –, e outra em relação à norma, àquilo
que o outro homem deve fazer por força da norma social – dita expectativa normativa.
A frustração da expectativa cognitiva, dos fatos naturais, faz com que o homem,
diante da sua frustração perante os fatos, mude naturalmente seu comportamento: um
homem constrói sua casa à beira do rio, e uma enchente a destrói; este homem construirá a
casa em outro lugar, pois sua expectativa diante dos fatos (estabilidade da casa), frustrada, o
leva naturalmente a isso. Já a frustração da expectativa normativa não leva, naturalmente, à
mudança de comportamento: um homem é atropelado ao atravessar a rua, por outro homem
que violou sinal vermelho. Aquele que teve sua expectativa de estabilidade ao atravessar a
rua não poderá mudar seu comportamento (nunca mais atravessar a rua), pelo que a
sociedade precisa suprimir a violação à expectativa normativa, a fim de que esta seja
preservada (o que não pode ser feito com a expectativa cognitiva: não se pode proibir uma
enchente de acontecer). A fim de promover o cumprimento da expectativa normativa, será
aplicada uma pena àquele que a frustrar.
A manutenção das expectativas normativas deriva do princípio da confiança: aquilo
que está no pacto social é para ser cumprido, ou a vida em sociedade se torna impossível.
Ao fazer esta releitura, Jakobs altera o bem jurídico penalmente tutelado: não mais
se limitam aos bens especificamente traçados, como a vida, a liberdade ou o patrimônio. O
bem jurídico tutelado, para Jakobs, é a vigência da norma, e, por conseguinte, o próprio
contrato social.
Assim, pode-se produzir uma conclusão sobre a teoria da imputação objetiva: a
teoria da imputação objetiva trabalha com a idéia de limitação da atribuição de um
resultado típico a partir da noção de risco socialmente aceito em uma sociedade complexa;
opera-se, então, uma substituição do nexo de causação, que é natural, pelo nexo de
imputação, que é jurídico.
Casos Concretos
Questão 1
CAIO está sendo acusado do crime descrito no artigo 302, da Lei 9.503/93, pois
teria causado a morte da vítima SETEMBRINA, de 90 anos de idade, que teria atravessado
fora da faixa de pedestres, longe do sinal luminoso.
O Ministério Público alega que a autoria não é negada pelo agente; havia total
previsibilidade do resultado no caso concreto, não importando que a vítima tivesse
concorrido, uma vez que, no Direito Penal, não existe relevância jurídica à compensação
de culpas.
Já o acusado alega que buzinou por duas vezes para alertar a vítima, tendo freado
bruscamente para evitar a colisão, porém o resultado danoso aconteceu.
Examine se a conduta de CAIO é típica ou não, esclareça se há compensação de
culpas no Direito Penal Brasileiro.
Resposta à Questão 1
jurídico, causando o resultado, ou não o fez. Apenas a culpa exclusiva da vítima tem
relevância para afastar a responsabilidade penal.
Questão 2
Questão 3
(o que dificultou a manobra), aliada à precariedade do cabo de aço que sustentava o poste
(que não suportou o peso a que foi submetido) e ao não isolamento do local, provocaram o
acidente que culminou no óbito da vítima.
Alegou ainda o MP que os diretores, por não treinarem adequadamente seus
profissionais, bem como por permitirem a utilização de material inadequado e em más
condições de uso, realizaram conduta omissiva, devendo responder pelo evento morte.
A defesa alegou que, em relação aos funcionários, estes utilizaram-se dos meios de
que dispunham para a realização do serviço, não podendo ser a eles imputado o homicídio
culposo. Quanto aos diretores, alegou a inexistência de nexo, físico ou psicológico, entre
eles e seus funcionários.
Qual a situação jurídico-penal dos cinco denunciados?
Resposta à Questão 3
A situação dos funcionários é clara: agiram com imperícia e imprudência, e por isso
incidiram em culpa, devendo receber a imputação do resultado morte culposa. Já os
diretores, por não agirem quando era seu dever – verificar as condições e prover os
equipamentos e meios técnicos suficientes – são, sim, omissos, e por isso se lhes imputa a
omissão culposa. A todos, então, a imputação do homicídio culposo é devida.
O fato de os responsáveis pela empresa não darem os equipamentos e treinamento
adequados aos funcionários configura a concorrência causal para o evento morte (conditio
sine qua non). No caso, os empresários são os beneficiários da atividade, e devem assumir
os riscos desta decorrentes (HC 9389, STJ).
