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EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Tema I

Atos do juiz: despacho; decisão interlocutória (simples e com força de definitiva). Sentença penal. Conceito e
espécies. Sentença como fato e ato jurídico. Sentença absolutória e seus efeitos. Sentença condenatória.

Notas de Aula1

1. Classificação dos atos jurisdicionais penais

No processo penal, ao contrário do processo civil, não se tem como norte principal
para definição do recurso cabível a natureza da decisão. O critério principal é a estrita
previsão legal, e, dali decorrente, residual: significa que do que esteja no artigo 581 do CPP,
que será abordado adiante, é cabível recurso em sentido estrito; o restante, desafia apelação.
Mesmo assim, o estudo da natureza das decisões ainda guarda alguma importância.
Vejamos, então.
A primeira divisão que se aponta separa os atos do juiz em despachos e decisões.
Despachos são atos de impulso oficial do processo, em que o juiz dá andamento ao
processo, somente. Em regra, não comportam recurso algum.
Decisões, por sua vez, é um tronco do qual se desprendem diversas espécies.
As decisões interlocutórias simples são aquelas que solucionam questões relativas à
regularidade do processo, e nunca analisam o mérito. Em regra, não comportam recurso
algum, com algumas exceções em que se admite o recurso em sentido estrito. Como
exemplo de interlocutória simples que desafia recurso, aquela que recebe a denúncia.
Pelo ensejo, vale a indagação: a decisão de recebimento da denúncia precisa ser
fundamentada? Há duas orientações: para o STF, não se trata, tecnicamente, de uma
decisão, e sim de um despacho, não precisando atender a exigência constitucional de
fundamentação. Ademais, qualquer análise mais profunda do juiz, neste momento,
externaria seu convencimento sobre o fato, comprometendo sua imparcialidade, revelando
antecipação de juízo. Em segunda vertente, Geraldo Prado e André Nicolitt defendem que,
sendo uma decisão, é imprescindível a fundamentação judicial, como em qualquer outra
decisão.
Segundo tipo de decisão são as interlocutórias mistas, aquelas que encerram o
processo, ou uma etapa dele, sem qualquer análise do mérito. Estas decisões podem ser
terminativas ou não terminativas: não terminativas são as que encerram uma etapa do
procedimento – como a pronúncia –, enquanto as terminativas são aquelas que encerram a
relação processual – tendo como bom exemplo a impronúncia.
Outro tipo é a decisão com força de definitiva. Alguns autores definem este tipo
como sinônimo de decisão interlocutória mista, mas para aqueles que a diferenciam elas são
aquelas decisões que analisam o mérito de questões e processos incidentes. Bom exemplo
seria a decisão que determina o levantamento do sequestro.
Há ainda as decisões terminativas de mérito, que são aquelas que encerram o
processo, analisam o mérito, mas não condenam nem absolvem. Como exemplo, as
decisões que declaram extinta a punibilidade.
Por fim, há as decisões definitivas, que analisam o mérito e encerram o processo,
condenando ou absolvendo. É a sentença criminal.
2. Sentença penal condenatória
1
Aula ministrada pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 21/9/2009.

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São muitos os efeitos da sentença penal condenatória.


O primeiro é tornar certa a obrigação de indenizar. Este efeito já existia, mas com
a reforma do CPP o juiz deverá fixar um valor mínimo a título de reparação dos danos,
conforme artigo 387, IV, do CPP:

“Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (Vide Lei nº 11.719, de 2008)
(...)
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).
(...)”

Este dispositivo já nasce controvertido. Estaria correta esta atuação do juiz, na nossa
dinâmica processual penal?
Alexandre Câmara, em recente artigo, defende que o processo penal não se presta a
discutir verbas indenizatórias. Esta sentença violaria o contraditório e a ampla defesa, pois
o réu não terá qualquer oportunidade de se defender do valor do prejuízo ali arbitrado.
Geraldo Prado, por seu lado, entende que esta sentença é extra petita, porque não houve
pedido de condenação em reparação de danos, em verbas indenizatórias. Polastri, por fim,
defende que a reforma do CPP adotou, neste aspecto, o princípio da adesão, ou seja, a
vítima obtém a reparação dos danos já na esfera penal.
Segundo efeito da sentença penal condenatória é o previsto no artigo 393, I, do
CPP: a prisão incontinenti. Veja:

“Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível:


I - ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis,
como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança;
II - ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.”

Com a reforma do CPP, não existe mais a prisão decorrente de sentença penal
condenatória recorrível, pois não existe mais prisão automática, hoje. Desta forma, o artigo
supra precisa ser interpretado de forma conjunta com o artigo 387, parágrafo único, mais
acima, do CPP, de forma que este efeito prisional apareça apenas quando a prisão for
necessária, ou seja, quando houver presentes os quesitos da cautelaridade.
Suponha-se que o réu tenha sido condenado, e seu recurso desprovido, pendendo
apenas os recursos excepcionais (que não contam, em regra, com efeito suspensivo). Este
réu pode ser preso, de forma automática? Veja a súmula 267 do STJ:

“Súmula 267, STJ: A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra


decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.”

Há quem aplique a prisão imediata com este argumento, baseado na súmula acima,
porque se o recurso não tem efeito suspensivo, nada impede o mandado de prisão, eis que o
artigo 393, I, do CPP, autoriza tal prisão. Desta forma, neste pé, o agente deve ser preso.
O STF, porém, entende que, a despeito de o recurso não ter efeito suspensivo, toda e
qualquer prisão pré trânsito em julgado deve ser calcada em cautelaridade, ou seja, não há
prisão automática – deve ser decretada a prisão preventiva. Acompanham a Corte Maior,
neste entendimento, Ada Pellegrini e Marcellus Polastri.

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3. Sentença penal absolutória

O principal efeito desta sentença é a imediata postura do réu em liberdade. Até


pouco tempo atrás, mesmo absolvido, o agente permaneceria preso. Hoje, o artigo 596 do
CPP é expresso:

“Art. 596. A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto
imediatamente em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
Parágrafo único. A apelação não suspenderá a execução da medida de segurança
aplicada provisoriamente. (Redação dada pela Lei nº 5.941, de 22.11.1973)”

4. Decisões de natureza jurídica peculiar

A decisão que concede perdão judicial tem natureza jurídica declaratória da


extinção da punibilidade, de acordo com a antiga súmula 18 do STJ. Tourinho, por seu
turno, classifica-a como condenatória imprópria, porque o juiz reconhece a autoria e a
materialidade, mas deixa de aplicar a pena:

“Súmula 18, STJ: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da


extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”

A decisão de despronúncia, ou seja, a reforma, em juízo de retratação ou em


segundo grau, da decisão de pronúncia – a impronúncia em razão de recurso em sentido
estrito –, tem natureza jurídica de decisão interlocutória mista terminativa, como a
impronúncia comum, eis que põe fim ao processo, sem perscrutar-lhe o mérito.
A decisão de rejeição da denúncia com análise do mérito, ainda que perfunctória,
tem natureza interlocutória mista terminativa, para a maior doutrina, mas há quem a
defenda terminativa de mérito.
A decisão desclassificatória na primeira etapa do procedimento do júri é
interlocutória mista não terminativa, eis que põe fim a módulo processual, mas não ao
processo.

Casos Concretos

Questão 1

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O magistrado julgou procedente a denúncia e condenou o réu pela prática do crime


tipificado no art. 157, § 2º. II, do Código Penal e fixou as penas no mínimo legal, sobre
que expressamente fez incidir um aumento especial de 1/3 (um terço), encontrando 5 anos
de reclusão e 11 dias-multa. O Ministério Público se omitiu. O réu apelou pleiteando sua
absolvição, mas não teve sucesso. Indaga-se se o segundo grau ou o juiz da execução
podem consertar o erro de conta.

Resposta à Questão 1

O juízo de segunda instância não poderá jamais reparar este erro material, quando
esta correção for prejudicar o réu, e o recurso houver sido exclusivo da defesa: tratar-se-ia
de ofensa à vedação à reformatio in pejus, proibida no artigo 617 do CPP. A reforma de erro
material, neste caso, só seria possível para favorecer o réu.
O juiz da execução não pode adentrar o mérito da maior parte das questões
analisadas pelo juízo da sentença condenatória: quando individualiza a pena, operará
alterações de diversos aspectos da sentença, como o regime, por exemplo. Todavia, jamais
poderá se imiscuir na questão do cálculo da pena, sob qualquer ângulo. Veja que o juiz da
execução pode, até mesmo, reconhecer que houve crime continuado, quando da
individualização de penas, por exemplo, mas não poderá alterar o cálculo da pena, nem
mesmo para corrigir o erro material, sob pena de ofender a coisa julgada.

Questão 2

Esclareça se é válido ato do juiz que, diante da inicial acusatória, se restringe a


esta afirmação: Recebo a denúncia. Cite-se o réu.

Resposta à Questão 2

Para o STF, este despacho está correto, eis que este ato não se trata de uma decisão,
e sim de mero despacho. Ademais, se o juiz se aprofundar na análise dos argumentos e do
mérito, neste momento, estará antecipando juízo de mérito da causa, o que violaria a
imparcialidade necessária para o processamento. É válido o ato nesta forma, portanto.

Tema II

Sentença penal (continuação). Emendatio libelli e mutatio libelli. Forma das sentenças. Publicações das
sentenças. Coisa julgada e preclusão.

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Notas de Aula2

1. Emendatio e mutatio libelli

1.1. Emendatio libelli

A emendatio libelli vem consignada no artigo 383 do CPP, e a sua própria


nomenclatura já é bastante elucidativa: emendatio traduz a ideia de emenda, ajuste,
correção, ou seja, ao juiz é dado emprestar ao fato da inicial acusatória uma definição
jurídica diversa da constante da denúncia ou queixa, jamais se afastando da causa de pedir,
porém. Veja o dispositivo sede:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou


queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência,
tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de
proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o
disposto na lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).”

No processo penal, os limites da sentença não são determinados pelo pedido, e sim
pela causa de pedir. Permanecendo esta a mesma, o juiz poderá dar ao fato definição
jurídica diversa daquela constante da inicial acusatória.
Na emendatio libelli, imagine-se a causa de pedir como um compartimento, um
invólucro: o juiz poderá, sem extrapolar os limites deste invólucro, realizar quaisquer
variações na definição jurídica dos fatos. Se no curso do processo, nenhum fato alheio a
este invólucro surgir, o juiz poderá, naqueles limites traçados pela inicial acusatória, alterar
a imputação, ajustando-a, retificando a capitulação lançada pelo autor da ação penal.
Veja que a gravidade da imputação consequencial é irrelevante. Pouco importa se,
do ajuste feito pelo juiz, surja uma imputação mais grave: haverá este ajuste, e a sentença
será perfeitamente escorreita. Basta que as alegações constantes da causa de pedir (na
analogia do invólucro) permitam a conclusão a que o juiz chegou.
Este ajuste promovido pela emendatio não compromete a ampla defesa e o
contraditório pela simples razão de que o réu, ao longo de todo o processo, se defendeu da
causa de pedir, e não do pedido capitular. Por isso, o réu teve exercida a ampla defesa desde
sempre, sem óbices, acerca daqueles fatos, e se por acaso a capitulação for diversa, a
substância não o é, não prejudicando a defesa de forma alguma.
O § 1° do artigo supra, porém, traz uma alteração importante: se a nova definição
criminal encontrada pelo juiz ao promover a emendatio fizer recair a condenação em crime
passível de sursis processual, o juiz abrirá vista ao MP, para que este se manifeste sobre
esta proposta de suspensão. É uma inovação legal, que já era adotada pela jurisprudência,
sendo verdadeira positivação da súmula 337 do STJ:

“Súmula 337, STJ: É cabível a suspensão condicional do processo na


desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.”

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Aula ministrada pelo professor Marcos Paulo Dutra Santos, em 22/9/2009.

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Repare que se trata de uma subversão à ordem corriqueira da suspensão condicional


do processo, pois como se sabe esta é ofertada no início dos procedimentos justamente com
o escopo de evitar o processo – e aqui está sendo oportunizada já em fase de julgamento.
Em verdade, isto só é possível porque a suspensão condicional do processo é um instituto
de natureza mista, e não exclusivamente processual, cuja repercussão primária é suspender
o processo, mas a principal repercussão é material: a conservação do status libertatis do
acusado.
A admissibilidade da proposta de sursis processual (e pela mesma lógica a transação
penal), nesta fase, é pura questão de isonomia: se a capitulação houvesse sido correta desde
o início, o réu teria tido esta oportunidade em tempo certo. Ora, não pode agora este réu ser
prejudicado pelo erro do acusador, deixando de merecer benesse que é seu direito.
Exemplo mais claro é o de uma capitulação em roubo, que se demonstra, ao final,
carente do elemento essencial da violência ou grave ameaça: desclassificado para o furto, é
claro que o agente será merecedor da suspensão condicional do processo, mesmo em fase
de julgamento. Repare que se a situação fosse inversa, ou seja, a capitulação fosse em furto
(desconsiderando o sursis processual que deveria ser proposto, para fins de exemplo), sem
descrição de violência ou grave ameaça na causa de pedir exordial, e o juiz, ao final,
percebesse das provas a presença de violência, pretendendo condenar em roubo, não
haveria emendatio, e sim mutatio libelli, instituto que terá estudo próprio logo adiante.
Destarte, concluindo, desde que o juiz apenas promova uma releitura dos fatos
narrados na causa de pedir da inicial, há emendatio libelli. Havendo possibilidade de
suspensão do processo, o juiz abrirá ao MP para oferecê-la, por questão de justiça
isonômica: o réu não pode ser prejudicado pela má capitulação feita pela acusação.
A natureza jurídica do provimento do juiz que reconhece a emendatio libelli não é
de sentença. O juiz não examina o mérito, tampouco o extingue por esta falta de
enfrentamento meritório. Por isso, trata-se de uma decisão interlocutória mista não
terminativa, porque não terminou o processo, mas enfrentou alguma questão de mérito (não
o mérito em si, mas uma de suas arestas, como a elementar de violência que vinha narrada,
no exemplo do roubo desclassificado para furto).
Por não ser sentença, não pode ser traçada formalmente como uma. Na praxe, é
muito comum ver esta decisão nomeada de sentença, mas não o é, modo algum. Inclusive,
cria uma celeuma processual, gerando discussões que seriam descabidas sobre o devido
proceder das partes dali em diante. Por isso, essencialmente, não é sentença, e por isso a
melhor conduta é não ser assim traçada pelo juiz.
Em síntese: a decisão prevista no artigo 383, § 1º, do CPP, possui natureza jurídica
de decisão interlocutória mista não terminativa. Não é uma sentença, porque não compõe
em definitivo o mérito, mas sim apenas uma questão de mérito – o que lhe dá a adjetivação
de mista –, e não definitiva porque não extingue o processo, o qual passará à fase do artigo
89 da Lei 9.099/95 (sursis processual). Destarte, o juiz deve se ater à questão de mérito
ensejadora da desclassificação, e não enfrentar nenhum outro aspecto meritório, sob pena
de incidir em prejulgamento. Até porque, veja, sobrevindo a suspensão do processo, e
posterior descumprimento desta, nada garante que será aquele mesmo juiz o sentenciante.
Nada disso é novidade, pois no rito do júri esta sempre foi a dinâmica, quando havia
desclassificação na primeira fase.
O § 1° deste artigo em comento traz outra regra contundente, que já era admitida na
jurisprudência, agora amparada normativamente: até mesmo em grau de recurso é possível

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a dinâmica da suspensão condicional do processo e da transação penal, prolatando o


tribunal um acórdão desclassificatório, com base no artigo 617 do CPP. Veja:

“Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos
arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a
pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.”

Imagine-se que haja uma imputação por concurso material entre um furto e um
roubo. Para fins de suspensão condicional do processo, a súmula 243 do STJ e 723 do STF
entendem que as penas mínimas devem ser somadas para verificação do cabimento desta
benesse.

“Súmula 243, STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em


relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou
continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja
pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.”

“Súmula 723, STF: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime
continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento
mínimo de um sexto for superior a um ano.”

No exemplo, a soma das penas mínimas chega a cinco anos – um do furto e quatro
do roubo –, sendo impossível a suspensão. Imagine-se que, em julgamento, o réu seja
absolvido do roubo: vai remanescer apenas o furto como infração a ser julgada. É esta a
hipótese travada na parte final da súmula 337 do STJ: o furto será passível de suspensão
condicional do processo.
Mas repare que, neste caso, a decisão não é meramente interlocutória mista: é
verdadeira sentença, eis que julgou o mérito, parcialmente. Nesta sentença, absolutória, o
juiz consignará no final de seu decisum que, em relação ao furto, abre vistas ao MP para
pronunciar-se sobre o sursis processual.

1.1.1. Recurso adequado

No caso do § 1° do artigo 383, da decisão que abre vistas ao MP, esta decisão
desclassificatória não encontra previsão expressa de recurso em sentido estrito, e, além
disso, é uma decisão com força de definitiva, eis que enfrentou uma questão de mérito
definitivamente (a elementar que, ausente, definiu a emendatio). Por isso, desafia apelação
supletiva, com base no artigo 593, II, do CPP:

“Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)
I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz
singular; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
II - das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz
singular nos casos não previstos no Capítulo anterior; (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)
(...)”

Quando, de outro lado, a decisão que se estiver analisando for a sentença que
absolve o réu de um dos crimes capitulados, restando outro passível de sursis processual –

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como no exemplo dado há pouco, do concurso entre roubo absolvido e furto –, por se tratar
de clara sentença absolutória, o recurso cabível é a apelação, mas com base no artigo 593, I,
do CPP, supra.
Se a apelação for manipulada pela acusação, em qualquer dos dois casos, não é
significa que não haverá a proposta de suspensão condicional do processo. Por isso, não se
fala, aqui, em aplicação do artigo 28 do CPP, porque a apelação, nestes casos, discutirá o
provimento jurisdicional desclassificatório, ou o provimento jurisdicional absolutório – e
não a possibilidade ou não de sursis processual. Se o tribunal confirmar, no julgamento da
apelação, a desclassificação ou a absolvição, o MP não poderá se furtar à proposta de
suspensão condicional do processo, pois seria uma recusa arbitrária, negando efetividade à
preclusão já operada na decisão mantida em segundo grau.
A apelação do artigo 597 do CPP tem efeito suspensivo da demanda, quando de
sentença condenatória ou absolutória, debalde o texto restritivo do artigo (valendo ainda
mencionar que este artigo só foi recepcionado até o termo “suspensivo”):

“Art. 597. A apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo, salvo o


disposto no art. 393, a aplicação provisória de interdições de direitos e de medidas
de segurança (arts. 374 e 378), e o caso de suspensão condicional de pena.”

Assim, no exemplo, quando há a absolvição do roubo, demandando oferta de sursis


processual pelo MP, mas há a apelação do artigo 593, I, do CPP, pelo MP, contra a
absolvição do roubo, a demanda em relação ao furto encontrado subsistente pelo juiz deve
ficar suspensa, até que a apelação seja julgada – a prejudicialidade da demanda contra o
furto e a apelação da parte absolutória é clara.
Entenda: na hipótese de procedência parcial, já que apenas uma imputação se fez
absolvida, e a subsistente demanda suspensão condicional do processo (aplicando-se o fine
da súmula 337 do STJ), uma vez interposta a apelação contra a sentença absolutória, o juiz
a quo deverá aguardar o desfecho desta apelação, não examinando a imputação subsistente,
porque é inequívoca a prejudicialidade entre o apelo e a imputação residual, já que se
provido o recurso, o juiz a quo terá que sentenciar o crime residual. Se negado provimento
ao apelo, e confirmada a absolvição, haverá suspensão condicional do processo em relação
à imputação que a mereça.
Por fim, diga-se, o efeito suspensivo da apelação alcança, destacadamente, as
sentenças penais condenatórias, haja vista a presunção de não-culpabilidade que vige em
nosso sistema criminal.

1.1.2. Declínio da competência

O artigo 383, § 2°, do CPP, supra, determina que se a desclassificação importar em


alteração de competência, este declínio deve ser operado. Finda, portanto, a perpetuatio
jurisdictionis, sendo vedado o prosseguimento do processo naquele juízo originário.
Excepcionalmente, porém, a perpetuatio persistirá: no caso do artigo 492, § 1°, do
CPP. Veja:

“Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (Redação dada pela
Lei nº 11.689, de 2008)
(...)

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§ 1° Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz


singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida,
aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela
lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e
seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. (Redação dada pela Lei nº
11.689, de 2008)
(...)”

Na segunda fase do procedimento do júri, se o conselho de sentença afasta o animus


necandi, e a nova imputação decorrente seja de competência de outro juízo – uma infração
de menor potencial ofensivo, por exemplo, que chamaria a competência do JECrim –, a
competência ainda assim permanecerá com o júri. Sendo o caso do exemplo, a infração de
menor potencial será julgada no júri, pelo juiz presidente, mas merecendo ainda a aplicação
de todas as medidas benéficas, despenalizadoras, da Lei 9.099/95.
Afora esta exceção, a regra é o declínio da competência. A natureza jurídica deste
provimento de declínio é de decisão interlocutória mista não terminativa, porque põe fim
apenas a um módulo processual, sendo que o processo vai prosseguir, perante outro juízo.
O recurso adequado desta decisão é o recurso em sentido estrito, por conta da
expressa previsão do artigo 581, II, do CPP:

“Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:


(...)
II - que concluir pela incompetência do juízo;
(...)”

Há uma peculiaridade que deve ser observada, aqui, na aplicação deste § 2° do


artigo 383 do CPP: há um diálogo deste dispositivo com o artigo 81, caput, do CPP, que
provavelmente sequer foi percebida pelo legislador. Veja:

“Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda
que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir
sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua
na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou
continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver
o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao
juízo competente.”

Imagine-se que haja concurso material entre roubo simples, cuja pena máxima é de
dez anos, e ameaça, cuja máxima é de seis meses. Pela conexão, a competência é da vara
criminal. Pela letra do artigo 81 supra, se em relação ao roubo sobreviesse absolvição,
subsistindo a ameaça, perpetuar-se-ia a competência desta vara processante (mantendo-se a
aplicabilidade das medidas despenalizadoras para a ameaça, que é de menor potencial
ofensivo). Esta solução não agride o artigo 383, § 2°, do CPP, porque este último fala em
desclassificação, e o que se passou foi uma absolvição do crime que serviu de vis atractiva.
Imagine-se, porém, que houvesse uma lesão corporal gravíssima em cúmulo
material com o crime de ameaça. Novamente, a conexão faria competente a vara criminal,
em detrimento do JECrim. No julgamento, o juiz desclassifica a lesão gravíssima para
simples. Ora, perceba o imbróglio: se a única infração fosse, desde o início, a lesão corporal
gravíssima, se houvesse a desclassificação para simples, o artigo 383, § 2°, do CPP,

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determinaria o envio do feito ao JECrim. Contudo, pelo fato de existir um outro crime
conexo – que nunca foi da competência, isoladamente considerado, do juízo em que agora
se vê –, a perpetuação da competência se imporia, em atenção ao artigo 81, caput, do CPP.
É bastante estranha, esta dinâmica.
Sintetizando: em havendo duas imputações conexas ou continentes, que em
princípio chamariam juízos diversos, se o juízo de competência prevalente absolve o réu da
sua imputação originária, é natural que em relação à outra prossiga oportunizando os
institutos despenalizadores, caso seja a restante de menor potencial ofensivo, segundo o
artigo 81, caput, do CPP. O mesmo dispositivo dá solução idêntica na hipótese de a
imputação originária do juízo de competência prevalente ser desclassificado, de sorte que
tanto ela quanto a outra, conexa ou continente, seriam por ele apreciadas, o que, todavia,
arranha o artigo 383, § 2°, do CPP, que estabeleceu como regra o declínio da competência.
A solução seria ou aplicar o princípio da especialidade, em prol do artigo 81 do CPP –
olvidando o fato de que a norma é originária do CPP –; ou priorizar o atual artigo 383, § 2°,
de forma que no caso de desclassificação, a solução seria o declínio da competência,
oportunizando os institutos despenalizadores do JECrim (posição que tende a prevalecer).
Tendo sido caso de declínio da competência do juízo processante para o JECrim,
veja que a imputação originária ainda é a que justificara a competência original da vara
criminal. O primeiro passo é abrir para que o MP promova o aditamento, eis que se o
julgamento se pautar na mesma denúncia, inalterada, a sentença será extra petita – haverá
uma lesão corporal gravíssima na causa de pedir, por exemplo, e o julgamento de outro
crime completamente diverso. O procedimento adotado, ali, será o dos §§ do artigo 384 do
CPP, por analogia (eis que este artigo é a sede da mutatio libelli, que será vista com zelo
adiante).
Assim se desenvolve o procedimento, portanto: o juiz do JECrim, então, abre vistas
ao MP por cinco dias (o ideal, em apreço ao sistema acusatório, é que o MP assim proceda
espontaneamente). Em seguida, dar-se-á a oitiva da defesa técnica, também em cinco dias,
na forma do § 2° do artigo supra. Depois, o juiz passa ao recebimento do aditamento,
também como dita o § 2° do mesmo artigo. Quarto passo é a notificação das partes para se
pronunciar sobre a necessidade e interesse na prova oral (no máximo de três testemunhas)
em prazo de cinco dias cada parte, excluída a prova oral já produzida. Adiante, o juiz
designa a audiência de instrução, interrogatório e julgamento 3, para oitiva destas novas
testemunhas, se arroladas, bem como para o interrogatório (ou reinterrogatório, se for o
caso) do acusado.
O órgão acusante pode se recusar a aditar, entendendo impertinente a
desclassificação? A doutrina refuta esta possibilidade, à exceção de Afrânio Silva Jardim.
STF e STJ igualmente rechaçam esta tese. Isto porque se trata de decisão, tendo corrido
processo até então, e a rediscussão violaria diretamente a preclusão. Em que pese a
sustentação positiva de Afrânio, que diz que o MP, em razão da sua independência
funcional, não pode veicular uma opinião delitiva com a qual não concorda, podendo assim
se recusar a aditar, STF e STJ, sublinhando que a unidade e indivisibilidade é do órgão
ministerial e se projeta apenas administrativamente, sustentam que tal recusa é impensável,
porque permitiria revolver questões de mérito preclusas tornando o processo uma marcha
3
É claro que serão, primeiro, notificadas as partes para arrolarem as testemunhas, para somente após o que
designar a audiência – havendo uma certa inversão cronológica entre os §§ 4° e 2° do artigo em comento.
Ademais, tendo havido a desclassificação para o JECrim, a eventual instrução somente ocorrerá se frustrados
os institutos despenalizadores, que hão de ser oportunizados antes de ser retomada a instrução.

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

involutiva, e não evolutiva, como deve ser – até porque, em apreço à teoria do órgão, a
preclusão operada no processo anterior alcançou o MP como um todo, tanto o que lá
oficiou como o daqui, ante a unidade e indivisibilidade.
Se ainda assim o MP se recusar, porém, e o PGJ, alçado pela aplicação do artigo 28
do CPP, insistir na recusa, o juiz deverá instaurar conflito negativo de competência, o que é
absolutamente estranho e indesejado.
Se se admitir recurso em sentido estrito desta decisão de desclassificação e remessa,
com base no artigo 581, II, do CPP (decisão que conclui pela incompetência do juízo), este
não terá efeito suspensivo; e não será processado nos autos originais (não tendo também o
efeito suspensivo reflexo). O juiz processante, então, precisará formar o instrumento e
remeter o traslado para o tribunal, remetendo os autos para o JECrim (pois se não há
suspensão, deve o feito correr por lá). Ora, se o procedimento prosseguirá no juizado, e lá
forem oportunizados os institutos despenalizadores, o recurso perderá o objeto, por
preclusão lógica. E, ao contrário, se o recurso for conhecido e provido, tudo o que foi
realizado no novo juízo será nulo. Por isso, o promotor (do juízo original, e não o do
juizado, que careceria de atribuição) poderá obstar o curso do procedimento, por meio de
impetração de mandado de segurança para concessão de efeito suspensivo ao recurso, a fim
de aguardar seu julgamento para que o processo volte a curso. Este mandamus não era
admitido pelo STJ, mas a reforma trazida pela Lei 12.016/09 permite expressamente, a teor
do seu novel artigo 5º, II:

“Art. 5° Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:


(...)
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
(...)”

Em leitura a contrário senso, se o recurso em sentido estrito não comporta efeito


suspensivo de per si, pode haver impetração para obtê-lo. Mas veja que o provimento deste
mandamus é pouco provável, pois não há ilegalidade supressora de direito líquido e certo,
exceto se a decisão de desclassificação for teratológica.

1.2. Mutatio libelli

O instituto tem sede no artigo 384 do CPP:

“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição


jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público
deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta
houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo
o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 1° Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art.
28 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 2° Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o
aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para
continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do
acusado, realização de debates e julgamento. (Incluído pela Lei nº 11.719, de
2008).
§ 3° Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste
artigo. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Michell Nunes Midlej Maron 11


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

§ 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no


prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do
aditamento. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá. (Incluído pela Lei nº
11.719, de 2008).”

Nesta situação, há claramente uma mudança na imputação, e não mera emenda.


Para haver mudança, é preciso que tenha havido algum fato novo a propugná-la, fato que
não fora compreendido na causa de pedir originária. Se os fatos não estavam contemplados
na inicial acusatória, o provimento jurisdicional que os tomar em consideração seria extra
ou ultra petita; assim sendo, a solução é o aditamento da exordial.
O aditamento, antes da reforma, só se faria necessário quando o fato novo agravasse
a imputação. Agora, é necessário aditar mesmo que a nova imputação seja benéfica ao réu.
O procedimento a ser seguido nos §§ deste artigo já foi abordado, há pouco.
Contudo, vale mencionar que o § 5° tem uma redação pobre, causadora de problemas. Em
uma leitura rápida, pode até ensejar o entendimento que da decisão que não recebe o
aditamento não caberia recurso, o que não é verdade: cabe recurso em sentido estrito, com
base no artigo 581, I, do CPP, em interpretação ontológica – pois o aditamento equivale a
uma nova inicial acusatória.

“Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:


I - que não receber a denúncia ou a queixa;
(...)”

Geraldo Prado, acompanhado por André Nicolitt, pondera que como o caput do
artigo 384 do CPP usa termos imperativos para as condutas do MP, não subsistiria o
aditamento provocado, hoje, somente podendo haver aditamento espontâneo, o único que se
harmoniza com o sistema acusatório. Contudo, é posição amplamente majoritária a de que é
cabível o aditamento provocado, por mais de um argumento: a fixação de prazo não faria
qualquer sentido; e a previsão de aplicação do artigo 28 do CPP, no § 1°, para controle da
atuação do parquet pelo juiz é clara ingerência do juízo sobre a atuação no aditamento. Por
isso, STF e STJ também se filiam a esta vertente, sobremaneira por entenderem que o
sistema acusatório está resguardado, uma vez que a palavra final ainda será do MP, na
figura do PGJ.
Havendo provocação da mutatio pelo juiz, este ato é irrecorrível, aparecendo como
mero despacho, mas desperta, com base na tese garantista acima exposta, a possibilidade de
impetração de um HC.
A mutatio, o artigo 384 do CPP, não se aplica em grau recursal, por falta de previsão
no artigo 617 do CPP, já transcrito: há um silêncio eloqüente do legislador, que contemplou
o artigo 383, a emendatio, mas deixou de fora o artigo da mutatio. Seria clara supressão de
instância, se fosse permitida esta dinâmica da mutatio em segunda instância. A respeito,
veja a súmula 453 do STF:

“Súmula 453, STF: Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo
único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica
ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou
implicitamente, na denúncia ou queixa.”

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

A supressão de instância se verificaria pela ausência de análise do fato novo,


ensejador da mutatio, pela primeira instância, inaugurando-se o conhecimento deste fato em
segunda instância.

Casos Concretos

Questão 1

Melquesedek materializava todos os pensamentos de sua juventude. Ao completar


18 (dezoito) anos de idade, completamente embriagado, promove a subtração de um
veículo de dez passageiros, com o propósito de levar amigos ao baile das mascaradas. O
veículo estava repleto. No deslocamento, descurando-se dos cuidados objetivos exigidos na

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

vida de relação, projeta o automóvel em gravoso precipício. Saldo: Soninha, decapitada,


tem morte instantânea; Aninha, em razão de contusão cerebral, igualmente perde a vida;
Joaninha tem uma das pernas esmagadas pelas ferragens; Paulinha perde os dedos da
mão esquerda; Cristininha e Flavinha sofrem escoriações ínfimas. Neuzinha, cujo corpo
foi arrebatado pelo impacto, repousa no fundo de um lago de águas turvas, ficando presa.
Deflagra-se o inquérito e sucede-lhe a ação penal. Melquesedek resta condenado por todos
os crimes, sendo certo que, durante o inquérito policial ou no curso do processo nenhuma
notícia de Neuzinha foi suscitada e sequer fora apontada como uma das passageiras do
veículo. A sentença transita em julgado. Dois dias depois, por obra da natureza, o corpo
de Neuzinha emerge, sendo encontrado por um morador da região. Novas investigações
são promovidas e resta apurado que Neuzinha encontrava-se no interior daquele
automóvel dirigido por Melquesedek. O Ministério Público oferece nova denúncia
enfatizando a incidência da teoria da substanciação, pois, tal delito não estava alcançado
pela res judicata, não integrando o fato principal objeto da sentença. Destaca, ainda, que
os fatos não foram alcançados pela prescrição da pretensão punitiva. Elabore o juízo de
admissibilidade.

Resposta à Questão 1

A hipótese é de rejeição da renúncia, por falta de interesse-utilidade, eis que ainda


que houvesse apuração e condenação, a apenação já alcançou o máximo possível, pelo que
a demanda não tem qualquer utilidade.
Destarte, considerando a impossibilidade de exasperação da pena, não há utilidade
na deflagração da demanda. A inicial deve ser rejeitada, com sede no artigo 395, II, do CPP.

“Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).
(...)
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
(Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
(...)”

Questão 2

Platão, Prefeito Municipal, foi acusado de crime de homicídio qualificado na forma


do art. 121, § 2º, IV, do CP, juntamente com Aristóteles, que é cidadão comum. Realizado o
julgamento no Tribunal de Justiça, a qualificadora foi afastada por decisão que transitou
em julgado. Terá tal decisão efeito de limitar a acusação em relação a Aristóteles,
vedando-se o exame da qualificadora aplicada pelo Tribunal do Júri? Ou ainda, teria o
efeito de afastar a qualificadora aplicada pelo Tribunal do júri? Aborde a questão à luz
dos artigos 580 do CPP e 472 do CPC.

Resposta à Questão 2

Em apreço à isonomia, evitando que réus em idêntica situação jurídico-penal


recebam tratamento distinto, o veredicto do conselho de sentença poderá ser estendido ao
corréu, eis que a qualificadora é de ordem objetiva, de sorte que ambos devem ser tratados
de forma isônoma.

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

É importante sublinhar que, neste caso, como o corréu é prefeito, a extensão será
determinada pelo tribunal de justiça que é competente para o processo e julgamento.

Tema III

Teoria geral dos recursos. Conceito. Fontes normativas. Pressupostos recursais.

Notas de Aula4

1. Pressupostos objetivos de admissibilidade recursal

4
Aula ministrada pelo professor Marcos Paulo Dutra Santos, em 22/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Os dois primeiros pressupostos objetivos de admissibilidade recursal devem ser


analisados em conjunto. São eles o cabimento e a adequação.

1.1. Cabimento e adequação

Cabimento é previsão legal, ou seja, tipicidade, e adequação é pertinência recursal


para impugnar aquele provimento jurisdicional. A adequação responde ao princípio da
unirrecorribilidade das decisões, porque, em regra, de toda decisão cabe um único recurso
por vez (à exceção dos recursos excepcionais, que podem ser concomitantemente
interpostos da mesma decisão).
Paralelamente à unirrecorribilidade, porém, vige a fungibilidade recursal, constante
do artigo 579 do CPP:

“Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela
interposição de um recurso por outro.
Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso
interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso
cabível.”

Destarte, havendo boa-fé do recorrente, o recurso inadequado pode ser recebido


como se correto fosse. A má-fé, a malícia do recorrente, ou o erro grosseiro, vedam a
conversão do recurso errôneo em correto. Veja que a má-fé é medida pela tempestividade
do recurso, ou seja, se o erro for grosseiro, mas o recurso errado foi interposto no prazo em
que deveria ter sido interposto o correto, é admissível a fungibilidade – há ignorância, e não
má-fé.
Entenda: os tribunais superiores têm restringido a análise do princípio da
fungibilidade à tempestividade, porque desde que tempestiva a irresignação, eventual erro
grosseiro evidencia má técnica do postulante, mas não má-fé – e o dispositivo só veda a
má-fé, e não a ignorância.
Como exemplo, a apelação e o recurso em sentido estrito têm o mesmo prazo.
Imagine-se que, grosseiramente, o recorrente interponha recurso em sentido estrito, em
prazo correto: não há má-fé, há ignorância, e o recurso será recebido como se apelação
fosse.
A fungibilidade pode acontecer entre recursos e ações autônomas de impugnação:
nada impede que um habeas corpus, por exemplo, seja recebido como recurso, e vice-
versa. Até mesmo o habeas corpus ajuizado quando o correto seria a revisão criminal pode
ser convertido nesta ação.

1.2. Tempestividade

Este requisito objetivo, o prazo de interposição dos recursos, é sempre preclusivo.


Veja que nos recursos bifásicos – apelação, recurso em sentido estrito e agravo em
execução –, em que há um prazo para interposição, e outro para apresentação de razões
recursais, o prazo para razões não é preclusivo, pelo que a intempestividade das razões não
importa em não conhecimento do recurso.
Em regra, é na interposição que haverá a fixação do efeito devolutivo do recurso.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

No processo penal, aplicam-se as regras do artigo 798, especialmente os §§ 1° e 5°,


“a”, do CPP, à contagem dos prazos:

“Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios,


não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
§ 1° Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do
vencimento.
§ 2° A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém,
considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova
do dia em que começou a correr.
§ 3° O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado
até o dia útil imediato.
§ 4° Não correrão os prazos, se houver impedimento do juiz, força maior, ou
obstáculo judicial oposto pela parte contrária.
§ 5° Salvo os casos expressos, os prazos correrão:
a) da intimação;
b) da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente a
parte;
c) do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou
despacho.”

Para recurso, o prazo flui sempre da intimação, começando no dia útil seguinte. Em
se tratando de carta precatória, nada se altera, pois o legislador não diferenciou as situações.
Veja a súmula 710 do STF:

“Súmula 710, STF: No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação,


e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.”

No processo penal, a ampla defesa se compõe da defesa técnica e da defesa pessoal,


o que significa que a intimação deverá ser feita na pessoa do réu e de seu defensor. Por isso,
o prazo só flui da última intimação, do defensor ou do réu, qualquer que seja a ordem. Esta
ordem é irrelevante, haja vista a súmula 705 do STF, pois o defensor, intimado primeiro,
pode desde logo interpor o recurso:

“Súmula 705, STF: A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a


assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este
interposta.”

Significa, portanto, que a opinião recursal do defensor é independente da


autorização ou confluência do réu, porque a reformatio in pejus de ofício é vedada, e o réu
nada tem a perder. Diga-se, o defensor intimado primeiro deve recorrer desde logo, a fim de
não perder o prazo, por eventualidade. E mais: se o réu manifesta desejo de recorrer,
mesmo discordando o defensor, este deverá recorrer, sob pena de o réu ser declarado
indefeso.
Quanto à forma de intimação, o artigo 370 do CPP dá a nota:

“Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que
devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável,
o disposto no Capítulo anterior. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)
§ 1° A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do
assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado.


(Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)
§ 2° Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação
far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante
de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo. (Redação dada pela Lei nº
9.271, de 17.4.1996)
§ 3° A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a aplicação a que alude o
§ 1°. (Incluído pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)
§ 4° A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal.
(Incluído pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996)”

A intimação pessoal do defensor ou do promotor não é somente aquela entregue nas


mãos do membro oficiante: considera-se pessoalmente intimado quando a comunicação
chega ao protocolo dos autos no órgão. A partir deste momento, os autos estarão
disponíveis para o oficiante, e dali se considera feita a comunicação, contando o prazo.
O STJ, no entanto, em recente caso concreto, aplicou a esta situação o princípio da
confiança: um procurador de justiça, calcando-se no entendimento até então vigente de que
a intimação pessoal era apenas aquela em mãos, interpôs recurso especial que seria
intempestivo, à luz da nova postura. Por isso, por ainda estar em zona nebulosa, o STJ
entendeu tempestivo o recurso, pela confiança – aplicando uma espécie de tempus regit
actum, só que com base na jurisprudência vigente, e não na lei vigente à época do ato.
Há uma exceção: nos juizados especiais criminais, o artigo 82, § 4°, da Lei
9.099/95, determina que a data da sessão de julgamento na turma recursal será intimada
pela imprensa. O STF entende perfeitamente constitucional esta notificação, inclusive para
o MP, a defensoria pública e o defensor dativo, ante a especialidade desta norma. Veja:

“Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá


apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício
no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
(...)
§ 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa.
(...)”

Esta posição do STF é criticável, especialmente em teses sustentadas pelos órgãos


mencionados, que têm notificação pessoal.

Casos Concretos

Questão 1

Em 04 de janeiro de 2008, sexta-feira, o réu e seu advogado foram intimados da


sentença penal condenatória por mandado, o qual foi juntado pelo oficial de justiça aos
autos em 07/01/2008, segunda-feira, interpõe apelação no dia 14/01/2008, uma segunda-
feira. Esclareça se o recurso é tempestivo.

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Resposta à Questão 1

O recurso é intempestivo, pois a intimação determina a fluência do prazo, desde a


segunda-feira, 6 de janeiro de 2008, findando em 11 de janeiro. É intempestivo por força do
artigo 798, §§ 1° e 5°, “a”, do CPP, sendo irrelevante a data de juntada do mandado aos
autos.

Questão 2

Denunciado pela prática do crime de estelionato, Cristófaro contratou dois


advogados, outorgando-lhes os poderes da cláusula ad juditia e os de renunciar,
ressaltando na procuração que poderiam agir em conjunto ou separadamente. Cristófaro
foi condenado e tomou ciência da sentença assistido por seu advogado A e, no mesmo ato,
ambos manifestaram a vontade de não recorrer. Sucede que, dois dias depois, o advogado
B foi intimado da sentença e interpôs recurso de apelação. Esclareça se tal recurso deve
ser recebido.

Resposta à Questão 2

O apelo será recebido, na forma da súmula 705 do STF, pois nada há que possa
prejudicar o réu na reanálise do decisum.

Tema IV

Teoria geral dos recursos (continuação). Efeitos dos recursos: dilatação procedimental, efeito devolutivo,
efeito suspensivo, efeito extensivo. Extinção anormal dos recursos: renúncia, desistência, deserção. Due
Process of Law. Prisão Provisória do recorrente (quando cabível).

Notas de Aula5

5
Aula ministrada pelo professor Denis Andrade Sampaio Júnior, em 23/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

1. Pressupostos subjetivos de admissibilidade recursal

A designação clássica de pressuposto recursal não é muito técnica, porque


pressuposto, em verdade, é aquilo que antecede logicamente alguma coisa. No caso do
recurso, o antecessor lógico é a decisão: é pressuposto do recurso uma decisão recorrível.
Assim, o mais correto seria chamar de requisitos aquilo que se denomina de pressuposto
recursal.
Os requisitos são analisados na fase de admissibilidade recursal. São requisitos
subjetivos dos recursos a possibilidade jurídica do recurso, o interesse recursal, e a
legitimidade recursal. Não por acaso, são equivalentes às condições da ação.
A legitimidade está no artigo 577 do CPP:

“Art. 577. O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo
querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor.
Parágrafo único. Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver
interesse na reforma ou modificação da decisão.”

O MP sempre terá legitimidade recursal, seja na qualidade de autor da ação penal,


seja como custos legis. O querelante, por óbvio, tem legitimidade na ação penal privada.
O ofendido tem legitimidade recursal clara na ação penal privada, mas também a
tem na ação penal pública, em que surge como terceiro prejudicado, estando ou não
habilitado como assistente de acusação: se está habilitado, ganha legitimidade por seu
status de parte; se não, é terceiro prejudicado legitimado.
Mas veja que o ofendido só terá legitimidade, em ação penal pública, de forma
supletiva: apenas quando o MP não recorrer o ofendido poderá fazê-lo. Por isso, o prazo
para o ofendido recorrer, não habilitado como assistente de acusação, tem início após o fim
do prazo para o MP recorrer. Veja o artigo 598 do CPP:

“Art. 598. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se


da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o
ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha
habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito
suspensivo.
Parágrafo único. O prazo para interposição desse recurso será de quinze dias e
correrá do dia em que terminar o do Ministério Público.”

