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Patricia Leal Azevedo Corrêa

Robert Morris em Estado de Dança


PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310350/CA

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História Social da Cultura do Departamento de História
da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em História. Aprovada
pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Orientador: Prof. Ronaldo Brito Fernandes

Rio de Janeiro
Setembro de 2007
Patricia Leal Azevedo Corrêa

Robert Morris em Estado de Dança

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História Social da Cultura do Departamento de História da
PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310350/CA

do título de Doutor em História.


Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profº Ronaldo Brito Fernandes


Orientador
Departamento de História – PUC-Rio

Profª Cecília Martins de Mello


Departamento de História – PUC-Rio

Profº Roberto Luís Torres Conduru


Instituto de Artes – UERJ

Profº Roberto Wagner Pereira


Centro Universitário da Cidade – UniverCidade

Profª Eleonora Batista Fabião


Escola de Comunicação Social – UFRJ

Profº João Pontes Nogueira


Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio

Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2007.


Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, da autora e do
orientador.

Patricia Leal Azevedo Corrêa

Graduou-se em Desenho Industrial pela Escola


Superior de Desenho Industrial da UERJ em
1992. Obteve especialização em História da
Arte e da Arquitetura pela Universidade
Politécnica da Catalunha (Espanha) em 1996 e
o título de Mestre em História pela PUC-Rio
em 2000. Ministrou disciplinas e cursos de
extensão no Centro Universitário Bennett e na
PUC-Rio. Criou a metodologia e o conteúdo da
pós-graduação Artes Visuais: Cultura e Criação
para a Rede de Educação a Distância do
SENAC, de abrangência nacional. Pesquisa e
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escreve sobre arte moderna e contemporânea.

Ficha Catalográfica

Corrêa, Patricia Leal Azevedo

Robert Morris em estado de dança /


Patricia Leal Azevedo Corrêa; orientador:
Ronaldo Brito Fernandes. – 2007.
197 f. : il. ; 30 cm

Tese (Doutorado em História) –


Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia

1. História – Teses. 2. História social


da cultura. 3. Morris, Robert. 4. Arte
contemporânea. 5. Escultura norte-
americana. 6. Dança norte-americana. I.
Fernandes, Ronaldo Brito. II. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de História. III. Título.

CDD: 900
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Para Rodrigo
Agradecimentos

Ao meu orientador, professor Ronaldo Brito, pelo apoio constante, generosidade e


diálogos inestimáveis ao longo desses últimos anos.

Ao professor André Lepecki, pelo apoio e estímulo.

À Capes, à PUC-Rio e à NYU, pelos auxílios concedidos.

Aos professores Cecilia Cotrim e Roberto Conduru, pela participação nas bancas
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de qualificação e defesa da tese.

Aos professores Eleonora Fabião e Roberto Pereira, pela participação na banca de


defesa da tese.

Aos demais professores do Departamento de História da PUC-Rio, em especial ao


professor João Masao Kamita.

Aos funcionários da PUC-Rio, em especial Edna Timbó, Anair dos Santos, Célia
Pereira, Cláudio Santiago e Cleusa Ventura.

Aos colegas da PUC-Rio, em especial Daniela Vicentini, Charbelly Estrella e


Paloma Santos.

Aos colegas bolsistas de Nova York, Beatriz Cerbino, Tadeu Capistrano, Mariana
Baltar e Antonio Fatorelli.

A todas as pessoas queridas que apoiaram minha trajetória, em especial: Maria


José Corrêa, Roberto Lobato Corrêa, Alice Corrêa, Isabel Corrêa, Rodrigo
Labriola, Mariana Tápias, Geisa Rodrigues, Iracema Barbosa, Anna Bia
Waehneldt, Lucia Prado, Paula Malamud, Aline Tolosa e Aloysio Félix.
Resumo

Corrêa, Patricia Leal Azevedo; Fernandes, Ronaldo Brito (Orientador).


Robert Morris em Estado de Dança. Rio de Janeiro, 2007, 197 p. Tese de
Doutorado – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.

O artista norte-americano Robert Morris é conhecido sobretudo como


escultor, mas sua obra abrange uma diversidade de meios, procedimentos e
materiais, dentre os quais a dança. Morris esteve diretamente envolvido com
grupos de dança entre o final da década de 1950 e meados da década de 1960,
período em que participou do que foram talvez os dois mais importantes focos de
pesquisa em dança, nos Estados Unidos, para a sua geração: as atividades que se
desenvolveram em São Francisco, ao redor da professora e dançarina Ann
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Halprin, e as atividades que, em Nova York, resultaram da formação do grupo


Judson Dance Theater. Nesse período, além de atuar como dançarino em trabalhos
de outros artistas, Morris criou um pequeno mas significativo conjunto de
trabalhos de dança. A tese toma esse conjunto como base para um estudo da obra
do artista e procura vê-la, em grande parte, como desdobramento de experiências
e questões surgidas no âmbito da dança, em diálogo com o seu concomitante
envolvimento na pintura, no desenho e na escultura. Discutindo alguns dos pontos
principais desse diálogo – como o reducionismo minimalista, os procedimentos de
tarefa e instruções, a ênfase na temporalidade e na literalidade da ação corporal –
e alguns de seus conceitos centrais – como “estado de dança”, “forma vazia” e
“anti-forma” –, a tese se propõe a ampliar as possibilidades de análise e
compreensão de um momento crucial não só para a formação e o curso
subseqüente da obra de Morris, mas também para a constituição do campo
ampliado da arte contemporânea.

Palavras-chave
Robert Morris; arte contemporânea; escultura norte-americana; dança norte-
americana
Abstract

Corrêa, Patricia Leal Azevedo; Fernandes, Ronaldo Brito (Advisor). Robert


Morris in Dance State. Rio de Janeiro, 2007, 197 p. PhD Dissertation –
Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.

The North American artist Robert Morris is known mostly as a sculptor, but
his work encloses a diversity of means, procedures and materials among which
dance. Morris was directly involved with dance groups between the end of the
decade of 1950 until mid 1960, period in which he participated in what were
maybe the two most important focuses of research in dance, in the United States,
for his generation: the activities that were developed in San Francisco related to
the professor and dancer Ann Halprin, and activities in New York City resulting
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from the formation of the group Judson Dance Theater. In this period, aside of
acting as dancer in works from other artists, Morris created a small but significant
set of dance works. The thesis considers this set as the basis for the study of the
artist work and strives to see it, mainly, as a deployment of the experiences and
questions arisen in the scope of dance, in dialogue with his concomitant
involvement in painting, drawing and sculpture. Discussing some of the main
points in this dialogue – as the minimalist reductionism, the procedures of tasks
and instructions, the emphasis in the temporality and in the literality of the
corporal action – and some of its central concepts – such as “dance state”, “blank
form” and “anti form” – the thesis intends to extend the possibilities of analysis
and comprehension of a crucial moment not only for the formation and the
subsequent course of Morris work but also for the constitution of the expanded
field of contemporary art.

Keywords
Robert Morris; contemporary art; North American sculpture; North
American dance
Sumário

1. Introdução 11

2. Construções de Dança 25

3. Jogos de Arte 58

4. Forma Vazia 93

5. Anti-Forma 136
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6. Conclusão 173

7. Referências Bibliográficas 176

8. Anexo 189
Lista de Figuras

Figura 1 - Robert Morris, Column, 1961 16


Figura 2 - Robert Morris, Arizona, 1963 17
Figura 3 - Robert Morris, 21.3, 1964 18
Figura 4 - Robert Morris, Site, 1964 20
Figura 5 - Robert Morris, Waterman Switch, 1965 22
Figura 6 - Simone Forti, Slant Board, 1961 29
Figura 7 - Robert Morris, sem título, 1956-58 35
Figura 8 - Robert Morris, sem título, 1956-58 35
Figura 9 - Robert Morris, Two Columns, 1961 42
Figura 10 - Robert Morris, Three L-beams, 1965 42
Figura 11 - Robert Morris, Portal, 1961; Frame, 1962;
Column, 1961; Slab, 1962 47
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Figura 12 - Simone Forti, Huddle, 1961 49


Figura 13 - Robert Morris, Wall-Floor Slab, 1964 53
Figura 14 - Robert Morris, Rope Piece, 1964 53
Figura 15 - Robert Morris, Knots, 1963 53
Figura 16 - Robert Morris, Box for standing, 1961 55
Figura 17 - Robert Morris, Box with the sound of its
own making, 1961 56
Figura 18 - Simone Forti, See-Saw, 1960 63
Figura 19 - Robert Morris, Table, 1964; Corner beam, 1964;
Cloud, 1962; Corner piece, 1964; Floor beam, 1964 67
Figura 20 - Robert Morris, Cloud, 1962 79
Figura 21 - Robert Morris, Corner piece, 1964 79
Figura 22 - Robert Morris, Location, 1963 80
Figura 23 - Robert Morris, I-box, 1962 80
Figura 24 - Robert Morris, Portrait, 1963 81
Figura 25 - Robert Morris, Self-Portrait (EEG), 1963 81
Figura 26 - Robert Morris, Stairs, 1964 90
Figura 27 - Robert Morris, Hand and Toe Holds, 1964 90
Figura 28 - Robert Morris, Three Rulers, 1963 91
Figura 29 - Robert Morris, Footprints and Rulers, 1964 92
Figura 30 - Robert Morris, Blank Form, 1961 94
Figura 31 - Robert Morris, Pine portal, 1961 99
Figura 32 - Robert Morris, Pine portal with mirrors, 1961 99
Figura 33 - Robert Morris, Performer Switch, 1960 113
Figura 34 - Robert Morris, s/t (Leave Key on Hook), 1963 114
Figura 35 - Robert Morris, Litanies, 1963 114
Figura 36 - Robert Morris, s/t (Ring with Light), 1965 115
Figura 37 - Robert Morris, The Fallen and the Saved, 1994 115
Figura 38 - Robert Morris, Passageway, 1961 124
Figura 39 - Robert Morris, Blind Time I, 1973 126
Figura 40 - Robert Morris, Blind Time I, 1973 126
Figura 41 - Robert Morris, Blind Time III, 1985 126
Figura 42 - Robert Morris, Blind Time IV, 1991 126
Figura 43 - Robert Morris, 14 Minutes, 1962 127
Figura 44 - Robert Morris, s/t (série Hypnerotomachia), 1982 134
Figura 45 - Robert Morris, Mirrored cubes, 1965 140
Figura 46 - Robert Morris, Slung mesh, 1968 141
Figura 47 - Robert Morris, sem título, 1968 141
Figura 48 - Robert Morris, s/t (Stadium), 1967 142
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Figura 49 - Yvonne Rainer, We Shall Run, 1963 144


Figura 50 - Yvonne Rainer, Part of a Sextet, 1964 144
Figura 51 - Yvonne Rainer, Parts of Some Sextets, 1965 145
Figura 52 -Yvonne Rainer, Trio A, 1966 148
Figura 53 - Yvonne Rainer, 1966 149
Figura 54 - Robert Morris, s/t (Portland mirrors), 1977 153
Figura 55 - Robert Morris, s/t (For R. K.), 1978 154
Figura 56 -Robert Morris, sem título, 1967 157
Figura 57 - Robert Morris, sem título, 1967 157
Figura 58 - Robert Morris, sem título, 1968 157
Figura 59 - Robert Morris, sem título, 1969 157
Figura 60 - Robert Morris, Threadwaste, 1968 158
Figura 61 - Robert Morris, Steam, 1967 159
Figura 62 - Robert Morris, Continuous Project
Altered Daily, 1969 162
Figura 63 - Robert Morris, sem título, 1970 163
Figura 64 - Yvonne Rainer, Continuous Project
Altered Daily, 1969-70 166
Figura 65 - Robert Morris, Circular Labyrinth
e Square Labyrinth, 1973 170
Figura 66 - Robert Morris, Philadelphia Labyrinth, 1974 170
Figura 67 - Robert Morris, série Investigations, 1990 171
Figura 68 - Robert Morris, Labyrinth, 1999 174
1
Introdução

Dancing is so direct. I mean it can be. I mean you just put


your hand on the ground and, wow! I wish writing could be
like that.
Simone Forti1

“Dançar é tão direto”, diz a carta de Simone Forti a seu


pai. Escrever sobre dança e sobre escultura, pintura, desenho,
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suas relações e expansões, talvez não seja uma tarefa simples,


mas igualmente exige que se tome contato e impulso em um
solo consistente, fértil. A obra de Robert Morris, artista norte-
americano nascido em 1931, nos deu esse chão. Envolvido
com desenho e pintura desde a infância, Morris começou a
freqüentar aulas de dança no final dos anos 50 e começou a
fazer objetos e esculturas no início dos anos 60. Tornando-se
mais conhecido como escultor, teve no entanto uma produção
de dança relevante, senão pela quantidade, pela força dos
diálogos e questões que pôs em jogo. A tese é um estudo da
obra desse artista, investigada a partir do campo de
experiências, tensões e trocas que os seus trabalhos de dança
instauraram e cujos desdobramentos se fizeram sentir em
todo o seu percurso artístico.
Quais as coincidências e distâncias entre dançar e
escrever? E entre dançar, desenhar, pintar, moldar, construir?
Talvez todas essas atividades tenham entre si o que o filósofo
Ludwig Wittgenstein chamou de “semelhanças familiares”,
ou seja, nada que se possa resumir ou depurar – imobilizar –
em um conceito, mas uma “rede de semelhanças que se
sobrepõem umas às outras e se entrecruzam. Semelhanças em

1
FORTI, Simone. “Father, daughter”. In: Oh, tongue. Los Angeles:
Beyond Baroque Books, 2003, p. 29. A citação na epígrafe diz
aproximadamente o seguinte: “Dançar é tão direto. Quer dizer, pode ser.
Quer dizer, é só colocar a mão no chão e, wow! Eu queria que escrever
fosse assim.” Nos pareceu melhor, neste caso, manter o texto em inglês.
Em todos os demais casos ao longo da tese fizemos a tradução.
12

grande e em pequena escala.”2 Ao propor a linguagem como


jogo, Wittgenstein diria: não há o que se possa definir como a
essência dos jogos de linguagem, logo da própria linguagem.
O que há são semelhanças entre jogos diferentes, pois “os
jogos formam uma família.”3
Estamos aqui, portanto, em família. Morris foi levado à
dança por Simone Forti, sua primeira esposa, dançarina que
teve um papel fundamental no meio experimentalista em que
conviveram os happenings e o minimalismo inicial, entre o
final dos anos 50 e o começo dos anos 60. As primeiras
experiências de Morris como dançarino, em 1960,
inseparáveis da produção de suas primeiras esculturas e
objetos, são de fato ligadas às “construções de dança” de
Forti. Anos depois, em 1966, ele deixaria de dançar a pedido
de Yvonne Rainer, sua segunda esposa e outra dançarina
imprescindível para as transformações da dança norte-
americana nos anos 60. O desenvolvimento do minimalismo,
a passagem à process art e às instalações aconteceram, no
trabalho de Morris, tramados às contra-coreografias de
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Rainer, com quem ele participou do grupo Judson Dance


Theater. De modo a seguir a sugestão de Wittgenstein,
poderíamos pensar que essas são semelhanças “em pequena
escala”. Mas tais parcerias de vida e trabalho se sobrepõem e
se entrecruzam a tantas outras, na rede densa e complexa das
práticas artísticas, que o que elas na verdade abrem, neste
estudo, é a “grande escala” das semelhanças entre diferentes
jogos de arte.
Algo de muito importante que esses jogos teriam em
comum é que todos constituiriam “formas de compor-
tamento” cujos agentes estariam dedicados a “testar os
limites e possibilidades envolvidos nas interações particulares
entre as suas ações e os materiais do ambiente.”4 Com essa
concepção de arte, Morris promovia um deslocamento de
interesse do “resultado final” da atividade artística – o
trabalho produzido –, para a “própria atividade do fazer” – o
processo de produção do trabalho de arte, pelo qual se dão as
interações físicas entre o artista, seus materiais, ferramentas e
técnicas, seus sistemas de ações e as condições espaço-
temporais dessas ações. Tal deslocamento é crucial, como se
pode imaginar, para um trabalho tão diversificado, pois a sua
primeira conseqüência é subtrair importância a distinções
2
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Petrópolis:
Vozes, 2005, # 66.
3
Ibidem, # 67.
4
MORRIS, Robert. “Some Notes on the Phenomenology of Making”. In:
Continuous Project Altered Daily: The Writings of Robert Morris.
Cambridge: The MIT Press, 1993, p. 73.
13

baseadas em meios e suportes específicos, segundo as quais a


pintura, o desenho, a escultura e a dança pertenceriam a
campos do fazer distintos. Desde o ponto de vista da
“atividade do fazer”, porém, as diferenças se estabelecem
mais pelos níveis de engajamento corporal explorados pelo
artista no processo do trabalho: “o que os movimentos da
mão e do braço podem fazer com relação a uma superfície
plana é diferente do que os movimentos da mão, do braço e
do corpo podem fazer com relação a objetos em três
dimensões.”5
Portanto, a segunda conseqüência do deslocamento
proposto por Morris é justamente a empenhada adesão a esse
novo imperativo no trabalho de arte: que o seu processo de
produção se mantenha ativo ou coincida com a forma
produzida. Ou seja, que a forma se defina e se experimente
no trabalho como processualidade, “forma de compor-
tamento” ou, ainda, como “fenomenologia do fazer”,
expressão sob a qual ele reuniu algumas de suas contínuas
reflexões a esse respeito, discutindo-as no contexto mais
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amplo da produção de seu tempo, mas sempre buscando a


auto-compreensão e a discussão da própria obra. Essa adesão
entre forma e processo – que, numa entrevista, Morris
descreveu como característica do trabalho que se percebe
como “sendo feito no tempo”6 – abre, então, um campo de
“semelhanças familiares” entre obras a princípio bem
distintas. Muitas dessas obras são diretamente abordadas pelo
artista em seus textos, ou assomam em alguns diálogos
tácitos, travados no próprio trabalho ao longo dos anos.
A viva processualidade do engajamento corporal no
dripping de Jackson Pollock, a ênfase na recepção e na
indicialidade da ação por Marcel Duchamp, os procedimentos
anti-composicionais e a ênfase na teatralidade da música por
John Cage, para citar os mais recorrentes, teriam, assim, uma
“familiaridade” com os diversos modos de identificação não-
mimética entre o corpo e as coisas, levados a cabo por artistas
da geração de Morris. Dentre estes últimos, claro, a ligação
com a dança merece relevo. Enquanto arte enfaticamente
temporal, compreende-se que a dança tenha sido
extremamente importante para o artista. Sobretudo os
dançarinos da geração Judson, em especial Forti e Rainer,
dedicaram-se a trabalhar algumas possibilidades de
coincidência entre forma e processo no movimento, através
da adoção do que Morris chamou de “métodos sistemáticos

5
Ibidem.
6
FINEBERG, Jonathan. “Robert Morris looking back: an interview”. In:
Arts Magazine 55/1, 1980, p. 114.
14

de comportamento”7: sistemas de ações que punham em


suspenso a ordem precedente da composição coreográfica,
dando ao corpo dançante “regras”, “tarefas”, “construções” e
“materiais” para agenciamentos diretos. A dança, além disso,
mais que qualquer outra arte, é capaz de dar materialidade
corporal ao processo, literalmente dar corpo ao espaço-tempo
da forma. E isso acontece tanto em termos de sua produção
no corpo que dança, quanto em termos de sua recepção,
essencialmente dependente de um engajamento cinestésico
entre dançarino e espectador.
O sentido cinestésico, pelo qual, em grande parte, o
corpo dançante conquista a adesão sensorial do espectador, é
o que nos permite sentir nossos próprios movimentos
corporais e a relação destes com o ambiente à nossa volta. É
o sentido responsável pelas sensações de tensão e esforço
muscular, estreitamente ligado à orientação, à articulação
espacial e ao equilíbrio do corpo em todas as nossas ações
motoras. Forti, por exemplo, definiu kinaesthetic awareness
como “sentir o movimento em seu próprio corpo, sentir as
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mudanças de configuração dinâmica em seu próprio corpo.”8


Central para uma arte que, mesmo não sendo dança – sendo
escultura, pintura, desenho, instalação etc. –, se possa expe-
rimentar como processo do fazer, o sentido cinestésico é
frequentemente envolvido na obra de Morris. Constitui,
inclusive, um fator decisivo para a produção do que seria uma
terceira conseqüência do deslocamento por ele proposto: a
problematização de qualquer definição unitária, fechada ou
estável da forma – a exemplo de como a concebe a gestalt –,
uma vez que trata-se de fazer a sua experiência coincidir com
um campo processual. Contra a própria possibilidade de pensá-
la sob a fixidez de um conceito, a obra de Morris sempre
procedeu por desfocar ou dissolver a forma num verdadeiro
jogo de palavras, objetos e ações: poderíamos dizer que, para
ele, à maneira do que propõe Wittgenstein, não há o que se
possa definir como a forma, o que há são semelhanças entre
diferentes jogos de forma. E também se poderia imaginar
uma família desses jogos, para a qual Morris contribuiu com
ao menos dois membros – o que ele chamou de blank form e
o que chamou de anti form.
A tese é uma análise desses diversos jogos de arte e de
forma, e suas diversas familiaridades, na obra de Robert

7
MORRIS, Robert. “Some Notes on the Phenomenology of Making”, op.
cit., p. 79.
8
FORTI, Simone. Handbook in Motion. Halifax: Press of the Nova Scotia
College of Art and Design; New York: New York University Press, 1974,
p. 31.
15

Morris. Nosso ponto de partida são os trabalhos de dança que


ele próprio criou. No texto Notes on Dance, em que faz uma
breve apresentação desses trabalhos, o artista considera que
criou cinco danças: Arizona (1963), Site (1964), 21.3 (1964),
Check (1964) e Waterman Switch (1965)9. Em nosso estudo,
no entanto, optamos por incluir Column (1961) entre esses
trabalhos e excluimos Check. A inclusão do primeiro nos
pareceu importante devido à sua relação com o que viria a ser
o minimalismo de Morris e por ser um trabalho especial-
mente interessante em sua deliberada condição ambígua de
evento de dança e escultura. Já a exclusão de Check se deu
por um motivo bem distinto, a quase ausência de informações
sobre essa dança: duas fotografias, alguns comentários e
nenhuma descrição. Além disso, em 1993, nas preparações
para a sua grande retrospectiva no Guggenheim Museum em
1994, Morris orientou e dirigiu a reconstituição em vídeo,
com novos dançarinos, de quatro de suas danças: Arizona,
Site, 21.3 e Waterman Switch, às quais tivemos acesso.
Column, apesar de não ter sido refeita, é muito simples e foi
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inúmeras vezes descrita na bibliografia sobre o artista. Check,


ao contrário, foi um trabalho mais complexo, envolvendo a
participação da platéia e um grupo grande de performers,
logo não seria adequado abordá-la a partir de informações
fragmentadas.
Consideramos o acesso a reconstituições e a
performances originais, em vídeo ou em filme, fundamental
para o desenvolvimento deste estudo. Nesse sentido, optamos
por realizar, antes das discussões dos capítulos, uma
descrição das cinco danças a partir das quais eles se
desdobram. Isso tem um duplo propósito: por um lado, nos
permitiu um primeiro nível de aproximação e compreensão
dos trabalhos de dança. Por outro lado, esse pareceu ser um
modo de estabelecer a possibilidade de um trânsito mais livre
entre os cinco trabalhos, que nos deixaria retomá-los em
diferentes partes, segundo distintos debates e com extensões e
intensidades variadas. Também queríamos escrever em
estado de dança.

9
MORRIS, Robert. “Notes on Dance”. In: SANDFORD, Mariellen
(org.). Happenings and Other Acts. London: Routledge, 1995.
16

Column foi apresentada por Robert Morris no Living


Theater de Nova York em 1961, mas sua concepção remonta
a 1960. Trata-se de um solo com sete minutos de duração
(Fig. 1). Tem início com uma coluna de aproximadamente
dois metros e meio de altura e base quadrada, feita de placas
de madeira compensada e pintada de cinza claro, em posição
vertical no centro do palco. Ela permanece nessa posição por
três minutos e meio, então tomba para um de seus lados e
permanece assim, na horizontal, por mais três minutos e
meio, quando termina a apresentação. Segundo a concepção
original do trabalho, Morris estaria dentro da coluna e ela
cairia por impulso de seu corpo. Porém, a idéia se mostrou
inviável durante o ensaio, porque o artista teve a cabeça
ferida na queda. Sua opção foi esconder-se na lateral do palco
e então puxar a coluna por um fio, para que ela ainda
parecesse mover-se independentemente.10
Arizona foi criada e apresentada pela primeira vez em
1963, em Nova York, na Judson Memorial Church. Consiste
em um solo de vinte minutos dividido em quatro partes,
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realizado pelo próprio artista (Fig. 2). A dança começa com


Morris entrando no palco vazio com uma mão levantada e o
dedo indicador apontando para cima, num claro sinal de
“número 1”. Ele repete esse gesto ao início de cada parte, Fig. 1: Robert Morris, Column,
levantando os dedos correspondentes ao seu número e, assim, 1961
anunciando-a ao público. Veste calça e jaqueta azuis, está
descalço e usa óculos escuros. Caminha até o centro do palco,
pára de frente para a audiência e começa o lentíssimo giro de
seu torso superior, num movimento quase imperceptível, até
posicionar-se, da cintura para cima, de lado para a audiência,
enquanto mantém as pernas na posição inicial. A rotação tem
início junto com a reprodução em áudio da voz de Morris
recitando o texto de sua autoria Method for Sorting Cows,
cuja conclusão também coincide com o fim da rotação. O
texto trata exatamente do que o título indica, descreve um
método de triagem de vacas através de uma série de
procedimentos a serem postos em prática por dois homens –
um é o chefe [head man] e o outro é o responsável pelo
controle do portão do curral [gate man]. As ações descritas
são vigorosas e muitas vezes complexas:

10
As descrições das danças de Morris são baseadas sobretudo em duas
fontes: as suas reconstituições por outros dançarinos em 1993, feitas sob a
orientação de Robert Morris e especificamente para o registro em vídeo
por Babette Mangolde (Four pieces by Morris [vídeo]. New York, 1993),
e o catálogo da retrospectiva de Morris realizada pelo Museu
Guggenheim em 1994 (PAICE, Kimberly. “Catalogue”. In: KRAUSS,
Rosalind; KRENS, Thomas (orgs.). Robert Morris. The Mind/Body
Problem. New York: Solomon R. Guggenheim Museum, 1994.).
17

Quando está pronto para a triagem, o chefe chama a atenção


das vacas pela repentina elevação de seus braços, dobrando
levemente seus joelhos, deixando cair para frente a parte
superior de seu corpo e ao mesmo tempo pulando com a
parte inferior. O chefe deve praticar até que isso se torne um
movimento contínuo, pelo qual todo o seu ser se transforme
num estado de atenção, potencialidade e autoridade abso-
lutas. O bom chefe imobilizará por volta de 30 vacas com
esse movimento.11

Depois de um mínimo intervalo sem luz, com o início


da segunda parte, vemos um objeto azul em forma de T no
centro do palco. Morris entra e toma nas mãos esse objeto,
que tem dois pontos de regulagem – da altura e da inclinação
da barra superior do T. Ele faz uma alteração nesses
mecanismos, coloca o objeto no chão, se afasta em alguns
passos, depois volta, faz outros ajustes e recua novamente –
repete esse ir e vir algumas vezes, numa espécie de medição
obscura mas que nitidamente põe em relação as modificações
feitas no objeto e a distância tomada com seu corpo. As luzes
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se apagam.
Na terceira parte, ele entra no palco trazendo uma lança
azul e, depois de fazer o recorrente anúncio com os dedos,
caminha até posicionar-se a uma boa distância de um grande
retângulo azul, apoiado contra a parede numa lateral da sala.
Ao som de uma batida regular, metálica e seca, que
acompanha toda a terceira parte, ele joga a lança na direção

Fig. 2: Robert Morris, Arizona, 1963

11
MORRIS, Robert. “Method for Sorting Cows”. In: Art and Literature
11, Winter 1967.
18

do alvo retangular azul e a sala fica escura. Intervalo e ele


entra pela última vez, trazendo um rolo de fio elétrico que vai
sendo desenrolado no chão. Na extremidade do fio, duas
lâmpadas azuis presas uma à outra são acesas. Morris então
começa a girar as lâmpadas sobre sua cabeça, segurando-as
pelo fio à maneira de um laço de cowboy. A luz da sala vai
diminuindo pouco a pouco e, enquanto isso, ele solta mais
fio, alargando o diâmetro traçado pelas lâmpadas até que,
com a sala já mergulhada no escuro, só se vê a luz azul
cortando o ar sobre o palco e sobre as cabeças na audiência.
A luz azul enfim se apaga.
21.3 foi apresentada em 1964, no Surplus Dance
Theater, em Nova York. Trata-se de um solo de dez minutos
de duração realizado por Morris (Fig. 3). A dança tem início
com o artista entrando de terno cinza, gravata e óculos de
pesada armação escura. Ele se dirige para uma espécie de
parlatório montado com dois blocos retangulares, apoiados
um sobre o outro, ao lado dos quais um terceiro bloco serve
de base para um copo e uma jarra de vidro com água. Os três
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blocos são de compensado pintado de cinza. Morris assume


posição atrás do parlatório e começa a imitar com os lábios a
leitura de um texto que tem à sua frente, sem emitir sons pela
boca, enquanto ouve-se a sua própria voz, reproduzida em
áudio, lendo o referido texto. Tratam-se das primeiras
páginas da Introdução do conhecido livro Studies in
Iconology, de Erwin Panofsky, que começa assim:

Fig. 3: Robert Morris, 21.3, 1964


19

Iconografia é o ramo da história da arte que trata do tema ou


significado das obras de arte, em contraposição à sua forma.
Vamos tentar, então, definir a diferença entre tema ou
significado, por um lado, e forma, por outro lado. Quando
um conhecido me cumprimenta na rua removendo o seu
chapéu, o que eu vejo do ponto de vista formal não é nada
além da mudança de certos detalhes em uma configuração
que faz parte do padrão geral de cores, linhas e volumes que
constitui meu mundo de visão. Quando identifico, como
automaticamente faço, essa configuração como um objeto
(homem), e a mudança de detalhes como um evento
(remoção do chapéu), já ultrapassei os limites da percepção
puramente formal e entrei numa primeira esfera do tema ou
significado.12

No início, seus movimentos labiais acompanham a


leitura em áudio, mas à medida que o tempo avança, toda a
sua gesticulação – que inclui não só a articulação da boca,
mas inúmeras outras ações, como pegar a jarra e verter água
no copo, beber, cruzar os braços, retirar os óculos, limpar a
garganta, olhar para cima, para a direita ou para a esquerda,
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tocar o queixo e outras mais – perde sintonia com a


reprodução sonora e se afasta cada vez mais da possibilidade
de acompanhá-la. Todas essas ações seguem, na verdade,
meticulosas marcações feitas pelo artista sobre o texto de
Panofsky, indicando entre quais palavras deve realizar isso ou
aquilo, sempre com expressão facial e gestos contidos. O
crescente desacordo entre o que se vê e o que se ouve
encaminha a apresentação ao seu final.
Site foi criada em 1964 e apresentada pela primeira vez
em Nova York, nesse mesmo ano, no Surplus Dance Theater.
É um dueto com dezessete minutos de duração, realizado por
Morris e Carolee Schneemann (Fig. 4). Começa com o palco
escuro e sons que se mantêm durante toda a apresentação:
barulhos de um canteiro de obras, marteladas, britadeiras e
ruídos de motor. Quando iluminado, o palco revela uma
pequena caixa branca à esquerda, de onde se reproduzem os
sons gravados, Morris de pé à direita e um grande retângulo
branco ao fundo e ao centro. Morris veste calça, camiseta e
tênis brancos, luvas de trabalho pesado e uma máscara feita, a
partir do molde de seu próprio rosto sem expressão, por
Jasper Johns. A ação tem início com ele se dirigindo ao fundo
e retirando com as mãos duas placas que compõem o
retângulo, dando a ver Schneemann, até então oculta, nua e
recostada sobre almofadas, à frente de uma terceira placa. Ela

12
PANOFSKY, Erwin. Studies in Iconology: Humanistic Themes in the
Art of the Renaissance. New York: Harper and Row, 1962, p. 26.
20

reproduz a pose da Olympia pintada por Edouard Manet e


tem o corpo coberto de pó branco, imóvel e visível durante
toda a apresentação. As placas são de madeira compensada,
mantidas nas dimensões originais de comercialização e
pintadas de branco.
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Fig. 4: Robert Morris, Site, 1964


21

Em nenhum momento da apresentação, Morris dirige


seu olhar para Schneemann ou parece percebê-la; do começo
ao fim, são as placas que propiciam todos os seus
movimentos. Uma é encostada à parede e com a outra ele
desenvolve um verdadeiro jogo de equilíbrio, força e
articulação. De pé, de joelhos ou deitado, eleva e gira a placa
sobre sua cabeça. Explora vários possíveis apoios, com um
dos lados ou uma das pontas da placa encostados no chão,
sustentada apenas pelas mãos, pelos pés ou carregada nas
costas. Às vezes lança a placa no ar para sustentá-la na queda
ou faz com que ela gire em volta de seu corpo. Apoiando-a na
vertical, desliza uma das mãos sobre a sua superfície lisa.
Quando colocada no chão, pisa sobre a placa e puxa para si,
com as mãos, uma de suas pontas; a placa se encurva ao
mesmo tempo em que eleva o corpo de Morris do chão, como
uma alavanca. Os movimentos se apresentam como uma série
de contraposições de forças que vão se resolvendo de modo
dinâmico porém homogêneo, numa seqüência que, apesar dos
diferentes esforços e articulações, sugere o emprego de uma
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energia constante ao longo de sua realização, sem pausas ou


ápices. A dança termina com Morris voltando a encobrir
Schneemann, reposicionando as placas ao fundo. Ele então
retorna ao lugar em que estava no início e as luzes se apagam.
Waterman Switch é de 1965 e sua estréia foi em
Buffalo, no Festival of the Arts Today. Trata-se de um trio
com vinte minutos de duração, realizado por Robert Morris,
Yvonne Rainer e Lucinda Childs (Fig. 5). Começa com
pedras artificiais rolando pelo palco vazio e acompanhadas
pelo som gravado de pedras reais rolando, sem sincronia
entre movimentos e áudio. Em seguida, longos paralele-
pípedos de madeira pintados de cinza são arrastados por
Childs, vestida com terno e chapéu masculinos, e posicio-
nados no centro do palco de modo a formarem dois trilhos
paralelos. Morris e Rainer entram abraçados, colados um ao
outro, sobem nos trilhos e começam a percorrê-los,
deslizando muito lentamente os pés de uma ponta a outra das
duas superfícies. Ambos estão nus, com a pele coberta de
óleo, e se movem abraçados ao som de uma ária de Verdi.
Childs os acompanha, vai ao lado do casal segurando um
carretel de linha e desenrolando-o por cima de seu ombro, à
medida que avançam. A linha está presa a uma das laterais do
palco.
Depois de um momento sem luz, aparece Childs
sustentando na horizontal o cabo de uma bandeira enquanto
Morris, segurando a outra extremidade e usando a bandeira
para cobrir a metade inferior de seu torso, corre ao redor de
22

Childs, dando várias voltas na circunferência controlada por


ela. Durante essa seqüência, uma gravação com a voz de
Morris comenta a dança e seus elementos, descrevendo as
ações seguintes e especulando sobre algumas possibilidades:

Eu espero ter slides desta dança. Talvez, se alguém estiver


fotografando agora, eu venha a saber depois. Então, vou
mostrar os slides desta seqüência, por exemplo, em algum
momento próximo ao começo, quando as pedras estão
rolando. De fato, no final haverá outra seqüência ‘andando
sobre os trilhos’ e talvez eu possa mostrar alguns slides da
seqüência das pedras enquanto isso acontece. Seria possível,
claro, mostrar slides dessa seqüência enquanto essa seqüên-
cia acontece, mas isso tem sido feito.13
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Fig. 5: Robert Morris, Waterman Switch, 1965

O texto continua e, após um momento sem luz, as ações


que descreve passam a se realizar no palco, com os três
dançarinos assumindo as posições e tarefas solicitadas,
Childs ao centro, Morris e Rainer nas extremidades:

Eu suponho que seja mais ou menos possível imaginar um


grande slide projetado contra o fundo do palco, por exemplo
à direita, o qual mostraria três pessoas, uma no centro e uma
de cada lado, nas laterais do palco. Coloquem as três sobre
pedras, de costas para vocês. Passem uma longa corda entra
elas. Elas devem segurar a corda na altura do peito. As
pessoas nas duas extremidades vão muito lentamente se
mover em direção à que está no centro, utilizando o rola-

13
Texto reproduzido em PAICE, Kimberly. “Catalogue”, op.cit., p. 178.
23

mento de sua pedra. A corda seria usada mais como apoio ao


equilíbrio do que como um meio de locomoção.14

Os três seguem de costas, oscilando sobre as


respectivas pedras. Morris e Rainer rolam as suas muito
devagar sob os seus pés, quando a gravação passa a
reproduzir sons de água, ondas, mar e, ao mesmo tempo, a
voz de Morris recitando um trecho do caderno de Leonardo
da Vinci. O trecho trata dos efeitos erosivos da água sobre as
pedras: o mar nunca está parado, mesmo as pedras pesadas
são movidas e perfuradas pela água e assim as montanhas
viram areia. “Com o tempo, tudo se modifica” é a frase final
em áudio.
As luzes se apagam e slides de uma das séries de
estudos de movimento de Eadweard Muybridge são proje-
tados contra o fundo do palco. Um homem nú se inclina e
apanha com as mãos uma pedra no chão, que ele eleva para
lançar adiante, mas a série termina neste ponto, com a pedra
elevada sobre a sua cabeça. Morris, então, entra diante do
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retângulo branco de luz projetada, já sem qualquer imagem, e


com uma pedra nas mãos repete a última postura da série de
Muybridge. A luz se apaga.
Quando as luzes retornam, Childs reposiciona os
trilhos, a ária recomeça e o casal abraçado entra novamente,
retomando sua lenta travessia de uma ponta à outra dos
trilhos, mas no sentido contrário ao da primeira seqüência.
Childs agora cruza inúmeras vezes o palco com seu carretel,
desenrolando e prendendo a linha de uma lateral à outra do
palco, como uma teia branca. Próximo ao final dos trilhos,
Morris, que trazia um pequeno vidro em uma das mãos, lança
uma porção de mercúrio nas costas de Rainer. As gotas
cintilantes rolam pelo chão enquanto os três terminam seus
percursos. Como nas sequências anteriores, tudo sucede por
duplicações e superposições articuladas em vários níveis, e os
movimentos são sempre econômicos e contidos. As luzes se
apagam.
Column, Arizona, 21.3, Site e Waterman Switch são
muito diferentes, mas nas cinco danças todas as ações são
relacionadas a certos materiais – os movimentos consistem,
de modo direto e não afetado, no agenciamento de objetos,
textos e imagens. Em Column, essa equivalência entre ações
e materiais é emblemática e primária, no tom de um
manifesto. Em Arizona, 21.3 e Site, os movimentos derivam
da típica interação de certas figuras profissionais com suas
ferramentas de trabalho – o vaqueiro, o professor de história

14
Ibidem.
24

da arte, o construtor, profissões experimentadas por Morris


ao longo de sua vida –, o que gera um vocabulário gestual
opaco e repetitivo. E tanto em Site quanto em Waterman
Switch, essa interação também se desdobra por figuras
precursoras de uma estética moderna do corpo reduzido à sua
mecânica – a cortesã lívida de Manet e o objeto de análise
científica de Muybridge –, que em seu tempo ajudaram a
esvaziar os clichês de emotividade que Morris procurou levar
a termo na dança.
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2
Construções de Dança

O palco de Site pode ser visto como uma espécie de


apresentação dos diferentes caminhos que a obra de Morris
havia percorrido até 1964, quando fez a dança. Ao fundo do
palco a pintura, sua primeira atividade como artista, que deu
lugar a dois tipos de produção em 1961: objetos de pequenas
dimensões que lidam com a indicialidade do fazer, como a
caixa à esquerda, e objetos de grandes dimensões e geometria
simples, como a placa manuseada à direita. As ações no palco
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se concentram sobre a placa e o repertório de movimentos


decorrentes de seu manuseio – aí estariam, Site parece
demonstrar, questões cruciais no envolvimento de Morris
com a dança. São ações sem qualquer estilização, um
construtor que lida com materiais rudes e executa tarefas. A
palavra site significa em inglês um lugar onde algo está ou
será construído, sentido que se reforça com o áudio.
A idéia de se produzirem ações relacionadas a tarefas e
a construções em materiais rudes seria impensável na obra de
Morris sem a sua conexão com a dança de Simone Forti,
artista com quem esteve casado entre 1955 e 1961. No único
e breve texto de 1965 em que se dedicou a comentar seus
principais interesses na criação coreográfica, então já
considerada encerrada, Morris enfatizou a importância de
Forti não só para ele, mas para toda a geração ligada à nova
dança dos anos 60:

Em 1961 Simone Whitman1 fez uma apresentação em um


loft em Nova York. Essa apresentação envolveu o uso de
mecanismos como um plano inclinado a 45º com várias
cordas presas ao seu topo. Os performers podiam escalar o
plano, passar entre si e descansar quando cansados – tudo
através do uso das cordas. Aqui as regras eram simples e não
constituíam uma situação de jogo, mas indicavam uma
tarefa, enquanto o mecanismo, o plano inclinado, estruturava

1
Em 1965, Forti estava casada com Robert Whitman. Ela foi conhecida,
ao longo de sua carreira, como Simone Morris, depois Simone Whitman e
desde os anos 70 com seu sobrenome original, Simone Forti.
26

as ações. (Este simples exemplo não faz justiça às


implicações dessa aparentemente simples apresentação.)
Aqui, pela primeira vez, enfocavam-se claramente dois
meios pelos quais novas ações podiam ser implementadas:
regras ou tarefas e mecanismos (ela os chamava
‘construções’) ou objetos.2

Em várias declarações posteriores e sobretudo mais


recentemente, Morris voltou a afirmar a importância de Forti,
às vezes parecendo ressentir-se do desinteresse de críticos e
historiadores por seu diálogo com ela. Quando entrevistado
por Benjamin Buchloh, em 1985, e depois da insistência
deste em relacionar a produção minimalista ao construtivismo
russo, Morris, em uma rara longa resposta, procurou explicar
que as “idéias estruturais” introduzidas por Forti

me influenciaram muito e foram transpostas para a escultura.


(...) Não era apenas a forma; era a noção, como fazer alguma
coisa? Eu queria fazer isso de um modo que não tivesse nada
a ver com a art scene, e me ocorreu usar esse princípio de
construção e pensar como as coisas se formam de um modo
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muito simples e direto. Você aceita uma série de condições


pré-estabelecidas, satisfaz essas condições e tem uma
escultura. Acho que por isso eu me relacionei com o que ela
estava fazendo em dança, e por isso eu escolhi construção.
Não construtivismo, mas construção.3

Quando indagado, em 1994 e depois em 1997, sobre


suas principais referências em arte, citou Forti como uma das
primeiras4. Em um dos últimos textos que publicou, onde
trata de seu trabalho incluído da exposição Into the Light
(Whitney Museum, NY, 2002), fez uma menção elogiosa e
um tanto inesperada ao trabalho dela, incluído na mesma
exposição, e depois acrescentou: “Eu poderia falar longa-
mente sobre a introdução por Forti de uma ‘ordinariedade’
wittgensteiniana que revolucionou a dança no início dos anos
60, mas isso seria outra estória.”5
Interessa aqui, no entanto, essa estória – ao menos o
que nela se conecta à obra de Morris. A primeira experiência
do artista com a dança se deu em 1956, quando ele e Forti se

2
MORRIS, Robert. “Notes on Dance”. In: SANDFORD, Mariellen
(org.). Happenings and Other Acts. London: Routledge, 1995, p. 168.
3
BUCHLOH, Benjamin. “Conversation with Robert Morris”. In:
BUSKIRK, Martha; NIXON, Mignon (orgs.). The Duchamp Effect.
Cambridge: The MIT Press, 1996, p. 49.
4
MITCHELL, W.J.T. “Golden Memories – interview with sculptor
Robert Morris”. In: Artforum, April 1994; WILLIAMS, Richard. “Cut
Felt”. In: Art Monthly 208 7-10 July/August 1997.
5
MORRIS, Robert. “Solecisms of Sight: Specular Speculations”. In:
October 103, Winter 2003, p. 34.
27

instalaram em São Francisco e ela deu início aos seus estudos


de quatro anos com a dançarina e coreógrafa Ann Halprin.
Nesse período, enquanto se dedicava com empenho à pintura,
Morris começou a se interessar pelas atividades no studio de
Halprin e a participar de algumas sessões e dos workshops de
improvisação que a notabilizaram. A importância dessa
aprendizagem talvez possa ser resumida em dois de seus
principais aspectos, que eram a base de suas aulas pelo menos
desde 1957: a experimentação do corpo como “instrumento”
e potência cinestésica e a introdução de tarefas e objetos para
eliminar os mimetismos e condicionamentos do movimento
na dança.
Halprin procurou se distanciar dos métodos e do
vocabulário daquilo que chamava de “coreografia repre-
sentacional”: o balé clássico e a dança moderna de raiz
expressionista, com suas imagens e emoções codificadas em
gestos. Concentrou-se no próprio processo da ação motora,
anatômica, isolando e articulando partes da estrutura óssea ou
muscular, experimentando as suas possibilidades de
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movimento de modo objetivo e questionando a sua suposta


naturalidade ou o seu caráter habitual. Nessas explorações
analíticas podia, por exemplo, pedir aos alunos que notassem
o que acontecia quando, durante uma corrida, modificavam a
posição de suas colunas, ou como, ao segurarem pedras, esse
peso adicional afetava as relações entre partes de seus corpos.
O uso de objetos e a proposição de tarefas vinham a tornar
mais imprevisível e direto o desenvolvimento da ação – o
corpo daria respostas aos problemas assim pré-determinados
e geraria movimentos “cinestesicamente honestos”. Para a
professora, o ensino da dança devia estimular no aluno o seu
sentido cinestésico e sempre colocá-lo a prova. Em um texto
de título sugestivo, Intuition and Improvisation, ela
apresentou seus pontos de vista:

Quando um dançarino, ou um grupo de estudantes, já


acumulou experiência através de uma variedade de
improvisações, a ponto de automaticamente responder com
seu sentido cinestésico e ter se livrado completamente de
símbolos pré-concebidos, então mais e mais limitações e
especificações podem ser impostas para se alcançar uma
variedade de experiências. Essas limitações podem ser
relativas ao espaço, à velocidade, à intensidade. Podem ser
relativas a pessoas, imagens ou idéias dramáticas, a objetos,
música ou textos falados.6

6
HALPRIN, Ann. “Intuition and Improvisation.” In: VAN TUYL,
Marian (org.). Anthology of Impulse – Annual of Contemporary Dance
1951-1966. Nova York: Dance Horizons, 1969, p. 51.
28

Se suas aulas nada tinham de fixação de técnicas ou


padrões de movimento, tampouco propunham a dança como
fluxo livre em busca de auto-expressão. A extensão do foco
da dança para respostas adaptativas a algumas condições
externas era um modo de minimizar a “introspecção
sufocante” que ela percebia em uma excessiva atenção dada
ao registro psicológico da dança, um modo de se criarem
atitudes e qualidades de movimento específicas, sem
representação de estados emocionais – “simplesmente fazer
algo”. Outros exemplos de tarefas e objetos empregados
nesse sentido seriam: realizar movimentos já conhecidos,
porém carregando elementos imprevistos, como grandes
varas de bambu; lançar materiais diversos o mais alto
possível; verter água de diferentes recipientes; esfregar o
chão; mudar de roupas; deslocar objetos de características
variadas por espaços e meios estranhos, como entre o chão e
o teto, através de cordas ou andaimes.
Está claro que a introdução de tarefas e objetos na
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dança, identificada por Morris como uma influência de Forti


em seu trabalho, tinha antecedentes no studio de Halprin.
Mas ele de fato experimentou essas possibilidades através de
Forti, não por ter tido relativamente pouco contato com
Halprin e sim porque foi Forti quem deu uma nova escala à
interação do corpo com objetos e tarefas, uma escala que
podemos chamar de escultórica se levarmos em conta os seus
desdobramentos na obra de Morris, no que viria a ser o seu
minimalismo. Site, sem dúvida, participa desses desdobra-
mentos.
É importante que se perceba a diferença – mas também
os pontos de contato – entre Forti e Halprin, porque a partir
daí se configura o principal argumento para uma conexão
teórica e histórica entre a dança de Forti e a obra de Morris.
Em larga medida, Halprin ainda conservava o agenciamento
de objetos predominantemente na escala do manipulável, da
relação mais direta com membros específicos, em parte
dependente das qualidades diferenciais e das reverberações
semânticas desses objetos: eram coisas reconhecíveis, de
interesse estético próprio e quase sempre de dimensões
relativamente pequenas, portanto ligados a uma espacialidade
íntima, mesmo que despersonalizada. “Nós escolhíamos os
objetos por sua textura e forma; todos eram objetos do dia-a-
dia”7, afirmou em 1965, mencionando como exemplos pneus
de automóveis, uma bolsa cheia de bolas de tênis ou jornais

7
Idem. “Yvonne Rainer interviews Ann Halprin”. In: SANDFORD,
Mariellen (org.). Happenings and Other Acts, op.cit., p. 145.
29

enrolados, roupas, malas, uma vassoura e garrafas vazias. Sua


produção entre meados dos anos 50 e 60 poderia ser situada
no campo da nonmatrixed performance8, expressão de
Michael Kirby para denominar a fusão entre teatro, dança,
música, pintura e escultura que, nesse período, reabilitava a
estética da colagem e do object-trouvé nos Estados Unidos.
Este era o caso dos happenings e dos eventos Fluxus, onde
com freqüência o emprego de objetos tinha um caráter
anedótico, nonsense, ou visava algum tipo de impacto visual
ou sonoro. Kirby inclui Halprin entre os que teriam
“influenciado o estilo dos happenings”9 e indica a referência
comum à sua dança e ao trabalho de artistas como Allan
Kaprow e George Brecht: a obra de John Cage, com sua
operacionalização do acaso, da indeterminação e de materiais
inusitados, e sua colaboração com Merce Cunningham,
Robert Rauschenberg e Jasper Johns.
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Fig. 6: Simone Forti, Slant Board, 1961

Tendo participado ativamente do ambiente de produção


de Halprin durante seus quatro anos de formação, Forti no
entanto deu outro sentido aos objetos na dança e outra escala
à sua interação com o corpo do dançarino. Slant Board, de
1961, o trabalho com cordas e plano inclinado descrito por
Morris em Notes on Dance, mostra a nova direção (Fig. 6).
Slant Board é uma “dance construction”, nome dado por ela
a trabalhos que são “construções para dança” – os
movimentos se relacionam a objetos construídos, a partir dos
quais se estrutura a dança – e/ou “construções de dança” – em
processo de se construírem diante da audiência, pois seu
8
A nonmatrixed performance dispensa as “matrizes personagem-lugar
subjetivas ou objetivas” que subjazem à performance na dança e no teatro
tradicionais. KIRBY, Michael. “The new theatre”. In: SANDFORD,
Mariellen (org.). Happenings and Other Acts, op.cit., p. 31.
9
Idem. “Happenings: an introduction”. In: SANDFORD, Mariellen
(org.). Happenings and Other Acts, op.cit., p. 24.
30

fluxo de movimentos não está previsto, apenas limitado por


tarefas e regras. Neste caso, há uma construção muito simples
em madeira, uma placa apoiada entre a parede e o chão,
grande o suficiente para ser escalada por três ou quatro
dançarinos ao mesmo tempo. Eles devem utilizar as cinco
cordas com nós ao longo de seus comprimentos, que estão
presas ao topo, para se moverem e se manterem sobre a
superfície; são instruídos para agir com calma e continuidade,
de cima a baixo e de um lado a outro. Podem parar e
descansar, mas devem fazê-lo sem deixar a placa durante
toda a dança. A execução é árdua, exige envolvimento e
concentração de forças de todo o corpo, uma coordenação
intensa, porém “feita casualmente”10, entre todos os membros
do corpo e entre todos os corpos na placa. Nenhum esforço
ou gesto afetado, apenas o que for “cinestesicamente
honesto”. Deve durar por volta de dez minutos ou o tempo
necessário para a audiência circular perto da peça e observar
o seu desenvolvimento.
A placa com cordas é uma estrutura de confecção
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elementar e acabamento anônimo, visualmente neutra e


desprovida de ressonâncias simbólicas ou utilitárias. Guarda
uma espécie de distância afetiva do espectador na medida em
que, lançando mão de uma geometria muito simples, tão
freqüente quanto indefinível na paisagem cotidiana, não se
identifica com objetos localizáveis na experiência cotidiana –
não é uma coisa, como o são os objetos usados por Halprin.
Sua escala corresponde ao corpo como um todo, porque não
se compara em dimensões e função a membros específicos,
porque envolve e é envolvida, motor e espacialmente, pelos
corpos inteiros dos dançarinos. A dança é o próprio
estabelecimento dinâmico da escala entre estrutura e ação
corporal: os dançarinos se deslocam em todas as direções
sobre a placa, contrapondo-lhe o peso, a extensão e o atrito de
seus corpos. Produz-se uma equivalência funcional e estética
entre estrutura e ação corporal jamais encontrada em Halprin:
na ação, corpo e objeto ganham paridade expressiva, os
movimentos definidos pela tarefa são tão diretos e neutros,
tão anônimos e “casuais” – tão opacos –, quanto a construção

10
FORTI, Simone. Handbook in Motion. Halifax: Press of the Nova
Scotia College of Art and Design, 1974, p. 56. As descrições de trabalhos
de Forti são baseadas nos comentários feito ao longo deste seu livro e em
vídeos com reconstruções posteriores: Huddle [vídeo]. New York, 1975;
Jackdaw songs [vídeo]. New York, 1981; The Judson project: Simone
Forti [video]. New York, 1981; Judson Dance Theatre Reconstructions
[vídeo]. New York, 1982; News animations [vídeo]. New York, 1986;
Simone Forti and Troupe [vídeo]. New York, 1988; Simone Forti: from
dance construction to logomotion [vídeo]. New York, 1999.
31

em madeira. A possibilidade de uma tal paridade foi muito


importante, como sua descrição torna evidente, para o pas de
deux entre Morris e a (outra) placa em Site.
Há um adjetivo que parece designar essa qualidade
corporal da dança de Forti: holistic, isto é, holístico,
integral11. A percepção do corpo como um todo começou nos
estudos com Halprin e seu conceito de “dança orgânica”:
feita de movimentos instintivos e biologicamente afins à
estrutura corporal, que o dançarino devia elaborar com
insight cinestésico e inteligência intuitiva até que uma dança
pudesse “finalmente ser talhada pelo corpo no espaço”12.
Forti tomou a sério a atenção cinestésica e a imaginação
escultórica de Halprin – um tanto tradicional, monolítica, há
que se dizer – e nelas operou uma redução comparável ao que
seria o minimalismo. Ao mesmo tempo em que as
construções eliminaram a dramaticidade residual dos objetos,
o corpo concentrou e descomplicou ao extremo a sua
articulação espaço-temporal. Ao reduzir o vocabulário
gestual da dança, Forti focou a atenção cinestésica em um
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único tipo de ação, ao invés de desdobrá-la numa seqüência


de ações variadas, e submeteu o movimento dos diferentes
membros ao investimento do todo na realização dessa ação.
Em Slant Board, por exemplo, todos os dançarinos
basicamente repetem a única possibilidade de ação determi-
nada pelas regras e pela estrutura em madeira.
Breves experiências com a técnica de Martha Graham e
com a técnica de Merce Cunningham apenas reforçaram em
Forti a tendência redutiva, divergente dessas duas visões de
dança que são muito distintas entre si, porém têm em comum
o tratamento particularizado de membros e movimentos. Com
relação ao formalismo da primeira, ela sentiria uma total
inadequação corporal – “eu não vou contrair meu ventre para
dentro” – e sobre a fragmentação veloz e o isolamento de
diferentes partes do corpo na segunda, diria que Cunningham
era um mestre na articulação da condição individualizada e

11
O adjetivo “holístico” pode sugerir associações que não
corresponderiam ao seu uso aqui, então vejamos a definição de “holismo”
no Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa: “abordagem que prioriza o
entendimento integral dos fenômenos, em oposição ao procedimento
analítico em que seus componentes são tomados isoladamente”. A
associação mais equivocada que se poderia fazer aqui seria tomá-lo como
equivalente à unidade clássica, baseada na coerência orgânica, na
hierarquia e interdependência de partes. Esperamos esclarecer ao longo do
texto que holistic, assim como unitary form e wholeness, tem outro
sentido para os artistas ligados ao minimalismo.
12
HALPRIN, Ann. “Intuition and Improvisation”, op.cit., p. 53. Nas
palavras de Halprin, a “dança orgânica” seria o contrário da “coreografia
representacional”, citada há pouco.
32

auto-reflexiva do adulto, mas que “o que eu tinha a oferecer


era mais próximo à resposta holística e generalizada das
crianças.”13 Todas as dance constructions feitas entre 1960 e
1961 têm algo dos jogos e das brincadeiras infantis, com seu
investimento corporal integral, espontâneo e não-analítico,
em movimentos que se prolongam e se repetem sem visar
sínteses conclusivas, através dos quais se experimentam os
elementos básicos da dança – equilíbrio, peso, impulso,
energia, resistência e articulação.
No livro em que reuniu pensamentos sobre seu
trabalho, Handbook in Motion, Forti indicou o quanto esse
interesse por respostas holísticas a tarefas, jogos, estruturas e
objetos era vividamente partilhado com Morris durante a
convivência entre os dois. Há um relato de uma das visitas de
Morris ao studio de Halprin, quando ele participou, como
fazia algumas vezes, de uma aula com A.A. Leath, membro
senior da escola. Os alunos foram solicitados a sair do studio,
escolher alguma coisa, observar o seu movimento por meia
hora e depois retornar para demonstrar, com o seu próprio
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corpo, o movimento observado. Morris escolheu uma pedra.