Tema XVI
O Crime Culposo II. 1) A ilicitude no crime culposo: a) Aspectos gerais; b) As causas de justificação:
legítima defesa, estado de necessidade e consentimento do ofendido. 2) A culpabilidade no crime culposo: a)
Aspectos gerais; b) A imputabilidade, a consciência da ilicitude e a inexigibilidade de conduta conforme a
norma.
Notas de Aula
Para Roxin, “quem não sabe, deve se informar, quem não pode, deve se omitir”.
Com isso, Roxin quer dizer, segundo Cirino, que a realização de atividades que envolvam
risco impõe para quem a realiza o dever de se informar adequadamente sobre os riscos de
sua prática. Desta forma, se o agente não tem como se informar, ou se constata que o risco é
excessivo, ou ainda se perceber que é incapaz de realizar a atividade dentro de um risco
razoável, a ele se impõe a abstenção, sob pena de caracterizar a imprudência.
Segundo Juarez Cirino, existem atividades que, embora realizadas acima dos riscos
tolerados, são coletivamente úteis, e por tal razão não servem para caracterizar uma
responsabilidade imprudente. Exemplos disso são as atividades de policiais, bombeiros,
ambulâncias, etc.
Assim, quando o risco incrementado tem caráter de utilidade individual (ao que
denomina ações de luxo, ou supérfluas), tal risco não atende ao fim coletivo, razão pela
qual, havendo resultado danoso, haverá responsabilidade culposa pela configuração da
imprudência.
profissional, bem como o costume social. A partir disso, Juarez Cirino aponta algumas
situações em que o princípio da confiança afasta eventos culposos:
18
Dirigir embriagado, por si só, não é crime: é ilícito administrativo. Crime é expor a perigo a incolumidade
de outrem, ao dirigir bêbado: se a direção do bêbado não causar perigo de lesão ou morte – perigo concreto –
não há crime.
19
Veja a diferença: pessoa chega para comprar uma arma dizendo que é para matar outra, o que é evidência
concreta: para a imputação objetiva, o vendedor responde por culpa.
Existe crime culposo sem resultado material? é possível o crime culposo de perigo?
Qual a natureza do resultado nos crimes culposos? Cezar Roberto Bittencourt afirma que os
crimes culposos são crimes materiais, isto é, exigem uma modificação no plano dos fatos.
Contudo, tendo em vista a possibilidade de classificação dos crimes também pelo resultado
jurídico, em crimes de lesão ou de perigo, admite-se hoje que haja crimes materiais e de
perigo, como o caso do incêndio, do artigo 250 do CP, já transcrito. Assim, o crime de
incêndio é material quanto ao resultado naturalístico, mas é de perigo concreto quanto ao
resultado jurídico. Veja:
“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre
a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho,
durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
O resultado, ali, para a maior parte da doutrina, é naturalístico. Luis Flávio Gomes,
no entanto, defende que o resultado é jurídico, pois é o único resultado que pode ser
relevante para fins de imputação do crime. E é esta tese, de Luiz Flávio Gomes, que
fundamenta a teoria de que a imputação objetiva estaria sediada, legislativamente, no
Brasil, neste artigo 13 do CP. Do contrário, a aplicação da imputação objetiva no Brasil só
pode ser feita porque se trata de analogia in bonam partem, buscando normas de direito
alienígena para restringir a imputação (favorecendo o réu, portanto).
Quanto aos elementos subjetivo (dolo) e normativo (culpa) do tipo, sua verificação
ocorre antes ou depois da imputação objetiva?
A doutrina diverge sobre o momento em que estes elementos devem ser apreciados,
se antes ou depois da imputação objetiva. Para Luis Régis Prado, a imputação objetiva
exige uma conduta penalmente relevante, isto é, uma conduta dolosa ou culposa, análise
que deve preceder a causalidade material e a imputação objetiva. Em posição divergente,
Damásio de Jesus entende relevante a análise jurídica da conduta, que uma vez afastada da
esfera penal dispensa a análise de dolo ou culpa (o que tornaria a conduta vazia).
querido, mas previsível, que podia, com a devida atenção, ser evitado. Portanto, são
elementos do tipo do injusto culposo a conduta, a inobservância do dever de
cuidado objetivo, o resultado lesivo involuntário, a previsibilidade e a tipicidade.