Se o ofendido estiver habilitado como assistente, o prazo é igual ao do MP, de cinco


dias, após o curso in albis do prazo para o parquet. Quando surgir como terceiro
prejudicado, o prazo é de quinze dias, como dispõe o artigo supra.
Se o MP recorre parcialmente, o ofendido poderá recorrer supletivamente apenas na
parcela que restou irrecorrida.
Além do ofendido e do MP, diz o transcrito artigo 577 do CPP que podem recorrer o
acusado e o defensor. O CPP deu capacidade postulatória à pessoa do acusado, em prol da
ampla defesa – que se soma na autodefesa6 e defesa técnica –, independentemente da
defesa técnica, que poderá ou não interpor recurso.

6
A autodefesa se compõe do direito à voz, como o interrogatório; direito de presença, como na audiência; e
direito de petição, que é o que fundamenta a capacidade postulatória pessoal do réu para recorrer.

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O prazo para o acusado e para a defesa técnica tem início na respectiva intimação,
correndo de forma independente para cada um.
Havendo divergência na manifestação recursal do defensor e do réu, prevalece a
vontade de qualquer deles que manifestar intento em recorrer, porque o recurso defensivo,
em regra, não prejudicará o acusado, ante a vedação à reformatio in pejus em recurso
exclusivo da defesa.
Se quem recorre é o acusado, e a defesa técnica não manifestou intento em recorrer,
o juiz deverá destituir o defensor, e intimar o réu para constituir novo patrono, ou dizer se
tem interesse em ser patrocinado pela Defensoria Pública. Se o réu nada disser, nem
constituir novo advogado, a Defensoria atuará, pois a defesa técnica é indispensável. A não
intimação para tanto gera nulidade do feito, desde então.

2. Efeitos dos recursos no processo penal

2.1. Impedimento do trânsito em julgado da decisão recorrida

O primeiro e basilar efeito dos recursos é o impedimento do trânsito em julgado da


decisão recorrida. A grande diferença entre recurso e ação autônoma de impugnação é o
prolongamento do feito que se opera no primeiro, ante a autonomia da segunda, que
inaugura nova relação processual. De imediato, o prolongamento é possível justamente pelo
impedimento do trânsito em julgado da decisão.

2.2. Efeito devolutivo

Segundo efeito é a devolução da matéria ao Judiciário para reanálise: é o efeito


devolutivo. No processo penal, quanto à extensão, este efeito é limitado, mas, quanto à
profundidade, é ilimitado – é a aplicação do tantum devolutum quantum apellatum. Por
isso, em regra, o tribunal apenas reaprecia a matéria que for impugnada pelo recorrente – se
este traça limitação na extensão – mas quanto a esta matéria impugnada, o tribunal tem
ampla liberdade de análise – ilimitação na profundidade.
É assim que no órgão ad quem é possível, até mesmo, dilação probatória. Veja o
artigo 616 do CPP:

“Art. 616. No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma


proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar
outras diligências.”

Os recursos, no processo penal, são em regra bifásicos. Na apelação, por exemplo,


há a fase da interposição, em cinco dias, e a fase da apresentação de razões, em oito dias. O
prazo para interposição se inicia com a intimação da decisão; recebido o recurso, o prazo
para a apresentação de razões se inicia da intimação do recebimento da peça de
interposição. Surge a questão: a devolução da matéria ao tribunal é feita pela interposição
ou pelas razões?
Prevalece a corrente que diz que é pela interposição que o recorrente devolve a
matéria ao tribunal. Veja, nesse sentido, o que disse o STF no informativo 435

“HC e Prequestionamento - 1

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para desconstituir


decisão do STJ que não conhecera do writ lá impetrado sob o fundamento de que a
questão nele suscitada - aplicação da atenuante relativa à confissão espontânea -
não fora objeto de debate no acórdão da apelação interposta pelo paciente.
Aplicou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de que lhe compete
conhecer originariamente de habeas corpus, se o tribunal inferior, em recurso de
defesa, manteve a condenação do paciente, ainda que sem decidir explicitamente
dos fundamentos da subseqüente impetração da ordem, já que, na apelação do réu,
salvo limitação explícita quando da interposição, toda a causa se devolve ao
conhecimento do tribunal competente, que não está adstrito às razões aventadas
pelo recorrente. RHC 88862/PA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.8.2006. (RHC-
88862)” (grifo nosso)

Assim o é por mera lógica: o MP não pode desistir de recurso interposto, na forma
do artigo 576 do CPP, considerando-se esta interposição como o marco da devolução:

“Art. 576. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja
interposto.”

A devolução, no processo penal, pode ser genérica, operada por meio de


interposição igualmente genérica. Assim sendo feito, o tribunal terá a seu dispor toda a
matéria, na extensão da devolução, independentemente das razões. Esta regra é
especialmente vigorosa em recursos defensivos. Veja julgado do informativo 524 do STF:

“Apelação: Juntada de Documentos e Parecer Opinativo


A Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto contra
acórdão do STJ que mantivera decisão indeferitória de juntada de parecer
elaborado por renomado jurista como aditamento às razões de apelação já
apresentada. Sustentava-se, na espécie, a nulidade dessa decisão, por falta de
motivação, bem como se alegava o desrespeito à garantia da parte em juntar
documentos a qualquer tempo (CPP, art. 231), o que supostamente ocasionara
cerceamento à defesa dos recorrentes. Inicialmente, salientou-se que o aludido
parecer, por não ser um escrito destinado à prova, não poderia ser qualificado
como documento nos termos da legislação processual penal vigente. Dessa forma,
mencionou-se que a jurisprudência do STF é assente no sentido de que pareceres
opinativos não se equiparam a documentos e que a sua eventual juntada aos autos
sequer induz à abertura de vista à parte contrária. Ademais, asseverou-se que, ainda
que se pudesse cogitar da possibilidade de se enquadrar o citado parecer nos
termos pretendidos pelos recorrentes, a decisão impugnada deveria ser mantida,
pois a apelação da defesa, salvo limitação explícita no ato de sua interposição,
devolve ao tribunal todas as questões relevantes do processo, independentemente
de terem sido argüidas nas razões do recurso ou, como no caso, no pedido de
aditamento. Por fim, observou-se que, diversamente do que alegado, o pleito de
aditamento fora formulado quase 1 ano depois da distribuição da apelação no
tribunal de origem. Precedentes citados: RE 93243/BA (DJU de 5.12.80) e RE
357447 AgR-ED/SP (DJU de 6.8.2004). RHC 94350/SC, rel. Min. Cármen Lúcia,
14.10.2008. (RHC-94350)” (grifo nosso)

O próprio acusado, propria manu, diga-se, pode assim recorrer, de forma genérica,
pela mera manifestação neste sentido.
A interposição de recurso no procedimento especial do júri, outrossim, não pode ser
genérica. Nesta seara, a interposição é vinculada, como se vê no artigo 593, III, do CPP, e o
efeito devolutivo é atinente às razões do recurso, e não amplo na extensão, como regra:

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)
(...)
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (Redação dada pela Lei nº 263, de
23.2.1948)
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 263, de
23.2.1948)
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos
jurados; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (Redação
dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
(...)”

Neste sentido, veja a súmula 713 do STF:

“Súmula 713, STF: O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é


adstrito aos fundamentos da sua interposição.”

O STF tem entendido, inclusive, que se o recurso for exclusivo da acusação, no júri,
e o MP interpôs recurso de forma genérica (por exemplo, consignando na interposição que
recorre com base nas alíneas “a”, “b”, “c” e “d” do inciso III artigo 593 supra), deverá
vincular a matéria devolvida às razões, e não à interposição. Em apreço à ampla defesa, o
tribunal só terá a si devolvido aquilo que o MP consignar em razões, e não toda a matéria –
mesmo que, a critério, o apontamento de todas as alíneas, na interposição, assim fizesse
pensar. Veja julgado neste sentido, constante do informativo 502 do STF:

“Apreciação de Recurso e Devido Processo Legal


Por vislumbrar ofensa ao devido processo legal, a Turma deferiu habeas corpus
para determinar que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT
aprecie as razões contidas na apelação interposta pelo paciente, a qual fora
declarada prejudicada ante o provimento de recurso especial, apresentado pelo
Ministério Público, em julgamento de recurso do co-réu. Na espécie, a defesa
alegava a inconstitucionalidade do art. 595 do CPP e, conseqüentemente, pleiteiava
o conhecimento da apelação do paciente, reputada deserta, pelo TJDFT, devido a
sua fuga do estabelecimento prisional. Ocorre que o Min. Joaquim Barbosa,
relator, deferindo medida liminar, sobrestara o presente feito, haja vista a
pendência de exame dessa matéria pelo Plenário do STF. Inicialmente, aduziu-se
que a decisão que assentara a deserção do recurso do paciente em face do seu não
recolhimento ao cárcere feriria o Pacto de São José da Costa Rica, bem como os
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da ampla defesa. Ademais,
entendeu-se inocorrente, no caso, o prejuízo da apelação do paciente, pelos
seguintes fundamentos: a) a liminar fora concedida pelo Min. Joaquim Barbosa
depois do julgamento do aludido recurso especial e b) o STJ manifestara-se sobre o
recurso especial do Ministério Público contra acórdão que não havia analisado as
razões contidas na apelação do paciente, ou seja, somente o recurso de co-réus fora
examinado. Desse modo, considerou-se haver diferença entre estender os efeitos
do recurso de co-réus ao paciente e analisar o por ele interposto, concluindo-se
pela necessidade de ser devidamente apreciada a sua apelação. HC 84469/DF, rel.
Min. Joaquim Barbosa, 15.4.2008. (HC-84469)”

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Excepcionalmente, então, a matéria será devolvida pelas razões, e não pela


interposição, quando assim ocorrer no júri, pelo recurso do MP.
As razões, contudo, são imprescindíveis para o trâmite recursal. Veja o artigo 601
do CPP:

“Art. 601. Findos os prazos para razões, os autos serão remetidos à instância
superior, com as razões ou sem elas, no prazo de 5 (cinco) dias, salvo no caso do
art. 603, segunda parte, em que o prazo será de trinta dias.
§ 1º Se houver mais de um réu, e não houverem todos sido julgados, ou não
tiverem todos apelado, caberá ao apelante promover extração do traslado dos
autos, o qual deverá ser remetido à instância superior no prazo de trinta dias,
contado da data da entrega das últimas razões de apelação, ou do vencimento do
prazo para a apresentação das do apelado.
§ 2º As despesas do traslado correrão por conta de quem o solicitar, salvo se o
pedido for de réu pobre ou do Ministério Público.”

Veja que o caput diz “com as razões ou sem elas”, mas é imperativo ao contraditório
e à ampla defesa que haja as razões, a fim de que a parte contrária possa saber do que se
está recorrendo, e acudir com os argumentos que lhe assistirem. A respeito, veja o que disse
o STJ no seu informativo 399:

“PRERROGATIVA. FORO. RAZÕES. RECURSO.


A Turma reafirmou o entendimento de que a prerrogativa de foro não alcança os
ex-ocupantes de cargos e funções públicas (ADI 2.797-DF e 2.860-DF do STF) e,
na espécie, o paciente jamais teve a seu favor a referida prerrogativa, pois em
1983, época em que era prefeito, não havia disposição alguma conferindo
prerrogativa de foro a prefeito, o que só viria acontecer com a promulgação da
CF/1988, quando já não mais ocupava o cargo. Quanto à ausência de razões do
recurso em sentido estrito, a Turma reiterou que, no caso de omissão do defensor
constituído, impõe-se a intimação do réu para a constituição de outro defensor; se
não constituído, impõe-se a nomeação de defensor dativo. O julgamento sem que o
recurso tenha sido arrazoado é nulo. Assim, a Turma concedeu parcialmente a
ordem. HC 118.102-GO, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 16/6/2009.”

Também a abertura de vista para contrarrazões é imprescindível. Até mesmo no


recurso em sentido estrito interposto pelo MP contra a decisão de rejeição liminar da
denúncia é necessário que o acusado – que nem é réu ainda, eis que não foi sequer citado –
tenha a si oportunizada a vista para que venha a contra-arrazoar. Veja a súmula 707 do STF:

“Súmula 707, STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para


oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a
suprindo a nomeação de defensor dativo.”

A perda do prazo para interposição acarreta preclusão temporal, intempestividade


recursal, e consequente trânsito em julgado da decisão guerreada. Já a apresentação das
razões em prazo superior ao legalmente estabelecido é mera irregularidade, e estas serão
admitidas ainda assim.
No JECrim, o artigo 82 da Lei 9.099/95 prevê o recurso de apelação das sentenças,
recurso que, diferentemente dos ritos do CPP, é monofásico: interpõe-se a apelação já com
as razões, em prazo único de dez dias. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá


apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício
no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
§ 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da
sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da
qual constarão as razões e o pedido do recorrente.
§ 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.
§ 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que
alude o § 3º do art. 65 desta Lei.
§ 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa.
§ 5º Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do
julgamento servirá de acórdão.”

Grande divergência surgiu quando se discutiu a consequência da interposição de


apelação sem razões no JECrim. A Primeira Turma do STF entendeu que se trataria de mera
irregularidade, como se vê no informativo 315 do STF. Todavia, no informativo 406, a
Segunda Turma entendeu que se tratava de intempestividade – no caso, as razões vieram
depois –, denunciando entendimento de que o recurso sequer seria interposto, quando
carente de razões. Veja os julgados, pela ordem:

“Lei 9.099/95: Razões de Apelação


A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra decisão do Colégio Recursal da
Comarca de Ji-Paraná, que não conhecera de apelação interposta pelo paciente por
intempestividade das razões recursais, apresentadas posteriormente ao recurso.
Considerou-se que, embora se aplique na espécie o disposto no art. 82, § 1º da Lei
9.099/95 - que determina que as razões devem ser apresentadas juntamente com o
recurso, no prazo de 10 dias -, dada a informalidade dos juizados especiais e o
risco à liberdade de ir e vir, é admissível a interposição de recurso por simples
petição, em face do silêncio da mencionada Lei quanto às conseqüências da não-
apresentação de razões. HC 83.169-RO, rel. Min. Marco Aurélio, 5.8.2003. (HC-
83169)”

“Lei 9.099/95: Razões de Apelação e Prazo


Tratando-se de apelação interposta no sistema dos juizados especiais criminais,
impõe-se ao recorrente o dever de apresentar, com a petição recursal, as razões de
apelação, no prazo único de dez dias, conforme dispõe o § 1º do art. 82 da Lei
9.099/95 ("A apelação será interposta no prazo de 10 (dez) dias, contados da
ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição
escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente"). Com base nesse
entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que condenados pela prática
dos crimes previstos no art. 10 da Lei 9.437/97 e no art. 29 da Lei 9.605/98
alegavam constrangimento ilegal por cerceamento de defesa, em razão de a Sétima
Turma de Recursos de Santa Catarina não conhecer de recurso de apelação
interposto em seu benefício, porque desacompanhado das razões recursais.
Precedentes citados: HC 79843/MG (DJU de 30.6.2000) e HC 85210/SP (DJU de
1º.7.2005). HC 86454/SC, rel. Min. Carlos Velloso, 18.10.2005. (HC-86454)”

Prevaleceu a primeira tese: a carência de razões é mera irregularidade, porque elas


são imprescindíveis, devendo serem aceitas mesmo a posteriori.

2.2.1. Ne reformatio in pejus

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O efeito devolutivo ainda acarreta uma outra conseqüência: a vedação à reformatio


in pejus em recurso exclusivo da defesa. Veja o artigo 617 do CPP:

“Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos
arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a
pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.”

A reforma para pior, quando o recurso for exclusivo da defesa, é impossível porque
não pode o órgão julgador ad quem agir de ofício em prol da acusação, sob pena de violar o
sistema acusatório: a inércia jurisdicional, salvo algumas exceções, deve prevalecer. Se há
trânsito em julgado para a acusação, não pode o tribunal atuar oficiosamente e prejudicar o
réu, mesmo que a decisão recorrida pela defesa seja teratológica.
O tribunal não pode, de ofício, sequer reconhecer nulidades, mesmo absolutas, se
estas prejudicarem a defesa. Veja a súmula 160 do STF:

“Súmula 160, STF: É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade
não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.”

Observe uma hipótese casuística curiosa: juiz federal absolve o réu; irresignado, o
MPF recorre, postulando somente condenação. O TRF, antes de adentrar o mérito, percebe
que há incompetência absoluta, por qualquer causa, e anula todo o processo, remetendo-o
ao juízo estadual. Este juízo condena o réu. Esta condenação é possível?
Esta condenação, ou qualquer decisão pelo juiz estadual, não é possível, pelo
seguinte: o MPF recorreu apenas para condenar o réu, e tal conduta fez com que a matéria
incompetência transitasse em julgado para o parquet. Destarte, ainda que absoluta, esta
nulidade não pode ser declarada em segunda instância. Sendo assim, a decisão absolutória
do juiz federal ainda está vigente, e deve ser observada.
Ada Pellegrini, porém, defende que a incompetência absoluta gera inexistência do
ato. Se se seguir esta orientação – e a jurisprudência não o faz –, a situação seria diferente:
inexistindo a sentença, nada obsta que o juízo competente, o estadual, julgue
irrestritamente. Não parece ser posição mais acertada.
Pelo ensejo, vale tratar da vedação à reformatio in pejus indireta, que surge da
combinação do artigo 617, supra, com o artigo 626, parágrafo único, do CPP:

“Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação


da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.
Parágrafo único. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta
pela decisão revista.”

Veja: se o recurso for exclusivo da defesa, jamais gerará prejuízo ao acusado,


mesmo que haja um error in procedendo suficiente para anular a decisão. Se o tribunal
anular a decisão, não é-lhe possível adentrar o mérito, sob pena de supressão de instância.
Deve, neste caso, baixar os autos ao juízo recorrido, que deverá prolatar nova sentença;
nesta nova decisão, o juízo ter-se-á adstrito à decisão anteriormente anulada, para fins de
parametrização, ou seja, jamais poderá julgar de forma mais gravosa do que julgara na
decisão anulada.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Note que é caso excepcional em que a decisão nula produzirá efeitos mesmo depois
de retirada do ordenamento: ela produz o efeito de estabelecer a carga sancionatória
máxima para o caso.
Por conta da supressão de instância, diga-se, o tribunal não pode também aplicar a
mutatio libelli, como dispõe a já abordada súmula 453 do STF. A emendatio libelli,
outrossim, é possível, desde que o tribunal não agrave com isso a situação do réu, se o
recurso que fez o processo chegar até ali foi exclusivo da defesa.
No tribunal do júri, a dinâmica é diferente. Quando somente a defesa recorre da
decisão do plenário, e obtém sucesso no seu pleito de cassação da sentença, a fim de que
seja proferida nova decisão em novo júri, este novel conselho poderá julgar com liberdade,
ou estará limitado pela decisão anteriormente proferida e cassada, ou seja, não pode agravar
a situação do réu?
Três são as correntes sobre o tema. A primeira defende que a decisão do júri é
soberana, e, sendo assim, esta segunda decisão não tem limites, pois o novo júri é
igualmente soberano. A norma constitucional da soberania prepondera sobre a
infraconstitucional da vedação à reformatio in pejus. A jurisprudência, Pacelli, e Rangel,
assim se posicionam.
A segunda corrente, majoritária na doutrina (capitaneada por Ada Pellegrini),
entende que a proibição à reformatio in pejus se aplica sem qualquer ressalva, aqui, porque
há dois valores amparando-a, contra um só valor contraposto: a ampla defesa, que seria
tolhida caso o réu soubesse que o recurso pudesse prejudicá-lo; e o próprio papel de
garantia individual que o júri exerce, que ficaria prejudicado se o réu temesse o acesso ao
segundo julgamento. Sendo assim, a segunda decisão seria limitada pela primeira, cassada.
O STF apresenta uma terceira orientação, como se pode ver no informativo 542
desta Corte, em que entende que há soberania dos veredictos dos jurados, mas não do juiz-
presidente: só está vedada a reformatio in pejus sobre atos do juiz-presidente, e não sobre a
decisão do conselho. Veja:

“Tribunal do Júri e Princípio da “Ne Reformatio in Pejus” Indireta - 1


A Turma deferiu habeas corpus para assentar que o princípio da ne reformatio in
pejus indireta tem aplicação nos julgamentos realizados pelo tribunal do júri. No
caso, acusado como incurso nos delitos capitulados no art. 121, § 2º, I e IV, c/c o
art. 29, ambos do CP, fora absolvido pelo conselho de sentença, o qual acolhera a
tese de legítima defesa. Interposta apelação pelo Ministério Público, o tribunal de
justiça local dera-lhe provimento para submeter o paciente a novo julgamento, por
reputar que a decisão dos jurados teria sido manifestamente contrária à prova dos
autos. Em novo julgamento, conquanto reconhecida a legítima defesa, entendera o
júri ter o paciente excedido os limites dessa causa de justificação, motivo pelo qual
o condenara por homicídio simples à pena de 6 anos de reclusão, a ser cumprida
em regime semi-aberto. Irresignada, a defesa interpusera recurso de apelação,
provido, sob o argumento de que contradição na formulação dos quesitos teria
maculado o decreto condenatório, eivando de nulidade absoluta o feito. O paciente,
então, fora submetido a terceiro julgamento perante o tribunal do júri, sendo
condenado por homicídio qualificado à pena de 12 anos de reclusão, em regime
integralmente fechado. A defesa, desse modo, recorrera à corte local e ao STJ,
concluindo este que, em crimes de competência do tribunal do júri poderia ser
proferida, em novo julgamento, decisão que agravasse a situação do réu, tendo em
vista a soberania dos veredictos. A impetração sustentava que, decretada a nulidade
do julgamento anterior, não poderia o conselho de sentença, no novo julgamento,
agravar a pena do réu, sob pena de violar o princípio constitucional da ampla

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

defesa, bem como a vedação da reformatio in pejus. HC 89544/RN, rel. Min. Cezar
Peluso, 14.4.2009. (HC-89544)”

“Tribunal do Júri e Princípio da “Ne Reformatio in Pejus” Indireta – 2


Inicialmente, salientou-se que, se, de um lado, a Constituição da República
reconhece a instituição do júri e a soberania de seus veredictos (art. 5º, XXXVIII,
c), de outro, assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV). Observou-se que ambas as
garantias, as quais constituem cláusulas elementares do princípio constitucional do
devido processo, devem ser interpretadas sob a luz do critério da chamada
concordância prática, que consiste numa recomendação para que o aplicador das
normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens
constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos
eles, mas, ao mesmo tempo, não acarrete a negação de nenhum. Ressaltou-se que
tal situação seria decorrência lógico-jurídica do princípio da unidade da
Constituição, e cuja ratio juris estaria em garantir a coexistência harmônica dos
bens nela tutelados, sem predomínio teórico de uns sobre outros, cuja igualdade de
valores fundamenta o critério ou princípio da concordância. Considerou-se,
ademais, que, como corolário do contraditório e da ampla defesa, o CPP
contempla, dentre outros, o princípio da personalidade dos recursos (art. 617, parte
final), que obsta a reformatio in pejus, tratando-se, aí, de proibição taxativa,
segundo a qual o recorrente não pode ver agravada sua situação jurídica, material
ou processual, quando não haja recurso da parte contrária. Acrescentou-se, nesse
sentido, ser consolidada a jurisprudência da Corte, ao estabelecer que o juiz o qual
venha a proferir nova decisão, em substituição à cassada no âmbito de recurso
exclusivo da defesa, está limitado e adstrito ao máximo da pena imposta na
sentença anterior, não podendo de modo algum piorar a situação jurídico-material
do réu, sob pena de incorrer em reformatio in pejus indireta. HC 89544/RN, rel.
Min. Cezar Peluso, 14.4.2009. (HC-89544)”

“Tribunal do Júri e Princípio da “Ne Reformatio in Pejus” Indireta - 3


Esclareceu-se que, em que pese ser pacífica essa orientação na Corte, a proibição
da reformatio in pejus indireta tem sido aplicada restritivamente ao tribunal do júri,
sob a explícita condição de o conselho de sentença reconhecer a existência dos
mesmos fatos e circunstâncias admitidos no julgamento anterior. Entendeu-se que
tal restrição aniquilaria, na prática, a ampla defesa, na medida em que, intimidando
o condenado, embaraçar-lhe-ia, senão que lhe inibiria o manejo dos recursos.
Aduziu-se que o conselho de sentença deve decidir sempre como lhe convier, ao
passo que o juiz presidente do tribunal do júri, ao fixar a pena, estaria obrigado a
observar o máximo da reprimenda imposta ao réu no julgamento anterior.
Registrou-se, no ponto, ser necessário distinguir, na sentença subjetivamente
complexa do tribunal do júri, qual matéria seria de competência dos jurados — e,
portanto, acobertada pela soberania — e qual a de competência do juiz-presidente
— despida, pois, desse atributo. Enfatizou-se que, no âmbito de julgamento de
recurso exclusivo da defesa, conferir ao tribunal do júri o poder jurídico de lhe
agravar a pena resultaria em dano ao réu, em autêntica revisão da sentença pro
societate, favorecendo à acusação, que não recorrera. Destarte, na espécie,
concluiu-se não estar o terceiro Júri jungido à decisão anterior, que reconhecera
excesso doloso à legítima defesa, de modo que lhe era lícito decidir como
conviesse, adstrito às provas dos autos. O juiz-presidente é que, ao dosar a pena,
deveria ter observado aquela fixada no julgamento anulado em razão do recurso
exclusivo da defesa. Asseverou-se, ademais, não se encontrar nenhuma razão
lógico-jurídica que, legitimando outra conclusão, preexcluísse estender a proibição
da reformatio in pejus indireta, sempre admitida na província das decisões
singulares, aos julgamentos da competência do tribunal do júri, ainda quando

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

consideradas circunstâncias que o não tenham sido em julgamento anterior. Por


fim, acrescentou-se que a regra que o sustenta é, em substância, de natureza
processual e, no específico quadro teórico desta causa, apareceria, com caráter
cogente, dirigida apenas ao juiz-presidente do júri, que a deveria reverenciar no
momento do cálculo da pena, sem que isso importasse limitação de nenhuma
ordem à competência do conselho de sentença ou à soberania dos veredictos.
Nesse sentido, concedeu-se a ordem para fixar a pena do paciente nos exatos
termos em que imposta no segundo julgamento, qual seja, 6 anos de reclusão, em
regime inicial semi-aberto. HC 89544/RN, rel. Min. Cezar Peluso, 14.4.2009. (HC-
89544)”

Entenda: os jurados não estão limitados à decisão anterior, mas o juiz-presidente


está limitado à pena que lá fora imposta. Por exemplo, se o réu fora condenado em
homicídio simples, a seis anos de reclusão, e agora foi condenado, no segundo júri, em
homicídio qualificado, ainda assim o juiz-presidente estará obrigado a impor pena não
superior a seis anos, mesmo que incompatível com a nova imputação7.
Veja uma outra hipótese peculiar: no primeiro júri, condena-se por homicídio
tentado, com pena reduzida de dois terços; a defesa recorre, e no segundo júri obtém a
condenação em homicídio tentado, com uma atenuante genérica, fazendo a pena cair um
pouco em relação ao primeiro julgado – mas a redução da tentativa cai para um terço
apenas. Mesmo que a pena fique menor no segundo julgamento, ante o reconhecimento da
atenuante que não existiu no primeiro, a situação é uma violação à reformatio in pejus
indireta: a redução de dois terços para a tentativa deve ser mantida, ou seja, a pena, que
ficou menor, deveria ter ficado menor ainda. Não é a carga sancionatória final o único
parâmetro para verificar se houve reforma para pior, e sim cada um dos elementos da
decisão recorrida.
É claro que a reformatio in mellius é sempre permitida: pode o tribunal, em recurso
exclusivo da acusação, melhorar a situação do réu. É certo que assim o é, e o fundamento é
que não há vedação legal para tanto, além do que o tribunal, ou qualquer juízo, tem poder
para atuar oficiosamente em prol do réu – inclusive sendo possível a concessão de habeas
corpus de ofício, como dispõe o artigo 654, § 2°, do CPP:

“Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu
favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
(...)
§ 2° Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de
habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está
na iminência de sofrer coação ilegal.”

2.3. Efeito suspensivo

Segundo Barbosa Moreira, não é o recurso que opera o efeito suspensivo: o recurso
apenas prolonga o efeito suspensivo que já se impunha à decisão. Entenda: em regra, no
processo penal, a decisão nasce sem efeito, só produzindo-os quando transitada em julgado.
Quando o recurso prolongar esta ineficácia da decisão, conta com o chamado efeito
suspensivo; quando não tem, a decisão produz efeitos desde quando prolatada.
7
Esta limitação da pena não impede que seja reconhecida, por exemplo, a hediondez do crime da segunda
condenação, ou qualquer outra peculiaridade atinente à nova imputação, e que não existia na anterior. É só a
pena que fica limitada.

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Em regra, a apelação conta com este efeito suspensivo, salvo quando a sentença for
absolutória: esta sentença produz o efeito liberatório do réu desde o momento de sua
prolação, ou seja, não há suspensão de efeitos a ser prolongada.
Se o acusado estiver solto, e sobrevier uma sentença condenatória, desta sentença
cabe apelação, com efeito suspensivo. Mesmo assim, o acusado pode ser preso, mas não de
forma automática, por conta da sentença condenatória, e sim por eventualmente estarem
presentes os requisitos da cautelaridade na prisão, fazendo-a necessária – será uma prisão
preventiva como outra qualquer.

2.3.1. Execução provisória da pena

A execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado do recurso sem efeito


suspensivo, é possível? Não só é possível, como é mandatória, como dispõe o CNJ, na sua
Resolução 19, porque é uma providência benéfica ao acusado preso cautelarmente. Veja
que a prisão continua sendo cautelar – pois se não o for, a liberdade deve ser a regra –, mas
como se trata de execução provisória da pena, será esta computada quando da eventual
condenação irrecorrível. Entenda: não haverá a prisão para cumprimento provisório da
pena. A prisão será decretada de forma cautelar, ou prosseguirá cautelar, se já era preso,
mas sendo-lhe reconhecido agora o caráter de execução provisória da pena. Veja a
resolução 19 do CNJ:

“RESOLUÇÃO nº 19, de 29 DE AGOSTO DE 2006.


Dispõe sobre a execução penal provisória.
A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas
atribuições conferidas pela Constituição Federal, especialmente o que dispõe o
inciso I do § 4° de seu artigo 103-B, e tendo em vista o decidido na sessão do dia
15 de agosto de 2006;
CONSIDERANDO a necessidade de possibilitar ao preso provisório, a partir da
condenação, o exercício do direito de petição sobre direitos pertinentes à execução
penal, sem prejuízo do direito de recorrer;
CONSIDERANDO que para a instauração do processo de execução penal
provisória deve ser expedida guia de recolhimento provisório;
CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar o sistema de expedição de guia de
recolhimento provisório;
CONSIDERANDO o que dispõe o art. 2° da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984;
CONSIDERANDO, ainda, a proposta apresentada pela Comissão formada para
estudos sobre a criação de base de dados nacional sobre a população carcerária;
RESOLVE:
Art. 1° A guia de recolhimento provisório será expedida quando da prolação da
sentença ou acordão condenatórios, ainda sujeitos a recurso sem efeito suspensivo,
devendo ser prontamente remetida ao Juizo da Execução Criminal.
§ 1° Deverá ser anotada na guia de recolhimento expedida nestas condições a
expressão "PROVISÓRIO", em sequência da expressão guia de; recolhimento.
§ 2° A expedição da guia de recolhimento provisório será certificada nos autos do
processo criminal.
§ 3° Estando o processo em grau de recurso, e não tendo sido expedida a guia de
recolhimento provisório, às Secretarias desses órgãos caberá expedi-la e remetê-la
ao juízo competente.
Art. 2° Sobrevindo decisão absolutória, o respectivo órgão prolator comunicará
imediatamente o fato ao juízo competente para a execução, para anotação do
cancelamento da guia de recolhimento.

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Art. 3° Sobrevindo condenação transitada em julgado, o juízo de conhecimento


encaminhará as peças complementares ao juízo competente para a execução, que
se incumbirá das providências cabíveis, também informando as alterações
verificadas à autoridade administrativa.
Art. 4° Cada Corregedoria de Justiça adaptará suas Normas de Serviço às
disposições desta resolução, no prazo de 180 dias.
Art. 5° Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Ministra Ellen Gracie
Presidente do Conselho Nacional de Justiça”

É claro que a execução provisória tem por pressupostos: a sentença condenatória


submetida a recurso defensivo sem efeito suspensivo; a prisão calcada em cautelaridade; e
o trânsito em julgado para o MP, porque assim a pena jamais poderá ser majorada.
Os recursos excepcionais não possuem efeito suspensivo, segundo o artigo 27, § 2°,
da Lei 8.038/90:

“Art. 27. Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será


intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de 15 (quinze) dias para
apresentar contra-razões.
(...)
§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
(...)”

Sendo assim, desde a prolação da decisão alvejada por estes recursos já cabe a
execução provisória da pena, se o réu estiver preso cautelarmente, ou vier a ser preso por
estas circunstâncias cautelares estarem presentes. Reforce-se: o réu jamais será preso para
cumprimento provisório de pena; será preso cautelarmente, e esta prisão se comutará em
execução provisória da pena, e se já estava preso, a natureza da prisão assim se
transformará. Veja o que disse o STF em seu informativo 535:

“Execução Provisória da Pena e Princípio da Não-Culpabilidade - 1


Adotando a orientação fixada no julgamento do HC 84078/MG (j. em 5.2.2009, v.
Informativo 534), no sentido de que a execução provisória da pena, ausente a
justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da não-culpabilidade, o
Tribunal, por maioria, concedeu uma série de habeas corpus. Vencidos os Ministros
Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que denegavam a ordem. O Min. Menezes
Direito, curvando-se à referida decisão do Pleno, concedeu a ordem, mas ressalvou
a posição expendida naquele julgamento. HC 91676/RJ, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 12.2.2009. (HC-91676) HC 92578/SP, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 12.2.2009. (HC-92578) HC 92691/SP, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 12.2.2009. (HC-92691) HC 92933/RJ, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 12.2.2009. (HC-92933)”

“Execução Provisória da Pena e Princípio da Não-Culpabilidade – 2


Na mesma linha de entendimento, o Tribunal proveu recurso ordinário em habeas
corpus interposto em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegara
writ lá impetrado em favor de condenado a pena de reclusão pela prática do crime
de roubo, contra o qual expedido mandado de prisão quando ainda pendente de
julgamento recurso especial. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Ellen
Gracie, que desproviam o recurso. A Min. Cármen Lúcia, relatora, também
curvando-se à aludida decisão do Pleno, ressalvou seu posicionamento. RHC
93172/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2009. (RHC-93172)”

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Veja também o informativo 390 do STJ:

“PRISÃO. TRÂNSITO EM JULGADO.


Os pacientes foram condenados à pena de sete anos e seis meses de reclusão em
regime inicial semiaberto pela prática do crime de extorsão (art. 158, § 1º, do CP).
O Tribunal a quo, ao negar provimento aos recursos, tanto da defesa quanto da
acusação, logo determinou fosse expedido o mandado de prisão. Diante disso, a
Turma, ao julgar o habeas corpus, entendeu não aplicar o enunciado da Súm. n.
267-STJ, diante do teor de recente julgado do STF no sentido de que a execução da
pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação ofende o
princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF/1988), excetuada a hipótese da
privação da liberdade acompanhada da demonstração de sua natureza cautelar: dos
pressupostos e requisitos do art. 312 do CPP. Precedente citado do STF: HC
84.078-MG, DJ 18/2/2009. HC 122.191-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
julgado em 14/4/2009.”

2.4. Efeito extensivo

O artigo 580 do CPP dá a nota:

“Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do
recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de
caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”

O efeito extensivo nada mais é do que uma ampliação dos limites subjetivos da
decisão, sendo favorável ao corréu.
Este efeito extensivo se aplica também às ações autônomas de impugnação, como o
habeas corpus ou a revisão criminal.
Para haver efeito extensivo, é preciso, por óbvio, que haja concurso de agentes. É
também necessário que a questão ventilada seja estritamente objetiva, e não pessoal do
recorrente. Por isso, um recurso que absolva um réu por atipicidade da conduta é
claramente extensivo ao coautor, mas um recurso que propugne ausência de provas quanto
ao recorrente não se estende necessariamente ao corréu não-recorrente.
A respeito, veja o que disse o STF no informativo 552:

“HC N. 87.743-MG. RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO


EMENTA: HABEAS CORPUS. Concurso de agentes. Desmembramento.
Absolvição de co-réu. Circunstância exclusivamente pessoal. Extensão aos demais
réus. Impossibilidade. HC indeferido. Inteligência do art. 580 do CPP. A absolvição
de um dos réus por inexistir prova de que tenha concorrido com a infração penal
não aproveita aos demais que se encontrem em situação diversa.”

3. Causas impeditivas e extintivas dos recursos

A intempestividade é a principal causa estatística impeditiva do recurso: ocorrendo a


preclusão temporal para a interposição, está impedido o recurso.
A renúncia também é causa impeditiva do recurso. Podem, a defesa e o ofendido,
renunciar ao direito de recorrer. O MP, por seu turno, não tem esta faculdade: ele pode

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

deixar de recorrer, permanecendo inerte no curso do prazo de interposição, ante a


voluntariedade do recurso; não pode, porém, renunciar expressamente ao recurso8.
São causas extintivas do recurso, por outro lado, a desistência e a deserção: pode, o
particular e a defesa técnica, desistir do recurso interposto; o MP, novamente, não tem esta
faculdade, ante a indisponibilidade do recurso interposto para o parquet.
Se um membro do MP interpõe o recurso, pode outro membro ofertar as razões, em
sentido contrário à interposição? A corrente majoritária defende que sim: além de viger a
independência entre os órgãos, não se trata uma burla à indisponibilidade do recurso,
porque este prosseguirá, mas as razões consideradas serão as ofertadas pelo segundo
membro do parquet.
Suponha-se que o MP, em alegações finais, pugne pela absolvição. O juiz,
concordando com a tese, absolve o réu. É possível outro membro do MP recorrer desta
sentença absolutória que o anterior pretendeu? O entendimento do parquet é que este
recurso é possível, justamente em face da independência funcional; contudo, o STJ entende
que não é possível, por ter ocorrido preclusão lógica contra este recurso. Esta é a tese que
deve prevalecer, como se vê no informativo 398 desta Corte:

“MP. ILEGITIMIDADE. APELAÇÃO.


No caso dos autos, o MP ofereceu denúncia contra dois acusados, ambos pela
prática dos delitos tipificados nos arts. 12 e 14 da Lei n. 6.368/1976 e, quanto a um
deles, também pela prática do delito tipificado no art. 10 da Lei n. 9.437/1997. No
entanto, nas alegações finais, o parquet deduziu pedido desclassificatório do crime
de tráfico para o de uso de entorpecentes, e o juízo da causa condenou os acusados,
desclassificando o fato – o primeiro paciente foi incurso no art. 16 da citada Lei de
Entorpecentes – e absolvendo ambos do crime de associação permanente. O
segundo paciente do crime de tráfico, embora absolvido, foi condenando como
incurso na sanção do art. 10 da Lei n. 9.437/1997. Então, o MP, em recurso de
apelação, pugnou pela condenação dos pacientes no crime do art. 12 da referida
Lei de Entorpecentes, sendo que a apelação foi provida para condená-los também
por tráfico de entorpecentes. Por outro lado, anotou-se que nada foi encontrado em
poder de um dos pacientes, assim a condenação não poderia subsistir. Isso posto, a
tese vencedora entendeu haver falta de interesse ao MP para interpor recurso de
apelação contra a decisão para qual a parquet contribuiu. Também, observou o
Min. Hamilton Carvalhido, em voto vista, que, em última análise, opera-se a
preclusão em razão de o ato ministerial em seu efeito já ser constitutivo da decisão
judicial, sendo assim, esse ato seria irretratável. Diante do exposto, após o empate
na votação, ao prosseguir o julgamento, prevaleceu a decisão mais favorável ao
réu, concedendo-se a ordem. HC 39.780-RJ, Rel. originário Min. Paulo Gallotti,
Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 9/6/2009.”

A questão é tormentosa, porém.


A segunda causa extintiva do recurso é a deserção, como dito. Esta ocorre quando
se verifica a ausência do recolhimento de custas recursais. No processo penal, há uma só
situação em que se exigem custas prévias, como requisito extrínseco de regularidade do
recurso: a interposição, por parte do ofendido, de recurso na ação penal privada. Veja o
artigo 806, § 2°, do CPP:

8
O raciocínio é o mesmo dos direitos da personalidade, que podem não ser exercidos, mas nunca podem ser
renunciados.

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 806. Salvo o caso do art. 32, nas ações intentadas mediante queixa, nenhum
ato ou diligência se realizará, sem que seja depositada em cartório a importância
das custas.
(...)
§ 2° A falta do pagamento das custas, nos prazos fixados em lei, ou marcados pelo
juiz, importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto.
(...)”

Os demais personagens do processo são sujeitos ao pagamento de custas, mas estas


só serão cobradas no trânsito em julgado da decisão que lhes desfavoreça, e não como
pressuposto recursal, não importando deserção.
Outra situação de suposta deserção é a que consta do artigo 595 do CPP:

“Art. 595. Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada
deserta a apelação.”

Este dispositivo não foi recepcionado pela nossa CRFB de 1988, pois a prisão em
nada tangencia a recorribilidade ou a regularidade recursal. A respeito, veja a súmula 347
do STJ, e o informativo 542 do STF:

“Súmula 347, STJ: O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de


sua prisão.”

“HC N. 85.961-SP. RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO. RECURSO -


PRESSUPOSTOS DE RECORRIBILIDADE. Os pressupostos de recorribilidade
hão de estar ligados ao inconformismo revelado pela parte, ao próprio recurso
interposto.
APELAÇÃO CRIMINAL – DESERÇÃO. Surge extravagante ter-se como deserta
a apelação ante o fato de o réu condenado haver empreendido fuga.
APELAÇÃO CRIMINAL – DESERÇÃO - ARTIGO 595 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. O artigo 595 do Código de Processo Penal mostrou-se
incompatível com a Constituição Federal de 1988, surgindo, na dicção da ilustrada
maioria, a ausência de recebimento do preceito, concluindo o relator pela
inconstitucionalidade.”

Casos Concretos

Questão 1

O Ministério Público imputou e a Elesbão e a Aldebaram um roubo com emprego


de arma de fogo e em concurso de pessoas, todavia o juiz condenou os réus pelo roubo em
concurso de pessoas, excluindo a causa de aumento das penas relativas ao emprego de
arma de fogo, porque verificou que a perícia atestou que o revólver usado, além de
imprestável, estava sem balas. O Ministério Público apelou, pleiteando o reconhecimento
da causa especial de exasperação das penas em decorrência do emprego da arma, que
induvidosamente infundiu maior temor na vítima. Os réus não apelaram e ofereceram

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

contra-razões. Sucede que a Câmara Criminal negou provimento ao recurso ministerial e


absolveu os dois réus, ao entendimento de que a prova da autoria se limitou ao
reconhecimento dos apelados que a vítima fizera na delegacia. Cabe registrar que a
vítima, por não ter sido localizada, não foi ouvida em juízo. Indaga-se:
a) se poderia o juiz ter condenado os réus com base naquele reconhecimento;
b) se, diante do princípio da inércia da jurisdição, poderia o segundo grau absolver
os réus sem que tivessem recorrido, inclusive diante da coisa julgada, que se fizera
para eles.

Resposta à Questão 1

a) Não: o reconhecimento em sede policial não passa de indício, e não pode,


sozinho, embasar condenação. É preciso que seja conjugado com provas,
contraditadas, em juízo, para ter força condenatória.

b) Sim: não existe vedação à reformatio in mellius no processo penal, mesmo


quando o recurso for exclusivo da acusação.

Questão 2

Condenado por furto em primeira e segunda instâncias, GUSTAVO, que respondia


em liberdade à ação penal, é preso por força de mandado de prisão expedido pela câmara
criminal que julgou a sua apelação. Sua defesa interpõe recurso extraordinário e recurso
especial contra a decisão da câmara, que são recebidos. Paralelamente, a defesa argúi a
ilegalidade da prisão, uma vez que o recebimento dos recursos referidos impede o trânsito
em julgado e também a expedição de mandado de prisão. Tem razão a defesa de
GUSTAVO?