Deitado no chão, foi se encolhendo muito lentamente até
ficar tão compacto, e com tanta força, que apenas um ponto
nas costas, sob o seu centro de gravidade, estivesse apoiado
no chão. Quando indagada sobre a importância de Morris
para seu trabalho, em uma entrevista de 1994, Forti
relembrou esse evento, muito marcante para ela na época, e
acrescentou: “Era uma imagem simples [single]. E era
escultórica”, experiência à qual associou a criação de suas
primeiras dance constructions, também “idéias simples e
escultóricas”.14
Mas as atividades no studio de Halprin eram só uma
parte de sua colaboração em São Francisco, que incluía ainda
a formação de um grupo independente de teatro e dança de
improvisação e um diálogo na pintura, importante para
Morris, que à época era predominantemente pintor. Entre
1957 e 1959, o casal organizou workshops regulares com um
grupo de artistas de diferentes áreas para experimentar
movimentos a partir de objetos, jogos de regras e tarefas,
projeções de luz e misturas de sons e textos. Estavam
“interessados em modos de se movimentar o corpo que
saíssem das várias disciplinas do dançarino treinado”15 –
criaram uma espécie de laboratório para “explorar materiais”

13
FORTI, Simone. Handbook in Motion, op.cit, p. 34.
14
Idem. Interview with Simone Forti [transcrição de áudio]. New York,
1994, s/p.
15
Entrevista em WILLIAMS, Richard. “Cut Felt”, op.cit., s/p.
33

de maneira mais sistemática do que com Halprin, e sem


audiência ou expectativas de apresentação pública. Quase não
há informações sobre os integrantes e as atividades do grupo,
mas ele marcou esse período decisivo em que Morris
percebeu na dança a produtividade de certas questões que
pareciam configurar um impasse em sua pintura, questões na
verdade provenientes do próprio envolvimento concomitante
nas duas, suas confluências e tensionamento mútuo. Eis os
termos em que descreveu a gradual mudança de foco de seus
interesses, no final dos anos 50, da pintura para a dança: nesta
teria percebido a possibilidade de experimentar maior
equivalência entre o “processo do fazer” e o seu “resultado”,
o que lhe parecia inalcançável em seus esforços como
pintor16.
Morris pintava desde o final dos anos 40. Em 1953,
influenciado pelo trabalho de Jackson Pollock, começou a
explorar a materialidade da tinta, usando espátulas para torná-
la mais viscosa, em marcas diferenciadas porém dispersas na
tela, sem hierarquia ou foco de intensidade; abstrações em
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grandes dimensões, com preto, branco, cinza e uns poucos


toques de cores, mas basicamente empastes acinzentados.
Morris faz parte da geração de artistas que trabalhou, na
expressão de Allan Kaprow, “o legado de Jackson Pollock”17.
Para além do determinismo histórico que essa afirmação pode
refletir ou ensejar, e que alguns autores se dedicaram a
explicitar18, há que se considerar o impacto da experiência de
um Pollock sobre um jovem pintor nos anos 50. Há que se
imaginar como o campo aberto, disjuntivo e ao mesmo tempo
integral do all-over – a equalização de todos os elementos na
tela –, estruturalmente ligado ao procedimento do dripping,
trazia a possibilidade de uma arte livre de matriz compositiva
e toda voltada à materialidade e ao processo do fazer. As

16
Morris comenta a relação entre dança e pintura nesse período na
entrevista concedida a Paul Cummings, em março de 1968, para os
Archives of American Art, e na entrevista com Jack Burnham, em
novembro de 1975, não publicada. MORRIS, Robert. Interview with
Robert Morris [transcrição de áudio]. New York: Archives of American
Art, Smithsonian Institution, 1968; Idem. Interview with Robert Morris by
Jack Burnham. New York, 1975.
17
KAPROW, Allan. “The Legacy of Jackson Pollock”. In: Essays on the
blurring of art and life. Berkeley: University of California Press, 1993.
18
Rebecca Schneider e Caroline Jones, para mencionar dois exemplos,
constroem diferentes leituras desse legado e questionam o papel central
dado a Pollock em várias genealogias da arte performativa e do
experimentalismo do segundo pós-guerra norte-americano. SCHNEIDER,
Rebecca. “Solo Solo Solo”. In: BUTT, Gavin (org.). After criticism: new
responses to art and performance. Malden: Blackwell, 2005; JONES,
Caroline. “Finishing School: John Cage and the Abstract Expressionist
Ego”. In: Critical Inquiry 19/4, Summer 1993.
34

pinturas que Morris realizou nessa época, e a seqüência das


novas direções tomadas a seguir, mostram que seu diálogo
com Pollock passava por experimentar e re-equacionar a
espaço-temporalidade do all-over e a fisicalidade do
dripping.
Contra os princípios de equilíbrio ou ordem
compositiva, dos quais Pollock se desfizera a seu modo,
começou a trabalhar definindo ferramentas e métodos de
aplicação da tinta – determinada direção, pressão ou
espessura de espatulado etc. Concentrou-se na própria
mecânica do ato de pintar, buscando um tipo de interação
sistemática que eliminasse as ponderações sobre um todo
relacional, como o era a gestualidade repetitiva e controlada
do dripping. Inicialmente, trabalhou na vertical, com a tela
estendida contra a parede, mas logo passou a pintar
diretamente em rolos de papel ou tela dispostos no chão, à
maneira de Pollock, pois “sem vê-la em completa
frontalidade, eu não tinha o foco crítico particular que
permite ver todas as relações”19. Seus métodos se desen-
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volveram, portanto, negando a visualidade frontal da pintura


e a distância física e analítica que essa visualidade supõe,
implícitas na possibilidade de foco e de síntese das relações
pictóricas. Tratava-se de estar “mais próximo, (...)
literalmente na pintura”20: favorecer o sentido tátil da ação de
pintar, o contato e o atrito entre corpo, materiais e tela, e
estabelecer uma escala corporal para a pintura, não mais
restrita aos movimentos do pulso e do braço, não mais
projetiva.
Por volta de 1957, Morris sistematizou todos esses
esforços na construção de um mecanismo para estruturar as
ações envolvidas no ato de pintar. Era uma espécie de
plataforma baixa e suspensa, feita em madeira, que podia ser
deslocada ao longo de apoios laterais. Morris a colocava
sobre a tela estendida no chão e de cima, deitado na
superfície móvel, se debruçava sobre a pintura, poucos
centímetros abaixo de seu corpo, e trabalhava. Descrevendo-o
para Paul Cummings, o artista comparou o mecanismo a um
tear: “apenas movia a plataforma de uma ponta à outra da tela
e aplicava a tinta, quase como se estivesse fazendo uma
tapeçaria. Apenas movia um pouco, pintava aquela área e

19
MORRIS, Robert. Interview with Robert Morris [transcrição de áudio],
op.cit., s/p.
20
O sentido dessa famosa declaração de Pollock em “My Painting”,
originalmente publicada em 1947, vem reforçar algo que é visível em seu
trabalho: as pegadas e mãos marcadas com tinta em várias de suas telas.
In: CHIPP, H.B. (org.). Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 556.
35

assim por diante, então quando chegava no final, a pintura


estava pronta.”21 Ao mesmo tempo em que o mecanismo
impedia a visão de uma grande parcela da tela durante o
trabalho, criava uma nova proximidade corporal do artista
com seus materiais – ele logo passou a espalhar a tinta com
as mãos, tateando uma pequena área por vez e percorrendo
com o corpo toda a superfície. O novo método reduziu
drasticamente a gestualidade da pintura, deu-lhe superfícies
“cada vez mais fragmentadas e quebradas”22, de marcas cada
vez mais curtas e densas, não concatenadas (Fig. 7 e Fig. 8).
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Fig. 7: Robert Morris, sem título, 1956-58

Fig. 8: Robert Morris, sem título, 1956-58

Como em Pollock, as telas assim produzidas por Morris


tinham uma qualidade cinestésica marcante. Dispensado o a
priori composicional, a pintura se constituía por um sistema
de ações sobre um campo demarcado, mas desfocado. As

21
MORRIS, Robert. Interview with Robert Morris [transcrição de áudio],
op.cit., s/p.
22
Ibidem.
36

telas de Morris guardam algo da horizontalidade e da


gravidade que atuaram em seu contato com os materiais, têm
a latência dos movimentos fortes e contidos e a escala de seu
deslocamento corporal. Mas em Pollock, essa qualidade
cinestésica é incrivelmente expansiva, com seus nós e fluxos
dispersivos de energia que se mantém ativos, capazes de
afetar o tempo e o espaço do espectador e engajá-lo numa
inexplicável dinâmica de experiência do tempo e do espaço
de realização das telas – e isso, parece evidente, por meios da
própria pintura, pelo que ela dá à fruição. Experimentar e
buscar equacionar em seu trabalho tal dinâmica colocou o
jovem pintor diante de um impasse:

Havia algumas coisas na pintura que pareciam muito


problemáticas para mim. Eu não conseguia resolver os
problemas. Havia um grande conflito entre o fato de fazer
essas coisas e como elas ficavam depois. Simplesmente não
parecia fazer muito sentido para mim. Basicamente porque
havia uma atividade que eu fazia no tempo e que tinha um
método próprio. E isso não parecia ter qualquer relação com
a coisa feita.23
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Como afirmou várias vezes, Pollock seria o único a


colocar e ao mesmo tempo resolver a questão em pintura,
pois em suas telas “o processo está registrado no modo como
a tinta esparrama ou pinga ou cai”24, processo e resultado são
estruturalmente indissociáveis.
Em 1958, Morris começou a perder o interesse em
pintar e em 1959, depois de jogar fora quase todas as suas
telas, parou por completo. Isso não significava o fim do
importante diálogo com Pollock, que em breve ganharia
novos contornos, nem significava propriamente o abandono
de questões de pintura, recorrentes até hoje em seu trabalho.
Mas decerto indicava o seu crescente envolvimento com a
dança – o período entre 1957 e 1959 é justamente o de
duração do grupo experimental com Forti e outros artistas. A
gradual definição de seus métodos de pintura e do impasse a
que chegaria se deu à medida que as atividades do grupo
avançaram, dedicadas a examinar e desmontar a tempora-
lidade metafórica da dança e do teatro em busca de modos de
temporalidade literal, matter-of-fact: “um tempo real, o que
você faz é o que você faz”25. Para Morris, um dos principais

23
MORRIS, Robert. Interview with Robert Morris by Jack Burnham, op.
cit., s/p.
24
Idem. Interview with Robert Morris [transcrição de áudio], op.cit., s/p.
25
Idem. Interview with Robert Morris by Jack Burnham, op. cit., s/p. O
“what you do is what you do” de Morris pertence, obviamente, ao mesmo
clima artístico e intelectual do “what you see is what you see” de Frank
37

feitos do grupo foi eliminar a diferença entre o que seria a


preparação e o processo de criação de uma dança – a
construção de adereços e objetos de apoio, a improvisação e o
desenvolvimento de ações comuns – e a própria dança criada.
E isso, sem dúvida, tinha muito da influência de Halprin, e
sobretudo de Forti.
Construir um mecanismo com suas próprias regras de
uso para o cumprimento de determinada tarefa, cuja operação
define a possibilidade de alguns movimentos e bloqueia seus
condicionamentos e mimetismos: essa bem poderia ser tanto
uma descrição do método de pintura inventado por Morris,
quanto da Slant Board de Forti. De fato, a plataforma móvel
era quase uma dance construction, com a diferença crucial de
que, ao final da operação, produzia-se um índice estático e
incapaz de demonstrar o sistema de ações – forças,
deslocamentos, contatos – que o gerou, incapaz de dar uma
medida da experiência e temporalidade envolvidas em sua
produção. Morris passou a se interessar mais pelo sistema de
ações desenvolvido com a pintura do que pela formalização
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de seus resultados na mesma época em que experimentou um


interesse semelhante na dança, e é claro que essa experiência
na dança ajudou a configurar o dilema na pintura. Nesse
sentido, a passagem da pintura para a dança e a produção de
esculturas e objetos foi menos uma ruptura de que a
seqüência no tratamento de algumas questões, agora em um
ambiente que lhes deu nova clareza e produtividade – e
poderíamos dizer que a dança agiu sobre a experiência da
pintura tanto quanto a pintura agiu sobre a experiência da
dança.
Nesse momento inicial da dança de Forti, é
especialmente perceptível uma tensão produtiva com a
pintura. Tendo demonstrado atração pela atividade, Morris a
encorajou a pintar e lhe ensinou a estender a tela nos imensos
chassis em que, durante seis meses, ela fez trabalhos
próximos ao expressionismo abstrato. Também desenvolveu
uma espécie de método de trabalho. Logo após estender uma
tela, colocava-a no chão e deitava para descansar e dormir um
pouco sobre a tela ainda branca. Ao acordar, procurava pintar
as sensações do sono: não os sonhos, mas o physical feeling
daquele sono, sensações que descreveu como acúmulo,
abertura para a esquerda, peso etc26. É possível comparar essa
curiosa passagem de Forti pela pintura com o método que

Stella em GLASER, Bruce. “Questions to Stella and Judd”. In:


BATTCOCK, Gregory (org.). Minimal Art - A Critical Anthology. Berkeley:
University of California Press, 1995, p. 158.
26
FORTI, Simone. Interview with Simone Forti, op. cit., s/p.
38

Morris empregava à época. Em ambos, o ato de pintar


envolve uma escala corporal, um empenho em tocar e
sensibilizar o campo horizontal da tela com seu corpo, em
fazer da gravidade uma das forças atuantes no processo da
pintura e providenciar meios para que na tela atue algo que se
sente no todo cinestésico corporal. O que há pouco identifi-
camos como uma tendência a respostas holísticas na dança de
Forti também se manifestava na sua relação com a pintura e
era um elemento fundamental em seu diálogo com Morris. E
não há dúvidas de que ambos partilhavam uma conexão com
Pollock que, em larga medida, viabilizou um “chão” para o
reducionismo holístico da geração minimalista.
Forti nem precisaria mencionar que sua dança nessa
época tinha um “sentido de movimento expressionista
abstrato”27, pois basta observar Slant Board para imaginar
que a placa com cordas, que recebe pés e mãos de dançarinos,
faz uma referência às telas de Pollock e sua sugestão do
corpo debruçado, em ação, sobre um plano e um emaranhado
de linhas. É preciso contudo ir além dessa associação para
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que se entenda o que estava em jogo na relação da dança com


a espaço-temporalidade do all-over e do dripping: para
Morris, como para Forti, um princípio de estrutura não
compositiva e holística.
É verdade que uma relação com o expressionismo
abstrato já se constituíra há mais tempo na dança norte-
americana. A obra de Merce Cunningham, por exemplo,
traria um novo sentido espacial, de campo aberto e sem
hierarquia visual ou narrativa, que a crítica de dança Deborah
Jowitt ligou ao trabalho de Pollock:

Cunningham falou com admiração da eficiência de Pollock


em combater o sentido de um foco central colocando as telas
no chão e andando em volta delas, aplicando a tinta de cima.
O modo como você olha para uma pintura de Pollock é
semelhante ao modo como olha uma dança de Cunningham.
Ambas são espaçosas [roomy]: o olho vagueia ao acaso,
tomado agora por isso, agora por aquilo. (...) Pollock andava
em volta de suas pinturas; Cunningham faz suas danças
como se elas devessem ser vistas de todos os lados.28

Uma das características mais marcantes da produção de


Cunningham é a eliminação de todas as relações hierárquicas
ainda persistentes na dança dos anos 50 – entre coreografia,
música e cenografia, entre dançarinos e dançarinas, entre

27
Ibidem.
28
JOWITT, Deborah. Time and the Dancing Image. Berkeley: University
of California Press, 1988, p. 291.
39

diferentes movimentos e entre diferentes posições no palco.


São coreografias sem solistas, ou como comentou uma de
suas dançarinas, em que todos são solistas. Desprovida de um
princípio de articulação orgânica, decididamente não
concatenada, sua dança demanda uma espécie de polivalência
perceptiva: “não apenas todos são solistas em uma coreo-
grafia de Cunningham, cada parte de cada corpo pode se
tornar um solista também; pois Cunningham freqüentemente
faz cabeça, braços, torso e pernas moverem-se em oposição
entre si.”29 Contra a prevalência de qualquer princípio de
síntese, coerência ou completude, contra uma certa “ilusão de
unidade”, como diz o crítico de dança Roger Copeland – a
ilusão, muito arraigada em dança, da unidade expressiva dos
movimentos como manifestação de uma interioridade
psicológica –, Cunningham convida a uma experiência de
“não-relacionalidade”, de acontecimentos que se distribuem e
se sobrepõem sem conexões causais entre si.
Por isso, talvez seja mais preciso afirmar, como faz
Copeland30, que esse tipo de operação espacial estaria ainda
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mais próximo da estética de fragmentação e justaposição de


Robert Rauschenberg. O que faz sentido: com Rauschenberg,
Cunningham e John Cage fizeram o que veio a ser conhecido
como o primeiro happening, em 1952. No Black Mountain
College, os três realizaram, segundo a proposta de Cage, uma
“apresentação simultânea de eventos independentes” – Cage
leu um texto, David Tudor tocou piano, Rauschenberg tocou
discos antigos em uma vitrola e projetou slides, Cunningham
improvisou uma dança, entre outras participações. Essa
justaposição de ações desconexas estaria na base do que

29
COPELAND, Roger. “Merce Cunningham and the Politics of
Perception”. In: COPELAND, Roger; COHEN, Marshall (orgs.). What is
dance? Readings in Theory and Criticism. Oxford: Oxford University
Press, 1983, p. 319. Copeland também corrobora nosso argumento no
artigo: COPELAND, Roger. “Merce Cunningham and the Aesthetic of
Collage”. In: The Drama Review 46/1, spring 2002.
30
Copeland faz boas análises de Cunningham, mas tem uma leitura
equivocada da obra de Pollock, que não poderíamos deixar de comentar.
Tendo por base principalmente as fotografias de Hans Namuth e a
biografia do pintor, compara o expressionismo de Pollock ao de Martha
Graham e ignora que a sua pintura justamente superou o tipo de
figurativismo e narrativa que podemos ligar a Graham. Para Copeland,
Pollock fez da pintura uma busca ritualizada do innermost self, nostálgico
de uma unidade expressiva pura e primitiva. Para Cunningham, que ao
contrário de Copeland parece ter dado mais atenção ao trabalho do pintor,
“com as pinturas de Pollock, o olho pode ir a qualquer lugar na tela.
Nenhum ponto é mais importante que outro. Nenhum ponto
necessariamente leva a outro.” CUNNINGHAM, Merce. The dancer and
the dance – Merce Cunningham in conversation with Jacqueline
Lesschaeve. New York; London: Marion Boyars, 1991, p. 140.
40

Michael Kirby chamou “estrutura compartimentada”31, seu


termo para a estrutura de colagem, típica dos happenings.
Rauschenberg, que nos anos 50 e 60 também transitava entre
a pintura e a dança, foi um notório reabilitador da colagem e
do object-trouvé e, por muito tempo, cenógrafo e figurinista
de Cunningham. Com seus procedimentos de acaso,
fragmentação e justaposição durante a criação coreográfica,
Cunningham levou ao máximo de sofisticação esse tipo de
estrutura na dança: “sua união entre ‘found movements’
banais [lavar as mãos, pentear os cabelos, pular, agachar,
caminhar etc] e movimentos inventados era o equivalente ao
assemblage em dança”32.
Podemos, de fato, identificar um tipo de recepção da
pintura de Pollock que, tanto na dança quanto no teatro,
tratou de assimilá-la a um “campo ampliado” da colagem,
fosse por relações mais indiretas, como na obra de
Cunningham, fosse por uma leitura bastante direta e enfática
como a de Kaprow, figura central no desenvolvimento dos
happenings33. Em seu conhecido texto de 1958, Kaprow
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afirmou que a “dança do dripping”, com sua fisicalidade e


escala, aproximou a pintura da arte ambiental e indicou a
possibilidade de se abandonar a tela, de se passar à ação e ao
agenciamento de objetos:

Pollock, assim como o vejo, deixou-nos no momento em que


devíamos começar a refletir sobre o espaço e os objetos de
nossa vida cotidiana (...) Não contentes com a sugestão, pela
pintura, de nossos outros sentidos, vamos usar as substâncias
específicas da visão, som, movimentos, pessoas, odores,
tato. Objetos de todo tipo são os meios da nova arte: tinta,
cadeiras, comida, luz elétrica, néon, fumaça, água, meias
velhas, um cachorro, filmes e mil outras coisas que a geração
atual de artistas descobrirá. 34

E como Kaprow, que havia se formado em pintura,


muitos pintores fizeram uma tal passagem no final dos anos
50 – Jim Dine, Robert Whitman, Claes Oldenburg e
Rauschenberg, para citar só alguns deles. Robert Morris
poderia estar entre esses nomes, não fosse justamente aquilo
em que consiste o nosso argumento: a sua transformação de
31
KIRBY, Michael. “Happenings: an Introduction”, op. cit., p. 4.
32
HASKELL, Barbara. Blam! The explosion of pop, minimalism and
performance 1958-1964. New York: Whitney Museum of American Art,
1984, p. 61.
33
Apesar de não resumir-se a isso, é claro que essa recepção “da tela para
a ação” foi influenciada pela publicação em 1951 das fotografias de Hans
Namuth, seguida da publicação em 1952 do texto “The American Action
Painters”, de Harold Rosenberg, ambas na importante revista Art News.
34
KAPROW, Allan. “The Legacy of Jackson Pollock”, op. cit., p. 7.
41

experiências de pintura e ação no princípio de uma estética


reducionista e holística, avessa ao princípio da colagem, que
surgiu em diálogo com o trabalho de Forti. Portanto, como já
antecipamos, trata-se de perceber a especificidade de uma
recepção minimalista de Pollock – toda recepção é
transformação –, que Morris e Forti estariam a iniciar por
volta de 1960.
As primeiras apresentações dos dois na cena artística de
Nova Iorque, cidade em que se instalaram no final de 1959,
aconteceram em ocasiões e lugares partilhados com artistas
de happenings, como os eventos coletivos na Reuben
Gallery, no loft da artista fluxus Yoko Ono (onde se
apresentou pela primeira vez Slant Board) e no Living
Theater. Mas “suas estruturas rudimentares e sua ênfase em
movimentos não-afetados sempre as distinguiu do full-blown
drama de um evento de Robert Whitman ou Claes
Oldenburg”35, escreveu um crítico sobre essas apresentações,
anos depois, ao resenhar o livro de Forti.
E que estrutura poderia ser mais rudimentar do que uma
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coluna de base quadrada, feita em placas de compensado?


Que movimentos poderiam ser menos afetados do que a
simples queda da posição vertical para a horizontal? Column,
o primeiro evento criado por Morris, apresentado no Living
Theater em 1961, foi provavelmente o que de mais
reducionista e holístico se mostrou em cena naqueles tempos.
O evento se resumiu a isso, três minutos e meio na vertical,
três minutos e meio na horizontal – como ocorreu em uma
tarde de apresentações com vários outros artistas, o tempo
dado a Morris foi de sete minutos, daí a duração de cada
posição, o cálculo mais elementar com o que tinha
disponível. A mesma simplificação extrema das decisões
envolvidas na marcação do tempo surge nas decisões quanto
às dimensões da peça – baseadas no mais direto
aproveitamento do formato de placa comercializado – e
quanto ao seu acabamento – o material mais barato e fácil de
cortar e montar, a cor mais neutra. Foi o primeiro trabalho
tridimensional feito por Morris e, como ação inaugural,
depois do distanciamento da pintura, abriu com clareza o seu
novo território: Column é uma escultura que surgiu como
“construção de dança”.
Nessas duas possibilidades, o trabalho estabelece
ligações diretas com o corpo. O volume autônomo assume
posturas que nos são básicas – de pé e deitado – e está na
origem de uma série de esculturas que se reduzem a

35
FRANK, Peter. “Peter Frank”. In: Soho Weekly News, December 5,
1974, s/p.
42

dinâmicas de apresentação, como Two Columns (Fig. 9) e


Three L-beams (Fig. 10). Ao mesmo tempo, a construção tem
o tipo de escala proposta por Forti, é uma estrutura cuja
operação delimita um repertório de movimentos e os
concentra no todo cinestésico corporal – sobretudo se
pensarmos que o artista supunha seu próprio corpo dentro da
coluna. Estrutura e ação se equivalem em sua opacidade e
ordinariedade, enfatizadas em todos os sentidos.
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Fig. 9: Robert Morris, Two Columns, 1961 Fig. 10: Robert Morris, Three L-beams, 1965

Podemos ver em Column o isolamento e a demons-


tração de uma particularidade do all-over: que o experimen-
temos como um todo indivisível em partes, isto é, como uma
espécie de integralidade36 à cuja experiência submetem-se
todas as suas relações internas. O poliedro de Morris é feito
de placas que podem ser notadas separadamente; o fato,
porém, é que o percebemos mais como volume íntegro do
que como união de componentes. Alguns fatores contribuem
para que isso aconteça: a pregnância de uma gestalt simples,
a escala que o retira das relações íntimas, a cor que neutraliza
qualquer variação nas superfícies. É típica do all-over de
Pollock semelhante equalização de elementos, que podem
obviamente ser notados, mas produzem uma experiência de
continuidade e regularidade que prevalece sobre as suas
diferenciações internas. Aliás, daí vem a força de sua

36
O tradutor de Arte e Cultura, livro em que Clement Greenberg define a
expressão all-over, traduziu-a como “integral” e all-overness como
“integralidade”, que são também os melhores sinônimos para “holístico” e
“holismo”. GREENBERG, Clement. Arte e Cultura. São Paulo: Ática,
1996, p. 223.
43

produtividade histórica: ser um todo que escapa à hierarquia


subjacente à unidade plástica tradicional, de matriz clássica –
a coerência orgânica da morfologia humana, a interdepen-
dência das partes que confere necessidade e completude ao
corpo, em que se baseiam os princípios de equilíbrio e ordem,
portanto de composição. O all-over de Pollock possibilita, ao
contrário, o princípio estrutural de uma nova relação com o
corpo humano, um novo “antropomorfismo”, por assim dizer,
sem qualquer sentido orgânico, mas no sentido da escala de
um todo cinestésico corporal, dado à gravidade. Apenas nesse
sentido seria possível dizer que Column é antropomórfica:
“não tanto uma metáfora da figura quanto uma existência
paralela a ela. Ela [a escultura] partilha de nossa resposta
perceptiva às figuras. É por isso, sem dúvida, que respostas
cinestésicas generalizadas, subliminares, são fortes quando a
confrontamos”37, segundo Morris.
Em seus escritos, sobretudo nas Notes on Sculpture,
Part 1 e Part 2 publicadas em 1966, Morris refletiu sobre o
holismo minimalista. Podemos acompanhar seu raciocínio:
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“São as formas mais simples que criam gestalts fortes. Suas


partes são de tal modo ligadas que oferecem uma resistência
máxima à separação perceptiva. Em termos de sólidos, ou
formas aplicáveis à escultura, essas gestalts são os poliedros
mais simples”38. Esses poliedros se caracterizam por sua
wholeness, por suas unitary forms, não podem “ser divididos
para que fáceis relações parte-a-parte se estabeleçam”39.
Nesses textos, o artista se declarou avesso a variações
estruturais, cores, materiais ou acabamentos diferenciados,
“fatores que puxam o trabalho para a intimidade ao permitir
que elementos específicos se separem do todo, criando
relações internas”40 que acabam por situar o trabalho na
“estética cubista da razoabilidade e da lógica relacionais”41.
A escala, nesse sentido, é fundamental, pois ser muito maior
do que o corpo humano torna o trabalho sobrepujante,
monumental, mas não ser menor do que o corpo “é uma das
condições necessárias para se evitar a intimidade”42.

37
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 4”. In: Continuous Project
Altered Daily: The Writings of Robert Morris. Cambridge: The MIT
Press, 1993, p. 54.
38
Idem. “Notes on Sculpture, Part 1”. In: Ibidem, p. 6.
39
Ibidem, p. 7.
40
Idem. “Notes on Sculpture, Part 2”. In: Ibidem, p. 14.
41
Ibidem, p. 15.
42
Ibidem. Morris aqui faz menção à citação de Tony Smith que serve de
epígrafe a este texto:
“Por que você não o fez maior para que ele [o cubo Die] sobrepujasse o
observador?
– Eu não estava fazendo um monumento.
44

As Notes on Sculpture de Morris bem poderiam ser


lidas como respostas ao texto Specific Objects, publicado por
Donald Judd em 1965. Para além de seus desacordos,
observados e longamente comentados por James Meyer43,
Judd forneceu um ponto de partida para a reflexão de Morris
sobre a tendência a uma arte holística e anti-compositiva:

Não é necessário para um trabalho ter um monte de coisas


para olhar, para comparar, para analisar uma por uma, para
contemplar. A coisa como um todo, sua qualidade como um
todo, é o que é interessante. (...) Nos novos trabalhos a
forma, a imagem, a cor e a superfície são unas, e não
parciais e dispersas. Não há áreas ou partes neutras nem
moderadas, não há conexões ou áreas de transição.44

Como Morris, Judd provinha da pintura quando


começou a fazer os seus objetos específicos, envolvidos no
mesmo tipo de escala e integralidade que interessara a Morris
na confecção dos poliedros. Nas duas primeiras partes de
suas Notes, Morris não indicou com tanta clareza a afinidade
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de suas questões, e de sua experiência do all-over, com a


pintura expressionista abstrata – como veio a fazer depois,
com referência recorrente a Pollock, em vários textos e
trabalhos45 –, mas essa nos parece ser exatamente uma das
características marcantes do texto de Judd. Pela primeira vez,
e muito objetivamente, Judd associou o holismo minimalista
ao all-over:

Nas pinturas de Pollock, Rothko, Still e Newman, e mais


recentemente nas de Reinhardt e Noland, o retângulo é
enfatizado. Os elementos dentro do retângulo são amplos e
simples e correspondem intimamente ao retângulo. (...) As
partes são poucas e tão subordinadas à unidade que não são
partes em um sentido ordinário. Uma pintura é quase uma
entidade, uma coisa, e não a indefinível soma de um grupo
de entidades e referências. A coisa una [o objeto específico]
ultrapassa em potência a pintura anterior. Ela também

Então por que você não o fez menor para que o observador pudesse ver o
topo?
– Eu não estava fazendo um objeto.”
43
MEYER, James. Minimalism: art and polemics in the sixties. New
Haven: Yale University Press, 2001.
44
JUDD, Donald. “Objetos específicos”. In: FERREIRA, Glória;
COTRIM, Cecilia (orgs.). Escritos de Artistas: anos 60/70. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006, pp. 103-4.
45
Um exemplo: em American Quartet, texto publicado em 1981, Morris
afirmou que Pollock seria um dos quatro grandes artistas norte-
americanos, sob cujo paradigma situou “a escala, a presença, o aspecto
indiferenciado all-over ou holístico” do minimalismo. MORRIS, Robert.
“American Quartet”. In: Continuous Project Altered Daily: The Writings
of Robert Morris, op. cit., p. 245.
45

estabelece o retângulo como uma forma definida; ele não é


mais um limite completamente neutro.46

Poucos anos depois, em 1967, a publicação de outro


texto de Judd situou decisivamente a versão minimalista do
“legado de Jackson Pollock”: “Me parece evidente que
Pollock está na origem dos grandes formatos, da unidade de
superfície e da simplicidade que hoje se tornaram correntes
em praticamente todos os trabalhos de qualidade”47. A nova
wholeness produzida na obra do pintor deixou para trás a
composição relacional baseada no equilíbrio, em que “você
faz uma coisa em um canto e a equilibra com alguma coisa
no outro canto”48, como bem resumiu Frank Stella. Em sua
conhecida entrevista com Stella, Judd diz que a composição
traria subjacente uma ordem racionalista, que supõe “mais
ordem no esquema das coisas do que nós admitimos agora”49.
E uma tal ordem, em última instância ainda condizente à
hierarquia interna e à coerência orgânica morfológica,
portanto remanescente da unidade clássica, teria encontrado
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uma espécie de formulação-limite na estética cubista. Frances


Colpitt esclareceu esse argumento tão importante para os
minimalistas:

Enquanto a justaposição relacional subjaz à boa porção da


arte tradicional, é com o cubismo sintético que esse método
de ordenação foi codificado para a arte moderna. Na pintura
cubista, a imagem é construída através da justaposição de
planos paralelos ao plano pictórico. Cada ângulo é
contraposto a uma linha, estabelecendo-se uma tensão
dinâmica no centro da pintura ou da colagem que se estende
para as pontas da tela.50

O equilíbrio assimétrico cubista, agenciador de tensões


entre “centro” e “pontas”, lança o trabalho de arte na esfera
de uma reflexividade “íntima”, “racionalista”; é intrínseca-
mente metafórico e, sobretudo na escultura, recai no tipo de
antropomorfismo orgânico rejeitado por Morris e Judd. O que
ambos afirmam é que a arte moderna norte-americana teria
implicado a absorção e superação da sintaxe cubista de matriz
européia, ou seja, a escala “pública” e o all-over teriam
dissolvido a grade cubista.

46
JUDD, Donald. “Objetos específicos”, op. cit., p. 98.
47
Idem. “Jackson Pollock”. In: Écrits 1963-1990. Paris: Daniel Lelong
Editeur, 1991, p. 331.
48
GLASER, Bruce. “Questions to Stella and Judd”, op. cit., p. 149.
49
Ibidem, p. 156.
50
COLPITT, Frances. Minimal Art - The Critical Perspective. Seattle:
University of Washington, 1993, p. 41.
46

Por isso, lhes parecia inconsistente, ou simplesmente


desinteressante, o recurso à justaposição e à estrutura da
colagem que ambos percebiam em boa parte dos trabalhos de
seus contemporâneos. Na escultura de Mark di Suvero, por
exemplo, “as partes e o espaço são alusivos, descritivos e de
certa forma naturalistas. (...) O material nunca possui seu
próprio movimento. Uma viga se lança com ímpeto, um
pedaço de ferro segue um gesto; juntos, eles formam uma
imagem naturalista e antropomórfica”51. “Coleção de
variações”, “hierarquias de claridade e de força” são outros
dos termos de Judd ao comentar o tipo de escultura contem-
porânea subscrita, nos dizeres de Morris, à “razoabilidade
cubista”.
Não há dúvidas de que essa leitura do all-over foi
especificamente minimalista e, mais até que isso, foi um
aspecto fundamental na configuração histórica daquilo que
viemos a chamar de minimalismo. O que poderíamos
considerar uma “recepção holística” deve sua base, tampouco
há dúvidas, ao conceito de all-over cunhado por Clement
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Greenberg a partir de Pollock, mas toma-o com uma ênfase


diferente. Em seu texto de 1948, A crise da pintura de
cavalete, Greenberg define all-over como estrutura
“descentralizada”, “polifônica”, “composta de elementos
idênticos ou muito semelhantes que se repetem sem uma
variação marcada”, “malha cerrada cujo esquema de unidade
é recapitulado em cada um de seus nós” e que responde à
exaustão de “todas as distinções hierárquicas”, pois
“nenhuma área ou ordem de experiência é intrinsecamente
superior, em qualquer escala final de valores, a qualquer
outra área ou ordem de experiência”52. Suas palavras
reverberam nos textos de Morris e Judd, mas como se sabe,
Greenberg e depois Michael Fried, retomando o argumento
de Greenberg, rejeitaram a redução minimalista de toda a
qualidade estrutural da pintura e da escultura. O
minimalismo, é certo, esvaziava o tipo de poética relacional
que, em termos de escultura, parecia ter encontrado seu ápice
na produção de um David Smith, para Greenberg, e de um
Anthony Caro, para Fried, artistas que trabalharam ao limite a
justaposição abstrata pós-cubista.53

51
JUDD, Donald. “Objetos específicos”, op. cit., p. 100.
52
GREENBERG, Clement. “A crise da pintura de cavalete”. In: Arte e
Cultura, op. cit., pp. 165-67.
53
A discussão sobre as posições desses críticos com relação à escultura
dos anos 60 poderia se estender para além dos interesses deste trabalho,
então optamos por indicar as suas referências básicas. Para as suas
definições positivas de escultura, ver “A nova escultura” de Clement
Greenberg (In: Arte e Cultura, op. cit.) e “Anthony Caro” de Michael
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310350/CA 47

Fig. 11: Robert Morris, Portal, 1961; Frame, 1962; Column, 1961; Slab, 1962

Muito diferentes dessa qualidade estrutural – “próximos


ao nada (...) meramente presentes”54 – são os trabalhos feitos
por Morris em compensado entre 1961 e 1962 (Fig. 11). Em
escala um pouco maior que a do corpo humano, as peças são
relativas a possibilidades de interação, construções através
das quais passar, estar, tombar, desviar. Com elas, Morris
opera um tipo de visualidade muito menos óptica do que
cinestésica, pois minimiza os seus gradientes de luz e textura
e maximiza o apelo ao sentido de movimento corporal do
observador em relação ao espaço e à gravidade; agencia
sensações posturais, vestibulares e inerciais. A camada de
tinta cinza sobre a placa lisa tem propriamente a função de
negar a opticalidade explorada pelo tratamento na superfície
dos metais e pela cor aplicada nas esculturas de David Smith

Fried (In: FRIED, Michael. Art and Objecthood. Chicago; London:


The University of Chicago Press, 1998.). Para as suas avaliações
negativas, ver “Recentness of sculpture” de Greenberg (In: Minimal Art - A
Critical Anthology, op. cit.) e “Art and Objecthood” de Fried (In: Art and
Objecthood, op. cit.). Para uma revisão detalhada dessas posições, ver
Minimalism: art and polemics in the sixties, de James Meyer (op. cit.).
54
Assim Judd descreveu as peças que Morris apresentou na exposição
coletiva Black, White and Grey (1964), registrada na fotografia que
reproduzimos na Figura 11. Ao comentar a exposição, Judd não deixou de
reparar no contraste entre os trabalhos expostos e a escultura neoclássica
em volta da qual foram dispostos. JUDD, Donald. “Nationalwide Reports:
Hartford”. In: Complete Writings 1959-1975. Halifax: Press of the New
Scotia College of Art and Design, 1975, p. 117.
48

e Anthony Caro, elogiada por Greenberg e Fried justamente


por seu efeito anti-gravitacional. Para Morris, a ênfase na
opticalidade tem um viés transcendente, idealista: “É essa
natureza óptica, imaterial, incontinente, não-tátil da cor que é
inconsistente com a natureza física da escultura.”55
Sua anti-cor colabora para a evidência do volume
específico, da situação literal dos trabalhos, e a resposta
cinestésica do observador passa por sentir que seu corpo
partilha dessa mesma especificidade e literalidade espacial.
As peças concentram e expõem habilidades elementares do
corpo em agenciar posições e forças, propiciam experiências
do espaço pelo que se pode ou não fazer nele. Assim, a
escultura estática Column ainda implica o sentido cinestésico
do evento Column, no qual, além do all-over, podemos ver o
isolamento e a demonstração56 de uma particularidade do
dripping: a adesão anti-idealista ao espaço-tempo real da
ação e sua relação indissociável com a gravidade.
O ano de criação de Column, 1961, é o mesmo em que
Simone Forti apresentou a maior parte de suas dance
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constructions, que a seu modo também colaboraram para a


configuração do que seria a recepção minimalista do all-over
e do dripping. Um trabalho emblemático, nesse sentido, é
Huddle (Fig. 12). A palavra huddle significa agrupamento ou
amontoado de pessoas e é isso, bem literalmente, de que se
trata a dança, uma estrutura humana. Seis ou sete pessoas se
abraçam com firmeza, cabeças unidas, corpos inclinados,
joelhos flexionados. Uma delas se separa do grupo – que de
imediato se ajusta para compensar a saída – e sobe sem
pressa, buscando apoio nos joelhos, ombros, braços e costas
das demais, até passar pelo topo, descer da mesma maneira e
voltar a inserir-se no grupo. Logo a seguir, ou ao mesmo
tempo, outra pessoa começa a subir. Não há qualquer
combinação prévia a respeito de quem sairá e em qual ordem,
o grupo deve apenas sentir os movimentos que surgem e
afetam sua coesão, e então ceder, fechar, segurar. Todos são
responsáveis por manter a continuidade e a integridade dessa
dinâmica de acordos tácitos, táteis. Como em Slant Board, a
dança é um jogo cooperativo, baseado em tarefas e regras

55
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 1”, op. cit., p. 4.
56
Há no minimalismo de Morris, tanto nas esculturas quanto nas ações
cênicas, uma espécie de didatismo que, como veremos adiante, relaciona-
se à sua ênfase no processo de recepção pelo espectador. Isso confere aos
seus trabalhos e textos dos anos 60 um caráter expositivo que é evidente
em Two Columns e Three L-beams e diretamente enunciado como um
princípio coreográfico em suas Notes on Dance: “Meus esforços estavam
ligados ao didático e ao demonstrativo”. MORRIS, Robert. “Notes on
Dance”, op. cit., p. 169.
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Fig. 12: Simone Forti, Huddle, 1961

previamente estabelecidas, dura por volta de dez minutos e


supõe a audiência caminhando à sua volta, observando-a de
todos os lados.
Huddle se constrói como “unitary form” porque o todo
prevalece sobre a distinção dos elementos e sobretudo
porque, como bem disse Greenberg a respeito do all-over,
surge como uma “malha cerrada cujo esquema de unidade é
recapitulado em cada um de seus nós”. Cada corpo, com sua
postura e articulação basicamente iguais às de todos os
outros, perfaz por sua conta o esquema espacial e o “physical
feeling” do conjunto; como mostra a Figura 12, inclusive os
que saem para escalar continuam, em seu percurso, repetindo
os gestos e contatos daqueles que o sustentam57. Tratam-se de
movimentos em fluxo contínuo, sem uma variação marcada,
em que, ainda lembrando Greenberg, “nenhuma área ou
ordem de experiência é intrinsecamente superior, em
qualquer escala final de valores, a qualquer outra área ou
ordem de experiência”. Ou nas palavras de Judd, trata-se de
57
Esse holismo continuou a marcar a obra posterior de Forti. Com relação
aos solos que ela desenvolveu nos anos 70, por exemplo, o crítico de
dança Robert J. Pierce escreveu: “mesmo quando ela dança rápido, você
continua atento ao seu corpo como uma unidade. Ela não divide sua
atenção. Você não se distrai por acentos de energia ou por uma perna
fazendo algo que o torne menos consciente do corpo ao qual se conecta.”
PIERCE, Robert J. “Denying the fountain of youth”. In: The Soho Weekly
News, May 3, 1979, p. 28.
50

uma “wholeness” sem “hierarquias de claridade e de força”.