No caso presente não restou demonstrada satisfatoriamente a conduta negligente
imputada, ficando evidenciada a culpa exclusiva da vitima pelo evento, eis que de
forma desatenta procurou efetuar a travessia da rua, o que fez com que um veiculo
brecasse de forma repentina para evitar o atropelamento, não conseguindo a
acusada, que dirigia outro veículo que se achava distante cerca de cinco metros
daquele que parou, conseguir brecar o seu carro, até porque a pista suja assim não
permitiu. Não demonstrado que a acusada dirigia em velocidade incompatível, a ela
não se pode atribuir qualquer conduta culposa, eis que não seria para ela possível
visualizar e prever concretamente aquele comportamento descuidado da vítima.”
“Indivíduo “A” insiste para que “B” o leve em passeio de barco com o mar agitado.
“A” morre.”
“A” insiste para que “B” o leve de carona, quando “B” não queria dirigir por estar
embriagado. “A” morre.”
“A” insiste para que “B” corra com seu táxi para que não perca o vôo. “A” morre.”
“A” mantém relações sexuais com pessoa aidética, estando “A” ciente disso. “A”
morre.
Esta tese corresponde bem à realidade dos fatos: quem dirige em desacordo com as
normas não o faz em dolo eventual, se demonstrando indiferente aos bens jurídicos
expostos a risco. Sua finalidade, em regra, é chegar ao destino, em segurança, mas a culpa,
por inobservar as regras crendo que não será causador de dano, é consciente. Todavia, em
razão de uma casuística, o STJ entendeu que havia, em conduta lesiva no trânsito, dolo
eventual manifesto:
Neste caso, vê-se ausente o nexo causal, pois a criança correr era situação
completamente fora da previsibilidade naquela conduta. É o mesmo caso da ausência de
nexo da questão do motorista que recolhe os policiais no ponto, sabendo do assalto em
curso, já analisado.
Outro caso: sujeito que dá marcha ré em posto de gasolina, e, inadvertidamente,
atropela idoso, que acaba por falecer. Responde o motorista pelo resultado morte? Veja:
O fato da vítima ser cardíaca não tem relevância pois, à luz da causalidade, é causa
relativamente independente incapaz de causar, por si só, o resultado.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Não. Policiais têm dever de obediência, a insurgência sendo crime. Pedro agiu em
cumprimento à ordem de Paulo, e a obediência hierárquica exclui a culpabilidade, pois a
conduta diversa é inexigível. Ressalte-se que a inexigibilidade se dá por ser, esta ordem,
aparentemente legítima; do contrário, fosse a ordem flagrantemente ilegal, estaria elidida a
obediência hierárquica como excludente da culpabilidade, e seria Pedro também culpável.
Só Paulo deve ser condenado.
Questão 2
ELESBÃO dirigia seu veiculo pela pista central da Avenida Brasil, em horário de
intenso movimento, em velocidade não superior ao limite máximo admitido para aquela
via pública, quando foi surpreendido por uma bicicleta conduzida por POLIFÊNIA que,
repentinamente, entrou na via tentando cruzar à sua frente. Mesmo acionando os freios,
que se encontravam em perfeito estado de conservação, ELESBÃO atropelou POLIFÊNIA,
que foi projetada sobre o carro, quebrando o vidro dianteiro do mesmo. Em razão do
acidente, tanto ELESBÃO quanto POLIFÊNIA sofreram lesão corporal de natureza leve.
Na qualidade de Promotor de Justiça, analise penalmente as condutas de
ELESBÃO e POLIFÊNIA. Resposta objetivamente fundamentada.
Resposta à Questão 2
É simples: Elesbão não cometeu qualquer crime, sendo a única vítima do evento.
Polifênia, ao contrário, deu causa às suas lesões e às de Elesbão, pela imprudência com que
agiu, demonstrando-se clara a sua quebra de dever de cuidado nas condutas sociais. Por
isso, somente a ela se imputa a lesão corporal culposa causada a Elesbão (artigo 129, § 6°,
CP).
Tema XVII
O Crime Omissivo I. 1) Evolução dos crimes omissivos (teorias e fundamento). 2) O crime omissivo próprio
(definição, pressuposto e estrutura típica). 3) O crime omissivo impróprio (primeira parte): definição,
pressuposto e estrutura típica.