Resposta à Questão 2

A cautelaridade é imperativo de qualquer prisão pré-trânsito em julgado, e por isso


não subsiste nenhuma prisão automática no ordenamento jurídico. Sendo assim, a prisão
deve ser cautelar, e, se assim o for, será reconhecida como execução provisória da pena,
quando submetida a condenação a recurso defensivo sem efeito suspensivo. Tem razão a
defesa, se a cautelaridade estiver ausente, portanto.
Tema V

Teoria geral dos recursos (continuação). Sistemática dos recursos. Classificação. Procedimento recursal. O
artigo 557 do CPC e os recursos no processo penal.

Notas de Aula9

1. Procedimento recursal

9
Aula ministrada pelo professor Denis Andrade Sampaio Júnior, em 23/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O juízo de admissibilidade do recurso é duplo, sendo feito inicialmente no juízo a


quo, e em seguida no alcance do órgão ad quem. É claro que o mérito só será julgado se o
recurso for admitido.
O mérito recursal não se confunde com o mérito da própria ação penal: forma o
mérito recursal toda e qualquer matéria deduzida no recurso, inclusive aquelas que seriam,
na essência, matérias de locação nas preliminares de defesa, por exemplo, como a
incompetência, por exemplo. Preliminar do recurso, se houver, é somente aquilo que se
referir ao juízo de admissibilidade deste – os pressupostos recursais, objetivos e subjetivos,
bem como as causas extintivas e impeditivas, já abordadas. Todo o restante, admitido o
recurso, é mérito recursal.
Admitido o recurso no juízo a quo, e remetidos os autos ao órgão ad quem, será
distribuído a um dos desembargadores. Após o sorteio, será aberta vista ao MP, na forma do
artigo 610, caput, do CPP:

“Art. 610. Nos recursos em sentido estrito, com exceção do de habeas corpus, e
nas apelações interpostas das sentenças em processo de contravenção ou de crime a
que a lei comine pena de detenção, os autos irão imediatamente com vista ao
procurador-geral pelo prazo de cinco dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo,
ao relator, que pedirá designação de dia para o julgamento.
Parágrafo único. Anunciado o julgamento pelo presidente, e apregoadas as partes,
com a presença destas ou à sua revelia, o relator fará a exposição do feito e, em
seguida, o presidente concederá, pelo prazo de 10 (dez) minutos, a palavra aos
advogados ou às partes que a solicitarem e ao procurador-geral, quando o requerer,
por igual prazo.”

É orientação majoritária que o membro do MP, em segundo grau, atua tão-somente


como custos legis, como parecerista sobre as teses recursais, e desta manifestação opinativa
não há contraditório obrigatório – pode a defesa se manifestar, mas se não o fizer não
haverá nulidade. Neste sentido, veja o informativo 403 do STJ:

“MP. PARECER. CONTRADITÓRIO.


Quando ausente a hipótese de competência originária ou na falta de específica
previsão legal em sentido contrário, a função do MP que atua em segundo grau é
de custos legis. Dessarte, após sua manifestação, não há contraditório, pois o
parecer não possui natureza de ato de parte, não estando sequer vinculado às
contrarrazões ofertadas pelo promotor de Justiça, esse sim parte na ação penal.
Desse modo, não há ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal se não há intimação da defesa para manifestar-se acerca do
parecer elaborado pelo Parquet. Anote-se que o CPP não prevê qualquer intimação
da defesa quanto ao parecer ministerial (art. 610 daquele código), o que reforça
ainda mais o caráter imparcial da função exercida pela Procuradoria Geral de
Justiça nessa hipótese. Ademais, no caso em tela, a Turma Recursal sequer acolheu
o parecer, pois deu provimento parcial ao apelo para diminuir a pena, enquanto o
prévio parecer escrito sugeria o não provimento do apelo. Daí evidenciada a
ausência de prejuízo que justifique a anulação do ato, pois se mostra o julgamento
favorável ao réu. Precedentes citados do STF: MC na ADI 758, DJ 8/4/1994; HC
81.436-MG, DJ 22/2/2002; do STJ: HC 57.019-SE, DJe 3/3/2008; HC 58.587-RJ,
DJ 20/11/2006; HC 97.217-GO, DJe 29/9/2008, e RHC 12.720-BA, DJ 18/8/2003.
HC 134.275-GO, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18/8/2009.”

Após o parecer ministerial, o recurso é remetido ao relator, para justamente relatar o


feito. Produzido o relatório, os autos, com este, são remetidos ao desembargador revisor,

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

que é quem pedirá dia e hora para o julgamento do recurso. Repare que só há revisor
quando o crime for apenado com reclusão, pois, do contrário, segue-se apenas com a
manifestação do relator, como dita o artigo 610 do CPP, supra.
No julgamento, pode haver sustentação oral, como dispõe o parágrafo único do
artigo supra. A voz processual, em regra, é exercida primeiro pela acusação, e depois pela
defesa, em prol do contraditório efetivo (à exceção das recusas peremptórias de jurados, no
tribunal do júri, em que a ordem é inversa). A ordem da sustentação do recurso é outra
exceção: primeiro, sustenta a defesa; a seguir, a acusação. Se o recurso for exclusivo da
acusação, porém, a primeira voz será da acusação, é claro, sob pena de nulidade no
julgamento. Veja o informativo 495 do STF:

“Ordem do Rito e Sustentação Oral - 1


Em recurso exclusivo da acusação, o representante do Ministério Público, ainda
que invoque a qualidade de custos legis, deve manifestar-se, na sessão de
julgamento, antes da sustentação oral da defesa. Com base nesse entendimento, o
Tribunal concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado em
favor de acusado pela suposta prática de delito previsto no art. 10 da Lei 7.492/86.
No caso, o juízo de 1º grau rejeitara a denúncia apresentada contra o paciente.
Contra esta decisão, o Ministério Público interpusera recurso em sentido estrito
que, provido pelo TRF da 3ª Região, dera ensejo à instauração da ação penal.
Ocorre que, durante a sessão de julgamento do citado recurso, a defesa proferira
sustentação oral antes do Procurador-Geral, sendo tal fato alegado em questão de
ordem, rejeitada ao fundamento de que o parquet, em segunda instância, atua
apenas como fiscal da lei - v. Informativo 449. HC 87926/SP, rel. Min. Cezar
Peluso, 20.2.2008. (HC-87926)”

“Ordem do Rito e Sustentação Oral - 2


Deferiu-se o writ para anular o julgamento do recurso em sentido estrito e
determinar que outro se realize, observado o direito de a defesa do paciente, se
pretender realizar sustentação oral, somente fazê-lo depois do representante do
Ministério Público. Entendeu-se que, mesmo que invocada a qualidade de custos
legis, o membro do Ministério Público deve manifestar-se, na sessão de
julgamento, antes da sustentação oral da defesa, haja vista que as partes têm direito
à observância do procedimento tipificado na lei, como concretização do princípio
do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias específicas do
contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV). Ressaltando a unidade e
indivisibilidade do parquet, asseverou-se ser difícil cindir sua atuação na área
recursal, no processo penal, de modo a comprometer o pleno exercício do
contraditório. Aduziu-se, também, que o direito de a defesa falar por último é
imperativo e decorre do próprio sistema, e que a inversão na ordem acarretaria
prejuízo à plenitude de defesa. Ademais, afirmou-se não ser admissível
interpretação literal do art. 610, parágrafo único, do CPP ("... o presidente
concederá ... a palavra aos advogados ou às partes que a solicitarem e ao
procurador-geral, quando o requerer ...") e que o art. 143, § 2º, do Regimento
Interno do TRF da 3ª Região, que dispõe que o parquet fará uso da palavra após o
recorrente e o recorrido, merece releitura constitucional. Precedentes citados: RHC
85443/SP (DJU de 13.5.2005); RE 91661/MG (DJU de 14.12.79). HC 87926/SP,
rel. Min. Cezar Peluso, 20.2.2008. (HC-87926)”

O MP, em segundo grau, funciona também como custos legis, mas não é possível a
dupla sustentação, pelo membro de primeira e o de segunda instância. Veja o informativo
406 do STJ:

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“QO. MS. SUSTENTAÇÃO ORAL. MP.


Em questão de ordem, a Seção, por maioria, decidiu que o Ministério Público (MP)
não poderá fazer sustentação oral no STJ como parte (impetrante de MS) e será
representado como parte pública autônoma pelo subprocurador que se senta à
direita do ministro presidente na sessão de julgamento. A questão foi suscitada pelo
Min. Hamilton Carvalhido ao opor-se a essa sustentação oral, uma vez que o MP
está presente na sessão e uma intensificação na fala do Estado provocaria um
desequilíbrio que não é razoável no devido processo legal. Lembrou, também, que
a Corte Especial já se pronunciou nesse sentido nos EREsp 445.664-AC, DJ
30/10/2008, ao decidir que somente o MPF, por meio dos subprocuradores-gerais
da República, tem legitimidade para atuar nas causas de competência do STJ e
nessa atuação está compreendida a sustentação oral. Note-se que, no citado
julgamento, a Corte Especial anulou o processo pela duplicidade de atuação do
MP. Observou o Min. Teori Albino Zavascki a dificuldade em admitir a
manifestação do MP no mesmo processo e no mesmo julgamento por dois
diferentes órgãos, ainda que possa haver opiniões diferentes entre eles. Não se
poderia desconhecer o princípio da unidade do MP, o qual resulta na vinculação da
própria instituição pela palavra de qualquer dos seus integrantes. Por esse motivo,
ao seu ver, não vale o argumento de que um atua como representante do MP na
função de parte e o outro na de custos legis, pois, mesmo quando atua como parte,
o MP não se despe da sua função institucional de defensor da ordem pública
conferida pela art. 127 da CF/1988, o que significa que, em qualquer de seus
pronunciamentos, inclusive como parte, o MP é sempre custos legis. Por outro
lado, a Min. Eliana Calmon afirmou que, no mandamus, o MP é parte autônoma e
como parte somente pode falar uma vez. Entretanto, ressaltou ter compromisso
com essa posição só em mandado de segurança e manifestou ainda ter dúvidas
sobre a legitimidade de o MP impetrar o mandado de segurança. QO no MS
14.041-DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgada em 9/9/2009.”

Após a sustentação, passa-se à decisão, a qual será sempre por maioria ou


unanimidade. Havendo empate, entende-se que resta favorecido o acusado.

1.1. Decisão monocrática no recurso

O artigo 557 do CPC é aplicável analogicamente em processo penal? Veja o


dispositivo:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível,


improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal
Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
§ 1°-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o
relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de
17.12.1998)
§ 1° Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o
julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo
em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Incluído
pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
§ 2° Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal
condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do
valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso
condicionada ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei nº 9.756, de
17.12.1998)”

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Há duas vertentes radicalmente opostas sobre o tema. A primeira, adotada na súmula


69 do TJ/RJ, defende a possibilidade da aplicação deste artigo, com a negativa monocrática
de seguimento ao recurso. Veja o enunciado mencionado:

“Súmula nº 69. PROCESSO PENAL. ART. 557. C.P.C.. APLICAÇÃO


ANALÓGICA
"Aplica-se ao processo penal, por analogia, o artigo 557 do Código de Processo
Civil".”

O STJ também encampa esta tese, como se vê no HC 28.173 e no Ag. Rg. no HC


102.824:

“HC 28173 / RJ. DJ 17/05/2004 p. 290.


HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ARTIGO 557 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Na esteira da compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal, mostra-se
possível a aplicação do artigo 557 em matéria penal, desde que observados seus
exatos termos.
2. Analisando questões fáticas e o conjunto probatório existente nos autos, o
provimento monocrático reconheceu a materialidade e a autoria do delito. A tanto,
porém, não estava autorizado pelo artigo 557 do Código de Processo Civil, que
tem a sua aplicação limitada à matéria exclusivamente de direito, sob pena de se
impedir o exame coletivo da irresignação, inclusive com a atuação de Juiz revisor,
observando-se, assim, rigorosamente, o devido processo legal, garantia
constitucional de quem responde a uma ação penal.
3. Ordem concedida.”

“AgRg no HC 102824 / SP. DJe 29/09/2008.


AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA
DO RELATOR QUANTO AO MÉRITO DO WRIT. ARTIGO 557, § 1º-A, DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICAÇÃO ANALÓGICA NOS TERMOS
DO ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. RÉU
QUE RESPONDEU AO PROCESSO EM LIBERDADE. EXPEDIÇÃO DE
MANDADO DE PRISÃO POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO
DE APELAÇÃO PELO ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.
DIREITO DE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO EM LIBERDADE.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1 - O artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, que permite ao relator
proferir decisão de mérito, dando provimento ao recurso, se a decisão atacada
estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, aplica-se analogicamente, nas
mesmas circunstâncias, no âmbito do processo penal, inclusive em habeas corpus,
nos termos do artigo 3º do Código de Processo Civil.
2 - É pacífico o entendimento da Sexta Turma desta Corte de que toda prisão
cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitada em julgado,
somente pode ser decretada quando evidenciada, com explícita fundamentação, a
necessidade da rigorosa providência.
3 - Há constrangimento ilegal quando o Tribunal local, antes do trânsito em
julgado, determina a expedição de mandado de prisão sem demonstrar qualquer
justificativa para a imposição da medida extrema.

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

4 - A circunstância dos recursos ditos extraordinários não possuírem efeito


suspensivo não autoriza, só por isso, a expedição do mandado de prisão após o
esgotamento da instância ordinária, exigindo-se sempre que a custódia cautelar
seja devidamente motivada.
5 - Agravo regimental a que se nega provimento.”

Pelo outro lado, entendendo absolutamente incabível esta analogia, há posição


doutrinária forte, mas minoritária na jurisprudência, que entende que há violação ao
contraditório e à ampla defesa, e, sobremaneira, ao princípio do colegiado, que não pode ser
afastado quando se trata de tutela da liberdade do indivíduo, como se trata no processo
criminal. A respeito, veja a decisão da Quinta Turma do STJ no HC 28.158:

“HC 28158 / RJ. DJ 06/10/2003 p. 293.


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O
PATRIMÔNIO. APELAÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA, EM SEGUNDO
GRAU, DO ART. 557 DO CPC. NULIDADE.
I - A analogia é recurso de auto-integração (art. 4º da LICC) e não instrumento de
derrogação de texto ou procedimento legal. Incabível a sua aplicação em situação
legalmente regulamentada.
II - Em segundo grau, não se pode aplicar, no julgamento da apelação criminal, o
disposto no art. 557 do CPC já que a inovação limitaria a amplitude de atuação das
partes tal como prevista no CPP. A regra geral do art. 38 da Lei nº 8.038/90 diz
com os Tribunais Superiores cuja atuação tem, a rigor, conotação diversa daquela
estabelecida para os Tribunais de segundo grau. (Precedente).
III - Além do mais, nem toda alteração do CPC implica em modificação daquilo
que está estabelecido no CPP.
IV - No caso concreto, o julgamento monocrático, analisando questões fáticas e
peculiares, ultrapassou, inclusive, os próprios limites fixados no art. 557 do CPC.
Habeas corpus concedido.”

Entendendo-se cabível a decisão monocrática, igualmente é cabível o agravo


regimental, mas é mais interessante a impetração de habeas corpus contra o ato do relator,
por ser rito mais célere.

Casos Concretos

Questão 1

Em apelação do réu, cujos interesses são patrocinados pela Defensoria Pública, o


Ministério Público, em segundo grau, se manifesta no sentido de ser negado provimento ao
recurso defensivo. Nas circunstâncias, o defensor público em exercício junto à câmara
requereu vista dos autos para poder conhecer o parecer ministerial e manifestar-se sobre
ele. Para tanto, argumentou com o princípio do contraditório. Indaga-se se o pleito deve
ser deferido.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O pleito não deve ser deferido, porque não é imperativo o contraditório em face do
atuar do MP em custódia da lei, como o é em segunda instância. Nada há que imponha esta
abertura de vista para manifestação sobre o parecer ministerial.

Questão 2

ERASMO foi condenado e interpôs apelação, prometendo, nos termos do art. 600,
§ 4º do CPP, oferecer, em segundo grau, suas razões, que, todavia, não foram
apresentadas. O Ministério Público requereu a intimação do advogado do réu para suprir
a omissão. Contudo, apesar da efetivação da providência, o advogado não formulou as
razões do recurso. Diante de tais fatos, o Ministério Público requereu a intimação pessoal
do réu para que, diante da desídia de seu defensor, apresentasse as razões pelo mesmo
advogado ou por outro que viesse a constituir, ficando ressaltado que, se a omissão
persistisse após o prazo legal, isto significaria sua opção por ser defendido dali em diante
pela Defensoria Pública. O relator indeferiu a intimação pessoal do réu e incluiu o feito
em pauta, tendo sido negado provimento ao apelo. Explique se o procedimento do relator e
do órgão julgador está em consonância com o ordenamento jurídico vigorante.

Resposta à Questão 2

As razões são imprescindíveis, e o julgamento deve ser nulificado, pois é ofensa


inarredável à ampla defesa. Nada impede, inclusive, que as razões sejam deduzidas apenas
na instância superior, e somente lá, sem passar previamente pelo juízo a quo.

Tema VI

Recurso em sentido estrito. Natureza do rol do art. 581 do CPP. Taxativo ou exemplificativo. Exame das
hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito no CPP e na legislação extravagante.

Notas de Aula10

1. Recursos

O recurso, como se sabe, é o meio endoprocessual de impugnação das decisões


judiciais, e tem por efeito o dilargamento do feito: o fim do processo será retardado, eis que
a decisão, especialmente a sentença, não porá fim ao processo, se guerreada. Difere, assim,
10
Aula ministrada pelo professor Sauvei Lai, em 24/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

da ação autônoma de impugnação, cujos efeitos são exoprocessuais, instaurando-se uma


nova relação processual.
Os recursos dedicam-se a anular ou reformar a decisão, a depender do fundamento:
se há error in procedendo, há anulação como pedido recursal; se há error in judicando, o
pleito é de reforma. A anulação tem como causa a nulidade de um ato processual, e a
consequência é drástica, como se vê no artigo 573 do CPP:

“Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos
anteriores, serão renovados ou retificados.
§ 1° A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele
diretamente dependam ou sejam conseqüência.
§ 2° O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende.”

Quando o recurso pretende modificar o mérito da decisão, porque se entende que


houve erro de julgamento, trata-se de reforma, e o próprio tribunal ad quem profere a
decisão substitutiva da reformada – e não baixa ao juízo recorrido, como o faz quando há
anulação.
Para que os recursos sejam admitidos, precisam contemplar alguns pressupostos,
objetivos e subjetivos. O primeiro pressuposto objetivo é o da taxatividade, ou autorização,
ou tipicidade, ou correspondência, ou ainda adequação: significa que a cada decisão
corresponde um único recurso adequado, típico, e o erro na interposição pode acarretar sua
inadmissibilidade. É claro que há exceção, como quando se aplica a fungibilidade recursal,
já vista.
Aqui se faz relevante o princípio da conversão, muito próximo da fungibilidade,
mas que não consiste em erro no recurso interposto, e sim erro na competência apontada
pelo recorrente. Neste caso, permite-se a substituição do órgão recursal apontado
erroneamente.
Segundo pressuposto é a tempestividade: o recurso deve ser interposto em prazo
hábil, fixado na lei. O artigo 798 do CPP, já transcrito, combinado com a súmula 310 do
STF, determinam que a contagem do prazo recursal se inicia no primeiro dia útil
subsequente a intimação da decisão. Veja:

“Súmula 310, STF: Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação


com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-
feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro
dia útil que se seguir.”

O recurso precoce, aquele interposto antes do início da contagem do prazo recursal,


é tempestivo. É chamado extemporâneo, mas é tempestivo. A respeito, veja o HC 92.173,
do STF:

“HC 92173 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO. AG.REG.NO HABEAS CORPUS.


Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 10/03/2009. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Publicação 03-04-2009.
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. RECURSO. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO
LEGAL. EXTEMPORANEIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. NÃO
APLICAÇÃO. 1. Este Supremo Tribunal Federal não pode conhecer e julgar
pedido de habeas corpus cuja causa de pedir ainda não tenha sido objeto de
apreciação pelas Cortes ordinárias e pelo STJ, sob pena de supressão de instância,

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

em afronta às normas constitucionais de competência. 2. O denominado "Recurso


ao Pleno", interposto contra acórdão proferido pela 2ª Turma desta Corte, não foi
admitido em razão da manifesta falta de previsão legal, da extemporaneidade e da
ausência de substrato jurídico. 3. A aplicação do princípio da fungibilidade se
restringe aos casos de dúvida fundada acerca do recurso cabível. Assim, não há, no
presente caso, como prestigiá-lo quando se deduz espécie recursal imprópria e
impertinente em substituição àquela expressamente indicada (AI-AgR n° 134.518-
SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ 28.05.1993). 4. É uníssono o
entendimento desta Corte no sentido de que a interposição de recursos somente é
cabível após a publicação, no Diário da Justiça, da decisão contra a qual se
recorre. E, na hipótese de o protocolo das razões recursais realizar-se antes da
veiculação do ato judicial a ser impugnado, a parte deve, após a divulgação no
órgão oficial, ratificá-las. Precedentes. 5. Agravo regimental improvido.” (grifo
nosso)

Ainda quanto ao prazo, a Defensoria Pública conta com prazo dobrado, na forma do
artigo 5°, § 5°, da Lei 1.060/50:

“Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-
lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas
horas.
(...)
§ 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida,
o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado
pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-
lhes em dobro todos os prazos. (Incluído pela Lei nº 7.871, de 1989)”

O defensor dativo não conta com prazo em dobro, porque esta duplicação é uma
exceção, e como tal deve ser interpretada restritivamente. Além disso, só se justifica pela
dificuldade estrutural que as Defensorias podem vir a enfrentar, precisando de maiores
prazos. Tampouco a intimação pessoal, ali prevista, é dirigida ao defensor dativo.
Minoritariamente, Tourinho defende que é dobrado o prazo para o defensor dativo, ao
argumento de que a Lei 1.060/50 não é diploma específico para a Defensoria, e sim para
toda assistência jurídica gratuita. A respeito, veja o HC 85.543, do STF:

“HC 85543 / DF - DISTRITO FEDERAL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.


ELLEN GRACIE. Julgamento: 29/03/2005. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação 15-04-2005.
Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DEFENSOR DATIVO.
INTIMAÇÃO PESSOAL. 1. A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a
prerrogativa processual da intimação pessoal prevista no art. 5º, § 5º, da Lei nº
1.060/50 não se aplica ao defensor dativo, mas, tão-somente aos defensores
públicos. Precedentes. 2. Ordem indeferida.”

O ofendido tem prazo de quinze dias para que o ofendido possa interpor recurso,
como se viu no transcrito artigo 598 do CPP, contados desde quanto acabado o prazo para
recurso pelo MP. O assistente de acusação tem prazo de cinco dias, e não quinze: este artigo
se refere ao ofendido não habilitado no processo como assistente de acusação; se habilitado,
o prazo será igual ao do MP, de cinco dias.
Terceiro pressuposto recursal é a formalidade: o recurso deve obedecer a forma
prevista na lei, que, segundo o artigo 578 do CPP, pode ser por petição ou por termo nos
autos (certidão lavrada pelo escrevente da interposição oral do recurso):

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 578. O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos, assinado
pelo recorrente ou por seu representante.
§ 1° Não sabendo ou não podendo o réu assinar o nome, o termo será assinado por
alguém, a seu rogo, na presença de duas testemunhas.
§ 2° A petição de interposição de recurso, com o despacho do juiz, será, até o dia
seguinte ao último do prazo, entregue ao escrivão, que certificará no termo da
juntada a data da entrega.
§ 3° Interposto por termo o recurso, o escrivão, sob pena de suspensão por dez a
trinta dias, fará conclusos os autos ao juiz, até o dia seguinte ao último do prazo.”

A interposição de recurso por cota preenche a formalidade? Cota é a prerrogativa de


determinadas autoridades em praticar atos processuais à mão, de forma manuscrita. A
jurisprudência é pacífica: é admissível o recurso por cota, das autoridades que assim podem
se manifestar. Veja o HC 53.786 do STF:

“HC 53786 / RJ - RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.


BILAC PINTO. Julgamento: 16/12/1975. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA.
Publicação DJ 26-04-1976
Ementa: AÇÃO PENAL. APELAÇÃO. CONSIDERA-SE INTERPOSTA
DESQUE QUE, TEMPESTIVAMENTE E DE MODO INEQUIVOCO, TENHA A
PARTE, AINDA QUE ATRAVÉS DE SIMPLES COTA AO TOMAR CIENCIA
DA DECISÃO, MANIFESTADO O SEU INCONFORMISMO COM A
SENTENÇA. - DEFESA. DEFICIÊNCIA INEXISTENTE. - PEDIDO DE
HABEAS CORPUS INDEFERIDO.”

Outro requisito é a legitimidade recursal, pertinência subjetiva do recurso, como já


vista no artigo 577 do CPP, já transcrito. Outras pessoas, alheias ao artigo em questão, são
legitimadas a recorrer, a exemplo do curador do réu inimputável, como se vê no artigo 149
do CPP:

“Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz
ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do
curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este
submetido a exame médico-legal.
§ 1º O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante
representação da autoridade policial ao juiz competente.
§ 2° O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando
suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que
possam ser prejudicadas pelo adiamento.”

O rol do artigo 577 do CPP, portanto, é claramente exemplificativo.


Há ainda uma situação em que qualquer pessoa do povo tem legitimidade para
recorrer: da formação da lista de jurados, qualquer pessoa pode interpor recurso em sentido
estrito – legitimidade amplíssima, como se vê. O artigo 426, § 1°, do CPP, estabelece esta
legitimidade, que permite a interposição do recurso previsto no artigo 581, XIV, do CPP:

“Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será
publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais
afixados à porta do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

§ 1° A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do


povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação
definitiva. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2° Juntamente com a lista, serão transcritos os arts. 436 a 446 deste Código.
(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 3° Os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem
verificados na presença do Ministério Público, de advogado indicado pela Seção
local da Ordem dos Advogados do Brasil e de defensor indicado pelas Defensorias
Públicas competentes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a
responsabilidade do juiz presidente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 4° O jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses
que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído. (Incluído pela Lei
nº 11.689, de 2008)
§ 5° Anualmente, a lista geral de jurados será, obrigatoriamente, completada.
(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)”

“Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:


(...)
XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
(...)”

O interesse recursal é o último pressuposto recursal a ser analisado, e está


relacionado com a sucumbência: sucumbe não só a parte que tem a pretensão refutada, e
sim qualquer parte que vê desatendida qualquer expectativa juridicamente possível. Assim,
pode o réu apelar de sentença absolutória, se, por exemplo, pretender que o fundamento da
absolvição seja alterado.
Entenda: há fundamentos absolutórios que impedem a ação civil ex delicto, como a
negativa de existência do delito; a falta de provas do crime, por seu turno, é causa de
absolvição que não obsta a ação civil indenizatória, e, sendo absolvido por esta causa,
poderá recorrer da sentença, buscando a negativa de materialidade do delito.

2. Recurso em sentido estrito

O artigo 581 do CPP traz as hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito:

“Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:


I - que não receber a denúncia ou a queixa;
II - que concluir pela incompetência do juízo;
III - que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV – que pronunciar o réu; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir
requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou
relaxar a prisão em flagrante; (Redação dada pela Lei nº 7.780, de 22.6.1989)
VII - que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII - que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX - que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa
extintiva da punibilidade;
X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI - que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII - que conceder, negar ou revogar livramento condicional;
XIII - que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV - que denegar a apelação ou a julgar deserta;

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;


XVII - que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII - que decidir o incidente de falsidade;
XIX - que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX - que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI - que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII - que revogar a medida de segurança;
XXIII - que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei
admita a revogação;
XXIV - que converter a multa em detenção ou em prisão simples.”

Para o STF, este rol é exaustivo na essência, e exemplificativo na forma. É


verticalmente exaustivo, mas horizontalmente exemplificativo. O intérprete não pode criar
nenhuma nova hipótese alheia a estas previstas no artigo, mas é-lhe possível interpretar
compreensivamente cada uma destas hipóteses.
Entenda: o legislador previu ali vinte e quatro hipóteses em que o recurso é
admitido, mas há decisões no ordenamento que não estão ali previstas expressamente, mas
que não são diferentes de algumas das hipóteses literais, e por isso são alcançadas pelo
cabimento. Exemplos são bem-vindos: o inciso I do artigo em debate prevê cabimento de
recurso em sentido estrito de decisão que rejeita a denúncia; da decisão que recebe a
denúncia, é claro, não cabe este recurso, porque a decisão é essencialmente diferente.
Outrossim, a decisão que rejeita o aditamento da denúncia merece ser compreendida na
subsunção ao inciso I deste artigo, porque essencialmente é uma decisão idêntica àquela ali
prevista. Não se está criando nova hipótese: se está interpretando ontologicamente o
alcance da norma, na horizontal.
Há doutrina que diferencia o não recebimento da rejeição de denúncia: Rangel e
Polastri entendem que o não recebimento é mero indeferimento do processamento por
questão processual, formando mera coisa julgada formal, que permite a nova intentada se
preenchida a questão processual. A rejeição é indeferimento por questão substancial, de
mérito, que forma coisa julgada material, impedindo a reapreciação da casuística sem nova
consubstanciação probatória – o que se dá na atipicidade e na exclusão da ilicitude, por
exemplo. A jurisprudência não faz esta distinção, porém. Para Paulo Rangel, a decisão de
rejeição, essencialmente diversa da de não recebimento, desafia apelação residual, e não
recurso em sentido estrito – Polastri não é tão radical, entendendo que a distinção não é
relevante neste sentido, cabendo o recurso em sentido estrito em um ou outro caso.
O inciso II do artigo em comento trata da decisão que declara a incompetência do
juízo. Da decisão que renega o pedido de declínio de competência, ou seja, na qual o juiz
afirma sua competência, não cabe recurso em sentido estrito, cabendo no máximo habeas
corpus. Subsume-se a este inciso a decisão de desclassificação do crime doloso contra a
vida para outro alheio ao júri, na primeira fase do rito do tribunal do júri, eis que neste caso
o juiz está, a rigor, declarando-se incompetente para julgar o delito. Veja o artigo 419 do
CPP:

“Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da


existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for
competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja. (Redação dada
pela Lei nº 11.689, de 2008)
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste
ficará o acusado preso. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)”

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O inciso III fala das exceções, do artigo 95 do CPP:

“Art. 95. Poderão ser opostas as exceções de:


I - suspeição;
II - incompetência de juízo;
III - litispendência;
IV - ilegitimidade de parte;
V - coisa julgada.”

Da decisão que as acolhe, cabe recurso em sentido estrito; da decisão que as refuta,
não cabe recurso, cabendo, quiçá, habeas corpus.
O inciso IV do artigo 581 do CPP fala da pronúncia. A impronúncia não desafia
recurso em sentido estrito, e sim apelação, na forma do artigo 416 do CPP:

“Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá


apelação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)”

Antes da reforma, a impronúncia desafiava também o recurso em sentido estrito, o


que era prejudicial ao réu, eis que este recurso comporta efeito regressivo, permitindo a
retratação do juiz, o que não ocorre na apelação – e o recurso contra a impronúncia, por
óbvio, é em regra interposto pela acusação, fazendo a celeridade ser muito mais
interessante ao MP do que ao réu.
A decisão de despronúncia, que nada mais é do que a impronúncia decorrente do
recurso em sentido estrito, realizada em juízo de retratação ou no tribunal, desperta
apelação, tal como a própria impronúncia.
A decisão que rejeita qualificadoras, na pronúncia, equivale a uma impronúncia
parcial, e por isso comporta apelação.
O inciso V do artigo 581 do CPP traz uma reunião de quatro hipóteses de
cabimento. Ali se prevê recurso em sentido estrito de todas as decisões que versarem sobre
prisão mediante fiança; do indeferimento ou revogação da prisão preventiva; da liberdade
provisória; e do relaxamento de prisão.
Quanto à prisão preventiva, de seu indeferimento cabe o recurso, mas caberia o
recurso em sentido estrito da decisão que a defere? Esta decisão é irrecorrível, mas cabe
habeas corpus, se for o caso.
Do indeferimento da prisão temporária cabe recurso em sentido estrito, mesmo que
o dispositivo fale em indeferimento de prisão preventiva. Como dito, o rol é
exemplificativo na forma, na horizontal, e a decisão de prisão temporária é idêntica à
decisão de prisão preventiva, em essência – são prisões provisórias, cautelares.
Como se vê, o inciso VI do artigo 581 do CPP foi revogado, tendo sido ali prevista,
outrora, a absolvição sumária como merecedora deste recurso. Hoje, tal como a
impronúncia, a absolvição sumária desafia apelação, na forma do artigo 416 do CPP, supra.
A quebra da fiança está prevista no inciso VII como desafiadora de recurso em
sentido estrito. Não se trata de decisão relativa à própria prisão, que é prevista no inciso V,
como visto, e sim da quebra dos compromissos que fazem o réu perder a fiança depositada.
O quebramento da fiança está no artigo 341 do CPP:

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o réu, legalmente intimado para
ato do processo, deixar de comparecer, sem provar, incontinenti, motivo justo, ou
quando, na vigência da fiança, praticar outra infração penal.”

Os incisos VIII e IX do artigo em questão, em verdade, poderiam formar um só:


ambos tratam da extinção da punibilidade. Um detalhe: se a extinção da punibilidade for
reconhecida ou refutada apenas na sentença, mesmo que seja este tema somente uma
parcela da sentença, o recurso cabível é a apelação. O artigo 593, § 4°, do CPP, dá a nota:

“Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)
(...)
§ 4° Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito,
ainda que somente de parte da decisão se recorra. (Parágrafo único renumerado
pela Lei nº 263, de 23.2.1948)”

O artigo 397, IV, do CPP, traz uma inovação referente à extinção da punibilidade:

“Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste


Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando
verificar: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
(...)
IV - extinta a punibilidade do agente. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).”

Se na fase de absolvição sumária for reconhecida esta extinção de punibilidade, o


recurso é também a apelação – é uma sentença absolutória, ainda que sumária.
O inciso X do artigo em comento fala da denegação ou concessão de habeas corpus
em primeira instância. Da decisão concessiva ou denegatória em segunda instância cabe o
recurso ordinário constitucional para o STJ, do artigo 105, II, “a”, da CRFB:

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


(...)
II - julgar, em recurso ordinário:
a) os "habeas-corpus" decididos em única ou última instância pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão for denegatória;
(...)”

Se é o próprio STJ quem indefere ou defere a ordem, cabe recurso ordinário


constitucional para o STF, na forma do artigo 102, II, “a”, da CRFB:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
(...)
II - julgar, em recurso ordinário:
a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado de
injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a
decisão;
(...)”

Na prática, contra as decisões denegatórias de habeas corpus, impetra-se outro


habeas corpus, eis que é mais célere que o processamento dos recursos.

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

No inciso XI do artigo em questão é previsto o recurso em sentido estrito de


decisões referentes ao sursis, mas a revogação do sursis, ali prevista, que se dá quando
estiver em curso o cumprimento, a execução da medida, não comporta o recurso em sentido
estrito: esta parte do inciso está revogada. Isto porque, como se sabe, das decisões
proferidas pelo juízo da execução penal – e a revogação do sursis é desta competência –
cabe o agravo de execução, recurso criado pela Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, no
artigo 197:

“Art. 197. Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito
suspensivo.”

Surgiu um problema quanto ao prazo deste agravo de execução: Ada Pellegrini


defendia ser o prazo do agravo de instrumento, do processo civil, de dez dias; outra
corrente defendia que a analogia deveria ser com o recurso em sentido estrito, cujo prazo é
cinco dias. Hoje, a súmula 700 do STF pacificou a contenda, trazendo o prazo do recurso
em sentido estrito:

“Súmula 700, STF: É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra
decisão do juiz da execução penal.”

A criação da competência do juízo da execução acabou por revogar também o inciso


XII do artigo 581 do CPP: quem concede, denega ou revoga o livramento condicional é o
juiz da execução, e não o da persecução, pelo que o recurso cabível é, também, o agravo de
execução.
Toda decisão que anula alguma produção de prova comporta recurso em sentido
estrito, como dispõe o inciso XIII do artigo em comento.
O inciso XIV deste artigo já foi comentado, tratando-se da impugnação à lista de
jurados, cuja legitimidade é amplíssima, pois qualquer um do povo pode interpor este
recurso. Além disso, nesta hipótese o prazo é também mais amplo, sendo de vinte dias, na
forma do artigo 586 do CPP:
“Art. 586. O recurso voluntário poderá ser interposto no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. No caso do art. 581, XIV, o prazo será de vinte dias, contado da
data da publicação definitiva da lista de jurados.”

A denegação de apelação, ou aquela encontrada deserta, são impugnadas por


recurso em sentido estrito, na forma do inciso XV do artigo em questão. Denegar é
inadmitir, com base em defeito nos pressupostos recursais. O pedido, neste recurso, é pela
admissibilidade, pelo “destrancamento” da apelação inadmitida, e não pelo juízo de mérito
imediato.
Se for denegado o recurso em sentido estrito, entretanto, qual é o recurso cabível?
Não é outro recurso em sentido estrito, e sim a carta testemunhável, recurso que será
estudado adiante, e que é cabível contra qualquer denegação de recurso, exceto a da
apelação, que tem previsão expressa de recurso em sentido estrito neste inciso XV do artigo
581 do CPP. Veja o artigo 639, I, do CPP:

“Art. 639. Dar-se-á carta testemunhável:


I - da decisão que denegar o recurso;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

No inciso XVI do artigo 581 do CPP é prevista a decisão que ordenar a suspensão
do processo, em virtude de questão prejudicial, que é a questão que antecede logicamente a
principal. Como exemplo, a constatação de casamento duvidoso, a fim de configurar a
bigamia, que é feita no cível. Se o processo for suspenso em virtude do aguardo da solução
de uma questão prejudicial, como autorizam os artigos 92 e 93 do CPP, e a parte entender
que esta suspensão foi indevida, pode recorrer em sentido estrito.

“Art. 92. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de


controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o
curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia
dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição
das testemunhas e de outras provas de natureza urgente.
Parágrafo único. Se for o crime de ação pública, o Ministério Público, quando
necessário, promoverá a ação civil ou prosseguirá na que tiver sido iniciada, com a
citação dos interessados.”

“Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão


sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível,
e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde
que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei
civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e
realização das outras provas de natureza urgente.
§ 1° O juiz marcará o prazo da suspensão, que poderá ser razoavelmente
prorrogado, se a demora não for imputável à parte. Expirado o prazo, sem que o
juiz cível tenha proferido decisão, o juiz criminal fará prosseguir o processo,
retomando sua competência para resolver, de fato e de direito, toda a matéria da
acusação ou da defesa.
§ 2° Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso.
§ 3° Suspenso o processo, e tratando-se de crime de ação pública, incumbirá ao
Ministério Público intervir imediatamente na causa cível, para o fim de promover-
lhe o rápido andamento.”

Não se confunde, a suspensão do processo por questão prejudicial, com a suspensão


condicional do processo, o sursis processual, do artigo 89 da Lei 9.099/95. São institutos
completamente dissociados. Todavia, por analogia, da decisão que concede o sursis
processual caberá este recurso em sentido estrito, se houver interesse:

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um
ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia,
poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena
(art. 77 do Código Penal).
(...)”

De fato, o sursis processual só não está previsto no artigo 581 do CPP porque a Lei
9.099/95 é posterior ao CPP, porque do contrário seria parte do texto deste inciso XVI.
O inciso XVII fala na decisão de unificação das penas. Ocorre que, novamente, a
Lei de Execução Penal entrega esta competência ao juiz da execução, e por isso este inciso
também foi revogado: cabe agravo de execução desta decisão.

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Qualquer decisão sobre o incidente de falsidade documental, do artigo 145 do CPP,


é impugnável por meio de recurso em sentido estrito, na forma do inciso XVIII do artigo
581.

“Art. 145. Argüida, por escrito, a falsidade de documento constante dos autos, o
juiz observará o seguinte processo:
I - mandará autuar em apartado a impugnação, e em seguida ouvirá a parte
contrária, que, no prazo de 48 horas, oferecerá resposta;
II - assinará o prazo de três dias, sucessivamente, a cada uma das partes, para prova
de suas alegações;
III - conclusos os autos, poderá ordenar as diligências que entender necessárias;
IV - se reconhecida a falsidade por decisão irrecorrível, mandará desentranhar o
documento e remetê-lo, com os autos do processo incidente, ao Ministério
Público.”

Os incisos XIX ao XXIII do artigo 581 do CPP tratam sobre as medidas de


segurança. Ocorre que estas medidas são conduzidas pelo juízo da execução penal, e,
novamente, todos estes dispositivos foram revogados: destas decisões cabe agravo de
execução, e não mais recurso em sentido estrito.
O artigo XXIV deste artigo em questão também não está mais vigente,
simplesmente porque não se admite mais a conversão de multa em detenção ou prisão
simples. A multa inadimplida é inscrita em dívida ativa, como dispõe o artigo 51 do CP,
reescrito:

“Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada


dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da
Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas
da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)”

Casos Concretos

Questão 1

O Ministério Público denunciou Elesbão, imputando-lhe o crime definido no art.


157, caput, do Código Penal e, após a produção da prova testemunhal, verificou que, no
cometimento do ilícito, o réu agiu de comum acordo com uma pessoa desconhecida e
empregou arma de fogo municiada, que chegou a ser acionada para o alto, com a
finalidade de intimidar o ofendido. Sucede que o juiz rejeitou o aditamento, por ter
entendido que não havia justa causa para a sua formulação. Indaga-se se o Ministério
Público pode interpor algum recurso da decisão do magistrado.

Resposta à Questão 1

Sim, o recurso em sentido estrito, na forma do artigo 581, I, do CPP, é admissível,


eis que é hipótese compreendida neste dispositivo, por interpretação ontológica da norma.

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Tema VII

Recurso em sentido estrito (Continuação). Processamento do recurso: prazo, juízo de retratação. Efeitos.

Notas de Aula11

1. Processamento do recurso em sentido estrito

O recurso em sentido estrito é bifásico, ou seja, há um prazo para interposição e


outro para apresentação de razões. O prazo para recorrer é de cinco dias, e o prazo para
juntar as razões é de dois dias, na forma dos artigos 586 e 588 do CPP:

“Art. 586. O recurso voluntário poderá ser interposto no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. No caso do art. 581, XIV, o prazo será de vinte dias, contado da
data da publicação definitiva da lista de jurados.”

11
Aula ministrada pelo professor Sauvei Lai, em 24/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 588. Dentro de dois dias, contados da interposição do recurso, ou do dia em


que o escrivão, extraído o traslado, o fizer com vista ao recorrente, este oferecerá
as razões e, em seguida, será aberta vista ao recorrido por igual prazo.
Parágrafo único. Se o recorrido for o réu, será intimado do prazo na pessoa do
defensor.”

Nada obsta, porém, que sejam as razões apresentadas juntamente com a peça de
interposição, à opção do recorrente.
O mesmo promotor que interpõe o recurso deve juntar as razões, pois resolução do
MP assim determina. Mesmo que o membro do parquet que interpôs a peça venha a sair de
férias, estas serão interrompidas para oferta das razões.
O efeito devolutivo é determinado pela interposição de recurso, ou pelas razões
recursais? O STF entende que é pela interposição que se fixa o efeito devolutivo, e não
pelas razões – mesmo porque entende que estas razões são dispensáveis, contra a maior
doutrina. Há súmula para a matéria, a 713 do STF, que apesar de tratar do júri, tem seu
raciocínio para cá transponível:

“Súmula 713, STF: O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é


adstrito aos fundamentos da sua interposição.”

O primeiro ato de processamento do recurso, então, é a peça de interposição,


seguida pela juntada das razões. Após, ao recorrido deve ser facultada a interposição de
contrarrazões. Surge uma questão: o recurso em sentido estrito do MP que ataca a decisão
de rejeição de denúncia é passível de contrarrazões pelo indiciado, que sequer ainda é réu
no processo? A súmula 707 do STF, já abordada, pacificou o ponto de divergência, ao
determinar nulidade para a ausência de vistas para contrarrazões, neste caso. Reveja:

“Súmula 707, STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para


oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a
suprindo a nomeação de defensor dativo.”