Ou, ainda, nas próprias palavras de Forti:

Eu prefiro ver uma coisa do que muitas coisas em


composição. Se há composição, eu prefiro ver alguma coisa
acontecendo, uma mudança radical ocorrendo no curso do
trabalho, do que ver muitas modificações variadas. Se há
muitas modificações variadas, eu prefiro que elas sejam
casuais como as modificações no mar e na atenção durante
uma caminhada.58

Mas o que significa essa estratégia holística de Forti na


linguagem da dança? O que ela fez, dito de modo direto, foi
eliminar a qualidade estrutural da frase coreográfica e, no
mesmo golpe, o próprio conceito de composição
coreográfica59.
Uma frase, em seu sentido tradicional na dança, é uma
seqüência de movimentos com princípio, meio e fim. De
referência ainda clássica, tal unidade é identificável com sua
coerência orgânica – há uma ênfase na dependência
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anatômica entre os movimentos da seqüência – e/ou com a


dinâmica de um clímax – quando se enfatiza uma
dependência energética entre os movimentos, com diferenças
de acento e abatimento de intensidade ao longo da seqüência.
De todo modo, uma frase une e ordena movimentos
específicos, diferentes entre si, e a composição de uma
coreografia é feita da variação e combinação de frases.
Mesmo quando o vocabulário, a narrativa do clímax e a
lógica orgânica dos movimentos foram questionados na
dança moderna, e até drasticamente alterados na produção
que antecedeu à da geração de Forti e Morris, conservou-se a
qualidade sintática da frase coreográfica. Halprin e
Cunningham são exemplos importantes, provavelmente os
mais próximos aos interesses da nova geração. Apesar de
todo o seu experimentalismo no processo compositivo, como
o uso da improvisação e das operações de acaso para
desmontar a hierarquia e causalidade remanescentes na frase

58
Trecho de seu diário de 1961, reproduzido em FORTI, Simone.
Handbook in Motion, op. cit., pp. 53-4.
59
Os conceitos de frase e fraseado são trabalhados por Yvonne Rainer em
seu famoso texto sobre o Trio A. Ela foi a primeira a mostrar a
importância de se pensar a frase na dança norte-americana dos anos 60 e
sua relação com o minimalismo. Mas apesar de partir da dança de Forti,
Rainer o faz diferentemente desta. Voltaremos ao sentido da frase
coreográfica em Rainer e sua relação com a obra de Morris no momento
oportuno. RAINER, Yvonne. “A quasi survey of some ‘minimalist’
tendencies in the quantitatively minimal dance activity midst the plethora,
or an analysis of Trio A”. In: BATTCOCK, Gregory (org.). Minimal Art - A
Critical Anthology. Berkeley: University of California Press, 1995.
51

moderna, Halprin e Cunningham mantinham em sua


produção do final dos anos 50 as próprias noções de frase
como articulação de diferentes qualidades de movimento, e
de coreografia como articulação de diferentes qualidades de
frase. Ao contrapor seu reducionismo a esse tipo de dança
“baseada em imagens fugazes, fraturadas e justapostas, sense
e nonsense, sentido associativo, fragmentos de lógica
isolada”60, Forti estabeleceu, quase em uníssono com
dançarinos como Yvonne Rainer, Steve Paxton e Trisha
Brown, um marco distintivo na dança teatral ocidental, que
veio a caracterizar o que os historiadores chamaram de
“dança pós-moderna”61.
Huddle e todas as dance constructions não têm nada
identificável com uma frase coreográfica. A função dos
objetos, tarefas e jogos de regras implementados por Forti era
justamente negar a estrutura sintática da dança – esta deixa de
afirmar a necessidade de determinadas ações para afirmar as
possibilidades em uma mesma ação. Em Huddle, a
dependência anatômica e energética entre os movimentos não
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desdobra um começo-meio-fim, não pontua qualquer clímax


e, sobretudo, não é a execução de uma seqüência de
movimentos definidos, diferentes entre si – em suma, não é
composta. O paralelo com o empreendimento anti-
compositivo de Jackson Pollock é viável. Por um lado, sua
redução do vocabulário gestual da pintura se deu com um
procedimento também visto em Forti, a repetição ou duração
de uma única proposta motora e a modulação de sua energia

60
FORTI, Simone. “Body, mind, world”. In: Oh, tongue, op. cit, p. 116.
61
O rótulo “dança pós-moderna” foi criado pela historiadora da dança
Sally Banes em seu livro Terpsichore in Sneakers: Post-modern Dance e
atribuído à geração de Forti, Rainer, Paxton e Brown (BANES, Sally.
Terpsichore in Sneakers: Post-modern Dance. Middletown: Wesleyan
University Press, 1987). Banes o definiu em contraste com a dança
moderna, mas toda a sua discussão e aplicação dos conceitos de
modernismo e pós-modernismo é confusa e questionável. Os dois
conceitos, como sabemos, poderiam dar margem a um imenso debate que
fugiria ao escopo e ao interesse deste trabalho, debate que, além disso, já
ganhou uma versão a partir das críticas de Susan Manning ao livro de
Banes, que se estendeu em um diálogo por três números da revista The
Drama Review (MANNING, Susan. “Modernist dogma and post-modern
rhetoric: a response to Sally Banes’ Terpsichore in Sneakers”. In: TDR
32/4, winter 1988; BANES, Sally, MANNING, Susan. “Terpsichore in
combat boots”. In: TDR 33/1, spring 1989; BANES, Sally. “Terpsichore
Combat Continued”. In: TDR 33/4, winter 1989). Anos depois, Banes
ainda pareceu preocupada em defender seu rótulo, retomando
indiretamente a argumentação com Manning (BANES, Sally; CARROLL,
Noël. “Cunningham, Balanchine and postmodern dance”. In: Dance
Chronicle 29, 2006). Neste último artigo, a diferenciação que ela e Carroll
estabelecem entre Cunningham e a geração de Forti corrobora nossa
discussão, apesar de fazê-lo sob um ponto de vista diferente do
desenvolvido aqui.
52

contínua. Por outro lado, ao admitir diferentes pesos, energias


e ritmos corporais, que não têm que aderir a movimentos
previstos, Forti também se aproximou do procedimento do
dripping, que fez da massa e da gravidade fatores deter-
minantes em seu resultado, não dados contra os quais criar
qualquer ilusão de leveza ou mobilidade ideal. Ambos os
artistas colocaram as condições atuais da ação em jogo – e,
nesse aspecto, Forti foi tão pioneira na dança quanto o foi
Pollock na pintura.
Na contramão do foco e da leveza tão caros à dança –
típicos, por exemplo, do balé –, Huddle não privilegia um
ponto de observação, não se oferece à visualização frontal,
porém enfatiza o peso e a tactilidade atuantes em seu devir: a
imaginação escultórica de Forti despontou no mesmo
momento em que Morris começou a fazer esculturas. O
próprio uso do espaço de apresentação das danças revela esse
tipo de imaginação que alimentou as suas trocas e parcerias
no começo da década de 60. No citado evento de 1961, no
loft novaiorquino, Forti decidiu espalhar suas dance
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constructions pelo amplo espaço como na disposição de


esculturas em uma galeria, fazendo com que a audiência
circulasse para acompanhar as ações. E neste evento, como já
havia ocorrido em 1960 – quando por primeira vez ela
apresentou seu trabalho em Nova York, na Reuben Gallery –,
o envolvimento de Morris com a produção da esposa assumiu
duas importantes vertentes: ele construiu as estruturas usadas
nas danças e, além disso, atuou em algumas como dançarino.
A sua primeira performance pública ocorreu, de fato, na
Reuben Gallery em 1960, quando ele e Yvonne Rainer
atuaram para Forti em See-Saw (Fig. 18), outra dance
construction. No ano seguinte, ele atuou novamente para
Forti, com um dançarino de quem não se tem um registro
preciso, em From Instructions.62
Pode-se conceber uma relação entre From Instructions
e o evento Column de Morris, criados no mesmo ano. A
dança consiste no desempenho de tarefas ou instruções, como
diz o título, dadas separadamente e em segredo a dois
homens. A um se diz que deve ficar deitado no chão e, ao
outro, que deve prender o primeiro contra uma parede.
Resulta daí um tremendo conflito físico, de desdobramentos
imprevistos, que coloca os dois dançarinos em situação de
62
Os trabalhos apresentados por Forti em suas duas primeiras apresen-
tações em Nova York são:
- em 1960, na Reuben Gallery, See-Saw e Rollers;
- em 1961, no loft de Yoko Ono, See-Saw, Slant Board, Huddle, From
Instructions, Platforms, Hangers, Accompaniment for La Monte’s 2
sounds, Censor e Herding.
53

extrema concentração de forças e atenção. Sabemos que


coube a Morris a tarefa de permanecer deitado – justamente
aquela em que o investimento energético é menos localizado
nos membros, deve envolver a integridade do corpo e
beneficiar-se da gravidade. Isso fez de sua ação a modulação
de uma tensa passagem entre a horizontal e a vertical, que
vemos invertida em Column.
Tão relevante quanto sua atuação para Forti foi
certamente a experiência de confeccionar as suas estruturas
em madeira e cordas, praticamente protótipos do que seriam
algumas das primeiras esculturas de Morris. Ele construiu a
gangorra empregada em See-Saw, caixotes com rodas para
Rollers, o plano inclinado com cordas para Slant Board,
balanços em corda amarrada para Hangers e as caixas
horizontais em madeira de Platforms. Com sua geometria e
materiais simples, vemos essas peças reverberarem na obra
de Morris, como a Slant Board nas Figuras 13, 14 e 15, e
Platforms nas Figuras 16 e 17.
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Fig. 13: Robert Morris, Wall-Floor Slab, 1964

Fig. 14: Robert Morris, Rope Fig. 15: Robert Morris, Knots, 1963
Piece, 1964
54

Platforms é um caso à parte porque, Morris o admite,


“Box for standing [Fig. 16] é a modificação de um objeto que
fiz para Simone Forti usar em uma dança”63. Mas a
modificação consistiu apenas em passar uma das caixas de
Platforms da posição horizontal, empregada por Forti, para a
vertical em que vemos a escultura. Tudo indica que a
passagem entre as duas posições, feita e refeita inúmeras
vezes por Morris, está na raiz de sua obra. De certo modo, o
artista responde, agencia por seus meios, a possibilidade de
um tal giro de eixo, fundamental, na arte norte-americana –
cujas referências abrangeriam a pintura de Pollock, a fonte de
Marcel Duchamp, as instalações de Carl Andre (que
“tombou” a coluna de Brancusi), o engatinhar e arrastar-se de
Forti e o “caminhar” por paredes de Trisha Brown, para citar
alguns trabalhos bem próximos a Morris64.
Por seu próprio título, Box for standing remete a todo o
empreendimento das dance constructions de Forti: é uma
construção em escala corporal com a qual se estabelecem
certas relações posturais e motoras. Define-se, muito
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claramente, a partir de uma tarefa: ficar em pé dentro da


caixa, uma ação contínua, de possibilidades sintáticas
previamente neutralizadas, limitadas inclusive pela quase
exatidão entre as medidas do corpo e da caixa. Além disso, o
modo com que o artista se deixou fotografar reforça o seu
vínculo com a dança, pois ele está cumprindo a tarefa e
posicionando seu corpo tal como previsto por Forti. As
instruções para Platform indicam que duas caixas sem fundo,
de tamanho suficiente para cobrir cada uma o corpo de uma
pessoa deitada, sejam dispostas no chão, um pouco distantes
entre si. Dois dançarinos entram, preferencialmente um
homem e uma mulher, o primeiro ajuda o segundo a deitar
sob uma das caixas, depois se dirige à sua e se posiciona da
mesma maneira. Já dentro das caixas, os dois começam o que
ela chamou de um “duo para assobio” – as caixas funcionam
como caixas de ressonância, por isso o som é claro e eles
podem ouvir um ao outro, é importante que ouçam um ao
outro. Os assobios devem vir de uma expiração suave, em

63
Citado em KARMEL, Pepe. “Robert Morris: formal disclosures”. In:
Art in America 83/6, June 1995, p. 93.
64
Motivo suficiente para que se relativize a afirmação de Anna Chave de
que as colunas de Morris seriam mera apropriação de Platforms de Forti.
Mas Chave merece reconhecimento por ter sido a primeira historiadora da
arte a dedicar mais do que uma breve menção à importância de Forti para
o trabalho de Morris e para o minimalismo em geral. Trata-se, porém, de
um artigo sobre vários artistas associados ao minimalismo, que privilegia
um enfoque biográfico, e o espaço dedicado ao diálogo dos dois não
chega a quatro páginas. CHAVE, Anna. “Minimalism and Biography”.
In: The Art Bulletin 28/1, March 2000.
55

estado de relaxamento, e a inspiração deve ser silenciosa,


ambas tão longas quanto em uma respiração normal. O
trabalho dura 15 minutos – o homem deve ter um relógio para
saber quando sair da caixa e então ajudar a mulher a sair da
sua. Uma dessas caixas é a que vemos na Figura 16. Esta, por
sua vez, também precede e reverbera em Portal, Frame e,
através de seu uso na dança, em Slab – reunidos na Figura 11.
Os assobios em Platforms conferem sentido vital às
caixas, mas de uma vitalidade que não tem nada de
metafórica. É a vitalidade produzida na atualidade do próprio
uso das estruturas envolvidas nessa dança – caixas e corpos,
através dos quais se faz sensível à audiência o movimento em
fluxo da respiração. O assobio funciona como uma marcação
sonora desse fluxo vital e ininterrupto, sem o confortável
controle do qual é simplesmente inviável dançar. E se dançar
é respirar, então a respiração pode ser uma dança, “a
repetição ou duração de uma única proposta motora e a
modulação de sua energia contínua”, como dissemos há
pouco sobre Huddle. Com a fotografia em que se colocou
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dentro de sua escultura, Morris retomou essa vitalidade não-


metafórica, mas pragmática, operacional, pois estar de pé,
agenciar um lugar, também é estar vivo.

Fig. 16: Robert Morris, Box for standing, 1961


56

Outro trabalho decisivo para que se perceba o diálogo


entre a dança de Forti e a obra de Morris, sobretudo em seu
momento inicial, é Box with the sound of its own making
(Fig. 17), feita no mesmo ano de Platforms e Box for
standing. Decisivo, em parte, porque foi o primeiro objeto de
pequenas dimensões criado por ele, praticamente junto com o
primeiro poliedro de escala humana, dois caminhos que
seriam concomitantes em sua produção no começo dos anos
60. Box with the sound of its own making é uma caixa
Fig. 17: Robert Morris, Box with
pequena, em madeira, com um toca-fitas em seu interior que the sound of its own making,
reproduz as três horas e meia da gravação dos ruídos 1961
produzidos durante todo o processo de construção da caixa.
Os sons emitidos, portanto, vêm da interação entre um corpo
em movimento e certos materiais, o que confere ao trabalho o
sentido de um tempo operacionalizado em um fazer, um
tempo vivido como “fazer”. O uso do som no trabalho lembra
o modo com que Forti empregou esse elemento em Platforms
e em outros trabalhos: não como um fundo musical
adicionado à dança, tampouco como um motivo a ser
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ilustrado pela dança e sim como uma ação que constitui a


dança ou, mais simplesmente, como a própria dança – a
respiração é sempre um sound of its own making no dançar.
O trabalho de Morris propõe coincidência análoga entre
uma ação, de evidência sonora, e um objeto. Isso também fez
dele um trabalho decisivo para o artista, pois abriu novas
possibilidades de equação do impasse que o levara a parar de
pintar, a discrepância entre “processo” e “resultado” no
trabalho de arte. Voltando às suas palavras, encontramos: “eu
não conseguia lidar com isso, diferente de Pollock.... ele era o
único que conseguia colocar essas duas coisas juntas. Um dos
primeiros objetos que fiz foi Box with the sound of its own
making, que resolve esse problema”65. Um objeto que funde a
experiência de um processo de produção à própria
experiência de seu resultado material.
Agora voltemos a Site, esse lugar/dança que teatralizou
as passagens feitas pelo artista em seus primeiros anos de
trabalho. A caixa branca à esquerda do palco, de onde se
reproduzem os sons de tarefas pesadas de construção, é
evidentemente uma versão maior da pequena Box com
marteladas e ruídos de serra. Em Site, ela soa enquanto
Morris faz o circuito entre a pintura e a dance construction,
tomando da primeira um prop para dar início à segunda. Ele
transforma em ação o jogo pictórico entre a superfície literal

65
Citado em KRENS, Thomas. “The Triumph of Entropy”. In: KRAUSS,
Rosalind; KRENS, Thomas (orgs.). Robert Morris. The Mind/Body
Problem. New York: Solomon R. Guggenheim Museum, 1994, p. XIX.
57

e a superfície pintada, marcante no desenvolvimento da


pintura moderna ao menos, como sugere, desde a obra de
Manet. Há um dado irônico nesse didatismo: o ilusionismo da
figuração e dos planos articulados na pintura são convertidos
à concretude e ao peso de corpos e placas de compensado. O
espaço-tempo composto e sintético vai, literalmente, “para o
segundo plano” – de principal interesse passa a ser o espaço
operacional marcado pelo manuseio da placa, inseparável do
tempo operacional marcado pela caixa de som.
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3
Jogos de Arte

Column, Site e Waterman Switch partilham com a


dança de Simone Forti uma adesão aos “pedestrian
movements” ou “ordinary movements”, como costuma-se
chamar, desde os anos 60, o tipo de movimento que a geração
de Forti introduziu na dança1. Pedestres, ordinários: que se
distanciaram do vocabulário reconhecível da dança, com seu
caráter excepcional, e tomaram ações do dia-a-dia, das ruas,
ou de formas comuns da sociabilidade urbana, como as
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situações de trabalho, brincadeiras e jogos. Ficar de pé,


caminhar, mover objetos, correr, equilibrar-se, pendurar-se,
deitar-se e, acima de tudo, fazer tais coisas sem afetação de
esforço, postura ou gesto.
Como afirmou Morris a respeito de seu envolvimento
com a dança, para “evitar as extensões e torsões, qualidades
anti-gravitacionais que não apenas dão ao corpo a definição e
o papel de ‘dançarino’, mas qualificam e delimitam os
movimentos que lhe são disponíveis”2, as alternativas criadas
por Forti foram produzir movimentos simplesmente pelo
cumprimento de tarefas ou regras e pelo uso de objetos ou
construções. As danças de Morris seguem essas alternativas.
1
Está fora do escopo deste trabalho demonstrar que Forti foi quem
introduziu os movimentos ordinários na dança, de modo direto e não
metafórico. Pouco se escreveu sobre ela e, a esse respeito, as indicações
mais claras são as feitas por Morris, com as quais trabalhamos aqui. Um
estudo da ordinariedade na dança de Forti teria que mostrar o quanto ela
se diferencia dos antecedentes mais importantes para a sua geração,
Halprin e Cunningham: ambos se aproximaram dos movimentos
cotidianos e os absorveram em diferentes instâncias, mas sempre com
algum grau de estilização ou resignificação. E teria ainda que mostrar o
quanto ela impulsionou a produção do Judson Dance Theater, grupo a
quem se atribui, em geral, a introdução dos movimentos pedestres ou
ordinários na dança. Como se sabe, Forti não participou diretamente do
Judson DT, mas sim do curso de composição com Robert Dunn em 1960,
que deu origem ao grupo em 1962. As apresentações de Forti em 1960 e
196l precederam e foram um ponto de partida para artistas como Yvonne
Rainer e Trisha Brown, que estiveram muito próximas a Forti nesse
período. Trio A, de Rainer, um trabalho emblemático dos movimentos
ordinários em dança, é de 1965.
2
MORRIS, Robert. “Notes on Dance”, op. cit., p. 168.
59

Assim, tampouco se constituem pela definição de frases de


movimento para serem executadas no palco, reproduzidas em
seu código estilístico ou em sua coerência formal, e sim pela
atribuição de certos materiais, atividades e instruções aos
dançarinos, a partir dos quais geram-se interações, respostas
cinestésicas. Em Column, a tarefa de mudar a orientação
espacial de uma construção, em uma ação perceptível
somente na própria coluna, define o movimento da queda
através de um fio invisível. Em Site, um homem se dedica à
atividade de experimentar as possibilidades de interação com
uma placa que, por suas dimensões e peso, propicia e
delimita essas possibilidades. Waterman Switch se desenvol-
ve pelo cumprimento de percursos através de determinados
materiais, que às vezes também atendem a regras: um homem
e uma mulher percorrem dois trilhos sem descolarem-se um
do outro, ida e volta; uma mulher faz um fio cruzar o palco
várias vezes; um homem corre em círculos preso a uma
bandeira e tendo que saltar um mesmo obstáculo a cada volta;
um homem e uma mulher se deslocam girando as pedras que
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têm sob seus pés, sem poder tocar seus corpos no chão. Em
nenhum dos casos, há qualidades de movimento prescritas, os
dançarinos operacionalizam sistemas de ações e exploram os
limites dados aos seus movimentos.
No agenciamento corporal dessas atividades e materi-
ais, estabelecem-se escalas dinâmicas e circunstanciais entre
ação e objeto, ação e tarefa, ação e regra. Podemos dizer que
os movimentos na dança de Morris consistem nessas escalas,
como já o fizemos a respeito da dança de Forti – acontecem
numa espécie de empenho adaptativo, comparativo, em
contato com parâmetros, restrições e possibilidades. As ações
em Column e Site consistem na contraposição do peso e da
extensão de corpos ao peso e à extensão de objetos, o que
produz uma equivalência “ativa” entre os dois termos – os
deslocamentos, atritos, passagens, sustentações e giros do
dançarino de Site estabelecem esse tipo de paridade
provisória, em processo, com a placa que ele move. De
maneira similar, em Waterman Switch a dança é a escala
entre corpos e o comprimento de trilhos, a largura do palco, o
perímetro circular dado por uma haste, uma situação descrita
em áudio e uma imagem que se projeta.
Ordinariedade, jogos, regras: por aí se desenham
possíveis afinidades entre o trabalho que Forti realizou nos
anos 60 e os célebres “jogos de linguagem” do filósofo
Ludwig Wittgenstein. Mas quando, em 2003, Morris chamou
atenção para a importância de uma Forti “wittgensteiniana”
para a dança, sua afirmação tinha um alcance provavelmente
60

maior do que esse3. Digamos que uma Forti


“wittgensteiniana” foi tão influente na obra de Morris quanto
o foi um Wittgenstein “minimalista”, produzido em suas
leituras de Investigações Filosóficas no início dos anos 60.
Entre tantos outros interlocutores e trabalhos de referência,
esses dois são especialmente marcantes na confluência entre
dança e escultura para Morris4. Enquanto a filosofia do
segundo Wittgenstein descreve a linguagem como uma
atividade prática, corporal, uma dinâmica pública com
materiais modestos, usados segundo regras coletivas, Forti
propõe que a dança seja propriamente o engajamento
corporal em jogos de regras e o envolvimento prático com
materiais também modestos. Com Forti, Morris já
participava, desde o final dos anos 50, de uma experiência de
“atrito” no chão ainda liso de idealismo da dança – para
usarmos os termos com que o filósofo apresentou seu conflito
com a exigência que comandara seu Tractatus Logico-
philosophicus:
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Quanto mais precisamente considerarmos a linguagem real,


tanto mais forte se torna o conflito entre ela e a nossa
exigência. (A pureza cristalina da lógica não se deu a mim
como resultado; ela era, sim, uma exigência.) O conflito
torna-se insustentável. A exigência corre o risco de se
converter em algo vazio. – Entramos por um terreno
escorregadio, onde falta o atrito, portanto, onde as
condições, em certo sentido, são ideais, mas nós, justamente
por isso, também não somos capazes de andar. Queremos
andar. Então precisamos do atrito. De volta ao chão áspero!5

Decerto é possível ligar – e supomos que Morris os


tenha experimentado assim – a ação desse “atrito da
ordinariedade” na dança a o que Wittgenstein propunha com
o “atrito da ordinariedade” na filosofia. Desde o início, em
São Francisco, a colaboração entre Morris e Forti passava por
rejeitar o caráter excepcional do tempo, do espaço e dos
movimentos que caberiam à dança segundo a resistente
matriz do balé, ainda, de diferentes maneiras, subjacente à
dança moderna. Vimos que a operacionalidade do fazer, com

3
Idem. “Solecisms of Sight: Specular Speculations”, op. cit., p. 34. No
capítulo anterior, citamos o comentário de Morris sobre a “ordinariedade
wittgensteiniana” introduzida por Forti, referida na nota de rodapé 8.
4
Uma das vezes em que comentou seu interesse pelo filósofo, numa
entrevista feita em 2000 com Anne Bertrand: “Os escritos de Wittgenstein
me transformaram e eu continuo a reler seus textos”. In: MORRIS,
Robert. From Mnemosyne to Clio: the Mirror to the Labyrinth (1998 –
1999 – 2000). Lyon: Musée d’Art Contemporain de Lyon, 2000, p. 194.
5
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Petrópolis:
Vozes, 2005, # 107.
61

sua dose de repetição e contingências materiais dadas por


tarefas, jogos e objetos, e os movimentos pedestres, com sua
banalidade e adesão à gravidade, somavam-se contra o
primado da mobilidade idealizada na composição. Ora, a
composição em dança, como em outras artes, corresponde ao
princípio racionalista de uma lógica a priori que trabalha
através da articulação sintática, criando uma coerência
interna ou uma dinâmica de variações de algum modo
apreensível como unidade necessária, reflexo daquele
princípio de ordem. Porém, na dança esse idealismo é
nitidamente marcado por um dualismo de instâncias em geral
inexistente, por exemplo, na pintura ou na escultura: por um
lado, a composição coreográfica, que se preserva por
registros ou notação própria; por outro lado, a sua perfor-
mance, o corpo dançante. Portanto, a coreografia pretende
manter com o seu acontecimento público um tipo de relação
semelhante àquela que Wittgenstein rejeitou entre uma estru-
tura ideal da linguagem e a sua atividade prática:
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Sua essência, a lógica, apresenta uma ordem, ou seja, a


ordem a priori do mundo, isto é, a ordem das possibilidades
(...). Ela é anterior a toda experiência; tem que perfazer toda
a experiência; a ela mesma não se pode aderir nenhuma
opacidade ou insegurança empírica. – Ela tem que ser, antes
de mais nada, de puro cristal.6

Esse puro cristal conferira “dureza” ao Tractatus


Logico-philosophicus, e parte da tarefa das Investigações
Filosóficas foi romper com a posição, adotada no primeiro,
de que a linguagem teria uma essência, uma lógica
subjacente, apreensível por meio da análise da “relação
figurativa” entre as estruturas da linguagem e as estruturas do
mundo. No Tractatus, “a relação afiguradora em si repousa,
no fundo, num vínculo denotativo entre nomes e objetos;
nomes ‘significam’ objetos”7, ao passo que as Investigações
trazem o argumento de que não haveria uma lógica da
linguagem, mas inúmeras e diferentes práticas de linguagem,
cada qual com suas próprias regras de uso, irredutíveis a
relações denotativas entre palavras e coisas ou proposições e
fatos. A famosa divisa “o significado de uma palavra é seu
uso na linguagem”8 queria eliminar toda aura ou idealismo da
linguagem para entrelaçá-la às contingências do comporta-
mento, dos afazeres diários e das interações práticas, pois

6
Ibidem, # 97.
7
GRAYLING, A. C. Wittgenstein. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p.
90.
8
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 43.
62

“acerca da linguagem só posso aduzir exterioridades”9. O


segundo Wittgenstein se propôs a combater as “ilusões
gramaticais”10 que atribuem “o caráter de profundidade”11 à
linguagem; almejou conduzir “as palavras do seu emprego
metafísico de volta ao seu emprego cotidiano”12, onde o
sentido participa “do fenômeno espacial e do fenômeno
temporal da linguagem; não de um disparate a-espacial e a-
temporal”13. Ao invés de explicar a essência da linguagem,
missão do Tractatus, a filosofia deveria tão somente
examinar o funcionamento da variedade dos “jogos de
linguagem”: os inúmeros e diferentes empregos do que
denominam-se signos, palavras ou frases, e as atividades com
as quais esses empregos vêm entrelaçados. Alguns dos
exemplos de jogos de linguagem ao longo das Investigações
são ordens dadas por um construtor a seu ajudante, pedidos
de compras em um mercado, informações em uma placa de
estrada e lances de xadrez.
Contra a ordem de uma mobilidade cristalina, Forti
conferiu opacidade à dança: eliminou a estrutura ideal
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subjacente aos movimentos e à sintaxe coreográfica.


Wittgenstein rejeitou o primado da lógica sobre a prática da
linguagem; Forti rejeitou o primado da composição sobre o
corpo dançante. E nos dois casos, a saída ao dualismo
idealista se deu com o atrito dos materiais ordinários e dos
jogos de regras. Vejamos como isso se vincula ao trabalho de
Morris.
Essas estratégias estão em See-Saw (Fig. 18), a primeira
dance construction de Forti em que Morris atuou como
dançarino, junto com Yvonne Rainer, em 1960. Morris
construiu a estrutura em madeira usada em cena e esta foi a
sua primeira atuação pública em dança. A participação de
Rainer é digna de nota. O envolvimento com o trabalho
inicial de Forti, “muito à frente de seu tempo”14, também foi
uma experiência formadora para ela, como afirma nos seus
escritos reunidos em Work 1961-1973. Todas as ações de
See-Saw acontecem em função de uma estrutura igual à
gangorra das brincadeiras infantis, partilhada por um homem
e uma mulher – de fato, seesaw é o nome desse brinquedo na
língua inglesa. O trabalho começa com a entrada do homem

9
Ibidem, # 120.
10
Ibidem, # 110.
11
Ibidem, # 111.
12
Ibidem, # 116.
13
Ibidem, # 108.
14
RAINER, Yvonne. Work 1961-73. Halifax: Press of the Nova Scotia
College of Art and Design; New York: New York University Press, 1974,
p. 7.
63

trazendo um cavalete e uma tábua, montados diante da


audiência. Em seguida, entra a mulher e ambos sobem na
gangorra, cada um em uma extremidade; vestem-se da
mesma maneira, casacos vermelhos e shorts. Durante os vinte
minutos da dança, eles balançam, fazem várias combinações
de movimentos, cujas possibilidades são infinitas. A tábua
com os dois corpos se apóia em um único ponto, o que torna
seu equilíbrio extremamente sensível a qualquer gesto ou
mínima mudança de posição dos dançarinos – para que ela se
mantenha estável ou oscile controladamente, é necessária
uma grande coordenação de ações de compensação mútua,
total atenção cinestésica de ambos os lados. Essas ações são
imprevistas e mesmo que a decisão de se fazerem algumas
coisas se dê com antecedência, o desenrolar e a flutuação do
todo não podem ser calculados.
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Fig. 18: Simone Forti, See-Saw, 1960

Enquanto estão na gangorra, os dançarinos podem


improvisar com textos e objetos, sempre atentos aos efeitos
dos movimentos sobre o corpo um do outro. Em 1960, Rainer
fez uma série de flexões e giros mais abruptos e Morris
trouxe um exemplar da revista Art News e leu um trecho em
voz alta. Em uma versão posterior, de 1981, a dançarina tirou
de uma maleta um cacho de uvas e jornais; o casal comeu as
uvas e comentou as notícias15. Essas ações, porém, são
episódicas com relação ao constante investimento corporal
dos dançarinos, e é curioso observar como elas não nos
distraem do tenso equilíbrio em curso, ao contrário, reforçam
a sensação de uma tarefa ousada e complexa sendo levada a
cabo por atitudes e movimentos banais. O que, aliás, talvez
seja uma boa descrição da sensação causada pela leitura das
Investigações Filosóficas. A estranheza provocada pelo banal

15
Esta versão está em vídeo: Jackdaw songs [vídeo]. New York, 1981.
64

na dança de Forti não nos parece tão distante da estranheza de


uma filosofia que afirma: “as palavras ‘linguagem’,
‘experiência’, ‘mundo’, caso tenham um emprego, este tem
que ser tão modesto como o das palavras ‘mesa’, ‘lâmpada’,
‘porta’”16.
A construção em madeira de See-Saw é modesta como
os objetos citados por Wittgenstein. Entre ela e os dançarinos,
tudo depende do atrito: dançar sempre foi, de certa maneira,
uma modulação de possibilidades de aderência e resistência
entre o corpo e o chão, mas a instabilidade da própria
superfície em que se apóiam os corpos de See-Saw torna
especialmente enfática a sua aspereza17. Uma aspereza que,
como imaginou Wittgenstein, também traz o sentido à
superfície do uso, aos circuitos públicos da interação prática
– tudo surge nos contatos e rebatimentos entre corpos e
construção, ou seja, cada movimento provoca e responde a
outros movimentos, seu acontecimento é sempre relativo,
produz sentido na contingência desses contatos. A histo-
riadora e crítica de dança Laurence Louppe notou a função
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fundamental desse tipo de objeto criado por Forti, mas nesse


caso construído e empregado por Morris: ele é “despido de
todo caráter aurático ou de reverberação. Sua banalidade tem
por missão objetivar o movimento que ele propicia (ou
restringe)”18; sua função na dança é afirmar: “o significado é
o uso”.
Como outras dance constructions, See-Saw toma
partido da exterioridade: a dança é a operação de uma
construção externa ao corpo dos dançarinos e isso é
indissociável da inexistência de uma estrutura interna, de
frases coreográficas, em seus movimentos. A decisão de
literalmente exteriorizar o que seria o fator estruturante da
dança, é um modo de dispensar a noção, muito arraigada, de
que a dança seria a expressão da vida interior, de sentimentos
e idéias de seu criador – ou, nos dizeres da filósofa Susanne
Langer, a imagem de um processo interno, que “dá a eventos

16
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 97.
17
A importância do atrito para a geração de Forti e Rainer também é bem
literal quando lembramos que o uso de tênis era freqüente em suas
performances. Forti foi provavelmente a primeira a recomendar
diretamente o uso de tênis nas dance constructions, em 1960 – vide, por
exemplo, as fotografias de See-Saw. Daí, certamente, vem a associação
feita por Sally Banes para o título de seu livro, Terpsichore in Sneakers:
Post-modern Dance. Ao sugerir a imagem da musa da dança, Terpsícore,
usando tênis, Banes imaginou três diferentes momentos históricos: a musa
dançando de sapatilhas no apogeu do balé, de pés descalços no apogeu da
dança moderna, e finalmente de tênis, na era da dança pós-moderna.
18
LOUPPE, Laurence. Poétique de la Danse Contemporaine. Bruxelles:
Contredanse, 1997, p. 297.
65

subjetivos um símbolo objetivo”19. A referência a Langer não


é casual – ela foi extremamente influente no meio intelectual
e artístico norte-americano e seus escritos ganharam bastante
relevância no campo da dança, tão rarefeito de reflexão
teórica. O texto The Dynamic Image: Some Philosophical
Reflections on Dance surgiu em 1957 e sintetiza uma visão
então corrente, não apenas no senso comum, também entre
estudiosos e especialistas em dança. Uma visão tradicional,
de acentuado idealismo, que ajuda a precisar o contexto
contra o qual Forti e Morris fariam as suas primeiras
apresentações, poucos anos a seguir.
Para Langer, os movimentos da dança expressam uma
interioridade:

O que se expressa em uma dança é uma idéia; uma idéia de


como os sentimentos, emoções e todas as outras experiências
subjetivas vão e vêm – seu aparecimento e crescimento, suas
sínteses intrincadas que dão unidade e identidade pessoal à
nossa vida interior. (...) Pois a existência subjetiva tem uma
estrutura; não é apenas algo que se percebe em um momento
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ou em outro, mas algo que pode ser conceitualmente


conhecido, sobre o qual se pode refletir, que pode ser
imaginado e expressado simbolicamente, com detalhes e
grande profundidade.20

Fica mais evidente, logo adiante, que é justamente a


estrutura sintática da dança que deixa transparecer a
existência subjetiva:

Uma obra de arte é uma composição de tensões e soluções,


equilíbrio e desequilíbrio, coerência rítmica, uma precária
porém contínua unidade. (...) Na obra de arte eles são
expressos, mostrados simbolicamente, cada aspecto de
sentimento é desenvolvido assim como se desenvolve uma
idéia, e eles são combinados para uma apresentação clara.
Uma dança não é o sintoma dos sentimentos do dançarino,
mas a expressão do conhecimento de muitos sentimentos por
seu compositor.21

Uma tal visão supõe a precedência de uma ordem ideal


sobre o corpo em ação. A composição coreográfica é a
“apresentação clara” das “sínteses intrincadas” de uma vida
íntima, e a dinâmica sintática é uma metáfora da lógica
tecendo a unidade subjetiva. Esse tipo de metáfora não

19
LANGER, Susanne. “The Dynamic Image: Some Philosophical
Reflections on Dance”. In: STEINBERG, Cobbett (org.). The Dance
Anthology. New York; London: New American Library, 1980, p. 344.
20
Ibidem, p. 343.
21
Ibidem, pp. 343-4.
66

freqüenta uma dança de movimentos desprovidos de trama


estrutural, de coerência expressiva. A dança que Morris
experimentou em 1960 era feita de ações circunstanciais,
nada que Langer pudesse identificar com o que considerava a
essência da dança: as “forças não-físicas, que delineiam e
guiam, retém e moldam a sua vida. As forças físicas, atuais,
que subjazem à dança, desaparecem. Assim que o observador
vê ginástica e arranjos, a obra de arte se rompe, a criação
falha.”22 O que ele dançou justamente questionava, usando as
palavras de Wittgenstein, as “ilusões gramaticais” da dança e
o “disparate a-espacial e a-temporal” de definir-lhe uma
essência.
“Jogos de dança” que nos ajudam a pensar os “jogos de
escultura” de Morris. O período entre 1963 e 1965, durante o
qual criou todos os seus trabalhos de dança, foi também o
período em que uma série de exposições de artistas
estabelecidos em Nova York deu origem ao minimalismo23.
Uma dessas exposições marcantes foi a instalação que Morris
realizou na Green Gallery em 1964, em que distribuiu pelo
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espaço sete peças baseadas em poliedros, confeccionadas em


placas de compensado e pintadas em cinza claro, um pouco
maiores que a escala humana (Fig. 19). Nesses trabalhos,
Morris assume com mais ênfase o interesse nas relações
externas da escultura, com o espaço e os corpos à sua volta.
As dimensões, o reducionismo holístico das peças e a
ausência de hierarquia visual dentro do conjunto chamam
atenção para o campo de suas interações. Demandam o
movimento do espectador ao mesmo tempo em que
congestionam a sua circulação; são estrutural e visualmente
dependentes do espaço arquitetônico, mas tensionam e
contradizem os eixos principais pelos quais se percebe esse
espaço – paredes, quinas, teto e chão.
Essas peças um tanto neutras, pela minimização de
qualidades estéticas, mas suficientemente não-neutras, a
ponto de deflagrarem um engajamento cinestésico com o
espectador, têm muito da “ordinariedade wittgensteiniana”
que Morris viveu na dança. Como Portal, Frame, Column e
Slab, reunidas na Figura 11, essas também são formas banais,
22
Ibidem, p. 345.
23
Referências sobre o desenvolvimento do minimalismo: BAKER,
Kenneth. Minimalism: art of circumstance. New York: Abbeville Press,
1988; BATCHELOR, David. Minimalismo. São Paulo: Cosac & Naify,
1999; BATTCOCK, Gregory (org.). Minimal Art - A Critical Anthology, op.
cit.; COLPITT, Frances. Minimal Art - The Critical Perspective, op. cit.;
MEYER, James. Minimalism: art and polemics in the sixties, op. cit.;
MEYER, James (org.). Minimalism. London: Phaidon, 2000;
STRICKLAND, Edward. Minimalism: origins. Bloomington: Indiana
University Press, 1993.
67

Fig. 19: Robert Morris, Table, 1964; Corner beam, 1964; Cloud, 1962;
Corner piece, 1964; Floor beam, 1964

com a opacidade do cotidiano: podemos vê-las por aí, nos


mais diferentes lugares e funções e, por isso mesmo,
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raramente damos atenção a o que seriam elas próprias. Além


disso, são construções ocas, vazias24 – tudo o que há está
fora, em seus contatos com outras coisas, com o contexto
espacial e institucional, com as convenções que determinam o
uso – logo o significado – desse espaço do qual elas próprias
são feitas. Como as palavras que apenas significam quando
“trabalham”25 no jogo da linguagem, essas peças são lances
que só adquirem sentido na exterioridade de uma situação
específica. Uma tal relocação do sentido da escultura, de sua
dinâmica estrutural interna para a sua dinâmica externa, tão
próxima a uma prática da dança, foi comentada por Morris ao
longo de suas Notes on Sculpture escritas entre 1966 e 1967.
Por seu vocabulário e argumentos, poderíamos dizer
que especialmente Notes on Sculpture, Part 2 é um texto em
sintonia com Wittgenstein. Quase toda a discussão transita
entre as definições do que seriam um “modo íntimo” e um
“modo público” na escultura, afirmando o segundo como o
modo característico da escultura minimalista. Começamos a
ver no capítulo anterior como a diferença entre esses dois
modos passa por questões de escala e de articulação sintática;

24
Os poliedros de Morris “são perceptivelmente feitos de placas de
compensado (tipicamente) com técnicas familiares a qualquer marceneiro
amador. Os objetos são portanto claramente ocos”. COMPTON, Michael;
SYLVESTER, David (orgs.). Robert Morris. London: Tate Gallery, 1971,
p. 25.
25
Para Wittgenstein, os equívocos da filosofia originam-se “quando a
linguagem está em ponto morto, não quando ela trabalha”.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 132.
68

trata-se agora de compreender melhor o alcance dessa


diferenciação. Para Morris, a qualidade íntima ou pública da
escultura depende da comparação entre as suas dimensões e
as dimensões corporais. Quanto menor essa escala, mais
íntimo o seu modo de existência, porque ela implicará em um
menor envolvimento do espaço entre a escultura e o corpo:

esse espaço não existe para os objetos íntimos. Um objeto


maior inclui mais do espaço à sua volta do que um objeto
menor. É necessário literalmente manter uma distância dos
objetos maiores para que uma visão do todo seja possível.
Quanto menor o objeto, mais perto se chega dele, portanto
lhe corresponde menos do campo espacial em que ele pode
existir para o observador.26

O maior envolvimento do espaço além de seus limites


materiais caracteriza o modo público ou “não-pessoal” da
escultura porque “cria uma situação estendida, a participação
física se torna necessária” – sua experiência inclui “o espaço
literal em que ela existe e as demandas cinestésicas sobre o
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corpo”27. Mas outro fator de consideração imprescindível,


nesse caso, é a divisão estrutural interna, que “reduz a
qualidade pública, externa do objeto e tende a eliminar o
observador na medida em que esses detalhes puxam-no para
relações íntimas com o trabalho e excluem-no do espaço em
que o objeto existe”28. Seguindo o argumento, teremos que o
holismo minimalista

retira as relações do trabalho e faz com que elas sejam


funções do espaço, da luz e do campo visual do observador.
O objeto não é mais que um dos termos de uma nova
estética. (...) O observador fica mais ciente de que é ele
próprio quem estabelece as relações enquanto apreende o
objeto a partir de várias posições e sob condições variáveis
de luz e contexto espacial.29

Morris caracteriza o “modo público” da arte como


aberto e inclusivo, a expansão dos termos do trabalho pela
ênfase nas condições externas e variáveis sob as quais ele é
percebido. Está claro que o interesse central, aqui, é
dessubstancializar a forma escultórica, o que significa assu-
mir, testar, ampliar e demonstrar as conseqüências históricas
de um deslocamento certamente mais antigo do que o
minimalismo: o que chamaríamos de um deslocamento

26
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 2”, op. cit., p. 13.
27
Ibidem, p. 14.
28
Ibidem, p. 15.
29
Ibidem, p. 15.
69

epistemológico na produção e no pensamento da arte, das


condições de possibilidade da experiência artística, do objeto
para a sua situação e jogo público.
Algumas das versões desse deslocamento são bastante
conhecidas na história da arte. Ao menos duas dão lugar de
destaque ao minimalismo e uma, em especial, ao trabalho de
Morris – as produzidas por Rosalind Krauss e Hal Foster.
Para a primeira, esse deslocamento pôde ser pensado nos
termos da continuidade histórica de um “projeto de
descentralização”30, levado a cabo entre meados do século
XIX e a década de 1970, quando escreveu Passages in
modern sculpture. Krauss relacionou esse projeto a uma
passagem estrutural na escultura – a relocação da origem de
seu significado de um núcleo interno para a sua superfície,
para as relações com os aspectos externos de sua ocorrência
espaço-temporal – e o discutiu com base na fenomenologia e
na filosofia da linguagem, vertentes de pensamento cujo
desenvolvimento coincide com a história da escultura
moderna e que questionam, cada uma a seu modo, a
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substancialidade do sujeito e da linguagem. Trata-se, para


Krauss, de uma passagem da metáfora do espaço privado
para o agenciamento do espaço público, que estaria em
processo desde a escultura de Auguste Rodin e culminaria no
minimalismo, pois este estaria “não mais modelando sua
estrutura na privacidade do espaço psicológico, mas sim na
natureza convencional, pública, do que poderíamos
denominar espaço cultural”31.
Foster, por sua vez, pensou esse deslocamento em
termos de um giro [turn] de modelo crítico e do retorno
[return] de uma prática histórica: o modo pelo qual a arte das
décadas de 1950 e 1960 teriam rompido com certas instâncias
da prática e da teoria artística de seu tempo através da
retomada e ampliação de mecanismos das vanguardas do
início do século XX, como a análise construtivista do objeto e
a crítica institucional do readymade. Seu livro The return of
the real: the avant-garde at the end of the century reage
contra a visão redutora das “neo-vanguardas” por Peter
Bürger, para quem a arte do segundo pós-guerra seria mera
repetição de má fé das vanguardas históricas. Para Foster,
uma parte significativa das neo-vanguardas, em especial o
minimalismo, fez bem mais do que isso, pois desenvolveu e
efetivou a mudança posta em curso com as vanguardas
históricas: a mudança de um “critério disciplinar de

30
KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo:
Martins Fontes, 1998, p. 333.
31
Ibidem, p. 323.
70

qualidade” na arte para o seu “valor de interesse” no teste de


limites institucionais, ou a mudança das “formas intrínsecas
da arte” para os “problemas discursivos ao redor da arte”32.
Foster sugere, enfim, que aquilo que considera o crux
histórico do minimalismo – a intensificação da análise crítica
das convenções institucionais da arte – poderia relacionar-se
teoricamente à “mudança pós-estruturalista das causas
transcendentais para os efeitos imanentes”33.
Com suas proximidades e diferenças, Krauss e Foster
lidam com o mesmo deslocamento para um “modo público”
descrito por Morris, e suas versões participam, de diversas
maneiras, do propósito de pensá-lo aqui a partir de conexões
com a dança. Krauss, em especial, dá muita importância à
obra de Morris em seus textos sobre escultura e é sabido que
o longo diálogo com o artista foi fundamental em sua
formulação do “campo ampliado” da escultura34. Ainda que
uma leitura fenomenológica tenha marcado a própria direção
dada a Passages in modern sculpture (e tenha se tornado uma
espécie de default para as análises subseqüentes dos
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poliedros, inclusive um ponto de partida para Foster), o


capítulo dedicado ao minimalismo é assumidamente
wittgensteiniano35 – e, novamente, podemos supor que o
“Wittgenstein minimalista” de Morris tenha sido uma
influência importante na escrita dessas páginas. Alguns
parágrafos depois de afirmar que a arte norte-americana dos
anos 60 estaria engajada em um modelo de significação
contrário à “legitimidade de um eu privado”, a autora diz que
“ao concentrar-se no momento em que o trabalho se
apresenta em um espaço público, Morris invalida o modo em
que a superfície, na escultura tradicional, é entendida como o

32
FOSTER, Hal. “Introduction”. In: The return of the real: the avant-
garde at the end of the century. Cambridge: MIT Press, 1996, p. xi.
Citamos aqui a introdução, mas a avaliação do papel das neo-vanguardas
é feita mais detalhadamente no texto “Who’s afraid of the neo-avant-
garde?”, incluído neste livro.
33
Idem. “The crux of minimalism”. In: The return of the real: the avant-
garde at the end of the century, op. cit., p. 68.
34
KRAUSS, Rosalind. “A Escultura em Campo Ampliado”. In: Gávea 1,
1984.
35
Krauss recorre tanto a Merleau-Ponty quanto a Wittgenstein em suas
análises da dessubstancialização minimalista do espaço interno, aqui e em
outros escritos. Nos parece, no entanto, que o segundo é mais produtivo
diante dos poliedros de Morris. Não há dúvidas quanto à importância de
Merleau-Ponty, de quem Morris foi leitor entre os anos 50 e 60: a
desconstrução da gestalt, realizada com os poliedros, mostra seu interesse
na fenomenologia da percepção. Mas nos parece que uma poética da
reversibilidade da “carne” está distante das caixas de Morris e que é mais
viável pensá-las em uma poética da ordinariedade.
71

reflexo de um arcabouço ou de uma estrutura interna


preexistente”36.
O desinvestimento do “privado” ou “íntimo” como
fonte de significado para o “público” corresponde à negação
de um eu que já seria reflexivo antes de seu contato com o
mundo e com todas as convenções que regem a vida coletiva.
Esse é o cerne da filosofia do segundo Wittgenstein: a
argumentação contra uma suposta “linguagem privada” que,
de dentro de um espaço psicológico ou mental, governaria a
produção de proposições, ao passo que permitiria a
compreensão de proposições alheias, como o meio “natural”
das relações entre o eu e o mundo. O alvo declarado de suas
Investigações Filosóficas é a concepção tão antiga quanto
pervasiva – atribuída primeiro a Santo Agostinho, mas a
seguir identificada com a raiz dos “equívocos da filosofia” e,
em especial, da filosofia do Tractatus Logico-philosophicus –
de que a essência da linguagem humana seria definir palavras
com as quais expressar significados, de modo que aprender
uma língua fosse aprender a fazer as correspondências
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corretas entre a instância verbal e a mental. Mas isso


significaria que “a criança já fosse capaz de pensar mas não
ainda de falar. E ‘pensar’ significaria aqui algo como: falar
para si mesmo”37. Segundo essa concepção, idéias, estados ou
processos mentais, imediatamente acessíveis ao falante,
seriam os significados expressos na linguagem pública, sem
serem eles mesmos públicos.
O problema, extensamente discutido por Wittgenstein,
seria a inexistência de critérios para se identificarem essas
entidades mentais sem que isso já não pressupusesse algum
domínio de uma linguagem pública, pois “pergunta significa-
tivamente por uma denominação somente quem já sabe o que
fazer com ela”38. E se esse âmbito privado só pode ser
determinado com os mesmos critérios e convenções lin-
güísticas do âmbito público, então uma suposta linguagem
privada não pode fundar as significações públicas. Para o
filósofo, é o próprio funcionamento público da linguagem
que permite suporem-se idéias, estados ou processos mentais
privados, já que as próprias convenções e dinâmicas dos
jogos de linguagem abrigam essas “ilusões gramaticais”. Ele
não nega as “sensações” e “vivências”, um eu que pensa,
experimenta e produz, o que nega é que estes sejam critérios
íntimos de significado ou verdade, posto que já são

36
KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna, op. cit., pp.
318-321.
37
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 32.
38
Ibidem, # 31.
72

inteiramente lingüísticos. Inúmeros exemplos são dados pelo


filósofo (também um formidável frasista): “A proposição ‘As
sensações são privadas’ é comparável a: ‘Paciência se joga
sozinho’”39; “Como reconheço que a cor é vermelha? – Uma
resposta seria: ‘Eu aprendi português’”40; “Você aprendeu o
conceito ‘dor’ com a linguagem”41.
Aprende-se uma língua, portanto, treinando-se o seu
uso: “Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma
ordem, jogar uma partida de xadrez, são hábitos (usos,
instituições). Compreender uma frase significa compreender
uma língua. Compreender uma língua significa dominar uma
técnica”42. A técnica em questão – o uso socialmente
instituído de uma língua – é o que Wittgenstein chama de
“gramática”: não um conjunto estável de regras abstratas,
mas um conjunto dinâmico, instável, de regras situadas nas
atividades que se entrelaçam aos diferentes jogos de
linguagem. Nesse sentido, a “gramática” ocupa e subverte o
lugar que a “lógica” ocupara no Tractatus, pois nas
Investigações lemos que “A gramática diz que espécie de
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objeto uma coisa é”43. Só se pode dizer o que uma coisa é de


acordo com o uso que a inscreve em uma situação pública
específica. Cabe então perguntar, que espécie de objeto é uma
escultura?
A resposta, obviamente, não poderia ser essencialista.
A ênfase no “modo público”, característica do minimalismo
de Morris, a resumiria aos seguintes termos wittgensteini-
anos: “o significado de uma escultura é seu uso no espaço
institucional”. E esse “uso” foi pensado por Morris, ainda
segundo Wittgenstein, mas também com Forti, como
atividade prática, corporal: a interação perceptiva, isto é,
visual, motora e cinestésica, dos espectadores com a
escultura, indissociável da interação perceptiva com o
contexto em que se inscreve a escultura. Apesar do filósofo
não ter se detido especificamente na dimensão corporal do
uso, fica claro ao longo de seus exemplos – falar, fazer
gestos, mover objetos, ver, ouvir – que os jogos de linguagem
são eminentemente físicos, interações entre corpos e entre
corpos e objetos. Ao aproximar experiência perceptiva e uso,
Morris assumia na arte o que talvez fosse o principal
corolário da filosofia do segundo Wittgenstein, a
dessubstancialização do significado. E como, nos jogos da

39
Ibidem, # 248.
40
Ibidem, # 381.
41
Ibidem, # 384.
42
Ibidem, # 199.
43
Ibidem, # 373.
73

escultura moderna, “forma” pode ser tomado como o termo


correspondente a “significado”, podemos dizer que o
empreendimento de Morris estava desde o início envolvido
em uma dessubstancialização da forma escultórica. Sua
divisa, então, melhor seria: “a forma de uma escultura é seu
uso no espaço institucional”.
As esculturas iniciais de Morris são, de fato, muito
parecidas aos parágrafos iniciais de Investigações Filosóficas.
Logo nas primeiras páginas, Wittgenstein dá como exemplo
de jogo de linguagem a comunicação entre um construtor A e
um ajudante B, que juntos realizam uma tarefa:

A constrói um edifício usando pedras de construção. Há


blocos, colunas, lajes e vigas. B tem que lhe passar as pedras
na seqüência em que A delas precisa. Para tal objetivo, eles
se utilizam de uma linguagem constituída das palavras:
‘bloco’, ‘coluna’, ‘laje’ e ‘viga’. A grita as palavras; – B traz
a pedra que aprendeu a trazer ou ouvir esse grito.44

A partir desse exemplo, no parágrafo 2, Wittgenstein


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começa a longa explanação em que procura “dissipar a


névoa” envolta na concepção agostiniana da linguagem. Pois
essa concepção se assenta naquele que seria o modelo mais
primitivo da relação entre palavra e significado, segundo o
qual o significado de uma palavra seria o objeto que ela
denomina e compreender palavras seria algo como identificar
esses objetos, tal como quando se ensina uma palavra em
língua estrangeira mostrando-se o que ela define. Esse
modelo primitivo é o da definição ostensiva. De acordo com
ele, ao ouvir o grito do construtor A, o ajudante B faria a
correta correspondência mental entre a palavra ouvida e seu
significado, podendo em seguida trazer o objeto denominado.
Mas, para Wittgenstein, escapa a esse modelo o funcio-
namento real da linguagem. Imaginemos, por exemplo, como
seria a definição ostensiva de “laje”: nos dizem “laje” e nos
mostram uma laje. Mas como saber se a palavra ouvida
define a forma tridimensional desse objeto, sua cor, seu
material, sua posição, alguma de suas característica, como ser
pesada ou opaca, ou o numeral um? O que quer que se tenha
aprendido em uma explicação ostensiva – a relação entre uma
palavra e um objeto – terá dependido de práticas lingüísticas
anteriores e precisará ser testado em atividades e contextos
específicos, submetido à repetição e ao uso, para que então se
dominem as suas possíveis funções nos jogos de linguagem.
“Isto quer dizer que a definição ostensiva pode, em cada

44
Ibidem, # 2.
74

caso, ser interpretada de um modo ou de outro”45: eis um


argumento fundamental para o filósofo, pois marca o
deslocamento do significado das palavras, de sua definição
léxica para o seu uso gramatical.
Portanto, a compreensão do grito “Laje!” como a
ordem “Traga-me uma laje” depende de uma prática situada,
não de um processo mental – não poderia funcionar entre A e
B se algumas relações entre palavras, objetos e ações não
tivessem sido treinadas por ambos, se o grito não ocorresse
em um canteiro de obras, em meio a uma atividade de
construção, se os dois homens não tivessem tarefas e cargos
específicos, enfim, se não partilhassem o que Wittgenstein
chama de uma “forma de vida”46. Além disso, sendo uma
atividade corporal, o jogo de linguagem entre A e B depende
de outras variáveis externas:

Qual é a diferença entre o comunicado, ou a afirmação,


“Cinco lajes” e a ordem “Cinco lajes!”? – Bem, é o papel
que o proferir dessas palavras representa no jogo de
linguagem. Mas diferente será também o tom em que elas
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são proferidas e a expressão facial, e certas coisas mais.47

Ao propor como exemplo inicial e base de sua


discussão um jogo com objetos tão simples, Wittgenstein
queria esclarecer a dinâmica da linguagem, pois “Dissipa-se a
névoa quando estudamos os fenômenos da linguagem em
espécies primitivas de seu emprego, nos quais se pode ter
uma visão de conjunto da finalidade e do funcionamento das
palavras”48. Podemos dizer seguramente que uma estratégia
semelhante estava em curso nos primeiros trabalhos
minimalistas de Morris, dentre os quais uma coluna, uma laje
(Column e Slab, na Figura 11) e algumas vigas (Beams, nas
Figuras 10 e 19). O holismo dos poliedros também procurava
dar evidência à dinâmica do “significado” na escultura, com
um argumento muito parecido ao do filósofo – quanto mais
simples as peças, mais se evidenciam as condições e os
fatores externos determinantes em seu jogo. Em um texto de

45
Ibidem, # 28.
46
Consoante com seus argumentos, Wittgenstein não conceitua os termos
que parecem ser os mais importantes em Investigações Filosóficas, como
“forma de vida”, “uso”, “jogo” e “regra”, apenas dá exemplos que nunca
extrapolam o vocabulário ordinário. Sobre “forma de vida”, lemos:
“representar uma linguagem equivale a representar uma forma de vida”
(Ibidem, # 19) e “a expressão ‘jogo de linguagem’ deve salientar aqui que
falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida”
(Ibidem, # 23).
47
Ibidem, # 21.
48
Ibidem, # 5.
75

1997, o próprio artista tomou os poliedros como uma espécie


de jogo primitivo:

‘Traga-me uma laje’ (IF, # 19). ‘Traga-me uma peça de


canto’. Ou, por que não apenas ‘Laje’ [Slab] ‘Peça de canto’
[Corner piece]? (...) Mas a questão vem a ser, se isso não é
um meio de se aprender uma linguagem, existe algum meio
de se aprender um jogo de escultura? Isso deve equivaler a
uma espécie de jogo primitivo de escultura.49

Ainda na década de 1960, porém, ao refletir sobre os


poliedros, Morris já havia assumido a disposição
wittgensteiniana de demonstrar que o funcionamento dos
jogos de escultura escapa a esse modelo de definição
ostensiva: a identificação entre uma “forma léxica” visual
(coluna, laje, viga etc.) e o objeto mostrado, identificação que
pretenderia explicar o fenômeno da escultura. Para Morris, o
jogo primitivo dos poliedros esvazia essa explicação de
“significado formal” – e foi nesse sentido que empregou o
termo gestalt ao discutir as peças minimalistas ao longo das
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três primeiras partes de Notes on Sculpture. Publicados com


intervalos relativamente pequenos – fevereiro de 1966,
outubro de 1966 e junho de 1967 –, os textos estabelecem
entre si um uso bem particular da gestalt, em que é possível
perceber o seu didatismo minimalista. Particular, e didático,
porque Morris começa com um emprego positivo do termo e
vai, aos poucos, passando a utilizá-lo na demonstração de sua
própria insuficiência como modelo da experiência
escultórica50.
Na primeira parte de Notes, comentada no capítulo
anterior, a gestalt é apresentada como correlato da wholeness,
ou unitary form, característica distintiva dos poliedros. O que
os torna indivisíveis é “uma espécie de energia provida pela
gestalt”51. Na segunda parte, em que discute o deslocamento

49
MORRIS, Robert. “Professional Rules”. In: Critical Inquiry 23, Winter
1997, pp. 316-7. Nesse texto, Morris reflete sobre o que seria a
incoerência ou descontinuidade “lingüística” de que sua produção foi
acusada por grande parte da crítica quando houve sua retrospectiva, em
1994, no Guggenheim Museum. Aqui ele assume, nitidamente, o modo de
condução do raciocínio e os argumentos wittgensteinianos. O texto se
desenvolve, à maneira de Investigações, através do diálogo com um
suposto interlocutor que faz perguntas e duvida das afirmações, e traz
inúmeras citações do filósofo.
50
Além de seu emprego da gestalt ser bem próximo ao emprego da
definição ostensiva pelo filósofo, Morris usa nesses textos uma estrutura
didática que começa pela apresentação das questões e passa ao seu
gradual desmonte, à maneira do que ocorre em Investigações Filosóficas.
Este livro, todo escrito em tom estrategicamente didático, também é uma
referência para o didatismo inicial de Morris.
51
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 1”, op. cit., p. 7.
76

da escultura para um “modo público”, Morris situa mais


claramente o funcionamento da gestalt nos poliedros:

Mesmo a sua propriedade mais evidentemente inalterável, a


forma [shape], não permanece constante. Porque o especta-
dor a modifica constantemente com suas mudanças de
posição em relação ao trabalho. Por estranho que pareça, é a
força da forma constante e conhecida, a gestalt, que torna a
percepção dessa modificação nos trabalhos muito mais
enfática do que o era nas esculturas que os precederam. Um
bronze figurativo barroco é diferente de todos os lados.
Também o é um cubo de seis pés [a medida six-foot]. A
forma constante do cubo que se tem em mente, mas que
jamais se experimenta literalmente, é uma realidade contra a
qual se colocam as perspectivas literalmente cambiantes. Há
dois termos distintos: a constante conhecida e as variáveis
experimentadas. Essa divisão não ocorre na experiência do
bronze.52

Na terceira parte de Notes, ele retoma os dois termos


em jogo, gestalt e variáveis: “Aspectos são experimentados; o
todo é assumido ou construído.”53 Em seguida explica: “Nós
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não temos apreensão da totalidade de um objeto além do que


vai sendo construído por vistas incidentais, sob várias
condições”, um processo que depende da “pressuposição da
constância e da consistência”, mas ao mesmo tempo a
cancela.54
Não há dúvidas de que Morris toma a gestalt – “a
forma constante e conhecida” – por uma forma convencional,
válida em jogos de linguagem visual, no contexto de práticas
e regras instituídas, tal como o são a coluna, a laje, a viga ou
o cubo55. A gestalt de um objeto, nesse caso, é justamente
aquele seu “aspecto”, dentre os inúmeros possíveis, mais
sedimentado em convenção. “Aspecto” é outro termo que
Morris tomou emprestado de Wittgenstein: “Contemplo uma
fisionomia, e de repente noto sua semelhança com uma outra
fisionomia. Eu vejo que ela não mudou: e vejo-a de fato de

52
Idem. “Notes on Sculpture, Part 2”, op. cit., pp. 16-7.
53
Idem. “Notes on Sculpture, Part 3”. In: Continuous Project Altered
Daily, op. cit., p. 23.
54
Ibidem.
55
Essa observação nos parece importante porque Morris dá como
exemplo de gestalt um “cubo que se tem em mente”, o que pode sugerir
que a gestalt esteja sendo tomada por uma forma geométrica ideal. Mas se
nos baseamos em Wittgenstein, a “forma ideal cubo” é uma convenção
lingüística, que participa da experiência de um cubo material assim como
o conceito de “vermelho” é uma convenção que participa da fala “Isto é
vermelho” mas não encerra a experiência da cor. Uma mostra de que
Morris rejeita a concepção idealista dos sólidos geométricos é o fato de
empregar um vocabulário da construção civil: portal, moldura, viga, laje
etc.
77

modo diferente. A esta experiência dou o nome de ‘perceber


um aspecto’”56. Para o filósofo, a dinâmica do ver, da mesma
maneira que a dinâmica do “vivenciar o significado de uma
palavra”57, sempre envolve a possibilidade do “raiar de
aspectos”, que dissolve a consistência do “ver contínuo de
um aspecto”58. Nenhuma palavra, coisa ou signo se resume
ao “ver contínuo” de um aspecto sedimentado – sua definição
léxica ou ostensiva –, mas o “raiar” de qualquer outro aspecto
necessariamente negocia com esse aspecto sedimentado,
porque também acontece na arena pública de uma
“gramática”. O filósofo mostra essa negociação, que chama
de “ver como”, no desenho linear de um triângulo:

O triângulo pode ser visto: como buraco triangular, como


corpo, como desenho geométrico; estando sobre sua linha
fundamental, pendurado em sua ponta; como montanha,
como cunha, como seta ou mostrador; como um corpo
tombado que (p. ex.) deveria estar sobre o cateto mais curto,
como um paralelogramo pela metade, e diversas coisas
mais.59
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Em seus três textos sobre escultura, Morris toma a


gestalt como o “ver contínuo” com o qual se negocia o “raiar
de aspectos” da experiência fenomenológica. A afirmação de
que “uma viga apoiada sobre sua extremidade não é a mesma
coisa que a mesma viga apoiada sobre sua lateral”60 (Fig. 9)
depende do domínio do “ver contínuo” tanto quanto da
possibilidade do “ver como”. A forma da escultura é a
negociação do “ver como”, que se dá em função da interação
cinestésica, visual e motora do observador, em condições
espaciais e luminosas específicas, logo em função de
convenções, práticas, vocabulários e espaços instituídos. O
que o holismo, a escala, a ordinariedade e o vazio dos
poliedros enfatizam é a arena pública da negociação – e
também, por isso mesmo, o caráter inclusivo e processual, ou
seja, aberto, dessa negociação.
Os poliedros são props oferecidos aos observadores,
construções a partir das quais produzirem-se movimentos,
ação – são props para a dança do “ver como”. Do mesmo
modo que no jogo de linguagem entre o construtor A e o
ajudante B, “Laje!” funciona como ordem de trabalho, no

56
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., p. 254.
Como a parte II de Investigações Filosóficas não é subdividida em
parágrafos, adotamos nesse caso a indicação do número de página.
57
Ibidem, p. 278.
58
Ibidem, p. 255.
59
Ibidem, p. 262.
60
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 2”, op. cit., p. 20.
78

jogo proposto por Morris, Slab é um chamado ao trabalho


público, dependente, para tanto, de um contexto e de uma
forma de vida chamada “arte”. É assim que W. J. T. Mitchell
vê os poliedros de Morris:

Não nos postamos em fixa admiração ao ‘trabalho’ de


Morris (tanto o objeto, quanto o seu significado como índice
de destreza, esforço ou tempo empenhado), mas nos
descobrimos como parceiros, potenciais colaboradores em
relação ao objeto. O trabalho (o objeto e o seu fazer) é
disseminado, feito exterior e público, até mesmo ‘difundido’
[broadcast], como, por exemplo, Box with the sound of its
own making.61

Os poliedros também são um modo de coincidência


entre processo e resultado porque envolvem decisões
mínimas de criação pelo artista e é em seu jogo público que
acontecem, e se entrelaçam, as duas instâncias. Mas, continua
Mitchell, a etiqueta “Slab” colada à parede não é uma ordem
imperativa ao observador, seu mood gramatical é antes
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interrogativo. Talvez ela deflagre uma série de perguntas


wittgensteinianas:

‘Como você vê esse objeto? O que você vê nele? O que o


nome tem a ver com o que você vê?’ Em cada caso, a
‘tradução’ da etiqueta não é o fim do processo, não é a
solução de uma charada ou de uma alegoria. É apenas o
lance inicial em um jogo de linguagem que não tem um
resultado determinado.62

Fundamental no minimalismo de Morris não seria,


portanto, reduzir ao máximo de simplicidade, mas sim
mostrar a complexidade do simples. É a simplicidade de uma
laje, por exemplo, que permite o “ver como nuvem” quando
ela está suspensa entre o teto e o chão da galeria. Cloud (Fig.
20) é basicamente outro posicionamento de Slab, enquanto
Corner piece (Fig. 21) se define exatamente como um
posicionamento, a relação com um canto entre chão e
paredes. Os dois trabalhos atuam pelo atrito do simples, isto
é, menos por aquilo que pontuam e mais pelos contrapontos e
espaços negativos à sua volta; menos pela gestalt do
paralelepípedo ou da pirâmide e mais pelas disjunções
perceptivas provocadas com sua instalação física. Isso é o
que Donald Judd chamou de “assimetria inusual”, quando

61
MITCHELL, W. J. T. “Wall labels: word, image and object in the work
of Robert Morris”. In: KRAUSS, Rosalind; KRENS, Thomas (orgs.).
Robert Morris. The Mind/Body Problem, op. cit., p. 69.
62
Ibidem.
79

escreveu sobre a exposição na Green Gallery (Fig. 19), em


1964:

As peças de Morris são visualmente mínimas, mas são espa-


cialmente poderosas. É uma assimetria inusual. Cloud ocupa
o espaço acima e abaixo dela, uma enorme coluna. O
triângulo [a peça Corner piece] preenche um canto da sala,
bloqueando-o. O ângulo [a peça Table] inclui o espaço
dentro dele, próximo à parede. A ocupação do espaço, o
acesso ou a restrição a ele, é muito específica.63
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Fig. 20: Robert Morris, Cloud, 1962 Fig. 21: Robert Morris, Corner piece, 1964

Esse tipo de assimetria entre “relações internas” e


“relações externas” também foi explorado por Morris na série
de trabalhos de pequenas dimensões realizada no mesmo
período do minimalismo. Apesar de bem diferente das caixas
de compensado, um trabalho como Location (Fig. 22)
acontece no espaço de exposição de modo semelhante, como
um posicionamento, uma localização. Feito em placa de
aglomerado recoberta de chumbo, com aplicações de letras,
setas e quatro pequenos marcadores ajustáveis em metal, o
trabalho funciona medindo o espaço externo – os marcadores
devem ser alterados a cada nova situação expositiva, segundo
as distâncias entre os seus limites e as paredes laterais, o teto
e o chão da sala. O quadrado cinza escuro é uma forma
extremamente simples, dedicada apenas a apontar para fora,
como um índice de exterioridade e contingência, uma espécie
de “forma vazia”. O uso da palavra location não pode deixar
de ser notado aqui. Com ela, outro golpe contra o modelo da
definição ostensiva: a palavra aponta para o que ela define,
mas o que ela define “pode, em cada caso, ser interpretado de
um modo ou de outro”64, como diria Wittgenstein. A palavra

63
JUDD, Donald. “In the Galleries”. In: Complete Writings 1959-1975,
op. cit., p. 165.
64
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 28.
80

é, antes, a possibilidade de uma gramática espacial, um jogo


de relações com os seus limites.
Na época em que fez Location, Morris estava envolvido
na produção de retratos que se aproximam dessas questões ao
tratarem do próprio cancelamento das “relações internas”
como origem ou padrão para o estabelecimento de quaisquer
“relações externas”. I-box (Fig. 23), Portrait (Fig. 24) e Self-
portrait(EEG) (Fig. 25) cancelam aquele que seria o movi-
mento fundador do dualismo na pintura, na escultura e na
dança: o de uma vida ou linguagem privada, que se expressa
no trabalho de arte.
I-box reúne vários jogos conhecidos de Morris: o jogo
das caixas, das colunas, das escalas, dos portais/molduras,
das atividades corporais e das definições ostensivas – todos
eles propostos como variáveis do jogo do “eu”, o “I” na
língua inglesa. A pequena porta, em cor próxima à da pele e
encaixada em uma superfície de chumbo, quando aberta
revela uma fotografia do artista nu, dimensionada para
ajustar-se exatamente à altura e à largura da porta. O que
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seria uma típica explicação ostensiva – vemos uma palavra,


que em seguida nos mostra aquilo que ela define – é
convertida em uma franca ironia com a própria possibilidade
de se definir o “eu”, sobretudo o “eu-artista”, entendido como
substrato subjetivo da obra, conteúdo comunicável ao
público. “Eu” é, antes, uma caixa a ser preenchida de sentido
vital, uma construção que propicia ações, um prop verbal. O
trabalho é a realização de uma espécie de tarefa, o agencia-
mento físico da forma I, que dá lugar a um trocadilho: com

Fig. 22: Robert Morris, Location, 1963 Fig. 23: Robert Morris, I-box, 1962
81

uma ereção parcial, o corpo de Morris “faz a letra I”65. O


“eu” corresponde a uma atividade, um uso corporal – é uma
“gramática” de gestos, movimentos e funções vitais.
É essa mesma “vida privada” que se desvela em
Portrait: o funcionamento do corpo, processualidade espaço-
temporal que só pode ser captada em índices, como no
registro fotográfico de um gesto ou na coleta de seus resíduos Fig. 24: Robert Morris,
Portrait, 1963
e produtos. O retrato em questão é uma caixa cinza com-
partimentada, com oito pequenas garrafas da mesma cor,
portanto opacas, cujos conteúdos são sugeridos por palavras
escritas sob os compartimentos – sangue, suor, esperma,
saliva, fleuma, lágrimas, urina e fezes. Aqui, a “expressão da
interioridade” só pode ter um sentido fisiológico e podemos,
inclusive, tomá-la como uma dança íntima, feita de fluxos,
expansão, contração, repetição e transformação – versão
literal, e provocadora, das “forças invisíveis” que, segundo
Susanne Langer, moldariam o corpo dançante.
Índices e processos internos também são os interesses
de Self-Portrait (EEG), um eletroencefalograma com 1.80
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metros de extensão. Enquanto tinha a sua atividade cerebral


registrada pelo aparelho médico, Morris procurou refletir
sobre si mesmo, no tempo necessário para a produção de um
gráfico com essa extensão específica, que é exatamente a sua
altura. As marcas feitas pelo aparelho dizem respeito aos
pensamentos do artista, com uma objetividade e uma
transparência científicas que são, no entanto, incompreensí- Fig. 25: Robert Morris, Self-
veis ao público de arte. É um anti-jogo de linguagem – uma Portrait (EEG), 1963

gramática e uma forma de vida dissonantes – e isso é


precisamente o que o situa como jogo de arte, possibilidade
de desvio ou suspensão da função denotativa da linguagem. É
um desenho feito pela mente (uma escrita automática ao pé
da letra) que nada mostra sobre a natureza ou o conteúdo do
que a ocupa, apenas mede a sua atividade em ondas elétricas.
Com este trabalho, Morris afirmava algo fundamental em
suas experiências em arte: não é possível denotar, mas apenas
medir o “eu”. Todos os jogos de escala vistos até aqui, inclu-
sive os 1.80 metros do gráfico, trazem algo dessa afirmação.
Compreendê-la implica voltar à dança.
A importância da operação de medir na obra de Morris
está relacionada aos jogos de regras e tarefas que Simone
Forti introduziu na dança da década de 1960. Esses jogos
também negavam uma função denotativa às ações desen-

65
Em uma entrevista de 1994, Morris comenta o trocadilho: “uma mulher
teria que fazer uma letra diferente do ‘I’ com o seu corpo”. MITCHELL,
W. J. T. “Golden Memories – interview with sculptor Robert Morris”. In:
Artforum, April 1994, s/p.
82

volvidas pelos dançarinos, o que, ao contrário, corresponderia


a uma concepção idealista de dança, vigente, por exemplo,
nos escritos de Langer. Dispensando a noção arraigada da
dança como representação composicional de uma vida
interior – Langer, afinal, mostrou a própria correlação entre
interioridade e composição –, Forti propôs regras e tarefas,
além das construções, como possibilidades de estruturação do
movimento.
Em Handbook in Motion, ela escreveu sobre a sua
concepção de dança: “Toda a questão da medição parece
estar no centro daquilo que estou tentando entender”66. Para
Forti, dançar é entrar em “estado de dança” [dance state], que
vem a ser “um estado de estabelecimento de medidas”67, isto
é, de negociação do corpo com um sistema de ações
previamente definido. A dança é o agenciamento corporal de
certos materiais, de certas práticas e forças, e para isso
depende de um estado de atenção, sintonia e troca, em que o
corpo age e reage, modulando as estruturas e atividades em
que se vê envolvido. Esse estado de equilíbrio dinâmico “não
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parece admitir posições absolutas ou prestar-se à


concordância com notações”68. Ou seja, não pode aderir a
padrões coreográficos e sim tensionar e compensá-los, com
eles estabelecer um jogo de aproximação e distanciamento,
pois a dança é justamente o estado em que o corpo toma e
desfaz essas “unidades orgânicas e arbitrárias [que] tendem a
reforçar territorialidades de espaço exclusivo”69. Desprovida
de coreografia, essa dança é, porém, provida de estrutura. As
regras, tarefas ou instruções são, como vimos a respeito das
construções, fatores estruturantes exteriores ao movimento:
não articulam lógicas internas de frases ou seqüências
motoras, no entanto são operados, confrontados, testados e
interpretados pela inteligência cinestésica dos dançarinos.
A relação entre esses sistemas de ações e o corpo
ganha, no vocabulário de Forti, alguns termos que ajudam a
esclarecer os seus nexos. Os sistemas funcionam como
“definições”, “estruturas conceituais” ou “controles” para a
ação corporal, e o que o corpo faz é produzir “vibrações”,
“compensações ativas” ou “medições” desses sistemas. Como
exemplos, ela menciona dois de seus trabalhos iniciais, Slant
Board (Fig. 6) e Huddle (Fig. 12), que fazem vibrar certas
estruturas e definições, mas também cita outros tipos de
“jogos de dança”, através dos quais se esboça uma “filosofia

66
FORTI, Simone. Handbook in Motion, op. cit., p. 118.
67
Ibidem, p. 119.
68
Ibidem.
69
Ibidem.
83

do movimento”. No Raga, uma antiga forma musical indiana,


Forti percebe esse jogo entre o canto e o som constante feito
por um instrumento de cordas, que “fornece uma grade em
relação à qual a voz se move. A voz e sua harmônica devem
se manter em fase com o som. Isso se consegue pela
compensação de todas as forças que atuam contra esse estado
de equilíbrio dinâmico”70. E em seus estudos dos movimentos
de animais em zoológicos, nota vários desses jogos. É o caso
dos deslocamentos de uma ursa no espaço extremamente
limitado de um cercado, observados por dias. Um trajeto feito
repetidamente, com caminhos percorridos na mesma
seqüência, paradas e viradas entre as mesmas pedras, com
alternâncias entre alguns movimentos de cabeça e posicio-
namentos do corpo: “Impressionou-me que ela tivesse sido
capaz de regularizar uma matriz a partir da qual podia
improvisar variações”71. Também aí o estabelecimento de um
estado de dança, sintonia e negociação corporal com um
sistema restritivo de ações, numa estrutura exígua.
Nessa “filosofia do movimento”, um padrão inego-
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ciável seria uma ameaça às condições de experiência dos


agentes de qualquer sistema ou estrutura, porém a definição
de padrões é constitutiva da própria arena de toda
negociação. Ao observar materiais de ensino básico da
matemática, Forti nota como a padronização é a inscrição
mesma de “fundamentos” para a experiência:

Quando estava na faculdade, fiz um curso de preparação de


professores chamado ‘Nova Matemática’. A ênfase era no
fato de que perceber propriedades de quantidade é uma
coisa. Fazer anotações dessas percepções é outra coisa. E
manipular a notação é ainda uma outra coisa. Mas mesmo os
materiais que as crianças manipulavam para obter as suas
primeiras percepções de aspectos de variação quantitativa
pareciam ser modelados a partir da régua-padrão de um pé
de comprimento.72

70
Ibidem, p. 118. A relação entre voz e instrumento no Raga é uma
referência importante para trabalhos que Forti desenvolveu nos anos
1970, especialmente os duos com o músico Peter Van Riper, nos quais
movimento e som interagiam em cena, num tipo de diálogo “parcialmente
improvisacional, baseado em materiais pré-estabelecidos” (Ibidem, p.
143). Note-se que, para Forti, “materiais” para dança podem ser desde
construções, objetos e movimentos, até sons, imagens e textos de vários
tipos, como notícias de jornal, verbetes de dicionário, as suas breves
descrições de “estados de dança” observados em diversas situações ou as
tarefas e instruções escritas para dançarinos.
71
Ibidem, p. 143. Forti criou um conjunto de solos chamado Zoo Mantras
a partir de seus estudos do movimento de animais, “o que me parecia um
tipo de comportamento de dança” (Ibidem, p. 146).
72
Ibidem, p. 118. Lembramos que “pé” é uma unidade de medida (foot),
usual nos EUA.
84

Padrões são instrumentos eminentemente públicos, cuja


função restritiva é inseparável da possível variabilidade de
seus usos. Para Forti, cada cultura cria os seus padrões para
viabilizar a vida coletiva, em que funcionam como “barreiras
que existem e devem existir”, “complexo de definições,
medidas e controles” que “se reflete e se apóia nas conven-
ções de movimento dessa cultura”73. Ela parece afirmar: a
dança põe essas convenções em estado de abertura poética.
Temos visto o que corresponderia a um princípio de
padronização do movimento na dança teatral: o vínculo
denotativo entre composição coreográfica e corpo dançante,
coerção de um “ver contínuo” das ações em jogo. A
coreografia é uma típica prescrição ostensiva de movimentos
corporais, porque pretende definir e mostrar o que se fazer
com o corpo. Mas a produção de Forti trata da própria
inviabilidade dessa espécie de “modelo primitivo” da relação
entre coreografia e performance – ela assume, amplia e
usufrui a discrepância entre a “presença elusiva” da dança e
“os limites que a codificação e a inscrição, como aprisiona-
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mentos temporais, tentam [lhe] impor”74. A maior evidência


de uma tal discrepância se dá no descolamento e na distância
entre movimento corporal e notação coreográfica, ou entre a
fenomenização da dança e a escrita da dança.
Talvez não seja tão estranho o fato de podermos
creditar esse modelo primitivo na dança a um homem
religioso, o padre Thoinot Arbeau, assim como Wittgenstein
o fez na linguagem verbal a outro religioso, Santo Agostinho.
Com seu Orchésographie, tratado de dança de 1588, Arbeau
se propôs a “escrever o movimento” através da descrição
detalhada de passos nas danças renascentistas. Não sendo
ainda propriamente um sistema de notação, o tratado já
inaugurava contudo o discurso da necessidade de se preservar
a dança de sua característica transitoriedade, de se impedir o
seu desaparecimento – um discurso que se manteria constitu-
tivo da dança apesar de suas transformações ao longo dos
séculos, como mostra André Lepecki. Arbeau, e depois
Raoul-Auger Feuillet, que publicou em 1699 o primeiro
método de notação sistematizado e amplamente assimilado,
tomavam a dança por uma arte perfeitamente “traduzível de
códigos para passos, e de passos de volta para códigos, uma
pacífica simetria entre inscrição e dança”75. Mas esse tipo de

73
Ibidem, p. 120.
74
LEPECKI, André. “Inscribing Dance”. In: Of the presence of the body:
essays on dance and performance theory. Middletown: Wesleyan
University Press, 2004, p. 127.
75
Ibidem.
85

confiança cederia lugar, especialmente a partir de 1760, com


a publicação de Lettres sur la Danse et les Ballets, de Jean-
Georges Noverre, à percepção da dança como uma “arte em
excesso (...) traço fugidio de um sempre irrecuperável, jamais
plenamente traduzível movimento: nem na notação, nem na
escrita”76.
Noverre, um dos fundadores da concepção moderna de
coreografia e da teoria da dança teatral, foi também o pri-
meiro a considerar a impossibilidade de apreensão, represen-
tação e permanência da dança. Em um trecho famoso de sua
primeira carta, argumentos ligados às duas questões se unem:

Um balé é um quadro, ou melhor, uma série de quadros


conectados um ao outro pelo enredo que fornece o tema do
balé; o palco é, como era, a tela na qual o compositor
expressa suas idéias; a escolha da música, o cenário e os
figurinos são as suas cores; o compositor é o pintor. Se a
natureza favoreceu-o com esse entusiasmo apaixonado que é
a alma de todas as artes imitativas, não lhe será assegurada a
imortalidade? Por que os nomes dos mestres do balé são
desconhecidos por nós? É porque obras desse tipo duram
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apenas um momento e são esquecidas tão prontamente


quanto as impressões que elas produziram.77

Críticas feitas por Noverre ao método de notação de


Feuillet identificariam, a seguir, esse problema ontológico da
dança: sua efemeridade e insubmissão a códigos. Desde
então, continua Lepecki, “essa presença fugaz, como aquilo
que não ficará, tem informado a produção da visibilidade da
dança”78, alimentando o desenvolvimento de todo um
“aparato epistêmico-tecnológico” de inscrição que inclui,
entre seus desdobramentos posteriores, diferentes sistema de
notação (como o Labanotation, o Benesh e o Eshkol-
Wachmann, criados no século XX79) e recursos de captura e
processamento eletrônico do movimento. Todo esse aparato
apenas insiste em gerar novas versões da discrepância entre
dança e inscrição, incapazes de sustentar a ilusão da simetria
denotativa – uma insistência que, para Lepecki, é a de um
lamento de luto.

76
Ibidem.
77
NOVERRE, Jean-Georges. “Letters on Dancing and Ballets”. In:
STEINBERG, Cobbett (org.). The Dance Anthology, op. cit., p. 9.
78
LEPECKI, André. “Inscribing Dance”, op. cit., p. 129.
79
O site da enciclopédia Britannica traz, incluído em seu verbete ‘dance
notation’, uma comparação visual entre cinco sistemas de notação de
dança – os de Feuillet, Laban, Benesh, Stepanov e Eshkol-Wachmann –,
interessante para que se faça uma idéia das diferentes estruturas e
vocabulários desenvolvidos nessas codificações do movimento. In:
http://concise.britannica.com/ebc/art-44735 .
86

Talvez possamos ver em Forti uma saída não


melancólica à constatação dessa discrepância. Pois em seu
caso é, de fato, mais que uma constatação: é a exploração e o
usufruto dessa distância constitutiva da própria relação entre
dança e inscrição. Desde seus primeiros trabalhos, que
incluíam a participação de Morris, ela jamais utilizou
sistemas de notação, mas fez largo emprego da escrita ao
definir materiais para o jogo corporal. Textos de enunciação
de tarefas, instruções ou regras, e descrições do uso de suas
construções, por exemplo o que escreveu para From
Instructions, em que Morris atuou: “A um homem é dito que
deve ficar deitado no chão durante toda a peça. A outro
homem é dito que durante a peça deve prender o primeiro
homem à parede.”80 E também relatos de estados de dança,
vividos ou observados por ela e chamados de dance reports,
como esses dois exemplos: “Uma cebola que tinha começado
a brotar foi colocada sobre a boca de uma garrafa. Enquanto
os dias passavam, ela transferiu mais e mais de sua matéria
do bulbo para a parte verde, até que, tendo deslocado muito
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de seu peso, caiu” e “Eu vi um homem de pijama caminhar


até uma árvore, parar, olhá-la e mudar a sua postura”81. E,
ainda, textos, palavras e signos obtidos de diversas fontes,
explorados em sua vibração semântica, sonora, espacial ou
cinestésica. Mais um exemplo: seu uso particular dos
numerais arábicos, tomados como sistema para uma dinâmica
de medição corporal:

Eu uso os numerais como padrão de chão, mas tento me


mover através das curvas e linhas retas o mais
dinamicamente possível. Assim, meu sentido das figuras é
realmente cinestésico; eu trabalho com a força centrífuga e
com outras forças com um sentido de medida. O alcance do
meu braço fornece meu raio inicial, que em seguida
expando. Normalmente chamo esse estudo de Zero e traço as
figuras de zero a nove.82

Patente nesses exemplos é uma escrita sem poder de


inscrição mas, digamos, com poder de atrito ao movimento.
Como os demais materiais empregados por Forti, esses textos
são “jump-off places”83, pontos de partida, chão para
impulsos inicias, de desenvolvimentos imprevistos. São

80
Citado em MAC LOW, Jackson. “Postscript”. In: FORTI, Simone. Oh,
tongue, op. cit., p. 153.
81
FORTI, Simone. Handbook in Motion, op. cit., p. 9.
82
Ibidem, p. 148. O estudo Zero foi desenvolvido na década de 1970.
83
Idem. The Judson project: Simone Forti [vídeo]. New York, 1981.
Nesse depoimento gravado em vídeo, Forti usa a expressão jump-off place
ao referir-se aos seus dance reports.
87

espacialidades inclusivas experimentadas em escala corporal:


deflagram e restringem, mas não prescrevem a medição
elusiva da dança. O estudo Zero é feito da própria negociação
entre o distanciamento e a coincidência da ação com a escrita,
pois na crescente desestabilização das medidas – do braço ao
circuito centrífugo –, o corpo descola a dança dos números.
Mesmo nas regras ou instruções, contrariamente ao que se
poderia pensar, a palavra não é imperativa e sim funciona
como lance inicial; especialmente nesses casos, fica mais
evidente a operação em curso na dança: a transformação do
lugar antes ocupado pela coreografia. O material dado à
performance é um padrão convertido em regra – deixa de ser
algo que se reproduz, “modelo” da dança, para ser algo que
se usa, “instrumento” com o qual se dança.
A filosofia do segundo Wittgenstein ajuda a pensar essa
operação na dança. Os jogos de linguagem tratam de uma
transformação semelhante: aquele lugar antes ocupado pela
“ordem subjacente” do significado se desfaz em convenções
e práticas. Vínculos denotativos não são mais que a vigência
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circunstancial de certos padrões originalmente arbitrários,


porém socialmente instituídos. Considerando referências-
padrão de medida e cor, o filósofo argumenta que as palavras
“metro” e “sépia” não têm fundamentos anteriores à sua
institucionalização:

De uma coisa não se pode afirmar que tenha 1 m de


comprimento nem que não tenha 1 m de comprimento: do
metro-padrão de Paris.- Com isso não estamos atribuindo a
este uma propriedade estranha, mas apenas caracterizamos o
seu papel peculiar no jogo de medir com o metro.-
Imaginemos que em Paris seja conservado o padrão de cores
do mesmo modo que o metro-padrão. Assim explicamos:
Chama-se ‘sépia’ a cor sépia-padrão que lá se encontra
conservada a vácuo. Não terá sentido então afirmar acerca
deste padrão que ele tem nem que não tem esta cor.84

Se não existem um “metro” e um “sépia” essenciais,


independentes de sua regulação e circulação pública, tais
palavras não podem ter outro significado além dessa mesma
regulação e circulação. Um padrão não significa mais do que
o que se pode fazer com ele, quando tomado como
instrumento ou meio de um jogo de linguagem: “Podemos
exprimir isto da seguinte maneira: Este padrão é um
instrumento da linguagem com a qual fazemos afirmações
sobre as cores. Neste jogo não há algo exposto mas um meio

84
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 50.
88

de exposição”85. A proposta filosófica dos jogos de língua-


gem é a própria conversão do padrão em regra, de certo modo
coincidente com o deslocamento da “definição ostensiva”
pela “gramática”. Mais adiante lemos:

Se chamamos uma tal tabela [que relaciona cores a palavras]


de expressão de uma regra do jogo de linguagem, pode-se
dizer então que o que chamamos de regra de um jogo de
linguagem pode ter, no jogo, papéis muito diferentes. (...) A
regra pode ser um recurso de instrução no jogo. Ela é
transmitida ao aprendiz e sua aplicação é treinada.- Ou é um
instrumento do próprio jogo.- Ou: uma regra não encontra
uma aplicação nem na instrução nem no jogo; nem está
assentada num catálogo de regras. Aprende-se o jogo
assistindo como os outros jogam. 86

Dizer que a linguagem é um jogo implica esvaziar a


função modelar do padrão e afirmar a sua aplicabilidade
como regra. É claro que, com isso, enfatiza-se a arena pública
das diversas práticas de uma regra – junto às suas
recorrências e restrições, também as possibilidades abertas
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por suas aplicações variáveis.


Porque, em termos wittgensteinianos, as regras operan-
tes em um jogo não são coercivas nem determinam previa-
mente os resultados de sua aplicação. Esses seriam dois
equívocos comuns a respeito do emprego de regras, que o
filósofo compara, em seu repertório de exemplos mundanos,
a imagens de trilhos ferroviários e da operação de uma
máquina. No primeiro, o movimento só é possível em um
percurso e ritmo marcados, cuja obediência seria admitir:
“‘As passagens já estão realmente todas feitas’ quer dizer:
não tenho mais escolha. Uma vez selada com um
determinado significado, a regra traça as linhas de sua
observância por todo o espaço”87. No segundo, o movimento
tem funções e resultados sempre previsíveis, e nesse caso se
diria: “‘A máquina parece já trazer em si seu modo de operar’
significa: somos inclinados a comparar os movimentos
vindouros da máquina em sua determinação com objetos que
já se encontram numa loja”88. Porém, sem ser imposição
absoluta ou necessária, e sim prática estabelecida por acordo
público, costume e treino, uma regra seria mais bem
comparável a uma placa de orientação:

85
Ibidem.
86
Ibidem, # 53 e # 54.
87
Ibidem, # 219.
88
Ibidem, # 193. A sugestão da linha férrea e da máquina como contra-
exemplos do emprego de regras é reforçada por GRAYLING, A. C.
Wittgenstein, op. cit., p. 105.
89

Uma regra está aí como uma placa de orientação.– Ela não


deixa em aberto nenhuma dúvida sobre o caminho que
devo seguir? Mostra ela em que direção devo ir quando
passo por ela: se seguindo a estrada, ou o caminho do
campo, ou pelo meio do pasto? Mas onde está dito em qual
sentido eu devo segui-la, se na direção da mão ou (p. ex.) na
direção oposta? 89

Propor a linguagem como jogo é justamente admitir


esse espaço de manobra e negociação entre uma regra e a sua
aplicação; disso, afinal, trata a gramática na acepção
wittgensteiniana, uma “técnica” cujo domínio permite fazer e
interpretar cada jogada “de um modo ou de outro”. Jogar é
propriamente testar proximidades e distâncias entre o “ver
contínuo” e o “ver como” das regras que se operam – nesse
“entre” estão as possibilidades de desvio, assimetria e
discrepância que parecem interessar aos jogos de arte. Por
isso, seguir regras é diferente de seguir padrões, e isso vale
tanto numa dança que usa a escrita para cancelar a inscrição
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coreográfica, quanto numa escultura que usa a gestalt para


dissolver a “forma constante e conhecida”. E, importa ainda
notar, em ambos os casos é o corpo em ação que estabelece
essa diferença – quando confronta, compensa, compara e
atrita, enfim, quando mede o que cada trabalho lhe dá como
instrumento ou tarefa.
A uma tal medição Forti chamou “estado de dança”.
Para Morris, esse é um modo fundamental de compreensão
do processo da arte – “estabelecimento de medidas”,
negociação do corpo com construções, materiais, sistemas de
ações e forças. A dança produz a mesma escala em que
Morris situa o fenômeno da escultura, discutida nas Notes on
Sculpture – a escala corporal. Mais precisamente, essa é uma
dança francamente envolvida na produção de escala, como
nenhuma outra dança o tinha sido até então. Ao medir as suas
possibilidades motoras com relação a estruturas e enunciados,
o corpo vive um tipo de reflexividade que Morris procurou
resumir nessas palavras: “uma cadeira me faz perceber o que
é sentar”90. De certa maneira, portanto, a dança opera
medições e regras também vigentes para Morris, e confere
um tom peculiar ao seguinte argumento: o trabalho de arte é
escala em processo.

89
Ibidem, # 85.
90
GOOSSEN, E. C. “The Artist Speaks: Robert Morris”. In: Art in America 58,
May/June 1970, p. 107.
90

Fig. 26: Robert Morris, Stairs, 1964 Fig. 27: Robert Morris, Hand and Toe Holds,
1964

Esse argumento se desdobra, assumindo direções e


complexidades variadas – na verdade, o temos visto nos
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poliedros, caixas e demais trabalhos do artista. Simples e


diretamente, está em Stairs (Fig. 26), feita de madeira e
chumbo, e em Hand and Toe Holds (Fig. 27), de chumbo e
gesso. Pés no primeiro, dedos de mãos e pés no segundo,
marcados nos objetos de suas ações. É como se com eles se
dissesse: “uma escada me faz perceber o que é deslocar meu
centro de gravidade degrau por degrau, coordenar esforços,
ritmo, respiração”; “duas barras paralelas me fazem perceber
o que é agarrar, equilibrar o corpo em quatro apoios”. São
props, task-sculptures. Aqui é literal a conversão de padrões
em regras – o artista transforma as unidades de medida “pé” e
“polegada” numa gramática corporal, de pés e dedos ativos.
Marcia Tucker o notou: “Padrões objetivos [“dimensões,
definições, números, linguagem”] são contestados pelas
atividades humanas para as quais foram criados e que os fez
viáveis”91. Nessas medições, escala não é conformidade e sim
exercício de limites e vazios.
Para um artista dado a trocadilhos de inspiração
duchampiana, “seguir uma regra” logo se confunde com
“seguir uma régua” (rule/ruler). No início dos anos 1960,
Morris fez vários trabalhos com esse tipo de objeto; é o caso
das Three Rulers (Fig. 28), cada qual com aproximadamente
trinta e seis polegadas, ou três pés. O princípio da
conformidade, determinante para esses instrumentos, fica em

91
TUCKER, Marcia. Robert Morris. New York: Whitney Museum of
American Art and Praeger Publishers, 1970, p. 11.
91

suspenso – no processo de corte e marcação, a medida-padrão


foi manuseada, submetida aos nexos do fazer corporal,
agenciada como regra dessas três peças em madeira, que
resultaram diferentes entre si. Um discreto curto-circuito de
simetrias abre o “entre” onde o trabalho de fato acontece: as
discrepâncias da “prática” com as “convenções” que ela
encarna e negocia. Podemos, assim, voltar aos Three L-beams
(Fig. 10), construídos dois anos depois das Three Rulers. São
decerto obras correlatas – escalas que se espelham e
diferenciam no espaço-tempo do engajamento corporal.
Relações mais diretas entre corpo e réguas foram esta-
belecidas em Footprints and Rulers (Fig. 29), em que duas
réguas de chumbo, marcando dois pés de extensão cada, se
sobrepõem a placas de madeira e chumbo que trazem impres-
sas duas pegadas. Outra vez, espelhamentos divergentes:
entre as réguas, que dão a ver a diferença de suas escalas;
entre os pés humanos e os pés das réguas, em todo caso usa-
dos para medir. A peça sugere um corpo medindo as placas
por contato e deslocamento, nitidamente ligado ao trajeto
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sobre trilhos realizado na dança Waterman Switch, apresen-


tada um ano depois da confecção de Footprints and Rulers.
A ligação entre os dois trabalhos ressalta a importância
da operação de medir na dança de Morris. Waterman Switch, Fig. 28: Robert Morris, Three
Rulers, 1963
tanto quanto Column e Site, é feita de medições em processo,
em transformação e discrepância. A ênfase na escala é um
modo de afirmar o vínculo ineludível entre corpo e espaço,
vínculo que ganha certa tangibilidade nos objetos e nas
relações que eles propiciam. Mas a dança é especialmente
direta em reconhecer que essa tangibilidade é sempre
transitória, impermanente – que escala é uma prática corpo-
ral, portanto elusiva como um jogo. É esse jogo que dá
sentido aos objetos de Morris, sejam ou não peças
confeccionadas para uso em cena. Numa entrevista de 1995,
o artista indicou a relevância dessas questões:

Acho que o que eu procuro não é uma concepção particular


de espaço, mas um genuíno reconhecimento do espaço, de
todas essas coisas entre as quais o corpo tem que se
inscrever. É através dessa fisicalidade – que é muito mais
importante do que o seu efeito ótico – que o trabalho age.
Corpo, objeto, espaço: esses três elementos devem conver-
gir. Fiz algumas coreografias ou, para dizê-lo melhor, traba-
lhos de dança, que de modo algum considero happenings.
Nesse caso, a ênfase sempre foi colocada no corpo, e era
uma questão de medição do entorno espacial.92

92
MORRIS, Robert. “Morris, un Américain dans l’espace”. In:
Libération, 1 September, 1995. Citado em: Idem. From Mnemosyne to
Clio: the Mirror to the Labyrinth, op. cit., pp. 223-4.
92

Contato e deslocamento juntos produzem atrito. A


dança de Morris faz do atrito um procedimento de escala, em
que também predominam pés e mãos: Site e Waterman
Switch são exemplos do interesse – freqüente na dança,
recorrente nos demais trabalhos – na solicitação específica
dessas partes do corpo por tarefas e construções. Na primeira
dança, do manuseio da placa surge todo o jogo corporal do
dançarino; na segunda, os dançarinos tateiam com seus pés
trilhos e pedras, assim definindo a possibilidade e o
desenvolvimento das ações. Isso não sugere, porém, uma
experiência fragmentária do corpo, pois não se produz
qualquer complexidade de coordenação ou articulação
motora. Ao contrário, como vimos no capítulo anterior, a
Fig. 29: Robert Morris,
concentração em gestos simples, contidos ou repetitivos, Footprints and Rulers, 1964
produz uma integridade de ação e investimento energético
que nos permite dizer que “o corpo do artista é essa tarefa”93:
são as mãos e os pés em atividade que condicionam o todo
corporal, não o inverso. Este é o corpo do fazer, das
negociações do espaço e dos objetos, de seus limites e regras.
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93
KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna, op. cit., p. 331.
Krauss se refere à tarefa de agarrar pedaços de chumbo com a mão, no
filme Hand Catching Lead, de 1968, de Richard Serra, que ela relaciona,
em seguida, ao “tempo operacional da nova dança”. Krauss observa a
respeito dessa imagem de uma mão isolada, mas empenhada em uma
atividade específica, que todo o artista está “nessa demonstração externa
de comportamento contraída até uma única extremidade”. A associação
com Serra aqui, portanto, não é casual. A sua série de filmes com mãos,
realizada no fim dos anos 60, é inspirada em filmes de Yvonne Rainer,
como Hand Movie, de 1966, e Volleyball, de 1967. No primeiro, uma mão
isolada faz movimentos com os dedos; no segundo, pés brincam com uma
bola. A ligação desses filmes com a dança de Rainer é evidente. Ver a
esse respeito: MICHELSON, Annette; SERRA, Richard; WEYERGRAF,
Clara. “The Films of Richard Serra: an Interview”. In: October 10,
Autumn 1979.
4
Forma Vazia

Robert Morris pertence a uma geração de artistas que


trouxe para a sua prática e reflexão uma ênfase na condição
relacional do trabalho de arte: relação do artista com seus
materiais e processos; relação do trabalho com seu público,
contexto físico e institucional. Assim, os jogos de arte
propostos por Morris muitas vezes tratam de converter o
“algo exposto” num “meio de exposição”, para usar termos
wittgensteinianos ou, nos termos empregados pelo próprio
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artista, oferecem ao público uma “forma vazia” que acentua a


sua dependência de uma “situação” e de uma “reação”. Tais
palavras constam no texto Blank Form (Fig. 30), escrito por
Morris entre 1960 e 1961 para inclusão na publicação
coletiva An Anthology of Chance Operations..., editada pelo
músico La Monte Young1. Contando com colaborações de
vários artistas – textos curtos, instruções ou partituras para
todo tipo de ação, freqüentemente denominados event scores
ou word pieces –, a antologia surgiu em clara resposta ao
trabalho e à influência de John Cage2. Patente no texto de
Morris, esse foi um diálogo importante à época de seus
primeiros poliedros, dos quais blank form é sem dúvida uma
expressão correlata.

1
O título completo da publicação é An Anthology of Chance Operations,
Indeterminacy, Concept Art, Anti-Art, Meaningless Work, Natural
Disasters, Stories, Poetry, Essays, Diagrams, Music, Dance Constructi-
ons, Plans of Action, Mathematics, Compositions, editada por Young com
a assistência de Jackson Mac Low e George Maciunas. Quando o lança-
mento, previsto para 1961 mas adiado por falta de recursos, finalmente
aconteceu em 1963, Morris já havia cancelado a sua contribuição
alegando desacordo com George Maciunas e a orientação da antologia
para a então nascente estética Fluxus. A publicação saiu sem o texto de
Morris, que veio a ser publicado na íntegra em 1984. MORRIS, Robert.
“Blank Form”. In: HASKELL, Barbara. Blam! The explosion of pop,
minimalism and performance 1958-1964. New York: Whitney Museum,
1984, p. 101.
2
Liz Kotz analisa a influência de Cage na disseminação desse novo tipo
de arte na Nova York do início dos anos 60. KOTZ, Liz. “Post-Cagean
Aesthetics and the ‘Event’ Score”. In: October 95, Winter 2001.
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Fig. 30: Robert Morris, Blank Form, 1961

Entre os sentidos vigentes do adjetivo blank encon-


tramos: branco, vazio, não preenchido, inexpressivo e sem
interesse, todos decerto relacionáveis ao holismo minimalista
de Morris. O texto menciona os dois tipos de relações
externas que definem essa escultura – a escala corporal e o
vínculo com o contexto expositivo – e que justamente enfa-
tizam o seu caráter “esvaziado”, situacional. Mas, de saída,
essa espécie de “negatividade produtiva” ganha um acento
cageano: “Do ponto de vista subjetivo não existe algo como o
nada – Forma Vazia mostra isso, tanto quanto o faria
qualquer outra situação de privação”3. Logo nas primeiras
linhas, Morris se refere à famosa afirmação de Cage quanto à
impossibilidade do vazio e do silêncio, publicada em 1958:

Não existe algo como um espaço vazio ou um tempo vazio.


Sempre há algo para se olhar, algo para se ouvir. De fato, se
tentamos fazer silêncio, não conseguimos. Para certas
finalidades de engenharia, é desejável uma situação o mais
silenciosa possível. Essa sala se chama câmara anecóica,
suas seis paredes são feitas de um material especial, uma

3
MORRIS, Robert. “Blank Form”, op. cit. Reproduzido na Figura 30.
95

sala sem ecos. Entrei numa dessas na Universidade de


Harvard há alguns anos e ouvi dois sons, um alto e outro
baixo. Quando os descrevi para o engenheiro responsável,
ele me informou que o alto era o meu sistema nervoso, o
baixo a minha circulação sanguínea.4

O quase-nada-a-olhar da Forma Vazia se aproxima do


tipo de reflexividade que Cage teria descoberto no quase-
nada-a-ouvir da câmara anecóica: em situação de privação
sonora, a atenção enseja uma auto-percepção. Ao mesmo
tempo, já que o que assim se percebe são sons não
intencionais, neles se dissolve qualquer vínculo entre fruição
e acesso a intenções expressivas. Para Cage, a câmara
demonstra algumas das principais questões que o mobilizam:
tanto quanto é falsa a oposição entre silêncio e som, o é a
oposição entre sons musicais e sons não musicais. Primeiro,
porque não há som e silêncio, apenas sons intencionais e sons
não intencionais; segundo, porque a música é um estado de
atenção e experiência sonora, não um tipo de sonoridade,
definida por características ou propósitos específicos.
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Oferecer quase-nada ao público seria um modo de fazê-lo


confrontar-se com a sua “response ability”5 – trocadilho que
situa a música propriamente na recepção, numa “habilidade
de resposta” que sempre excede a matriz autoral. Tudo isso
conflui na proposta de uma música avessa à auto-expressão e
ao gosto do compositor, “livre de sua memória e de sua
imaginação”. Este deve “descobrir meios de deixar os sons
serem eles próprios ao invés de veículos para teorias ou
expressões de sentimentos humanos”, porque “a emoção
acontece em quem a sente. E os sons, quando são eles
próprios, não exigem de quem os ouve que faça-o sem
sentimentos”6.
Operações de acaso, o emprego de tabelas, sistemas
gráficos ou materiais readymade e a redução da partitura a
instruções abertas são alguns dos recursos experimentados
por Cage para produzir um estado de música que fosse
“apenas uma atenção à atividade dos sons”7. Dois elementos
ganham importância nesse tipo de atividade. Por um lado, a
duração, porque “de todos os aspectos do som, incluindo a
freqüência, a amplitude e o timbre, somente a duração
também é característica do silêncio”8. Se não procede distin-
4
CAGE, John. “Experimental Music”. In: Silence. Hanover: University
Press of New England, 1973, p. 8.
5
Ibidem, p. 10. Logo a seguir, na mesma página, ele afirma: “Nova
música: nova audição”.
6
Ibidem.
7
Ibidem.
8
Idem. “Composition as Process”. In: Silence, op. cit., p. 19.
96

guir entre silêncio e som, então a estrutura musical não pode


ser baseada na freqüência – como na tradição da estrutura
harmônica ocidental – e sim na duração. Por outro lado, a
teatralidade, porque assim como sempre há o que se ouvir,
sempre há o que se ver, indissociáveis na duração da música:

não se tem essa experiência apenas pelos ouvidos mas


também pelos olhos. (...) Notei que quando ouço um disco
minha atenção vai para um objeto em movimento ou para
um jogo de luz, e no ensaio de Williams Mix, quando as oito
máquinas estavam em operação, a atenção das pessoas
presentes estava envolvida com um afinador de pianos de
sessenta anos, ocupado em afinar os instrumentos para o
concerto à noite.9

Na aproximação com o teatro10, Cage reconhecia a


espacialidade da música e o envolvimento visual-cinestésico
do público com a ação dos músicos. Para Calvin Tomkins,
1952 seria o ano-chave de sua plena adesão à teatralidade,
com a composição de Water Music, que incluía “água sendo
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despejada em recipientes, sopro de apitos submersos e todo


tipo de sons aquosos feitos também para distrair a vista”11, e
a já mencionada apresentação no Black Mountain College,
que reuniu uma palestra, leitura de poemas, um piano, discos
tocados numa vitrola, dança e projeção de imagens, levados a
cabo por diferentes pessoas, ao mesmo tempo e em meio à
audiência. Numa crescente ênfase na espacialização da
música, Cage diria que “Não importam os sons produzidos. O
que interessa é onde eles são produzidos”12, consoante a
trabalhos como Variations IV, em que empregou operações
de acaso para marcar na planta baixa da área destinada à
performance apenas os locais de onde se produziriam os sons,
posteriormente definidos pelos próprios músicos.
Mas a obra emblemática de 1952 é 4’33’’, cuja
partitura simplesmente instrui o músico a manter seu
instrumento em silêncio durante os três movimentos da peça
– o primeiro com 35 segundos de duração, o segundo com 2
minutos e 40 segundos, o terceiro com 1 minuto e 20
segundos. A soma desses valores, que foram obtidos por
operações de acaso, corresponde ao título: sua duração total,

9
Ibidem, pp. 31-2
10
Em “Experimental Music”, op. cit., p. 12, escreveu: “Para onde vamos
a partir daqui? Rumo ao teatro.”
11
TOMKINS, Calvin. The bride and the bachelors: five masters of the
avant garde. New York: Penguin Books, 1976, p. 116.
12
Citado por Tomkins em: Ibidem, pp. 137-8. Essa afirmação de Cage
deixa mais evidente a sua relação com a obra de Duchamp, de que
trataremos a seguir.
97

4 minutos e 33 segundos de “sons não intencionais”.