Notas de Aula
1. O Crime Omissivo
Estes crimes se perfazem com a simples abstenção da conduta exigida, e não estão
condicionados a qualquer tipo de resultado naturalístico. São crimes em que há um dever
geral de agir, imposto a todas as pessoas. Os tipos incriminadores desta categoria
representam sempre a punição de uma inércia.
A técnica legislativa, nestes crimes, traz a redação “deixar de fazer”, “deixar de
agir”, ou similar. O exemplo mais claro e imediato é o artigo 135 do CP, ou o artigo 244, ou
ainda a primeira parte do artigo 319 (prevaricação).
“Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,
à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
“Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho
menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou
maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou
faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou
majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente,
gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior
salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide,
de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o
pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.”
Veja que “facilitar” é uma conduta que pode ser praticada por ação ou omissão,
deixando de fiscalizar, por exemplo. Quando for praticada em omissão, é crime omissivo
próprio.
Outro exemplo de conduta híbrida é a apropriação indébita, do artigo 168 do CP:
“Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(...)”
Neste caso, se o agente se apropria por uma ação omissiva – recusando-se a restituir,
por exemplo –, será omissão própria.
Há também crimes de conduta mista, em que o agente queria, com a conduta inicial,
um resultado advindo de uma ação, mas obtém, na conduta posterior, resultado proveniente
de uma omissão: na apropriação indébita previdenciária do artigo 168-A do CP, por
exemplo, é ativa na conduta inicial – a realização do desconto do salário dos empregados –,
e omissiva na conduta conseqüente – não repassa a contribuição para a Previdência Social.
Veja:
Os crimes comissivos por omissão são aqueles que se realizam mediante uma ação,
mas que eventualmente podem ser imputados a título de omissão, se o agente se encontrar
em alguma das hipóteses do artigo 13, § 2°, do CP, quando o agente se torna garantidor do
bem jurídico em questão:
- Quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: São as pessoas
obrigadas a agir por previsão legal. Nesta alínea se enquadram os pais em relação
aos filhos, em razão das relações de poder familiar; os agentes de segurança pública,
que têm a responsabilidade imposta por seu estatuto funcional, etc.
Os crimes omissivos próprios são de mera conduta, mera atividade, pelo que não se
cogita do nexo causal, quando o resultado naturalístico não existe em si. Os crimes
comissivos por omissão, por sua vez, são por certo crimes materiais, que produzem e
dependem do resultado naturalístico para se consumarem.
Nos crimes comissivos, o nexo causal é direto e objetivo entre a conduta e o
resultado, encontrado pelo processo hipotético de eliminação, como visto. Nos crimes
omissivos, a causalidade é encontrada por meio reflexo, através do processo hipotético de
acréscimo, também já visto.
A análise fática é clara: só as ações podem produzir, realmente, um resultado: “do
nada, nada surge”. Assim, como a omissão é um nada, é impreciso se falar em causação
pela omissão: o que ocorre é a não interrupção do processo causal por uma ação que era
exigida, a fim de impedir a causação do resultado. O nexo nos crimes omissivo impróprios,
então, é normativo: a imposição da ação, se descumprida, deixa o processo causal já em
curso acontecer, e por conseqüência, o próprio resultado acontecer.
Destarte, a omissão tem nexo causal quando, pelo processo hipotético de acréscimo,
a probabilidade de que o resultado não ocorresse é muito perto da certeza. Se há esta
probabilidade grande de evitação do resultado, a omissão é causa.
Casos Concretos
Questão 1
CLÁUDIO foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 168-A, § 1º, I, na
forma do artigo 71, ambos do Código Penal.
A defesa de CLÁUDIO apelou, alegando:
- que a simples conduta de deixar de recolher as contribuições previdenciárias
descontadas de seus empregados não é suficiente para configurar o tipo penal considerado
violado, exigindo-se, assim, a comprovação do dolo específico, vale dizer, da vontade de se
apropriar dos valores não recolhidos;
- que não há, nos autos, prova de que haja se beneficiado com os valores
arrecadados de seus empregados e não repassados à Previdência Social.
Assiste-lhe razão? Por quê?
Resposta à Questão 1
Este crime é omissivo próprio, pelo que se consuma na mera conduta de não
repassar as contribuições ao parafisco. É inexigível, portanto, que haja a especial finalidade
de agir, o animus rem sibi habendi, para configurar a tipicidade. Está correta a tese do MP,
nos moldes do entendimento do STJ no REsp 501.460.