A súmula supra faz uma espécie de antecipação da ampla defesa, porque o


provimento do recurso é altamente desinteressante para o denunciado, eis que se tornará réu
se assim ocorrer.
Após a eventual juntada das contrarrazões, o próximo passo do procedimento
recursal é a análise do juízo de retratação, permitida pelo artigo 589 do CPP:

“Art. 589. Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao
juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando
instruir o recurso com os traslados que lhe parecerem necessários.
Parágrafo único. Se o juiz reformar o despacho recorrido, a parte contrária, por
simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se couber recurso, não sendo
mais lícito ao juiz modificá-la. Neste caso, independentemente de novos
arrazoados, subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado.”

Este efeito regressivo do recurso em sentido estrito é obrigatório, ou seja, o juiz tem
que realizar a verificação de seu julgado, antes de confirmá-lo expressa e
fundamentadamente, e remetê-lo ao tribunal ad quem. Se o juiz remete o feito ao tribunal
sem realizar expressamente o juízo de retratação, o tribunal estará impedido de julgar o

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

recurso, devendo devolvê-lo ao órgão a quo para enfrentar a retratação expressamente.


Veja, a respeito, o REsp. 83.671:

“REsp 83671 / RJ. DJ 23/03/1998 p. 122.


PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. JUIZO DE
RETRATAÇÃO. AUSENCIA. NULIDADE.
1. A AUSENCIA DO CHAMADO "JUIZO DE RETRATAÇÃO", PROPRIO DO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO IMPORTA EM NULIDADE, A SER
DECLARADA A PARTIR DO DESPACHO QUE DETERMINOU A SUBIDA
DO RECURSO.
2. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.”

Não há juízo de retratação implícito: a mera remessa ao tribunal não significa que o
juiz enfrentou a retratação e refutou-a. Ainda que o juiz mantenha a decisão pelas próprias
razões desta, esta fundamentação indireta é necessária.
Se o juiz se retratar, efetivamente, observa-se o parágrafo único do artigo 589 do
CPP: a parte agora sucumbente poderá, por simples petição, recorrer novamente, recurso
este que tem duas características peculiares: não depende de novo arrazoado, pois suas
contrarrazões desempenharão papel de razões; e não é admissível novo juízo de retratação.
O prazo para esta petição é o mesmo do recurso em sentido estrito, de cinco dias.
O artigo 589, parágrafo único, supra, deve ser lido com cuidado, pois só é possível
sua dinâmica se a decisão em questão comportar recurso. Se, por exemplo, culminar a
retratação em recebimento de denúncia, como deste recebimento não cabe recurso, a
petição é descabida – cabe habeas corpus, somente.
Enfim, após o juízo de retratação negativo, é encaminhado o recurso em sentido
estrito ao tribunal ad quem.

2. Efeitos do recurso em sentido estrito

O efeito devolutivo é claro: o tribunal fica limitado ao argumento apontado na peça


de interposição.
Há também efeito regressivo, como visto, que é o que permite a retratação.
Não existe efeito suspensivo neste recurso: a decisão recorrida tem eficácia
imediata. Suponha que o indivíduo tenha sido preso cautelarmente por crime hediondo, e,
contra legem, tenha-lhe sido deferida a liberdade provisória com fiança. O MP recorrerá,
por meio do recurso em sentido estrito, na forma do artigo 581, V, do CPP. Contudo, como
não há efeito suspensivo, o réu terá que ser solto, pois a decisão liberatória estará vigente –
permitindo risco de fuga do réu. Para evitar este risco, a doutrina tem admitido mandado de
segurança ajuizado pelo MP, contra decisão que for manifestamente ilegal, teratológica,
como esta.
Não se pode confundir este cabimento excepcional de mandado de segurança
quando se tratar de decisão injusta: somente a decisão ilegal pode ser passível deste ataque,
e não a injusta. Veja o HC 70.392, do STF, e o MS 2002.004.00045, do TJ/RJ:

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“HC 70392 / DF - DISTRITO FEDERAL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.


CELSO DE MELLO. Julgamento: 31/08/1993. Órgão Julgador: PRIMEIRA
TURMA. Publicação: DJ 01-10-1993 PP-20214.
Ementa: HABEAS CORPUS - CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA -
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (CPP, ART. 581, V) - IMPETRAÇÃO DE
MANDADO DE SEGURANÇA, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO,
OBJETIVANDO A OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO A ESSE RECURSO -
ORDEM MANDAMENTAL CONCEDIDA - RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO QUE VEM A SER JULGADO PREJUDICADO - PERDA
SUPERVENIENTE DE OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA
CONCEDIDO - INSUBSISTENCIA DA OUTORGA AUTONOMA DE EFEITO
SUSPENSIVO - ILEGALIDADE DA PRISÃO - EXTENSAO DO HABEAS
CORPUS AO CO-RÉU - PEDIDO DEFERIDO. - A NATUREZA
EMINENTEMENTE CIVIL DA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA
NÃO IMPEDE A SUA UTILIZAÇÃO EM SEDE PROCESSUAL PENAL, UMA
VEZ CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS DE IMPETRABILIDADE DO
"WRIT" CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. - REVESTE-SE DE
LEGITIMIDADE A DECISÃO DO TRIBUNAL QUE, DEFERINDO
MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA,
OUTORGA EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
DEDUZIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA ATO JUDICIAL
CONCESSIVO DE LIBERDADE PROVISORIA. - COM A EXTINÇÃO
ANOMALA DA VIA RECURSAL, TORNARAM-SE INSUBSISTENTES AS
CONSEQUENCIAS JURÍDICO-PROCESSUAIS DERIVADAS DA
CONCESSÃO DO "WRIT" MANDAMENTAL, NOTADAMENTE A
OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO QUE VEIO, EM DECISÃO NÃO IMPUGNADA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO, A SER JULGADO PREJUDICADO. EXTINTO O PROCEDIMENTO
RECURSAL, NÃO PODE SUBSISTIR, AUTONOMAMENTE, A EFICACIA
SUSPENSIVA QUE FOI DADA, EM SEDE MANDAMENTAL, AO RECURSO
EM SENTIDO ESTRITO.”

“2002.004.00045. MANDADO DE SEGURANCA. DES. WILSON MARQUES -


Julgamento: 02/09/2002 - ORGAO ESPECIAL.
MANDADO DE SEGURANÇA. Utilização contra lei de efeitos concretos e
contra lei em tese, de natureza proibitiva. Admissibilidade. Superior Tribunal de
Justiça. Súmula 266. Inaplicabilidade. Podem ser atacadas pela via mandamental,
as chamadas leis de efeitos concretos, que são verdadeiros atos administrativos em
forma de atos legislativos e as próprias leis em tese, desde que proibitivas e, desse
modo, dotadas de aptidão para lesar direitos com o só início da sua vigência.
Legitimação passiva para a causa. Definição. No Mandado de Segurança, parte
passiva é a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade apontada como
coatora, não esta própria que, portanto, em sede mandamental, não pode ostentar,
em caso algum, a qualidade de parte legitima ou ilegítima. Ato praticado em
execução de ordem do Exmo. Governador do Estado, por agente subalterno,
desprovido de poder para esquivar-se de cumprir determinação superior. Mandado
de Segurança impetrado contra o ato assim praticado. Competência do órgão
Especial. Regimento Interno. Artigo 3°,1, "e" Aplicação. Se o ato foi praticado em
execução de ordem superior, à qual o agente subalterno não poderia se esquivar,
em razão de vínculos hierárquicos, coatores serão o executor e a autoridade
superior, fixando-se a competência no juiz natural de grau mais elevado, se um for
competente para julgar o mandamus contra ato do primeiro e outro o for para
julgá-lo contra ato do segundo. Teto remuneratório. Decreto n° 25.168, de
01.01.99. Lei n° 3.548, de 10.04.01. Emendas Constitucionais n° 19 e 20 de 1.998
Artigo 29. Constituição Federal. Artigos 37, XI. 48, XV, 60, parágrafo 4°, IV e 5°,
XXXVI. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

de 1.988. Artigo 17. São dispositivos de eficácia contida e, pois, ineficazes, por
falta de regulamentação, os artigos 37, XI e 40, parágrafo 11 da Constituição
Federal, na redação que receberam, respectivamente, das Emendas Constitucionais
n° 19 e 20, de 1.998. Quando os referidos dispositivos constitucionais adquirirem
eficácia plena, os limites remuneratórios decorrentes da Emenda Constitucional n°
19 somente poderão ser aplicados a partir do início de sua vigência, não podendo
retroagir, para colher atos e efeitos que ocorreram em momento anterior ao da sua
promulgação e, pois, com ofensa ao direito adquirido, assegurado em cláusula
pétrea constante do artigo 60, § 4°, IV, da Constituição Federl Preliminares (3)
rejeitadas. Segurança concedida.”

Casos Concretos

Questão 1

O Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito contra a decisão que


rejeitou a denúncia ofertada em face de Ticio. Formado o instrumento, o juiz confirmou a
decisão e mandou subirem os autos à superior instância. Ticio, por seu defensor, requereu
ao relator do recurso que lhe fosse concedida oportunidade para apresentar suas
contrarrazões recursais, por ser de seu legítimo interesse. Diga se o pleito deve ser
acolhido.

Resposta à Questão 1

Sim, as contrarrazões devem ser oportunizadas, eis que se o recurso for provido o
indiciado será o principal prejudicado, eis que se tornará réu. A súmula 707 do STF,
inclusive, determina nulidade do processo, na carência desta abertura de vistas para
contrarrazões.

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Questão 2

Deferida a liberdade provisória ao réu, o Ministério Público, que havia se


manifestado contrariamente ao pleito, interpôs o recurso previsto no art. 581, V, do Código
de Processo Penal, pleiteando a cassação do decisum e o conseqüente restabelecimento da
prisão em flagrante do recorrido, que era, como provou o recorrente, conhecido
estelionatário com múltiplas condenações e cometera o crime atual logo após o
cumprimento de seu livramento condicional. Também provou o recorrente que o recorrido
comprara uma passagem aérea com o objetivo de fugir do Brasil e a viagem ocorreria
dentro de poucos dias. Por isso, também impetrou mandado de segurança, objetivando que
ao recurso fosse conferido efeito suspensivo. Indaga-se se a segurança deve ou não ser
concedida.

Resposta à Questão 2

A decisão do juiz não é ilegal. Pode ser injusta, mas não é ilegal. Sendo assim, não é
cabível o mandado de segurança impetrado, devendo o writ ser denegado.

Tema VIII

Apelação. Cabimento. Decisões definitivas absolutórias e condenatórias do juízo singular. Decisões


definitivas stricto sensu e decisões com força de definitivas (ou interlocutórias mistas), se não couber recurso
em sentido estrito. Decisões do Tribunal do Júri, nas hipóteses do art. 593, III, "a", "b", "c" ou "d".
Sentenças condenatórias ou absolutórias não apeláveis. Absolvição sumária. Forma e prazo de interposição.
Petição ou termo. Prazos de interposição e de apresentação das razões. Apelação do assistente. Prazo do
assistente/ofendido (artigo 598, parágrafo único). Contagem do prazo. Termo a quo para o Ministério
Público.

Notas de Aula12

1. Apelação

O cabimento do recurso de apelação é sediado no artigo 593 do CPP:

“Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)

12
Aula ministrada pelo professor Marcelo Augusto Rodrigues Mendes, em 25/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz


singular; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
II - das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz
singular nos casos não previstos no Capítulo anterior; (Redação dada pela Lei nº
263, de 23.2.1948)
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (Redação dada pela Lei nº 263, de
23.2.1948)
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 263, de
23.2.1948)
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos
jurados; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (Redação
dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
§ 1º Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das
respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação.
(Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
§ 2º Interposta a apelação com fundamento no no III, c, deste artigo, o tribunal ad
quem, se lhe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de
segurança. (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
§ 3º Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se
convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos
autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite,
porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. (Incluído pela Lei nº 263, de
23.2.1948)
§ 4° Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito,
ainda que somente de parte da decisão se recorra. (Parágrafo único renumerado
pela Lei nº 263, de 23.2.1948)”

Este dispositivo traz, em três incisos, as decisões que o legislador preferiu


considerar sujeitas ao recurso de apelação. Para se compreender o cabimento da apelação, é
importante trazer uma breve explanação sobre a classificação dos atos judiciais.
As sentenças definitivas podem ser condenatórias ou absolutórias, incluindo-se aqui
a absolvição própria e a imprópria. É fundamental, porém, saber em que consiste uma
sentença definitiva, justamente para diferenciar as hipóteses de cabimento expressas nos
incisos I e II do artigo em comento.
Sentença definitiva e decisão definitiva não se confundem, por óbvio, pois se assim
fosse o legislador não teria mencionado tais decisões em incisos diversos. Sentenças
definitivas são aqueles atos do juiz que extinguem o processo com a análise do mérito, ou
seja, resolvendo a pretensão punitiva estatal – condenando ou absolvendo (própria ou
impropriamente) o réu.
Aqui já surge a questão sobre a possibilidade ou não de a defesa interpor apelação
de sentença absolutória. Quanto à sentença absolutória imprópria, não há dúvidas que é
cabível o recurso da defesa: trata-se, na essência, de sentença condenatória, eis que impõe
medida de segurança ao réu considerado inimputável, mas autor do injusto penal – podendo
portanto pretender a sentença absolutória própria, que lhe exima da autoria ou
materialidade do delito.
Quanto à sentença absolutória própria, porém, o recurso pelo réu já gerou muita
discussão. A doutrina sempre entendeu possível, e a jurisprudência mais moderna aderiu a
esta tese. A reforma promovida pelas Leis 11.719/08 e 11.690/08 teve reflexos na seara

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

recursal, como se vê na nova redação dos artigos 386 e 387 do CPP, pois a mudança de
concepção das sentenças absolutórias e condenatórias tem clara repercussão na apelação,
pois estas sentenças são pressupostos para que possa vir a existir uma apelação. Veja os
artigos em questão, com as redações prévias e posteriores alterações:

“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde
que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
V - existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts. 17, 18,
19, 22 e 24, § 1o, do Código Penal);
VI - não existir prova suficiente para a condenação.
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada
pela Lei nº 11.690, de 2008)
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada
pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts.
20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver
fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690,
de 2008)
Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:
I - mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;
II - ordenará a cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas;
II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;
(Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
III - aplicará medida de segurança, se cabível.”

“Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (Vide Lei nº 11.719, de 2008)
I - mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código
Penal, e cuja existência reconhecer;
II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser
levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 42 e 43
do Código Penal;
III – imporá, de acordo com essas conclusões, as penas, fixando a quantidade das
principais e a duração, se for caso, das acessórias;
IV – aplicará as medidas de segurança que no caso couberem;
III - aplicará as penas, de acordo com essas conclusões, fixando a quantidade das
principais e, se for o caso, a duração das acessórias; (Redação dada pela Lei nº
6.416, de 24.5.1977)
IV - declarará, se presente, a periculosidade real e imporá as medidas de segurança
que no caso couberem; (Redação dada pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser
levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60
do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação
dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões; (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).
V - atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de
segurança, ao disposto no Título XI deste Livro;

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

VI - determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e


designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1o, do Código Penal).
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se
for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem
prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. (Incluído pela Lei
nº 11.719, de 2008).”

O inciso IV do artigo 386 do CPP teve introduzida mais uma possibilidade de o juiz
absolver o réu com base em certeza da não autoria. É, portanto, mais uma hipótese de
recurso do réu de sentença absolutória, visando a mudança de fundamento da decisão. O
interesse está em que se reconheça, por exemplo, não a absolvição por falta de provas, que
não é uma absolvição por certeza de inocência, e sim pela certeza da não autoria.
Veja que a absolvição por certeza de não autoria é mais interessante ao réu por dois
motivos: ela tem reflexo no cível, eis que se há certeza de não autoria a ação indenizatória
civil fica obstada contra este réu; e tem outra repercussão, que se pode chamar de um
reflexo social: a mera ausência de provas sempre deixa pairando sobre o réu absolvido a
dúvida sobre seu envolvimento no crime, enquanto a absolvição por certeza de não autoria
é elidente de qualquer dúvida social.
No artigo 387, IV, supra, há ainda outro reflexo da reforma nesta seara: a
necessidade de fixação de valor mínimo a título de indenização à vítima do delito. A
apelação manejada contra esta sentença poderá alvejar, agora, a omissão do juiz que deixa
de arbitrar tal mínimo – efeito que atinge também as decisões provenientes do tribunal do
júri, em que o juiz-presidente deve fixar tal mínimo indenizatório.
O inciso II do artigo 593 do CPP, por seu turno, oferece maiores discussões. Trata
das decisões definitivas e das decisões com força de definitiva. Ali, inclusive, a apelação
assume caráter subsidiário, residual. Há um aparente imbróglio, aqui, porque o § 4° deste
artigo 593 dá à apelação um caráter preferencial sobre o recurso em sentido estrito,
enquanto se prevê o caráter residual no inciso II. A confusão é meramente aparente: se a
decisão definitiva, ou com força de definitiva, estiver contemplada no artigo 581 do CPP,
ou seja, arrolada como hipótese de cabimento de recurso em sentido estrito, não cabe
apelação; se é decisão de natureza definitiva ou com força de definitiva que não se subsume
a nenhuma das hipóteses do artigo 581 (cujo rol, como se sabe, é taxativo, mas é sujeito a
uma interpretação ontológico-evolutiva), cabe a apelação deste inciso II do artigo 593 – que
por isso é residual.
O § 4° do artigo 593 não cria nenhuma antinomia: a apelação é preferencial, ali,
quando uma mesma decisão concentrar duas naturezas, em capítulos diversos, um apelável
e um recorrível em sentido estrito. Neste caso, a apelação açambarca a discussão da matéria
que seria dada ao recurso em sentido estrito, em homenagem à unirrecorribilidade.
São decisões definitivas aquelas também chamadas decisões interlocutórias mistas
terminativas; e são decisões com força de definitiva aquelas chamadas de decisões
interlocutórias mistas não terminativas. As terminativas, como se sabe, são proferidas no
curso do processo, e têm o condão de por fim ao processo ou ao procedimento, mas não
resolvem o mérito, absolvendo ou condenando o réu – e é o não enfrentamento da pretensão
punitiva que as diferencia das sentenças definitivas. Exemplo claro de decisão
interlocutória mista terminativa é o de uma decisão que finda uma cautelar incidental, ou
um incidente processual qualquer (como a decisão que resolve um pedido de restituição de
coisas apreendidas, por exemplo), que não envolvem juízo de condenação ou absolvição do

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

réu. Também o acolhimento ou rejeição de uma exceção oposta pela parte é decisão
definitiva, nestes termos.
Veja que a ampla maioria destas decisões definitivas está no rol das que desafiam
recurso em sentido estrito, do artigo 581 do CPP, e por isso não serão desafiadoras desta
apelação residual. Uma questão: se o juiz reconhece a coisa julgada, por exemplo, e
extingue o processo de ofício, qual o recurso cabível? Neste caso, cabe apelação do inciso
II do artigo 593 do CPP, porque o que se encontra previsto no rol de cabimento do recurso
em sentido estrito, especificamente no inciso III do artigo 581, é a decisão que julga
procedente a exceção de coisa julgada, e não o seu reconhecimento de ofício. Fosse esta
decisão prolatada por provocação em exceção, subsumir-se-ia ao artigo 581, comportando
recurso em sentido estrito; como foi de ofício, comporta apelação, por escapar à previsão
do dispositivo em questão.
As decisões com força de definitiva, interlocutórias mistas não terminativas, por sua
vez, não põem fim ao processo ou procedimento, mas sim a uma fase processual, uma etapa
do procedimento. Há um exemplo claro deste tipo de decisão, que é a pronúncia, na
primeira fase do rito do júri, mas há outros: nos procedimentos especiais em que há defesa
preliminar, fase anterior ao próprio recebimento da denúncia, a decisão que desacolhe a
defesa preliminar é desta espécie, interlocutória mista não terminativa, porque o processo
terá seguimento. Exemplo desta defesa preliminar está no artigo 55 da Lei 11.343/07:

“Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para


oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1° Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá
argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e
justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5
(cinco), arrolar testemunhas.
§ 2° As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 113 do
Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
§ 3° Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para
oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.
§ 4o Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias.
§ 5° Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias,
determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias.”

Outro exemplo é o dos crimes funcionais afiançáveis, no capítulo a eles dedicados


no próprio CPP, que também contam com defesa preliminar, na forma do artigo 514 do
CPP:

“Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma,
o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por
escrito, dentro do prazo de quinze dias.
Parágrafo único. Se não for conhecida a residência do acusado, ou este se achar
fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a
resposta preliminar.”

O rechaço desta defesa é decisão apelável, eis que mista não terminativa ausente do
rol do artigo 581 do CPP.
Último exemplo evidente de decisão desta natureza vem no artigo 81 da Lei
9.099/95:

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à
acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo
recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa,
interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos
debates orais e à prolação da sentença.
§ 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento,
podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou
protelatórias.
§ 2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas
partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a
sentença.
§ 3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do
Juiz.”

1.1. Apelações no tribunal do júri

O inciso III do artigo 593 do CPP trata das decisões do rito do tribunal do júri. O
dispositivo traz quatro permissivos, quatro hipóteses em que será cabível a apelação.
Vejamos cada uma.
A alínea “a” do inciso em questão fala da apelação contra decisão do júri quando
ocorrer nulidade posterior à pronúncia. Veja que não só a nulidade posterior à pronúncia
dará ensejo à apelação, mas também nulidades anteriores à pronúncia que, eventualmente
possam ser suscitadas após a pronúncia: quando se tratar de nulidade absoluta, insanável.
Quando o legislador consignou ali que a nulidade posterior à pronúncia enseja a apelação,
referia-se à relativa, pois que esta está sujeita à convalidação, precisando de abertura legal à
sua suscitação. As absolutas, como é cediço, podem ser suscitadas e conhecidas a qualquer
tempo, dispensando a menção legal – ocorridas antes ou depois da pronúncia, desafiam
apelação.
Além disso, a nulidade relativa ficará sanada se o primeiro momento em que deva
ser suscitada deixar de sê-lo pela parte prejudicada: se esta parte não impugnar a nulidade
relativa em tempo, estará preclusa sua impugnação, e a nulidade convalidada. Veja o artigo
571, V, do CPP:

“Art. 571. As nulidades deverão ser argüidas:


(...)
V - as ocorridas posteriormente à pronúncia, logo depois de anunciado o
julgamento e apregoadas as partes (art. 447); (hoje, esta remissão desvia-se do
artigo 447 para o artigo 463)
(...)”(parêntese nosso)

Passado este momento, o vício estará sanado, e nada mais poderá ser feito, não mais
comportando apelação.
A apelação com fulcro no artigo 593, III, “a”, pugna pela anulação da decisão, por
sua cassação, eis que alveja error in procedendo. Dado provimento à apelação, o tribunal
remete os autos a novo julgamento pelo conselho de sentença, por novos jurados, diversos
dos que atuaram no primeiro julgamento. A respeito, veja a súmula 206 do STF:

“Súmula 206, STF: É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de
jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo.”

Michell Nunes Midlej Maron 62


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Uma alteração promovida pela reforma que tem dado causa a nulidades posteriores
à pronúncia é a menção da decisão de pronúncia como argumento de autoridade. É vedado,
hoje, mencionar o ato de pronúncia como um pesar ao réu, induzindo os jurados a crer que
o ato de ser pronunciado é uma nota de que o réu já foi “pré-condenado”, achado culpado,
pelo juiz-presidente. Mas a hipótese mais corriqueira de apelação com base neste
dispositivo é mesmo o vício na quesitação, que torna o julgamento passível de anulação,
por provimento à apelação.
A segunda hipótese diz respeito à decisão do juiz-presidente que contraria a lei
expressa ou a vontade dos jurados, como se vê neste artigo 593, III, “b” do CPP. O
permissivo em questão, então, traz duas hipóteses de cabimento, em verdade: a violação à
lei ou a violação à decisão do conselho de sentença. Nos casos deste dispositivo, aplica-se o
§ 1º do mesmo artigo 593 do CPP, que comanda que o próprio tribunal ad quem vai corrigir
o erro do juiz a quo, reformando a decisão recorrida, e não anulando-a.
A carência da fixação do valor indenizatório mínimo, pelo juiz-presidente, se
enquadra no permissivo de apelo em questão, artigo 593, III, “b”, porque é caso claro de
violação à lei, ao artigo 387, IV, do CPP, há pouco transcrito. Caberia, também, a oposição
de embargos de declaração para suprir esta omissão, havendo mesmo quem entenda que
estes embargos são imperativos, não cabendo desde logo esta apelação, porque seria caso
de supressão de instância, eis que o tribunal estaria enfrentando de forma inaugural o
quantum indenizatório.
O permissivo da alínea “c” do inciso III do artigo 593 do CPP trata do erro ou
injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança, permitindo a discussão
por meio da apelação. Consiste na discussão de adequação, de justeza, da pena ou da
medida de segurança. Nesta hipótese, o tribunal também reforma desde logo a decisão,
como dispõe o já transcrito § 2° deste artigo 593 do CPP, e não a anula.
Entretanto, o ponto mais importante deste artigo 593, III, do CPP, é mesmo a alínea
“d”, que permite o apelo quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova
dos autos. A decisão aqui impugnada é proferida pelo corpo de jurados, pelo conselho de
sentença, o que impõe que qualquer alteração sobre esta seja altamente cautelosa, pela
sabida soberania dos veredictos. Veja: é claro que a soberania deve ser respeitada, mas
como qualquer princípio, é ponderável, e será mitigada quando a decisão que nela se
ampare beirar ao arbítrio, ao absurdo, à frustração de qualquer senso comum, até mesmo de
direito natural. E é isto que este permissivo legal admite.
A decisão manifestamente contrária à prova dos autos é sinônimo de decisão
arbitrária. É a decisão que simplesmente deu as costas a tudo que se desenvolveu no
processo, tanto para condenar como para absolver o réu, e que por isso não pode ser
mantida.
Por sua alta excepcionalidade, por ser forte mitigação à soberania dos veredictos,
este permissivo é limitado a uma única utilização no mesmo processo, como dispõe o § 3°
deste artigo 593 do CPP: só pode haver uma apelação com este fundamento, no mesmo
processo. Por isso, se no novo julgamento, pelo novo júri designado, a decisão se
demonstrar igualmente afrontosa à realidade dos fatos processuais, mesmo sendo
igualmente teratológica, não será possível novo apelo com este fundamento.
Veja que hoje, em homenagem ao princípio da plenitude de defesa que vige no júri
(princípio um pouco mais denso e amplo do que a simples ampla defesa), é admissível até
mesmo a absolvição com base em argumentos metajurídicos e extraprocessuais, pelo que

Michell Nunes Midlej Maron 63


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há, inclusive, a previsão do quesito aberto, no júri – o famigerado terceiro quesito –, em que
se questiona aos jurados se estes simplesmente absolvem o réu. Esta possibilidade não joga
por terra a apelação que desta decisão possa sobrevir, com fulcro neste artigo 593, III, “d”,
do CPP (como chega a sugerir parcela minoritária da doutrina). É permitido, sim, absolver
de forma atécnica, contra as provas dos autos, mas é igualmente permitido que esta decisão
seja revista em apelação, interposta uma vez, com base neste permissivo. Se confirmada a
absolvição metajurídica, nova apelação não será possível, e ela será mantida.
O manejo desta apelação por uma única vez se dirige a ambas as partes, acusação e
defesa, em conjunto: se uma decisão é questionada por uma das partes, com base neste
dispositivo, a outra parte não poderá recorrer da próxima decisão do conselho, com base no
mesmo inciso. A decisão supostamente teratológica, com base na alínea “d” em questão, só
pode ser uma única vez revista no processo, quem quer que a provoque.
Ante esta vedação, é possível que esta segunda decisão venha a ser questionada em
revisão criminal, por conta de alguma teratologia que escapou às possibilidades de revisão
endoprocessual.
Qualquer apelação no tribunal do júri, conforme a interpretação do STF que se
colhe de sua súmula 713, é vinculada aos fundamentos de sua interposição, ou seja, o
tribunal ad quem deve observar rigidamente qual é a fundamentação da apelação do
recorrente, em que permissivo expressamente se amparou o recurso. Reveja o enunciado:

“Súmula 713, STF: O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é


adstrito aos fundamentos da sua interposição.”

O STF tinha entendimento bastante rigoroso quanto a esta interpretação, dispondo


que se o recorrente não apontasse a alínea que fundamentava sua apelação, esta sequer seria
conhecida pelo tribunal. Hoje, a Corte Suprema abrandou um pouco sua leitura, dispondo
que se o recorrente não apontar a alínea permissiva na apelação, poderá suprir esta falha em
suas razões, desde que sejam estas tempestivas (fugindo à regra da impropriedade do prazo
para juntada de razões em recursos bifásicos, como se pôde ver).
Outra flexibilização desta súmula 713 do STF é doutrinária, mas começa a despertar
adesão jurisprudencial. Imagine-se que a defesa apele com base na alínea “b”, por
vislumbrar alguma violação à lei pelo juiz-presidente, mas o tribunal encontra presente
alguma nulidade a que a defesa recorrente não fez qualquer menção. Neste caso, o efeito
devolutivo da apelação da defesa é amplo, permitindo ao juízo ad quem avançar sobre
outras hipóteses não ventiladas pelo recorrente nem na interposição, nem nas razões,
quando lhe forem favoráveis.
O § 4º do artigo 593 do CPP merece comentários amiúde, por seu potencial em
causar confusões. Este dispositivo faz com que a apelação seja considerada o recurso
preferível, como dito, em homenagem à unirrecorribilidade recursal, quando de uma só
decisão contiver partes que despertariam, a rigor, recursos diversos: em um capítulo, a
decisão desperta recurso em sentido estrito; em outro, apelação. Veja que, mesmo que o
recorrente esteja interessado em recorrer exclusivamente do capítulo que desafiaria recurso
em sentido estrito, mas a decisão, como um todo, tem como recurso natural a apelação, é
esta que será a modalidade recursal que deverá ser adotada.
Exemplo clássico desta dinâmica é aquele em que, diante de uma sentença
condenatória, a defesa deseje se insurgir somente contra a denegação de sursis. O réu não
se insurge contra a condenação, mas somente contra a negativa de concessão da suspensão

Michell Nunes Midlej Maron 64


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da pena. Como se vê no rol do artigo 581 do CPP, o recurso em sentido estrito é cabível
contra decisão que nega o sursis, na forma do inciso XI. Todavia, não é cabível este
recurso, porque a negativa de sursis vem inserta em uma decisão maior, que deve ser
considerada como um todo, e esta decisão é uma sentença, desafiante de apelação. Nas
palavras de Capez, “a apelação é o peixe grande, que engole o recurso em sentido estrito,
peixe menor”.
Veja que a Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, permite a suspensão condicional da
pena com o processo já em fase executória, no seu artigo 66, III, “d”:

“Art. 66. Compete ao Juiz da execução:


(...)
III - decidir sobre:
(...)
d) suspensão condicional da pena;
(...)”

Ocorre que, como visto, no curso da execução penal a lei só admite um único
recurso, o agravo em execução. Sendo assim, aqui não se aplica a previsão da preferência
pela apelação, pois esta preferência só se impõe quando a matéria que é dada a outro tipo de
recurso vier inserida em uma decisão que, como um todo, desafia a apelação.
Uma última hipótese, pouco discutida mas relevante, é quando uma sentença,
condenatória ou absolutória, simplesmente não é apelável: trata-se da sentença sobre
crimes políticos, tipificados na Lei 7.170/83. No artigo 30 desta lei, o legislador previu que:

“Art. 30 - Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta


Lei, com observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal
Militar, no que não colidirem com disposição desta Lei, ressalvada a competência
originária do Supremo Tribunal Federal nos casos previstos na Constituição.
Parágrafo único - A ação penal é pública, promovendo-a o Ministério Público.”

Este artigo não foi recepcionado, porque a competência para julgar crimes políticos,
hoje, é da Justiça Federal. O juiz federal de primeira instância julga o crime político,
quando não há prerrogativa de função para o réu. Se este réu for condenado ou absolvido,
esta sentença não comportará apelação: comportará o recurso ordinário constitucional,
diretamente dirigido ao STF, na forma do artigo 102, II, “b”

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
(...)
II - julgar, em recurso ordinário:
(...)
b) o crime político;
(...)”

Havendo prerrogativa de função, ou seja, se o réu tiver foro privilegiado no TRF, ou


mesmo no STJ, da decisão exarada por este órgão também caberá este mesmo recurso
ordinário, diretamente para o STF13.
13
Se o foro por prerrogativa para julgar o réu por crime político for o próprio STF, como o julgamento será
pelo plenário, não caberá recurso ordinário para o próprio STF, por óbvio. Salvo embargos de declaração, a
decisão será irrecorrível.

Michell Nunes Midlej Maron 65


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Casos Concretos

Questão 1

Acusado de homicídio qualificado, Caio foi absolvido pelo júri. O promotor apelou,
com fundamento no art. 593, III, alínea "d", do CPP. Provido o apelo, Caio foi a novo júri,
tendo sido desta vez condenado na forma da pronúncia. A defesa apela, pleiteando o
afastamento da qualificadora pelo Tribunal de Justiça, com a conseqüente redução da
pena, com base no art. 593, III, letra "c". Indaga-se se o apelo deve ser conhecido.

Resposta à Questão 1

Se a soberania do conselho de sentença deve ser resguardada, não deve ser dado ao
tribunal ad quem interferir na qualificação dada aos fatos. Se os jurados resolveram que o
crime é de homicídio qualificado, não pode o novo apelo pretender que o tribunal ad quem
faça a reforma – e não anulação – do julgado, impondo ou retirando a qualificadora, parte
do mérito do julgado do conselho de sentença. Destarte, não é porque a decisão não pode
ser impugnada por novo apelo que se obsta o conhecimento deste – afinal, a vedação do §
3° do artigo 593 do CPP não se aplica ao caso –, mas sim porque a pretensão é descabida.

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O STF permitia esta dinâmica pretendida no apelo em questão, em julgados datados


até meados de 1989, mas hoje sua posição consolidada é de que não é dado ao juízo togado
reformar a qualificadora (entendimento que se transporta para qualquer questão de mérito,
diga-se, como um eventual privilégio reconhecido pelos jurados, que não pode ser
derrogado pelo tribunal ad quem).
A respeito, veja o HC 66.334, de 1989, que retrata a posição anterior:

“HC 66334 / SP - SÃO PAULO. Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA.


Julgamento: 08/03/1989. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. 19-05-1989
Ementa: HABEAS CORPUS. JÚRI. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CONTRA A ACOLHIDA PELO JÚRI DE QUALIFICADORA DO CRIME.
ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DO ACÓRDÃO QUE, DANDO
PROVIMENTO A APELAÇÃO, DETERMINOU QUE O PACIENTE FOSSE
SUBMETIDO A NOVO JÚRI. INTERPRETAÇÃO DO ART. 593, III, 'C', DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. - O ARTIGO 593, III, 'C', DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL SE REFERE A ERRO OU INJUSTIÇA PRATICADOS
PELO JUIZ-PRESIDENTE QUANDO DA APLICAÇÃO DA PENA OU DA
MEDIDA DE SEGURANÇA, E NÃO SOBRE QUALQUER PONTO A
RESPEITO DO QUAL SE TENHA MANIFESTADO O JÚRI EM SEU
VEREDITO. - SENDO A QUALIFICADORA ELEMENTO ACIDENTAL DO
CRIME, E NÃO CIRCUNSTANCIA DA PENA, O ERRO EM SEU
JULGAMENTO NÃO ENSEJA APELAÇÃO COM FUNDAMENTO NA LETRA
'C' DO INCISO III DO ARTIGO 593 DO C.P.P., MAS, SIM, NA LETRA 'D'
DESSE DISPOSITIVO (QUANDO 'FOR A DECISÃO DOS JURADOS
MANIFESTAMENTE CONTRARIA A PROVA DOS AUTOS'), E,
CONSEQUENTEMENTE, O SEU PROVIMENTO - COMO OCORREU NO
CASO CONCRETO - ACARRETARA SEJA O RÉU SUBMETIDO A NOVO
JULGAMENTO PELO JÚRI. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.”

Questão 2

Ao tomar ciência da sentença absolutória, o Ministério Público lançou nos autos a


seguinte cota: “Ciente. O Ministério Público interpõe recurso de apelação e requer, após o
seu recebimento, que lhe seja aberta vista dos autos para que possa oferecer suas razões
recursais.” Indaga-se se tal apelo pode ser recebido.

Resposta à Questão 2

O recurso por cota pode ser recebido. Esta forma de interposição, é alheia à previsão
legal de formas admissíveis, constantes do artigo 578 do CPP, mas a admissibilidade por
mero termo nos autos revela a informalidade como guia para o recebimento do recurso.
Nada obsta, portanto, que o recurso do parquet seja recebido.

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Tema IX

Apelação (continuação). Apelação plena e limitada. Tantum devolutum quantum appellatum no Processo
penal. Reformatio in pejus e in mellius. Proibição da reformatio in pejus sem pedido. Anulação de sentença
condenatória por apelação do réu. Proibição de reformatio in pejus indireta (STF). Reformatio in mellius:
discussão. Extinção anormal da apelação: deserção. Fuga do réu apelante (Artigo 594). Artigo 806, § 2º
(ação privada). Desistência (não para o MP). Peculiaridades da apelação contra decisões do Tribunal do
Júri (artigo 593, III). Apelação restrita. Fundamento nas alíneas b ou c: órgão ad quem funciona como
iudicium rescissorium. Fundamento na alínea "a": órgão ad quem funciona como iudicium rescidens. Alínea
"d": soberania do veredicto - artigo 5º, XXXVIII, CF. "Mesmo motivo" (artigo 593, § 3º): o que significa?
Apelação nos juizados especiais criminais.

Notas de Aula14

1. Procedimento da apelação

A apelação observa o artigo 578 do CPP, quanto à forma de sua interposição:

“Art. 578. O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos, assinado
pelo recorrente ou por seu representante.

14
Aula ministrada pelo professor Marcelo Augusto Rodrigues Mendes, em 25/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

§ 1° Não sabendo ou não podendo o réu assinar o nome, o termo será assinado por
alguém, a seu rogo, na presença de duas testemunhas.
§ 2° A petição de interposição de recurso, com o despacho do juiz, será, até o dia
seguinte ao último do prazo, entregue ao escrivão, que certificará no termo da
juntada a data da entrega.
§ 3° Interposto por termo o recurso, o escrivão, sob pena de suspensão por dez a
trinta dias, fará conclusos os autos ao juiz, até o dia seguinte ao último do prazo.”

Assim, a apelação pode ser interposta por simples petição, ou por termo nos autos.
Para a defesa, a jurisprudência é ainda mais benevolente, permitindo virtualmente qualquer
forma de interposição, bastando qualquer manifestação de intento em recorrer, sob qualquer
forma, por parte do réu.
Interposto o recurso, ele passará por duplo juízo prelibatório, no órgão de
interposição e no órgão de direcionamento, a quo e ad quem. Recebido, somente então será
analisado seu mérito.
A apelação é um recurso bifásico, como se pôde antever. Isto significa que há a peça
de interposição separada da peça de razões. Em verdade, a forma bifásica é a regra do
processo penal, vigendo na maioria dos recursos, inclusive no agravo em execução, que
segue o rito do recurso em sentido estrito, como se vê na súmula 700 do STF:

“Súmula 700, STF: É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra
decisão do juiz da execução penal.”

Interposta a peça inicial e recebido o recurso, o recorrente aguardará a intimação


para apresentar suas razões. Se o recurso for da defesa, vislumbra-se inclusive com clareza
as duas faces da ampla defesa, a autodefesa (que pode ensejar interposição da apelação pelo
réu) e a defesa técnica (eis que as razões serão formuladas pelo patrono do réu). O réu tem
capacidade postulatória no processo penal, na fase recursal.
O prazo para interpor o recurso, como se viu no artigo 593 do CPP, é de cinco dias.
O prazo para apresentação de razões será de oito ou de três dias, na forma do artigo 600 do
CPP:

“Art. 600. Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado


terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões, salvo nos processos de
contravenção, em que o prazo será de três dias.
§ 1º Se houver assistente, este arrazoará, no prazo de três dias, após o Ministério
Público.
§ 2º Se a ação penal for movida pela parte ofendida, o Ministério Público terá
vista dos autos, no prazo do parágrafo anterior.
§ 3º Quando forem dois ou mais os apelantes ou apelados, os prazos serão
comuns.
§ 4° Se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que
deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem
onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes
pela publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 4.336, de 1º.6.1964)”

A apelação no JECrim não é bifásica: o recorrente conta com prazo único de dez
dias, para interpor e arrazoar a apelação. Veja o artigo 82 da Lei 9.099/95:

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá


apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício
no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
§ 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da
sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da
qual constarão as razões e o pedido do recorrente.
§ 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.
§ 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que
alude o § 3º do art. 65 desta Lei.
§ 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa.
§ 5º Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do
julgamento servirá de acórdão.”

Veja que o STF, contudo, tem admitido que mesmo no JECrim haja a partição da
apelação em dois momentos, ou seja, o recorrente a torne bifásica – primeiro apresentando
a peça de interposição, e depois as razões em separado. Todavia, para assim ser possível, é
preciso que o recorrente apresenta ambas as peças ainda no prazo de dez dias desde a
intimação da decisão, pois do contrário haverá intempestividade. A respeito, veja o HC
85.344, do STF:

“HC 85344 / MS - MATO GROSSO DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a):


Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 08/11/2005. Órgão Julgador: Primeira
Turma. Publicação DJ 31-03-2006.
EMENTA: HABEAS CORPUS. RECURSO INADMITIDO PELA TURMA
RECURSAL. RAZÕES DE APELAÇÃO APRESENTADAS FORA DO PRAZO
LEGAL. No âmbito dos juizados especiais também não é exigível a apresentação
das razões como formalidade essencial da apelação, recurso que possui ampla
devolutividade. Igualmente, a tardia apresentação das razões não impede o
conhecimento do recurso. Habeas corpus deferido, em parte.”

Surge questão: se a infração de menor potencial ofensivo tem prazo global de apelo
de dez dias, as contravenções penais, que são todas elas infrações de menor potencial
ofensivo, continuam sob a vigência do procedimento bifásico, com arrazoado em três dias,
como visto?
De fato, se o procedimento em que se estiver perseguindo a contravenção for o
sumaríssimo do JECrim, a apelação seguirá o prazo de dez dias. Contudo, há ainda uma
hipótese em que se aplica o prazo do CPP, de três dias: quando a contravenção estiver
sendo perseguida na vara criminal, por estar conexa a algum crime que ali deve ser
perseguido, e a apelação for apenas de matéria referente à contravenção, o prazo de três
dias para razões é o que deve ser observado.
Em qualquer caso de apelação bifásica, ressalte-se, a apresentação tardia das razões
é tida por mera irregularidade. O prazo de interposição deve ser respeitado, sob pena de
intempestividade, mas o prazo para razões não é peremptório. A apresentação
extemporânea das razões não impede o recebimento do recurso.
O dies a quo para interposição da apelação é questão peculiar. Para a defesa,
construiu-se um entendimento de que é necessária uma dupla intimação, em prol da ampla
defesa: para a autodefesa, intima-se o réu; para a defesa técnica, o patrono. O prazo para
apelar, neste caso, só terá início quando efetuada a última intimação, seja a do defensor,
seja a do réu.

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Para o MP, o prazo corre desde quando o processo adentra na secretaria do órgão,
sendo este o momento em que se considera feita a intimação pessoal que é prerrogativa do
MP. Veja, por exemplo, o HC 83.255, do STF, e os REsp. 664.400 e 605.245:

“HC 83255 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. MARCO


AURÉLIO. Julgamento: 05/11/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 12-03-2004
Ementa: DIREITO INSTRUMENTAL - ORGANICIDADE. As balizas normativas
instrumentais implicam segurança jurídica, liberdade em sentido maior. Previstas
em textos imperativos, hão de ser respeitadas pelas partes, escapando ao critério da
disposição. INTIMAÇÃO PESSOAL - CONFIGURAÇÃO. Contrapõe-se à
intimação pessoal a intimação ficta, via publicação do ato no jornal oficial, não
sendo o mandado judicial a única forma de implementá-la. PROCESSO -
TRATAMENTO IGUALITÁRIO DAS PARTES. O tratamento igualitário das
partes é a medula do devido processo legal, descabendo, na via interpretativa,
afastá-lo, elastecendo prerrogativa constitucionalmente aceitável. RECURSO -
PRAZO - NATUREZA. Os prazos recursais são peremptórios. RECURSO -
PRAZO - TERMO INICIAL - MINISTÉRIO PÚBLICO. A entrega de processo em
setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor,
configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a
da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do processo em
prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério Público,
oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o "ciente", com a
finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo recursal.
Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência predominante
e observando-se princípios consagradores da paridade de armas.”