Também conhecida como silent piece, a obra é a clara
articulação daqueles dois elementos fundamentais, estrutu-
rada basicamente por sua duração e teatralidade – uma
medida temporal (“um cronômetro é utilizado para facilitar a
performance”13) e algumas ações realizadas por um músico
diante de uma platéia. A interpretação do pianista David
Tudor, por exemplo, solucionou a divisão da peça em três
partes fechando a tampa do instrumento ao início e abrindo-a
ao final de cada movimento, além do que se manteve imóvel,
sentado em seu banco diante do piano. Ao público se oferece
um espaço-tempo de “atenção desfocada”14, dado a estímulos
incidentais – isto é, não intencionados pelo compositor porém
experimentados segundo a sua delimitação de uma situação
sonora.
Pode-se notar a importância de 4’33’’ para o minima-
lismo performativo de Morris15, e isso é precisamente o que
sugere o texto Blank Form. Chega a ser inevitável associar o
evento Column – com sua marcação temporal, blankness
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deceptiva e seus dois “movimentos” – à silent piece de Cage.


O silêncio, o quase-nada, são “campos de possibilidades”16
que acentuam a sua dependência de uma “habilidade de
resposta”. E, tal como a descreve Morris, Forma Vazia
constituiria um desses campos, situação de privação do que
se poderia esperar de uma escultura: a experiência enfática de
nexos entre forma, estrutura e material. Ao contrário disso, os
três exemplos finais deixam claro que trata-se de dar ao
observador o que tão somente “não se reduza para além da
percepção”17 – uma coluna cinza, uma parede cinza, uma
caixa cinza –, apenas as medidas de lugares em que ele possa
fazer o jogo da arte, com os hábitos e discrepâncias que esse
jogo implica:

em tanto que [a forma] se perpetua e se desdobra como


objeto no campo de percepção do sujeito, o sujeito reage de
muitas e particulares maneiras quando a chamo de arte. Ele

13
CAGE, John. “Experimental Music”, op. cit., p. 11.
14
Idem. “On Robert Rauschenberg, artist, and his work”. In: Silence, op.
cit., p. 100. Com relação às telas brancas de Rauschenberg, anteriores a
4’33’’, Cage escreveu: “Uma tela nunca está vazia” (p. 99).
15
De fato, “duração” e “teatralidade” foram os elementos minimalistas
identificados por Michael Fried na conhecida polêmica provocada por
“Art and Objecthood”. Sabe-se, além disso, que este texto se referia
sobretudo aos poliedros de Morris, vistos por Fried, e à sua leitura de
textos e entrevistas de Morris, Donald Judd e Tony Smith – é o que diz
David Batchelor em seu livro sobre o tema. BATCHELOR, David.
Minimalismo. São Paulo: Cosac & Naify, 1999, pp. 66-7.
16
CAGE, John. “Composition as Process”, op. cit., p. 28.
17
MORRIS, Robert. “Blank Form”, op. cit.
98

reage de outras maneiras quando não a chamo de arte. Arte é


basicamente uma situação em que alguém assume uma
atitude de reação a alguma de suas percepções como arte.18

Assim como 4’33’’, essas esculturas são delimitações, a


marcação de extensões desocupadas – ali medidas temporais,
aqui medidas espaciais, em todo caso recortes de lugares e
durações, “ocasiões para a experiência”19, diria Cage. Os
portais e molduras realizados por Morris nessa mesma época
(Figuras 11, 31 e 32) traduzem-no em formas literalmente
vazadas, que se abstêm de ocupar o campo perceptivo do
observador, oferecendo-lhe apenas um umbral que lhe
permite momentaneamente restringir e medir esse campo,
compará-lo à espacialidade ativa de seu próprio corpo – são
meros marcos circunstanciais do ver/ouvir, pelos quais
filtram-se reações-arte. O “umbral” vem a ser um elemento
de Cage, para quem o silêncio “abre as portas da música aos
sons do ambiente”20, e aparece em uma de suas famosas
palestras, cuja influência é particularmente sensível no texto
de Blank Form. Dedicada à negação zen-dadaísta, típica-
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mente cageana, do arbítrio e do gosto, Lecture on Nothing


trata do recuo da “expressão artística” diante da audiência
como a gradual dissolução de qualquer forma ou sentido – o
que não exclui certo senso de humor, também tipicamente
cageano:

Não tenho nada a dizer e estou dizendo-o e isso é a poesia de


que preciso. Este espaço de tempo está organizado. Não
precisamos temer esses silêncios, – podemos amá-los. (...)
Tomem-no como algo visto momentaneamente, como se
através de uma janela durante uma viagem. [pp. 109-10]
(...)
Mais e mais temos a sensação de que não estou indo a lugar
algum. Lentamente, enquanto a fala continua, lentamente
temos a sensação de não estarmos indo a lugar algum. Esse é
um prazer que irá continuar (...) Se há alguém com sono,
deixem-no dormir. [p. 119]21

Sem dúvida, o “vazio” de Morris retoma o “silêncio” de


Cage. Porém, o ceticismo de Blank Form faz um desvio com
relação aos argumentos do músico, mais precisamente os da
indiferença do artista e da arte-como-recepção, que Morris

18
Ibidem.
19
CAGE, John. “Composition as Process”, op. cit., p. 31.
20
Idem. “Experimental Music”, op. cit., p. 8.
21
Idem. “Lecture on Nothing”. In: Silence, op. cit., pp. 109-19. A citação
não faz jus à paginação do texto, em colunas com muitos brancos e
quebras de frase inusuais, feita segundo uma estrutura rítmica e que
funcionaria como partitura para a interpretação oral.
99

toma por pontos centrais, mas nem por isso menos


problemáticos, em seu trabalho. Lecture on Nothing mostra
que Cage certamente lidava com os limites desses argu-
mentos, tanto ao considerar o prazer e a necessidade de uma
“poética do nada”, quanto ao assumir o potencial desprezo da
platéia – o que não soa a mera iconoclastia, já que sua obra
sempre respira um otimismo amplamente reconhecido22. Mas
o texto de Morris tensiona, com seus contra-argumentos (e,
aqui sim, há algo de iconoclastia juvenil), essas posições de
Cage: “Forma Vazia ainda pertence à grande tradição da
fraqueza artística – gosto. Isso quer dizer que a prefiro –
especialmente o conteúdo (como o oposto da ‘anti-forma’ na
tentativa de se contradizer o gosto).”23 Logo a seguir, em
referência à response ability, lemos: “Forma Vazia é como a
vida, essencialmente vazia, o que dá muito espaço a discus-
sões sobre a sua natureza e a zombarias acerca de cada uma
dessas discussões.”24 E a gradual sensação do “lugar algum”
cageano se transforma, nas palavras de Morris, numa figura
entrópica: “Forma Vazia lentamente agita uma grande
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bandeira cinza e ri quanto à sua proximidade com a segunda


lei da termodinâmica.”25

Fig. 31: Robert Morris, Pine portal, 1961

22
Essa é, por exemplo, a visão de CRNKOVIC, Gordana. “Utopian
America and the Language of Silence”. In: PERLOFF, Marjorie;
JUNKERMAN, Charles (orgs.). John Cage: composed in America.
Chicago: University of Chicago Press, 1994.
23
MORRIS, Robert. “Blank Form”, op. cit.
24
Ibidem.
25
Ibidem.
100

O diálogo travado indiretamente em Blank Form


também teve a sua versão direta: entre 1960 e 1963 Morris e
Cage trocaram cartas por iniciativa de Morris, que ao deixar
São Francisco rumo a Nova York, pediu a Cage referências
sobre o meio de arte novaiorquino. Morris tivera contato com
Cage através das atividades no studio de Ann Halprin, onde
também se exploravam os seus métodos, e através da leitura
de seus textos, já muito importantes no contexto artístico
norte-americano dos anos 50. As cartas de Morris esclarecem
um pouco mais os pontos de contato e tensão com Cage. Em
fevereiro de 1961, ele escreveu:

De fato, uma espécie de imagem do ‘nada’ é muito


importante para mim e eu disse até mesmo que quero chegar
ao zero (...) Sinto que reduzindo o estímulo a quase nada
(alguns de nós estamos realmente tentando dizer nada de
maneira elegante) coloca-se o foco no individual, como se
disséssemos, ‘o que quer que você tenha vivido no passado
de todo modo traz consigo, então agora trabalhe realmente
nisso’. Não posso negar que haja aí uma ‘porcentagem de
malícia’ quanto à expressão, à situação da arte; ou que isso
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enfatize o solipsismo.... mas queria descrever o que tenho


feito e o que planejo fazer.26

O deslocamento de foco da obra de arte – da produção


para a recepção – aparece aqui menos como uma estratégia e
mais como um fato inescapável: de todo modo, a experiência
do público está fora do escopo de trabalho do artista, e talvez
dependa mesmo do que cada um “tenha vivido no passado”.
Então não caberia ao artista mais do que ressaltar que a obra
só pode ser o que o público quiser que ela seja; o artista nada
dá ao observador porque nada pode dar-lhe. Na mesma carta,
Morris formula ainda melhor a sua discordância com Cage ao
citar uma correspondência anterior: “Você mencionou em sua
carta de julho que ‘quase tudo o que acontece jamais esteve
na mente de qualquer pessoa’; eu sinto que tudo o que
acontece está na mente das pessoas.”27 A frase de Cage tem a
ver com seu projeto de uma arte que se aproximasse do
“modo de operação da natureza”, isto é, baseada no acaso e
na indeterminação, desprovida de intenções. A face zen desse

26
Idem. “Letters to John Cage”. In: October 81, Summer 1997, pp. 72-3.
O artigo reúne quatro cartas de Morris, que basicamente consistem na
apresentação e explicação de projetos de trabalho, dentre os quais alguns
realizados e outros que nunca saíram do papel. A publicação dessas cartas
resultou de uma pesquisa feita por Branden Joseph no John Cage Archive,
e é acompanhada de uma introdução à correspondência dos dois artistas e
ao contexto em que esta se desenvolveu, escrita pelo pesquisador
(JOSEPH, Branden. “Robert Morris and John Cage: Reconstructing a
Dialogue”. In: October 81, Summer 1997).
27
Ibidem, p. 73.
101

projeto de despersonalização da arte é referida por Branden


Joseph com um comentário de Cage:

Vivemos em um mundo onde existem coisas assim como


pessoas. Árvores, pedras, água, tudo é expressivo. Vejo esta
situação em que impermanentemente vivo como uma
interpenetração complexa de centros que se movem sem
impasse, em todas as direções... A vida segue muito bem
sem mim, e isso explica minha peça silenciosa, 4’33’’.28

Diferente é o que emerge na carta de Morris, para quem


a arte “coloca o foco no individual” e depende do que
acontece “na mente das pessoas”. Desde cedo foi patente o
seu desinteresse por operações de acaso e por estruturas de
indeterminação29, enquanto afirmava a necessidade de se
observarem as relações entre arte e intenção, o processo de
configuração e dissolução de nexos entre artista, obra e
público – processo eminentemente entrópico a julgar por sua
metáfora da lenta ondulação cinza. E que essas relações
tenham sido tratadas em termos de um “solipsismo” talvez
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ajude a explicar a definição de arte, em Blank Form, como


uma situação em que alguém assume que a sua reação às suas
percepções é arte. Ou seja, um jogo auto-reflexivo ao redor
de um objeto inqualificável e intraduzível, até porque, nesse
caso, decididamente “ausente”. O que, afinal, fica óbvio no
diálogo entre Morris e Cage é que ele supõe vínculos com um
outro artista, fundamental para ambos – Marcel Duchamp,
sem o qual, aliás, e sobretudo no contexto norte-americano,
os argumentos da indiferença do artista e da arte-como-
recepção seriam impensáveis.
As relações entre Cage e Duchamp talvez comecem
pela ampliação do readymade à sonoridade, com a inclusão
de sons não-musicais no campo musical – ou o fim de uma
diferença substancial entre música e não-música – e a
exclusão de procedimentos composicionais apoiados no gosto
ou no arbítrio. 4’33’’ continua sendo um bom exemplo: as
três medidas de tempo obtidas por operações de acaso na
obra de Cage seriam “uma resposta a Three Standard
Stoppages de Duchamp”30.

28
CAGE, John. “Letter to Paul Henry Lang”, citado em JOSEPH,
Branden. “Robert Morris and John Cage: Reconstructing a Dialogue”, op.
cit., p. 64.
29
Em sua introdução às cartas de Morris, Branden Joseph comenta que
além de alguns projetos do final dos anos 50, nunca levados a cabo,
Morris teria realizado um único trabalho empregando procedimentos de
acaso, 100 Pieces of Metal, de 1968-69.
30
PEPPER, Ian. “From the ‘Aesthetics of Indifference’ to ‘Negative
Aesthetics’: John Cage and Germany 1958-1972”. In: October 82,
Autumn 1997, p. 33.
102

Cage lançou moedas de I Ching para definir as


extensões dos três movimentos de sua música; Duchamp
recortou suas três réguas a partir de fios lançados ao chão,
também três movimentos. Além disso, a response ability de
Cage está ligada à famosa idéia duchampiana de que o artista
divide a criação com o espectador, sendo desse último o
papel de “determinar o peso do trabalho na escala estética”31,
o que implica tomar o espectador como agente produtivo e
autônomo, ou pelo menos imprevisível, em sua “re-ação” ao
trabalho de arte32. Convertida à música, essa idéia se
desdobra no que seria um dos principais legados de Cage
para a geração de Morris: a total independência entre
composição e performance – de certo modo, seguindo a
mesma idéia duchampiana, pois a performance também é
uma recepção produtiva da composição. Sua definição da
música como “escrita, por um lado, e som, por outro lado”33
foi importante para a disseminação de uma arte baseada em
scores, tarefas e instruções, que perpassa, como vimos, tanto
a produção dos happenings e eventos Fluxus, quanto a
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produção da dança do final dos anos 50 e início dos anos 60.

31
DUCHAMP, Marcel. “The Creative Act”. In: The Writings of Marcel
Duchamp. New York: Da Capo Press, 1989, p. 140.
32
Seria possível, é claro, relacionar a response ability de Cage a vertentes
da teoria literária que, nos anos 60, propuseram a leitura como atividade
produtiva. Mas seguiremos a sugestão de Liz Kotz de que fazê-lo seria
incorrer numa espécie de circularidade, já que, segundo a autora, a nova
textualidade então proposta teria entre seus reconhecidos precedentes a
música pós-serial, produto da recepção européia das estratégias de
indeterminação de Cage. Kotz dá exemplos que, em todo caso, merecem
menção. A poética da “obra aberta” de Umberto Eco foi explicitamente
baseada nos experimentos com “forma aberta” de Luciano Berio, Henri
Pousseur e outros compositores europeus do segundo pós-guerra,
enquanto Roland Barthes afirmou em From Work to Text: “Sabemos hoje
que a música pós-serial alterou radicalmente o papel do intérprete, que é
chamado a ser um co-autor da partitura, completando-a mais do que
dando-lhe ‘expressão’. O Texto é algo próximo a esse novo tipo de
partitura: ele pede ao leitor uma colaboração prática.” Citado em: KOTZ,
Liz. “Post-Cagean Aesthetics and the ‘Event’ Score”, op. cit., p. 56. Mais
um motivo, nos parece, para privilegiarmos a “arte-como-recepção” de
Duchamp, de quem Cage esteve muito próximo desde o início dos anos
40, quando se instalou em Nova York.
33
PEPPER, Ian. “From the ‘Aesthetics of Indifference’ to ‘Negative
Aesthetics’...”, op. cit., p. 34.
O comentário de Pepper remete a esta frase de Cage, em que aparecem as
três dimensões da música: “Composição é uma coisa, performance é
outra, audição uma terceira coisa. O que elas podem ter a ver uma com a
outra?” (CAGE, Jonh. “Experimental music: doctrine”. In: Silence, op.
cit., p.15). O exemplo clássico é ainda 4’33’’, com sua partitura-texto,
escrita à maneira de instruções, sua performance aberta, já que a partitura
indica a possibilidade de quaisquer instrumentos e número de músicos, e
sua audição “incidental”.
103

Compreende-se, então, que a dança tenha sido, para


Morris, um campo sensível à influência desses dois artistas.
Para além da experiência com Halprin, que a seu modo
dialogava com Cage pelo emprego de tarefas, objetos e
improvisação, outro professor foi especialmente importante
para a aproximação da nova geração de dançarinos à obra de
Cage. Robert Ellis Dunn lecionou um curso de composição
entre 1960 e 1962 que reuniu a maioria dos integrantes do
grupo Judson Dance Theater – formado a seguir, em 1962 –,
em meio ao qual Morris criou suas danças34. Dunn era
músico, ex-aluno de Cage e, a pedido deste, ofereceu aulas de
“coreografia” para jovens dançarinos no studio de Merce
Cunningham. Sem formação em dança mas experiente como
pianista de acompanhamento em studios de coreógrafos
novaiorquinos, Dunn na verdade traduziu para a dança as
idéias e métodos explorados por Cage em suas aulas de
composição musical. Em larga medida, isso foi possível
graças à visão particular de Cage sobre a música, a
importância dada à teatralidade e à duração como elementos
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musicais e a independência que estabeleceu entre composição


e performance. De fato, Dunn baseava suas aulas no trabalho
com estruturas temporais, que podiam ser obtidas de scores
musicais (de Cage, Stockhausen e Satie, por exemplo) ou de
outras formas escritas, por operações de acaso com números
e gráficos ou através de instruções, como “Faça uma dança de
cinco minutos em meia hora”. Também trabalhava com
instruções “temáticas”, como “Faça uma dança sobre nada
em especial”, ou propondo problemas espaciais, através do
uso de objetos ou imagens como scores35.
Morris não participou dessas aulas, mas era consi-
derado um visitante esporádico já que Forti estava entre os

34
Entre os componentes mais ativos do Judson Dance Theater (1962-
1964) podemos destacar Yvonne Rainer, Steve Paxton, Trisha Brown,
Judith Dunn, Deborah Hay, Alex Hay, Lucinda Childs, David Gordon e
Robert Morris. De todos estes, apenas Morris não participou do curso de
Robert Dunn (1960-1962), enquanto Simone Forti fez o curso de Dunn
mas não integrou o Judson Dance Theater. Além disso, Forti, Rainer,
Brown e Morris participaram de cursos com Ann Halprin na Califórnia.
Quanto a referências sobre o curso de Dunn: a mais completa é o livro de
Sally Banes (BANES, Sally. Democracy’s Body – Judson Dance Theater,
1962 – 1964. Durham and London: Duke University Press, 1993). Em
seguida, há um artigo mais específico da mesma autora (BANES, Sally.
“Choreographic Methods of the Judson Dance Theater”. In: DILS, Ann;
ALBRIGHT, Ann Cooper (orgs.). Moving History/Dancing Cultures – a
Dance History Reader. Middletown: Wesleyan University Press, 2001) e
um breve artigo do próprio Robert Dunn (DUNN, Robert Ellis. “Judson
Days”. In: Contact Quarterly 14/1, 1989).
35
Exemplos dados em BANES, Sally. “Choreographic Methods of the
Judson Dance Theater”, op. cit.
104

alunos regulares do curso. Os dois colaboravam à época nas


dance constructions de Forti, importantes para Morris
inclusive pelo modo como assimilavam, e ao mesmo tempo
se diferenciavam, da obra de Cage. Esse trabalho inicial tem
muito da experiência com Dunn: sua ênfase em exercícios
com scores extremamente simples e estranhos à dança por
um lado obrigava ao desmonte de sintaxes ou vocabulários
convencionais, por outro lado convidava a novas formas de
estruturação do movimento, novas relações com a escrita e
novos nexos temporais e espaciais. Forti, que diferente dos
demais alunos, já vinha de uma escola experimentalista
(mesmo Yvonne Rainer e Trisha Brown, que fizeram
workshops de verão com Ann Halprin, tinham estudos em
balé e dança moderna), se ligou mais às orientações de Dunn
para que trabalhassem a partir de restrições – sobretudo
temporais, mas também toda espécie de restrição estrutural.
Nessa época, surgiu o tipo de holismo que veio a caracterizar
as suas construções, cuja estréia ocorreu três meses após o
início do curso de Dunn, com a apresentação de Rollers e
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See-Saw na Reuben Gallery.


Um tal holismo implicava concentração sobre “uma só
coisa”36: um movimento, uma atividade, uma “idéia”, que se
daria como o próprio processo de desdobramento da ação. As
dance constructions têm esse tipo de reducionismo estrutural,
são quase sempre formas dinâmicas readymade, jogos
encontrados em áreas de recreação infantil e cujos movi-
mentos não foram abstraídos, recombinados nem somados a
outros movimentos. A influência de Cage, e sem dúvida,
direta ou indiretamente, a influência de Duchamp, foram
mencionadas por Sally Banes, para quem Forti apenas
propunha essas estruturas, não seu desenvolvimento
específico, em contextos ou situações de dança, “apresen-
tando todo o processo da atividade em uma moldura de
performance”37. O abandono da composição coreográfica e
seu dualismo com o corpo dançante, característico da
produção de Forti, portanto teria dependido de uma
experiência de redução do score a simples ponto de partida,
jump-off place – que deflagra e delimita, mas não descreve a
ação –, o que, por sua vez, tornou-se viável com a liberação
da performance levada a efeito por Cage.

36
Sally Banes escreveu: “Outro método coreográfico usado nas aulas de
Dunn, a redução do movimento a ‘uma só coisa’, que depois reapareceria
como um asceticismo correlato ao da escultura minimalista, caracterizou
as danças de Simone Forti e Steve Paxton.” Ibidem, p. 353.
37
Idem. “Simone Forti: Dancing as if Newborn”. In: Terpsichore in
Sneakers: Post-modern Dance, op. cit., p. 29.
105

O sentido da medição também deve ser retomado no


desenho dessas relações, pois permeia as trocas entre Forti,
Morris, Cage e Duchamp. A concepção da dança como
“estabelecimento de medidas”, que aproxima os dois
primeiros, tem antecedentes na própria concepção do
processo da arte nos dois últimos. Tanto para Cage quanto
para Duchamp, medir é um modo de desfazer a estabilidade
dos padrões de medida, “dissipar a névoa” da possibilidade
de duplicação, espelhamento, comunicação de dados entre
meios distintos – entre números e tempo, escrita e espaço,
objetos e ações. Cage conta em Silence a experiência que lhe
revelou esse sentido de medição. Ele e o músico Earle Brown
dedicavam-se à tarefa de editar horas de gravação sonora,
cortando, alternando e montando trechos de fita magnética
cujas extensões haviam sido definidas por operações de
acaso. Trabalhavam com séries de medidas iguais, que
exigiam precisão para uma posterior sincronização, por isso
sempre conferiam seus cortes e, invariavelmente, descobriam
diferenças. Para ver quem estava errando, tomaram uma
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mesma régua e cada qual marcou uma polegada na mesma


fita – e perceberam que suas marcas não coincidiam:

Medição e notação de durações exatas são, na realidade,


mentais: exatidão imaginária. No caso de fita magnética,
muitas circunstâncias atuam, sutil porém profundamente,
alterando a intenção. (...) Algumas dessas circunstâncias são
o efeito do clima sobre o material; outras vêm da fragilidade
humana – a inabilidade de ler uma régua e fazer um corte em
um ponto preciso.38

Isso aconteceu em 1952, ano da criação de 4’33’’, que


já toma partido e põe em jogo a inexatidão constitutiva da
performance de medidas – as “alterações” correntes entre a
partitura, a temporalidade da ação e as diversas
temporalidades da recepção. O que Duchamp fez, anos antes,
em 1913, tinha um teor análogo. Ele submeteu a fixidez do
metro a circunstâncias que literalmente o desfixaram e criou
três diferentes metros-padrão: três fios de um metro de
comprimento lançados da altura de um metro e então
tomados como modelos para três réguas. Numa série de
transferências e passagens – de uma régua a três fios, depois
ao chão e depois a novas réguas que, sendo réguas, supõem
mais e inúmeras transferências... –, o metro-performance tira
a consistência “imaginária” do metro-score, em última

38
CAGE, John. “Composition as Process”, op. cit., pp. 29-30. A estória,
contada entre as inúmeras anedotas espalhadas ao longo de Silence,
aparece em “Edgard Varèse”. In: Silence, op. cit., p. 85.
106

análise uma barra de platina guardada em Paris. Na verdade,


como observou Simone Forti, “Three Standard Stoppages de
Duchamp são unidades de referência menos arbitrárias do
que o metro ou a jarda”39. Aqui, Duchamp já indicava aquela
questão fundamental para a arte performativa que se desen-
volveria na segunda metade do século XX, sobre a qual se
debruça, de certo modo, a obra de Morris: escala em
processo, a arte é o agenciamento corporal de sistemas de
ações e materiais previamente dados (convenções e suas
tradições), o que necessariamente se dá num jogo de adesão e
discrepância em relação a tais sistemas e materiais. Notem-se
as palavras de Duchamp, sintomáticas dessa dinâmica própria
ao jogo da arte: “Os 3 standard stoppages são o metro
reduzido.”40
Sintomáticas, inclusive, pelo sinal negativo que
conferem a uma tal discrepância. O metro-performance reduz
o metro-score. Isso é importante para a seguinte distinção: os
jogos de medir de Forti são mais próximos a Cage, enquanto
os jogos de medir de Morris mais próximos a Duchamp.
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Ainda comparando 4’33’’ e Three Standard Stoppages,


percebe-se no primeiro trabalho um tipo de abertura que não
sentimos no segundo. As três delimitações de Cage
franqueiam a música à sonoridade ambiente, são regiões
sonoras a princípio desconhecidas, operações de enfatizada
contingência, concedidas à platéia. A silent piece não seria
um caso exemplar de indeterminação, porque não há,
definido na própria estrutura da composição, um espaço de
escolhas dadas ao músico, mas isso de certa maneira se
transfere à platéia, que se vê imersa num campo aditivo, de
livre soma de sons. As três delimitações de Duchamp, no
entanto, resultam de superposições que se subtraem e confi-
guram entre si uma espaço-temporalidade auto-encerrada: a
de uma forma-matriz que se perde em meio às suas
aplicações, transferências ou usos. Nesse sentido, é uma
nítida imagem da entropia o que Duchamp nos oferece: a
gradual dissipação da ordem em um sistema. Basta voltarmos
às Three Rulers de Morris (Fig. 28), declarada homenagem à
Duchamp (provavelmente inseparável de homenagens a Cage
e a Jasper Johns), para notarmos que a afinidade vai além da
citação. O jogo de réguas de Morris é mais subtrativo do que
aditivo: dá a ver as diferenças entre três performances de uma
mesma medida, recorrência que desabilita a precisão.

39
FORTI, Simone. Handbook in Motion, op. cit., p. 118.
40
DUCHAMP, Marcel. “The 1914 Box”. In: The Writings of Marcel
Duchamp, op. cit., p. 22.
107

As experiências de dança que Morris compartilhou com


Forti nos anos 60, e as que desenvolveu por conta própria,
eram certamente movidas pelo interesse nessa “exatidão
imaginária” da medição, a discrepância produtiva entre score
e performance – o tateante “entre” que assim se estabelece,
não a sua indeterminação. Daí a ênfase de Forti numa
concepção da dança como tensionamento, “vibração” de
estruturas e sistemas, concepção que perpassa todos os
trabalhos de dança criados por Morris. Ele parece dizer que aí
entra em questão a impossibilidade mesma de se eliminar um
dos lados – e a própria distância constitutiva – do “entre”.
Pois assim como não cabe ver na dança o ilusório
espelhamento de uma coreografia, tampouco cabe vê-la como
adesão ao seu oposto, uma improvisação que desprendesse o
corpo de quaisquer convenções e estruturas previamente
dadas. A dança de Morris nunca esteve envolvida com
improvisação41.
Se os jogos de linguagem são indissociáveis de sua
gramática – fundamentam-se em regras sociais –, isso vale
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também para os jogos de dança. Ao tempo em que analisa a


convencionalidade da escultura, Morris partilha com os
dançarinos de sua época a análise da convencionalidade da
dança. O que o emprego de regras e movimentos readymade
assume e evidencia é que o corpo está sempre inscrito, por
diferentes gramáticas, na arena da cultura: “Ordenar,
perguntar, contar, conversar, fazem parte de nossa história
natural assim como andar, comer, beber, brincar.”42 Assim,
enquanto a imagem de um corpo pré-discursivo, “no qual
41
Forti, ao contrário, esteve muito envolvida com improvisação. Ela foi
uma das fundadoras – junto com outro ex-aluno de Robert Dunn e
integrante ativo do Judson Dance Theater, Steve Paxton – do Contact
Improvisation, que surgiu como movimento de dança nos anos 70 e aos
poucos se consolidou em uma escola e técnica. Mas, como não poderia
deixar de ser dentro da tendência analítica à qual se inscrevem, para Forti,
assim como para Paxton, mesmo as características anatômicas e a mais
básica motricidade do corpo humano são indissociáveis de códigos
lingüísticos, culturais, e a improvisação na verdade apenas ressalta as
fundações gramaticais do corpo. Como demonstrou Cynthia Novack em
seu estudo do CI, toda improvisação articula conexões com os mais
diversos vocabulários e hábitos corporais, da vida pedestre a danças e
esportes, portanto está longe de revelar um corpo pré-linguístico
(NOVACK, Cynthia. Sharing the Dance – Contact Improvisation and
American Culture. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1990).
Por isso, entende-se que a improvisação tenha tido cada vez mais lugar na
dança de Forti a partir dos anos 70: ela possibilita uma redução daquele
“entre” ao seu mínimo constitutivo da dança. Uma referência sobre o
tema, que inclui um artigo de Forti, é a antologia: ALBRIGHT, Ann;
GERE, David (orgs.). Taken by surprise: a dance improvisation reader.
Middletown: Wesleyan University Press, 2003.
42
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 25.
108

sentimento e forma são organicamente conectados”43, não


seria mais que uma convenção especificamente vigente na
dança moderna, “analisar, questionar e manipular os códigos
e convenções que inscrevem o corpo na dança são caracterís-
ticas marcantes do modo pós-moderno”, que “desvia a
atenção de qualquer imagem específica do corpo para focar o
processo de construção de todos os corpos.”44
Uma convenção muito arraigada na dança ocidental,
inclusive ligada à construção social dos gêneros, consiste no
pas-de-deux, dissecado em vários trabalhos da época, entre os
quais, Platforms e See-Saw de Forti, Site e Waterman Switch,
de Morris. Sendo um ponto em comum nesses trabalhos,
indica os sentidos divergentes que adquirem as suas
“medições” por cada artista. Como para Duchamp e Cage,
medir aqui também implica desfazer a estabilidade do padrão
de medida: em meio ao jogo do “ver contínuo” e do “ver
como” que as quatro danças estabelecem com o pas-de-deux,
alteram-se os limites, a clareza de sua forma narrativa. Nas
peças de Forti, os duetos tendem a equilibrar as ações
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masculina e feminina. Diferente da matriz clássica, em que o


bailarino é sobretudo um agente de força e sustentação, mais
estático, para o objeto extremamente lábil que é a bailarina,
Platforms e See-Saw não distinguem as funções dos dan-
çarinos: solicitam ações estruturalmente iguais, contrapostas,
em grande sintonia, e além disso acentuadas pela
minimização das diferenças corporais – na primeira, ambos
são cobertos por caixas, na segunda, usam as mesmas roupas
neutras. Assoma aí, nos parece, um tipo de otimismo
cageano; o pas-de-deux estabelece um espaço de trocas
atentas, uma “vibração aditiva”.
Morris e Forti decerto convergem na desconstrução dos
clichês de emotividade e sexualidade implícitos nessa
convenção, porém Morris lhe confere um sentido de clausura
e incomunicabilidade inexistente na dança de Forti. Site é
uma retomada da imagem clássica da bailarina-objeto sendo
manipulada pelo bailarino, agora analisada, decomposta em
dois vetores concomitantes. Por um lado, o foco do desejo
escópico do observador: a mulher que flutua, inapreensível,
entre a presença carnal e a lividez vaporosa, alusão à figura
feminina do balé romântico, que existe “literalmente (e
exclusivamente) como uma visão, uma aparição. Nosso rela-
43
DEMPSTER, Elizabeth. “Women Writing the Body: Let’s Watch a
Little How She Dances”. In: GOELLNER, Ellen; MURPHY, Jacqueline
(orgs.). Bodies of the Text. New Brunswick: Rutgers, 1995, p. 28.
44
Ibidem, pp. 30 e 33. Dempster emprega o termo “pós-moderno” de
acordo com Sally Banes, que assim denominou a dança da geração de
Forti e do Judson Dance Theater.
109

cionamento com ela é puramente ‘especular’. Como James


dolorosamente aprende em La Sylphide, ela é inacessível; ela
resiste a todo contato tátil.”45 Mas, por isso mesmo, também a
cortesã Olympia, figura anti-romântica que aparece entre a
tactilidade emergente na pintura de Manet e o distanciamento
da cena que ela friamente ocupa e dispõe ao observador. Por
outro lado, o segundo vetor do dueto: aquele que apóia e
mostra, oferece o que ver ao observador sem revelar-se a si
próprio. O bailarino que toma, sustenta, levanta e acaricia,
convertido a artista-trabalhador minimalista, que erige formas
vazias na exterioridade de uma arena pública e, com isso, não
se “exprime”. Ao contrário, frustra de antemão essas expec-
tativas, cobrindo com uma máscara neutra as manifestações
faciais dos esforços aí realizados, fechando-se atrás de um
molde de seu próprio rosto.
Site é um dueto separado – ao decompor e analisar a
convencionalidade do pas-de-deux, Morris desfez o nexo
interativo que o constituía. Não há trocas, nem um sinal de
percepção mútua; nenhuma sintonia e toda uma série de
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óbvias oposições que não se complementam, pois se mantêm


estanques: pintura/escultura, nudez/encobrimento, imobili-
dade/movimento... Portanto, aqui também é lícito dizer: o
pas-de-deux-performance de Morris reduz o pas-de-deux-
score, porque tira-lhe a consistência fundamental – a
interação física –, nesse espaço-tempo fechado e, ainda
assim, disjuntivo. Tudo isso leva, quase inevitavelmente, a
uma alusão à dança sexual-mecânica entre a noiva e os seus
celibatários, aprisionados e separados no Grand Verre de
Duchamp. Mise à nu e vaporosa, a noiva (sylphide, cortesã)
está inalcançável, para sempre isolada dos moldes machos, de
uniformes de trabalho, que despendam energia num cortejo
improdutivo.
Clausura e incomunicabilidade são, ainda, a tônica de
Waterman Switch, a dança mais duchampiana de Morris. A
ária extremamente sentimental de Simon Boccanegra, de
Verdi, que acompanha o trecho inicial e o final, não deixa
dúvidas sobre o seu interesse no dispositivo romântico do
pas-de-deux. Na primeira vez em que é ouvida, Morris e
Rainer deslizam nus e abraçados sobre os trilhos; na segunda,
fazem a mesma coisa em sentido inverso e Morris despeja
uma pequena porção de mercúrio nas costas de Rainer. Tanto
na ida quanto na volta, a dupla é seguida pela figura traves-
tida de Childs, empenhada em “medir” o desenvolvimento da

45
COPELAND, Roger. “Dance, Feminism and the Critique of the
Visual”. In: THOMAS, Helen (org.). Dance, Gender and Culture. New
York: St. Martin’s Press, 1993, p. 140.
110

ação com um fio. O acento duchampiano foi notado por


David Antin, que escreveu no ano seguinte à estréia da dança:
“É um dueto de amor absurdo, e parece que o artista está
simulando (ou dissimulando) ser desnudado [stripped bare].
É novamente a I-Box, que abre para revelar uma fotografia de
Morris enigmaticamente desnudado”46. Ou nas palavras de
Maurice Berger, “uma mulher vestida como homem –
brilhante inversão do travestismo de Rrose Sélavy – guiando
a noiva e o celibatário”47.
A ambigüidade dos contatos entre a máquina-noiva e a
máquina-celibatário de Duchamp surge no enlace mecânico e
distanciado desses corpos que cumprem impassíveis o duplo
trajeto, contrariando o imaginário erótico que parecem
suscitar. Eis outro modo de esvaziamento do pas-de-deux: a
completa neutralização de sua dinâmica interativa, de seus
gestos recíprocos, reduzidos a um abraço “congelado”, traço
mínimo da metáfora amorosa que fundamenta essa conven-
ção de dança. Sem dúvida, também um comentário aos
duetos de Forti, onde tarefas compartilhadas geram diálogos
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corporais – especialmente See-Saw, que Morris e Rainer


fizeram juntos, cinco anos antes de Waterman Switch, e que
tem estrutura semelhante, com um casal se movendo sobre
um suporte elevado do chão48.
Mas no trabalho de Morris, as tarefas são realizadas
com indiferença e automatismo gestual. Considere-se, ainda,
sua notável coincidência com o funcionamento de uma parte
do Grand Verre, aquela composta pelos dois mecanismos
onanistas da máquina-celibatário, o Chariot e a Broyeuse de
Chocolat. O ir-e-vir de Morris e Rainer parece quase execu-
tar, como a um score, as palavras de Duchamp a respeito do
Chariot:

O trenó montado sobre lâminas encaixadas em um trilho


subterrâneo, depois de ter sido puxado de A para B retorna à
sua primeira posição pelo fenômeno da inversão da fricção.
Princípio: fricção reintegrada. A fricção da lâmina sobre o
trilho (em vez de se converter em calor) é transformada em
uma força de retorno igual à força de ida.49

46
ANTIN, David. “Art & Information 1, Grey Paint, Robert Morris”. In:
Art News 65/2, April 1966, p. 58.
47
BERGER, Maurice. Labyrinths: Robert Morris, Minimalism and the
1960s. New York: Harper & Row, 1989, p. 64.
48
Quando See-Saw foi apresentada pela primeira vez, em 1960, Morris e
Forti estavam casados e ela pretendia fazer o dueto com ele. Mas como se
sentiu indisposta à época da estréia, propôs a Rainer que o fizesse com
Morris. Em 1965, quando Waterman Switch foi apresentada, Morris esta-
va casado com Rainer.
49
DUCHAMP, Marcel. “The Green Box”. In: The Writings of Marcel
Duchamp, op. cit., p. 56.
111

Acoplados e untados, os corpos também “deslizam


(óleo etc.) em uma ranhura”50 que propicia e restringe o
movimento, ao fim do qual derramam-se gotas de mercúrio –
alusão ao “metal emancipado” de que é feito o Chariot? De
todo modo, esse elemento metálico e líquido sugere a
materialidade dúbia e a “física divertida” descritas na Boîte
Verte, segundo a qual um respingo [splash] “termina a série
das operações do celibatário” e forma uma “escultura de
gotas”51. Porém, esse respingo final e a própria estrutura do
Chariot dependem do mecanismo intermediário da Broyeuse
de Chocolat, cujo movimento giratório parece ter sido
retomado por Morris na seqüência seguinte ao primeiro
trajeto sobre trilhos, em que ele corre ao redor de Childs,
segurando uma bandeira na frente de seu quadril. O evidente
teor sexual e a superposição com os trilhos, que ele deve
saltar a cada volta, reforçam a associação dessa seqüência
com a atividade da Broyeuse, superposta ao eixo em que
desliza o Chariot e a este conectada por hastes horizontais.
A função masturbatória do sistema Chariot-Broyeuse
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tem explicações que se tornaram célebres no repertório dos


escritos duchampianos. As Litanies du Chariot, ladainha
recitada pela carruagem-trenó enquanto ela desliza para
frente e para trás e os moldes machos se preenchem com “gás
de iluminação” (a seguir solidificado e lançado como respin-
go), dão o tom deceptivo e um pouco sufocante dessas
atividades: “Vida lenta. Círculo vicioso. Onanismo.
Horizontal....”52. Além disso, o funcionamento da Broyeuse é
regido pelo “Princípio da espontaneidade”, que garante ao
moinho o seu movimento autônomo, “sem outra ajuda”: “O
celibatário mói ele mesmo o seu chocolate”53, espécie de
premissa onanista-solipsista que governa a existência da
máquina-celibatário.
Em Waterman Switch também sucedem ações auto-
encerradas, presas da lentidão, da circularidade, levadas a
cabo na “solidão acompanhada” de seus agentes. Inclusive as
relações que se estabelecem entre texto e imagem ao longo da
dança – em grande parte tributárias das relações entre a Boîte
Verte e o Grand Verre –, acirram a sensação geral de formas
que se desdobram sobre si mesmas e, com isso, tendem ao
dispêndio, à entropia. Dois textos são reproduzidos em áudio

50
Ibidem, p. 57.
51
Ibidem, pp. 63 e 65.
52
Ibidem, p. 56. Em inglês: “Slow life. Vicious circle. Onanism.
Horizontal. Round trip for the buffer. Junk of life. Cheap construction.
Tin, cords, iron wire. Eccentric wooden pulleys. Monotonous fly wheel.
Beer professor.”
53
Ibidem, p. 68.
112

com a voz de Morris. O primeiro, que acompanha a corrida


ao redor de Childs e uma parte da seqüência seguinte, com o
trio equilibrado sobre pedras, sugere várias superposições
entre as ações e seus registros em slides, descrevendo coisas
que já aconteceram, que vão acontecer ou estão acontecendo
no palco, e oscilando entre a clareza do score e a vertigem
das descoincidências e suposições. O segundo texto é um
trecho do caderno de Leonardo da Vinci que trata da erosão
natural relacionando-a à própria dimensão entrópica do
tempo que, muito lentamente, reduz montanhas a areia.
Começa a ser ouvido durante o jogo de equilíbrio dos dança-
rinos sobre as três pedras, Childs no meio do palco, Morris e
Rainer em cada extremidade lateral, e os três unidos por um
fio que seguram à altura do peito – o “horizonte” que separa
mas também faz a mediação dos contatos entre a máquina-
noiva e a máquina-celibatário? Talvez. E, nesse caso, o texto
em áudio enfatiza a impossibilidade desse encontro, já que a
vagarosidade com que Morris e Rainer rolam suas pedras
com os pés, em direção ao centro onde está Childs, é
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anunciada como um fluxo de inevitáveis mudanças, perdas,


dissoluções.
A conjunção entre Duchamp, da Vinci e ainda
Muybridge, nas imagens projetadas a seguir, ressalta um
interesse comum na associação entre funções orgânicas e
mecânicas, explorado de maneiras diversas pelos três artistas
e que, em Waterman Switch, também ganha uma versão. O
título da dança corresponde ao nome de uma antiga estrada
na Califórnia em que Morris trabalhou nos anos 50, quando
se empregou como topógrafo, encarregado de medir terrenos
para futuras rodovias. Essa experiência, marcante pelo envol-
vimento com escala e horizontalidade, certamente se faz
notar na dança, sobretudo na atividade de Childs, que “mede”
com um fio. Mas a palavra switch, que se refere mais
comumente ao dispositivo do interruptor elétrico, remete à
associação orgânica-mecânica que, especialmente com
Duchamp, implica em automatismo, repetição e frustração –
o ir e vir sobre o mesmo lugar, restrição, improdutividade.
Outros trabalhos de Morris lidam com essas questões e
dialogam com a dança, entre os quais dois switches. A
pequena caixa de madeira forrada em veludo, de 1960, que
contém uma chave ON/OFF e uma placa de metal com
instruções de uso, tem o curioso título de Performer Switch
(Fig. 33). As instruções dizem: “Para começar ligue –
Continue a fazer o que você está fazendo – Ou não – Faça
alguma outra coisa. Mais tarde o interruptor pode ser
desligado – Depois de um segundo, hora, dia, ano,
113

postumamente.” Feita no ano em que Morris estreou como


dançarino, imerso nas experiências com construções, tarefas e
instruções de Forti, a peça oferece à performance uma
estrutura restritiva e ao mesmo tempo “vazia”, no sentido da
blankness de que falávamos páginas atrás. Ela propõe um
jogo do qual, de saída, se exclui: eis a sua fórmula cética para
o argumento da arte-como-recepção. Apenas marca um início
– o jump-off “para começar ligue” –, mas logo se torna
prescindível e o jogo se dilui em afazeres que não lhe dizem
respeito, na temporalidade de um observador-performer
indiferente à possibilidade de um próximo lance, cada vez Fig. 33: Robert Morris,
mais distante – outro jogo com um objeto que se ausenta. Performer Switch, 1960
A mesma caixa foi usada um ano depois numa variante
cujo título é Game Switch. Agora sem a placa de instruções
na tampa interna e com uma chave que marca somente
ON/ON, ela carrega de um sentido deceptivo a idéia de que é
o observador quem faz o jogo da arte continuar (como se diz
em inglês, go on and on). É elucidativo, aqui, considerar a
proximidade desses jogos de caixas com a Box for Standing
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(Fig. 16) e a Box with the sound of its own making (Fig. 17),
duas caixas que “encerram” performances, como bem notou
David Sylvester ao escrever a respeito da última:

Sendo o cubo um modelo de completude, o objeto está


simbolicamente e de fato completo, no entanto parece que o
processo de fazê-lo continua. Nos ocorre a idéia de que seu
construtor está fechado dentro da caixa, interminavelmente
serrando e martelando, aprisionado em seu próprio artefato
(como o operário de quem se diz ter sido lacrado vivo, até
morrer, dentro de uma caldeira do [navio] SS Great Eastern;
54
ou então, e talvez mais sugestivamente, como Houdini).

Nesses anos iniciais, as chaves e fechaduras são


elementos de impedimento e frustração ao invés de acesso e
funcionamento, o que freqüentemente envolve o observador
como destinatário de tarefas que já se oferecem improdutivas:
alcançar o interior do trabalho, conhecer o seu conteúdo,
ativar a sua comunicabilidade. O armário com cadeado (Fig.
34) e o chumbo Litanies (Fig. 35) se aproximam das caixas-
switch nesse aspecto. No primeiro, uma fechadura para uma
chave que nada pode abrir; no segundo, chaves para uma
fechadura que não pode ser aberta. “Deixe a chave no gancho
dentro do armário” é uma instrução que já não se cumpre
porque, feita uma vez pelo artista, tornou-se inviável para o
observador. E a sugestão tácita de se experimentarem cada

54
COMPTON, Michael; SYLVESTER, David (orgs.). Robert Morris, op.
cit., p. 10.
114

uma das 28 chaves na fechadura acima do gancho em que


estão penduradas é evidentemente infrutífera na placa pouco
espessa de chumbo, em Litanies. Seriam apenas movimentos
redundantes, como aqueles típicos da máquina-celibatário de
Duchamp – cada chave traz gravada uma das palavras que
compõem a ladainha onanista do Chariot. Nesses dois casos,
como nas caixas-switch, o observador é convocado a uma
performance redundante e entrópica.
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Fig. 34: Robert Morris, sem título (Leave Key Fig. 35: Robert Morris, Litanies, 1963
on Hook), 1963

Uma
imaginação de aprisionamento é mesmo congênita ao
trabalho de Morris e a dança, campo de atividades sensível a
tudo que, literalmente, mobiliza ou imobiliza o artista, já
surgiu nela imersa. Anos antes da criação de Site e Waterman
Switch, a dança Column já era emblemática da estranha
combinação entre enclausuramento e minimalismo que mais
adiante ganharia a forma, um tanto inquietante, de um grande
anel em fibra de vidro irradiando luz fluorescente por suas
frestas (Fig. 36). “É como se o trabalho em questão tivesse
uma vida interior, até mesmo secreta”55, comentou Michael
Fried em sua crítica ao minimalismo, talvez pensando nessa
escultura. Morris certamente tem um interesse – descabido
para Judd, por exemplo – numa característica específica das
caixas, que é a sugestão de que ela guarda alguma coisa, algo
que não se pode e talvez não se deva tentar revelar – uma
idéia tão antiga quanto o mito da caixa de Pandora, a que ele
faria referência em trabalhos bem posteriores. É o caso de
The Fallen and the Saved (Fig. 37), de 1994, com imensas
55
FRIED, Michael. “Art and Objecthood”. In: BATTCOCK, Gregory
(org.). Minimal Art - A Critical Anthology, op. cit., p. 129.
115

ânforas de fibra de vidro suspensas, ora com a boca para


baixo, tendo vertido o seu conteúdo (fallen), ora com a boca
para cima, preservando-o (saved), em que é mais direta a
alusão à caixa que trouxe todos os males à humanidade e que,
para muitos intérpretes, seria na verdade uma ânfora, a ânfora
de Pandora.