Porém, poderia se entender, como corrente contrária, que o crime em tela exige a
comprovação da especial finalidade de agir, posto que, mesmo não estando expressa – não
é crime de intenção –, tal finalidade é implícita: seria delito de tendência. Assim, o crime se
consumaria na omissão do recolhimento, mas só se esta omissão se der a título de
apropriação pessoal dos valores pelo responsável: deveria estar presente o animus rem sibi
habendi, para este entendimento. Todavia, prevalece a tese do STJ.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
SANTIAGO trabalhava como operário num poço de elevador fazendo reparos para
uma empresa de manutenção e de assistência técnica de elevadores.
Em razão de não lhe ter sido fornecido equipamento de segurança adequado e
condizente com aquela atividade, sendo-lhe cobrado que mesmo assim desenvolvesse seu
trabalho normalmente, SANTIAGO veio a sofrer uma queda de grande altura, do que
resultou sua morte.
O M.P. reconheceu na hipótese a responsabilidade penal do engenheiro que
gerenciava a obra, bem como dos diretores da empresa, por força da inércia de todos estes
na condição de prover os seus funcionários dos aparatos e mecanismos de segurança
básicos e imprescindíveis, até porque não poderiam alegar o desconhecimento do
resultado gravoso que poderia se operar, como efetivamente se operou, diante da ausência
das cautelas em questão. A defesa de todos esses mencionados réus sustentou que não
haveria como se pretender a condenação dos mesmos, já que a inobservância de tais
cautelas, no máximo, poderia configurar condições impróprias para o labor, o que estaria
afeto apenas ao contrato de trabalho e às sanções próprias nessa esfera jurídica.
a) Qual das teses é a correta?
b) Como poderia ser classificada a hipótese vertente à luz da estrutura do crime
omissivo?
Resposta à Questão 3
Tema XVIII
O Crime Omissivo II. 1) O crime omissivo impróprio (segunda parte): a) Análise do "nexo de causalidade"
nos crimes omissivos: teorias e controvérsias; b) As fontes originadoras da posição de garantidor; análise do
artigo 13, § 2º do Código Penal Brasileiro; controvérsias.
Notas de Aula
Casos Concretos
Questão 1
CAIO derrubou uma árvore, que veio a tombar sobre uma linha de transmissão de
energia elétrica, derrubando-a. Despreocupado com este resultado, CAIO não comunicou
o ocorrido à empresa concessionária de energia elétrica. Ocorre que os fios haviam caído
sobre uma cerca de arames farpados. No dia seguinte, TÍCIO, ao tocar na cerca, morre
eletrocutado.
Tipifique o comportamento.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
A babá Maria responde pela prática de tortura, na forma do artigo 1°, II, da Lei
9.455-97 (pois o crime de maus tratos, do artigo 136 do CP, tem por natureza a causação de
sofrimentos brandos, o que não parece ser o caso). Medusa, garantidora legal da criança,
responde pelos atos da babá, mas na modalidade omissiva, vez que tinha obrigação de
intervir para a cessação da conduta danosa. Seu crime é o capitulado no artigo 1°, § 2°, da
mesma lei (tortura imprópria). Para as duas, aduz-se a agravante do § 4°, II, do mesmo
artigo.
Severino, não garantidor, responde pelo crime omissivo próprio, omissão de
socorro, do artigo 135 do CP, na medida em que tinha dever de ao menos alertar a
autoridade policial.
A título de curiosidade, mesmo que a capitulação da omissão da mãe não fosse
expressa em um dispositivo em separado, na lei de tortura, esta ainda seria imputada na
exata tipificação da babá, só que na modalidade comissiva por omissão, pela incursão no
artigo 13, § 2°, “a”, do CP.
Questão 3
CELSO, em companhia de seus amigos EDUARDO e JANSEN, está com sua lancha
fundeada na enseada de uma ilha em Angra dos Reis. Em certo momento, CELSO avista
uma criança se afogando e manifesta a intenção de nadar até o local para salvá-la.
EDUARDO, exímio nadador, e JANSEN, que se encontra com a perna engessada em razão
de lesão no joelho, dissuadem CELSO, alegando que o salvamento da criança acarretará a
interrupção do lazer que desfrutavam. CELSO, então, concorda com a proposta e não
socorre a criança que, apesar disso, após vários momentos de agonia e grande ingestão de
água, consegue sobreviver, ajudada por terceira pessoa que, posteriormente, chegara ao
local.