“REsp 664400 / MG. DJ 29/11/2004 p. 404.


CRIMINAL. RESP. TENTATIVA DE ESTUPRO. REGIME PRISIONAL. PRAZO
RECURSAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIES A QUO. INGRESSO DOS AUTOS
NA PROCURADORIA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
RECURSO NÃO CONHECIDO.
I - Não obstante o entendimento predominante desta Corte, que considerava como
início do prazo recursal para o Ministério Público, a data da aposição do ciente
pelo órgão ministerial, e, não, a do ingresso dos autos na Procuradoria, a matéria,
hoje, encontra-se assentada em sentido contrário, em face da nova ótica dada à
questão pelo Supremo Tribunal Federal.
II - Entendimento no sentido de que o prazo recursal para o Ministério Público não
pode correr de acordo com a conveniência do integrante do Parquet, sob pena de
malferimento ao princípio da igualdade das partes.
III - Se a chegada dos autos à Procuradoria Geral de Justiça se deu em 20/11/2003,
considera-se intempestivo o recurso especial interposto em 09/12/2003, eis que já
escoado o prazo recursal de 15 dias.
IV - Recurso não conhecido.”

“REsp 605245 / SP. DJ 02/08/2004 p. 541.


CRIMINAL. RESP. PRAZO RECURSAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIES A
QUO. INGRESSO DOS AUTOS NA PROCURADORIA. PRECEDENTE DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO.
I - Não obstante o entendimento predominante desta Turma, que considerava como
início do prazo recursal para o Ministério Público, a data da aposição do ciente
pelo órgão ministerial, e não a do ingresso dos autos na Procuradoria, a matéria
atualmente encontra-se assentada em sentido contrário, em face da nova ótica dada
à questão pelo Supremo Tribunal Federal.

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

II - Entendimento no sentido de que o prazo recursal para o Ministério Público não


pode correr de acordo com a conveniência do integrante do Parquet, sob pena de
malferimento ao princípio da igualdade das partes.
III - Se o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a mais recente
jurisprudência do Pretório Excelso, deve ser mantido por seus próprios
fundamentos.
IV - Recurso desprovido.”

1.1. Desistência da apelação

A desistência do recurso, por parte da defesa, só será possível se houver uma


conjugação de vontades entre réu e defensor. Para o MP, porém, o artigo 576 do CPP tem
previsão expressa vedando a desistência do recurso interposto, o que é um desdobramento
do princípio da indisponibilidade da ação penal, agora em fase recursal. Veja:

“Art. 576. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja
interposto.”

A não apresentação de razões pelo MP, após ter este interposto a apelação, consiste
em desistência tácita, o que não se admite. As razões são imprescindíveis, para qualquer das
partes, e para o MP ainda pesa esta obrigação com maior vigor, ante a indisponibilidade do
recurso.
Vigente a independência funcional, como vige, aquele promotor que interpõe o
recurso é quem fica obrigado a apresentar as razões. Se o membro interpõe o apelo e sai de
licença, o membro que supre sua ausência poderá apresentar razões da forma que bem
entender, inclusive louvando a sentença, diante das suas convicções pessoais, amparadas
pela independência funcional.
A renúncia ao recurso, prévia a sua interposição, é dada à defesa, se conjugadas as
vontades do réu e do defensor, mas não é dada ao MP: ele pode até deixar de recorrer,
correndo o prazo in albis, mas não pode renunciar expressamente ao direito de recorrer.
1.2. Apresentação de razões diretamente no juízo ad quem

O artigo 600, § 4°, do CPP, já transcrito, permite que o recorrente requeira, na


interposição de recurso, que as razões sejam juntadas já quando os autos estiverem em
poder do órgão ad quem.
Esta opção não é dada ao MP, tampouco se admite que seja aplicada, analogamente,
ao recurso em sentido estrito. O MP não pode se valer desta opção porque os órgãos do
parquet de primeira e segunda instância desempenham funções diferentes, não podendo o
órgão de primeira instância legar ao de segunda a função de recorrer, sobremaneira porque
a procuradoria de justiça exerce função precípua de custos legis, em segunda instância. Se o
promotor assim o fizer, o órgão a quo deve devolver o processo para apresentação das
razões pelo parquet na primeira instância.
A aplicação desta opção ao recurso em sentido estrito é impossível por dois
motivos: o primeiro é que este recurso tem efeito regressivo, permitindo juízo de retratação,
e para que este seja bem exercido, o juízo a quo deve ter a seu dispor as razões do
recorrente. A apelação, em regra, não tem este efeito regressivo, mas há exceção: o artigo
198 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, assim determina. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica


adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º
5.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores, com as seguintes
adaptações:
I - os recursos serão interpostos independentemente de preparo;
II - em todos os recursos, salvo o de agravo de instrumento e de embargos de
declaração, o prazo para interpor e para responder será sempre de dez dias;
III - os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor;
IV - o agravado será intimado para, no prazo de cinco dias, oferecer resposta e
indicar as peças a serem trasladadas;
V - será de quarenta e oito horas o prazo para a extração, a conferência e o
conserto do traslado;
VI - a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. Será também conferido
efeito suspensivo quando interposta contra sentença que deferir a adoção por
estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano
irreparável ou de difícil reparação;
VII - antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de
apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá
despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco
dias;
VIII - mantida a decisão apelada ou agravada, o escrivão remeterá os autos ou o
instrumento à superior instância dentro de vinte e quatro horas, independentemente
de novo pedido do recorrente; se a reformar, a remessa dos autos dependerá de
pedido expresso da parte interessada ou do Ministério Público, no prazo de cinco
dias, contados da intimação.”

O segundo motivo para não se aplicar esta apresentação de razões em segunda


instância no recurso em sentido estrito é que não se trata, a não previsão expressa desta
opção na seara do recurso em sentido estrito, de uma omissão: é silêncio eloqüente.

1.3. Apelação plena e apelação limitada

O artigo 599 do CPP traz a possibilidade de que a apelação seja limitada a alguns
aspectos da decisão, ou plena, amplamente contestatória do decisum. Isto está diretamente
relacionado ao efeito devolutivo da apelação.

“Art. 599. As apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado,
quer em relação a parte dele.”

Trata-se do tantum devolutum quantum appellatum, que vige no processo penal,


mas com uma certa distinção.
No recurso patrocinado pela defesa, não se permite que o tribunal possa, de ofício,
piorar a situação do réu, sem que tenha havido provocação do MP para tanto. É a vedação à
reformatio in pejus de ofício. O tribunal está limitado ao que foi objeto de inconformismo
pela defesa.
Já quando o MP recorre sozinho, visando ao agravamento da pena, o tribunal pode
até mesmo absolver o acusado: a reformatio in mellius de ofício é permitida, mitigando o

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

tantum devolutum quantum appellatum, em homenagem a princípios que ganham


axiologicamente a contenda, como o favor rei, a inocência, etc.
Ainda quanto à vedação à reformatio in pejus, há que se falar na vedação à sua
forma indireta: a direta ocorre na mesma relação processual, em que o recurso se prestou as
prolongar o curso do mesmo processo. A indireta, por seu turno, ocorre quando em um
processo diverso se exige o respeito a uma decisão exarada em processo anterior, que tenha
sido extirpada por qualquer motivo, como por uma nulificação. É, de fato, o
reconhecimento de efeitos a uma decisão que foi encontrada absolutamente nula.
A proibição da reformatio in pejus no tribunal do júri tem incidência peculiar: para
o juiz-presidente, a vedação se impõe sem ressalvas. Para o conselho de sentença, porém,
vige a soberania dos veredictos, e a decisão dos jurados será irrestrita. E veja que se os
jurados encontrarem a mesma capitulação do crime no segundo julgamento, ou mesmo a
agravarem, o juiz-presidente não poderá suplantar a pena aplicada no julgamento anterior –
vedação à reformatio in pejus indireta, portanto, mas sobre o juiz-presidente.

Casos Concretos

Questão 1

Condenado pelo Tribunal do Júri, o réu interpôs seu apelo com fundamento no art.
593, III, d, do Código de Processo Penal e, desde logo, apresentou suas razões. A segunda
instância decidiu que a decisão dos jurados estava de acordo com a prova, mas,
verificando que a pena era excessiva, a abrandou de ofício. Indaga-se se, diante do
princípio da inércia da jurisdição e do pensamento cristalizado na súmula 713 do Supremo
Tribunal Federal, o segundo grau poderia decidir de tal modo.

Resposta à Questão 1

Há duas possíveis leituras da súmula 713 do STF. A primeira, radicalmente literal,


vincula a devolução da apelação ao fundamento utilizado pelo recorrente, e como o pedido
foi pela cassação baseada no artigo 593, III, “d”, a pena não se insere nas matérias

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

cognoscíveis pelo tribunal ad quem. A segunda leitura, outrossim – e é a que prevalece –,


flexibiliza a leitura do enunciado, permitindo que a defesa possa ser favorecida por uma
maior amplitude no efeito devolutivo, permitindo ao tribunal reduzir a pena mesmo se a
defesa, em seu recurso, não o requereu.
Diferentemente seria se o recurso fosse da acusação: para esta, a leitura mais rígida
da súmula 713 do STF deve prevalecer, mantendo restrito o efeito devolutivo àquilo que foi
efetivamente consignado.

Questão 2

Insatisfeito com a pena aplicada ao réu, o Ministério Público apelou, buscando o


seu agravamento. Os desembargadores entenderam que era, na verdade, exagerada, não
guardando proporcionalidade com o crime, com suas conseqüências e com a conduta do
réu, razão por que a abrandaram e, além disso, verificando que a pena do co-réu
igualmente estava desproporcional, também a reduziram. Comente a decisão do segundo
grau, levando em consideração que a sentença transitou em julgado para a defesa.

Resposta à Questão 2

Não existe vedação à reformatio in mellius no processo penal. A vedação à


reformatio in pejus é proteção à defesa, não se aplicando pro societatis. Por isso, agiu bem
o tribunal.
Quanto ao corréu, igualmente correta foi a decisão do tribunal: o efeito extensivo,
previsto no artigo 580 do CPP, permite que o corréu seja beneficiado pelo julgamento
favorável dado a qualquer recurso, se o fundamento da melhoria for objetivo, e não pessoal
do outro réu. A respeito, veja o REsp 729.246:

“REsp 729246 / PR. DJ 06/03/2006 p. 434.


CRIMINAL. RESP. HOMICÍDIO. CONDENAÇÃO NA MODALIDADE
QUALIFICADA. CO-RÉU RESPONSÁVEL PELA CONFIGURAÇÃO DA
QUALIFICADORA ABSOLVIDO POR TRIBUNAL DO JÚRI DIVERSO.
CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO PARA EXCLUIR A
QUALIFICADORA. POSSIBILIDADE. OFENSA À SOBERANIA DO JÚRI.
INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DO WRIT NO CASO
ESPECÍFICO. RECURSO DESPROVIDO.
I – Hipótese na qual o recorrido foi condenado por homicídio qualificado pelo uso
de recurso que dificultou a defesa da vítima, consistente no fato de o co-réu tê-la
segurado com o objetivo de que o recorrido a esfaqueasse.
II – Processos cindidos em razão da interposição de recurso pelo co-réu.
III – Recorrido condenado pela prática do homicídio qualificado, sendo o
julgamento anulado pela interposição de recurso ministerial fulcrado no art. 593,
inc. III, alínea “d”, do CPP. Co-réu absolvido por Tribunal do Júri diverso, a
pedido do Ministério Público.
IV – Nova condenação do recorrido, ensejadora de recurso de apelação
fundamentado no art. 593, inc. III, alínea “d”, do CPP. Recurso não conhecido,
pela vedação do § 3.º, do mesmo dispositivo legal, ordem de habeas corpus
concedida de ofício para determinar a exclusão da qualificadora.
V - Argumentos elaborados no sentido de que o resultado do julgamento de um dos
réus não influi no julgamento do outro se aplicam, sem ressalvas, quando se trata

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

de co-réus com igual participação na atividade criminosa ou quando não há a


delimitação da participação de cada acusado.
VI – Caso específico em que a conduta do co-réu, nos termos da denúncia, se
circunscreveu ao ato de segurar a vítima, dependendo a incidência da qualificadora
do homicídio atribuído ao recorrido da responsabilização do co-réu.
VII – Não se verifica ofensa à soberania do Júri quando existem duas decisões
proferidas por Tribunais Populares, igualmente soberanos.
VIII - Inexiste ilegalidade na concessão do habeas corpus por ser este, nas
circunstâncias particulares do caso, o único meio disponível para fazer cessar a
constrição que pesava sobre o recorrido.
IX – Recurso desprovido, nos termos do voto do relator.”

Tema X

Embargos no processo penal. Embargos infringentes e de nulidade. Carta testemunhável.

Notas de Aula15

1. Embargos de declaração

Os embargos de declaração para impugnar a sentença estão previstos no artigo 382


do CPP:

“Art. 382. Qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que
declare a sentença, sempre que nela houver obscuridade, ambigüidade, contradição
ou omissão.”

15
Aula ministrada pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 28/9/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

No processo penal, chama-se este recurso de “embarguinho”. Os embargos de


declaração propriamente nomeados desta forma estão no artigo 619 do CPP, e se destinam a
impugnar acórdãos:

“Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou


turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias
contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade,
contradição ou omissão.”

Estes recursos apresentam somente efeito regressivo, ou seja, eles têm por escopo
final a revisão pelo próprio julgador prolator da decisão criticada.
Por seu escopo restrito, é impossível que, em sede de embargos de declaração, haja
alteração substancial do julgado, ou seja, haja o efeito infringente. Este efeito extrapolaria
os limites do recurso.

2. Embargos infringentes e de nulidade

De início, é fundamental traçar a diferença entre os embargos infringentes e os


embargos de nulidade. Veja: o recurso é o mesmo, mas quando este se presta a impugnar
questões de direito material, se trata de embargos infringentes; quando se dedica a
impugnar questões de ordem processual, é chamado de embargos de nulidade.
Caberiam estes embargos para impugnar qualquer tipo de acórdão? Há três
orientações sobre o tema. A primeira, de Tourinho, diz que este recurso só pode ser
utilizado contra acórdãos prolatados nos julgamentos de apelações e recursos em sentido
estrito, em razão de sua posição topográfica no CPP – afinal, se situa no capítulo intitulado
“Do processo e do julgamento dos recursos em sentido estrito e das apelações, nos
Tribunais de Apelação”. A segunda corrente, de Paulo Rangel, entende que este recurso é
possível para atacar acórdãos prolatados em julgamentos de apelações, recursos em sentido
estrito e agravos em execução, pois o rito do agravo em execução é idêntico ao rito do
recurso em sentido estrito. A terceira e última corrente, de Eduardo Espínola Filho, defende
que o recurso é cabível contra qualquer acórdão de segunda instância.
Os requisitos para interposição do recurso não se confundem com o cabimento, não
se referindo à divergência acima comentada. Primeiro requisito é que exista, no acórdão,
um voto vencido, ou seja, a decisão impugnada seja não unânime. Segundo requisito é que
o conteúdo do voto vencido seja favorável ao réu, porque este recurso só existe pro reo,
sendo recurso exclusivo da defesa (o que é um terceiro requisito, de certa forma: ser
interposto no interesse do réu). No processo penal militar, ressalve-se, a interposição por
ambas as partes, acusação ou defesa, é permitida.
Repare que o recurso é exclusivo da defesa, e não do réu: o MP pode recorrer em
defesa do réu, atuando como custos legis mesmo quando atua concomitantemente como
acusador. Contudo, há corrente refratária a esta possibilidade, pois, segundo Frederico
Marques, o MP não pode recorrer simplesmente porque lhe falta sucumbência,
desconformidade entre o que foi pedido e o que foi concedido – sem contar que apenas a
defesa teria condições de entender o que melhor assiste ao réu. É corrente frágil.
A finalidade do recurso é fazer prevalecer o conteúdo do voto vencido, e só. Não
pode o recorrente inovar no efeito devolutivo: apenas e tão-somente aquilo que constar do

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

voto vencido pode ser devolvido por meio deste recurso. O efeito devolutivo é limitado ao
voto vencido.
Os embargos se dirigem, no TJ/RJ, ao próprio relator do acórdão embargado, como
dispõe o artigo 126 do Regimento Interno desta Corte:

“Art. 126 - Os embargos infringentes e de nulidade a julgado criminal serão


dirigidos ao relator do acórdão embargado e protocolados no prazo legal.”

O relator fará o primeiro juízo de admissibilidade. Admitido o recurso, os autos


serão distribuídos a outro relator, que não tenha participado do julgamento do acórdão
impugnado, na forma do artigo 128 do RI do TJ/RJ:

“Art. 128 - O relator indeferirá de plano o recurso, em caso de inadmissibilidade


ou deserção, ou o admitirá para processamento, caso em que os autos serão
encaminhados para distribuição de um novo relator entre os Desembargadores da
mesma Câmara que não hajam participado do julgamento da apelação.
Parágrafo único - Do indeferimento caberá o agravo previsto no art. 226 do Código
de Organização e Divisão Judiciárias para a própria Câmara.”

O prazo para a interposição deste recurso é de dez dias, sendo recurso monofásico,
como dispõe o artigo 609 do CPP:

“Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de


Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida
nas leis de organização judiciária. (Redação dada pela Lei nº 1.720-B, de
3.11.1952)
Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância,
desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão
ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do
art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de
divergência. (Incluído pela Lei nº 1.720-B, de 3.11.1952)”

Há duas orientações acerca do cabimento deste recurso em sede de JECrim. A


primeira corrente, amplamente majoritária, defende que não é cabível, pois a composição
das turmas recursais impede o reconhecimento de voto vencido, eis que sequer há
declaração do teor do voto vencido no acórdão. Polastri, isoladamente, defende que a Lei
9.099/95 determina aplicação analógica do CPP, e por isso não há nada que impeça.
O relator poderá rejeitar monocraticamente o recurso, se entender inadmissível, e
desta decisão cabe o recurso de agravo regimental, do artigo 226 do Codjerj:

“Art. 226 - A parte que, em processo judicial ou administrativo, se considerar


agravada por decisão, do Presidente ou dos Vice- Presidentes do Tribunal, dos
Presidentes das seções, grupos de Câmaras ou Câmaras isoladas, ou ainda do
relator, de que não caiba outro recurso, poderá requerer, no prazo de cinco dias,
contados da intimação da mesma por publicação no órgão oficial, a apresentação
do feito em mesa, afim de que o órgão julgador conheça da decisão, confirmando-a
ou reformando-a.
Parágrafo único - Em relação às decisões proferidas pela Terceira Vice-Presidência
nos processos judiciais, o presente recurso somente será cabível nos casos de
competência extraordinária, conferida por delegação, nos termos do artigo 33,
inciso IV.”

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

3. Carta testemunhável

A origem do nome16 carta testemunhável vem de seu escopo inicial: este recurso
surgiu para controlar o abuso de juizes que, temerosos de reformas em suas decisões, não
recebiam recursos. O recorrente, então, comparecia ao cartório judicial com duas
testemunhas, que depunham sobre este abuso, em ordem a que o recurso fosse recebido.
O artigo 639 do CPP é a sede:

“Art. 639. Dar-se-á carta testemunhável:


I - da decisão que denegar o recurso;
II - da que, admitindo embora o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para
o juízo ad quem.”

Carta testemunhável é o recurso utilizado para impugnar decisão de


inadmissibilidade de outro recurso. Caberia, portanto, carta testemunhável na hipótese de
indeferimento de protesto por novo júri?
Antes de responder a esta questão, é necessário abordar o pé de existência deste
recurso, revogado expressamente na reforma do CPP. Polastri defende que este recurso
simplesmente deixou de existir, e sendo uma norma estritamente processual, tem aplicação
imediata a todo e qualquer processo em curso ou vindouro. Pelo outro lado, há corrente que
defende que a norma extintiva deste recurso é norma que tangencia o direito material, e por
isso deve receber aplicação dos princípios de Direito Penal, especialmente a
irretroatividade: aos processos em curso, por crimes cometidos antes da reforma, deve ser
garantida a interposição deste recurso como mais um meio de defesa. Prevalece, diga-se,
esta tese, e há até precedentes admitindo o protesto por novo júri em processo já correntes
antes de sua extinção.
Admitindo-se que ainda persista o recurso, retoma-se a pergunta: se o juiz inadmite
o protesto, caberia carta testemunhável desta inadmissão? Há duas correntes: a primeira
defende que não cabe a carta, porque o protesto é um recurso do juiz a quo para o próprio
juiz a quo, e a carta se presta a promover a subida de outro recurso, e não sua admissão
pelo mesmo juízo. Segunda corrente, que prevalece, defende que a carta testemunhável é
cabível, pois caso contrário esta decisão seria simplesmente irrecorrível.
Vale aqui arrolar pontualmente o cabimento de recursos contra denegação de cada
tipo de decisão: denegada a apelação, cabe recurso em sentido estrito, como se viu no artigo
581, XV, do CPP; denegado o recurso em sentido estrito, cabe carta testemunhável;
denegado o agravo em execução, cabe carta testemunhável; denegados embargos
infringentes e de nulidade, cabe agravo regimental, como visto há pouco; denegado recurso
excepcional, cabe agravo de instrumento; denegada revisão criminal, cabe recurso
excepcional, a depender da matéria de fundo percebida (extraordinário ou especial, para
inconstitucionalidade ou ilegalidade).

16
Como curiosidade, o recurso em sentido estrito tem este nome porque originalmente, no processo penal
brasileiro, todos os recursos tinham um nome, à exceção do previsto no artigo 581 do CPP. Por isso, era
recurso em sentido lato o gênero, e cada espécie teria seu nome, exceto o inominado recurso do artigo em
questão, que passou a ser chamado recurso, em sentido estrito.

Michell Nunes Midlej Maron 79


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Casos Concretos

Questão 1

Condenado por crime de roubo praticado com emprego de arma, o réu apelou
querendo ser absolvido, mas a Câmara Criminal, por maioria, negou provimento ao seu
recurso. Interpostos embargos infringentes e de nulidade, o órgão julgador manteve a
condenação e reduziu as penas aplicadas ao recorrente. Indaga-se se esta decisão se
harmoniza com as regras regentes dos embargos infringentes e de nulidade.

Resposta à Questão 1

O efeito devolutivo deste recurso é restrito ao conteúdo do voto vencido. Se neste


voto constava tese postular da absolvição, ao que parece, não é possível que, no julgamento
do recurso, se promova a revisão da pena: esta questão escapa à extensão do efeito
devolutivo dos embargos.

Michell Nunes Midlej Maron 80


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Questão 2

O Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito da decisão que não


recebeu a denúncia oferecida contra MARINEUZA, pela prática do crime previsto no art.
171, §2º, VI do CP.Diante da rejeição, por intempestividade, do recurso em sentido estrito,
o Ministério Público requereu, com esteio no art. 639, I do CPP, extração de carta
testemunhável, tendo considerado como dies a quo, para tanto, a data em que tomou
conhecimento da rejeição.O Tribunal de Justiça não conheceu da carta testemunhável, sob
o fundamento de que fôra requerida fora do prazo previsto no art. 640 do CPP, que se
conta da data do despacho, e não da intimação pessoal do membro do Ministério
Público.O REsp interposto contra o acórdão que não conheceu da carta testemunhável, já
conhecido, deverá ser provido? Fundamente.

Resposta à Questão 2

O prazo de quarenta e oito horas é, na verdade, prazo de dois dias. Dito isto, o
REsp. deverá ser, sim, provido, pois se contam dois dias da data de intimação do parquet
(intimação que se considera feita quando o processo dá entradas na secretaria do MP).

Tema XI

Revisão criminal: natureza jurídica; possibilidades jurídicas. A revisão e a sentença absolutória imprópria.
Competência. Legitimidade. O Ministério Público e a revisão. A revisão e o júri. A regra contida no art. 580
do CPP e a revisão criminal. Os fundamentos do pedido. Procedimento. Reiteração.

Notas de Aula17

1. Revisão criminal

Trata-se de uma ação autônoma revisora da coisa julgada material, que tem por
objetivo corrigir erro judiciário. O objetivo desta ação é restaurar o status dignitate do
indivíduo, maculado por uma condenação indevida.
A natureza jurídica é controvertida. A primeira corrente, obviamente prevalente,
entende que se trata de uma ação autônoma de impugnação que tem caráter constitutivo
negativo – está para o processo penal como a ação rescisória está para o processo civil.

17
Aula ministrada pela professora Elisa Ramos Pittaro Neves, em 28/9/2009.

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Magalhães Noronha entende, por seu lado, que a revisão criminal ora funciona
como ação autônoma, ora como recurso, pois se presta ao reexame de uma decisão.
Pergunta-se: existe jurisdição voluntária no processo penal? Para Pacelli, a revisão
criminal seria justamente uma das raras hipóteses de jurisdição voluntária no processo
penal. Há outros exemplos citados pela doutrina, como a nomeação de curador, mas não
seria, a rigor, jurisdição voluntária, e sim mera atuação oficiosa do juízo, pois jurisdição
voluntária é exercício de ação sem lide, sem pretensão oposta.
A possibilidade jurídica do pedido, desta ação, está encerrada no rol taxativo do
artigo 621 do CPP: só aquelas ali previstas possibilitam pedido de revisão criminal. Veja:

“Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:


I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à
evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou
documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do
condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da
pena.”

Se a revisão for proposta por um motivo, e o tribunal perceber que outro


fundamento, não alegado pela parte autora, é procedente, pode julgar procedente por este
novo motivo? Pode o tribunal estender a causa de pedir para favorecer a parte? Ada
Pellegrini diz que sim, é possível a ampliação da causa petendi, em razão da proteção à
liberdade individual.
A legitimidade ativa para a ação de revisão criminal incumbe ao acusado ou a
qualquer das pessoas apontadas no artigo 623 do CPP:

“Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador
legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão.”

Veja que a revisão criminal post mortem do condenado se justifica para a


preservação da dignidade de sua memória, eis que o erro judiciário constatado e elidido
limpará sua história criminal. Pelo ensejo, vale mencionar que o mesmo raciocínio não se
aplica para a ação de reabilitação, que perde objeto quando o condenado é falecido: o
escopo da reabilitação não é limpar o histórico do condenado, e sim reintegrar alguns
direitos do condenado atingidos pela condenação, o que não mais importa ao obituado. Seu
status dignitate não será alterado, melhorado, pela reabilitação: não houve erro judiciário.
Para Ada Pellegrini, o réu não tem capacidade postulatória pessoal para ingressar
com a revisão criminal, dependendo de representação técnica, uma vez que o Estatuto da
OAB só admite o ingresso em juízo sem advogado na ação de habeas corpus; no mais, o
advogado é imprescindível. A orientação que prevalece na jurisprudência, porém, é de que é
possível o ingresso do réu sem advogado, pois esta capacidade postulatória está clara no
próprio artigo 623 do CPP, supra.
Segundo Paulo Rangel, o MP pode ajuizar revisão criminal em prol do condenado,
mesmo não tendo sido mencionado como legitimado no artigo 623 do CPP. Sua
legitimidade vem do papel constitucional de custos legis. Para Polastri e Capez, porém, não
é cabível esta legitimação, porque o MP ocuparia o pólo passivo da ação de revisão

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

criminal – posição que é deveras estranha, eis que o MP não deve figurar neste pólo
passivo, por toda a lógica da revisão criminal.
Quanto ao interesse processual desta ação, é bem claro: calca-se na necessidade de
correção do erro judiciário, que deve sempre ser combatido.
Há que se falar nas duas espécies de revisão criminal existentes, no direito
comparado: a pro societate e a pro reo. No Brasil, vige apenas a pro reo, em que só se
admite a desconstituição de sentenças condenatórias, a fim de proteger interesse do réu,
mas na Alemanha, em Portugal e na Espanha, por exemplo, pode haver revisão criminal
quando a coisa julgada favorável ao réu se demonstrar errônea, desconstituindo-se a
sentença absolutória eivada de erro judiciário. Mayrink e Noronha defendem que a revisão
pro societate deveria ser admitida também no Brasil – não dizem que seja, mas defendem
que deveria ser.

1.1. Pressupostos da ação de revisão criminal

Já no caput do artigo 621 do CPP há uma impropriedade: fala em “processos


findos”, quando na verdade não é qualquer processo finalizado que desafia revisão
criminal, mas apenas aqueles em que haja sentença condenatória transitada em julgado.
O primeiro pressuposto da revisão criminal, então, é justamente a existência de
sentença condenatória transitada em julgado. Surge questão: da sentença absolutória
imprópria, que comina medida de segurança, cabe a revisão criminal?
Ada Pellegrini e Paulo Rangel defendem que sim: apesar de não haver aplicação de
pena, há restrição de liberdade individual, por reconhecimento de materialidade e autoria de
infração penal, sendo razoável admitir-se revisão, portanto.
Outra questão: a sentença que aplica o perdão judicial é passível de revisão
criminal? Não há cabimento, porque a decisão tem natureza jurídica declaratória de
extinção da punibilidade, e não condenatória, como dispõe a súmula 18 do STJ:

“Súmula 18, STJ: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da


extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”
A sentença que condena, mas aplica a escusa absolutória do artigo 181 do CP, é
passível de rescisória, se errônea: ao contrário do perdão judicial, é sentença condenatória.

“Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste
título, em prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja
civil ou natural.”

Segundo pressuposto é a presença de erro judiciário a eivar esta sentença. As


hipóteses de vícios considerados erros judiciários suficientes à rescisão da sentença estão
nos incisos do artigo em questão. Vejamo-las.
No inciso I, fala-se em sentença contrária ao texto expresso de lei penal. Por lei
penal, entenda-se tanto a material quanto a processualmente penal.
Ainda no inciso I, fala em contrariedade à evidência dos autos: trata-se da afronta
crassa da decisão à prova contida nos autos.

Michell Nunes Midlej Maron 83


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No inciso II, fala-se da falsidade de provas que levaram à condenação. Surge a


questão: como produzir a prova, no rito da revisão criminal, de que houve a alegada
falsidade? Em verdade, a questão é: a revisão criminal comporta dilação probatória?
Ada Pellegrini, minoritariamente, defende que, apesar de não existir previsão legal
de fase instrutória na revisão, a proteção da liberdade individual justificaria esta atividade
probatória. Não é posição muito coerente, porque se estaria admitindo um atentado à coisa
julgada sem bases concretas já firmadas.
Segunda orientação, prevalente, defende que a falsidade, e também a prova nova, do
inciso III deste artigo 621, formam a própria causa de pedir da ação de revisão, pelo que a
prova de tais elementos deve ser preconstituída. Se a prova já existe, basta juntá-la; se
precisa ser produzida, segue-se o rito da justificação, trazido no artigo 861 e seguintes do
CPC:

“Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica,
seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova
em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.”

As novas provas, a que alude o inciso III, podem demonstrar tanto a inocência
quanto a impropriedade da gravidade da pena, ou seja, podem provar que o réu não deveria
ter sido condenado, ou que a pena ficou acima do que era devido.
Imagine-se que uma reincidência foi considerada para efeito de aumento de pena, e
transitou em julgado a sentença. Proposta revisão, constata-se que a reincidência não
poderia ter sido considerada na pena. A revisão será procedente, mas surge uma questão: a
reincidência que foi afastada poderá ser considerada, na revisão, como maus antecedentes,
a aumentar a pena-base?
Em hipótese alguma a revisão pode agravar a situação do réu, como dispõe o artigo
626 do CPP. Mesmo que, globalmente, a pena seja reduzida, ela não pode sofrer nenhuma
majoração que tenha sido percebida somente porque proposta a revisão. A reincidência
deve ser absolutamente desconsiderada, no caso concreto sugerido.

“Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação


da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.
Parágrafo único. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta
pela decisão revista.”

1.2. Indenização

A parte pode cumular, na revisão criminal, o pedido de indenização pelo erro


judiciário. Veja o artigo 630 do CPP:

“Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a


uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União,
se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de
Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2° A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao
próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.”

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Note que não é todo erro judiciário que justifica indenização pelo agente: apenas
aquele erro oriundo de conduta dolosa ou culposa de agentes do Estado pode gerar
indenizabilidade.
Há ainda as excludentes de indenizabilidade no § 2° do artigo supra, que são, em
síntese, o fato exclusivo do réu, na alínea “a”; e a persecução penal ter sido em ação
privada, na alínea “b”. Esta segunda hipótese não foi recepcionada pela CRFB, por ofender
seu artigo 5°, LXXV, que não faz distinção:

“(...)
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que
ficar preso além do tempo fixado na sentença;
(...)”

Independentemente de quem promova a ação penal, o jus persequendi, a


condenação errônea é do Estado, pois só ele detém o jus puniendi.

1.3. Efeito extensivo

Há efeito extensivo na revisão criminal, por aplicação analógica do artigo 580 do


CPP?

“Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do
recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de
caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”

O problema de se admitir esta analogia é a severa mitigação aos limites subjetivos


da coisa julgada: aquele réu que não é parte do processo, da ação autônoma de revisão, será
alcançado pela decisão ali proferida. Debalde, a jurisprudência entende aplicável, mesmo
porque, mor das vezes, as ações autônomas funcionam como recursos, e assim os limites
subjetivos da coisa julgada devem ser flexibilizados em prol do réu.
Vale dizer que este raciocínio se aplica a todas as ações autônomas de impugnação.
1.4. Competência

A revisão criminal tem competência originária no tribunal acima do prolator da


decisão alvejada, em regra.
No JECrim, porém, a situação é mais complicada. Há duas correntes sobre quem
deve julgar as revisões criminais de sentenças do JECrim: a corrente majoritária, do STJ,
defende que quem julga são as turmas recursais, que funcionam como segundo grau nos
juizados especiais. A segunda corrente, prevalente na doutrina, defende que a competência
é do respectivo tribunal de justiça, pois o CPP estabelece que cabe a tribunal julgar a
revisão criminal, pois trata-se de ação de desconstituição da coisa julgada, sem contar que
em nenhum dispositivo legal foi atribuída competência às turmas recursais para tal
julgamento.

1.5. Revisão criminal de transação penal

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Não cabe revisão criminal contra transação penal, porque nesta simplesmente não
há ação, não há processo, muito menos condenação. Ademais, a decisão judicial que
reconhece a transação sequer é sentença, e sim decisão homologatória. A solução para
impugnar esta decisão, então, como sinaliza Paulo Rangel, é a propositura de ação
anulatória do processo civil.

1.6. Revisão criminal de decisões do Júri

É cabível a revisão criminal de decisões do Júri, mas há duas orientações quanto à


forma que esta será procedida.
A primeira corrente, de Tourinho, que é a que prevalece, entende que o próprio
tribunal de justiça respectivo rescinde e rejulga a matéria, porque a liberdade individual
sobrepuja a soberania dos veredictos.
Segunda orientação, minoritária, defende que, julgada procedente a ação de revisão
pelo tribunal de justiça, o réu deve ser submetido a um segundo plenário.

1.7. Revisão criminal e abolitio criminis

Havendo condenação criminal por crime que vem a sofrer abolitio criminis, não há
necessidade de propositura de revisão criminal, como se pode pensar. Na verdade, basta
uma mera petição ao juiz da execução, segundo Tourinho, para que seja conferida a elisão
dos efeitos penais.
Contudo, se o juízo que recebe esta petição não lhe dá o devido deferimento, o réu
deve interpor agravo de execução. Se, neste agravo, o réu ainda vier a ter indeferido o
reconhecimento que lhe é devido, aí então será caso de revisão criminal, após o trânsito em
julgado.

1.8. Reiteração da revisão criminal

É possível que o réu ajuíze nova ação de revisão criminal, se a primeira lhe foi
improvida, desde que sob outro fundamento. Não pode, é claro, simplesmente repetir a
ação, sem fundamento diverso do originalmente encontrado improcedente.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Casos Concretos

Questão 1

Nicolau e Bistênio foram condenados a de 6 anos de reclusão e multa, pelo crime


tipificado no art. 157, §2º, I e II, do Código Penal, cometido contra a Caixa Econômica
Federal, conforme a sentença proferida pelo juiz de direito da 20ª Vara Criminal do Estado
do Rio de Janeiro, transitada em julgado em janeiro de 2004. Passados 3 anos desde o
início da execução da pena, o Ministério Público Federal, entendendo que a sentença fora
proferida em juízo incompetente, impetrou habeas corpus para que seja anulada.
Argumentou que a competência ratione personae é da justiça federal. Nas circunstâncias,
disserte sobre a legitimidade e o interesse de agir do Ministério Público e a possibilidade
jurídica de seu pedido, bem como sobre o órgão competente para julgar o habeas corpus.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O MP pode impetrar habeas corpus, neste caso, para libertar o condenado. Contudo,
o interesse do MP é a anulação do processo não para libertar o indivíduo, mas sim para
propor nova ação penal contra ele – o que desvirtua completamente o sentido e função do
habeas corpus, que é protetivo do réu. Ademais, estaria este instrumento operando como
verdadeira revisão criminal pro societate, o que é inadmissível.
O pedido de anulação, em verdade, é possível, mas não o seu escopo implícito, no
caso.
De qualquer forma, a competência para este habeas corpus é da justiça estadual.

Questão 2

João e José propuseram revisão criminal com o escopo de serem absolvidos da


condenação imposta pelo Tribunal do Júri pela prática de homicídio doloso, pretendendo,
ainda, indenização do Estado, na forma do art. 630, do CPP.João ingressou com a ação
através de advogado, com procuração para o foro em geral, sendo que se encontrava
foragido. José, por sua vez, ingressou nos autos com os pedidos mencionados, tendo ele
próprio assinado a petição, embora não fosse advogado.A ação penal que deflagrou o
processo ensejando a condenação de ambos teve iniciativa privada, nos termos do art. 5º,
inc. LIX, da CF.O pedido revisional veio fulcrado no art. 621, II, do CPP, aduzindo os
autores que irão demonstrar na revisão que a prova utilizada para justificar a condenação
era falsa, requerendo, inclusive, diligência para realização da prova de tal alegação.O
Ministério Público emite parecer alegando o seguinte:Preliminarmente:1. João, estando
foragido, não pode utilizar-se da revisão;2. João outorgou procuração com poderes gerais,
não tendo o advogado poderes especiais, não pode ser tido como "procurador legalmente
habilitado" ao teor do art. 623 do CPP;3. José carece de capacidade para postular, uma
vez que a Constituição consagrou o advogado como figura indispensável à administração
da Justiça, derrogando, neste particular, o CPP;4. Não é possível a revisão, in casu, pois a
decisão foi proferida pelo Tribunal do Júri que é soberano;5. Não se pode produzir a prova
da falsidade no curso da revisão, devendo esta ser fundamento da ação.No mérito alegou
que:1. Superando-se as preliminares, a decisão deveria limitar-se ao juízo de cassação,
submetendo os réus a novo julgamento perante o Tribunal do Júri que é competente para o
julgamento, levantando em favor de seu argumento o "princípio da soberania dos
veredictos", bem como a lição do Prof. Jorge Alberto Romeiro;2. Julgado procedente o
pedido de absolvição, não seria possível a indenização pretendida, pois a ação que
originou o processo foi de iniciativa privada.Dê sua opinião sobre as teses apresentadas,
resolvendo, ainda, a seguinte questão:
a) caso fosse procedente o pedido, poderia se estender o efeito da decisão a um
terceiro co-sentenciado que não manejou a revisão?
b) em sendo improcedente o pedido, por maioria, seria possível o recurso de
embargos infringentes?

Resposta à Questão 2

Vale analisar cada uma das teses apresentadas.

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

A situação de foragido do réu não impede a revisão criminal, na forma da súmula


393 do STF:

“Súmula 393, STF: Para requerer revisão criminal, o condenado não é obrigado a
recolher-se à prisão.”

A procuração geral é hábil, sem ressalvas.


A capacidade postulatória pessoal do réu é perfeitamente admissível.
A liberdade individual se sobrepõe à soberania dos veredictos, pelo que é cabível a
revisão criminal.
De fato, a prova deve ser preconstituída, pois é causa de pedir da ação.
É possível que o próprio tribunal ad quem rejulgue o mérito, não precisando haver
novo plenário, segundo a corrente majoritária.
A indenização é possível mesmo na ação privada, eis que quem pune erroneamente
é o Estado.
Dito isto, passemos às questões objetivas:

a) Aplica-se o artigo 580 do CPP, por analogia, flexibilizando-se os limites


subjetivos da coisa julgada: estende-se, portanto, a sentença da revisão.

b) Não: os embargos infringentes só cabem em julgamento de apelação ou recurso


em sentido estrito, segundo a orientação que segue a topografia co CPP.

Tema XII

Revisão criminal (continuação). Reformatio in Pejus e in Mellius. Revisão e as sentenças do JECRIM.


Revisão e sentenças extintivas de punibilidade.

Notas de Aula18

1. Revisão criminal e reformatio in pejus

O artigo 626, parágrafo único, do CPP, já bem visto, traz expressa vedação à
reformatio in pejus na revisão criminal. Reveja:

“Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação


da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.

18
Aula ministrada pelo professor Orlando Monteiro Espíndola da Cunha, em 6/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Parágrafo único. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta
pela decisão revista.”

Mesmo quando o processo revisional ensejar cassação do julgado, por constatação


de nulidade a eivar a decisão revista, a reformatio in pejus é vedada. Veja que neste artigo
supra há, de fato, apenas duas possibilidades de pedido na revisão, a anulação e a reforma:
ou será reformada para alterar a classificação, absolver o réu, ou modificar a pena; ou
anulará o processo.
Quando a revisão se dedica a reformar o processo, há dois juízos a serem feitos pelo
órgão revisor, o juízo revidente e o juízo revisório, ou rescindente e rescisório. Havendo
reforma, então, o tribunal não só rescinde o julgado, como rejulga a questão nele
enfrentada. Na hipótese de anulação, a decisão de revisão se limita ao juízo revidente,
rescindente, não havendo rejulgamento pelo próprio tribunal revisor: quem vai reenfrentar a
matéria é outro juízo de instância inferior, agora de forma isenta do vício que anulou a
decisão.
Como dito, quando há apenas a anulação, cassação da decisão, também há vedação
à reformatio in pejus, mas na forma indireta, para o STF e parte da doutrina, como
Tourinho e Rangel: na nova decisão que será proferida, jamais poderá haver piora na
situação do réu, mesmo em caso de anulação. A nova decisão estará limitada pela gravidade
da sentença anulada, não podendo superá-la. Ada Pellegrini faz uma diferença (que também
faz na seara dos recursos): se a anulação for por reconhecimento de juízo absolutamente
incompetente para a decisão revista, não haverá a adstrição ao julgado rescindido, porque
decisões proferidas por órgãos absolutamente incompetentes são inexistentes, para ela;
qualquer outra causa de nulidade, porém, gerará a adstrição.
Há ainda uma terceira posição, de João Martins de Oliveira, que sustenta que se a
nulidade for constatada na sentença, está a nova decisão limitada por ela, mas se a nulidade
alcançar toda a instrução do processo revisto, a adstrição não persiste.
É claro que, nas hipóteses de reforma da decisão, e não anulação, a ne reformatio in
pejus, que aqui é direta, sempre se imporá.
Em síntese: a proibição à reformatio in pejus em sede revisional está expressamente
prevista no parágrafo único do artigo 626 do CPP. Via de regra, as sentenças proferidas em
sede revisional ostentam eficácia revidente e revisória, mas quando o tribunal anula o
processo, a sentença proferida no processo revisional exerce função apenas revidente,
cassando o julgado, de modo que, anulado o processo, o acusado se sujeitará a um novo
processamento. Em ambos os casos, há vedação à reformatio in pejus, ora direta, nas
revisões em que haja juízo revidente e revisório, ora indireta, quando há apenas juízo
revidente.
Nas sentenças proferidas pelo júri, há duas posições sobre qual a natureza do juízo a
ser feito pelo tribunal revisor. Uma corrente defende que o próprio tribunal pode proceder
ao novo julgamento, em apreço à garantia que a revisão criminal consubstancia, e porque o
próprio júri é uma garantia do réu, que estaria sendo usada contra ele. Outra, defende que
sempre será necessário proceder a novo julgamento por novo júri, por novo conselho de
sentença – esta é a posição do STJ.
Vale dizer que o STJ e o STF entendem que qualquer aspecto da nova decisão que
prejudique o réu será considerada reformatio in pejus, mesmo que a pena global seja menor
do que a original. Veja o HC 96.111, que a contrário senso, acompanha o julgado do STJ
neste exato sentido, HC 11.937, logo abaixo:

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“HC 96111 / SC - SANTA CATARINA. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.