Fig. 36: Robert Morris, sem título (Ring with Light), Fig. 37: Robert Morris, The Fallen and the Saved,
1965 1994
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Não nos equivoquemos, porém, quanto a esse


“conteúdo” que parece quase assombrar alguns trabalhos: ele
está sempre cifrado como vazio ou ausência, encerramento ou
inacessibilidade. É um conteúdo que não está ou que não se
expõe, eis um modo de enunciar a sua condição poética na
obra de Morris. Entende-se que a relação continente-
conteúdo tenha sido por ele analisada e manipulada; Morris
estava interessado em desmontar o dispositivo metafísico
configurado nesse dualismo, que é uma convenção da
escultura ocidental assim como o pas-de-deux o é na dança.
Seu particular interesse nesses “anti-conteúdos” talvez se
resuma na idéia de que a demonstração da convencionalidade
de uma linguagem esvazia o seu dualismo metafísico – idéia
que é a própria definição de blank form. Aqui, novamente, é
possível uma aproximação com Duchamp e, por outro lado,
mas com importantes pontos de convergência, com
Wittgeinstein.
Foi algo bem próximo a esse esvaziamento o que fez
Duchamp com o readymade. Um gesto simples (mas com a
“complexidade do simples”) que revelou a natureza conven-
cional do objeto de arte, mostrando-o como lance de adesão e
reação a certas regras do jogo da arte e ao mesmo tempo
suspendendo a aura da autoria artística, negando-lhe
intencionalidade subjetiva. São conhecidas a sua descrição da
escolha desses objetos em “completa anestesia”, “indiferença
116

visual”56, e a sua insistência no fato de que R. Mutt havia


pago a taxa de inscrição que lhe dava o direito de expor a
Fontaine. Os readymades são espécies de “formas vazias”,
“anti-conteúdos” à sua maneira, assim como os primeiros
poliedros são operações com formas “prontas”, adaptações
mínimas dos formatos de compensado comercialmente
disponíveis a gestalts elementares. O paralelepípedo é, afinal,
uma forma tão convencional, culturalmente dada, quanto o
mictório ou o metro, e cujo sentido artístico igualmente
depende de seu agenciamento circunstancial – “when I call it
art... when I do not call it art...”, no texto Blank Form. A
função artística desses objetos, digamos, coincide com a de-
monstração de sua circunstancialidade, não-substancialidade.
Morris tem em Duchamp, é certo, um interlocutor
fundamental – encontramos ao longo dos escritos do segundo
inúmeros trechos tomados quase como scores, tarefas ou
instruções pelo primeiro – ou assim tomados de fato, a
exemplo do chumbo Litanies57. Mas alguns trabalhos de
Morris nos dão, como vimos, a mesma sensação com relação
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aos escritos de Wittgenstein e, por essas e outras razões, sua


própria obra autorizaria uma aproximação entre o filósofo
austríaco e o artista francês, aproximação que, aliás, tem
muito a dizer sobre boa parte da produção norte-americana do
segundo pós-guerra.
As semelhanças entre os dois abrangem de aspectos
simples, como a recorrência ao xadrez, a aspectos de maior
complexidade, como o peculiar viés analítico, feito de cortes
e gestos abruptos58, pelo qual expuseram a convencionalidade
da linguagem em seus respectivos campos de trabalho. De
certa maneira, ambos tomaram um caminho de renúncia, em
oposição ao caminho vigente da investigação, artística ou
56
DUCHAMP, Marcel. “Apropos of Readymades”. In: The Writings of
Marcel Duchamp, op. cit., p. 141.
57
Isso é o que Annette Michelson sugeriu em 1969: “Poderíamos dizer
que a obra de Duchamp é um texto cuja leitura interpretativa é uma
realização essencialmente pessoal de Morris”. MICHELSON, Annette.
“Robert Morris - An Aesthetics of Transgression”. In: MORRIS, Robert.
Robert Morris. Washington: Corcoran Gallery of Art, 1969, s/p.
58
Pensamos aqui na estranheza, mas também na adequação, de se atribuir
uma dimensão analítica à obra de Duchamp e à obra de Wittgenstein.
Uma referência imediata de pesquisa analítica em arte seria, para o
próprio Duchamp, a que se desenvolveu com o cubismo, num tipo de
empenho e passo-a-passo que está longe da operação-golpe readymade.
Mas se o cubismo analítico expôs o funcionamento “interno” do objeto de
arte, suas regras e sintaxe, o readymade fez algo análogo com o seu
funcionamento “externo”, nexos institucionais, de autoria e recepção. E
no caso de Wittgenstein, também é peculiar o modo pelo qual se
constituem as suas “investigações filosóficas” sobre o funcionamento da
linguagem, estranhas a qualquer ordem de averiguação, argumentação ou
sistematização.
117

filosófica. Com Duchamp, isso se formulou no famoso dito


“não há solução porque não há problema”, certamente
independente mas impressionantemente parecido com
afirmações como: “a solução do problema da vida observa-se
no desaparecimento desse problema”59, do primeiro
Wittgenstein, e “a clareza a que aspiramos é, todavia, uma
clareza completa. Mas isto significa apenas que os problemas
filosóficos devem desaparecer completamente. A descoberta
real é a que me torna capaz de deixar de filosofar quando eu
quiser”60, do segundo Wittgenstein. Deixar a arte para fazer
arte, deixar a filosofia para fazer filosofia, com tudo o que
dessas atitudes decorre: anos de inatividade ou envolvimento
em outras atividades, produção reduzida, obras inacabadas ou
póstumas (Grand Verre, Etant Donnés, Investigações
Filosóficas...), rejeição da tradição (da arte retiniana, da
metafísica...), abandono do vocabulário específico e incursão
no “ver como” da ordinariedade.
Especialmente relevantes para Morris seriam, ao que
tudo indica, os vínculos que Duchamp, por um lado, e
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Wittgenstein, por outro, estabeleceram entre a linguagem e os


seus agentes, seja na relação entre o artista e a arte, seja na do
falante com a sua fala. O termo readymade marca o que nos
parece ser esse tipo de vínculo. Wittgenstein o emprega para
caracterizar o uso das palavras e refutar a crença comum de
que elas se originariam no espaço íntimo. Quem se dá uma
explicação privada deve internamente propô-la, “E de que
maneira ele se propõe isto? Devo supor que ele inventará a
técnica desse uso? Ou que já o encontrou pronto [em inglês,
found it ready-made]?”61 Aqui, o ponto fundamental da
convergência com o readymade duchampiano: a exteriori-
dade da relação entre o agente e seus jogos de linguagem. Na
já mencionada palestra de 1957, Duchamp tratou dessa
relação no “ato criativo”. O artista não estaria em posse e
domínio das intenções de um trabalho, tampouco controlaria
tudo o que conflui na sua realização:

Sua luta em direção à realização é uma série de esforços,


sofrimentos, satisfações, recusas, decisões, que não pode
nem deve ser totalmente auto-consciente, ao menos no plano
estético.
O resultado dessa luta é uma diferença entre a intenção e sua
realização, uma diferença da qual o artista não está ciente.62

59
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. London
and New Jersey: Routledge and Humanities Press International, 1974, #
6.521.
60
Idem. Investigações Filosóficas, op. cit., # 133.
61
Ibidem, # 262.
62
DUCHAMP, Marcel. “The Creative Act”, op. cit., p. 139.
118

O trabalho seria, portanto, a produção de uma dife-


rença, medida de uma falta ou ausência:

na cadeia de reações que acompanha o ato criativo, uma


ligação está faltando. Esse intervalo que representa a
inabilidade do artista em expressar plenamente sua intenção;
essa diferença entre o que ele intencionava realizar e o que
ele realizou, é o ‘coeficiente de arte’ pessoal contido no
trabalho.
Em outras palavras, o ‘coeficiente de arte’ pessoal é uma
relação aritmética entre o inexpresso mas intencionado e o
não-intencionalmente expresso.63

Como o demonstra a operação readymade, o “coefici-


ente de arte” não está nem no sujeito (da intenção) nem no
objeto (da realização), e sim no próprio ato fugaz em que dão
sentidos circunstanciais, também passageiros, um ao outro –
o “efeito do instantâneo” que Duchamp exemplifica com o
ato de se proferir uma fala64. Em termos wittgensteinianos,
diríamos que um tal ato corresponde ao lugar dado ao uso na
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filosofia da linguagem. Quem fala só percebe o que queria


dizer ao proferir as palavras, ao tempo em que percebe nessas
mesmas palavras limites para o que alcança dizer. Dessas
relações se obteria, vamos supor, um “coeficiente de
expressão” feito também de ausências, impossibilidades, ou
para usar o vocabulário do próprio filósofo, silêncio, vazio,
inacessibilidade.
Parecerá talvez estranha, a princípio, a sugestão de que
uma negatividade da linguagem atue nessa filosofia dedicada
a dissipar as ilusões gramaticais do dualismo “ter em
mente”/“dizer”. Mas a sugestão, proveniente da leitura das
Investigações Filosóficas, ganha mais clareza numa aproxi-
mação com o Tractatus Logico-philosophicus, obra que
diretamente tematiza os limites da linguagem. Tão certa
quanto a ruptura do segundo Wittgenstein com o pensamento
do primeiro é a ligação entre os dois: a busca por demonstrar
que os “problemas da filosofia” se revelariam ilusórios ou
absurdos, uma vez que compreendêssemos corretamente o
funcionamento da linguagem, é dominante em toda a obra de
Wittgenstein e constitui uma continuidade entre o Tractatus e
as Investigações. As duas obras afirmam que só podemos
pensar o que podemos dizer – os limites do pensável são os
limites da linguagem. Mas se na primeira obra o pensável
assenta numa estrutura lógica, que estaria subjacente à

63
Ibidem.
64
Idem. “The Green Box”, op. cit., p. 32.
119

linguagem, na segunda dependeria da convencionalidade que


rege as diversas práticas lingüísticas, assentaria, portanto, na
“gramática”. De todo modo, encontramos no Tractatus o
cerne da questão, que perpassa as Investigações: tão logo
tenhamos entendido o que na linguagem pode ser
dito/pensado, teremos admitido os “espaços negativos”, sem
forma ou alcance, do indizível/impensável. Os “problemas da
filosofia” se mostrariam, então, como usos equivocados da
linguagem: a vertigem, o puzzlement, de se tentar definir e
“ocupar” dimensões que não se fixam pela palavra, como as
que a tradição filosófica chamou de “metafísica”, “ética” ou
“estética”.
“Aquilo sobre o qual não se pode falar, deve passar em
silêncio”65, é a frase final do Tractatus. Esta fórmula
conclusiva sobre o que nos referimos, há pouco, como uma
negatividade da linguagem em Wittgenstein, está ligada à sua
interpretação do solipsismo:

Os limites da minha linguagem significam os limites do meu


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mundo.
(...)
Não podemos pensar o que não podemos pensar; logo o que
não podemos pensar tampouco podemos dizer.
Esta observação dá a chave do problema, quanta verdade há
no solipsismo.
O que o solipsismo quer significar é inteiramente correto; só
que não pode ser dito, mas se manifesta.
O mundo é meu mundo: isto se manifesta no fato de que os
limites da linguagem (da linguagem que é a única que com-
preendo) significam os limites do meu mundo.66

Na tradição filosófica do solipsismo, que remonta ao


cogito ergo sum cartesiano, o eu é uma consciência solitária,
isolada, que só pode ter certeza da existência de seus próprios
pensamentos e sensações, aos quais tem o único e
privilegiado acesso – está fechado ao outro e tampouco pode
conhecê-lo. Tudo o que experimenta – outras pessoas,
objetos, eventos – são suas construções, seu conteúdo mental,
logo o mundo é seu mundo, a linguagem, sua linguagem
privada, e ambos coincidem. A citação acima refere-se a uma
tal coincidência, mas Wittgenstein a emprega de modo
diferente, diríamos até, a contrapelo de seu sentido original, o

65
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus, op. cit., #
7.
66
Ibidem, # 5.6 – 5.62. Adotamos na tradução do trecho entre parêntesis a
sugestão de Jaakko Hintikka de que o seu sentido correto em inglês seria
“the only language that I understand”. HINTIKKA, Jaakko. “On
Wittgenstein’s ‘Solipsism’”. In: Mind 67, January 1958, p. 88.
120

que alguns autores chamaram de “solipsismo


67
metodológico” . A própria doutrina do Tractatus desenha
esse tipo de solipsismo ao contrário. Em suas considerações
sobre o tema, Jaakko Hintikka mostrou que Wittgenstein
identifica o eu com a totalidade das proposições68, ou seja,
com a totalidade dos pensamentos, e que não há nada de
privado ou psicológico nessa noção de pensamento: “No
Tractatus, os signos proposicionais são completamente
públicos, assim como o é aquilo que ‘não ganha expressão
nos signos’; pois se fossem privados, não poderiam ser
‘mostrados por suas aplicações’ (# 3.262).”69 Os limites do eu
são, afinal, “os limites dos pensamentos possíveis, isto é, os
limites da linguagem em geral.”70
O ponto crucial dessa inversão do solipsismo
metafísico estaria, portanto, em também fazer coincidirem os
limites do meu e do seu: a linguagem não é uma estrutura de
isolamento, e sim de compartilhamento com o outro; o limite
do meu mundo, o meu limite, não é só meu, pois não há nada
que eu possa dizer que é meu e que não possa, ao mesmo
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tempo, ser seu. Toda voz é indissociável desses limites


públicos, que por um lado ensejam e constituem-na, por outro
a condicionam às convenções, à comunicabilidade de uma
arena coletiva. Isso é, aproximadamente, o que conclui
Hintikka:

Pode-se dizer que a razão pela qual Wittgenstein afirmou ser


o solipsismo essencialmente correto é diametralmente oposta
à razão usualmente dada ao solipsismo. O que se tem
usualmente como afirmação do solipsismo é a
impossibilidade de ir ‘além das minhas fronteiras’. O
solipsismo de Wittgenstein se baseia na afirmação
exatamente oposta de que todas as minhas fronteiras
ordinárias são completamente contingentes e portanto
irrelevantes ‘para o que é mais elevado’.71

67
A distinção entre um solipsismo cartesiano, dito “solipsismo
metafísico”, e um solipsismo empregado como estratégia de investigação,
contrário ao primeiro e ligado tanto ao positivismo lógico quanto à
tradição fenomenológica, dito “solipsismo metodológico”, é apresentada e
discutida por Sami Pihlström. O autor problematiza essa distinção, mas ao
mesmo tempo sugere a impossibilidade de uma investigação filosófica
que não parta de algum tipo de solipsismo metodológico, sob o qual
localiza, entre outros, a filosofia de Wittgenstein. PIHLSTRÖM, Sami.
“Two kinds of methodological solipsism”. In: Sats – Nordic Journal of
Philosophy 1/2, 2000.
68
“A totalidade das proposições é a linguagem”, afirma Wittgenstein no
Tractatus, # 4.001.
69
HINTIKKA, Jaakko. “On Wittgenstein’s ‘Solipsism’”, op. cit., p. 90.
70
Ibidem, p. 91.
71
Ibidem.
121

Ao invés de um eu auto-encerrado no espaço mental,


pré-lingüístico, o solipsismo wittgensteiniano poderia sugerir
uma espécie de aprisionamento do eu na exterioridade da
linguagem, na “gramática do eu”, com suas regras e jogos
públicos. Não é possível sair da linguagem para pensar o eu,
porque pensar é dizer. Poderíamos reescrever a frase de
Hintikka: “só é possível estar além das minhas fronteiras”, ou
“é impossível adentrar as minhas fronteiras”, porque tudo que
se defina como “minhas fronteiras” já será lingüístico,
portanto já não será meu, já não poderá dizer o que é só meu,
o que só eu sou. Para Wittgenstein, a pergunta metafísica
pelo ser é um problema filosófico advindo do desconhe-
cimento do funcionamento da linguagem: “As proposições
podem apenas dizer como as coisas são, não o que elas são”72
e, além disso, “As proposições não podem expressar nada que
seja mais elevado”73. Indizíveis são as soluções dos
“problemas da vida”, que seguiriam intocadas mesmo se
todas as perguntas possíveis fossem respondidas:
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Claro que então não sobram mais perguntas, e isso é a


própria resposta.
A solução do problema da vida observa-se no desapare-
cimento desse problema.
(Não é essa a razão pela qual aqueles que perceberam, após
um longo período de dúvida, que o sentido da vida se
esclarecera para eles, foram então incapazes de dizer o que
constituía esse sentido?)74

Essa negatividade da linguagem no Tractatus – o


inefável – foi, como se sabe, repudiada pelos positivistas
lógicos como uma reintrodução da metafísica. Mas um texto
mais recente de Hintikka combate essa possibilidade de modo
elucidativo ao identificar o indizível wittgensteiniano com a
“inefabilidade da semântica”75, isto é, o campo incerto e
imprevisível dos significados que se desdobram a partir da
articulação das palavras. De fato, a dimensão semântica não
está na estrutura lógica da linguagem – os significados de
uma proposição “não estão ditos” mas nela “se manifestam”,

72
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus, op. cit., #
3.221.
73
Ibidem, # 6.42.
74
Ibidem, # 6.52 – 6.521.
75
HINTIKKA, Jaakko. “What does the Wittgensteinian Inexpressible
Express?”. In: Harvard Review of Philosophy XI, Spring 2003, pp. 11-12.
Hintikka mostra como a inefabilidade da semântica foi uma questão para
Frege e Russell, por exemplo, mas ambos se restringiram a “tímidas
tentativas” de considerar as conseqüências do problema. Wittgenstein, ao
contrário, teria dado uma direção radical à questão ao afirmá-la, no
Tractatus, como manifestação do “místico” (# 6.522).
122

ou seja, “se mostram por suas aplicações”76. Ainda que


Hintikka não o comente em sua discussão, nos parece claro o
vínculo do inefável, no Tractatus, com a dimensão posterior-
mente dada ao “uso” nas Investigações, onde isso se resume
com o famoso # 43, “o significado de uma palavra é seu uso
na linguagem”. A percepção desse vínculo reforça o
argumento de que o “místico” no Tractatus não seria uma
retomada metafísica porque Wittgenstein não estaria, com
isso, referindo-se a uma esfera de significados privados, e sim
à esfera pública da “aplicação”, do “mostrar-se”. O sentido, o
que é “mais elevado” numa palavra (imagine-se, como ele
sugere, o sentido de “vida”), é seu uso nos jogos de
linguagem, suas práticas diversas e abertas – por isso não
pode ser definitivamente dito. O inexprimível marcaria,
ainda, “os limites do discurso honesto, não afetado.”77 É
assim que Hintikka compreende a afirmação no Tractatus de
que “ética e estética são uma”78: “Ele poderia ter dito, mais
agudamente, ‘ética e semântica são uma’. Ambas são
inexprimíveis pela mesma razão.”79
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O solipsismo do primeiro Wittgenstein não seria,


portanto, contraditório com a exterioridade da linguagem
enfaticamente assumida no segundo Wittgenstein. Do mesmo
modo, se as Investigações exploram essa exterioridade em
vários jogos de oposição entre dentro e fora, isso tampouco
implica uma mera inversão, logo manutenção, do dualismo
metafísico. Aí residiria, justamente, o seu “solipsismo
metodológico”, que parte desse dualismo para esvaziá-lo e
que produz, especialmente ao longo das Investigações,
imagens de encerramento, vazio e inacessibilidade –
esclarecedoras, podemos supor, para a arte de Morris, onde
também atuaria uma certa “ética da negatividade”.
Uma dessas imagens se baseia, sintomaticamente, numa
caixa. O filósofo propõe a situação em que cada pessoa
tivesse uma caixa na qual estivesse guardado, e acessível
somente por ela, algo chamado “besouro”. Cada um diria
saber o que é um besouro apenas a partir da visão de seu
próprio besouro – evidente analogia com o conteúdo privado
do espaço mental, tal como o concebe o solipsismo
76
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus, op. cit., #
3.262.
77
HINTIKKA, Jaakko. “What does the Wittgensteinian Inexpressible
Express?”, op. cit., p. 16.
78
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus, op. cit., #
6.421. Eis o parágrafo inteiro: “Está claro que a ética não pode ser posta
em palavras. A ética é transcendental. (Ética e estética são uma e a
mesma.)”
79
HINTIKKA, Jaakko. “What does the Wittgensteinian Inexpressible
Express?”, op. cit., p. 16.
123

metafísico. A questão, para Wittgenstein, é afirmar a


convencionalidade e exterioridade do jogo de linguagem
“besouro”. Mesmo que cada um tivesse uma coisa diferente
em sua caixa ou que isso se transformasse continuamente, a
palavra “besouro” poderia ter esse uso para essas pessoas.
Então, conclui, “a coisa na caixa não pertence absolutamente
ao jogo de linguagem; nem mesmo como algo: pois a caixa
poderia também estar vazia.”80 Inacessível ou ausente, esse
conteúdo suscita ainda a referência a um parágrafo anterior
das Investigações, onde se formula o que parece ser uma
versão do inefável tractatiano: “o que porventura está oculto,
não nos interessa [à filosofia].”81
Outra imagem relevante, nesse sentido, é a empregada
para exemplificar o paradoxo de se supor que o conhecimento
e a descrição de um espaço material dependam de sua
representação mental por quem o descreve. O ponto aqui
seria mostrar que isso depende, na verdade, de uma gramática
que nada tem de privada ou interna: “Imagine a imagem de
uma paisagem, uma paisagem fantasiosa e, nela, uma casa – e
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alguém que perguntasse: ‘De quem é a casa?’ – A resposta


poderia ser, a propósito: ‘É do camponês assentado no banco,
em frente à casa’. Só que ele não pode, p. ex., entrar na
casa.”82 E mais adiante, ao questionar a “leve vertigem”
sentida no esforço filosófico de “dirigir minha atenção para a
minha consciência”, Wittgenstein desfaz a ilusão intros-
pectiva dizendo que um tal esforço seria apenas “um ato do
olhar”, a vertigem que se sente quando se mantêm os olhos
bem abertos e imóveis, mas sem foco em qualquer ponto ou
objeto, sem franzirem-se as sobrancelhas como acontece
diante de algo interessante. Ao se tentar “olhar para dentro”,
nada se olha: “Meu olhar era ‘vacant’”83, isto é, vazio como o
olhar de um cego.
O bloqueio ou suspensão da visão é um tema recorrente
para Morris, que sem dúvida envolve o seu abandono da
pintura no final dos anos 50, o tipo de dança e o tipo de
escultura que passaram a interessar-lhe – uma escultura de
construções ocas e fechadas e uma dança acentuadamente

80
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 293.
81
Ibidem, # 126.
82
Ibidem, # 398.
83
Ibidem, # 412. A seguir, no # 413, Wittgenstein compara o seu exemplo
de ilusão introspectiva com o de William James, para quem o “si-mesmo”
não passaria de “movimentos peculiares na cabeça e entre a cabeça e a
garganta” – “a situação de atenção de um filósofo que profere para si a
palavra ‘si-mesmo’ e quer analisar o seu significado”. No # 412, o “dirigir
minha atenção para a minha consciência” também consiste em
movimentos na cabeça e certos gestos faciais.
124

háptica84, ou seja, que privilegia os sentidos tátil e cinestésico


em detrimento do sentido visual. São exemplos as suas
Column e Site, além de Huddle e See-Saw de Forti. Em um
trabalho de 1961, a instalação temporária Passageway (Fig.
38), Morris fez escultura e dança convergirem numa
experiência de inacessibilidade visual e física. Um corredor
de quase quinze metros de comprimento, feito com placas de
compensado pintadas de cinza, que gradualmente se
estreitava até não mais permitir que se avançasse dentro dele
ou que se visse o seu final, posto que também estava
construído em curva. Movimentos solitários, restritos e
frustrantes: além da relação com a escultura, há que se
considerar a sua efetividade como trabalho ligado à dança.
Foi montado no mesmo loft onde ocorreu a apresentação das
dance constructions de Forti, em meio a outros eventos e
happenings, e Yvonne Rainer notou o comentário cético, a
provocação que ele dirigia aos novos dançarinos, rabiscando
na parede do corredor, em letras bem pequenas, “fuck you
Bob Morris.”85
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Fig. 38: Robert Morris, Passageway, 1961

84
O sentido háptico, também chamado de “tato ativo”, engloba o sentido
cinestésico e o sentido tátil, combinando a sensibilidade ao movimento e a
sensibilidade cutânea. É freqüentemente associado aos cegos, que o
empregam para ler e identificar superfícies e objetos, por exemplo.
85
A anedota é contada em PAICE, Kimberly. “Catalogue”, op. cit., p. 94.
125

Restrição motora e visual marcam uma série de


desenhos que o artista começou a fazer em 1973 e estendeu
até 2000, chamada Blind Time Drawings. Vários anos depois
de deixar de dançar e, mais ainda, de pintar, Morris retomou
nessa série algumas das questões centrais vividas nas duas
atividades. Isso torna esses desenhos especialmente rele-
vantes: sua realização envolveria um “estado de dança” e,
assim, um modo de continuidade da dança no cerne da obra
madura. Todos esses trabalhos foram feitos com base em uma
mesma proposta e estrutura. Uma folha de papel de
dimensões próximas ao alcance de suas mãos é fixada sobre
uma mesa, onde estão também um cronômetro, grafite em pó,
às vezes óleo para ser misturado ao grafite, outras vezes mais
raras, e mais recentemente, algum tipo de tinta. Sentado à
frente da mesa, ele planeja uma tarefa, aciona o cronômetro,
fecha os olhos e procura realizar a tarefa com as mãos
cobertas de grafite, tocando e esfregando a superfície do
papel. Quando acaba, de olhos ainda fechados, faz uma
estimativa do tempo envolvido, abre os olhos e olha o
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cronômetro. Então registra a discrepância de tempo com


relação à sua estimativa, que mais tarde será anotada na parte
inferior do papel junto com um breve texto em que descreve a
tarefa que se propusera a realizar e, a partir de 1985, cita ou
comenta leituras de filosofia e ciência, pensamentos sobre
arte ou memórias pessoais.
A ligação da série Blind Time com a experiência
precedente na pintura passa certamente pela ênfase nessa
combinação entre o cinestésico e o tátil – o “tato ativo” –, que
também caracterizou o procedimento pictórico adotado pelo
artista no final dos anos 50. A tinta, basicamente em preto,
branco e variações de cinza, era espalhada com as mãos na
horizontal, de um modo que também obliterava a visão da
tela, graças ao andaime baixo e móvel de onde Morris se
debruçava para pintar sem ver o todo. A possibilidade de uma
pintura tateante, háptica, logo não-projetiva, ressurgiu, mais
de 15 anos depois, na série dos desenhos cegos. Trabalhar de
olhos fechados é, afinal, outra espécie de método anti-
compositivo, estratégia restritiva das relações entre gesto e
superfície, entre a ação e seus materiais. Continua a valer,
assim, o que o levara àquele procedimento de pintura: o
empenho na coincidência entre resultado e processo artístico,
ou seja, a eliminação de uma ordem compositiva prévia e
atuante nos desdobramentos da ação, o que tanto nas telas
quanto nos desenhos – e, claro, na dança – correspondeu à
adoção de instruções ou tarefas.
126

Fig. 39: Robert Morris, Blind Time I, 1973 Fig. 40: Robert Morris, Blind Time I, 1973
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Fig. 41: Robert Morris, Blind Time III, 1985 Fig. 42: Robert Morris, Blind Time IV, 1991

Nesse sentido, alguns desenhos realizados ainda no


início dos anos 60, próximos ao período de envolvimento na
pintura e de adesão à dança, já indicavam o tipo de task-
performance que prevaleceria em Blind Time. Os trabalhos
Litanies, de 1961, e 14 Minutes, de 1962 (Fig. 43), são
exemplos de desenhos que se realizaram pelo cumprimento
de instruções ou tarefas, sem ponderações visuais durante o
processo. O primeiro é uma folha onde o texto de Litanies du
Chariot, de Duchamp, foi inúmeras vezes repetido numa
caligrafia bem pequena, que emenda cada frase na seguinte e
forma uma mancha de texto cinza e compacta. O segundo é
uma folha preenchida de traços, também feitos a mão e
repetidos em filas horizontais. Em entrevista com Christophe
Cherix, Morris explicou a afinidade dos desenhos com a
pintura:

Quando chegava à extremidade final da tela, movendo


gradualmente o andaime à medida que o trabalho se cobria
de tinta, eu havia terminado. Assim também, um trabalho
como Litanies se desenvolveu de uma ponta à outra. Eu
127

comecei no alto e escrevi as frases de Duchamp sem espaço


entre as linhas. Ou seja, cobri a página, não muito
diferentemente das telas anteriores. Registrei o tempo e
anotei-o no inferior da página (algo que não fazia com as
pinturas).86

Esses primeiros desenhos, portanto, introduziram a


ênfase temporal pelo registro da duração do processo, o que
também caracterizaria os desenhos cegos. 14 minutos foi o
tempo empregado na execução do trabalho com este título,
que vemos anotado ao pé da folha. Litanies, por sua vez, traz
a anotação “Duas horas e meia de recitação por R. Morris”,
que além de registrar a duração, confere uma dimensão
teatral ao procedimento gráfico, ao ato de desenhar, refor-
çando o que nele há de performance corporal e engajamento
extra-visual. Acentuam-se, com isso, os nexos entre desenho
e dança, o interesse comum na temporalidade da ação e na
negociação corporal de tasks e scores.
Mas foi com o primeiro grupo de trabalhos da série Fig. 43: Robert Morris,
Blind Time, produzido em 1973, que esse vínculo com a 14 Minutes, 1962
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dança se desenvolveu na superfície do papel, tendo a seguir


se desdobrado nos grupos realizados em 1976, 1985, 1991,
1995, 1999 e 2000. Por si só, o conjunto de 1973 totaliza 98
desenhos e ainda que os outros conjuntos sejam menores, seu
volume e recorrência são impressionantes na obra
diversificada de Morris. Desde Blind Time I, essa duração às
cegas foi experimentada pelo artista como um “estado de
dança” – agenciamento de sistemas de ações, materiais e
forças; medição de possibilidades motoras com relação a
estruturas e enunciados. O “tempo cego” é o tempo das
discrepâncias da performance com relação ao texto que a
instrui ou regula: o jogo da exatidão imaginária, imaginada e
perdida no embate entre gesto e tarefa. Por isso, esse “entre”
constitutivo da dança é um elemento distintivo de toda a
série, está na própria folha, na convivência do desenho com a
escrita, didaticamente oferecido ao observador para que ele
mesmo possa “medir” o grau de desvio ou adesão em cada
trabalho.
Em geral, tais tarefas são relacionadas às condições da
atividade de se desenhar com as mãos – como pressão, atrito,
direção, forma, distância e situação das marcas. No trabalho
reproduzido na figura 39, o texto manuscrito diz: “Tentando

86
CHERIX, Christophe. “Questions for Robert Morris”. In: CHERIX,
Christophe (org.). Robert Morris, Estampes et Multiples, 1952-1998:
Catalogue Raisonné. Genève: Cabinet des Estampes du Musée d'Art et
d'Histoire; Chatou: Centre National de l'Estampe et de l'Art Imprimé,
1999, p. 151.
128

esfregar manchas eqüidistantes com os olhos fechados e


estimando 2 minutos de tempo despendido. Erro de
estimativa do tempo: + 50 segundos.”87 E no trabalho da
figura 40: “Com os olhos fechados, tenta-se marcar com fita e
cobrir de preto uma figura quadrada, num dispêndio de tempo
estimado em 5 minutos. Erro de estimativa do tempo: – 5
segundos.” O que é marcante, especialmente nesse primeiro
grupo de desenhos, é a oscilação na orientação dos
movimentos em contato com a folha. As tarefas são simples,
quase sempre baseadas em princípios de simetria e regula-
ridade, mas quando submetidas à restrição sensorial e ao
atrito produzem formas tensas, imprecisas. E que surgem,
inclusive, carregadas de um certo sentido de encerramento,
presas no circuito auto-referencial texto/desenho da própria
folha, um pouco à maneira dos movimentos nos duetos de
Site e Waterman Switch.
A desorientação típica do desenho cego deve-se
sobretudo, explica Kenneth Surin, à perda do campo visual
como mediador entre a ação intencional e seu objeto:
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É aqui que a experiência háptica difere mais radicalmente de


sua contrapartida visual. Na experiência visual, as aparências
do objeto são diretamente constituídas através da mediação
de um campo visual, que dá ao objeto uma estabilidade
relativa ao seu ambiente. Essa estabilidade está necessaria-
mente ausente no caso da percepção tátil.88

Ao desenhar de olhos fechados, Morris elimina todos


os recursos de planejamento e controle viabilizados pelo
mapeamento projetivo da visão, e voluntariamente adere ao
campo instável, “fragmentado e espástico”89 da experiência
háptica. Novamente, haveria aí certa afinidade com a dança
do início dos anos 60, que lançou mão de experiências de
deliberada instabilidade para desmontar a verticalidade e o
equilíbrio do corpo dançante. Pensemos, por exemplo, na
escalada tateante de Huddle e na gangorra de See-Saw, ou
ainda nas seqüências sobre trilhos e pedras de Waterman

87
Todas as transcrições de textos da série Blind Time são baseadas no
catálogo mais completo sobre o tema: CRIQUI, Jean-Pierre (org.). Robert
Morris: blind time drawings, 1973-2000. Göttingen: Steidl, 2005, s/n.
88
SURIN, Kenneth. “Morris drawing blindfolded”. In: TSOUTI-
SCHILLINGER, Nena; SURIN, Kenneth (orgs.). Robert Morris: blind
time drawings. New York: Haim Chanin Fine Arts, 2003, p. 14.
89
Morris teria afirmado: “Nos Blind Time Drawings estou sempre
reduzido aos meus níveis mais baixos. Tateante e patético, sem ilusões de
vista. Fragmentado e espástico, sem ilusões de totalidade.” Citado em:
TSOUTI-SCHILLINGER, Nena. “Drawing in time”. In: ______; SURIN,
Kenneth (orgs.). Robert Morris: blind time drawings, op. cit., p. 8.
129

Switch, casos em que os dançarinos literalmente abandonam


o chão e perdem um solo estável para a ação, o que sempre
havia sido uma condição imperativa da dança.
Já vimos que Morris conduz essas experiências por um
viés cético e sombrio, sem deixar de pesar o que nelas há de
renúncia e perda. O desenho reproduzido na figura 41,
pertencente ao grupo Blind Time III, sugere mesmo um dança
tensa e até angustiada das mãos, que buscam recuperar no
tato o que os olhos perderam: “Trabalhando de olhos
fechados por estimados 6 minutos, as duas mãos tentam
marcar o campo visual imaginado, trabalhando para dentro a
partir dos estimados pontos cegos, com pressão sempre
crescente.” E logo ao lado da tarefa: “O que ainda não se
imaginou e o que ainda não se viu do futuro distante
constituem uma das mais refinadas formas de tortura para a
auto-consciência. Erro de estimativa do tempo: – 1’29’’.”90 A
questão, discutida por Surin em seus textos sobre os desenhos
cegos91, é que ao suspender a visão – e, assim, a “unidade
funcional” entre atividade física e percepção visual – Morris
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também estaria pondo em suspenso os vínculos causais entre


intenção, ação e objeto resultante na arte. Ora, o campo
visual, enquanto possibilidade de “solo estável” para as ações
envolvidas no processo de desenhar, pintar, esculpir ou
construir, sempre foi condição imperativa das artes plásticas.
Ver o que se faz, fazer vendo: disso depende, em grande
parte, a suposição geral da correspondência entre inten-
cionalidade e sentido no trabalho artístico. Porém, muitos
anos antes de Blind Time, Morris aprendera a dançar sem
chão firme e sem se olhar no espelho; aprendera a explorar o
potencial cinestésico-tátil de seu corpo92. Por isso,
escrevendo mais tarde sobre os desenhos, poderia afirmar que
a decisão de fechar os olhos estava ligada a “investigações
que levam a revelações de um certo conhecimento somático

90
CRIQUI, Jean-Pierre (org.). Robert Morris: blind time drawings, 1973-
2000, op. cit., s/n.
91
Além do já citado “Morris drawing blindfolded”, também: SURIN,
Kenneth. “Getting the Picture: Donald Davidson on Robert Morris’s
Blind Time Drawings IV (Drawing with Davidson)”. In: The South
Atlantic Quarterly 101/1, Winter 2002.
92
Sem chão firme: lembremos que sua primeira apresentação pública
como dançarino se deu na gangorra de See-Saw. Sem se olhar no espelho:
Ann Halprin sempre se recusou a instalar espelhos em seu studio de
dança, no esforço de desligar a atenção cinestésica dos alunos de qualquer
projetividade visual. Ver comentário a esse respeito em: CAUX,
Jacqueline. “Ann Halprin: Centre Pompidou”. In: Art Press 304,
Setembro 2004, p. 15. O emprego de espelhos na escultura de Morris,
sobre o qual falaremos mais adiante, sem dúvida está relacionado ao seu
uso – ou negação – na dança.
130

que não tem nada a ver com a teorizada totalidade da


visão.”93
A percepção háptica depende de movimentos corporais
num grau que está longe de ser necessário à experiência
visual. Quando desenha sem os recursos projetivos da visão e
sem acesso às marcas, aos “objetos” da ação em curso,
Morris põe em jogo uma equivalência entre o desenho e os
mesmos movimentos do ato de desenhar, à maneira do que
vivera na dança. De fato, seus recursos para a execução das
tarefas propostas provêm de um “conhecimento somático” do
espaço – o que afastaria o desenho de uma dialética da
representação. Segundo o artista, a iniciativa dos desenhos
cegos em 1973 estava ligada à busca por “uma base para o
desenho diferente da representação estrita, por um lado, e da
não-representação, por outro.”94 Vale aqui indicar mais um
paralelo com a dança baseada em tarefas, regras e
construções, que também buscava modos de estruturação do
movimento diferentes da representação – caso da coreografia
– e da não-representação – caso da livre improvisação.
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Blind Time é, afinal, um exercício de solipsismo


metodológico. Auto-encerrado na cegueira, Morris não “olha
para dentro”, toma a própria vertigem do olhar vacant como
impulso de um encontro háptico com a exterioridade. Feitos
desses encontros, desenhos como o reproduzido na figura 42
mostram, inclusive, certa habilidade do desenhista-dançarino
em levar a tarefa entre os dedos e o papel, fazendo-a “vibrar”
nas suas coincidências e discrepâncias:

Trabalhando de olhos fechados e estimando o dispêndio de


tempo, as mãos começam no inferior, logo à direita do
centro estimado, e trabalham para cima, em direção à
estimada média horizontal, e então para fora, em direção à
margem direita. Depois de várias passagens, tento uma
imagem espelhada disso no lado esquerdo. Erro de estima-
tiva do tempo: – 2’08’’.

O texto manuscrito ao lado da tarefa é uma citação do


filósofo Donald Davidson:

Devemos concluir, talvez com um choque de surpresa, que


nossas ações primitivas, aquelas que não fazemos por
fazermos alguma outra coisa, meros movimentos do corpo –
essas são todas as ações que existem. Nós nunca fazemos

93
MORRIS, Robert. “Writing with Davidson: some afterthoughts after
doing Blind Time IV: Drawing with Davidson”. In: Critical Inquiry 19,
Summer 1993, p. 620.
94
Ibidem, p. 619.
131

mais do que mover nossos corpos: o resto depende da


natureza.95

A citação de Davidson não é casual. O quarto grupo da


série, feito em 1991, tem o título completo de Blind Time IV
(Drawing with Davidson) e traz em todos os desenhos um
pequeno trecho extraído de seus livros, sobretudo Essays on
Actions and Events e Inquiries into Truth and Interpretation.
Esse trecho também funcionaria como resposta à tarefa, por
isso divide a folha com as marcas em grafite e com o texto de
Morris – eles “desenham juntos”, sugere o artista. A proposta
de um desmonte analítico dos vínculos causais entre intenção,
ação e resultado, numa vertente afim ao “dissipar das ilusões”
wittgensteiniano, é fundamental à filosofia de Davidson. Sua
conclusão cética de que todas as ações são “meros
movimentos do corpo” – de que seria impossível, enfim,
sustentar nexos entre as ações humanas e suas supostas
causas ou conseqüências – dá um destino radical à crise do
dualismo metafísico que, em suas diversas versões, sempre
mobilizou os interesses de Morris. A série, que parece desde
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o início investida de semelhante ceticismo, ganha em Blind


Time IV um acento davidsoniano: “E aqui devemos nos
perguntar se ‘perdemos de vista’ aquela região mais clara das
razões como causas, tanto quanto aquela mais escura das
causas sem razões”96, propõe o artista diante de seus
desenhos.
De certo modo, portanto, os desenhos cegos invocam,
digamos até, ritualizam o que seria uma condição funda-
mental da arte: o “campo de obstáculos obscuros”97 que se
estende entre os desejos e pensamentos do artista em seu
trabalho solitário, as ações que se sucedem no contato com os
materiais e o devir do trabalho nas instituições artísticas e na
experiência alheia. Podemos dizer que esse campo se
caracteriza pela “inefabilidade da semântica” – é feito do
“raiar de aspectos” que cada ação, palavra ou objeto torna
possível – e por uma temporalidade de sinal negativo. Aqui, a
95
CRIQUI, Jean-Pierre (org.). Robert Morris: blind time drawings, 1973-
2000, op. cit., s/n.
96
MORRIS, Robert. “Writing with Davidson: some afterthoughts after
doing Blind Time IV: Drawing with Davidson”, op. cit., p. 620. No
mesmo número da Critical Inquiry em que apareceu este artigo de Morris,
também foi reproduzido o pequeno ensaio escrito por Davidson para
acompanhar o catálogo de uma exposição dos desenhos cegos em 1992
(DAVIDSON, Donald. “The Third Man”. In: Critical Inquiry 19,
Summer 1993). Podemos aqui, no entanto, apenas indicar o interesse
desse diálogo para um estudo mais aprofundado da série Blind Time, que
estaria além do escopo da tese.
97
MORRIS, Robert. “Professional Rules”. In: Critical Inquiry 23, Winter
1997, p. 299.
132

proposta de um tempo “cego” mostra sua sintonia poética


com a proposta de uma forma “vazia”, com a qual o artista
tocara nessas mesmas questões num primeiro momento de
sua obra. É notória a ênfase que a geração de Morris deu à
temporalidade na arte, indissociável de um descrédito da
qualidade formal, como poderiam exemplificar produções do
minimalismo, da process art, da performance art ou o
crescente uso de filme e vídeo. O recurso ao modelo temporal
da entropia – que se tornou célebre com o trabalho de Robert
Smithson, mas surgiu antes no texto Blank Form, como já
vimos – é o que melhor indica essa tendência, pois a entropia
era compreendida pelos artistas como “síncrona com a
progressiva desintegração da forma material.”98 A
experiência do desenho, a partir de 1973, como tempo de
perda da visão é, sem dúvida, uma incursão na dimensão
entrópica da arte. Anos depois, tendo já produzido um grande
número desses desenhos, Morris daria a seguinte definição à
entropia: “Involução, acidente, o movimento entre intenção e
ação, a deformação e a falência, a idade, a morte, o
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irônico.”99
Essa percepção do tempo, na arte, como força
dissipativa, desorientação ou perda deve ser pensada, mais
uma vez, através do diálogo com Marcel Duchamp, marcante
nas noções de discrepância e erro de Blind Time. O primeiro
trabalho em que Morris fez uma anotação de tempo, vale
lembrar, foi o desenho de 1961 em que repetiu o texto de
Litanies por duas horas e meia, parecendo seguir as
“Especificações para Readymades” da Boîte Verte: “O que
importa então é apenas a questão da marcação do tempo (...)
Naturalmente inscreva essa data, hora, minuto, no readymade
como informação.”100 O que importa, nesse caso, é o
momento único e fugaz do ato criativo, o “encontro”
[rendezvous] do artista com certos materiais e objetos – mas
isso coloca todos os posteriores encontros do público com
esses mesmos objetos em situação de “atraso” [delay],
“reunião indecisiva”.101 Podemos seguir aqui o raciocínio
sugerido por Thierry de Duve a esse respeito: se “atraso”

98
LEE, Pamela. “Some kinds of duration: the temporality of drawing as
process art”. In: BUTLER, Cornelia (org.). Afterimage: Drawing through
Process. Los Angeles: Museum of Contemporary Art, 1999, p. 37. Neste
texto, a autora se propõe a analisar alguns modelos temporais da arte, e
sobretudo do desenho, nos anos 60 e 70. Além do destaque dado ao
“entrópico”, ela também aborda o “transitivo” e o “contingente”.
99
CHERIX, Christophe. “Questions for Robert Morris”, op. cit., p. 152.
100
DUCHAMP, Marcel. “The Green Box”, op. cit., p. 32.
101
Ibidem, p. 26.
133

substitui “quadro”, e se o observador faz o quadro, então o


observador faz o atraso102.
Essa discordância temporal constitutiva da arte – que
aproximaria os observadores dos celibatários do Grand
Verre, impossibilitados de consumar o desejado encontro
com a noiva-arte – vem combinar-se, na verdade, com outra
discordância fundamental, sobre a qual já nos detivemos
antes: a diferença entre o inexpresso mas intencionado e o
não-intencionalmente expresso, ou seja, o coeficiente
artístico. Para Duchamp, a arte é feita de uma complexa e
imprevisível equação de atrasos, perdas e diferenças, que se
estendem por um campo semântico que o artista está longe de
conhecer ou controlar. Além disso, a arte é uma operação que
põe em colapso a proeminência da visão: a troca do olhar
[regard] pelo atraso [retard] como elemento principal do
jogo da arte também produz um deslocamento de ênfase para
o que está ausente, “o que falta” – o que não pode ser visto e
só se insinua pelos índices de sua presença ou ação
passada103. Tudo isso configuraria uma versão própria de
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solipsismo em Duchamp, marcada pela descrença e pela


ironia quanto a qualquer tipo de comunicabilidade em arte –
nem na relação entre o artista e seu trabalho, nem na relação
entre o público e o trabalho do artista.
Blind Time tem muito da dinâmica subtrativa
duchampiana, inclusive como jogo de medidas discrepantes.
Diante desses desenhos, como acontece quando nos
deparamos com um conjunto de marcas indiciais, percebemos
que chegamos atrasados. Nos damos conta de nosso
desencontro com o corpo em ação de Morris, com a
performance da tarefa abaixo descrita, que deixou apenas
vestígios, impressões digitais. Mas igualmente nos damos
conta de uma discordância no próprio trabalho de Morris,
entre a duração do que ele sentiu mas não viu e a duração que
constatou vendo. Não é à toa que nos primeiros grupos da
série ele sempre mencionava a estimativa de tempo e, a
seguir, o erro de estimativa, enquanto a partir de Blind Time

102
DE DUVE, Thierry. “Echoes of the Readymade: Critique of Pure
Modernism”. In: BUSKIRK, Martha; NIXON, Mignon (orgs). The
Duchamp Effect, op. cit., p. 115. De Duve se refere às notas sobre o
Grand Verre, que dizem: “Use ‘atraso’ ao invés de quadro ou pintura;
quadro em vidro se transforma em atraso em vidro”, e ao texto sobre o ato
criativo, que diz que o artista “terá que esperar pelo veredicto do
espectador”.
103
Um estudo mais aprofundado sobre a indicialidade na obra de
Duchamp e sua relação com a arte norte-americana: KRAUSS, Rosalind.
“Notes on the Index: Seventies Art in America, Part I” (In: October 3,
Spring 1977) e “Notes on the Index: Seventies Art in America, Part II”
(In: October 4, Autumn 1977).
134

IV (1991) passou a mencionar somente o seu erro, sem


informar ao observador o que estimara às cegas. O “erro”, de
fato, é o que importa: ele equivale à “diferença entre o
inexpresso mas intencionado e o não-intencionalmente
expresso”, é o coeficiente artístico do trabalho, medição de
suas descoincidências e perdas.
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Fig. 44: Robert Morris, sem título (série Hypnerotomachia), 1982

As marcas corporais de Blind Time colocam em questão


a instabilidade e a impermanência da presença e da ação, que
também vem a ser uma questão central na dança. Talvez
possamos ver como um gesto de extrema ironia a fixação
dessas marcas em imensos baixo-relevos de gesso, um tipo de
procedimento que Morris começou a explorar no início dos
anos 80 e que alcançou o máximo do kitsch sarcástico em
meados dessa década, ao cobrir a superfície de imensas
molduras de pinturas paródicas. As placas da série
Hypnerotomachia (Fig. 44) estão entre os primeiros trabalhos
desse conjunto, porém é evidente a sua ligação com os
moldes em chumbo dos anos 60, como Stairs e Hand and toe
holds. Modelados a partir de marcas feitas com outros moldes
do corpo humano numa matriz de argila – punhos cerrados,
torsos, pés, dedos, ossos, órgãos sexuais e órgãos internos –,
esses gessos brancos apelam mais ao sentido tátil do que ao
sentido visual, quase como se fossem destinados a cegos. A
mistura entre desejo, circulação de energia, temporalidade
equívoca e impossibilidade (o título da série repete o de um
135

famoso livro do século XV que narra o sonho de um jovem


enfrentando lutas fantásticas em busca de sua amada) nos
remete, de novo, à dança entre a noiva e os celibatários,
aprisionados no circuito congelado do Grand Verre. Dança
de solitários acompanhados.
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5
Anti-Forma

O dançarino que se move sozinho no palco – o solo


masculino, dispositivo coreográfico tão tradicional quanto o
pas-de-deux – é uma figura importante na dança de Robert
Morris. Além de Column, espécie de solo sem solista,
Arizona e 21.3 colocam em questão, mais enfaticamente, a
atividade do corpo solitário diante da platéia. Os dois
trabalhos empregam esse “sistema de ações”, forma-padrão
da dança, para tensionar e dissolvê-lo – ambos esgarçam o
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núcleo de coerência espaço-temporal que o solo tenderia a


constituir. Com efeito, e nas palavras do próprio artista,
Arizona trata do “estabelecimento de uma mudança de foco
entre o egocêntrico e o exocêntrico”1, dispersão de movi-
mentos e atenção de um elemento central para as suas
circunstâncias externas. Suas quatro partes, e mais visível-
mente a última, empreendem uma sucessiva abertura dos
limites de ação do dançarino, acentuada pela contagem
progressiva com as mãos: primeiro a ação se restringe ao
próprio eixo de rotação corporal, depois experimenta
variações de pequenas distâncias, a seguir se projeta mais
longe e, finalmente, parece soltar-se e sair do palco, quando o
dançarino “desaparece” mergulhado no escuro e o olhar da
platéia passa a acompanhar a luz que circula sobre as suas
cabeças. O deslocamento se dá entre o “íntimo” e o “público”
– os movimentos começam tomando por medida o corpo
próprio, e terminam medindo o espaço partilhado com outros
corpos –, numa exteriorização condicionada à dissolução de
seu núcleo, que perde forma visual e cede lugar a um
oscilante campo de forças.
Um progressivo alargamento, redundante em perda de
registro, transbordamento ou deslize de escalas, também
caracteriza o solo 21.3. Sozinho e em posição destacada por
um parlatório, aqui sim o artista mantém sobre si o foco de
atenção, concentrando todos os movimentos na esfera de suas
1
MORRIS, Robert. “Notes on Dance”. In: SANDFORD, Mariellen
(org.). Happenings and Other Acts. London: Routledge, 1995, p. 169.
137

articulações corporais mais imediatas – uma série de gestos e


posições prevista no score à sua frente. Mas logo outro tipo
de abertura entra em curso progressivo: uma diferença entre
os tempos de duas performances do mesmo material, uma
vocal, sonora, outra gestual, visual. Quando a princípio
coincidem, voz e movimentos corroboram a figura de
autoridade e clareza do palestrante-professor – ou a profi-
ciência técnica que costuma marcar a atuação do solista.
Porém seu crescente disparate esgarça a presença íntegra no
palco, que também parece aos poucos mergulhar numa
espécie de obscuridade, sentida como um processo de gradual
incoerência, desencontro ou delay. Impossibilidade de
coordenação expressiva, ruína da comunicabilidade, 21.3
contraria a própria essência do texto de Panofsky, que
descreve a experiência perceptiva como um processo que
avança de um primeiro nível formal para a identificação de
níveis cada vez mais ricos de significado. Morris inverte o
sinal desse percurso, e assim se aproxima do que fizera em
Arizona: transforma essa “passagem” da forma visual ao
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campo semântico numa experiência de dissolução e perda.