Na qualidade de Promotor de Justiça defina, penalmente, as condutas de CELSO,
EDUARDO e JANSEN. Resposta objetivamente fundamentada.
Resposta à Questão 3
Para grande parte da doutrina, como os crimes omissivos próprios não admitem
participação, todos teriam se omitido em relação ao seu próprio dever de agir, e por isso os
três incorrem no crime de omissão de socorro, do artigo 135 do CP. Nenhum deles sendo
garantidor, não há a tentativa de homicídio, mas aos três se impunha alguma atividade no
sentido de ajudar a vitima, inclusive ao engessado, que deveria agir na medida de suas
possibilidades, ou seja, ao menos chamando pela autoridade. O fato de terceiros terem salvo
a criança não significa que a conduta se torna atípica, pois já se consumara na ciência do
risco e na decisão por omitir-se – é crime de mera conduta, despiciendo o resultado. É claro
que se exige o dolo de omissão, e há circunstâncias em que o socorro por terceiros não
configura omissão (como, num acidente, o condutor deixar a vítima ao cuidado de um
médico não se configura ter-se omitido).
Tema XIX
Notas de Aula
resultante era inafastável. Com o advento do finalismo, mais importante que a causalidade
passou a ser a finalidade: havendo a finalidade dolosa ou culposa, aperfeiçoa-se a
tipicidade. O fundamento, para o finalismo, para que alguém seja punido por uma conduta
que tenha praticado, é o fato de que esta conduta seja finalisticamente dolosa ou culposa.
Para a teoria da imputação objetiva, porém, não se apresenta assim a realidade. Por
vezes, a conduta será dolosa ou culposa, causal em relação ao resultado naturalístico, mas
não será objetivamente imputável ao agente: só o será se efetivamente criou ou majorou um
risco desaprovado para o bem jurídico tutelado em questão. Veja que se a conduta, ao
contrário, gerou risco permitido, não poderá ser imputado o resultado ao agente.
Vejamos um caso em que se diferenciam bem as teorias finalista e da imputação
objetiva: pessoa compra arma, licitamente, em uma loja, e tempos depois comete um
homicídio com esta arma. A conduta do vendedor da arma é punível?
Para nenhuma das duas teses, finalismo ou imputação objetiva, a conduta do
vendedor é típica, mas cada uma explica a seu modo. A explicação finalista para a conduta
do vendedor reside na ausência de dolo ou culpa20 na sua conduta, o que, pelo processo
hipotético de eliminação, faz impedir seu alcance pela conditio sine qua non. Para a teoria
da imputação objetiva, entretanto, a explicação consiste em que a venda de um artefato com
potencial de causação de lesões não é ilícita; mesmo que seja previsível que o objeto venha
a causar a morte de alguém, sua venda é parte de um grupo de riscos tolerados pela
sociedade, e também pelo Direito Penal. Por isso, sequer se cogitaria de dolo ou culpa, se a
conduta é objetivamente não imputável ao agente, por não ter sido criadora ou majorante de
risco proibido, e sim de risco permitido.
Há ainda um outro conceito relevante: não só a conduta deve ter gerado um risco
proibido, como também deve ser considerada uma obra do autor. Este conceito e obra do
autor consiste na alheação da conduta do agente de qualquer tipo de intervenção de
terceiros ou do acaso sobre o resultado jurídico, ou seja, isolando completamente a conduta
do agente, se esta não cria o risco, não pode ser qualquer resultado imputado ao agente. O
exemplo clássico é a morte por infecção hospitalar decorrente do tratamento de um tiro:
para o finalismo, seria imputada esta morte ao atirador, como causa superveniente
integrante da linha de evolução natural do perigo criado. Para a imputação objetiva, não
seria imputada a morte ao agente, pois o tiro não criou o risco “morte por infecção”: não
foi, a morte, obra integral do agente, e por isso não haveria imputação objetiva ao atirador –
foi obra partida entre o agente e o acaso (ou terceiros, como os médicos). O agente
responderia apenas pela tentativa de homicídio.