CEZAR PELUSO. Julgamento: 31/03/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: 22-05-2009.
EMENTA: AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Fixação em revisão criminal.
Reformatio in peius. Não ocorrência. Pena base e definitiva menores que as
estabelecidas na sentença revista. HC denegado. Não há reformatio in peius, se as
penas base e definitiva fixadas em revisão criminal são menores que as
estabelecidas pela sentença revista.”

“HC 11.937 / SP. DJ 11/09/2000 p. 264.


PENAL. PROCESSUAL. PENA. REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA.
CIRCUNSTÂNCIA DESFAVORÁVEL NÃO CONSIDERADA NA
CONDENAÇÃO.
1. Não pode o Tribunal, em Revisão Criminal, considerar circunstância
desfavorável ao réu, não apreciada na decisão condenatória. Caracterizada a
"reformatio in pejus".
2. "Habeas Corpus" conhecido; pedido parcialmente deferido, para excluir o
aumento fundado nos maus antecedentes do réu.”

Nos termos deste HC 11.937 do STJ, não pode o tribunal, em recurso exclusivo da
defesa, levar em consideração circunstância não apreciada no primeiro julgamento, de
forma a fixar a pena base acima do fixado naquele julgamento original.
Quanto à reformatio in mellius na revisão criminal, é praticamente unânime o
entendimento de que o tribunal, ao julgar a revisão criminal, pode conceder mais do que o
réu pretende: pode, por exemplo, julgar pela absolvição, mesmo tendo sido pedida, na
revisão, apenas a diminuição de pena. Vicente Greco é a única voz que se insurge contra
esta dinâmica, dizendo-a incabível.
Da decisão proferida na revisão criminal, mesmo que não unânime, não cabem
embargos infringentes ou de nulidade. Cabem, em tese, embargos de declaração e recursos
excepcionais, somente.
Ocorrendo causa de extinção de punibilidade, cabe revisão criminal? Se porventura
a sentença condenatória transitar em julgado, sem reconhecer esta causa, a revisão poderá
ser proposta. O que não é possível é, durante o processo, não havendo reconhecimento de
extinção de punibilidade, ajuizar a ação de revisão criminal a fim de reconhecer a extinção
da punibilidade – basta provocar o juiz para este reconhecimento, e, se porventura sobrevier
sentença condenatória transitada em julgado ignorando a causa de extinção, desta sim
caberá revisão.
Em síntese, para Ada Pellegrini, não é possível o ajuizamento de revisão criminal
para reconhecimento de causa extintiva da punibilidade antes da sentença. Nesta hipótese,
segundo ela, o juiz deveria reconhecer de ofício a causa extintiva, nos termos do artigo 61
do CPP. Ainda, segundo ela, a impossibilidade de ajuizamento da revisão criminal
decorreria da ausência de um pressuposto essencial da ação de revisão: a sentença
condenatória com trânsito em julgado. Para Tourinho Filho, desde que haja esta decisão
condenatória transitada em julgado, tendo sido inobservada a causa da extinção da
punibilidade, será possível a revisão criminal, a fim de que o tribunal reconheça esta causa,
olvidada pelo juiz, que deveria ter reconhecido no momento oportuno.

“Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a


punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do querelante ou


do réu, o juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se o julgar
conveniente, concederá o prazo de cinco dias para a prova, proferindo a decisão
dentro de cinco dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença final.”

2. Revisão criminal e JECrim

A Lei 9.099/95 veda expressamente o cabimento de ação rescisória, na sua parcela


cível. Contudo, nada diz sobre a revisão criminal, e por isso a doutrina entende admitido
este instrumento em face de decisões do JECrim.
O único aspecto controvertido, aqui, é quanto à competência para julgamento da
revisão criminal. Ada Pellegrini sustenta que a revisão das sentenças condenatórias dos
juizes do JECrim são julgadas pelo tribunal de justiça respectivo, mas há outra corrente que
sustenta que a competência é da turma recursal. O STJ, por exemplo, assim entende, como
se vê no REsp. 470.673:

“REsp 470673 / RS. DJ 04/08/2003 p. 373.


RECURSO ESPECIAL. PENAL. REVISÃO CRIMINAL. COMPETÊNCIA.
ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 614, INCISO II DO CPP E AO ART. 92
DA LEI 9.099/95. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
“O art. 624, inciso II do CPP e art. 92 da Lei 9.099/95 não foram objeto de
deliberação na decisão vergastada, não atendendo, pois, ao requisito do
prequestionamento.”
Pacífico o entendimento de que os Tribunais de Justiça não têm competência para
rever as decisões proferidas pelos Juizados Especiais. (Precedentes)
Recurso não conhecido.”

Das decisões da própria turma recursal, seguindo a lógica do STJ, a revisão é de


competência do respectivo tribunal de justiça.
Da homologação de transação penal não cabe revisão criminal, para Paulo Rangel,
porque carece de pressuposto básico: a sentença condenatória. Caberá, no entanto, ação
anulatória, prevista no artigo 486 do CPC, por analogia:

“Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for
meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em
geral, nos termos da lei civil.”

Ada, por sua vez, não entende que a revisão da sentença de transação seja incabível,
mas defende que o instrumento mais adequado será o habeas corpus. Sérgio de Oliveira
Médici, por seu turno, defende perfeitamente admissível a revisão criminal da transação,
sendo corrente isolada.

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Casos Concretos

Questão 1

MÁRCIO foi condenado, em razão da prática de roubo circunstanciado por


emprego de arma e concurso de agentes. No tocante à fixação da pena privativa de
liberdade, o juiz sentenciante considerou a reincidência do réu, bem como as duas
referidas causas especiais de aumento de pena e chegou à pena definitiva de sete anos de
reclusão.
Em grau de apelação, a pena privativa de liberdade de MÁRCIO foi reduzida de
sete para seis anos de reclusão; mesma pena a que fora condenado um co-autor, em
processo desmembrado.
Em sede de revisão criminal, MÁRCIO logrou alcançar o cancelamento do
acréscimo relativo à reincidência, já que era primário à época do fato, o que foi provado
por certidões novas. Porém, os maus antecedentes que já ostentava quando da prática
delituosa, os quais não foram considerados na sentença condenatória, nem no acórdão

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

relativo à apelação, acarretaram um pequeno acréscimo ao mínimo legal de 4 anos de


reclusão na primeira fase da dosimetria.
Está correta a decisão proferida na revisão criminal? Por quê?

Resposta à Questão 1

Não: a revisão criminal não pode acarretar qualquer prejuizo ao réu, sob pena de
caracterizar reformatio in pejus, mesmo que o cômputo final da pena venha a ser menor do
que o anterior. Deveria, in casu, a condenação final ser menor ainda do que o foi.
Veja o HC 11.937, do STJ:

“HC 11937 / SP. DJ 11/09/2000 p. 264. PENAL. PROCESSUAL. PENA.


REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIA DESFAVORÁVEL
NÃO CONSIDERADA NA CONDENAÇÃO.
1. Não pode o Tribunal, em Revisão Criminal, considerar circunstância
desfavorável ao réu, não apreciada na decisão condenatória. Caracterizada a
"reformatio in pejus".
2. "Habeas Corpus" conhecido; pedido parcialmente deferido, para excluir o
aumento fundado nos maus antecedentes do réu.”

Questão 2

Diga se em sede de revisão criminal pode ser aplicada a regra constante do art.
580 do Código de Processo Penal.

Resposta à Questão 2

O artigo 580 do CPP trata do efeito extensivo dos recursos, e a jurisprudência


entende que há este efeito extensivo na revisão criminal, por aplicação analógica deste
artigo.
O problema de se admitir esta analogia é a severa mitigação aos limites subjetivos
da coisa julgada: aquele réu que não é parte do processo, da ação autônoma de revisão, será
alcançado pela decisão ali proferida. Debalde, a jurisprudência entende aplicável, mesmo
porque, mor das vezes, as ações autônomas funcionam como recursos, e assim os limites
subjetivos da coisa julgada devem ser flexibilizados em prol do réu. Vale dizer, ainda, que
este raciocínio se aplica a todas as ações autônomas de impugnação.

Michell Nunes Midlej Maron 94


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Tema XIII

Recurso especial. Noções gerais. Conceito. Fundamento. Hipóteses de cabimento. Legitimidade.


Procedimento.

Notas de Aula19

1. Recurso especial

A doutrina classifica os recursos de diversas formas, e sob diversos aspectos. A que


nos importa, aqui, é a classificação em recursos ordinários ou extraordinários. Sob o
gênero recursos extraordinários, sinônimo de excepcionais, incluem-se duas espécies: os
recursos especiais e os extraordinários stricto sensu.
A doutrina encontra dois critérios para diferenciar um recurso ordinário de um
excepcional. O primeiro é que, nestes excepcionais, são exigidos alguns requisitos
específicos de admissibilidade não necessários nos ordinários, quais sejam, o
19
Aula ministrada pelo professor Orlando Monteiro Espíndola da Cunha, em 6/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

prequestionamento, para ambas as espécies, e a repercussão geral, para o recurso


extraordinário stricto sensu.
Outro critério é quanto à natureza do direito protegido por estes recursos: enquanto
os recursos ordinários tutelam direitos subjetivos do recorrente, o recurso excepcional tutela
o direito objetivo, tutela a higidez do direito federal constitucional (RE) ou do direito
federal infraconstitucional (REsp).
Os recursos excepcionais não têm efeito suspensivo, em regra, nos termos do artigo
27, § 2°, da Lei 8.038/90:

“Art. 27. Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será


intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de 15 (quinze) dias para
apresentar contra-razões.
(...)
§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
(...)”

No processo penal, esta falta de suspensividade é bastante relevante, sobremaneira


diante do recente entendimento do STF de que não se permite recolhimento à prisão para
execução provisória da pena, tornando sem efeito a súmula 267 do STJ:

“Súmula 267, STJ: A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra


decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.”

Reveja a decisão, constante do informativo 390 do STJ:

“PRISÃO. TRÂNSITO EM JULGADO.


Os pacientes foram condenados à pena de sete anos e seis meses de reclusão em
regime inicial semiaberto pela prática do crime de extorsão (art. 158, § 1º, do CP).
O Tribunal a quo, ao negar provimento aos recursos, tanto da defesa quanto da
acusação, logo determinou fosse expedido o mandado de prisão. Diante disso, a
Turma, ao julgar o habeas corpus, entendeu não aplicar o enunciado da Súm. n.
267-STJ, diante do teor de recente julgado do STF no sentido de que a execução da
pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação ofende o
princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF/1988), excetuada a hipótese da
privação da liberdade acompanhada da demonstração de sua natureza cautelar: dos
pressupostos e requisitos do art. 312 do CPP. Precedente citado do STF: HC
84.078-MG, DJ 18/2/2009. HC 122.191-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
julgado em 14/4/2009.”

Hoje, então, é simples: não existe prisão pré-trânsito da condenação se não há


cautelaridade. A simples ausência de efeito suspensivo não é suficiente para permitir a
prisão.
Se o juiz determinar a prisão automática, estará violando a decisão do Pleno do STF,
e caberá habeas corpus, o qual, inclusive, poderá ser decidido pelo relator,
monocraticamente.
Para se interpor recurso excepcional, é necessário que haja esgotamento das vias
ordinárias. Se a decisão for completamente não unânime e desfavorável ao réu, por
exemplo, cabe ainda o recurso de embargos infringentes ou de nulidade, que deverá ser
interposto antes. Outrossim, se a decisão for parte unânime, parte não unânime, caberá ao
mesmo tempo o recurso de embargos infringentes ou de nulidade, da parte não unânime, e

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

o recurso excepcional pertinente (até mesmo ambos, se for o caso) da parte unânime. As
decisões objetivamente complexas despertam interesse-necessidade para a interposição de
mais de um recurso, cada um dedicado a seu respectivo objeto, sob pena de preclusão da
matéria não impugnada. A respeito, veja as súmulas 281 e 355 do STF, e 207 do STJ:

“Súmula 281, STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na


justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.”

“Súmula 355, STF: Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso


extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da
decisão embargada que não fora por eles abrangida.”

“Súmula 207, STJ: E inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos


infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem.”

A necessidade de exaurimento da via ordinária tem relação com a ausência de


interesse-necessidade, se não exaurida esta via, segundo Ada Pellegrini. Veja agora alguns
enunciados que são relativos ao interesse-utilidade recursal, segundo a mesma autora – a
súmula 7 do STJ e a 279 do STF:

“Súmula 7, STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso


especial.”

“Súmula 279, STF: Para simples reexame de prova não cabe recurso
extraordinário.”

É bastante óbvia a conclusão destas súmulas, porque a via extraordinária não é útil
para analisar a prova de fatos, e sim para averiguar a adequação jurídica da decisão.
As hipóteses de cabimento do REsp. são constitucionais, na forma do artigo 105,
III, da CRFB:

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


(...)
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
(...)”

Em relação à alínea “a” do inciso III, acima, há uma controvérsia acerca da


aplicação da súmula 400 do STF:

“Súmula 400, STF: Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não
seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da
Constituição Federal”

A súmula trata do recurso extraordinário, podendo ser seu entendimento ser


transportado para o especial.

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Esta súmula tem plena aplicabilidade no processo civil, mas a sua aplicação do
processo penal é controvertida. Pacelli entende que é inadmissível este óbice ao recurso
excepcional, no processo penal, tal a magnitude do direito envolvido, a liberdade.
A hipótese da alínea “c” deste artigo supra se dedica às divergências ocorridas entre
tribunais diversos, e não dentro do mesmo tribunal. Veja a súmula 13 do STJ:

“Súmula 13, STJ: A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja
recurso especial.”

Ademais, se a posição do STJ for a mesma da decisão recorrida, mesmo que haja
divergência com outros tribunais, o recurso especial é inadmissível. Veja a súmula 83 do
STJ:

“Súmula 83, STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a
orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

No mesmo sentido, veja a súmula 286 do STF:

“Súmula 286, STF: Não se conhece do recurso extraordinário fundado em


divergência jurisprudencial, quando a orientação do Plenário do Supremo Tribunal
Federal já se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

1.1. Prequestionamento

Há duas posições sobre o que seja, efetivamente, o prequestionamento. A primeira,


adotada pelo STJ e pelo STF, entende que o prequestionamento se dá quando a decisão
recorrida enfrenta efetivamente a violação ou negativa de vigência à lei federal suscitada
pela parte. Assim, se o réu apelar, alegando violação de lei federal, e o tribunal sequer
analisar esta questão, não houve prequestionamento: este só se configura no enfrentamento
efetivo, pelo juízo, da questão suscitada, e não pela mera alegação feita pela parte, mas não
observada pelo julgador.
A segunda corrente, que mesmo que pareça mais correta, é minoritária, é
capitaneada, no processo civil, por Alexandre Câmara. Entende, esta corrente, que o
prequestionamento é uma atividade postulatória das partes, ou seja, diante de uma violação
ou negativa de vigência à norma federal, a parte processual deverá postular ao órgão ad
quem para enfrentar aquela suposta violação. Assim, em suas razões recursais, deve trazer
uma provocação ao órgão julgador do recurso para que este se debruce sobre a questão. A
matéria foi prequestionada, portanto, no momento em que a parte recorrente peticionou esta
revisão em juízo, e por isso considera-se prequestionada desde quando suscitada a violação
em juízo, e não quando efetivamente enfrentada pelo órgão provocado.
Seguindo-se a corrente das Cortes Superiores, surge um problema: se o juízo não
enfrentar a matéria, o Judiciário estará, por omissão, vedando a via excepcional recursal ao
interessado. Para solucionar este imbróglio, a jurisprudência desenvolveu a figura dos
embargos de declaração para efeitos de prequestionamento, ou seja, embargos que só se
prestam a sanar esta omissão, habilitando a via recursal excepcional.
Há três espécies de prequestionamento. O prequestionamento expresso se dá quando
o órgão ad quem enfrenta a matéria, e responde à alegação de violação à lei federal
expressamente, dizendo não vislumbrá-la.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

O prequestionamento implícito, de outra forma, é aquele que se dá quando,


provocado pela parte a se manifestar sobre a alegada violação à lei federal, o tribunal se
omite, sendo necessária a oposição dos mencionados embargos declaratórios
prequestionadores. Neste caso, se o tribunal enfrenta os embargos e, reconhecendo a
omissão, trata expressamente da matéria, negando a suposta violação alegada, o
prequestionamento volta a ser expresso; se, ao contrário, ao receber os embargos
prequestionadores, entende que não houve qualquer omissão, negando-os, ainda não houve
prequestionamento, porque, segundo as Cortes Superiores, este só existe quando se dá o
enfrentamento da matéria pelo julgador provocado. Neste caso, será preciso a interposição
de um recurso especial contra esta decisão dos embargos, alegando violação ao artigo 535,
II, do CPC:

“Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: (Redação dada pela Lei nº
8.950, de 13.12.1994)
(...)
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. (Redação
dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)”

Chegando ao STJ, este enfrentará aqui a matéria quando à omissão não reconhecida,
e devolverá os autos ao juízo a quo – aquele que se negou a suprir a omissão –, para que
seja processado o feito. Depois desta manifestação do STJ, considera-se que haja, já, o
prequestionamento implícito, podendo caminhar ao STF ou STJ com seu recurso especial
ou extraordinário questionador da matéria de fundo. Haverá, portanto, dois recursos
excepcionais: um recurso especial somente para suprir a omissão, calcado na violação ao
artigo 535, II, do CPC, criando o prequestionamento; e, posteriormente, um outro recurso
especial ou um recurso extraordinário, estes sim levando à Corte superior a matéria de
direito que realmente se desejava ver enfrentada.
Por último, há ainda o prequestionamento ficto, que é o seguinte: quando há
necessidade de oposição de embargos de declaração prequestionadores, a questão se
considerará prequestionada desde o momento em que tal oposição foi feita. A diferença
entre esta modalidade e a implícita é simples: não mais se precisa aguardar o resultado dos
embargos de declaração para que se possa acessar o STJ: independentemente do que
entender o tribunal embargado – suprindo ou não a omissão – a parte já pode acessar o STJ
ou STF com o recurso especial já com a matéria de fundo, ainda que a omissão não seja
suprida (dispensando-se a interposição do recurso especial apenas com o fito de suscitar
violação ao artigo 535, II, do CPC, conforme explicado). Esta modalidade é admitida
apenas em poucas turmas do STF, pois parece, de fato, uma rendição, ainda que tímida, à
corrente de Alexandre Câmara.
Veja a súmula 282 do STF, que revela a sua posição majoritária:

“Súmula 282, STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada,


na decisão recorrida, a questão federal suscitada.”

O STF condiciona o prequestionamento, como se vê, à menção na decisão, e não na


postulação.
A súmula 356 do STF é também fundamental sobre o tema:

Michell Nunes Midlej Maron 99


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“Súmula 356, STF: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos
embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o
requisito do prequestionamento.”

Tal enunciado reforça a tese de que o prequestionamento é decisório, e não


postulatório.

Casos Concretos

Questão 1

O Ministério Público deflagrou ação penal por crime previsto no art. 68 da Lei
8.078/90, sustentando sua acusação em interceptação de conversas telefônicas realizada
em 23.07.96. A sentença condenatória foi mantida em grau de apelação. Diante da
interceptação das comunicações telefônicas, a Câmara Criminal decidiu estarem provados
o fato e sua autoria. Foi interposto recurso especial questionando negativa de vigência do
artigo 564, IV, do CPP e da Lei 9296/96, além de dissídio sobre a admissibilidade da prova
realizada. Em recurso extraordinário alegou-se contrariedade ao art. 5º, XII e LVI da
Constituição Federal. O Ministério Público apresentou contra-razões alegando incidência
das Súmulas 7 do STJ e 279 do STF, sustentando que incumbe às vias ordinárias a
apreciação da prova da materialidade e da autoria. Emitir juízo de admissibilidade dos
dois recursos.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 100


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A Lei 9.296/96 regulamenta o disposto no artigo 5°, XII, da CRFB, possibilitando a


interceptação telefônica durante investigação ou instrução criminal, desde que regularmente
lastreada em decisão judicial proferida pelo juízo competente.
Trata-se de medida cautelar, a ser requerida pelo MP, nas hipóteses previstas nesta
lei. Contudo, é entendimento doutrinário e jurisprudencial que toda e qualquer escuta
telefônica perpetrada em data anterior À vigência da lei supra mencionada configura prova
ilícita, uma vez que inexistia regulamentação do dispositivo constitucional.
Apesar da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, possuir vigência a partir da data de sua
publicação, verifica-se na hipótese em exame que a escuta foi realizada em 23/7/96, data
anterior à publicação da norma, e, mesmo que estivesse referida escuta autorizada
judicialmente, tal autorização não excluiria a ilicitude da prova então produzida.
Conforme indicado no enunciado da questão, a sentença condenatória, mantida em
apelação, encontra-se fundamentada exclusivamente na prova ilicitamente obtida. É certo,
portanto, que a decisão que admite prova ilícita viola concomitantemente a norma
infraconstitucional e a CRFB, e, embora seja uma só decisão, é impugnável
simultaneamente pelos recursos especial e extraordinário.
Sabe-se que nosso sistema processual adota a impossibilidade de interposição de
dois recursos de uma mesma decisão – princípio da unirrecorribilidade –, o que, na
hipótese, acabaria por restringir a interposição dos dois recursos excepcionais,
prevalecendo o extraordinário, por sua maior abrangência. Contudo, este não é o
entendimento pretoriano acerca do tema, calcado na leitura do artigo 26 da Lei 8.038/90,
que retrataria uma exceção a este princípio da unirrecorribilidade:

“Art. 26. Os recurso extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição


Federal, serão interpostos no prazo comum de 15 (quinze) dias, perante o
Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
I - exposição do fato e do direito;
II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
Parágrafo único. Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da
lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal, o
recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e
da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o
houver publicado.”

A decisão deve, portanto, ser no sentido da admissibilidade de ambos os recursos,


não assistindo razão ao MP, pois a discussão sobre a inadmissibilidade de provas obtidas
por meios ilícitos não caracteriza reapreciação da matéria fática contida nestas provas, e
sim da tese jurídica sobre sua admissão.

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Tema XIV

Recurso extraordinário. Noções gerais. Fundamento político. Hipóteses de cabimento. Legitimidade.


Procedimento. O prequestionamento. O STF e o recurso extraordinário. Efeitos.

Notas de Aula20

1. Recurso extraordinário

O primeiro ponto relevante sobre o tema é a legitimidade. O réu, o querelante e o


MP têm clara legitimação para este recurso; a dúvida que surge é quanto ao assistente de
acusação.
O assistente de acusação tem sua legitimação supletiva, em regra, como determina o
artigo 271 do CPP, legitimação supletiva esta que alcança a apelação e o recurso em sentido
estrito (no qual esta legitimação alcança as sentenças extintivas de punibilidade).

“Art. 271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas
às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar

20
Aula ministrada pelo professor Marcos Paulo Dutra Santos, em 2/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos
arts. 584, § 1o, e 598.
§ 1° O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das provas
propostas pelo assistente.
§ 2° O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente,
quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou
do julgamento, sem motivo de força maior devidamente comprovado.”

Ora, se o assistente de acusação tem esta legitimação recursal supletiva nos


tribunais inferiores, tem também a mesma legitimação nos recursos excepcionais, desde
que sejam eles desdobramentos naturais do julgamento da apelação ou do recurso em
sentido estrito contra sentença extintiva da punibilidade, qualquer que tenha sido o
interponente do recurso inicial. Veja o que diz a súmula 210 do STF:

“Súmula 210, STF: O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive


extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1°, e 598 do Código
de Processo Penal.”

Veja os artigos a que alude a súmula:

“Art. 584. Os recursos terão efeito suspensivo nos casos de perda da fiança, de
concessão de livramento condicional e dos ns. XV, XVII e XXIV do art. 581.
§ 1° Ao recurso interposto de sentença de impronúncia ou no caso do no VIII do
art. 581, aplicar-se-á o disposto nos arts. 596 e 598.
(...)”

“Art. 598. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se


da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o
ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha
habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito
suspensivo.
Parágrafo único. O prazo para interposição desse recurso será de quinze dias e
correrá do dia em que terminar o do Ministério Público.”

Se for desdobramento de outros recursos, o assistente não é legitimado recursal.


Veja a súmula 208 do STF, que dá um bom exemplo:

“Súmula 208, STF: O assistente do Ministério Público não pode recorrer


extraordinariamente de decisão concessiva de habeas corpus.”

Ademais, é claro que o assistente de acusação não teria mesmo esta legitimação,
porque sequer pode se habilitar em habeas corpus, vez que é ação impugnativa autônoma
pro reo.
A síntese, portanto, é que o assistente só terá legitimidade supletiva para interpor
recursos excepcionais se a decisão que os enseja for decorrente de apelação, ou recurso em
sentido estrito contra sentença extintiva de punibilidade, sendo irrelevante que o recorrente
do apelo ou do recurso em sentido estrito tenha sido o MP ou ele próprio.
Há uma exceção a esta regra, porém. Para entendê-la, é preciso um escorço bastante
intrincado, a começar pela súmula 714 do STF:

“Súmula 714, STF: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e


do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas
funções.”

Nesta súmula, o STF realizou uma filtragem constitucional do artigo 145 do CP


(que neste ponto não foi perturbado pela recentíssima reforma):

“Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante
queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso
do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do
mesmo artigo.
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso
do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do
ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art.
140 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.033. de 2009)”

No parágrafo deste artigo, está dito que se o crime for praticado contra funcionário
público em razão de suas funções, a ação será pública condicionada a representação. A
isonomia, porém, nunca permitiu que o STF tolerasse bem este dispositivo, pelo seguinte:
se o agente público for injuriado em sua vida privada, a ação penal será privada (à exceção
da injúria racial). A mesma injúria, contra o mesmo agente, mas em razão de suas funções,
transforma a ação penal em pública, fazendo o ofendido perder a titularidade da ação penal
em favor do Estado – o mesmo fato delituoso sendo tratado de forma processualmente
diferente.
A súmula, então, criou uma legitimação concorrente entre MP e ofendido,
premiando a isonomia, mitigando, claramente, o princípio da titularidade da ação penal do
MP – pois esta concorrência é notável exceção.
O problema é que as ações concorrentes, uma privada e outra pública, são norteadas
por princípios completamente antagônicos: a privada segue-se pela oportunidade e
disponibilidade, enquanto a pública é obrigatória e indisponível. Para resolver a situação,
então, o ofendido simplesmente tem o direito de escolha: ou oferece a ação privada, ou
representa ao MP para que este ofereça a ação penal pública. Feita a escolha, esta é
definitiva.
Da escolha feita, surtirão variantes, em razão das particularidades de cada tipo de
ação. Por exemplo, se optou pela ação privada, e porventura ocorrer a perempção, a
punibilidade do réu estará extinta, insanavelmente. Se optar pela representação, pela ação
pública, pode ainda acontecer de o MP quedar-se inerte, azoando agora a propositura da
ação penal privada subsidiária da pública. Se o MP, ao contrário, promover o arquivamento
da representação, não poderá o ofendido reformar ajuizar a ação subsidiária, e tampouco
poderá reformar sua opção original, ajuizando a ação penal privada pura, a que tinha direito
antes de escolher pela representação (em que pese haver corrente que defenda a
possibilidade, neste caso peculiar, de ação penal privada subsidiária da pública, mesmo ante
a manifestação do MP pelo arquivamento). A escolha, repita-se, é definitiva.
Optando pela ação pública, e ajuizada esta pelo MP, a vítima pode se habilitar como
assistente de acusação. Repare que este assistente é um pouco diferente do usual: é alguém
que, outrora, teve legitimidade própria para a persecução criminal, tendo aberto mão desta
em favor do MP. Por isso, o STF entenderá que, ao menos em nível recursal, este ex-
legitimado privado terá ainda a legitimação recursal irrestrita, ou seja, não há, em relação
ao assistente neste caso peculiar, a mera legitimidade recursal supletiva – tem legitimidade

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

recursal supletiva irrestrita, porque é ex-legitimado ad causam para o feito. Por isso, a ele
não se aplica a súmula 208 do STF – eis a exceção.

1.1. Recurso extraordinário e JECrim

O artigo 102, III, da CRFB, determina que é cabível o recurso extraordinário contra
decisões de última instância:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida:
(...)”

Já o artigo 105, III, da CRFB, fala que o recurso especial é cabível de decisões
tomadas em última instância, mas por tribunais:

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


(...)
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
(...)”

Os acórdãos das turmas recursais dos juizados são decisões tomadas em última
instância, em último grau recursal do sistema de seu rito, de fato. Por isso, cabe recurso
extraordinário de tais decisões, na forma da súmula 640 do STF:
“Súmula 640, STF: É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por
juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado
especial cível e criminal.”

Pela redação do artigo 105, III, supra, porém, não é cabível o recurso especial de
decisões das turmas recursais, porque estas não são tribunais, como ali se diz
expressamente. Veja a súmula 203 do STJ:

“Súmula 203, STJ: Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão
de segundo grau dos Juizados Especiais.”

Este entendimento, embora solidificado na jurisprudência das Cortes Maiores, é


incoerente, sobremaneira no STJ. Esta Corte interpretou o termo “tribunal” de forma
restritiva, associando-o a segunda instância, e não a segundo grau de jurisdição, mas, ao
mesmo tempo, e no mesmo artigo, só que em outro inciso, deu interpretação extensiva ao
conceito de “tribunais”, ali fundamental. Veja o artigo 105, I, “d”:

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I - processar e julgar, originariamente:
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no


art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes
vinculados a tribunais diversos;
(...)”

Ao interpretar este dispositivo, o STJ deu ao termo “tribunais” a extensão de


quaisquer órgãos de segundo grau de jurisdição, o que gera a seguinte situação: no conflito
de competência entre JECrim e vara criminal, enquadrados sob o mesmo TJ ou TRF, vê-se
que o JECrim está atrelado à turma recursal, e a vara diretamente ao TJ – órgãos
jurisdicionais de segundo grau diversos entre si. Sendo assim, o STJ entende que a solução
deste conflito de competência será sua, nos termos do artigo supra, ou seja, entende que a
turma recursal e o TJ são “tribunais diversos”. Veja a súmula 348 do STJ:

“Súmula 348, STJ: Compete ao Superior Tribunal de Justiça decidir os conflitos de


competência entre juizado especial federal e juízo federal, ainda que da mesma
seção judiciária.”

Fica clara a incoerência da Corte, ao se cotejar esta leitura da súmula 348 com a
anterior súmula 203. Ambas envolvem o conceito de tribunal, em interpretações
contraditórias pelo STJ.
O STF, desautorizando completamente esta súmula 348 do STJ, decidiu
recentemente que a competência para solucionar o conflito de competência em questão,
entre JECrim e vara criminal do mesmo TJ, deve ser resolvido por este respectivo TJ. Veja
o julgado constante do informativo 557 desta Corte:

“Conflito de Competência: Juizado Especial e Juízo Federal - 1


Compete ao Tribunal Regional Federal o julgamento de conflito de competência
estabelecido entre Juizado Especial Federal e juiz de primeiro grau da Justiça
Federal da mesma Seção Judiciária. Com base nesse entendimento, o Tribunal
proveu recurso extraordinário, para anular acórdão do Superior Tribunal de Justiça,
determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a
fim de que julgue, como entender de direito, o conflito de competência entre o
Juízo Federal do 7º Juizado Especial e o Juízo Federal da 35ª Vara da Seção
Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. Na espécie, o STJ, dando solução ao
aludido conflito, declarara o Juízo Federal competente para julgar ação declaratória
de nulidade, cumulada com pedido de pensão por falecimento, ajuizada contra o
INSS. Contra essa decisão, o Ministério Público interpusera agravo regimental, ao
qual fora negado provimento, o que ensejara a interposição do recurso
extraordinário. Salientou-se, inicialmente, que, nos termos do art. 105, I, d, da CF,
a competência do STJ para julgar conflitos de competência está circunscrita aos
litígios que envolvam tribunais distintos ou juízes vinculados a tribunais diversos.
Considerou-se que a competência para dirimir o conflito em questão seria do
Tribunal Regional Federal ao qual o juiz suscitante e o juizado suscitado estariam
ligados, haja vista que tanto os juízes de primeiro grau quanto os que integram os
Juizados Especiais Federais estão vinculados àquela Corte. No ponto, registrou-se
que esse liame de ambos com o tribunal local restaria caracterizado porque: 1) os
crimes comuns e de responsabilidade dos juízes de primeiro grau e das Turmas
Recursais dos Juizados Especiais são julgados pelo respectivo Tribunal Regional
Federal e 2) as Varas Federais e as Turmas Recursais dos Juizados Especiais
Federais são instituídos pelos respectivos Tribunais Regionais Federais, estando
subordinados a eles administrativamente. RE 590409/RJ, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 26.8.2009. (RE-590409)

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Conflito de Competência: Juizado Especial e Juízo Federal – 2


Reportou-se à orientação firmada pelo Tribunal no julgamento do HC 86834/SP
(DJU de 9.3.2007), no sentido de reconhecer a competência do Tribunal Regional
Federal para o julgamento dos crimes comuns e de responsabilidade praticados por
juízes de primeiro grau e das Turmas Recursais. Citou-se, também, o disposto na
Lei 10.259/2001, que comete aos Tribunais Regionais Federais a faculdade de
instituir os Juizados Especiais Federais e de estabelecer sua competência, bem
como lhes atribui o poder-dever de coordenar e prestar suporte administrativo aos
Juizados Especiais (artigos 21, 22 e 26). Observou-se, ademais, que a Constituição
não arrola as Turmas Recursais dentre os órgãos do Poder Judiciário, os quais são
por ela discriminados no art. 92, de forma taxativa, outorgando-lhes, apenas, a
incumbência de julgar os recursos oriundos dos Juizados Especiais. Considerou-se
que a Constituição não conferiu, portanto, às Turmas Recursais, integradas por
juízes de primeiro grau, a natureza de órgãos autárquicos ou a qualidade de
tribunais, também não lhes tendo outorgado qualquer autonomia com relação aos
Tribunais Regionais Federais. Explicou-se que, por isso, contra suas decisões não
cabe recurso especial ao STJ, mas sim recurso extraordinário ao Supremo. Assim,
não sendo possível qualificar as Turmas Recursais como tribunais, não seria lícito
concluir que os juízes dos Juizados Especiais estariam a elas vinculados, salvo — e
exclusivamente — no que concerne ao reexame de seus julgados. Outro precedente
citado: RE 136154/DF (DJU de 23.4.93). RE 590409/RJ, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 26.8.2009. (RE-590409)”

De qualquer sorte, das decisões da turma recursal é cabível recurso extraordinário.


Um outro problema que surge, especialmente no Rio de Janeiro, diz respeito ao
juízo de admissibilidade do recurso extraordinário interposto contra decisão de turma
recursal. Na forma do Regimento Interno do TJ/RJ, a competência funcional para exercer o
juízo de admissibilidade do recurso extraordinário é da Terceira Vice-Presidência. Ocorre
que o STF, com razão, constatou que os tribunais, estaduais ou federais, simplesmente não
participam do sistema recursal dos juizados especiais, microssistema próprio: a decisão dos
juizes de primeira instância nos juizados são revistas pelas turmas recursais, e após isso
somente serão revistas, eventualmente, pelo próprio STF, na via do recurso extraordinário.
Sendo assim, quem deveria ter competência para realizar o juízo de admissibilidade do
recurso extraordinário interposto contra decisão da turma recursal seria a própria turma, e
não a Terceira Vice-Presidência.
Consequencia desta competência funcional dada pelo RITJ/RJ à Terceira-Vice,
portanto, é a nulidade de todos os juízos negativos de admissibilidade feitos em recursos
extraordinários interpostos contra decisões de turmas recursais, por incompetência em
razão da matéria (fazendo com que as decisões recorridas extraordinariamente sequer
tenham transitado em julgado, margeando a prescrição intercorrente). A previsão no RITJ é
formalmente viciada, por vício de iniciativa.
Repare que, por óbvio, a decisão da Terceira Vice que admite o recurso, a decisão
positiva de admissibilidade do recurso, não seria eivada de nulidade, por total falta de
prejuízo ao recorrente, ainda mais se o STF referenda a admissibilidade do recurso – pas de
nulitè sans grief. E veja que, mesmo que supostamente se tratasse de uma nulidade
absoluta, não o é, porque o ato de admissibilidade positiva, por ser sujeito ao referendo do
STF, quando lá chegar o recurso, não se aperfeiçoou definitivamente na Terceira Vice; por
isso, o ato final de admissibilidade considerado é o do STF, plenamente competente. O
mesmo não ocorre com o ato de inadmissibilidade pela Terceira Vice, que termina por ali o

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

andamento do feito – a incompetência, neste caso, é absolutamente prejudicial ao


recorrente, e a nulidade absoluta deve ser constatada.

1.2. Recurso extraordinário e repercussão geral

A repercussão geral é requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, em


qualquer matéria, constante do artigo 102, § 3°, da CRFB:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
(...)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral
das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o
Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)”

O CPC já regulou a matéria desde 2006, para o processo civil, no artigo 543-A:

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá


do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não
oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de
2006).
§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa. (Incluído pela Lei nº 11.418, de
2006).
§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
(Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 3° Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a
súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de
2006).
§ 4° Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4
(quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. (Incluído pela
Lei nº 11.418, de 2006).
§ 5° Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os
recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão
da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
(Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 6° O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de
terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 7° A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será
publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. (Incluído pela Lei nº 11.418, de
2006).”

Esta regulamentação é perfeitamente aplicável ao processo penal, por aplicação


subsidiária, admitida pelo CPP.
O § 6° do artigo supra aponta, sobre a repercussão geral, à regulamentação pelo
Regimento Interno do STF, e este Regimento só veio a contemplar tratamento da matéria,
considerando a repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

extraordinário em 3 de maio de 2007 – data em que a repercussão geral passou a ser


efetivamente exigível.
Há autores, como Polastri, que entendem incompatível a exigência de repercussão
geral no recurso extraordinário em matéria penal, por conta da indisponibilidade
onipresente dos direitos em jogo, sobretudo a liberdade. Mas, mesmo criticando a
existência deste requisito de admissibilidade, se rendem ao entendimento do STF, que é
pela indiscutível exigibilidade.
O próprio STF entende, porém, que quando não se admitir o recurso em matéria
penal por falta de repercussão geral, o réu penal ainda conta com a possibilidade de
interposição de habeas corpus substitutivo de recurso.

Casos Concretos

Questão 1

No caso de acórdãos objetivamente complexos, há possibilidade de interposição


simultânea de recursos extraordinários e/ou especial, no que tange à parte unânime? Caso
a resposta seja positiva, indaga-se: tratar-se-ia de exceção ao princípio da
unirrecorribilidade das decisões? Justifique suas respostas.

Resposta à Questão 1

O princípio da unirrecorribilidade significa que contra uma decisão cabe apenas um


recurso. Se o acórdão é objetivamente complexo, ou seja, comporta em si mais de uma
decisão em essência, de cada dispositivo deste acórdão caberá um único recurso, e por isso
não se trata de exceção à unirrecorribilidade das decisões: mesmo no bojo de um só título,
há mais de uma decisão, cada uma comportando seu respectivo recurso único.
Como exemplo, suponha-se um acórdão que resolva parte da matéria por maioria,
em desfavor da defesa: esta parcela do acórdão desafia embargos infringentes ou de
nulidade. Outra parcela da matéria do acórdão, porém, é decidida em unanimidade, e por

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

isso desafia apenas recursos excepcionais, se cabíveis. Serão interponíveis, portanto, neste
exemplo, dois ou até três recursos, sem consubstanciar exceção à unirrecorribilidade: cada
capítulo, que é uma decisão integrada ao acórdão complexo, terá um só recurso a questioná-
lo.
Exceção a este princípio existirá, porém, quando no acórdão houver um único
dispositivo, uma única “decisão”, desafiadora de mais de um recurso. É o caso exato de um
acórdão em que uma matéria apenas é resolvida, e esta decisão ofende, simultaneamente,
lei federal e a CRFB, desafiando respectivamente recurso especial e recurso extraordinário.
Há dois recursos cabíveis de uma só decisão em essência, de um só dispositivo do acórdão.

Questão 2

"X", juiz federal com atuação na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, foi ofendido
em razão de suas funções pelo delegado de Polícia Federal "Y", chefe da Delegacia de
Entorpecentes do RJ. "X" formulou, tempestivamente, representação ao Ministério Público
Federal, dirigindo-a ao Procurador-Chefe da Procuradoria da República no Estado do
Rio Janeiro, o qual, por sua vez, escolheu, determinado Procurador da República, de
feição marcadamente persecutória, para oficiar no feito. Oferecida denúncia em face de
"Y", "X" se habilitou como assistente. Contra a decisão de recebimento da denúncia, o
defensor do réu impetrou habeas corpus, alegando ter sido violado o princípio do
promotor natural, já que a representação formulada por "X" deveria ser submetida à livre
distribuição no âmbito do Ministério Público Federal, de maneira que a escolha dirigida
pela Chefia do Ministério Público Federal violou o aludido princípio. O Tribunal Regional
Federal denegou a ordem, que acabou sendo concedida pelo Superior Tribunal de Justiça,
que determinou o trancamento da ação penal por violação àquele princípio. Desta decisão
não foi interposto recurso pelo Ministério Público Federal. Pergunta-se: Pode o assistente
recorrer extraordinariamente dessa decisão?
Resposta à Questão 2

O assistente de acusação terá legitimidade para interpor recurso extraordinário ao


STF contra acórdão do STJ concessivo da ordem de habeas corpus, porque se trata de ex-
legitimado concorrente para a ação, nos termos da súmula 714 do STF, não lhe sendo
aplicável a súmula 208 do STF, já que a sua legitimação recursal, embora supletiva,
alcançará todo e qualquer recurso, não se restringindo às apelações e recursos em sentido
estrito contra sentenças extintivas da punibilidade, e os demais recursos que sejam
desdobramentos destes dois últimos, como é a regra geral.

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Tema XV

Habeas corpus. Conceito; origem; finalidade. O habeas corpus no direito brasileiro. Habeas corpus e
revisão criminal, no CPP. O habeas corpus como ação: condições objetivas de procedibilidade. Habeas
corpus preventivo e liberatório. Competência territorial e hierárquica para o julgamento. Efeitos das
decisões proferidas em habeas corpus.

Notas de Aula21

1. Writ of habeas corpus

“(...)
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
(...)”

Os tribunais superiores tendem a dar ao habeas corpus a máxima efetividade


possível, de maneira que não encontram necessidade de que haja cerceamento atual ou
iminente à liberdade. Para a impetração de habeas corpus, basta que o direito ambulatorial
21
Aula ministrada pelo professor Marcos Paulo Dutra Santos, em 2/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

esteja ameaçado de qualquer forma, em qualquer intensidade, mesmo que longínqua,


remotamente. Nesta linha, destacam-se três súmulas do STF, 693 a 695:

“Súmula 693, STF: Não cabe “habeas corpus” contra decisão condenatória a pena
de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena
pecuniária seja a única cominada.”

“Súmula 694, STF: Não cabe “habeas corpus” contra a imposição da pena de
exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.”

“Súmula 695: Não cabe “habeas corpus” quando já extinta a pena privativa de
liberdade.”

Veja que, nestas hipóteses de descabimento, não há qualquer ameaça, nem remota, a
direito de locomoção. Como exemplo, a vedação ao habeas corpus contra decisão de pena
de multa, eis que esta jamais se converterá em privação da liberdade, a teor do artigo 51 do
CP:

“Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada


dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da
Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas
da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)”

Esta lógica se estende também, por exemplo, ao tratamento dispensado ao crime de


uso de drogas, que não é jamais apenado com privação da liberdade – descabendo habeas
corpus em qualquer caso desta infração penal. Mesmo se o termo circunstanciado foi
lavrado de forma completamente arbitrária, o habeas corpus “trancativo” não será
admitido, pela ausência de ameaça ao direito ambulatorial. Caberá, outrossim, neste caso
exemplificativo, mandado de segurança, uma das raríssimas hipóteses de mandamus
trancativo de procedimento penal.
O STF é muito preciso nesta questão da admissibilidade do habeas corpus, ainda
que o direito de locomoção esteja somente remotamente periclitado. Em recente decisão, o
STF admitiu habeas corpus que visava a proteger o direito ambulatorial da paciente que,
sequer indiciada, teve documentos apreendidos em investigação de seu marido, vez que os
documentos poderiam, a qualquer momento, consubstanciar a instauração de inquérito
policial contra esta paciente, que em nada se comunicava com a investigação em curso.