As duas danças “reduzem” o solo, talvez sugerisse
Duchamp. Ou ainda, seguindo a sugestão de André Lepecki,
ambas retomam a figura fundacional do dançarino solitário
para convertê-la a um “solipsismo coreográfico”, uma
“contra-metodologia, um modo de intensificar crítica e
fisicamente as condições hegemônicas de subjetivização e
explodi-las em direções improváveis”, que o autor também
relaciona ao “solipsismo metodológico” de Wittgenstein2.
Lepecki mostra como um solipsismo masculino definiu o
discurso original da coreografia e foi operado contra-
metodologicamente em trabalhos de Bruce Nauman, Juan
Dominguez e Xavier Le Roy. O manual de dança
Orchésographie, que inaugurou a inscrição coreográfica em
1588, trouxe uma série de imagens de ausência, autoridade e
isolamento masculinos, tramadas sob a forma de um diálogo
entre o padre e mestre de dança Thoinot Arbeau e o advogado
Capriol. Este vem a Arbeau pedir-lhe que escreva o que sabe
sobre dança, de modo que “um pupilo, seguindo sua teoria e
seus preceitos, mesmo em sua ausência, poderia ensinar-se a
si mesmo na reclusão do próprio quarto.”3 É essa
surpreendente imagem da coreografia como força normativa
2
LEPECKI, André. “Masculinity, solipsism, choreography”. In:
Exhausting dance: performance and the politics of movement. New York;
London: Routledge, 2006, p. 39.
3
Citado em: Ibidem, pp. 26-7. Devo a Lepecki a descoberta do texto de
Hintikka, “On Wittgenstein’s ‘Solipsism’”, que ele trabalha aqui em
conexão com a dança, importante para o desdobramento da tese.
138

sendo propagada de quarto em quarto, pela leitura e pelo


treino masculino solitário, que os solos de Nauman,
Dominguez e Le Roy – entre os quais podemos incluir Morris
– retrabalham a contrapelo.
Uma estratégia comum ao solipsismo metodológico da
geração de Morris, tão importante na dança quanto nas artes
plásticas, é a repetição. Modo estrutural sem foco e sem
limites espaço-temporais precisos – porque potencialmente
extensível ao infinito –, a repetição é especialmente marcante
em 21.3. Tudo o que acontece ao longo do trabalho se refere
às (im)possibilidades da repetição: o recurso ao clichê da
seriedade acadêmica, com o terno cinza, os óculos grossos e
inúmeros gestos típicos, como limpar a garganta, segurar o
queixo e abrir uma mão; a mímica bucal de uma fala já
proferida; a reprodução sonora dessa fala gravada. Na tensão
dessas contra-repetições, soltam-se os pares espelhados:
quando ainda ouvimos as últimas palavras de uma frase,
Morris já tem um copo nos lábios, e quando volta a
gesticular, ouvimo-lo engolindo água. Algumas outras
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equivalências são sugeridas, mas seu registro é sempre


deslizante: qual a ligação entre “interpretation” e passar os
dedos por dentro do colarinho? Ou entre “politeness” e cruzar
os braços?
A repetição desintegra nexos, “como acontece quando
uma palavra é repetida até que nada reste além da casca de
puro som”4. Ela é um meio de se provocar e acirrar a
percepção desse aspecto característico do solipsismo – a
inefabilidade do uso, sentido ou destino de palavras, objetos e
ações. Portanto, a repetição em 21.3 também é um meio de
enfatizar a discrepância entre discurso verbal e experiência
artística, questão premente para Morris, que começou a
lecionar história da arte em 1964, ano de estréia da dança. De
fato, o título 21.3 corresponde ao número de um de seus
cursos no Hunter College, em Nova York, instituição onde
manteve atividades de ensino e orientação por muitos anos. O
envolvimento produtivo com essa discrepância foi importan-
te, como já vimos, para artistas que se formaram em diálogo
com as obras de Duchamp e Cage, que exploraram-na entre
texto e ação, score e performance, algumas vezes, inclusive,
em famosas palestras5. Com seu palestrante-professor-

4
PAICE, Kimberly. “Catalogue”, op. cit., p. 160.
5
The Creative Act de Duchamp e Lecture on Nothing de Cage são
exemplos de textos de palestras que lidam, de diferentes maneiras, com
discrepâncias constitutivas da ação artística. Cage, em especial, é
claramente uma referência para 21.3. O músico se tornou célebre também
por suas lectures performáticas, que muitas vezes se misturavam com
lembranças ou comentários auto-referenciais e igualmente convertiam o
139

dançarino, Morris faz da linguagem um jogo dispersivo,


ordem que se desmantela numa espécie de “tempo gago”.
A estrutura da repetição é, além do mais, característica
marcante de muitos trabalhos associados ao minimalismo,
como os objetos específicos de Donald Judd, as seqüências
horizontais de Carl Andre, os módulos vazados de Sol LeWitt
e, claro, os poliedros de Morris. Também nesses casos é
possível pensá-la como ordem contra-metodológica, pois a
disposição sistemática de elementos semelhantes, apesar de
lógica, “não é racionalista nem subjacente, mas simples
ordenação, continuidade”6 – como diria Judd. Se o processo
compositivo demanda inúmeras decisões contingentes, logo
ponderação e julgamento, a repetição é um sistema pré-
definido que, uma vez deflagrado, estende-se automática e
anonimamente. O comentário de outro minimalista, Sol
LeWitt, esclarece melhor essa distinção entre lógica e
racionalidade no processo repetitivo:

Em uma coisa lógica, cada parte é dependente do resto e


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segue numa seqüência como parte da lógica. Mas uma coisa


racional é algo sobre o qual você deve tomar decisões
racionais a toda hora.... Você deve pensar sobre ela. Em uma
seqüência lógica, você não pensa sobre isso. É um modo de
não pensar. É irracional.7

Sendo lógica, a repetição é uma estrutura irracional que


espelha e se mistura, digamos, mimetiza às avessas a própria
racionalidade. Isso não passou desapercebido a Rosalind
Krauss. Ao escrever sobre LeWitt, ela observou que a ordem
diagramática de seus cubos abertos – excessivamente
simples, multiplicados ao infinito – demonstra “um método
na loucura”, “o sistema da compulsão”, “um projeto que
excede a razão, que escapa ao controle”8. Assim, o trabalho
desse artista introduz o observador em “um mundo
desprovido de centro, um mundo de substituições e
transposições em nenhum momento legitimadas pelas
revelações de um sujeito transcendental”9. Anos mais tarde,
ao escrever sobre a obra de Morris e seguindo uma antiga
indicação do artista, Krauss retomaria essa leitura de uma

texto em um score, com a marcação de silêncios, variações de voz e


gestos corporais para serem interpretadas durante a leitura. Além disso,
Cage usou muitos títulos numéricos, como 45’ for a speaker e 4’33’’.
6
GLASER, Bruce. “Questions to Stella and Judd”, op. cit., p. 149.
7
Citado em COLPITT, Frances. Minimal Art – The Critical Perspective,
op. cit., p. 58.
8
KRAUSS, Rosalind. “LeWitt in Progress”. In: L’Originalité de l’Avant-
garde et Autres Mythes Modernistes. Paris: Macula, 1993, pp. 341-42.
9
Ibidem, p. 349.
140

lógica delirante no minimalismo, aproximando-o da


“lingüística serial”10 de Samuel Beckett. Os personagens do
escritor, com seus curtos-circuitos verbais e motores e suas
repetições claustrofóbicas, certamente freqüentaram os palcos
de Waterman Switch e 21.3, além de outras duplicações e
permutações exploradas por Morris desde então.
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Fig. 45: Robert Morris, Mirrored cubes, 1965

Um trabalho exemplar dessa lógica perturbadora do


minimalismo é o conjunto dos Mirrored Cubes feitos em
1965 (Fig. 45). Com pouco mais do que meio metro de altura,
posicionadas no chão em formação quadrada, as quatro peças
iguais e forradas de espelhos mergulham na instabilidade de
seus reflexos. Nelas se desmantela a “gestalt forte” do cubo
em meio à gagueira visual de brilhos, quebras, distorções e
rebatimentos sem fim. O espelho é o material mais óbvio para
se produzir duplicação, no entanto aqui ele desorienta e
dispersa o foco de todas as possíveis duplas. Outros dois
trabalhos podem ser tomados como desdobramentos dessa
função-espelho, casos em que o artista também empregou
meios essencialmente ligados à repetição. As seis peças de

10
Idem. “The Mind/Body Problem: Robert Morris in Series”. In: _______
; KRENS, Thomas (orgs.). Robert Morris. The Mind/Body Problem, op.
cit., p. 5. Dos vários exemplos dados por Krauss, citamos um extraído da
novela Watt: “Here he stood. Here he sat. Here he knelt. Here he lay.
Here he moved, to and from, from the door to the window, from the
window to the door; from the window to the door, from the door to the
window; from the fire to the bed, from the bed to the fire; from the bed to
the fire, from the fire to the bed; from the door to the fire, from the fire to
the door....” [p. 11]. O próprio Morris teria indicado uma possibilidade de
aproximação entre o seu minimalismo e a obra de Beckett quando
escreveu, em 1975, que nos espaços criados pelo escritor, “um Murphy,
um Malone ou um Watt permutam precisa e infinitamente a sua limitada
reserva de idéias e pertences miseráveis.” MORRIS, Robert. “Aligned
with Nazca”. In: Continuous Project Altered Daily: The Writings of
Robert Morris, op. cit., p. 160.
141

formato idêntico e agrupadas em pares invertidos de Slung


Mesh (Fig. 46) são feitas com rede de alumínio produzida
industrialmente. Além da estrutura em rebatimento, o padrão
vazado do material lembra a estratégia dos cubos espelhados
ao deflagrar sobreposições e fusões entre as peças, o chão e
as paredes, o que aqui, ainda mais agudamente, aponta para a
passagem do objeto preciso ao campo impreciso, que estava
em curso na obra de Morris durante os anos 60. O segundo
caso de emprego de um meio com função poética próxima à
do espelho é a participação de Morris no trabalho coletivo
conhecido como Xerox Book11, feito por um grupo de artistas
que restringiram suas contribuições ao uso exclusivo da
técnica reprográfica. Mais uma vez, Morris propôs uma
experiência da repetição como processo entrópico, ensejo à
perda e à dissolução: reproduziu inúmeras vezes a imagem da
terra vista do espaço, fazendo cópia em cima de cópia com
uma máquina Xerox, até a forma do globo quase sumir do
papel. Toda a série, com sua visibilidade decrescente, foi
incluída no livro (Fig. 47).
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Fig. 46: Robert Morris, Slung mesh, 1968 Fig. 47: Robert Morris,
sem título, 1968

A idéia de agrupar elementos em disposição não-fixa


traz em si a possibilidade de reposicionamentos variáveis e
provisórios. A permutação seria, nesse sentido, um modo
estrutural correlato à repetição e, na obra de Morris, as
experiências com permutação decorreram quase automati-
camente do uso de poliedros repetidos. A própria concepção
dos primeiros poliedros em madeira compensada já supunha,

11
Um “livro de artista” com trabalhos feitos exclusivamente por
reprografia. SIEGELAUB, Seth; WENDLER, John (orgs.). Xerox Book -
Carl Andre, Robert Barry, Douglas Huebler, Joseph Kosuth, Sol Lewitt,
Robert Morris e Lawrence Weiner. New York: Siegelaub & Wendler,
1968.
142

na verdade, a sua impermanência, posto que eram construídos


para cada exposição e a seguir destruídos, tendo seu material
muitas vezes reaproveitado na construção de outros trabalhos.
Em 1967, duas salas da galeria Leo Castelli, em Nova York,
foram ocupadas e continuamente modificadas durante quase
um mês por séries de poliedros, agora em fibra de vidro, que
eram deslocados e recombinados diariamente segundo um
plano previamente definido pelo artista. Formas regulares
simples se agrupavam em outras mais complexas e vice-
versa. Anéis, caixas, colunas, em arranjos breves e
sucessivos, apareciam e ao mesmo tempo resistiam à síntese
visual nessas configurações específicas – “não formas
definitivas, mas antes algumas formas possíveis”12, disse o
artista. Uma combinação de duas séries diferentes, cada qual
com quatro peças iguais, foi chamada de Stadium (Fig. 48).
Envolvendo diretamente o espectador na dinâmica de sua
combinatória, através de um cartaz fixado numa das paredes
da galeria com o plano de todas as alterações e suas
respectivas datas – à maneira das “instruções do jogo” –, a
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exposição solicitava ao tempo em que frustrava a plasticidade


da visão, fazendo-a transitar por fenômenos ora adiantados,
ora atrasados.

Fig. 48: Robert Morris, sem título (Stadium), 1967

É preciso pensar, entretanto, na importância da dança


para a constituição desse interesse específico, no trabalho de
Morris, em repetir e permutar. Estes são dois modos de
estruturação do movimento distintivos da produção inicial de
Yvonne Rainer, figura de destaque entre os dançarinos que se
formaram ao redor do grupo Judson Dance Theater. Além de
muito influente na dança de seu tempo, convertida quase em
ícone da “dança pós-moderna” norte-americana, Rainer
também o foi para Morris, em diálogos que se fizeram sentir
em vários trabalhos, de ambos os lados. Eles estiveram
casados entre 1964 e 1969, e sua colaboração nesse período
aparece, por exemplo, na atuação de Rainer em Waterman
Switch e na atuação de Morris em We Shall Run e Parts of

12
PAICE, Kimberly. “Catalogue”, op. cit., p. 180.
143

Some Sextets, de Rainer. Chama a atenção o fato destes dois


últimos trabalhos – o primeiro criado em 1963, o segundo em
1965 – serem claramente baseados em repetição e permu-
tação.
Tendo sido antecipadas pelas tasks procedures de Ann
Halprin e Simone Forti, as experiências com esses sistemas
de movimento aproximavam a dança de algumas matrizes da
vida cotidiana, como a rotina de tarefas, lugares, objetos,
gestos e falas que se estendem e se alternam no dia-a-dia,
refratários a qualquer ordem “compositiva”. A estética
pedestre que tornou célebre a produção de Rainer tinha
precedentes em Halprin e Forti e, como acontecia com Forti e
outros dançarinos da mesma geração, marcava diferenças em
relação ao que já se consagrava, no início dos anos 60, como
o ponto máximo de sofisticação e abstração do vocabulário e
da sintaxe composicional moderna: Merce Cunningham,
quem, na fórmula sintética de Sally Banes, “fundira a
flexibilidade de espinha grahamesca com o brilhante jogo dos
pés e a postura vertical do balé”13. Já discutimos, num
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capítulo anterior, a relação crítica dos jovens dançarinos com


a sua estética de fragmentação e justaposição. Cunningham
foi fundamental para o Judson Dance Theater, porque foi
quem desmontou as hierarquias narrativas na dança moderna,
abrindo terreno para as explorações do grupo; porque
participou intensamente da formação de vários de seus
membros, como Steve Paxton e a própria Rainer, que foram
seus alunos ou dançaram em sua companhia; e porque, afinal,
foi quem cedeu o studio onde realizou-se o curso de Robert
Dunn que deu origem ao grupo. Ao mesmo tempo, porém,
Cunningham era certamente o alvo de Morris quando, em
1962, ao comentar as experiências das primeiras reuniões do
grupo, ele as situou numa mão contrária ao tipo de dança cujo
“limite de exploração é a imposição dos procedimentos de
acaso para alterar a continuidade do expressionismo
grahamesco”14. Demonstrando proximidade e sintonia com os
novos dançarinos, ele ainda privilegiava, nesse texto, a força
promissora de alguns deles, como Yvonne Rainer.
Um exemplo do que seria uma característica influente
de Rainer é a dança que ela apresentou em 1963, num dos
primeiros concertos coletivos do Judson Dance Theater,
chamada We Shall Run (Fig. 49). Trata-se de uma peça de

13
BANES, Sally. Greenwich Village 1963 – Avant-garde, Performance e
o Corpo Efervescente. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 44.
14
Citado em: Idem. Democracy’s Body – Judson Dance Theater, 1962 –
1964, op. cit., p. 79. A citação de Banes se refere a anotações não
publicadas de Morris.
144

sete minutos para doze dançarinos, acompanhada por um


trecho “bombástico”, em sua opinião, de Requiem de Hector
Berlioz15. Um único tipo de movimento se repete e se
desdobra por toda a duração, uma corrida constante do tipo
que se vê na prática do jogging, porém realizada em uma
variedade de padrões de agrupamento e direção. Os
dançarinos alternam formações em bloco único e em grupos
menores que se fazem e desfazem, circulando por toda a
extensão do palco, perfazendo seus limites e diagonais,
traçando percursos em ziguezague, retas, círculos, espirais ou
linhas irregulares, cujo efeito geral foi considerado
“hipnótico”16. O deslocamento regular e os agrupamentos
diferentes e sucessivos de elementos simples e parecidos –
basicamente o mesmo ritmo e os mesmos gestos em todos os
corpos –, que haviam sido previamente planejados e coorde-
nados por Rainer através de uma série de desenhos em planta
baixa, lembram a lógica das permutações que Morris fez em
1967. A ênfase na dimensão temporal da escultura, seu
pronunciado caráter impermanente, imersa num trânsito que
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torna quase inapreensível a sua geometria, além disso


sensorialmente “rebaixada” pela uniformidade e blankness
das construções – esses e outros aspectos das permutações de
Morris podem ser remetidos a We Shall Run. Ele assistiu à
estréia dessa dança em 1963 e depois participou como
dançarino em uma performance de 1965, ocasião da foto-
grafia aqui reproduzida, em que o artista aparece ao centro.

Fig. 49: Yvonne Rainer, We Shall Run, 1963 Fig. 50: Yvonne Rainer,
Part of a Sextet, 1964

15
Todas as descrições de trabalhos de Rainer são baseadas em seus
próprios textos, citados a seguir, e em filmes da época ou reconstruções
posteriores em vídeo: Continuous project - Altered daily [filme]. New
York, 1969; Lives of performers [vídeo]. New York, 1972; Trio A - The
mind is a muscle, part 1 [filme]. New York, 1978; Judson Dance Theatre
reconstructions [vídeo]. New York, 1982; The Judson project: Yvonne
Rainer [vídeo]. New York, 1983; Five easy pieces: five films [vídeo].
New York, 2003.
145

1965 também foi o ano da estréia de Waterman Switch,


que traz Morris e Rainer como corpos rebatidos, colados
frente a frente, repetindo os mesmos movimentos e ainda
cobertos de óleo, brilhantes e instáveis como reflexos de
espelho. A possibilidade de se retrabalhar em novos termos a
imagem tradicional do enlace corporal amoroso havia sido
explorada por Rainer no dueto Part of a Sextet (Fig. 50), que
ela apresentou com Morris no ano anterior e que consistia,
nas palavras de um crítico, numa “meditação poética sobre o
sono, implicitamente sexual no sentimento, [novamente]
hipnótica no efeito.”17 A dança que estreou em 1965 sob o
título de Parts of Some Sextets (Fig. 51) foi desenvolvida por
Rainer a partir desse dueto e de outras atividades que ela
vinha partilhando com Morris18, que culminaram em uma
peça de 42 minutos para dez dançarinos e doze colchões, em
que Morris também atuou. O acompanhamento sonoro foi
feito por uma gravação da voz de Rainer lendo partes do
Diário de William Bentley, ministro episcopal que viveu nos
EUA no século XVIII e registrou com detalhes a vida
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comunitária de sua cidade.


Toda estruturada por uma tabela que relacionava uma
lista de movimentos a uma seqüência de durações iguais,
Parts of Some Sextets leva a lógica repetitiva/permutacional
de We Shall Run a um maior nível de complexidade. Por um

Fig. 51: Yvonne Rainer, Parts of Some Sextets, 1965

16
BANES, Sally. Democracy’s Body – Judson Dance Theater, 1962 –
1964, op. cit., p. 87.
17
ANDERSON, Jack. “Yvonne Rainer: the Puritan as Hedonist”. In:
Ballet Review 2/5 1969, p. 31.
18
Em seu texto sobre Parts of Some Sextets, que citamos a seguir, Rainer
comenta que Check, dança apresentada por Morris em Estocolmo em
1964, foi um ponto de referência para o trabalho. Além disso, o interesse
em empregar colchões estava ligado a atividades de improvisação
envolvendo o deslocamento de móveis e objetos que ela havia proposto e
desenvolvido com Morris durante um dos encontros do Judson Dance
Theater, também em 1964.
146

lado, Rainer definiu 31 possibilidades de movimento, que


incluíam atividades estáticas como ficar de pé ou deitado,
frases de movimento simples ou mais complexas, em solos,
duetos e quartetos; formações coletivas e algumas atividades
que envolviam deslocamento, empilhamento e jogos com os
colchões. Por outro lado, decidiu que esses movimentos se
distribuiriam entre os dançarinos em intervalos de 30
segundos, podendo ser repetidos consecutivamente ou
recorrentemente na extensão dos intervalos, de modo que
toda a ação estaria sempre sendo interrompida, às vezes
modificada apenas numa parte, às vezes em todo o palco ao
mesmo tempo. A tabela foi construída em papel quadriculado
para permitir a combinatória final, servindo portanto como
score: os 31 movimentos listados na vertical e os 84
intervalos de 30 segundos na horizontal, cujas interseções,
quando marcadas, indicavam a ocorrência das ações ao longo
da duração da peça – sendo a distribuição espacial decidida
nos ensaios, dependendo da área disponível para a
performance. Os pontos de interseção foram marcados numa
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mistura de procedimentos de acaso e escolhas deliberadas.


Ao refletir sobre o trabalho, Rainer afirmou seu
interesse em um “movimento não-dinâmico, sem ritmo, sem
ênfase, sem tensão, sem relaxamento. Você simplesmente faz,
com a coordenação de um profissional e a indefinição de um
amador.”19 E os resultados lhe pareceram, de fato, bem próxi-
mos a isso:

Sua repetição de ações, sua longa duração, sua recitação


arrastada, seu ir e vir inconseqüente, tudo combinava para
produzir um efeito de nada acontecendo. A dança ‘não ía a
lugar algum’, não se desenvolvia, progredia como se sobre
uma esteira rolante ou como um caminhão emperrado numa
montanha: muda de marcha, faz muita fumaça e ruídos, mas
não move uma polegada.20

Esse tempo arrastado, sem ênfases e sem tensões, foi


identificado por Annette Michelson com um “tempo
operacional”. Produzido quando se introduz na situação
coreográfica o tempo real que um corpo leva para simples-
mente cumprir um movimento prescrito, esse tipo de
distensão temporal seria o contrário do “tempo sintético” que
sempre prevaleceu na dança, “engendrado por padrões
19
RAINER, Yvonne. “Some retrospective notes on a dance for 10 people
and 12 mattresses called ‘Parts of Some Sextets’ performed at the
Wadsworth Atheneum, Hartford, Connecticut, and Judson Memorial
Church, New York, in March 1965”. In: SANDFORD, Mariellen (org.).
Happenings and Other Acts, op. cit., p. 162.
20
Ibidem, p. 167.
147

rítmicos ou retóricos predeterminados”21. Em 1966, Rainer


levaria mais adiante algumas das conseqüências do “tempo
operacional”. Se a dança passa a depender do tempo que cada
corpo, com seus recursos dinâmicos e peso próprio, leva para
realizar um movimento, então corpos diferentes dão durações
diferentes a uma mesma seqüência de movimentos. De certa
maneira, e no ponto em que estamos, isso soará bastante
óbvio: tal conclusão já era clara para Forti e está implícita nos
procedimentos de tarefa e instruções desde os anos 50. Mas
Rainer traz essa conclusão para um desmonte analítico das
próprias convenções da coreografia, da frase, do fraseado e
da sincronia, retomando-as na estrutura da dança. Ou seja, se
Forti eliminara a frase e a coreografia, logo tirara de questão
o fraseado e a sincronia, Rainer convocava todos esses
elementos para o seu campo de produção e reflexão.
Ao pensarmos esses dois diferentes posicionamentos
em termos de suas trocas com a produção de Morris – mas
dispensando qualquer determinismo –, não parecerá estranho
observar que eles talvez se aproximem, respectivamente, dos
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dois principais momentos de seu minimalismo. Primeiro, o


holismo dos poliedros muito simples do início dos anos 60,
que eliminaram de um só golpe toda a sintaxe e o vocabulário
escultórico, empregando a geometria ordinária, readymade,
das colunas, caixas e lajes, marcaria uma proximidade com o
trabalho de Forti. Depois, já em meados da mesma década, as
repetições e permutações que puseram em jogo um repertório
geométrico mais complexo e uma combinatória de elementos,
em variações de anéis, caixas vazadas e poliedros irregulares,
marcaria o diálogo produtivo com Rainer. É fundamental,
porém, perceber que não se tratava, nesse “segundo
momento”, de uma volta a modelos anteriores de escultura e
dança, inclusive anteriores ao “primeiro momento”. Assim
como Morris não estava, dessa maneira, aderindo à abstração
geométrica ou à composição relacional, tampouco Rainer
estava repondo valor àqueles elementos coreográficos
tradicionais. Muito ao contrário: o teor eminentemente
contra-sintético, entrópico e paródico das operações dos dois
artistas nessa época – Morris sem dúvida recorre ao
imaginário popular quando apelida peças em fibra de vidro de
“estádio” ou “donut”, enquanto a dança de Rainer cita
constantemente o ballet e o cinema – nos levaria antes a
pensá-las como operações contra-metodológicas, já indicati-
vas do que Morris logo depois chamaria de “anti-forma”.

21
MICHELSON, Annette. “Yvonne Rainer, Part One: the Dancer and the
Dance”. In: Artforum, January 1974, pp. 58-9.
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Fig. 52: Yvonne Rainer, Trio A, 1966

Pois bem, a dança emblemática da distensão opera-


cional é Trio A, um solo com aproximadamente quatro
minutos e meio de duração, concebido para ser executado por
três pessoas simultaneamente (Fig. 52). Em Trio A, uma série
de movimentos sem repetição se desdobra sem pausas,
variações de ênfase ou frases identificáveis. Alguns são
movimentos mundanos, outros têm forma e coordenação
incomuns; há voltas, saltos, uma cambalhota, equilíbrios em
um pé, uma queda, um agachamento, flexões, movimentos só
de braços ou cabeça. No entanto, os contrastes inerentes a
essa diversidade de ações são deliberadamente neutralizados
por um empenho mínimo e constante de energia durante toda
a execução, de modo que os componentes da seqüência se
fundem sem a modificação de energia que tradicionalmente
149

os “modelaria” em ápices e transições. Duas experientes


críticas de dança resumiram-no assim: para Deborah Jowitt,
os dançarinos “dão a todos os momentos igual importância e
‘chapam’ até mesmo as inflexões dinâmicas que informam o
movimento cotidiano”, como se fossem “pessoas falando com
uma clareza monótona”22; para Sally Banes, os dançarinos
conferem à frase “o aspecto de uma superfície lisa e fácil,
apesar de seus eventos gestuais serem evidentemente
complexos e cansativos”23. Morris, que nunca atuou nessa
coreografia, foi um espectador engajado e logo depois de sua
estréia dedicou-lhe comentários em um texto crítico publi-
cado na seção de dança do jornal Village Voice: “a dança
avançou sem desenvolvimento, de modo intratável porém
lírico, permitindo-nos captar muitos detalhes mas não partes
facilmente definíveis. (...) Os movimentos nesse trabalho
eram compactos e densos sem serem pesados”24.
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Fig. 53: Yvonne Rainer, 1966

A frase coreográfica que Rainer reinventou é chapada,


parece uma superfície lisa; é compacta e densa, mas ao
mesmo tempo leve: Jowitt, Banes e Morris sugerem, com
essas expressões, claras associações entre a dança e a
escultura minimalista. E se as sugestões de Jowitt e Banes são
bem posteriores, a de Morris é contemporânea à própria
dança e ao famoso texto em que Rainer analisa o Trio A,
tendo como ponto de partida justamente a comparação, na
forma de uma tabela, entre o “objeto” minimalista e a sua
dança; escrito ainda em 1966, esse texto só veio a ser

22
JOWITT, Deborah. Time and the Dancing Image, op. cit., p. 307.
23
BANES, Sally. Terpsichore in Sneakers: Post-modern Dance, op. cit.,
p. 91.
24
MORRIS, Robert. “Dance”. In: Village Voice, February 3, 1966, p. 25.
A estréia de Trio A aconteceu em 10 de janeiro de 1966.
150

publicado na coletânea organizada em 1968 por Gregory


Battcock sobre o minimalismo25. A tabela, que abre o texto, é
tipicamente didática ao resumir e listar as características
correspondentes da escultura e da dança, classificadas entre
as que se buscaram eliminar ou minimizar e as que vieram
em substituição destas (Fig. 53). Em larga medida, Rainer aí
retomou e organizou as principais questões que haviam sido
exploradas por Forti e por ela mesma no contexto coletivo do
Judson Dance Theater, mas seu desenvolvimento no texto foi
um esforço teórico inédito no campo dessas recentes transfor-
mações da dança norte-americana.
O interesse numa relação mais reflexiva com a dança já
era sugerido pelo título original do trio – The Mind is a
Muscle, Part 1 –, apenas a primeira parte da peça mais
extensa com esse curioso título, que em 1966 ainda estava
incompleta. A reflexão se desenvolve no texto sobretudo a
partir da primeira característica eliminada da dança, o
fraseado, que é substituído pelo empenho homogêneo de
energia em found movements. Em dança, “fraseado” é
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justamente o modo de distribuição de energia na execução de


um movimento ou de uma frase de movimentos; é um fator
fundamental para a definição mais tradicional do que vem a
ser “dançar”, posto que a distinção entre tipos de movimento
depende menos de suas diferenças na articulação das partes
do corpo do que de suas diferenças de investimento
energético. Segundo Rainer, a dança teatral ocidental tornou
familiar o tipo de execução com um maior esforço de ataque
no início da frase, seguido do abatimento e da recuperação ao
final, o que significa a produção de um clímax – um “foco de
atenção” – e o estabelecimento de contrastes entre prepa-
ração, movimento e descanso. Essa estrutura de fraseado,
presente tanto na dança clássica quanto na dança moderna,
traz implícita uma narrativa, um começo-meio-fim. Laurence
Louppe identificou precisamente o que Trio A procurava
cancelar: “a curva dinâmica da frase traz em si um impulso
composicional (...) fazendo de toda duração uma ficção
articulada”26. As alternativas exploradas por Rainer em
substituição ao padrão rítmico-retórico do fraseado foram,
como ela indicou, a dissolução dessa modulação energética
“sintética” numa execução mais concreta, matter-of-fact:

25
RAINER, Yvonne. “A quasi survey of some ‘minimalist’ tendencies in
the quantitatively minimal dance activity midst the plethora, or an
analysis of Trio A”. In: BATTCOCK, Gregory (org.). Minimal Art – A
Critical Anthology, op. cit. A tabela da Figura 53 encontra-se na página
263 dessa edição.
26
LOUPPE, Laurence. Poétique de la Danse Contemporaine, op. cit., p.
151.
151

A execução de cada movimento produz um sentido de


controle desapressado. (...) O que se vê é um controle que
parece adequado ao tempo real necessário ao peso real do
corpo para realizar os movimentos prescritos, mais do que a
adesão a uma ordem temporal imposta. Em outras palavras,
as demandas feitas aos recursos de energia (reais) do corpo
parecem comensuráveis com a tarefa – seja levantar do chão,
suspender um braço, inclinar a pélvis etc. –, assim como
quando se deixa uma cadeira, se alcança uma prateleira alta
ou quando se descem escadas sem pressa. Os movimentos
não são miméticos, logo não lembram uma dessas ações,
mas gosto de pensar que em seu modo de execução eles têm
a qualidade factual dessas ações.27

Rainer trabalhou a frase coreográfica contra o fraseado,


portanto contra qualquer sincronia. Cada corpo “mede” a
coreografia a seu modo. Ao propor um solo para três
performances simultâneas, ela punha em curso “um tipo
específico de repetição”, como explicou Henry Sayre:
“princípios de harmonia, equilíbrio e proporção exigiam que
os movimentos na dança fossem sincronizados. Mas ao invés
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de suprimir diferenças – um dos principais objetivos do


ensaio na dança tradicional – Trio A as explora.”28 Em seu
texto, Rainer se pergunta sobre o que viria a ser “repetir” e
indica que, apesar de seu trio não apresentar nenhuma
repetição consecutiva, a simultaneidade de três seqüências
iguais e com o mesmo “tom” de esforço poderia ser
considerada um tipo de repetição. Mas, nesse caso, repetição
discrepante: já que a duração da seqüência não tem prescrição
exata e os dançarinos executam-na sem qualquer contato
físico, “pequenas discrepâncias no tempo das frases
executadas individualmente resultam em três performances
simultâneas constantemente entrando e saindo de fase,
entrando e saindo de sincronia.”29
Ao fazer sua crítica para o Village Voice, Morris não
poderia deixar de enfatizar a percepção dessa repetição

27
RAINER, Yvonne. “A quasi survey of some ‘minimalist’ tendencies in
the quantitatively minimal dance activity midst the plethora, or an
analysis of Trio A”, op. cit., p. 270.
28
SAYRE, Henry. “Tracing Dance”. In: The Object of Performance – the
American Avant-Garde since 1970. Chicago and London: The University
of Chicago Press, 1989, p. 126. Seria possível, como Sayre propõe nesse
texto, pensar o jogo entre repetição e diferença na performance e na dança
a partir da dinâmica da différance de Jacques Derrida – “o jogo
sistemático de diferenças, dos traços de diferenças, do espaçamento por
meio do qual elementos relacionam-se uns aos outros...”. Mas além dessa
abordagem teórica já ser insistentemente trabalhada nos estudos de
performance, sua consideração fugiria aos limites da tese.
29
RAINER, Yvonne. “A quasi survey of some ‘minimalist’ tendencies in
the quantitatively minimal dance activity midst the plethora, or an
analysis of Trio A”, op. cit., p. 272.
152

discrepante, que ele também descreveu como um “entrar e


sair de sincronia” pelo qual se favoreceram as qualidades
cinestésicas de cada dançarino – na ocasião da estréia, David
Gordon, “em transições macias e suaves”, Steve Paxton, num
“tratamento mais em staccato”, e Rainer, “a mais neutra em
termos de energia”30. Afinal, dois anos antes de Trio A,
Morris havia realizado seu solo 21.3, que consistia exata-
mente num jogo anti-sincronia, superposição divergente de
fenômenos quase iguais. Por isso mesmo, acrescente-se
ainda, Trio A nos ajuda a perceber a ligação entre 21.3 e
trabalhos como Three L-beams, de 1965 (Fig. 10), e Three
rulers, de 1963 (Fig. 28). Poderíamos, de fato, conceber toda
uma trama de recorrências (repetições...) à estrutura em tríade
com esses e outros trabalhos vistos aqui: o trio de Rainer, as
três vigas em L e as três réguas de Morris, os três movi-
mentos de 4’33’’ de Cage, os três standard stoppages de
Duchamp...
Seria possível relacionar essas tríades na arte à famosa
tríade da dialética – tese, antítese e síntese? Talvez não sejam
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recorrências casuais: uma característica da repetição é a


inviabilização da síntese, conciliação de termos opostos ou
contrastantes pela qual, em um modelo racionalista, se
processaria a realidade. Repetir é adiar a síntese, atrasar o
encontro final dos complementares, manter o acontecimento
artístico em “estado de delay”. E isso implica o encontro
entre o espectador e o trabalho de arte: assim como os cubos
espelhados, as permutações e os desenhos cegos de Morris, a
dança de Rainer instala uma situação que resiste a ser
abarcada na visão, um campo de ações que se perdem de
vista, enfim, “lida com a dificuldade de ver”31. Um tipo de
dança-delay que parece ter seguido ativa, por muitos anos, no
trabalho de Morris. Por exemplo: a instabilidade de um
campo difícil de ver, que se processa por rebatimentos,
divergências e desencontros, foi várias vezes retomada em
instalações com espelhos no final dos anos 70. Dispostos
frente a frente, em grandes áreas, os espelhos abrem contra-
campos de desorientação (Fig. 54); aplicados sobre
superfícies curvas, transformam essa desorientação em
vertigem (Fig. 55).
Essas operações de esgarçamento focal, contra-
sintéticas, que aproximam os trabalhos de Morris e Rainer,
participavam do que tomaremos aqui como uma “passagem”

30
MORRIS, Robert. “Dance”, op. cit., p. 25.
31
RAINER, Yvonne. “A quasi survey of some ‘minimalist’ tendencies in
the quantitatively minimal dance activity midst the plethora, or an
analysis of Trio A”, op. cit., p. 272.
153

da blank form à anti form. Essa passagem seria, melhor dito,


a expansão do desmonte minimalista da ordem relacional do
“objeto” (levado a cabo na blank form) através da dissolução
do “objeto” no “campo” (feita em seguida, com a anti form).
Como explicaria o artista nas suas Notes on Sculpture, Part 4,
o interesse pelo modo “nem incompleto nem especialmente
completo” dos “campos de coisas que não contêm um foco
central e se estendem para a visão periférica” suplantava “o
tipo auto-contido de organização oferecido pelo objeto
específico.”32 Na quarta e última parte da série de textos
sobre a escultura, que começou discutindo o uso das unitary
forms, Morris declarava sua “separação proposital de leituras
holísticas em termos de formas ligadas à gestalt.”33 Escrita
em 1969, Notes on Sculpture, Part 4 é basicamente o desen-
volvimento de reflexões e argumentos de um pequeno artigo
que Morris havia publicado na revista Artforum, em 1968,
sob o título de Anti Form.34
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Fig. 54: Robert Morris, sem título (Portland mirrors), 1977

32
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 4”. In: Continuous Project
Altered Daily: The Writings of Robert Morris, op. cit., p. 57.
33
Ibidem, p. 61.
34
Idem. “Anti Form”. In: Continuous Project Altered Daily: The Writings
of Robert Morris, op. cit.
Na verdade, esse título foi proposto pelo editor da Artforum à época e
Morris não o emprega em nenhum momento ao longo do próprio texto. O
caráter certamente problemático da expressão anti form no entanto acaba
por torná-la produtiva, além de emblemática, para o contraponto à blank
form que propomos aqui. Morris, obviamente, nunca comentou seu
trabalho em termos de um tal contraponto – ou “passagem” – com as duas
expressões, nem sequer voltou a usá-las em outras ocasiões além dos dois
textos em que apareceram, em 1961 e 1968. Nossa sugestão de articulá-
las como numa “passagem” é também uma referência à idéia de Rosalind
Krauss de que as transformações recentes da escultura poderiam ser
pensadas como Passages in Modern Sculpture – título de seu livro
publicado em 1977. Além da discussão de trabalhos de Morris, nos parece
evidente que a argumentação principal do livro tem algo de um diálogo
com sua obra e seus textos.
154

O texto de Anti Form começa indicando o que seria a


persistência de um dualismo nas construções isoladas ou
seriais minimalistas. Os poliedros haviam eliminado a ordem
a priori dos princípios e da dinâmica composicionais, que
mantinham uma relação dualista com o objeto de arte,
adotando, em lugar de uma racionalidade espacial, a
geometria readymade do repertório industrial. Porém, o que
logo se tornou evidente, sobretudo com o desdobramento das
Fig. 55: Robert Morris, sem
séries, é que algo dessa relação dual também se fazia sentir título (For R. K.), 1978
entre as estruturas adotadas e os seus materiais:

O que continua problemático nesses esquemas é o fato de


que qualquer ordem de múltiplas unidades é uma imposição
sem relação inerente com a fisicalidade das unidades exis-
tentes. Organizações permutacionais, progressivas, simé-
tricas têm um caráter dualista na relação com a matéria que
elas distribuem.35

De fato, o que Morris recolocava aqui era a questão,


desde o início fundamental para ele, sobre a possibilidade de
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uma arte em que coincidissem processo e resultado, ou seja,


em que o trabalho de arte fosse o seu próprio processo
produtivo, não a instância prática ou material de uma
instância subjacente ou ideal de decisões e esquemas prévios.
Essa pergunta levou-o a pintar debruçado de um andaime e
ao envolvimento com uma dança não-coreográfica; levou-o à
Box with the sound of its own making e à Box for standing;
aos auto-retratos e aos desenhos cegos, à blank form e à anti
form – por isso podemos dizer que a anti form expandia as
conseqüências do minimalismo mesmo que funcionasse por
negá-lo. É claro que, com a insistência da pergunta, vem
também a percepção das dificuldades em produzir-lhe uma
resposta, em “resolver” o problema que ela coloca. E de novo
(talvez melhor: e ainda), Morris tem na obra de Pollock um
exemplo da validade dessa pergunta: “A dualidade se
estabelece pelo fato de que uma ordem, qualquer ordem, está
operando através das coisas físicas. Provavelmente nenhuma
arte pode resolver isso completamente. Algumas, como a de
Pollock, chegam perto.”36
Já nos dedicamos, páginas atrás, ao que seria esse
diálogo com Pollock, mas o texto Anti Form é o que mais
claramente o retoma e atualiza. Para Morris, o trabalho de
Pollock chegou perto de eliminar o dualismo da arte – no
fundo, o antigo dualismo entre forma e matéria – pela
realização de uma investigação direta do “próprio processo
35
Ibidem, p. 41.
36
Ibidem, p. 43
155

do fazer”. Com isso, Morris negava, por um lado, que a força


dessa pintura residisse na “ação” de Pollock, romantizada e a
essa altura transformada num clichê da crítica; por outro lado,
rejeitava a mera valorização ou mitificação da matéria, o que
seria a simples inversão daquele dualismo, algo que a
expressão anti form poderia erroneamente sugerir. Pollock foi
capaz de “reter” o processo como parte de seu resultado
porque redimensionou o papel dos materiais e ferramentas na
produção da pintura, levando em conta sobretudo o modo
como a tinta se comporta sob as condições da gravidade e em
contato com as colheres e os bastões usados para aplicá-la:

O bastão que goteja tinta é uma ferramenta que reconhece a


natureza fluida da tinta. Como qualquer outra ferramenta, ele
ainda controla e transforma a matéria. Mas, diferente do
pincel, ele lhe tem muito mais afinidade porque reconhece as
tendências e propriedades inerentes a essa matéria.37

O que Morris assinala no método do pintor é o que logo


a seguir, no texto Some Notes on the Phenomenology of
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Making, de 1970, ele resumiria como as “tendências inerentes


à interação materiais/processo”: contra resquícios metafóricos
no processo da pintura, Pollock teria baseado o seu fazer na
própria experiência com a “natureza dos materiais, as
restrições da gravidade e a limitada mobilidade do corpo
interagindo com ambas.”38 Muito do que se considera a
produção anti-forma de Morris está ligada, portanto, a essa
releitura do dripping numa exploração das possibilidades de
uma “forma” que não se perceba como “produto final” e sim
como “processo de formação” – razão pela qual o termo
process art se aplica freqüentemente a essa produção. Pois o
contrário da concepção de uma forma aberta, processual,
consistiria num “projeto anti-entrópico e conservativo”, pelo
qual a “forma não se perpetua por seus meios mas pela
preservação de fins idealizados e separáveis.”39 A trama
instável do dripping era, de certa maneira, redimensionada no
emprego de materiais não-rígidos e que não se fixavam, logo
materiais plasticamente mais “interativos” com relação às
ações levadas a cabo pelo artista, à gravidade e às condições

37
Ibidem.
38
MORRIS, Robert. “Some Notes on the Phenomenology of Making”. In:
Continuous Project Altered Daily: The Writings of Robert Morris, op.
cit., p. 77.
39
Idem. “Anti Form”, op. cit., p. 45. Aqui, Morris dá dois exemplos do
que seria essa concepção conservativa da arte como fim e não como
processo: a mudança da madeira para o mármore, mantendo-se a mesma
aparência, na arquitetura grega, e os bronzes cubistas com múltiplos
planos facetados.
156

locais de sua instalação. A conclusão do texto Anti Form traz


alguns dos procedimentos que Morris havia começado a
experimentar com feltro industrial em 1967:

Considerações quanto à ordenação são necessariamente


casuais e imprecisas e desenfatizadas. Acumulação aleatória,
empilhamento solto, suspensão, dão forma passageira ao
material. O acaso é aceito e a indeterminação implícita, já
que o reposicionamento resultará em outra configuração.40

As peças em grandes dimensões, feitas com pedaços


soltos de feltro espesso, abriram na obra de Morris todo um
percurso próprio, talvez comparável, em termos de recor-
rência, aos desenhos cegos. Entre 1967 e 1983, o artista fez
algumas séries de trabalhos com esse material, empregando-o
sempre sem qualquer fixação interna, preso apenas à parede
em alguns poucos pontos, muitas vezes apoiado ou
acumulado no chão junto à parede41. Cada peça tem como
base um ou mais pedaços de feltro em formato retangular que
recebe determinado número de cortes em sua extensão, feitos
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segundo um desenho geométrico elementar, de linhas


paralelas, contidas ou vazando os limites do material. Às
vezes, a lógica dos cortes é perceptível na peça pendurada,
como é o caso das Figuras 58 e 59, outras vezes é quase
impossível percebê-la, como nas Figuras 56 e 57. Sobretudo
nos primeiros trabalhos, de 1967, o artista costumava cortar o
feltro enrolado ou dobrado, de modo que quando aberto,
amontoado e suspenso, não se via a distribuição regular dos
cortes. A partir de 1968, Morris passou a adotar cortes cada
vez mais simples no feltro aberto, tornando evidente a
interação do material – de densidade, flexibilidade e
resistência próprias – com as ações, estruturas e tensões a que
lhe submetera o artista, também perceptíveis na configuração
do trabalho exposto. O caráter impermanente e processual
dessas peças passa ainda pelo fato de que elas podem se
tornar radicalmente diferentes dependendo de como são
presas na parede ou dispostas no chão – possibilidade que foi
amplamente explorada por Morris durante os anos 70, em
várias instalações distintas de peças normalmente bem
simples.
Os feltros são, sem dúvida, exercícios de forma, forma
em exercício. Se por um lado constituem um “assalto” à

40
Ibidem, p. 46.
41
Os estudos mais completos sobre o desenvolvimento das séries de
feltros de Morris foram organizados por Pepe Karmel no seguinte
catálogo: KARMEL, Pepe (org.). Robert Morris: the Felt Works. New
York: Grey Art Gallery and Study Center/NYU, 1989.
157

Fig. 56: Robert Morris, sem título, 1967 Fig. 57: Robert Morris, sem título, 1967
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Fig. 58: Robert Morris, sem título, 1968 Fig. 59: Robert Morris, sem título, 1969

gestalt, por outro seriam verdadeiras lições sobre o processo


do fazer – cada peça é uma equação entre material, gravidade
e artista, pela qual fazem-se e desfazem-se inúmeras formas.
E se os primeiros eram mais deliberadamente anti-objetuais e
dispersivos, tendentes a uma situação de “campo”, à medida
que a série avançou eles foram ficando cada vez mais frontais
e simétricos, interessados, talvez, em intensificar sua
“semelhança” com o corpo do observador que se posiciona
diante deles. Essa semelhança, certamente não mimética, já
funcionava desde os feltros soltos, iniciais, por conta de seu
peso, tactilidade, relativa maleabilidade e espessura visíveis.
Mas ao fazer de cada peça um confronto, apenas momen-
taneamente estável, entre forças de resistência material-
estrutural e a força gravitacional – graças à sua instalação
vertical, por pontos de apoio muito marcados –, Morris
acentuava uma espécie de “apelo” corporal inerente ao feltro.
Segundo seu próprio comentário “o feltro tem associações
anatômicas; tem relação com o corpo – parece a pele. O
158

modo como ele toma forma, com um equilíbrio tensionado


pela gravidade e um sentido cinestésico, gosto de tudo
isso.”42 Enfim, esses trabalhos também têm muito do corpo
dançante. Como os desenhos cegos, estendem pela obra
madura um tipo de jogo de dança: agenciamento de sistemas
de ações, modulação de estruturas que ao mesmo tempo neles
se apresentam e se dissolvem.
Mas se os feltros ganharam um desenvolvimento
próprio que os tornou cada vez mais distantes das situações
de “campo”, típicas do envolvimento com experiências anti-
forma, eles também estão muito ligados a outros trabalhos
que lidam diretamente com a inviabilização perceptiva do
“objeto”. Por exemplo, a acumulação de estopa sobre o chão,
com pedaços de feltro, tubos de cobre e quadrados de espelho
esparsos, que o artista realizou em 1968 e chamou de
Threadwaste (Fig. 60). Instalada em uma grande área, a
mistura de fios de diversas cores se converte numa massa
acinzentada. As placas com espelhos nas duas faces, inseridas
nessa massa, produzem um efeito próximo ao dos pedaços de
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feltro e tubo: ao mesmo tempo em que pontuam a extensão,


tirando um pouco de sua homogeneidade, perturbam como
“ruídos”, pontos contra-focais que rebatem e adiam a
percepção do conjunto, se é que é possível percebê-lo. Aqui,
mais que em qualquer outro trabalho, o diálogo com Pollock é
flagrante. Podemos imaginar Morris inclinado, andando por
todo lado, espalhando os fios coloridos e deixando-os
acomodar os elementos mais pesados, num misto de controle e
concessão às suas “tendências inerentes” – dançando o
dripping. E as propriedades fluidas e instáveis dos materiais,
que então lhe interessavam, foram ainda mais ressaltadas em
Steam (Fig. 61). Com saídas de vapor instaladas sob um leito
quadrado de pedras, Steam está sempre em processo de se
fazer e desfazer no ar.