Outro exemplo: pessoa, ao comprar arma, declara para o vendedor que vai utilizá-la
para matar alguém. Assim mesmo, o vendedor fornece a arma, e a pessoa realmente mata
alguém com esta. No exemplo, para o finalismo, seria imputado o vendedor por culpa, vez
que o atirador declarou sua intenção homicida, e ao fornecer a arma, negligenciou o bem
jurídico. Para a imputação objetiva, mesmo a conduta sendo finalisticamente culposa, e
mesmo tendo o nexo, a venda da arma está no risco permitido, pelo que não se imputa,
mesmo com a ciência das intenções, o resultado ao vendedor.
É claro que se o vendedor auxiliasse a compradora além da normalidade de sua
atividade, por exemplo, ajudando-a a aprender a atirar com a arma, seria participação
20
Pelo finalismo, inclusive, até mesmo esta situação poderia se desenhar culposa, uma vez que o uso da arma
para crime é, de certo modo, previsível, e poderia haver a imputação ao vendedor pelo crime cometido, a
titulo de culpa.
relevante para a criação do risco, aí então sendo imputável o resultado: a atuação do agente
não está dentro das atribuições estereotípicas da sua atividade.
Aqui é relevante o critério da proibição de regresso: quem realiza uma atividade
lícita inicial, não se responsabiliza por atividades ilícitas posteriores. Não pode haver a
retroação da ilicitude de um ato a quem teve algum envolvimento lícito com a situação.
Neste particular, a teoria da imputação objetiva ganha força, pois hoje quase todas as
relações humanas contam com algum tipo de risco, e a licitude não poder ser imputada pela
ilicitude posterior. Mesmo as atividades perigosas, se desempenhadas dentro dos limites do
risco permitido, são lícitas, e os resultados decorrentes de atos ilícitos posteriores não
podem ser postos à conta daquele que atua na licitude.
Há que se falar também da teoria da confiança. Como já se viu, a vida em
sociedade presume risco, e por isso é necessário que se presuma, também, que todos
respeitem as normas para diminuição dos riscos. Além disso, o princípio da confiança
pretende também que quem participa de uma atividade conjunta pode esperar que os
demais agentes de seu grupo se comportem com a devida cautela.
Questão importante é a relevância do comportamento da vítima. Por vezes, o
comportamento da vítima, de alguma forma, concorre para a exposição de seu próprio bem
jurídico a uma situação de risco. Há a auto-exposição, quando a vítima se posiciona como
uma figura central para a produção do risco, ou seja, sua conduta prepondera para o risco, o
que faria com que o agente externo não mais respondesse. E há a hetero-exposição a risco,
quando o agente externo ocupa esta posição central na exposição a risco, o que faz com que
seja responsável pelo evento que dali ocorra. A verificação de qual é a conduta mais
relevante à configuração da responsabilidade é estritamente casuística.
Por vezes, o agente realiza uma atividade qualquer para a qual não se exigem
conhecimentos especiais. Como fica, então, a situação deste agente, que não impediu
determinado resultado, embora possuísse conhecimentos especiais capazes de facilitar o
impedimento do resultado (mesmo que este conhecimento não lhe fosse exigido)?
Vejamos um exemplo: o indivíduo, garçom, verifica que entre os componentes de
uma salada do seu restaurante está uma planta venenosa. Ocorre que só teve condições de
identificar a natureza daquela planta por ser, este garçom, por acaso, um estudante de
biologia. Independentemente de saber da nocividade da planta, serve a salada.
Na análise desse exemplo, a doutrina se divide. A menor parte entende que não se
pode imputar objetivamente o resultado ao agente, uma vez que não se encontram, os
conhecimentos de botânica, dentro das exigências de sua atividade: seguindo o
comportamento normal, estereotipado, de sua atividade como garçom, não ser-lhe-á
imputável o resultado danoso que escape a esta alçada. A sua omissão é irrelevante. De
outro lado, a maioria da doutrina entende que, na verdade, não se trata de omissão do
agente, mas sim de ação: servir a salada foi conduta comissiva, na medida em que a
nocividade da salada estava na sua esfera de conhecimento, responde, no mínimo,
culposamente, por imprudência, pelos resultados dali advindos: ele efetivamente criou o
risco proibido. O fato de que aquele conhecimento de biologia não ser exigido é irrelevante,
cedendo espaço à realidade de que, naquele momento, havia tal ciência.