1.1. Fungibilidade entre recursos e ações autônomas de impugnação

O artigo 579 do CPP previu a fungibilidade entre recursos, mas esta se estende
também à interposição de recurso quando seria cabível ação impugnativa autônoma, e vice-
versa, e também à fungibilidade entre uma ação desta estirpe e outra (um habeas corpus e
uma revisão criminal, por exemplo). Veja:

“Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela
interposição de um recurso por outro.
Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso
interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso
cabível.”

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

É possível, por óbvio, a impetração de habeas corpus substitutivo de recurso, assim


como é possível a impetração de habeas corpus substitutivo de revisão criminal. Mas há
hipóteses que limitam este cabimento. Vejamos, então, de forma minuciosa, o cabimento de
habeas corpus substitutivo.

1.1.1. Habeas corpus substitutivo de recurso

Não cabe habeas corpus substitutivo de recurso de apelação, pela seguinte razão:
no habeas corpus, a cognição é bastante restritiva, porque ou se estará discutindo
controvérsia estritamente jurídica, dispensada dilação probatória; ou se estará diante de
constatação de fatos controversos, por meio de prova já produzida, preconstituída. A
apelação, por seu turno, tem cognição ampla, pelo seu efeito devolutivo amplo.
Surge uma regra: o habeas corpus substitutivo de recurso só pode versar sobre
matéria de direito, ou sobre matéria de fato que demande apenas constatação, e nunca
investigação, cotejo cognitivo, por parte do juízo. Sendo caso de necessidade de dilação
probatória fática, o habeas corpus é inadmissível.
Nada impede, porém, que haja um habeas corpus concomitante ao recurso de
apelação, como ocorre bastante quando se intenta deferir ao réu o direito de aguardar o
curso da apelação em liberdade, caso esteja preso. E veja que este habeas corpus é
interessante, eis que se a discussão do apelo em liberdade for deixada para a própria
apelação, será inútil, pois só será apreciado o mérito da apelação – incluído aí o pedido de
aguardo em liberdade – será apreciado apenas na sessão de julgamento do recurso, ou seja,
o réu ficou preso todo o tempo, até ali, restando prejudicado o pedido.
O habeas corpus substitutivo de recurso em sentido estrito, porém, é cabível, e até
mesmo corriqueiro, justamente porque este recurso tem efeito devolutivo restrito. Como
exemplo, o recurso em sentido estrito do artigo 581, V, do CPP, já visto, que guerreia a
decisão que caça a fiança: caberá o habeas corpus em substituição ao recurso; ou o inciso
IX do mesmo dispositivo, que trata da decisão que ignora a prescrição: o habeas corpus é
cabível, eis que a verificação da prescrição é matéria de simples constatação jurídica, não
demandando dilação probatória.
Já em alguns casos de cabimento de recurso em sentido estrito talvez não possa
haver esta substituição por habeas corpus. Como exemplo, o inciso IV do artigo 581 do
CPP, que determina este recurso contra a decisão que pronunciar o réu: em geral, para se
impugnar a pronúncia é necessário reexame fático analítico, o que extravasa o campo
cognitivo restrito do habeas corpus. Eventualmente, se a cognição for mínima, ou seja,
bastar mera constatação de fatos já expostos, o habeas corpus substitutivo será possível.
Outrossim, não se pode pensar jamais em habeas corpus substitutivo de embargos
infringentes ou de nulidade. A razão é simples: quem conhece dos embargos infringentes ou
de nulidade é o próprio tribunal em que se prolatou a decisão não unânime – outro órgão,
de fato, mas na própria instância –, ao passo que a eventual impetração de habeas corpus
contra esta decisão faria com que seu julgamento fosse diretamente efetuado no STJ,
provocando supressão de instância.
Os recursos excepcionais, por seu turno, são livremente substituíveis por habeas
corpus: tanto o recurso especial quanto o extraordinário já são naturalmente alheios a
qualquer reexame fático, e a impetração do habeas corpus substitutivo fica, por isso,
bastante confortável.

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Não custa repetir que o habeas corpus é uma nova ação penal, autônoma, com
escopo impugnativo. Logo, a consequência da impetração do habeas corpus substitutivo,
sem a interposição do recurso correspondente, é o trânsito em julgado da decisão
impugnada. A defesa deve ficar bem atenta a esta dinâmica, pois o habeas corpus nem
sempre será a melhor estratégia de defesa.
O habeas corpus substitutivo não tem que observar a tempestividade do recurso que
está substituindo: não é recurso, é ação autônoma.
O maior interessado em habeas corpus substitutivo é o réu preso, que está em busca
da celeridade. Réu solto não se preocupa com a velocidade do processo. Sendo caso em que
a impetração de habeas corpus substitutivo é interessante, como se identificar as matérias
que são ali passíveis de dedução? Quais os limites da dedução de matérias em habeas
corpus?
É simples: só se pode discutir em habeas corpus aquilo que, de qualquer forma,
mesmo que remota, perturbe o direito ambulatorial do paciente. Isto gera uma amplitude
tremenda à impetração. Pode-se discutir, por exemplo, até mesmo elementos subjetivos do
tipo, em sede de habeas corpus, ao se analisar o tipo em abstrato, sem exame de provas.
Entenda: pode, em habeas corpus, ser discutida a natureza do dolo daquele que, dirigindo
embriagado, atropela e mata alguém. Esta discussão se atém à forma jurídica do ânimo, se
dolo eventual ou culpa consciente – discussão não empírica que pode ser levada a cabo em
habeas corpus. Outro tema nesta linha: pode o impetrante discutir, em abstrato, se a pena
está adequada ou não, por constatar, por exemplo, que uma condenação pretérita não
transitada em julgado foi computada como reincidência, em afronta clara ao direito
aplicável. Mais um exemplo: réu processado por roubo com emprego de arma de fogo pode
impetrar habeas corpus quando a arma não foi encontrada, pelo que a circunstância legal
não pode ser considerada – e assim por diante. Não se discute o fato: se discute a
configuração jurídica dada ao fato que já se toma por pressuposto inconteste no processo.
Há ainda que se abordar o habeas corpus substitutivo de agravo em execução. Na
verdade, é a substituição mais comum, por um motivo claro: em execução, o réu está preso,
e a celeridade do habeas corpus lhe interessa em muito. Além disso, na execução penal, a
maioria absoluta das discussões são exclusivamente jurídicas, sendo poucos os casos de
necessidade de instrução probatória. Veja um exemplo: a perda de dias remidos em razão de
falta grave pode ensejar habeas corpus substitutivo ou não, dependendo do que se vai
questionar. Se o que for ser discutido é se a perda alcança todos os dias trabalhados, ou
apenas parte deles, é perfeitamente cabível o habeas corpus, pois é questão de direito puro
– a constitucionalidade de toda a perda; se a discussão for recair sobre o cometimento da
falta grave ou não, aí será caso de agravo em execução, não cabendo o habeas corpus,
porque demanda enfrentamento de questões fáticas, de cunho probatório. Outro exemplo: a
discussão sobre a imposição de exame criminológico ou não, que é de pura
constitucionalidade, permite habeas corpus; a discussão do resultado do exame, porém, não
permite a substituição – deve vir em agravo em execução. Na verdade, estes dois exemplos
– teor do exame criminológico e cometimento de falta grave – são praticamente os únicos
em que a substituição do agravo em execução pelo habeas corpus não é possível.
É claro que, na execução de pena de multa exclusiva, jamais haverá cabimento de
habeas corpus, pela simples impossibilidade de que venha a existir restrição ao direito
ambulatorial – a multa nunca será convertida em prisão.

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

1.1.2. Habeas corpus substitutivo de revisão criminal

O artigo 621 do CPP traz as hipóteses de revisão criminal. Reveja:

“Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:


I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à
evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou
documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do
condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da
pena.”

Dificilmente será cabível o habeas corpus de revisão criminal nos casos dos incisos
II e III do artigo supra, pela necessidade ínsita de revisão do acervo probatório, nestes
casos, o que extrapola o limite cognitivo do habeas corpus.
No inciso I, por seu turno, há duas situações distintas: a revisão criminal de decisão
que contraria evidência dos autos, e da que for contrária ao texto expresso da lei penal. No
primeiro caso, é quase imperativo o revolvimento probatório, que afasta a possibilidade de
habeas corpus substitutivo – a não ser que a contrariedade à evidência dos autos seja objeto
de mera constatação, por ser por demais óbvia. Por exemplo, se o réu que foi condenado era
menor de dezoito anos quando praticou a infração, constando dos autos sua certidão de
nascimento verdadeira inconteste, resta claro, sem dilação probatória, que a condenação é
errônea – basta simples constatação, e não investigação da idade do réu.
Na segunda hipótese deste inciso I, outrossim, há campo fértil para impetração de
habeas corpus substitutivo: a contrariedade de texto de lei é causa de impugnação que não
demanda qualquer dilação probatória. Vale dizer, ainda, que onde se lê “lei penal”, leia-se
também “lei processual penal”, pois o artigo 626 do CPP, já visto, permite anulação como
pedido de revisão criminal, o que identifica que o error in procedendo é passível de
discussão tanto na revisão como no habeas corpus que a vier substituir.
O artigo 623 do CPP traz os legitimados para a revisão criminal, e não alude ao MP
– sendo orientação clara da jurisprudência a real carência de legitimação do MP, neste caso.
A ilegitimidade do parquet se dá para evitar que a revisão criminal se preste a cumprir
qualquer finalidade pro societate, que é completamente inadmissível. A ilegitimidade é tão
sólida, neste caso, que acaba alcançando até mesmo o habeas corpus substitutivo da revisão
criminal. Veja que, a rigor, o MP teria legitimidade para o habeas corpus, como se vê no
artigo 654, caput, do CPP; contudo, em se tratando de substitutivo da revisão criminal, esta
legitimação seria burla ao artigo 623 do CPP.

“Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador
legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão.”

“Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu
favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
(...)”

Pelo ensejo, analisemos a legitimidade para o habeas corpus de forma mais


detalhada.

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

1.2. Legitimidade para impetração de habeas corpus

O artigo 654 do CPP, supra, trata da legitimidade para impetração do habeas corpus,
pelo que vale revê-lo na íntegra:

“Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu
favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
§ 1º A petição de habeas corpus conterá:
a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o
de quem exercer a violência, coação ou ameaça;
b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de
coação, as razões em que funda o seu temor;
c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não
puder escrever, e a designação das respectivas residências.
§ 2° Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de
habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está
na iminência de sofrer coação ilegal.”

O impetrante do habeas corpus pode ser o próprio paciente da coação indevida, e


ele conta com capacidade postulatória plena, dispensando patrocínio de advogado. Outro
exemplo em que se dá esta capacidade postulatória plena é na revisão criminal, como se vê
no artigo 623 do CPP, há pouco transcrito. A ponderação entre a indispensabilidade do
advogado e o acesso à justiça, sobremaneira em busca da liberdade, pende para o livre
acesso, sendo por isso perfeitamente constitucional a capacitação postulatória do próprio
paciente.
O MP tem também a legitimidade para tanto, à exceção do habeas corpus
substitutivo da revisão criminal, como visto há pouco.
Veja que em algumas circunstâncias, o que os tribunais superiores chamam de falta
de legitimidade do MP se trata, de fato, de falta de interesse. Entenda: em inúmeros
precedentes, os tribunais superiores questionaram o interesse do MP na impetração de
habeas corpus para discutir ofensa à garantia do juiz natural em ações penais em
andamento, ao argumento de que, em verdade, o MP estaria buscando tutelar a sua
pretensão punitiva (e não o interesse do réu), garantindo que fosse examinada por um juízo
competente. Em 2009, porém, sobrevieram manifestações do STF reconhecendo interesse
ao MP, neste caso, para evitar constrangimento do réu que é processado por juízo
incompetente.
A questão é de interesse, e não ilegitimidade, porque o MP é claramente legitimado
à impetração, mas o seu fundamento, a incompetência, é que se demonstra, na verdade, pro
societate, porque se foi o MP quem elegeu originalmente aquele juízo, ao ajuizar a
denúncia, a incompetência lhe será desfavorável, podendo até mesmo acarretar a prescrição
do delito, se nulificado o processo. Por isso, o interesse na incompetência é do MP, pro
societate, e não do acusado, o que faz com que o habeas corpus seja descabido, justamente
pela falta do interesse que deve subsidiar todo habeas corpus, qual seja, interesse pro reo.
Todavia, esta correta leitura que vinha sendo feita pelo STF está se alterando, havendo,
como dito, decisões que têm reconhecido o interesse do MP nestes habeas corpus, pela
literalidade do artigo 648, III, do CPP:

“Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

(...)
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
(...)”

O § 2° do artigo 654 do CPP faz possível a concessão de habeas corpus de ofício


pelo juízo, em qualquer grau ou instância. Se a coação ilegal chegar ao conhecimento do
juízo, ainda que por meios incorretos, pode ele ignorar a forma em que a matéria alcançou
seu conhecimento, e conceder a ordem de ofício. Como exemplo, pode um recurso
inadmissível chegar ao órgão ad quem que, mesmo declarando a inadmissibilidade,
reconhece a coação ilegal, e concede o habeas corpus de ofício.
Concedido habeas corpus pelo juízo de primeira instância, o recurso cabível é o em
sentido estrito, na forma do artigo 581, X, já visto (além do reexame necessário). Imagine-
se que se pretenda relaxar uma prisão em flagrante, ou obter uma liberdade provisória: será
cabível o habeas corpus contra o ato do delegado, postulando tais medidas? É cabível, mas
o erro deste procedimento é crasso, pelo seguinte: o habeas corpus consiste em uma ação,
comportando informações pelo impetrado, contraditório, e ainda o recurso contra a ordem
concedida, além do reexame necessário. Por isso, o procedimento defensivo correto é a
simples petição de liberdade provisória ou de relaxamento de prisão, ato que não é ação, e
desperta mera análise pelo juiz da desnecessidade ou ilegalidade da prisão em flagrante.

1.3. Liminar em habeas corpus

Não há previsão legal expressa para a liminar em habeas corpus, mas esta é
admitida pela interpretação ontológica do artigo 654, § 2°, do CPP, supra transcrito, que
trata da concessão do habeas corpus de ofício: aplica-se a teoria dos poderes implícitos,
pois se o juízo pode conceder a ordem de ofício, em definitivo, que dirá concedê-la
precariamente, em juízo provisório.

1.4. Habeas corpus extintivo do inquérito ou da ação penal

O habeas corpus com escopo de extinção do inquérito ou da ação penal, chamado


habeas corpus trancativo, é absolutamente excepcional, mas é cabível. É excepcional
porque a ação penal pública é privativa do MP, e o trancamento importará em arquivamento
sem que haja manifestação do MP neste sentido – ao contrário, com sua oposição.
Mesmo excepcionalíssimo, é admitido quando a ilegalidade for flagrante, pela
inafastabilidade do Judiciário diante de ameaça ou violação de direitos. Além disso, há base
legal para o deferimento deste habeas corpus: o artigo 651 do CPP estabelece tal premissa.
Veja:

“Art. 651. A concessão do habeas corpus não obstará, nem porá termo ao
processo, desde que este não esteja em conflito com os fundamentos daquela.”

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

A concessão do habeas corpus não obsta o curso do processo, em regra, mas se os


fundamentos do habeas corpus conflitarem com os fundamentos do processo, haverá
prevalência da ordem sobre a ação penal em curso.
Veja que a excepcionalidade do habeas corpus contra inquérito está na inserção do
juízo na prerrogativa do MP em promover ou não a ação penal, porque culminará no
trancamento do inquérito sem manifestação neste sentido por parte do MP, ou mesmo
contra a sua vontade. Na ação penal, a excepcionalidade reside na verdadeira supressão de
instância que o trancamento da ação promove, eis que a ordem será concedida pelo tribunal,
sem que o juiz tenha emitido manifestação sobre o caso.

1.5. Elementos identificadores da ação de habeas corpus

Tais são as figuras do habeas corpus: a parte autora pode ser qualquer pessoa, como
dispõe o artigo 654 do CPP. E veja que o termo “pessoa” se refere à personalidade jurídica,
seja pessoa jurídica ou física. Curiosamente, repare o seguinte: a Defensoria Pública não
tem personalidade jurídica, pelo que no habeas corpus impetrado por esta, na verdade, o
impetrante não é o órgão: é a pessoa física do defensor público oficiante.
O réu, impetrado, é o autor da coação ilegal, quem quer que seja. Nada impede que
um particular figure nesta posição, se ele é quem atua coagindo o paciente. Como exemplo,
suponha que em um hotel, o hóspede é impedido de sair do prédio porque não pagou a sua
conta: este inadimplemento contratual pode gerar retenção da bagagem, mas não do próprio
hóspede inadimplente, pelo que o constritor particular poderá ser impetrado em habeas
corpus.
Paciente, por óbvio, é a figura que padece da coação.
1.6. Contraditório no habeas corpus

O contraditório no habeas corpus não é efetivamente imperativo, como se pode


depreender do artigo 662 do CPP:

“Art. 662. Se a petição contiver os requisitos do art. 654, § 1°, o presidente, se


necessário, requisitará da autoridade indicada como coatora informações por
escrito. Faltando, porém, qualquer daqueles requisitos, o presidente mandará
preenchê-lo, logo que lhe for apresentada a petição.” (grifo nosso)

Veja que as informações da autoridade coatora serão requisitadas apenas se o juízo


julgá-las necessárias. Do contrário, abrirá logo as vistas ao MP, e julgará o feito. Trata-se,
portanto, de contraditório altamente mitigado.
O artigo 664 do CPP reforça a dispensabilidade das informações, e estabelece que o
habeas corpus tem prioridade de constância da pauta de julgamentos:

“Art. 664. Recebidas as informações, ou dispensadas, o habeas corpus será


julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a
sessão seguinte.
Parágrafo único. A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se
o presidente não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no
caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.”

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

A urgência é inerente ao habeas corpus, e o legislador entendeu que é dispensável a


notificação do impetrante para ciência da sessão de julgamento da ordem, como também
dispõe a súmula 431 do STF:

“Súmula 431, STF: É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância,


sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em “habeas corpus”.”

Ocorre que esta súmula tem sido relativizada pelo próprio STF e pelo STJ, quando
na petição inicial, ou em petição avulsa, o impetrante expressamente afirmar que se valerá
da sustentação oral – caso em que a falta de notificação é causa de nulidade absoluta. É
claro que, faltante a notificação, mas tendo sido concedida a ordem, não se verifica tal
nulidade da sessão.
O parágrafo único deste artigo 664 do CPP trata do empate na votação do habeas
corpus pelo colegiado: haverá de prevalecer o que for mais favorável, ou seja, a concessão
da ordem.

1.7. Habeas corpus em sede de JECrim

É admissível o habeas corpus em sede de juizado especial criminal, por óbvio. Se o


juízo impetrado é o juiz de primeira instância, o habeas corpus será endereçado à turma
recursal. Se a impetração for contra decisão da turma recursal, porém, a questão fica
intrincada.
Outrora, o entendimento era o seguinte: se os acórdãos da turma recursal desafiam
tão-somente recurso extraordinário para o STF, o próprio STF seria o competente para
julgar habeas corpus impetrado contra a mesma decisão. Neste sentido, veio ao
ordenamento a súmula 690 do STF:
“Súmula 690, STF: Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o
julgamento de “habeas corpus” contra decisão de turma recursal de juizados
especiais criminais.”

Embora não tenha sido expressamente cancelada, a súmula está em desuso, pelo
seguinte argumento: se a turma recursal é composta por juízes de primeira instância, o
habeas corpus segue a regra geral da competência, que indica o órgão superior a estes
juizes como competente: o respectivo tribunal. Veja o HC 86.834, do STF:

“HC 86834 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. MARCO


AURÉLIO. Julgamento: 23/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 09-03-2007.
Ementa: COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - DEFINIÇÃO. A competência
para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e
impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA
RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais
submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal
de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso,
julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado. COMPETÊNCIA -
HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez ocorrida a declinação da competência,
cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida
acauteladora, ficando a manutenção, ou não, a critério do órgão competente.”

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Esta mudança de concepção acabou tendo outro reflexo: incluir o STJ na via
impugnativa autônoma dos atos das turmas recursais, porque da decisão do tribunal sobre o
habeas corpus contra ato da turma caberá recurso extraordinário e recurso especial. O STJ,
que é alheado do sistema recursal do JECrim, agora está, ao menos, presente no sistema
impugnativo autônomo destes órgãos.

1.8. Hipóteses legais de coação ilegal

O artigo 648 do CPP traz o rol:

“Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:


I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a
autoriza;
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade.”

Há hipóteses bem claras: o inciso II trata do excesso de prazo na prisão; o III, da


incompetência para o ato de constrição; o IV, quando a constrição que ela legítima se
tornou ilegítima (fazendo com que uma decisão de prisão, por exemplo, se torne infundada,
carente de fundamentação); o inciso V trata da prisão desnecessária; o VI, da constatação
de nulidade no procedimento; e o VII, por fim, da extinção de punibilidade.
Ocorre que pode-se pensar em uma enormidade de motivos que levem à ilegalidade
da coação, e que não estão previstas nestes incisos. Por isso, estas demais causas de
ilegalidade serão açambarcadas na previsão do inciso I: falta de justa causa.
Repare, então, que o conceito de justa causa expresso aqui é muito mais amplo do
que o conceito de justa causa que se conhece como sendo o mínimo indiciário para a
persecução penal, consubstanciado na certeza da autoria e nos indícios de materialidade.
Aqui, comportam-se todas as ilegalidades que eivem o processo ou o inquérito, dando
ensejo ao habeas corpus.

1.9. Acesso do advogado a autos de inquérito

Dispõe a súmula vinculante 14:

“Súmula vinculante nº 14:


É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos
de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão
com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa.”

Caso o direito que se pretenda discutir e resguardar for o direito do advogado em ter
acesso aos autos de inquérito, que é garantido pelo artigo 7°, XIV, do Estatuto da OAB, o
instrumento será o mandado de segurança, pois o paciente é o próprio advogado:

“Art. 7º - São direitos do advogado:

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

(...)
XIV - examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de
inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo
copiar peças e tomar apontamentos;
(...)”

Por outro lado, se o direito que estiver em ameaça é o direito de defesa do


investigado, que está em ameaça pela negativa de acesso aos autos, o instrumento é o
habeas corpus, tendo por paciente o investigado.

Casos Concretos

Questão 1

João, em conseqüência de atropelamento que sofrera, foi internado, em caráter de


emergência, em hospital particular, por seus familiares. Totalmente recuperado e apto a
receber alta, João é informado pela diretoria do estabelecimento de que não poderia sair
enquanto não pagasse R$ 35.000,00 relativos às despesas médicas e hospitalares. Ligou
para sua mulher e lhe recomendou que contratasse um advogado para ajuizar uma ação
de habeas corpus, o que efetivamente foi feito. Nas suas informações, o representante legal
do hospital sustentou que este, sendo pessoa jurídica de direito privado, não poderia
cometer o constrangimento ilegal, que queria ver afastado. Em tais circunstâncias,
esclareça se a ordem deve ou não ser concedida.

Resposta à Questão 1

É perfeitamente cabível habeas corpus contra coação ilegal perpetrada por


particular, e o caso expõe exatamente esta situação. Sendo assim, a ordem deve ser
concedida.

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Questão 2

Dispõe a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, com a redação que lhe deu a Lei
nº. 11.705, de 19 de junho de 2008:"Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e
recolhimento do documento de habilitação.""Art.
277............................................................................................................................................
..... § 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente
de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios
sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. § 3º Serão
aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código
ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput
deste artigo."Foi por isto que Elesbão ajuizou a ação de habeas corpus preventivo,
pretendendo que lhe seja concedida a ordem, a fim de não ser compelido a se submeter ao
bafômetro, porque, além do constrangimento público a que os policiais submetem os
motoristas, a medida viola o princípios da dignidade humana e aquele que assegura a
todos o direito de não produzir prova contra si próprio. Aduz que o teste do bafômetro é
até dispensável, porque pode ser substituído pelo exame clínico. Explique se a ordem deve
ou não ser concedida.

Resposta à Questão 2

A garantia à não autoincriminação – nemo tenetur se detegere – não tem sido


relativizada pelo STF, que trata do artigo 8°, 2, “g”, do Decreto Legislativo 678/92 (Pacto
de São José da Costa Rica) sem fixar qualquer exceção:

“Artigo 8
Garantias Judiciais
“(...)
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa
tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;
(...)”

Ocorre que a Lei 9.503/97, no artigo 277, § 3°, não obriga o condutor a se submeter
ao exame de alcoolemia, mas lhe impõe um ônus administrativo caso não o faça, qual seja,
a incidência do artigo 165 do mesmo CTB:

“Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito


ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência
de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo


CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de
2006)
§ 1° Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância
entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.(Renumerado do parágrafo único pela
Lei nº 11.275, de 2006)
§ 2° No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia
previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a
obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos
notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de
álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. (Incluído pela Lei nº 11.275,
de 2006)
§ 2° A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo
agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas,
acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo
condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
§ 3° Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no
art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos
procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de
2008)”

“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância


psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze)
meses; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor
habilitado e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº
11.705, de 2008)
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.”
O condutor, no entanto, pode simplesmente se negar a fazer o exame, e, para alguns
autores, esta negativa inviabilizará qualquer ação penal, já que o artigo 306 do CTB se
refere objetivamente à presença de quantidade igual ou superior a seis decigramas de álcool
por litro de sangue, o que só se pode aferir em exames físicos, e não por depoimento de
testemunhas:

“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
(Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre
distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado
neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)”

Para se sustentar a inconstitucionalidade deste dispositivo, do artigo 165 supra, seria


necessária uma releitura do princípio nemo tenetur se detegere, de forma a compreender
também, ali, a coerção psíquica, ou psicológica, como meio incabível à coação do condutor
para produzir a prova contra si. Esta releitura, hoje, não tem encampamento qualquer na
jurisprudência, pelo que as medidas administrativas são, sim, legítimas.

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Tema XVI

Habeas corpus (continuação): procedimento no juízo de primeiro grau e nos Tribunais. A prova no habeas
corpus: o que diz o STF - novas idéias. Habeas corpus e prisão disciplinar. O CPP e a CF. Habeas corpus e a
decisão recorrível ou recorrida. Cabimento e competência para julgar. Cabimento do instituto na prisão
mantida por particular. Trancamento de inquéritos e de processos. Mandado de segurança no processo
penal.

Notas de Aula22

1. Habeas corpus

Para Ada Pelegrini:

“Habeas corpus é o remédio constitucional de maior amplitude, destinado à


proteção do direito de liberdade de locomoção contra toda espécie de ilegalidade.
Tem por objeto uma prestação estatal consistente no restabelecimento da liberdade
de ir, vir e ficar, ou, ainda, na remoção de ameaça que possa pairar sobre esse
direito fundamental da pessoa.”

Este instrumento é uma ação autônoma de impugnação, sem natureza recursal, tal
como a revisão criminal, mesmo que o CPP o insira no capítulo dedicado aos recursos. Sua
22
Aula ministrada pelo professor Orlando Monteiro Espíndola da Cunha, em 5/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

finalidade é tolher violação ou ameaça de violação ao direito de liberdade de locomoção, o


que gera a distinção entre o HC repressivo, ou liberatório, quando a violação está em curso,
e o HC preventivo, quando existe apenas a ameaça à locomoção. O HC preventivo pode ser
convertido em liberatório, segundo o STF.
O HC é uma garantia, e não um direito constitucional. Ele se presta a ser um
instrumento a proteger a liberdade ambulatória, esta sim um direito fundamental.

1.1. Hipóteses de cabimento

Veja os artigos 647 e 648 do CPP:

“Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na
iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo
nos casos de punição disciplinar.”

“Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:


I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a
autoriza;
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade.”

1.1.1. Atos de particular

É cabível habeas corpus contra ato de particular. O STJ pacificou esta divergência,
em nível jurisprudencial, mas a doutrina ainda se divide: a primeira corrente defende que
não é possível, porque o cerceamento indevido da liberdade pelo particular contra outro é
crime, sujeitando-o à prisão em flagrante, e não a impetração de HC. Segunda corrente, a
do STJ, entende que como o HC possui maior espectro protetivo, sem restrição específica,
deve-se entender cabível em qualquer cerceamento de liberdade, mesmo praticado por
particular – diferentemente do o mandado de segurança, em que o ato deve necessariamente
vir do aparato estatal, ou de particular que esteja no desempenho de atividade estatal (como
o reitor de uma faculdade).
A corrente que veda a impetração contra ato de particular, capitaneada por Sérgio
Demoro e Damásio, interpreta sistematicamente o CPP, em que, a todo tempo, o HC é
mencionado como instrumento dedicado a atos constritivos praticados por autoridades,
como se vê no artigo 649 do CPP:

“Art. 649. O juiz ou o tribunal, dentro dos limites da sua jurisdição, fará passar
imediatamente a ordem impetrada, nos casos em que tenha cabimento, seja qual for
a autoridade coatora.” (grifo nosso)

A segunda corrente, que admite este cabimento – do STJ, de Tourinho e Ada, entre
outros –, interpreta o CPP à luz da CRFB, cotejando os dispositivos do mandamus e do HC,

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

para concluir, como dito, que não há no HC a restrição que há no mandado de segurança,
nos incisos LXVIII e LXIX do artigo 5° da CRFB:

“(...)
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica
no exercício de atribuições do Poder Público;
(...)” (grifo nosso)

Veja o RHC 4.120, do STJ, acatando esta corrente:


“RHC 4120 / RJ (STJ – 6ª TURMA - DJ 17.06.1996 p. 21517)
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. ATO DE
PARTICULAR. HABEAS-CORPUS. ADMISSIBILIDADE. - O HABEAS-
CORPUS E AÇÃO CONSTITUCIONAL DESTINADA A GARANTIR O
DIREITO DE LOCOMOÇÃO, EM FACE DE AMEAÇA OU DE EFETIVA
VIOLAÇÃO POR ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. - DO TEOR DA
CLAUSULA CONSTITUCIONAL PERTINENTE (ART. 5. LXVIII) EXSURGE
O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE ADMITIR-SE O USO DA GARANTIA
INCLUSIVE NA HIPOTESE EM QUE A ILEGALIDADE PROVENHA DE ATO
DE PARTICULAR, NÃO SE EXIGINDO QUE O CONSTRANGIMENTO SEJA
EXERCIDO POR AGENTE DO PODER PUBLICO. - RECURSO ORDINARIO
PROVIDO.”

É claro que, para ser cabível, é preciso que não haja necessidade de dilação
probatória – a prova preconstituída é exigida no HC –, pois se for preciso produzir provas,
haverá inadequação da via eleita, impedindo o curso do HC. O HC permite exame de
provas, mas estas devem ser previamente produzidas, pois no seu curso não há momento
para instrução.

1.1.2. Punição administrativa militar

É cabível habeas corpus contra punição administrativa militar, imposta por


transgressão disciplinar?
A única prisão que dispensa ordem judicial, salvo o flagrante, segundo a CRFB, é a
administrativa, por transgressão militar ou crime militar próprio, na forma do artigo 5°,
LXI, da CRFB:

“(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
(...)”

O artigo 142, § 2°, da CRFB, dispõe que não é cabível o HC nestes casos,
expressamente:

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
(...)
§ 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares.
(...)”

Contudo, o STF tem entendido que esta vedação se dirige unicamente à discussão
do mérito da prisão, que é insindicável pelo judiciário, não sendo vedada a impetração de
HC para discutir os pressupostos de legalidade desta prisão: o militar não poderá discutir
em HC aspectos insindicáveis pelo Judiciário, mas poderá impetrar a ordem para promover
controle de legalidade da prisão, tais como a incompetência da autoridade, a inexistência de
previsão da sanção para seu caso, e outros aspectos de legalidade do ato prisional. Para o
STF, são pressupostos de legalidade da prisão, discutíveis em HC: a hierarquia; o poder
disciplinar, a natureza da penalidade disciplinar, e o ato relativo à função.
Veja o HC 70.648, do STF:

“HC 70648 / RJ (STF – 1ª TURMA - DJ 04-03-1994). "Habeas corpus". O sentido


da restrição dele quanto as punições disciplinares militares (artigo 142, PAR. 2., da
Constituição Federal). - Não tendo sido interposto o recurso ordinário cabivel
contra o indeferimento liminar do "habeas corpus" impetrado perante o Superior
Tribunal de Justiça (artigo 102, II, "a", da Constituição Federal), conhece-se do
presente "writ" como substitutivo desse recurso. - O entendimento relativo ao
PAR.20 do artigo 153 da EmendaConstitucional n. 1/69, segundo o qual o
princípio, de que nas transgressões disciplinares não cabia "habeas corpus", não
impedia que se examinasse, nele, a ocorrencia dos quatro pressupostos de
legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado a
função e a pena susceptivel de ser aplicada disciplinarmente), continua valido para
o disposto no PAR. 2. do ARTIGO 142 da atual Constituição que e apenas mais
restritivo QUANTO AO âmbito dessas transgressões disciplinares, pois a LIMITA
AS DE natureza militar. . "Habeas corpus" deferido para que o S.T.J. julgue o
"writ" que foi impetrado perante ele, afastada a preliminar do seu não-cabimento.
Manutenção da liminar deferida no presente "habeas corpus" até que o relator
daquele possa aprecia-la, para mante-la ou não.”

Para a discussão judicial da punição administrativa militar, é necessário o


esgotamento da via administrativa? O entendimento jurisprudencial tem pendido ao
incondicionamento da admissibilidade ao esgotamento da via administrativa, pois tal
condição é um óbice inadmissível ao acesso à justiça. Contudo, há julgados, minoritários,
que defendem ser imprescindível o exaurimento administrativo do caso. Veja:

“RCHC 1997.01.00.033848-7/AM; RECURSO EM HABEAS CORPUS.


Relator: JUIZ HILTON QUEIROZ. Órgão Julgador: QUARTA TURMA.
Publicação 25/06/1998 DJ p.168 Decisão: Por maioria, dar provimento à remessa,
julgar improcedente o pedido e cassar a ordem.
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR.
USO DA VIA JUDICIAL SEM PRÉVIA EXAUSTÃO DOS RECURSOS
ADMINISTRATIVOS. PRISÃO. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO NA
ORIGEM. REMESSA "EX OFFICIO". REFORMA DA SENTENÇA.

Michell Nunes Midlej Maron 127


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

1 - A norma do artigo 51, parágrafo 3º, da Lei nº 6.880/1980, não é incompatível


com a do artigo 5º, XXXV, da vigente Carta Republicana, porque não veda ao
militar o acesso à proteção jurisdicional, apenas a condiciona à prévia exaustão da
via administrativa, além da antecipada participação da iniciativa a seu comandante.
2 - É que, estando o militar sujeito à disciplina e à hierarquia, comprometido estará
esse vínculo se, antes da possibilidade de reexame de seu pleito por seus
superiores, de logo buscar a decisão judicial, a pretexto de uma açodada proteção a
direito supostamente violado, que pode servir à desmoralização do comando.
3. No caso, a infração do artigo 51, parágrafo 3º, da Lei nº 6.880/1980, foi erigida
como transgressão disciplinar militar, sujeita a punição própria, que, aplicada como
o foi, no caso em apreço, não padece de vício que administrativamente a inquine
quanto à competência, forma, objeto, finalidade e motivo, estando conforme ao
artigo 142, parágrafo 3º, da Constituição Federal, daí não representar ato ilegal e
abusivo em detrimento da liberdade do paciente.
4. Remessa provida. Improcedência do pedido. Cassação da ordem.”

A posição majoritária, como dito, é que o acesso ao Judiciário é incondicionado,


pois a CRFB só apresenta uma única hipótese que a admissibilidade do feito é condicionada
ao exaurimento administrativo, qual seja, a discussão empreendida na Justiça Desportiva.
Esta orientação se aplica aos policiais militares estaduais, à simetria, em atenção ao
artigo 144, V e § 6°, da CRFB:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de


todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...)
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
(...)
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e
reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
(...)”

A respeito, veja julgados do TJ/RJ:

“2005.059.04432 - HABEAS CORPUS - 1ª Ementa DES. MARIA HELENA


SALCEDO - Julgamento: 27/09/2005 - QUINTA CAMARA CRIMINAL.
Habeas corpus. Justiça Militar. Alegação de invalidade do ato administrativo, que
determinou punição disciplinar. Inocorrência. Transgressão disciplinar tipificada
no item I, inciso II do Anexo do RDPM devidamente fundamentada pela
autoridade militar. Punição administrativa não amparada por "Habeas corpus", com
fundamento no artigo 142, parágrafo segundo, da Constituição da República.
Denegação da ordem.”

“2001.059.02732 - HABEAS CORPUS - 1ª Ementa DES. MANOEL ALBERTO -


Julgamento: 04/12/2001 - QUINTA CAMARA CRIMINAL.
HABEAS CORPUS. POLICIAIS MILITARES. TRANSGRESSÃO
DISCIPLINAR. Punição. Nos termos do § 2º, do art. 142, da CR/88, Não caberá
habeas corpus em relação a punições disciplinares militares." Vício formal. Sendo
o Corregedor-Geral da Polícia Militar no Estado do Rio de Janeiro delegatário do
Comandante-Geral da Polícia Militar deste Estado para decidir procedimentos
disciplinares no âmbito daquela corporação, inexiste vício formal no procedimento
disciplinar instaurado, tendo em vista ser aquela autoridade competente para
praticar o ato inquinado de ilegal. Ordem que se denega.”

Michell Nunes Midlej Maron 128


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1.1.3. Objeto diverso da liberdade

É possível o HC para não ser submetido à identificação criminal? Veja o seguinte


julgado do STF:

“RHC 66471 / SP – (STF – 2ª TURMA - DJ 31-03-1989). RECURSO DE


'HABEAS CORPUS'. I. TRANCAMENTO DO INQUERITO POLICIAL.
INVIABILIDADE. FATO TIPIFICAVEL COMO ILICITO PENAL. II.
IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL QUE NÃO SE JUSTIFICA, NO CASO, APÓS O
ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. PRECEDENTES DE AMBAS AS
TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PROVIDO
PARA DETERMINAR O CANCELAMENTO DA IDENTIFICAÇÃO
CRIMINAL DO RECORRENTE.”

Debalde tal julgado, bem antigo, Paulo Rangel entende que não, pois o instrumento
seria o mandado de segurança, ante a remota conexão entre esta identificação e o direito
ambulatorial: o direito a não ser identificado é autônomo, e conta com ampla legislação
sobre seu alcance.

1.1.4. Trancamento de inquérito

O HC para trancamento do inquérito é cabível, quando a ilegalidade for flagrante.


São hipóteses apontadas pela doutrina, por exemplo, a instauração de inquérito por fato
atípico, ou para apuração de fato prescrito, entre outros. Se a instauração do inquérito for
por si só uma ilegalidade, é passível de HC para trancamento (que tem o efeito prático de
arquivamento).
Por ser um verdadeiro arquivamento sem interferência do MP, mitigando o sistema
acusatório, a jurisprudência admite o HC para trancamento do inquérito, mas com muita
cautela, guardando o cabimento para hipóteses excepcionais, consubstanciadas na
atipicidade da conduta, na extinção da punibilidade, ou na falta de justa causa. Veja o
seguinte julgado do STF, que bem reflete esta idéia:

“HC 89398 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CÁRMEN


LÚCIA. Julgamento: 20/09/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 26-
10-2007.
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AUTORIDADE
COATORA. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. ILEGITIMIDADE
PASSIVA. SUSPENSÃO DE ATOS INVESTIGATÓRIOS. MATÉRIA
JORNALÍSTICA. INEXISTÊNCIA DE COAÇÃO OU AMEAÇA DE COAÇÃO.
PRECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. O presente habeas corpus,
que visa ao trancamento de eventual inquérito e ação penal, não se justifica,
quando se cuida de fatos simplesmente noticiados em reportagens jornalísticas sem
referência a ato da autoridade tida como coatora. O trancamento de inquéritos e
ações penais em curso - o que não se vislumbra na hipótese dos autos - só é
admissível quando verificadas a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade
ou a ausência de elementos indiciários demonstrativos de autoria e prova da
materialidade. Precedentes. 2. O Ministério Público é o órgão competente
constitucionalmente para o desempenho da persecução penal, e não há
constrangimento ilegal algum na eventual apreciação de documentos fornecidos ao
Procurador-Geral da República pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Ainda que

Michell Nunes Midlej Maron 129


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

se considerasse a possibilidade concreta e verdadeiramente iminente de instauração


de procedimento criminal contra o Paciente, o que não se dá na espécie, é certo que
a autoridade coatora não seria o Procurador-Geral da República, mas sim
autoridade policial ou mesmo órgão ministerial atuante na primeira instância, em
razão de fazer jus o Paciente a foro especial, nem se enquadrar em circunstâncias
outras capazes de atrair a atuação direta do chefe do Ministério Público Federal.
Precedentes. 3. Habeas corpus denegado.”

O trancamento do inquérito faz coisa julgada material.


Para obstar o indiciamento, porém, o HC é cabível. Veja decisões do STF que
entendiam incabível, porém:

“RHC 86314 / RS – (STF – 2ª TURMA - DJ 28-10-2005). DESCAMINHO E


FALSIDADE IDEOLÓGICA. 1. Indiciamento. O simples ato de indiciamento não
configura constrangimento ilegal sanável pela via do habeas corpus. Precedentes.
2. Recurso ordinário desprovido. HC 90836 / SP (STF – 1ª TURMA - DJ 29-06-
2007).”

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PROVA


ILÍCITA. APREENSÃO DE DOCUMENTOS SEM ORDEM JUDICIAL.
ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. INDICIAMENTO. FALTA DE INDÍCIOS
SUFICIENTES. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. DENÚNCIA RECEBIDA.
ORDEM DENEGADA. I - Tendo um dos gerentes franqueado acesso das
autoridades policiais federais, que agiam no sentido de apurar notitia criminis, não
há falar em ilegalidade na obtenção dE provas. II - Vinda aos autos a informação
de que há ação penal para apuração dos fatos, eis o melhor foro para a discussão da
licitude da prova. III - O mérito do indiciamento não pode ser discutido em habeas
corpus, cuja legalidade não foi sequer questionada. IV - Ordem denegada.”

O indiciamento não tem tratamento legal. É um instituto bastante carente de


regulamentação, mesmo porque é um ato que pode vir a não ter qualquer serventia: o
indicado de hoje não necessariamente é o réu de amanhã, se o MP não formar opinio delicti
que permita a denúncia, por exemplo.
Para instaurar inquérito, basta a possibilidade de que tenha havido a infração penal
praticada por aquele determinado sujeito; para indiciamento, é necessária a probabilidade
de que o investigado seja autor do delito – o que coincidirá com a justa causa para
denunciar. A certeza, é claro, só será exigida para a condenação criminal.
Se o indiciamento vier quando já há persecução penal judicial em curso pelo mesmo
fato, há constrangimento ilegal a ser alvejado por HC. O STF entendia que, neste caso,
caberia mandado de segurança, mas reviu sua posição. Veja o seguinte julgado, do STJ:

“HC 44411 / SP (STJ – 5ª Turma - DJ 24.10.2005 p. 358). HABEAS CORPUS.


CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE PRATICADO EM CONCURSO
MATERIAL E DE PESSOAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
DETERMINAÇÃO DE INDICIAMENTO FORMAL. CONSTRANGIMENTO.
MEDIDA DE CARÁTER INQUISITORIAL DESNECESSÁRIA, DEPOIS DE
OFERECIDA E RECEBIDA A PEÇA VESTIBULAR. PRECEDENTES.
Segundo orientação pacífica desta Corte, a determinação de indiciamento formal,
quando já em curso a ação penal pelo recebimento da denúncia, é tida por
desnecessária e causadora de constrangimento ilegal. Ordem concedida.”