Fig. 60: Robert Morris, Threadwaste, 1968

42
Citado em PATTON, Phil. “Robert Morris and the fire next time”. In:
Art News 82, December 1983, p. 86.
159

Fig. 61: Robert Morris, Steam, 1967

Dito isso, nos parece que a discussão e as experiências


anti-forma propostas por Morris são fundamentalmente
ligadas ao que viveu o artista-dançarino em um meio de
dança marcado pelos trabalhos de Forti e Rainer. A
concepção da forma como interação material/processo, fazer
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em curso, que não se separa nem se distingue de um produto


estável e permanente, tem muita afinidade com o que se
experimenta na dança. O corpo é interativo por definição e a
dança um agenciamento da gravidade, formulação e
adiamento contínuo de estabilidade. Parecido com o que
Morris propunha no texto Anti Form, a dança da geração
Judson investigou a interatividade física como processo
aberto: negociação não coreografada de tarefas, textos,
imagens ou construções; execução não sincronizada e não
modulada de frases ou coreografias; em todo caso, a inviabi-
lização perceptiva de uma ordem sintética a priori e do corpo
como seu núcleo de coerência. As próprias danças de Morris
já se aproximavam dessas questões anos antes da publicação
de Anti Form.
Vimos como 21.3 e Arizona abrem, em seu decorrer,
um campo dispersivo que gradualmente desfoca o solo. Mas
especialmente a segunda dança privilegia esse outro modo de
fazê-lo, além da repetição: a interação material/processo.
Referimo-nos ao tipo de interatividade trabalhada sobretudo
por Forti e que Morris relacionou à obra de Pollock: a
produção de escala, medição corporal de possibilidades
motoras frente a materiais, estruturas e forças. Arizona é
“escala em processo”, mas também em dissolução; a
passagem entre as quatro partes – do eixo vertical do solista à
extensão horizontal do teatro – poderia até lembrar a
passagem entre a blank form e a anti form. Baseada em
tarefas e no uso de objetos, portanto não-coreográfica, a
160

dança produz uma espacialidade centrífuga cujos limites vão


sendo feitos e refeitos, em ações que marcam e logo extra-
polam os seus alcances. O desdobramento dessas ações está
diretamente ligado aos materiais com que o corpo interage,
procede de recursos plásticos e cinéticos que cada um deles
sugere ou disponibiliza.
Os primeiros materiais são um texto e uma rotação de
tronco, na verdade um movimento-tarefa: a partir da posição
de máxima frontalidade e sem mover os pés, girar ao
máximo, na duração de Method for Sorting Cows. A repro-
dução sonora fornece uma extensão temporal para o
movimento, sendo ela também uma espécie de texto-tarefa,
instruções para uma seqüência bem mais complexa de outros
movimentos. Superpostas ação e recitação, o que ocorre é,
por um lado, o seu registro energético, a voz de Morris
fluindo monótona e ininterruptamente junto com seu giro
lento e contínuo. Por outro lado, há o sensível desencontro
entre as sugestões cinestésicas das duas tarefas, numa
sincronia disjuntiva que inclusive tensiona o pragmatismo e a
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coordenação das ações descritas no texto. Na segunda parte, é


a pequena construção em T que “regula” as ações, pelas
próprias possibilidades de articulação que os seus elementos
oferecem, como índices de distância e direção, enquanto na
terceira parte, o movimento praticamente vem junto com a
lança e o alvo. Na quarta e última, a flexibilidade, resistência
e leveza do fio são postas em jogo no laço aéreo. A percepção
da cor azul transitando pelas diversas “ferramentas” do
dançarino, em contato com seu corpo e dele desprendendo-se,
cortando o ar e sendo desenhada pela ação e pela gravidade,
faz da cor um agente material e expansivo, que trama nexos e
ao mesmo tempo esgarça a estrutura do trabalho – outra
dança do dripping?
Um pouco à maneira de Steam, o corpo do dançarino
termina por desaparecer em Arizona, levando a atenção do
público para além da área de rígidos limites em que está
fincado. Expor e esconder o próprio corpo da visão do
público é um jogo recorrente na obra de Morris, e tampouco
podemos deixar de relacioná-lo à prática da dança43. Mas se

43
Morris é contemporâneo ao surgimento da performance art e da body
art, em que são centrais o envolvimento e a exibição do corpo do artista
no trabalho de arte. As referências para esses dois tipos de prática artística
também incluem a dança, em especial Ann Halprin e o Judson Dance
Theater, além de Pollock, Cage, Duchamp, Yves Klein, Joseph Beuys e,
entre outros, o próprio Morris, assiduamente referido como um precursor
com suas Column e Box for Standing. Como acontece nestes dois
trabalhos, a relação com a dança é determinante das possibilidades de
envolvimento corporal exploradas por Morris, e compreender essa relação
161

mostrar o corpo em ação é essencial à atividade dos


dançarinos, Morris sempre fez desta uma situação ambígua.
Column é o primeiro e mais óbvio exemplo. Depois também
Site, em que ele cobre o rosto com uma máscara igual ao seu
rosto, e Waterman Switch, em que tem o corpo descoberto e
ao mesmo tempo coberto por outro corpo descoberto. Não
surpreende, então, que depois dos trabalhos de dança os
trabalhos anti-forma tenham sido os que provavelmente mais
expuseram-no em atividade. Aqui, essa ambigüidade com o
próprio corpo em ação ganhava uma outra dimensão material:
a ambigüidade das coisas feitas, massas fluidas ou amorfas,
processos de contínuo fazer e desfazer, movimentação e
esforços que “não levam a lugar algum”, a objeto algum.
Um trabalho como as permutações de 1967 já sugeria o
artista caminhando de um lado para o outro e deslocando as
peças em fibra de vidro, ações de que o público estava ciente,
como dissemos, graças ao plano de todas as mudanças
exposto no local. De certo modo, a presença de Morris
lidando com as peças já era parte do trabalho, mas nesse caso
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ainda um tanto virtual, já que o material não “interagia” com


o processo como fariam os usados a seguir, logo o “próprio
processo do fazer” não se deixava sentir nas configurações
produzidas. Mas trabalhos mais enfaticamente processuais,
como Continuous Project Altered Daily (Fig. 62) e a
instalação realizada no Whitney Museum em 1970 (Fig. 63),
traziam o corpo do artista, em presença vestigial ou literal,
para o espaço de exposição.
Continuous Project Altered Daily consistiu na ocupa-
ção do depósito da galeria Leo Castelli com uma grande
quantidade de material e ferramentas de construção – terra,
cimento, água, graxa, feltro, madeira, tecido, estopa, latões,
pás, lâmpadas e fios elétricos, entre outros. Durante os 22
dias em que o “projeto” ficou aberto ao público, Morris ia até
o local e trabalhava durante toda a manhã, gravando os sons
produzidos na jornada; ao sair, acionava a reprodução em
áudio para que ela fosse ouvida pelo público que vinha à
tarde ver o que havia sido feito. Chegando sempre sem saber

é condição para pensar um vínculo entre sua obra e a performance art ou


a body art. Para uma visão abrangente destas duas práticas: CARLSON,
Marvin. Performance, a critical introduction. London; New York:
Routledge, 1996; GOLDBERG, RoseLee. Performance art: from
futurism to the present. New York: H.N. Abrams, 1988; JONES, Amelia.
Body art/performing the subject. Minneapolis: University of Minnesota
Press, 1998; SCHIMMEL, Paul (org.). Out of Actions: Between
Performance and the Object 1949 – 1979. Los Angeles: The Museum of
Contemporary Art, 1998; SCHNEIDER, Rebecca. The explicit body in
performance. London; New York: Routledge, 1997.
162

Fig. 62: Robert Morris, Continuous Project – Altered Daily,


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1969

o que fazer, ele mexia nos materiais, os misturava, modelava,


construía estruturas mais ou menos rígidas, as destruía,
marcava o chão e as paredes, suspendia, arrastava, espalhava
e derrubava coisas, sempre modificando o seu estado
anterior. Até que, na última tarde, o público encontrou o local
vazio e limpo, com apenas o gravador reproduzindo os sons
da limpeza – como numa Box with the sound of its own
making em escala arquitetônica.
Mas no depósito, o making ganhava uma dimensão
visual, um forte apelo tátil e até visceral, como sugerem
algumas fotografias. As atividades de Morris no local
variavam entre o aleatório, o lúdico e o exploratório, mas
quase sempre redundavam em desconforto e frustração, como
afirmou à época.44 Ele levava adiante algumas das possibi-
lidades de associação entre corpo e materiais – a sua
interdependência na transitividade da ação –, expondo nas
marcas, índices visuais e sonoros de sua presença, o fazer
artístico imerso na sua constitutiva ambigüidade temporal,
intensamente presente e intensamente ausente para o público.
Essa evidente contradição entre “projeto” e delay visava
talvez revelar, como ele explicou em Notes on Sculpture,

44
Kimberly Paice comenta, no catálogo da retrospectiva de Morris no
Guggenheim, que o artista manteve um diário durante todo o processo do
CPAD, e cita algumas de suas anotações não publicadas. Um exemplo:
“talvez a qualidade fecal dos montes de lama me revolte mais do que
admito”. In: PAICE, Kimberly. “Catalogue”, op. cit., p. 235.
163

Fig. 63: Robert Morris, sem título, 1970

Part 4, “que a arte é em si mesma uma atividade de mudança,


de desorientação e deslocamento, de violenta descontinuidade
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e mutabilidade, do desejo por confusão mesmo a serviço da


descoberta de novos modos de percepção.”45
Com CPAD, o trabalho de arte já se aproximava
deliberadamente de um canteiro de obras, mas na instalação
feita no ano seguinte no Whitney Museum, essa proximidade
ganhou um peso e uma escala raros na produção do artista.
Nesse mesmo texto, ele dizia em nota de rodapé que, no
ambiente urbano, os canteiros de obras “se converteram em
pequenas arenas teatrais, os únicos lugares onde substâncias
brutas e seus processos de transformação são visíveis, e os
únicos lugares onde a distribuição aleatória é tolerada.”46 O
que mais chamou a atenção dos críticos que escreveram sobre
a instalação foi o caráter “espetacular”47 das operações que
Morris pôs em curso dentro do museu, mas nos parece que
essa “teatralidade” deve ser considerada no seu devido
registro dúbio. No que diz respeito a um artista que
insistentemente baseou o trabalho na escala humana e sempre
demonstrou desprezo pela monumentalidade, a gigantesca
process piece montada no terceiro andar do museu era
nitidamente excessiva, sobrepujante e até histriônica, como
os operários da Lippincott Co., empresa chamada para

45
MORRIS, Robert. “Notes on Sculpture, Part 4”, op. cit., p. 69.
46
Ibidem.
47
Dois textos críticos publicados sobre o trabalho que, apesar de muito
distintos entre si, igualmente ressaltam o gigantismo e a espetacularidade
da montagem: MICHELSON, Annette. “Three Notes on an Exhibition as
a Work”. In: Artforum 8/10, June 1970; “Maximizing the Minimal”. In:
Time Magazine, April 20, 1970 (sem autoria).
164

executar a montagem, que gritavam uns aos outros instruções


de como trazer e mover o material no espaço, em meio ao
público que vinha acompanhar o processo, aberto desde o
primeiro dia da montagem.
Vigas de madeira, blocos de concreto e tubos de aço
foram sobrepostos ao longo de 29 metros, alcançando 3,6
metros de largura e 2,1 metros de altura. Annette Michelson
descreveu os primeiros dias de trabalho com um colorido
dramático: “a multiplicidade e dificuldade das ações, as séries
de re-cálculos e ajustes pragmáticos, a cada momento e a
cada estágio, entre os meios e os fins; a suspensão, a queda, o
choque, o rolamento de imensos volumes e pesos”48. Não
havia como “medir” movimentos e ações corporais com
relação aos materiais, ao pesado maquinário e à grandeza das
forças envolvidas na tarefa, além disso relativamente
indiferentes ao corpo do artista. Sempre “diante da platéia”,
circulando e colaborando com os operários, Morris provo-
cava e inviabilizava a percepção de sua atividade corporal
como núcleo de coerência ou até como agente de escala no
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trabalho. Ciente das convenções do jogo da arte, visitava a


contrapelo o papel de artista-demiurgo, movendo uma obra
grandiosa e ao mesmo tempo absurda, redundante, alheia.
Alguns meses depois da instalação, ele daria um nome a
esse papel, ao publicar em várias revistas de arte, em novem-
bro de 1970, um pequeno anúncio divulgando os serviços da
suposta associação de que faria parte, a Peripatetic Artists
Guild. Parece que a ironia com as diversas novas
“modalidades” da arte contemporânea – e com si próprio,
envolvido em quase todas elas – não foi, entretanto, de todo
percebida. Enquanto “artista peripatético”, Morris se oferecia
para “encomendas em qualquer lugar do mundo”, tais como:

explosões – eventos com cavalos – pântanos químicos –


monumentos – discursos – sons exteriores para todas as
estações – sistemas políticos alternativos – dilúvios – design
e encorajamento de formas de vida mutantes e outros
fenômenos vagamente agrícolas, como árvores disciplinadas
– earthworks – demonstrações – objetos prestigiosos para
casa, estado ou museu – projetos teatrais para as massas –
filmes épicos e estáticos – fontes de metais líquidos –
montagens de objetos curiosos para serem vistos enquanto se
viaja em alta velocidade – parques nacionais e jardins
suspensos – desvio artístico de rios – projetos escultóricos 49

48
MICHELSON, Annette. “Three Notes on an Exhibition as a Work”, op.
cit., p. 64.
49
MORRIS, Robert. “The Peripatetic Artists Guild Announces Robert
Morris”. Reproduzido em: BERGER, Maurice. Labyrinths: Robert Morris,
Minimalism and the 1960s. New York: Harper & Row, 1989, p. 94. Aqui,
165

A estratégia de desfocar seu próprio lugar, dentro do


próprio contexto que lhe confere tal lugar – com toda a
ambigüidade dessa posição –, era algo que Morris e Rainer
partilhavam nessa época. Ou, pelo menos, foi uma posição
que ambos assumiram no mesmo período e situação.
Aproximadamente uma semana antes da abertura (e do início
da montagem, nesse caso) da exposição de Morris no
Whitney Museum, Rainer realizou três noites de dança no
mesmo museu, apresentando um trabalho chamado
Continuous Project Altered Daily (Fig. 64). Como ela indica-
va no programa, o título fazia menção ao trabalho que Morris
havia desenvolvido no depósito da galeria Leo Castelli no
ano anterior, repetindo o seu título. Ao escrever sobre a
instalação de Morris, Michelson enfatizou que era impossível
não relacionar a process piece do Whitney com a dança que
Rainer apresentara poucos dias antes ali, um “ensaio-como-
performance”, na expressão da autora.
O CPAD de Rainer também consistia numa process
piece e seria o exemplo de uma dança baseada na interação
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material/processo, aqui tratada em termos de relações entre


dançarinos e o que Rainer chamava de “materiais” –
movimentos, objetos, “modos”, “níveis” e “papéis” de
performance. Esses materiais eram intercambiáveis, alguns
mais elaborados, para grupos maiores, outros bem simples,
solos, duetos ou trios, e sua seqüência era decidida pelos
dançarinos durante a própria performance, num fluxo
desarticulado de atividades que impedia a identificação de
um “todo” ou qualquer ordem estrutural. Ocupando
simultaneamente três diferentes espaços na ocasião da
apresentação no Whitney, e com duração variável de uma
hora e meia a duas horas por noite, o trabalho também
tensionava a capacidade da audiência de acompanhar os
acontecimentos.
Com esse trabalho, Rainer trouxe elementos do que
seria o processo de criação, desenvolvimento e ensaio de uma
dança para o próprio momento de sua apresentação ao
público. Ela já havia feito algumas experiências nessa

Berger toma o anúncio de Morris como a “proposta séria” de uma


associação artística, pela qual Morris estaria assumindo “a nova economia
do mundo da arte em que os artistas são trabalhadores e não dandies”,
prova de um ativismo político que o autor identifica em sua arte. Ele
lamenta, inclusive, que a proposta não tenha ido adiante, porque apesar de
alguns artistas terem manifestado interesse em participar da associação,
Morris não foi contactado por nenhum potencial cliente. Como depois
indicou David Antin, o texto era uma “apropriação moderna” da carta em
que Leonardo da Vinci oferecia seus serviços a Ludovico Sforza. ANTIN,
David. “Have Mind, Will Travel”. In: KRAUSS, Rosalind; KRENS,
Thomas (orgs.). Robert Morris. The Mind/Body Problem, op. cit., p. 40.
166

Fig. 64: Yvonne Rainer, Continuous Project Altered Daily, 1969-70

direção, por exemplo ao definir em Trio A um modo de


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performance sem modulação de energia, que corresponde ao


que se chama de “marcação” em dança – quando um
dançarino apenas mostra, sem muito esforço, uma frase já
conhecida a outro dançarino. Com CPAD, que começou a ser
desenvolvido em 1969, Rainer reuniu uma quantidade maior
desses elementos, a que os dançarinos podiam recorrer a cada
apresentação, combinando-os de diversas maneiras no
tratamento dos movimentos e objetos. Em 1970, esses ele-
mentos já perfaziam três “inventários”50.
O inventário dos modos de performance, além de
“marcação”, incluía: “ensaio” (quando o material ainda não é
bem conhecido, por isso precisa de verbalizações, repetições,
discussões), “run-thru” (quando o material é bem conhecido
e bem executado), “working out” (criação de novos materiais,
pode gerar discussão e envolver os modos “ensaio” e
“ensino”), “surpresas” (introdução de materiais sem conheci-
mento prévio), “ensino” (quando se ensina um material bem
conhecido a outro que não o conhece) e “comportamento” (há
quatro tipos: real, coreografado, profissional e amador).
Outro inventário dizia respeito aos “níveis de realidade da
performance”: primária (executar material original e próprio),

50
O termo “inventário” é usado por Annette Michelson ao comentar
CPAD em seu texto sobre Rainer: MICHELSON, Annette. “Yvonne
Rainer, Part One: the Dancer and the Dance”, op. cit., p. 61. Toda a
descrição desses inventários, que fazemos a seguir, está baseada no
programa de CPAD, feito para a apresentação no Whitney e reproduzido
em: RAINER, Yvonne. Work 1961-73, op. cit., p. 129-31.
167

secundária (executar material de outra pessoa, próximo ao


estilo original) e terciária (executar material de outra pessoa
em estilo diferente do original). Outro, finalmente, trazia uma
imensa lista de “papéis e condições metamusculares que
afetam a execução física”, entre os quais: adolescente, anjo,
Buster Keaton, inimigo, Martha Graham, feminista, homem
jovem, boa estrutura óssea, medo, responsabilidade...
Somem-se ainda objetos variados – como caixas de papelão,
almofadas, um par de asas, bastões, uma grande tela branca,
cadeiras, entre outros – a esses elementos de performance e
teremos a base bastante complexa do CPAD.
No programa distribuído em 1970, além de apresentar as
listas acima mencionadas, Rainer fazia um breve comentário
sobre a dança que a aproximava da anti form de Morris: ela
estaria movida, aqui, por “um esforço contínuo em examinar
o que acontece no processo de ensaio – ou no desenvolvi-
mento e refinamento – que normalmente precede a perfor-
mance, e um crescente ceticismo quanto à necessidade de
uma nítida separação entre os dois fenômenos.”51 Ao atentar
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para a “riqueza” do que seria uma forte interatividade dos


materiais, típica desses momentos de experimentação e
indefinição, e que tende a fixar-se depois nas interações da
dança “pronta”, Rainer foi aos poucos aderindo a um tipo de
trabalho colaborativo, com a intensa participação dos
dançarinos em todas as etapas da dança e a progressiva
dissolução de seu lugar de coreógrafa do grupo.
A apresentação no Whitney foi marcante por essa
deliberada “desorientação” da dança. Os dançarinos
mostravam e testavam coisas novas entre si, discutiam os
resultados, brincavam, entravam em formação e executavam
frases em diferentes “modos” ou “níveis”, se dispersavam em
atividades individuais e em duplas, descansavam e se
interrompiam uns aos outros para pedir repetições e correções
– o que decerto tinha alguma afinidade com as discussões,
ordens e colaborações entre os operários da Lippincott Co.
que transitariam pelo mesmo local dias depois, como notou
Michelson. Rainer explorava essa desorientação particu-
larmente na sua própria performance em meio ao grupo, às
vezes assumindo uma coordenação geral, circulando,
observando e dando orientações, às vezes dançando, às vezes
sumindo de cena, como uma “coreógrafa-dançarina-diretora”
–, mergulhando em ambigüidade a sua atuação pública. Uma
descrição dessas noites de dança dá conta de experiências de
formas sem limites ou registros precisos:

51
RAINER, Yvonne. Work 1961-73, op. cit., p. 129.
168

contínuas mudanças de ensaio para execução, para apren-


dizagem, para teste, oscilando entre o estrito controle da
coreógrafa e os riscos e incertezas incalculáveis introdu-
zidos pelo desafio dos objetos, ritmos e tensões das trocas
interpessoais. Tinha-se a sensação de algo muito diferente
dos jogos de regras ou desempenho de tarefas, ou de
movimentos completos, formalizados, objetificados. Havia
um sentido distinto e constante de incerteza, a tensão e o
pathos de se testar, falhar, recapitular, abandonar ou revisar,
nessas noites de atividades prolongadas.52

Ao invés de uma “dança”, uma “fenomenologia do


fazer da dança”, para usar a expressão de Morris ao tratar da
tendência à adesão, na arte norte-americana, aos processos,
sistemas e comportamentos do próprio fazer artístico.53
O tipo de posição dúbia, descentrada, que Rainer e
Morris pareciam assumir nos trabalhos do Whitney estava,
por um lado, ligada a experiências e práticas anteriores na
produção de cada um e, por outro, configurava novos
problemas e direções. Para Rainer, em especial, CPAD
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marcou o início da progressiva dissolução da “dança” – de


fato, da possibilidade de se continuar a trabalhar com dança.
Seu livro Work reproduz algumas cartas trocadas entre ela e
membros de seu grupo de dançarinos, com as discussões
sobre autoridade, controle, liberdade e “poder de veto” que
acompanharam o desenvolvimento do trabalho, no que parece
ter sido um verdadeiro esforço em levar ao limite a dinâmica
colaborativa. Mas a partir de 1970, Rainer deixou de
contribuir com novos materiais para a continuação do
trabalho, apenas seguiu apoiando e participando do que
descreveu como “um processo de ‘erosão’ e reconstrução, à
medida que o grupo abandonava a última versão do
Continuous Project e a substituía com os seus próprios
materiais”54. A partir de 1972, ela passou a dedicar-se cada
vez menos à dança e mais ao cinema – até praticamente parar
de dançar e coreografar por volta de 1974 –, pelo qual pôde

52
MICHELSON, Annette. “Yvonne Rainer, Part One: the Dancer and the
Dance”, op. cit., p. 62.
53
MORRIS, Robert. “Some Notes on the Phenomenology of Making”,
op. cit.
54
RAINER, Yvonne. Work 1961-73, op. cit., p. 125. O desenvolvimento
subseqüente de CPAD foi, na verdade, a quase imediata formação do
grupo de dança Grand Union (1970-1976), com a autonomização do
grupo original de Rainer e a entrada de novos dançarinos. As atividades
do Grand Union eram essencialmente improvisacionais e, tendo à frente
Steve Paxton, foram o ponto de partida para o desenvolvimento da
contact improvisation.
169

buscar um envolvimento mais direto com materiais autobio-


gráficos, com suas “obsessões contínuas”55.
Para Morris, depois do “impulso público” da arte dos
anos 60, a década de 70 também trazia um crescente interesse
pela “construção de uma paisagem psicológica ou de um
fechamento [enclosure] para o self”, no que seria um tipo de
estratégia “solipsista, até mesmo autista”56. No ensaio que
publicou na Artforum em 1975, Aligned with Nazca, Morris
procurava – como fez tantas vezes – sondar e indicar
tendências ou importantes questões que parecessem mover a
arte do período, sempre refletindo e articulando-as ao que
interessava ao seu próprio trabalho. A mudança dos anos 70
estaria ligada à falência da crença no “diálogo” que
caracterizou os anos 60, ou seja, no poder do artista em
contribuir para a formulação de estratégias críticas públicas:

Profundamente cético quanto a experiências além do alcance


do corpo, o aspecto mais formal do trabalho em questão
provê um lugar em que o self perceptivo possa medir certos
aspectos de sua própria existência física. Igualmente cético
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quanto a participar em qualquer empreendimento de arte pú-


blica, seu outro lado expõe o limite do indivíduo em exami-
nar, testar, e afinal dar forma ao espaço interior do self. 57

Morris sempre foi um artista extremamente sensível ao


seu ambiente e, desde sua série de Notes on Sculpture, capaz
de “mapear” as inquietações e manobras do meio de arte que
girava em torno de Nova York. Aligned with Nazca talvez
indique o “clima” de parte importante da produção de land
art, instalações e performances (os trabalhos que ilustram o
ensaio ajudam a desenhar seu campo de referências: projetos
de land art de Mary Miss e Alice Aycock, corredores de
Michael Asher e Bruce Nauman, uma instalação de Joel
Shapiro e uma performance de Vito Acconci, entre outros),
que poderíamos ligar à direção tomada pelo trabalho de
Rainer depois de 1974 e, ainda, certamente, a trabalhos que
Morris começou a fazer nessa mesma época. Dois exemplos
relevantes: a série solipsista dos Blind Time Drawings, inicia-
da em 1976, e uma série de labirintos em desenhos (Fig. 65) e
depois em construções (Fig. 66). Mas o que, além disso, nos
parece relevante notar é que desde os seus primeiros anos de
produção, Morris esteve envolvido com construções para “o
55
Ibidem, p. 128. Ela diz: “Desde aquela época [1970] eu me reconectei
com meu próprio ‘imperativo moral’ de realizar minhas obsessões
contínuas (...) E o papel de diretora se tornou novamente apropriado para
mim”.
56
MORRIS, Robert. “Aligned with Nazca”, op. cit., p. 160.
57
Ibidem, p. 173.
170

Fig. 65: Robert Morris, Circular Labyrinth e Square Labyrinth, 1973

fechamento do self” e medições de “aspectos de sua própria


existência física” – caixas, réguas, moldes e auto-retratos, dos
quais os desenhos cegos e os labirintos não estariam,
portanto, tão distantes assim. Sobretudo porque, vale insistir,
“fechar o self” ou “dar forma ao seu espaço interior” implica,
como no solipsismo metodológico, admitir que o self não tem
limites, formas ou um dentro que não dependam da contínua
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negociação com o fora, o aberto, o vazio e o sem-forma.


Blank form e anti form foram instâncias dessa negociação.
Praticamente todos os labirintos de Morris têm percur-
sos em que se avança quase hipnoticamente, sem bifurcações
ou opções, até o centro. O que foi construído em 1974 para
uma exposição em Philadelphia, deu materialidade aos
estudos que ele vinha fazendo desde 1973. Construído em
compensado e pintado de cinza, seus corredores sinuosos e
estreitos, com menos de 2,5 metros de altura, tem a escala de
um corpo solitário. Como na maioria dos labirintos dese-
nhados, este consiste num único e longo percurso entre uma
única entrada e um nicho central, percurso que, depois de
feito, deve ser refeito/desfeito até a mesma entrada/saída.
Com sua mobilidade auto-encerrada, redundante, ao mesmo

Fig. 66: Robert Morris, Philadelphia Labyrinth, 1974


171

tempo aberta e fechada, Philadelphia Labyrinth tem muito


dos portais e molduras minimalistas (Figs. 11, 31 e 32), de
Box for Standing (Fig. 16) e, mais ainda, de Passageway
(Fig. 38), todos do início dos anos 60. Mas o que os labirintos
põem mais diretamente em questão é a auto-reflexividade que
esse tipo de movimento poderia sugerir e, talvez, deflagrar:

a forma do labirinto talvez seja uma metonímia para a busca


do self, porque ela demanda um vagar contínuo, que se abra
mão de conhecer onde se está. Um labirinto é compreensível
apenas quando visto de cima, em planta baixa, quando está
reduzido à planaridade e nós estamos fora de seu recôn-
dito espacial. Mas essas reduções são tão estranhas à
experiência espacial quanto nossas fotografias o são à nossa
experiência de nós mesmos.58

Circular por espaços dos quais não se dominam a


totalidade, as direções precisas, as conseqüências últimas – a
auto-reflexividade sugerida pela forma dos labirintos seria
próxima à reflexividade das montagens vertiginosas de
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espelhos, dos moldes que revelam incompletude, dos índices


que avisam atraso e ausência. E, claro, dos jogos de
linguagem que, para Wittgenstein, constituem “um labirinto
de caminhos. Você vem de um lado, e se sente por dentro;
você vem de outro lado para o mesmo lugar, e já não se sente
mais por dentro.”59 O self também é um vagar contínuo na
linguagem.
A partir de meados dos anos 70, de fato tornaram-se
cada vez mais freqüentes, na obra de Morris, as incursões
autobiográficas por labirintos de imagens e palavras.
Poderíamos, novamente, traçar antecedentes para esse tipo de
incursão nos anos 60, mais especialmente nas danças de

Fig. 67: Robert Morris, desenhos da série Investigations, 1990

58
Ibidem, pp. 165-66.
59
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 203.
172

Morris. Tanto 21.3 quanto Arizona procedem pela circulação


solitária do dançarino entre figuras e textos ligados ao seu
passado. Bem antes de ter sido professor de história da arte,
Morris teve longa experiência como vaqueiro, ao lado de seu
pai que trabalhava com criação e transporte de gado. Method
for Sorting Cows descreve práticas corporais que ele teria
vivido nesse meio, uma espécie de pas-de-deux entre o head
man e o gate man, que somam-se, por exemplo, à prática de
laçar com que encerra a dança.
Assim como essas figuras e textos não articulam uma
experiência de unidade nas danças, trabalhos bem posteriores,
como a série de desenhos Investigations (Fig. 67) reúnem
elementos verbais e visuais em tramas elusivas, desorien-
tadoras. O movimento conjunto de dois corpos despidos, um
labirinto e Pollock em pleno dripping; um aviador, uma cena
urbana e uma imagem de Site; outro labirinto, exercícios
físicos em grupo e o Coloso de Goya, permeados por frases
das Investigações Filosóficas de Wittgenstein. Misturando
imagens próprias e alheias, algumas de conhecimento
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público, outras obscuras, esses desenhos estendem, nos


parece, um labirinto sem dentro nem fora – solitário, mas
também coletivo.
6
Conclusão

Robert Morris quis ter suas danças reconstituídas para


registro em vídeo, em 1993, porque “os trabalhos de dança
foram importantes para mim e haviam deixado de existir.”1
Enfaticamente temporal, a dança depende do jogo entre
presença e ausência, de um fluxo vertiginoso entre presente e
passado, entre ato e memória: o corpo imerso em movi-
mentos, estruturas ou sistemas de ações que o próprio dançar
espacializa e dissolve; o corpo imerso em movimentos, que
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se dão a perceber ao observador enquanto desaparecem.


Refeitas em vídeo, as danças voltam a existir porque podem
de novo ativar esse jogo – sua condição de existência – com
quem venha a assisti-las.
Foi esse o propósito da instalação que Morris realizou
em 1999, um imenso Labyrinth construído em madeira
compensada e com projeções dos vídeos de Arizona, Site,
21.3 e Waterman Switch em suas paredes (Fig. 68). Diferente
dos labirintos que ele fizera até então, este consistia numa
estrutura aberta, sem uma entrada ou saída específicas e sem
percursos marcados, com vários nichos e passagens que
possibilitavam a circulação solitária ou coletiva, um vagar
mais errático, encontros e desencontros. Cada dança se
projetava repetidamente dentro de um nicho e todas simul-
taneamente, de modo que seus sons reverberavam e se
superpunham uns aos outros e suas durações particulares se
dissolviam no ambiente, produzindo o efeito de um “tempo
estendido”2, nas palavras de Morris. De certo modo,
Labyrinth foi um trabalho sobre a dimensão temporal da
dança e da arte e, com isso, um trabalho sobre a memória que
se produz e negocia em ato.
Essa concepção de memória, avessa à monumenta-
lização do passado e à própria idéia de que o passado teria
alguma substância independente do conjunto de ações –

1
MORRIS, Robert. From Mnemosyne to Clio: the Mirror to the
Labyrinth, op. cit., p. 179.
2
Ibidem, p. 165.
174

movimentos – da recordação, é afim ao que Wittgenstein


chamou de “reação mnêmica”3, isto é, a lembrança que se dá
concomitantemente ao ato, à fala do lembrar. Contra a
suposição geral de que recordar é trazer à mente o passado, o
filósofo pergunta: “Sabe que é recordar porque foi produzido
por algo que passou? E como ele sabe o que é passado? O
homem aprende o conceito de passado na medida em que se
recorda.”4 A memória, ao contrário, é uma “reação” a ações e
falas, a gestos, movimentos, jogos corporais: “poder-se-ia
talvez falar de um sentimento de ‘Já faz muito, muito tempo’,
pois há um tom, um gesto que pertence a certas narrativas de
tempos passados.”5
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Fig. 68: Robert Morris, Labyrinth, 1999

3
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, op. cit., # 343 e
p. 296. O parágrafo 343 diz: “As palavras, com que expresso a minha
lembrança, são a minha reação mnêmica.” E na segunda parte do livro, à
página 296, o filósofo acrescenta: “Vivências mnêmicas são fenômenos
concomitantes de recordar. Recordar não tem conteúdo vivencial”.
4
Ibidem, p. 296.
5
Ibidem.
175

Labyrinth é um jogo de memória em diversos atos.


Antes de mais nada, como vimos, todas as danças de Morris
estão ligadas a atividades que ele já viveu – o cowboy de
Arizona e o professor de história da arte de 21.3; o
minimalista movendo suas placas de compensado em Site e o
topógrafo de Waterman Switch. E além do próprio dançar já
envolver a memória em ato de sistemas ou estruturas de
movimento, sua reconstituição, anos depois, também depen-
deu de novas reações mnêmicas a esses “materiais” de dança.
Apresentados na situação específica de Labyrinth, os vídeos
se tornavam, é claro, materiais para outras danças – as
daqueles que os observavam, imersos no trânsito espaço-
temporal de corredores e passagens, pelos quais o engaja-
mento cinestésico com a dança ganhava, por assim dizer,
escalas em processo, próprias e imprevistas.
Suposta nesses inúmeros atos de memória, nessas
escalas e medições ativas, está a discrepância constitutiva dos
agenciamentos na arte, delay em desdobramentos múltiplos.
Fenômeno marcadamente entrópico, como Morris tantas
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vezes reconheceu e sugeriu, a memória é também possibi-


lidade de desorientação e reinvenção do vivido no atual – e
essa é uma característica da forma do labirinto, o seu
paradoxo: dentro de um labirinto “nós nos perdemos para nos
encontrarmos.”6 Jogos de forma vazia ou jogos de anti-forma,
os atos de memória são sobretudo possibilidades de forma. A
tese é parte desses jogos – percurso, desenho, labirinto
ativado por aqueles vídeos. Um estado de dança entre o
tempo estendido da obra e o delay desta escrita.
Time estimation error: + 18.273.600 seconds.

6
Ibidem, p. 185.
7
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189

8
Anexo

Material audiovisual pesquisado nos acervos da Dance Collection – The New York
Public Library for the Performing Arts e do Avery Fisher Center – New York
University:

Appalachian spring. [destaques]


Coreografia: Martha Graham. Intérprete: Martha Graham Dance Company.
Cenografia: Isamu Noguchi. Figurino: Edythe Gilfond (atribuído a Martha
Graham, 1977). EUA (Nova York): 1975. 1 fita de vídeo (12 min.), muda, cor,
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VHS.

Arcade, Pictures [e] Fabrications.


Coreografia: Merce Cunningham. Intérprete: Merce Cunningham Dance
Company. Música: John Cage, David Behrman e Emanuel de Melo Pimenta. EUA
(Seattle, Washington): 1987. 1 videodisco (89 min.), som, cor.
CONTEÚDO: Arcade. Música: John Cage (Etudes boreales). Cenografia: Dove
Bradshaw; Pictures. Música: David Behrman (Interspecies small talk).
Cenografia e iluminação: Mark Lancaster; Fabrications. Música: Emanuel de
Melo Pimenta. Cenografia: Dove Bradshaw.

Beach birds, Rondo [e] CRWDSPCR.


Coreografia: Merce Cunningham. Intérprete: Merce Cunningham Dance
Company. Música: John Cage e John King. EUA: 1996. 1 videodisco (95 min.),
som, cor.
CONTEÚDO: Beach birds. Música: John Cage. Figurino: Marsha Skinner; Rondo.
Música: John Cage. Figurino: Suzanne Gallo; CRWDSPCR. Música: John King
(Blues 99). Figurino: Mark Lancaster.

Beyond the mainstream.


Direção: Merrill Brockway. Produção: Merrill Brockway e Carl Charlson. EUA
(Nova York): WNET, 1980. 1 fita de vídeo (60 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Contact improvisation. Intérpretes: Steve Paxton, Danny Lepkoff,
Nina Martin, Lisa Nelson, Nancy Stark Smith e Randy Warshaw. Discussão:
Steve Paxton, David Gordon, Yvonne Rainer e Trisha Brown, sobre a sua
colaboração nos anos 70.
190

Biped.
Coreografia: Merce Cunningham. Música: Gavin Bryars. EUA (Nova
York): 1999. 1 videodisco (50 min.), som, cor.

Breaking ground: Judson Dance Theater and beyond.


EUA (Nova York): c.1999. 2 fitas de vídeo (109 min.), som, cor, VHS.
CONTEÚDO: Chair (1974) (c.11 min.). Coreografia: David Gordon. Intérpretes:
Scott Cunningham, Chuck Finlon, Dean Moss; Middlepass #2: from here to
here (1999) (c.7 min.). Coreografia e interpretação: Gus Solomons Jr.
Improvisação musical: Walter Thompson; Trio A (People's flag show version,
1970) (c.15 min.). Coreografia: Yvonne Rainer. Reconstrução e direção: Clarinda
Mac Low. Intérpretes: Lori Brungard, Philippa Cosgrove, Marquita Levy,
Clarinda Mac Low, Jody Sperling, Colleen Thomas e Bill Young; I don't
remember (c.7 min.). Intérpretes: Sara Rudner e Douglas Dunn. Música: Lisa
Karrer e Stella Chiu.

Canfield.
Coreografia: Merce Cunningham. Intérpretes: membros da Merce Cunningham
Dance Company (Carolyn Brown, Merce Cunningham, Ulysses Dove, Douglas
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Dunn, Meg Harper, Susanna Hayman-Chaffey, Chris Komar, Sandra Neel, Valda
Setterfield e outros). Música: Pauline Oliveros. EUA (Minneapolis): 1972. 1
videodisco (33 min.), som, p&b.

Cave of the heart.


Coreografia: Martha Graham. Música: Samuel Barber. Cenografia: Isamu
Noguchi. Itália: 1986. 1 fita de vídeo (29 min.), som, cor, VHS.

Clytemnestra. [destaques]
Coreografia: Martha Graham. Intérprete: Yuriko Kimura. Filmagem: Max
Waldman. Max Waldman´s Studio (s.l.): 1972. 1 fita de vídeo (5 min.), mudo,
p&b, U-matic.

Contact improvisation at the Cunningham Studio.


EUA (Nova York): 1978. 1 fita de vídeo (32 min.), som, p&b, U-matic.

Continuous project - Altered daily.


Coreografia: Yvonne Rainer. Intérpretes: membros de Grand Union (Yvonne
Rainer, Barbara Lloyd, Becky Arnold, David Gordon e Douglas Dunn).
Filmagem: Michael Fajans. EUA (New London, Connecticut): 1969. 1 filme (32
min.), mudo, p&b, 16 mm.

DanceNY. Cage / Cunningham.


Produção: Cunningham Dance Foundation, em parceria com La Sept. EUA
(Brooklyn, Nova York): WNYE Dance Magazine, 2003. 1 fita de vídeo (104
min.), som, cor com fragmentos em p&b, VHS.
191

CONTEÚDO: Documentário com reportagem a Robert Swinston (da Merce


Cunningham Dance Company), interpretações de Wendy Perron e música de John
Cage. Coreografias: Merce Cunningham.

Dance of the century: from modernism to post-modernism.


[History of American Modern Dance / fourth of a five-part series].
EUA: c.1992. 1 fita de vídeo (53 min.), som, p&b e cor, U-matic.

Dive in / 3.
Intérpretes: Almon Grimsted e Clarinda MacLow; Linda Austin e Doug
Henderson; Simone Forti. EUA (Nova York): 1989. 2 fitas de vídeo (68 min.),
som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Improvisações realizadas no Danspace Project´s: Third Annual
Festival of Improvisation, em outubro de 1989.

Estuary: a nature fantasy.


Coreografia: Simone Forti. Intérpretes: Simone Forti, Pooh Kaye, Terry O'Reilly,
David Taylor, Joanne Fridley, Jessica Jordan Nudel, Ivy Sky Rutzky, Christian
Marclay e Patty Giovenco. Música: Peter Van Ryper e Terry Fox. Filmagem:
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Dennis Diamond. EUA (Nova York): 1979. 2 fitas de vídeo (90 min.), som, p&b,
U-matic.

Exchange.
Coreografia: Merce Cunningham (1978). EUA (Nova York): 1991. 1 videodisco
(36 min.), som, cor.

Five easy pieces: five films.


Direção: Yvonne Rainer. EUA (Chicago): Video Data Bank, Escola do Instituto
da Arte, 2003. 1 fita de vídeo (48 min.), mudo, p&b, VHS.
CONTEÚDO: Cinco filmes experimentais curtos. Hand movie (1966). Filmagem:
William Davis; Volleyball (1967). Filmagem: Bud Wirtschafter; Rhode Island
Red (1968). Filmagem: Roy Levin; Trio film (1969). Intérpretes: Becky Arnold e
Steve Paxton. Filmagem: Phill Niblock; Line (1968). Intérprete: Susan Marshall.
Filmagem: Phill Niblock.

Four lifts [e] Event falls.


Coreografia: Merce Cunningham. EUA (Nova York): 1992. 1 videodisco (15
min.), som, cor.

Four pieces by Morris.


Direção e coreografia: Robert Morris. Produção, filmagem e edição: Babette
Mangolte. EUA: c.1993. 1 fita de vídeo (94 min.), som, cor e p&b, VHS.
CONTEÚDO: quatro danças de vanguarda dos anos 60. Site (c.19 min.). Intérpretes:
Andrew Ludke e Sarah Tomlinson; Arizona (c.17 min.). Intérprete: Andrew
Ludke; 21.3 (c.12 min., p&b). Intérpretes: Michael Stella e Robert Morris (voz);
Waterman Switch (c.23 min.). Intérpretes: Pamela Weese, Susan Blankensop e
192

Michele Pogliani. Música: Giuseppe Verdi (aria de Simon Boccanegra, Ato I).
Cantora: Victoria de los Angeles.

Fractions I.
Direção: Charles Atlas. Coreografia: Merce Cunningham. Intérprete: Merce
Cunningham Dance Company. Música: Jon Gibson. EUA (Nova York): 1978. 1
fita de vídeo (33 min.), som, cor e p&b, U-matic.

Fragments. [títulos alternativos: Judson fragments ou Judson nights]


Coreografia, filmagem e edição: Elaine Summers. Intérpretes: Deborah Hay,
Steve Paxton, Freddy Herko, Remy Charlip, Richard Brodney, Lila Pais, Kenward
Elmslie, Kyle, Carol Summers, Elaine Summers, John Worden, Sally Gross, Sally
Stackhouse, Ruth Emerson, Harold Johnson, Carla Blanc, Joseph Schlichter,
Arthur Levin, James Waring, Al Carmines, Arlene Rothlein, George McGrath e E.
Barton. EUA: 1964. 1 filme (20 min.), som, cor e p&b, 16 mm.

Frontier.
Coreografia: Martha Graham (1935). Reconstrução: Martha Graham.
Interpretação: Ethel Winter. Música: Louis Horst. EUA: 1964. 1 filme (7 min.),
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som, p&b, 16 mm.

How to pass, kick, fall e run.


Coreografia: Merce Cunningham (1965). EUA (Nova York): 2002-2003. 1
videodisco (49 min.), som, cor.

Huddle.
Coreografia: Simone Forti. Intérpretes: desconhecidos. Filmagem: Andy Mann.
EUA (Nova York): 1975. 1 fita de vídeo (29 min.), som, p&b, U-matic.

Impact of Martha Graham.


Palestrante: Agnes de Mille. Apresentação: James McAndrew. Música: William
Schuman. EUA (Newark, N.J.): Channel 13/WNDT-TV, 1965. 1 filme (32 min.
30 sec.), som, p&b, 16 mm.
CONTEÚDO: Programa sobre o trabalho e influência de Martha Graham.

Improvisation: Organic movement and social comment.


Direção: Richard Sheridan. Produção: Celia Ipiotis e Jeff Bush. Coreografia e
interpretação: Simone Forti, Nina Martin e Sally Silvers. EUA (Nova York): ARC
Videodance, para o seriado de televisão intitulado Eye on dance, 1988. 1 fita de
vídeo (29 min.), som, cor com fragmentos em p&b, U-matic.

Interview with Simone Forti.


Entrevistador: Louise Sunshine. EUA (Nova York): 1994. 4 fitas de som (4 h. 40
min.) e 1 transcrição (92 laudas).
193

Jackdaw songs.
Coreografia: Simone Forti. Intérpretes: Lyon Balliett, Deborah Day-Orr, Simone
Forti, Richmond Johnstone, Susan Rethorst, Ivy Sky Rutzky e Rex Shrout.
Música: Peter van Riper. Filmagem: Dennis Diamond. EUA (Nova York):
Dance/Video Access Project, 1981. 1 fita de vídeo (80 min.), som, p&b, VHS.

Judson Dance Theatre reconstructions. [1]


EUA: 1982. 1 fita de vídeo (58 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Dance for lots of people (c.21 min.). Coreografia: Elaine Summers.
Música: John Herbert McDowell. Intérpretes: Frances Becker, Chris Burnside,
Terry Chan, Tedd Neenan e Alexandra Ogsbury e 37 dançarinos adicionais;
Dewhorse (c.28 min.). Coreografia: Judith Dunn. Intérpretes: Cheryl Lilienstein e
Bill Dixon. Música: Bill Dixon; Pop 1 (c.2 min.). Coreografia e interpretação:
Edward Bhartonn; Meditation (c.7 min). Coreografia e interpretação: Remy
Charlip.

Judson Dance Theatre reconstructions. [2]


EUA: 1982. 1 fita de vídeo (56 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Slant board (c.15 min.) Construção de dança: Simone Forti.
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Intérpretes: Craig Bromberg, Pat Ethridge e Susan Rethorst; Pop 2 (c.2 min.).
Coreografia e interpretação: Edward Bhartonn; Trio A (c.12 min.). Coreografia e
interpretação: Yvonne Rainer.

Judson Dance Theatre reconstructions. [3]


EUA: 1982. 1 fita de vídeo (52 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Jag ville gorna telefonera (c.5 min.). Movement score de Steve
Paxton, Intérpretes: Stephen Petronio e Randy Warshaw; Lateral splay (1ro.
fragmento, c.4 min.). Coreografia: Carolee Schneemann. Intérpretes: onze
dançarinos; Structures (c.7 min.). Coreografia e interpretação: Aileen Passloff.
Figurino: James Waring; Lateral splay (2do. fragmento, c.4 min.); Ten (c.18
min.). Coreografia: Deborah Hay. Música: Max Fraction. Intérpretes: dez
dançarinos; Carnation (c.17 min.). Coreografia e interpretação: Lucinda Childs;
Lateral splay (3ro. fragmento, c.7 min.)

Judson Dance Theatre reconstructions. [4]


EUA: 1982. 1 fita de vídeo (10 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Octandre (c.10 min.). Coreografia: James Waring. Reconstrução e
interpretação: Aileen Passloff.

Judson Dance Theatre reconstructions. [5]


EUA: 1982. 1 fita de vídeo (28 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Keyboard dances (c.6 min.). Composição e interpretação: Philip
Corner; Judson nights (c.14 min.). Colagem de filmes: Elaine Summers.
194

Languaging dances / dance languages.


Palestrantes: Simone Forti, Evelyn Velez Aguayo, Marlies Yearby, Carl Hancock
Rux e David Dorfman. Moderadora: Catherine Sands. EUA (Nova York):
Movement Research Inc., 1994. 1 fita de vídeo (107 min.), som, cor, VHS.

Lawrence and Anna Halprin: Inner landscapes.


Direção e produção: Joan Saffa. Coordenação de produção: Stephen Cobbett
Steinberg. Texto: Charlie Pearson. Narrador: Ben Thum. EUA (San Francisco):
Cultural Programming Department of KQED-TV, c.1991. 1 fita de vídeo (58
min.), som, cor com fragmentos em p&b, U-matic.

Letter to the world.


Coreografia: Martha Graham. Música: Hunter Johnson. Pianistas: Stanley
Sussman e Lewis Stewart. Cenografia: Arch Lauterer. Figurino: segundo designs
de Edythe Gilfond. Textos: Emily Dickinson. EUA: 1973. 1 filme (57 min.), som,
p&b, 16 mm.

Lives of performers: a melodrama.


Texto, coreografia e direção: Yvonne Rainer. Intérpretes: John Erdman, Valda
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Setterfield, Shirley Soffer e Fernando Torm; James Barth, Tannis Hugill, Epp
Kotkas, Sarah Soffer (dançarinos); e Yvonne Rainer. Filmagem: Babette
Mangolte. EUA: Zeitgeist Films em parceria com a Yvonne Rainer Collection,
1972. 1 fita de vídeo (90 min.), som, p&b, VHS.

Merce Cunningham: a lifetime of dance.


EUA (Nova York): Winstar TV & Video, c.2000. 1 videodisco (90 min.), som,
cor com fragmentos p&b.
CONTEÚDO: Documentário sobre a vida e obra de Merce Cunningham.

Moving in the moment.


Intérpretes: Chris Aiken, Frances Craig, David Dorfman, Simone Forti, Aleta
Hayes, Kathleen Hermesdorf, Robert Moses, Lisa Race, Nancy Stark Smith,
Gionatan Surrenti e Ray Eliot Schwartz. EUA (Lewiston, Me.): 2002. 1 fita de
vídeo (99 min.), som, cor, VHS.

News animations. [filmagem no estúdio]


Coreografia e interpretação: Simone Forti. EUA: 1986. 1 fita de vídeo (21 min.),
som, cor, U-matic.

News animations. [filmagem ao vivo]


Coreografia e interpretação: Simone Forti. EUA (Durham, North Caroline): 1987.
1 fita de vídeo (19 min.), som, cor, U-matic.

Ocean [e fragmentos de] Installations.


Coreografia: Merce Cunningham (1994, 1996). Intérprete: Merce Cunningham
Dance Company. Música: David Tudor e Andrew Culver, baseada em concepção
195

de John Cage [Ocean]; Trimpin [Installations]. EUA (Nova York): 1998. 1


videodisco (102 min.), som, cor.

Phaedra.
Coreografia: Martha Graham. Intérpretes: membros da Martha Graham Dance
Company (Bonnie Oda Homsey, Mario Delamo, Tim Wengerd, Diana Hart,
Diane Gray e Lucinda Mitchell). Música: Robert Starer. Cenografia: Isamu
Noguchi. EUA: 1977. 1 filme (27 min. 30 sec.), som, cor, 16 mm.

Post-modern dance: Judson Theater and the Grand Union.


Direção: Richard Sheridan. Produção: Celia Ipiotis e Jeff Bush. EUA (Nova
York): ARC Videodance para Eye on dance, da WNYC-TV. 1 fita de vídeo (29
min.), som, cor, U-matic.

Primitive mysteries.
Coreografia: Martha Graham. Intérpretes: membros da Martha Graham Dance
Company. Música: Louis Horst. EUA: 1977. 1 fita de vídeo (18 min. 30 sec.),
som, cor, U-matic.
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RainForest.
Coreografia: Merce Cunningham (1968). Intérprete: Merce Cunningham Dance
Company. EUA (Nova York): 2003. 1 videodisco (39 min.), som, cor.

Revolving upside down; Bouncing in the corner, #1; Bouncing in the corner,
#2.
Direção: Bruce Nauman. EUA (Chicago): Video Data Bank, Escola do Instituto
da Arte, 1968-1969. 1 fita de vídeo.

Simone Forti and Troupe.


Coreografia: Simone Forti. Intérpretes: Simone Forti e trupe. Filmagem: Video D
Studios. EUA (Nova York): 1988. 2 fitas de vídeo (62 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Fita 1: Green mountain (c. 42 min.). Coreografia: Simone Forti e
trupe. Intérpretes: Simone Forti, K. J. Holmes, Lauri Nagel, David Rosenmiller e
David Zambrano. Fita 2: News animations (c. 20 min.). Coreografia e
interpretação: Simone Forti.

Simone Forti e Tom Young.


Intérpretes: Simone Forti, Tom Young e outros. EUA (Lewiston, Me.): 2002. 1
fita de vídeo (87 min.), som, p&b, VHS.

Simone Forti: from dance construction to logomotion.


Direção, produção e edição: Charles Dennis. EUA (Brooklyn): Loisaida Arts,
c.1999. 1 fita de vídeo (26 min.), som, cor, VHS.
CONTEÚDO: Reportagem a Simone Forti (com Carrie Ann Inaba, Nguyen,
Carmella Hermann e Judith Rose); Huddle (1961). Concepção e coreografia:
Simone Forti.
196

Solo #1.
Coreografia e interpretação: Simone Forti. Filmagem: Andy Mann. Som: Peter
Van Riper. EUA (Nova York): Castelli-Sonnabend Tapes and Films, 1974
c.1975. 1 fita de vídeo (20 min.), som, p&b, U-matic.

Sounddance.
Coreografia: Merce Cunningham. Intérprete: Merce Cunningham Dance
Company. EUA (Berkeley, California): 1975. 1 videodisco (26 min.), mudo, p&b.

Statues.
Coreografia e interpretação: Simone Forti. EUA (Nova York): 1977. 1 fita de
vídeo (12 min.), som, p&b, U-matic.

Steve Paxton and Simone Forti.


Interpretação: Steve Paxton e Simone Forti. Filmagem: Johannes Holub. EUA
(Nova York): The Kitchen and Improvisation Festival, c.1995. 2 fitas de vídeo
(103 min.), som, cor, U-matic.
CONTEÚDO: Ply (c.21 min.). Interpretação, música e colagem: Steve Paxton; Still
life [and] Jackdaw songs (c.18 min.). Interpretação: Simone Forti. Música (para
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Still life): Jon Gibson (Framing music); Some English suites #1 (ca. 15 min.).
Improvisação: Steve Paxton. Música: J.S. Bach. Pianista: Glenn Gould;
Animations (c.16 min.). Interpretação: Simone Forti; Some English suites #2
(c.20 min.). Improvisação: Steve Paxton. Música: J.S. Bach. Pianista: Glenn
Gould.

Story.
Coreografia: Merce Cunningham. Música: Toshi Ichiyanagi (Sapporo).
Decoração: Robert Rauschenberg. Finlândia: Finnish Broadcasting Company,
1964. 1 filme (20 min.), som, p&b, 16 mm.

Summerspace. [destaques]
Coreografia: Merce Cunningham. Cenografia e figurinos: Robert Rauschenberg.
Filmagem: Helen Priest Rogers. EUA (Connecticut): 1958. 1 filme (11 min.),
mudo, p&b, 16 mm.

Temptations of the moon.


Coreografia: Martha Graham. Intérpretes: membros da Martha Graham Dance
Company. Música: Bela Bartok. Figurinos: Halston. Iluminação: Thomas Skelton.
EUA: 1986. 1 fita de vídeo (19 min.), som, cor, VHS.

The foothills.
Direção: Simone Forti. Coreografia: Simone Forti, em colaboração com os
membros da companhia. Intérpretes: Simone Forti e trupe (K. J. Holmes, Lauri
Nagel, David Rosenmiller e David Zambrano). Leitura de texto: Simone Forti e
David Rosenmiller. EUA (Chester Springs, Pennsylvania): 1986. 2 fitas de vídeo
(117 min.), som, cor, U-matic.
197

The Judson Project: Simone Forti. [Reportagem a Simone Forti]


Entrevistadora: Meg Cottam. EUA, 1981-1983. 1 fita de vídeo (45 min.), som,
p&b, U-matic.

The Judson Project: Steve Paxton. [Reportagem a Steve Paxton]


Entrevistadora: Nancy Stark Smith. EUA (North Bennington, Vt.): 1983. 1 fita de
som (54 min.).

The Judson Project: Yvonne Rainer. [Reportagem a Yvonne Rainer]


Entrevistadora: Wendy Perron. EUA: Bennington College (s.l.), 1983. 1 fita de
vídeo (56 min.), som, p&b, U-matic.

The Studies Project: Johanna Boyce and Simone Forti.


EUA (Nova York): Danspace Video Archival Project, 1982. 1 fita de vídeo (114
min.), som, cor, VHS.

Torse.
Coreografia: Merce Cunningham. EUA (Nova York): 1976. 1 videodisco (52
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310350/CA

min.), mudo, p&b.

Trio A: The mind is a muscle, part 1.


Coreografia e interpretação: Yvonne Rainer. Filmagem: Robert Alexander.
Produção: Sally Banes. EUA: 1978. 1 filme (10 mim 30 sec.), mudo, p&b, 16
mm.

Variations V.
Coreografia: Merce Cunningham. Intérpretes: Merce Cunningham, Carolyn
Brown, Barbara Lloyd, Sandra Neels, Albert Reid, Peter Saul e Gus Solomons Jr.
Música: John Cage. Filmagem: Stan VanDerBeek. Alemanha: Norddeutscher
Rundfunk, Hamburg e Sveriges Radio Television, 1966. 1 filme (48 min.), som,
p&b, 16 mm.

Walking in an exaggerated manner around the perimeter of a square.


Direção: Bruce Nauman. EUA (Nova York): Electronic Arts Intermix, 2002. 1 fita
de vídeo.

Westbeth.
Direção: Merce Cunningham e Charles Atlas. Coreografia: Merce Cunningham.
Filmagem: Charles Atlas, Lynda Rodulitz, Greg Tonning e Merce Cunningham.
Figurinos: Mark Lancaster (segundo o design de Jasper Johns). EUA (Nova
York): 1975. 1 fita de vídeo (32 min.), som, p&b, U-matic.

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