Como já se abordou, há também o incremento do risco proibido como um elemento
de imputação objetiva. Por vezes, determinado bem jurídico já se encontra exposto a uma
situação de risco. Entretanto, se restar demonstrado que o agente, com seu comportamento,
aumentou o risco existente, então este será responsabilizado pelo resultado. Vejamos
exemplos:
“Empresário, importador de pele de cabra, importa material que produz muitos
fungos, e a contaminação por estes fungos pode até mesmo ser letal. Para evitar tal
contaminação, há um produto que, se utilizado, evitaria a contaminação. Ao
importar um lote, para redução de custos, não usou o referido produto. Seus
empregados, então, se contaminaram e vieram a falecer. Ocorre que outros
empresários, concorrentes do ramo, importaram o mesmo produto, e utilizaram o
produto que supostamente evitaria a contaminação. Todavia, os empregados destes
empresários também vieram a falecer, mesmo com a utilização do produto.”
A solução desta situação, pela causalidade, tenta defender que, pelo processo
hipotético de acréscimo, a omissão do agente que não usou o produto foi irrelevante, pois
se acrescida – se usado o produto – ainda assim haveria o mesmo resultado. A teoria da
imputação objetiva defende outra tese: independentemente de haver ou não o resultado, é
dever daquele que realiza uma atividade arriscada ater-se aos limites do risco permitido. Ao
não usar o produto que, em tese, reduziria o risco de contaminação, o agente majorou
dolosamente o risco a que se expunham seus funcionários, e por isso o resultado é a si
imputável, objetivamente, no mínimo por negligência, quiçá por dolo eventual. A
majoração do risco permitido, in casu, na verdade, se demonstrou uma criação de risco
proibido.
Há que se mencionar também o critério da diminuição do risco. Por vezes, observa-
se que a vítima já se encontrava com seu bem jurídico exposto a risco; se o agente, com seu
comportamento, procurar diminuir o risco existente, então ele não deverá responder pelo
resultado – mesmo que a tentativa de diminuição não seja frutífera. Vejamos um exemplo:
andando pela rua, sujeito percebe que um vaso está em vias de cair sobre a cabeça de outro;
tentando salvá-lo, se joga contra ele, mas ao cair, a vítima fratura a cabeça e morre. Veja
que a vida da vítima já estava em risco, quando antes, pela queda do vaso; ao tentar
diminuir este risco, o resultado foi outro, mas não se poderá imputá-lo objetivamente ao
agente, pois intentava redução do risco, o que é atípico.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Sim. Dóris não teria sofrido a morte se Nereu não tivesse majorado o risco proibido,
como o fez ao desatender às normas de trânsito. Por isso, há todo o preenchimento dos
elementos do tipo culposo – omissão imprudente, nexo, resultado, tipicidade material e
conglobante –, e há também imputação objetiva, vez que houve a majoração do risco.
Responde pelo homicídio culposo de trânsito.
Há, porém, que se falar da conduta da vítima: se esta não tivesse descumprido com
o seu dever de cuidado, o resultado não seria a morte; mesmo assim, não se desloca, neste
caso, a responsabilidade à conduta da vítima, e, mesmo à luz da imputação objetiva, a
conduta centralmente causadora do dano foi a de Nereu.
Assim entendeu o TJ/RJ, em decisão recente, não se valendo da imputação objetiva,
mas pela causalidade: mesmo que a conduta da vítima pudesse reduzir o risco, a conduta
que deu causa ao resultado, por imprudência, foi a de Nereu. Responde pelo homicídio
culposo de trânsito.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
O STJ enfrentou esta questão no REsp 104.221-SP, em que entendeu que não há
crime sem que haja vínculo subjetivo entre a conduta e a finalidade do agente. Por isso, não
há nexo, vez que a causa superveniente – o atropelamento –, relativamente independente,
por si só produziu o resultado morte, não estando este na esteira do desenvolvimento
provável do perigo criado pelo roubo, a linha de evolução natural do perigo criado. O dolo
de Adamastor não açambarca a morte como resultado previsível de sua conduta. Não há
como se imputar ao autor com dolo de roubo o resultado morte. Pela teoria da imputação
objetiva, também se afastaria a imputação, uma vez que o risco criado não foi o de morte.
De outro lado, entendendo-se, de acordo com a casuística, haver a previsibilidade do
resultado, poder-se-á imputá-lo. É sempre uma questão da análise das circunstâncias
concretas. Tampouco, pela teoria da imputação objetiva, haveria como se isentar da
imputação, uma vez que se fosse previsível, haveria de se imputar o resultado.