Michell Nunes Midlej Maron 130


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Havendo denúncia recebida, não mais caberá HC contra o inquérito, tampouco


contra o indiciamento, qualquer que seja o fundamento: a situação agora é judicial, e os
atos a serem alvejados pelas partes, com recursos ou ações impugnativas, são os judiciais.
O inquérito policial não pode ser instaurado de ofício pela Polícia Federal contra
parlamentar federal, e, se o fizer, cabe HC para seu trancamento. Somente com autorização
do STF, corte competente para eventual processamento criminal, é possível à Polícia
Federal iniciar a investigação. Veja o julgado abaixo, do STF:

“Inq 2411 QO / MT - MATO GROSSO. QUESTÃO DE ORDEM NO


INQUÉRITO. Relator(a): Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 10/10/2007.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 25-04-2008.
EMENTA: Questão de Ordem em Inquérito. 1. Trata-se de questão de ordem
suscitada pela defesa de Senador da República, em sede de inquérito originário
promovido pelo Ministério Público Federal (MPF), para que o Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) defina a legitimidade, ou não, da instauração do
inquérito e do indiciamento realizado diretamente pela Polícia Federal (PF). 2.
Apuração do envolvimento do parlamentar quanto à ocorrência das supostas
práticas delituosas sob investigação na denominada "Operação Sanguessuga". 3.
Antes da intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto deste inquérito, o
Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade policial encarregada do
cumprimento da diligência. 4. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca
do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de
competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, nos
inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o
titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição exclusiva de
cidadão, apresente "notitia criminis", diretamente a este Tribunal é parte
manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de recebimento de denúncia
para a apuração de crimes de ação penal pública incondicionada. Precedentes: INQ
no 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, DJ 27.10.1983; INQ (AgR) no
1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; PET - AgR - ED
no 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET no 1.954/DF,
Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) no 2.805/DF,
Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET no 3.248/DF, Rel.
Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ no 2.285/DF, Rel.
Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e PET (AgR) no
2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças entre a regra geral, o
inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito
originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF.
A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses do
titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das
instituições. Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por
crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional
plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial
(abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do
STF. A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF
contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. 5. A Polícia Federal não
está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de
parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF).
No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" c/c Lei
nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial
deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das
investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual
oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. 6. Questão de ordem

Michell Nunes Midlej Maron 131


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela


autoridade policial em face do parlamentar investigado

Se o MP requisitar, também será cabível este inquérito. Somente a instauração do


inquérito de ofício é impossível, neste caso.

1.1.5. Vista de autos de inquérito

Seria cabível HC contra ato que impede a vista de autos de inquérito, mas hoje cabe
a reclamação, diretamente endereçada ao STF, porque a questão é sumulada em enunciado
vinculante, hoje: o STF entende que o advogado constituído pode ter acesso aos atos, mas
apenas às diligências já realizadas e devidamente documentadas, conforme o teor da
recente súmula vinculante 14:

“Súmula vinculante 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter


acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa.”

Discute-se, ainda, porém, se o acesso do advogado restringe-se aos documentos do


inquérito referentes ao seu patrocinado, ou a todos os documentos do inquérito, a quem
quer que se refiram – divisão que, se for a posição adotada pelo STF (que ainda a discute),
pode tornar-se de difícil observância, na prática.
Repare que anteriormente, o STF entendia que era cabível mandado de segurança
contra a negativa de vista dos autos, porque seria direito do advogado em discussão.
Contudo, viu-se que esta ilegalidade é, de fato, uma medida de constrição ao investigado, e
por isso é cabível o HC, preventivo.
Veja a ementa do HC do STF, e trecho de seu teor:

“HC 93767 MC/DF. Persecução penal - Sigilo - Direito de acesso do advogado,


quando constituído (Transcrições).
EMENTA: PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA
DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO
CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA.
COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA
CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO
(LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER
NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA
UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE
INVESTIGAÇÃO PENAL OU ACUSAÇÃO CRIMINAL EM JUÍZO.
CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ
DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS
AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU
PROCESSO JUDICIAL). POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA
AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA.
- A pessoa que sofre persecução penal, em juízo ou fora dele, é sujeito de direitos e
dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897).
A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as
garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele
que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.

Michell Nunes Midlej Maron 132


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído


pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de
pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora
dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto,
tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao
procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e
providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não
documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.
(...)
‘A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do
indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe
faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá
prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual
haja o investigado de prestar declarações.’”

1.1.6. HC de ofício e HC per saltum

Pode qualquer órgão do Judiciário reconhecer a manifesta ilegalidade, concedendo


HC de ofício.
Isto, inclusive, permite a flexibilização da súmula 691 do STF:

“Súmula 691, STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de


‘habeas corpus’ impetrado contra decisão do relator que, em ‘habeas corpus’
requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar.”

Esta súmula impede a supressão de instâncias, mantendo a decisão sobre o HC


ainda no órgão colegiado de origem, como deve ser. Sobre sua leitura, há duas vertentes no
STF: a primeira simplesmente desconhece do HC que chega até a Corte sem passar pelo
colegiado, aplicando literalmente a súmula supra. A segunda corrente entende que, havendo
ilegalidade flagrante, flexibiliza-se a súmula, concedendo o HC de ofício. Veja o HC
95.009 (caso Daniel Dantas), que adota a flexibilização, e a conversão do HC preventivo
em liberatório:

“HC 95009 / SP - SÃO PAULO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. EROS


GRAU. Julgamento: 06/11/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 19-
12-2008.
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL.
CORRUPÇÃO ATIVA. CONVERSÃO DE HC PREVENTIVO EM
LIBERATÓRIO E EXCEÇÃO À SÚMULA 691/STF. PRISÃO TEMPORÁRIA.
FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA PRISÃO PREVENTIVA.
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA VIABILIZAR A
INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI
PENAL FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PACIENTE.
PRESERVAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA. QUEBRA DA IGUALDADE
(ARTIGO 5º, CAPUT E INCISO I DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL).
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA PRISÃO
PREVENTIVA. PRISÃO CAUTELAR COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE
(ARTIGO 5º, LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. COMBATE À
CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. ÉTICA JUDICIAL,
NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ.
AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO

Michell Nunes Midlej Maron 133


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.


DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER CALADO (ARTIGO 5º, LXIII
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). CONVERSÃO DE HABEAS CORPUS
PREVENTIVO EM HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. O habeas corpus
preventivo diz com o futuro. Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e
vir. Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia veiculada em
jornal de grande circulação, veio a ser concretizado. Justifica-se a conversão do
habeas corpus preventivo em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial e
porque abrange a proteção mediata e imediata do direito de ir e vir. SÚMULA 691.
EXCEÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE, NO CASO
CONCRETO, DE PRONTA ATUAÇÃO DESTA CORTE. Esta Corte tem
abrandado o rigor da Súmula 691/STF nos casos em que (i) seja premente a
necessidade de concessão do provimento cautelar e (ii) a negativa de liminar pelo
tribu nal superior importe na caracterização ou manutenção de situações
manifestamente contrárias ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.
PRISÃO TEMPORÁRIA REVOGADA POR AUSÊNCIA DE SEUS
REQUISITOS E PORQUE CUMPRIDAS AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES
DESTINADAS À COLHEITA DE PROVAS. Prisão temporária que não se
justifica em razão da ausência dos requisitos da Lei n. 7.960/89 e, ainda, porque no
caso foram cumpridas as providências cautelares destinadas à colheita de provas.
PRISÃO PREVENTIVA: Indeferimento, pelo Juiz, sob o fundamento de ausência
de conduta, do paciente, necessária ao estabelecimento de nexo de causalidade
entre ela e fatos imputados a outros investigados. Reconsideração com fundamento
em prova nova consistente na apreensão de papéis apócrifos na residência do
paciente. Insuficiência de provas que se reportam a circunstâncias remotas,
dissociadas do contexto atual. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA: I)
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA VIABILIZAR, COM A
COLHEITA DE PROVAS, A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. Tendo o Juiz
da causa autorizado a quebra de sigilos telefônicos e determinado a realização de
inúmeras buscas e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instauração da
ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do paciente por
conveniência da instrução penal. Medidas que lograram êxito, cumpriram seu
desígnio. Daí que a prisão por esse fundamento somente seria possível se o
magistrado tivesse explicitado, justificadamente, o prejuízo decorrente da liberdade
do paciente. A não ser assim ter-se-á prisão arbitrária e, por conseqüência,
temerária, autêntica antecipação da pena. O propalado "suborno" de autoridade
policial, a fim de que esta se abstivesse de investigar determinadas pessoas, à
primeira vista se confunde com os elementos constitutivos do tipo descrit o no art.
333 do Código Penal (corrupção ativa). II) GARANTIA DA APLICAÇÃO DA
LEI PENAL, FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PACIENTE. A
prisão cautelar, tendo em conta a capacidade econômica do paciente e contatos
seus no exterior não encontra ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, pena de estabelecer-se, mediante quebra da igualdade (artigo 5º, caput e
inciso I da Constituição do Brasil) distinção entre ricos e pobres, para o bem e para
o mal. Precedentes. III) GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, COM ESTEIO EM
SUPOSIÇÕES. Mera suposição --- vocábulo abundantemente utilizado no decreto
prisional --- de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinqüindo
não autorizam a medida excepcional de constrição prematura da liberdade de
locomoção. Indispensável, também aí, a indicação de elementos concretos que
demonstrassem, cabalmente, a necessidade da prisão. IV) PRESERVAÇÃO DA
ORDEM ECONÔMICA. No decreto prisional nada se vê a justificar a prisão
cautelar do paciente, que não há de suportar esse gravame por encontrar-se em
situação econômica privilegiada. As conquistas das classes subalternas, não se as
produz no plano processual penal; outras são as arenas nas quais devem ser
imputadas responsabilidades aos que acumulam riquezas. PRISÃO PREVENTIVA
COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. A prisão

Michell Nunes Midlej Maron 134


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

preventiva em situações que vigorosamente não a justifiquem equivale a


antecipação da pena, sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a
mereça, mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio da
presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (artigo 5º,
LVII da Constituição do Brasil), é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a
exceçã o. Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a demonstração
de situações efetivas que justifiquem o sacrifício da liberdade individual em prol
da viabilidade do processo. ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. O
Estado de direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e,
especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo circunstâncias excepcionais,
não sermos presos senão após a efetiva comprovação da prática de um crime. Por
isso usufruímos a tranqüilidade que advém da segurança de sabermos que se um
irmão, amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo ilícito,
não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem antes se valer de todos os
meios de defesa em qualquer circunstância à disposição de todos. Tranqüilidade
que advém de sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão,
amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta da qual qualquer
violência que os alcance, venha de onde vier, será coibida. COMBATE À
CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. O que caracteriza a sociedade
moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno, é por um lado a divisão
do trabalho; por outro a monopolização da tributação e da violência física. Em
nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que todos
cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e
privativa da Administração (não do Judiciário), através da polícia, como se lê nos
incisos do artigo 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete,
privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I). ÉTICA JUDICIAL,
NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. A
neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto
da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao confl ito. A independência é
expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do
governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo
--- quando o exijam a Constituição e a lei --- mas também impopulares, que a
imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade
é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes nos
processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de
prevenção a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a
abrangência do princípio da impessoalidade, que a impõe. AFRONTA ÀS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º,
INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. De que vale
declarar, a Constituição, que "a casa é asilo inviolável do indivíduo" (art. 5º, XI) se
moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem
verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o
habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem
especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição
seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos
gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a
apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto
ou não da investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica "devassa". Esses
mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica
indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a
ser, quando e se oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir. De que
vale a Constituição dizer que "é inviolável o sigilo da correspondência" (art. 5º,
XII) se ela, mesmo eliminada ou "deletada", é neles encontrada? E a apreensão de
toda a sorte de coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse
de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com os quais seriam

Michell Nunes Midlej Maron 135


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

eventualmente enfrentados os tempos amargos que se seguem a sua prisão. A


garantia constitucional da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV) para nada vale
quando esses excessos tornam-se rotineiros. DIREITO, DO ACUSADO, DE
PERMANECER CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL). O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá
ser desenvolvido perquirindo-se necessidade e indispensabilidade da medida. A
primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte: em que
e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação? Exclua-se desde logo a
afirmação de que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a
qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII), o que faz com que a
resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade. Ora, não se
prende alguém para que exerça uma faculdade. Sendo a privação da liberdade a
mais grave das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o paciente
dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitá-la. Se a investigação
reclama a oitiva do suspeito, que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas,
respondendo-as o suspeito se quiser, sem necessidade de prisão. Ordem
concedida.”

O HC per saltum é também vedado, com base na súmula 691 do STF, supra. Este
HC é inadmissível, porque é verdadeira supressão de instância. Contudo, como se vê, o
STF admite-o, não expressamente, mas sim a título de HC de ofício quando a ilegalidade é
gritante.
Veja abaixo alguns julgados confirmando a vedação sumular, e outros
excepcionando-a:
“HC 79238 / RS (STF – 1ª TURMA – DJ 06-08-1999). EMENTA: "Habeas
corpus". - Em caso análogo ao presente, esta Primeira Turma, ao julgar a questão
de ordem que levantei no HC 76.347, não conheceu deste por acórdão cuja ementa
é esta: "Habeas corpus". Questão de ordem. Inadmissibilidade de "habeas corpus"
em que se pretende seja concedida liminar por esta Corte substitutiva de duas
denegações sucessivas dessa liminar pelos relatores de dois Tribunais inferiores a
ela, mas dos quais um é superior hierarquicamente ao outro. - A admitir-se essa
sucessividade de "habeas corpus", sem que o anterior tenha sido julgado
definitivamente para a concessão de liminar "per saltum', ter-se-ão de admitir
conseqüências que ferem princípios processuais fundamentais, como o da
hierarquia dos graus de jurisdição e o da competência deles. "Habeas corpus" não
conhecido.”

“HC-AgR 82135 / RJ (STF- 2ª TURMA - DJ 06-09-2002). EMENTA -


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. Sucessividade, antes de
julgamento definitivo. 2. Inadmissibilidade de substituição do Superior Tribunal de
Justiça. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.”

“HC 85185 / SP – (STF – PLENO - DJ 01-09-2006). EMENTA: 1.


COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Impetração contra decisão de
ministro relator do Superior Tribunal de Justiça. Indeferimento de liminar em
habeas corpus. Rejeição de proposta de cancelamento da súmula 691 do Supremo.
Conhecimento admitido no caso, com atenuação do alcance do enunciado da
súmula. O enunciado da súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a
hipótese, conhecer de habeas corpus contra decisão do relator que, em habeas
corpus requerido ao Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar. 2. AÇÃO
PENAL. Tributo. Crime contra a ordem tributária, ou crime tributário.
Procedimento administrativo não encerrado. Pendência de recurso administrativo.
Lançamento não definitivo. Delito ainda não tipificado. Jurisprudência assentada
do Supremo. Constrangimento ilegal caracterizado. Extinção do processo. HC

Michell Nunes Midlej Maron 136


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

concedido de ofício para esse fim. Pedido prejudicado. Crime contra a ordem
tributária não se tipifica antes do lançamento definitivo de tributo devido.”

“HC-MC 86864 / SP (STF - Tribunal Pleno - DJ 16-12-2005) EMENTA:


CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA POR CONVENIÊNCIA DA
INSTRUÇÃO CRIMINAL. LIMINAR INDEFERIDA PELO RELATOR, NO STJ.
SÚMULA 691-STF. I. - Pedido trazido à apreciação do Plenário, tendo em
consideração a existência da Súmula 691-STF. II. - Liminar indeferida pelo
Relator, no STJ. A Súmula 691-STF, que não admite habeas corpus impetrado
contra decisão do Relator que, em HC requerido a Tribunal Superior, indefere
liminar, admite, entretanto, abrandamento: diante de flagrante violação à liberdade
de locomoção, não pode a Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-
maior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, quedar-se inerte. III. -
Precedente do STF: HC 85.185/SP, Ministro Cezar Peluso, Plenário, 10.8.2005.
Exame de precedentes da Súmula 691-STF. IV. - Prisão preventiva decretada por
conveniência da instrução criminal. Conversa, pelo telefone, do paciente com outro
co-réu, conversa essa interceptada com autorização judicial. Compreende-se no
direito de defesa estabelecerem os co-réus estratégias de defesa. No caso, não há
falar em aliciamento e constrangimento de testemunhas. Ademais, o co-réu já foi
ouvido em Juízo. V. - Paciente com residência no distrito da culpa, onde tem
profissão certa; não há notícia de que haja procrastinado a instrução ou o
julgamento, tendo se apresentado à prisão imediatamente após a decretação desta.
A prisão preventiva, principalmente a esta altura, constitui ilegalidade flagrante.
VI. - Liminar deferida.”
Vê-se, portanto, que a ilegalidade flagrante permite afastar a súmula, admitindo-se o
conhecimento e a concessão do HC pelo órgão ad quem. O que é ilegalidade flagrante ou
não é conceito legado à casuística.

1.2. Interesse na impetração

Há interesse para impetração de HC quando a pena criminal alternativa imposta já


foi cumprida voluntariamente, antes do trânsito em julgado? Veja a súmula 695 do STF:
“Súmula 695, STF: Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de
liberdade.”

Cumprida a pena, não há interesse-necessidade no HC.


Quando o indivíduo aceita a proposta de suspensão condicional do processo, ainda
haverá interesse na impetração do HC contra o recebimento da denúncia? O STJ e o STF
entende que sim, porque ainda poderá ser retomada a ação penal, caso descumpra as
condições no período de prova da suspensão. Veja o seguinte julgado do STJ:

“HC 57232 / ES (STJ – 5ª Turma - DJ 01.10.2007 p. 304). HABEAS CORPUS.


CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. SURSIS PROCESSUAL. ART. 89
DA LEI N.º 9.099/95. ACEITAÇÃO PELO ACUSADO. POSTERIOR PEDIDO
DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR ATIPICIDADE DA CONDUTA.
POSSIBILIDADE. INTERESSE DE AGIR PRESERVADO. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA.
1. A circunstância de o denunciado ter aceito a proposta de suspensão condicional
do processo formulada pelo Ministério Público (art. 89 da Lei n.º 9.099/95), não
constitui óbice ao conhecimento do pleito de trancamento da ação penal.
Precedentes dos Tribunais Superiores.

Michell Nunes Midlej Maron 137


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

2. Não existe perda do interesse de agir de acusado, uma vez que ele permanece
submetido ao cumprimento das condições estipuladas pelo sursis, sob pena de
retomada do curso da ação penal, acompanhada de todos os inconvenientes dela
decorrentes e sobejamente conhecidos.
3. Nada impede que seja examinada, pelo Tribunal estadual, a questão acerca da
tipicidade da conduta descrita na inicial acusatória e a da presença de justa causa
para ação penal, porquanto a formalização da suspensão condicional do processo
pressupõe o recebimento da denúncia pelo Juízo de primeiro grau.
4. Habeas corpus concedido para determinar que a Corte a quo examine o mérito
da ordem originária, como entender de direito.”

Para questionar inépcia da denúncia, é cabível o HC, havendo interesse. O


momento, entretanto, para tal impetração, estende-se somente até a sentença, quando então
a impetração é impossível, por estar a matéria preclusa.

“HC 83301 / RS - RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.


MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento:
16/03/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 06-08-2004.
EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos
comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos
criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a
garantias constitucionais do devido processo legal (due process of law). Nulidade
absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância.
Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do
art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração
deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da
defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença
condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão. 2. AÇÃO PENAL. Delitos
contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos
arts. 21, § único, e 22, caput, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a
descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na
qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas
jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo
anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da
ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18,
20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos.
No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito "crime
societário", é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento
típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou
administrador de empresa.”

Havendo cessação da violência ou mudança do título da prisão, como fica a


dinâmica do HC? O artigo 659 do CPP dispõe o seguinte:

“Art. 659. Se o juiz ou o tribunal verificar que já cessou a violência ou coação


ilegal, julgará prejudicado o pedido.”

Veja os seguintes julgados, do TJ/RJ e do STJ, pela ordem:

“1999.059.01396 - HABEAS CORPUS. DES. AFRANIO SAYAO - Julgamento:


15/07/1999 - SEGUNDA CAMARA CRIMINAL.
HABEAS CORPUS - PRISAO EM FLAGRANTE DEFERIMENTO DA
LIBERDADE PROVISORIA - CESSACAO DO ALEGADO
CONSTRANGIMENTO ILEGAL - PEDIDO PREJUDICADO. UMA VEZ QUE

Michell Nunes Midlej Maron 138


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

CESSOU O ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL, POR ATO DO JUIZ


APONTADO COMO COATOR, DEFERINDO AO PACIENTE A PRETENDIDA
LIBERDADE PROVISORIA, JULGA-SE PREJUDICADO O PEDIDO, NA
CONFORMIDADE DO DISPOSTO NO ART. 659 DO CODIGO DE PROCESSO
PENAL.”

“HC 44413 / PR (STJ - 5ª TURMA - DJ 28.11.2005 p. 321).


HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO QUALIFICADO E CORRUPÇÃO
DE MENORES. PRISÃO EM FLAGRANTE. INDEFERIMENTO DE
LIBERDADE PROVISÓRIA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA
CONDENATÓRIA. MUDANÇA DO TÍTULO DA CONSTRIÇÃO CAUTELAR.
PERDA DO OBJETO.
1. Com a superveniência da prolação de sentença condenatória em desfavor do
paciente, pela prática dos crimes descritos na inicial acusatória, resta sem objeto o
pedido formulado nesta instância superior, que é dirigido contra a negativa de
liberdade provisória.
2. Writ julgado prejudicado.”

1.3. Competência para julgamento de HC

A competência para julgamento do HC leva em consideração a autoridade apontada


como autora da constrição indevida. A competência para julgar a pessoa autora do ato é a
competência para julgar o HC contra tal ato.
Pergunta-se, por exemplo: a quem compete julgar o HC impetrado contra a
instauração indevida do inquérito?
A resposta dependerá da forma de instauração. Se for de ofício, compete ao juiz de
direito (ou federal, se delegado federal). Se for instauração por requisição do juiz,
competirá ao respectivo tribunal julgar a impetração, assim como quando for instaurado a
ordem do MP. Esta é a dinâmica: identificada a autoridade coatora, o for competente para
julgá-la é o competente para julgar o HC contra seus atos.
Se o ato coator for praticado por CPI, o HC compete ao STF. Contra atos do MPU, a
impetração deve se dirigir ao TRF, como se vê no artigo 108, I, “a”, da CRFB logo abaixo
transcrito, e no julgado abaixo, do STF:

“RE 467923 / DF (STF – 1ª TURMA - DJ 04-08-2006)


EMENTAS: 1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Habeas corpus. Inquérito policial.
Requisição por Promotor de Justiça do Distrito Federal. Membro do Ministério
Público da União. Incompetência do Tribunal de Justiça. Feito da competência do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Conflito aparente de normas entre o art.
96, III, e o art. 108, I, a, cc. 128, I, d, todos da CF. Aplicação do princípio da
especialidade. Precedentes. Recurso provido. Não cabe ao Tribunal de Justiça do
Distrito Federal, mas ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conhecer de
habeas corpus contra ato de membro do Ministério Público do Distrito Federal. 2.
INQUÉRITO CRIMINAL. Falta de justa causa. Trancamento definitivo.
Procurador do Distrito Federal. Exercício legítimo da advocacia privada. Defesa de
réu em processo penal por delito contra a ordem tributária. Crédito fiscal do
Distrito Federal, que, no entanto, não é parte do processo. Suspensão condicional
deste, mediante pagamento do débito. Requerimento de extinção da punibilidade.
Delito de patrocínio infiel (art. 355 do CP). Não caracterização em tese.
Atipicidade do comportamento. HC concedido de ofício. Voto vencido. Não pratica
crime de patrocínio infiel, o procurador de ente federativo que, autorizado por lei a
exercer advocacia privada, defende réu em processo por crime contra a ordem

Michell Nunes Midlej Maron 139


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

tributária, cujo tributo seria devido ao mesmo ente, cujos interesses não estavam
confiado a seu patrocínio.”

Há uma só exceção a esta dinâmica: se o ato coator for praticado por juiz do
trabalho, em sendo observada a competência pelo foro, seria competente para o HC o
respectivo TRF, por conta da previsão constitucional desta competência para julgamento do
juiz do trabalho, no artigo 108, I, “a”, da CRFB:

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:


I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da
Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do
Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
(...)”

Ocorre que, com a alteração da EC 45/04, para o HC impetrado contra juiz do


trabalho, a competência é do TRT, como se vê no artigo 114, IV, da CRFB:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”

Por isso, mesmo que o TRF seja competente para julgar o juiz do trabalho, o TRT é
competente para julgar HC contra seus atos. Mas veja que, mesmo julgando o HC, a Justiça
do Trabalho não exercerá nunca jurisdição penal, como se vê na ADI 3.684:

“ADI 3684 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA


AÇÃO. DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CEZAR
PELUSO. Julgamento: 01/02/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação:
03-08-2007.
EMENTA: COMPETÊNCIA CRIMINAL. Justiça do Trabalho. Ações penais.
Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação
conforme dada ao art. 114, incs. I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC nº 45/2004.
Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida com efeito ex tunc. O
disposto no art. 114, incs. I, IV e IX, da Constituição da República, acrescidos pela
Emenda Constitucional nº 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para
processar e julgar ações penais.”

Para HC contra ato emanado de Turma Recursal, há divergência sobre a


competência. O STF havia emitido a súmula 690, dispondo que:

“Sumula 690, STF: Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o


julgamento de ‘habeas corpus’ contra decisão de Turma Recursal de Juizados
Especiais Criminais.”

Recentemente, porém, houve mudança de posição do STF, que deve ser observada,
mesmo que a súmula ainda não tenha sido formalmente cancelada: a corte entende que é
competência do respectivo tribunal de justiça. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 140


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

“HC 86834 / SP (STF – PLENO - DJ 09-03-2007). COMPETÊNCIA - HABEAS


CORPUS - DEFINIÇÃO. A competência para o julgamento do habeas corpus é
definida pelos envolvidos - paciente e impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS
CORPUS - ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas
recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de
responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal,
incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que
tenham praticado. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez
ocorrida a declinação da competência, cumpre preservar o quadro decisório
decorrente do deferimento de medida acauteladora, ficando a manutenção, ou não,
a critério do órgão competente.”

Contra ato do juiz do juizado, há quem defenda ser a turma recursal, mas há outra
corrente defendendo ser o próprio tribunal, assim como a turma recursal, pois, tal como
eles, são todos juizes, submetidos ao foro do respectivo tribunal. Veja HC abaixo, do TJ/RJ:

“2007.059.07130 - HABEAS CORPUS - 1ª Ementa DES. MARCUS


QUARESMA FERRAZ - Julgamento: 30/10/2007 - OITAVA CAMARA
CRIMINAL.
Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em benefício de Roque Forner,
sob alegação de que, em razão da impossibilidade do paciente comparecer à
Delegacia de Repressão de Crimes contra a Propriedade Imaterial D.R.C.P.I.M.
para prestar depoimento, em 18 de outubro último, às 14h, em inquérito policial,
(...) Analisando a inicial da impetração e a documentação que a instrui, constata-se
que não é imputada a qualquer juízo a iminência de prática de ato judicial que
venha causar ilegal constrangimento ao paciente. Na verdade, expressamente
sublinha a peça vestibular que o temor do paciente é que venha a autoridade
policial representar pela custódia processual, a qual deverá necessariamente ser
analisada por um magistrado, após a imprescindível manifestação do Ministério
Público. A competência das Câmaras Criminais está definida no artigo 8º do
Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, cabendo processar e julgar os habeas
corpus, quando o coator for Juiz ou Tribunal Criminal de Primeira Instância ou
membro do Ministério Público Estadual, salvo os atos dos Juízes dos Juizados
Especiais Criminais ou de suas Turmas Recursais. Conforme se vê, não tem este
órgão colegiado competência para processar e julgar habeas corpus contra ato
ilegal ou com abuso de poder que estiver, eventualmente, na iminência de ser
praticado por Delegado de Polícia, que reflita na liberdade do paciente.Por todo o
exposto, com base no artigo 31, inciso VIII, do Regimento Interno deste Tribunal
de Justiça, extingo o presente writ, sem julgamento de mérito.Rio de Janeiro, 30 de
outubro de 2007.DES. MARCUS QUARESMA FERRAZ RELATOR

Em síntese: HC contra atos da turma recursal, são de competência do respectivo


tribunal, ou, em se seguindo a súmula superada, do STF; contra atos de juiz do juizado
especial criminal, há julgados entendendo competir à sua respectiva turma, e há quem
entenda ser o próprio tribunal de justiça.
Outra questão: pode o relator julgar monocraticamente o mérito de HC destinado ao
colegiado? Em algumas hipóteses, sim: sempre que a matéria for já resolvida no STF.
Como exemplo, no caso de negativa de vista dos autos (porque há a súmula vinculante 14,
que até mesmo faz dispensado o HC, eis que pode haver reclamação direta ao STF); no
caso da prisão civil do depositário infiel, inadmissível, hoje; e também quando o juiz
comandar prisão automática a título de execução provisória da pena, o que é também

Michell Nunes Midlej Maron 141


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

impossível, hoje. Em suma, é possível ao relator empregar este julgamento monocrático


sempre que o STF já se posicionou, outrora, sobre o tema.
É possível HC contra decisão que define conflito de competência entre juizado
especial e juízo comum, decidindo erradamente em favor deste último? A resposta é
positiva. Veja o seguinte julgado do STJ:

“HC 41155 / RJ (STJ - 6ªTURMA - DJ 26.09.2005 p. 466)


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO. LEI Nº 10.259/2001. DELITO DE PEQUENO POTENCIAL OFENSIVO.
COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO. ORDEM CONCEDIDA.
O habeas corpus é ação constitucional adequada à obstar coação ilegal quando
quem a ordenar não tiver competência para fazê-lo (art. 648, inciso III, do CPP).
Decisão do Tribunal de Justiça que, em conflito de jurisdição, determina o
afastamento do Juizado Especial Criminal do julgamento de delitos de pequeno
potencial ofensivo suprime benefícios processuais inerentes àquele rito especial e
configura constrangimento ilegal sanável por habeas corpus. A partir da vigência
da Lei nº 10.259/01, o rol dos crimes de menor potencial ofensivo foi ampliado,
em obediência ao princípio da isonomia, posto que o limite da pena máxima foi
elevado para 02 anos. Ordem CONCEDIDA para declarar competente o Juizado
Especial Criminal.”
É possível a impetração de HC visando a anular a condenação proferida por juízo
absolutamente incompetente, quando já transitada em julgado e o agente já iniciou o
cumprimento da pena? Veja a súmula 59 do STJ, e o HC 66.395 da mesma Corte:

“Súmula 59, STJ: Não há conflito de competência se já existe sentença com


trânsito em julgado, proferida por um dos juízos conflitantes.”

“HC 66395 / MT (STJ - 5ª TURMA - DJ 25.06.2007 p. 263).


CRIMINAL. HC. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. FEITO
AJUIZADO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. DECISÃO QUE DECLINOU
DA COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO ESTADUAL. SENTENÇA
CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. ACÓRDÃO DO TRF QUE
RECONHECEU A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. (...)
I. Magistrado singular que declinou da competência para o Juízo estadual, o qual
condenou os réus pela prática de tráfico interno de entorpecentes, sendo que, após
o trânsito em julgado da sentença
condenatória, o Tribunal Regional Federal da 1 ª Região deu provimento ao
recurso interposto pelo Parquet, reconhecendo a internacionalidade do delito.
II. A teor da Súmula 59 desta Corte, faz-se mister reconhecer a impossibilidade da
matéria ser analisada em sede de conflito de competência, porquanto a sentença
condenatória proferida pelo Juízo estadual já transitou em julgado.
III. (...)
IV. Hipótese em que a Justiça Estadual entendeu inexistirem elementos hábeis a
demonstrar a internacionalidade do delito imputado aos réus, tendo o Tribunal
Regional da 1ª Região, por sua vez, asseverado que o simples fato de o serviço ter
sido contratado no Paraguai, mesmo se admitindo que a droga seria transportada
entre Dourados e Cuiabá, caracterizaria a natureza transnacional do crime.
V. Procedência da droga e dinâmica dos fatos que não restaram bem delineadas
tanto no inquérito quanto na instrução criminal, sendo que tais conclusões seriam
essenciais para a fixação da competência.
VI. (...)
VII. É sabido que a via estreita do writ é incompatível com a investigação
probatória, nos termos da previsão constitucional que o institucionalizou como
meio próprio à preservação do direito de locomoção, quando demonstrada ofensa

Michell Nunes Midlej Maron 142


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

ou ameaça decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. VIII. Ordem não


conhecida.”

1.4. Procedimento do HC

Três são as figuras importantes no HC: a autoridade coatora, aquela que produz o
ato de coação atacado; o paciente, aquele que tem seu direito de locomoção violado; e o
impetrante, que é quem postula a concessão da ordem – que pode ou não se confundir com
a figura do paciente.
Primeira assertiva que se deve fazer é de que é pacífica a admissibilidade de liminar
em HC, mesmo que não haja previsão legal expressa neste sentido.
No procedimento em primeiro grau, não há previsão de prestação de informações
pela autoridade coatora, previsão esta que só existe em segundo grau. Contudo, por
interpretação analógica, permite-se a prestação de informações também em primeiro grau.
O mesmo se dá com a oitiva do MP, prevista expressamente no HC em segundo grau, mas
não no primeiro: a jurisprudência é pacífica em entender necessária esta manifestação do
parquet também em primeiro grau.
O assistente de acusação não é ouvido no HC, em qualquer caso. O querelante,
quando o HC é impetrado em sede de ação penal privada, pode se manifestar.
Ocupa o pólo passivo do HC a autoridade coatora, em regra. Contudo, há quem
entenda que, na ação penal privada, se o querelado impetra HC, o querelante deverá ocupar
o pólo passivo.
A prova, no HC, deve ser preconstituída, não havendo dilação probatória no seu
curso. É claro que há exame de provas, neste writ, mas não há fase de produção de provas
em seu curso – devem vir todas preconstituídas. Neste sentido, veja alguns julgados do
STF:

“HC 91869 / SP (STF - Min. JOAQUIM BARBOSA - Segunda Turma - DJ 14-12-


2007). EMENTA: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. REDISTRIBUIÇÃO DA
AÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA A PACIENTE. INFORMAÇÕES
PRESTADAS PELA DESEMBARGADORA FEDERAL A QUEM,
ANTERIORMENTE, CABIA A RELATORIA DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA
DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL PORQUE NÃO DEMONSTRADO O
PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. 1. Redistribuída ação penal instaurada contra
a paciente a outra Desembargadora relatora, insurge-se a impetração contra decisão
do Superior Tribunal de Justiça que manteve nos autos de habeas corpus
informações prestadas pela anterior relatora do feito. 2. O impetrante não
demonstrou o efetivo prejuízo com a manutenção das informações nos autos do
writ. 3. A via eleita pressupõe prova pré-constituída. 4. Ordem denegada.”

“HC 89895 / MG (STF - Min. RICARDO LEWANDOWSKI - 1ª Turma - DJ 13-


04-2007). EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
PRISÃO PREVENTIVA APÓS CITAÇÃO POR EDITAL. ILEGALIDADE.
AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS PARA A DECRETAÇÃO. FALTA DE
MOTIVAÇÃO CONCRETA E ATUAL. CHAMAMENTO À LIDE. VÍCIO
INDEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. ORDEM
CONCEDIDA EM PARTE. I - Para a decretação da prisão preventiva, não basta a
mera citação por edital do acusado, exigindo-se sejam os pressupostos
autorizadores do art. 312 do CPP devidamente evidenciados. II - Impossibilidade
de examinar-se eventual vício da citação editalícia, na via eleita, sem a produção

Michell Nunes Midlej Maron 143


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

de prova pré-constituída exauriente. III - Ordem parcialmente concedida, apenas


para cassar o decreto de prisão preventiva.”

“HC 90326 / RS – (STF – 1ªTURMA DJE-036 DIVULG 28-02-2008)


EMENTA Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crimes societários e contra o
meio ambiente (Lei nº 9.605/98). Ausência de justa causa para o prosseguimento
da ação penal não configurada. Materialidade. Reexame de provas. Inviabilidade.
Precedentes. Ordem denegada. 1. Tratando-se de crimes societários, a denúncia
que contém condição efetiva que autorize o denunciado a proferir adequadamente
a defesa não configura indicação genérica capaz de manchá-la com a inépcia. No
caso, a denúncia demonstrou claramente o crime na sua totalidade e especificou a
conduta ilícita do paciente. 2. O trancamento de ação penal em habeas corpus
impetrado com fundamento na ausência de justa causa é medida excepcional que,
em princípio, não tem cabimento quando a denúncia ofertada narra suficientemente
fatos que constituem o crime. 3. A via estreita do habeas corpus não comporta
dilação probatória, exame aprofundado de matéria fática ou nova valoração dos
elementos de prova. 4. Habeas corpus denegado.”

Veja agora a posição do TJ/RJ:

“2007.059.06305 - HABEAS CORPUS - 1ª Ementa DES. GERALDO PRADO -


Julgamento: 14/11/2007 - SETIMA CAMARA CRIMINAL.
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
PLEITO PARA AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DO
PROCESSO. PRÁTICA, EM TESE, DOS DELITOS DE ESTELIONATO E
FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ALEGAÇÃO DE DOMICÍLIO RESIDENCIAL
E PROFISSIONAL NO DISTRITO DA CULPA. NÃO COMPROVAÇÃO.
AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL PRÉ-CONSTITUÍDA
INDISPENSÁVEL À COGNIÇÃO JUDICIAL. ÔNUS PROBATÓRIO QUE
INCUMBE AO IMPETRANTE. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO.
COGNIÇÃO LIMITADA PELA ESTRUTURA DO PROCEDIMENTO DESTE
WRIT. MATÉRIA SUJEITA À VERIFICAÇÃO APÓS A CONCLUSÃO DA
INSTRUÇÃO PROBATÓRIA NO JUÍZO DE ORIGEM. ILEGALIDADE DA
PRISÃO NÃO EVIDENCIADA. (...) Alegação de flagrante preparado. Matéria
que configura o mérito da causa, a ser elucidada na instrução criminal, não
constituindo o habeas corpus a via adequada para a elucidação dessa questão. Rito
processual simples e sumário que não comporta, em regra, dilação probatória. A
inicial deve vir acompanhada de prova pré-constituída que permita a pronta e
imediata cognição judicial. Ademais, a imputação de estelionato com formação de
quadrilha justifica a cautela do julgador em manter a prisão provisória para
assegurar a aplicação da lei penal. ORDEM DENEGADA.”

Se a decisão atacada no HC se funda em exame de provas, ainda assim prevalece a


restrição de dilação probatória. A resposta é sim. A regra é simples: não há dilação
probatória, produção de provas no decorrer do rito, pois se esta for necessária a via eleita
é inadequada; mas é possível a apreciação de provas já produzidas, inseridas no processo
já com a inicial da impetração. Veja alguns julgados do STF:

“HC 84908 / RJ (STF – 2ª TURMA - DJ 10-11-2006). E M E N T A: "HABEAS


CORPUS" - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - VERIFICAÇÃO DA
CONEXÃO ENTRE PROCEDIMENTOS PENAIS - NECESSIDADE DE
REEXAME DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DO PROCESSO PENAL DE
CONHECIMENTO - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO
"HABEAS CORPUS" - PEDIDO INDEFERIDO. REEXAME DA PROVA -

Michell Nunes Midlej Maron 144


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

MATÉRIA ESTRANHA AO "HABEAS CORPUS". - O "habeas corpus" constitui


remédio processual inadequado (a) para a análise da prova, (b) para o reexame do
material probatório produzido, (c) para a reapreciação da matéria de fato e,
também, (d) para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo
penal de conhecimento. Precedentes. VERIFICAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE
PROCEDIMENTOS PENAIS DEPENDENTE DO EXAME DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO: INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO
"HABEAS CORPUS". - Não se revela possível, no âmbito estreito do processo de
"habeas corpus", a verificação da conexão entre procedimentos penais(... ).
Precedentes.”

“HC 42697 / GB (STF – 1ª TURMA - DJ 02-02-1966). EMENTA - DENÚNCIA


POR PECULATO. ENVOLVENDO QUEM JÁ NÃO ERA DIRETOR AO
TEMPO DO ATO DA SOCIEDADE, CONSIDERADO CRIMINOSO.
NENHUMA ESPECIFICAÇAO DOS ATOS QUE CARACTERIZAM UMA CO-
PARTICIPAÇAO, AFIRMADA EM FÓRMULA VAGA. ANÁLISE DOS
PRESSUPOSTOS DA ILEGALIDADE, ABUSO DE PODER E FALTA DE
JUSTA CAUSA PARA CONCESSÃO DO HABEAS CORPUS.”
(...)
O Supremo Tribunal Federal não examina provas no sentido de que não as submete
a uma reapreciação subjetiva. Mas como verificar se houve ou não abuso de poder,
sem levar em conta, em certa medida, as provas em que se baseia a acusação ou
condenação? Ficaria letra morta a cláusula constitucional, que dá habeas corpus em
caso de abuso de poder, se o Supremo tribunal se impusesse uma vedação absoluta
nessa matéria.” (Min. Vitor Nunes Leal – Relator - HC 42697 / GB - 1ª TURMA -
DJ 02-02-1966)”

Veja alguns julgados do TJ/RS:

“HABEAS CORPUS PARA TRANCAR A ACAO PENAL. PROVA. O EXAME


DA PROVA, QUE E INVIAVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS, E O QUE
EXIGE O COTEJO DA PROVA, PARA VALORA-LA E DIMENSIONA-LA,
MAS NAO AQUELE QUE DIZ RESPEITO A SUA INTERPRETACAO. PARA
AFERIR-SE DE SEU ALCANCE, QUANDO A PROVA SE APRESENTA
UNICA E INCONTROVERSA. INVIOLABILIDADE DO VEREADOR.
EMBORA OFENSIVAS E CANDENTES AS PALAVRAS PROFERIDAS.
ESTANDO INSERIDAS NO DEBATE TRAVADO SOBRE MATERIA DE
INTERESSE MUNICIPAL E IRROGADAS DA TRIBUNA DA CAMARA, ESTA
O VEREADOR PROTEGIDO PELA REGRA CONSTITUCIONAL,
INEXISTINDO O CRIME. ORDEM CONCEDIDA PARA O TRANCAMENTO
DA ACAO PENAL. (7 FLS.) (Habeas Corpus Nº 70001359009, Sétima Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Carlos Ávila de Carvalho Leite,
Julgado em 21/09/2000).”

“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO


PREVENTIVA. Os elementos colhidos até então, não evidenciam qualquer
ilegalidade na prisão do paciente, que foi preso em flagrante com 48 papelotes de
cocaína e uma porção de maconha. Demais, na via do habeas corpus vedada a
análise da prova testemunhal, a não ser quando patente a ilegalidade, o que não é o
caso. Com a instrução criminal, a produção da prova será melhor examinada,
oportunidade em que a versão do paciente será apreciada, diante dos princípios do
contraditório e ampla defesa. Denegaram a ordem. Unânime. (Habeas Corpus Nº
70009319443, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 11/08/2004).”

Michell Nunes Midlej Maron 145


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Por conta desta limitação probatória, não é possível a utilização do HC para postular
absolvição. Veja o seguinte julgado do STJ:

“HC 80594 / RJ (STJ - 5ª TURMA - DJ 17.03.2008 p. 1).


HABEAS CORPUS. PENAL. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR
DE VEÍCULO AUTOMOTOR. RECEPTAÇÃO. SENTENÇA
CONDENATÓRIA. RECONHECIMENTO DA INOCÊNCIA.
IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE PROVAS. VIA
INADEQUADA. PERÍCIA PARA ATESTAR A ORIGEM ILÍCITA DOS BENS.
DESNECESSIDADE.
1. Desnecessário realizar perícia para atestar a origem ilícita das mercadorias
apreendidas, sobretudo quando resta demonstrado pelo simples cotejo do auto de
apreensão e apresentação que as notas fiscais, juntadas aos autos pela defesa, não
guardam qualquer relação com o objeto do crime.
2. Não é possível, na via exígua do habeas corpus, proceder amplo reexame dos
fatos e das provas para declarar se o caso é de absolvição ou não, sobretudo se a
instância ordinária, soberana na análise fática dos autos, restou convicta quanto à
materialidade do crime e a certeza da autoria.
3. Habeas corpus denegado.”

É exigido que o juiz aprecie todas as alegações trazidas na inicial da impetração? A


fundamentação é essencial, sem a qual há nulidade, mas não se exige a expressa menção a
todas as alegações das partes. Veja dois julgados do STF neste sentido:

“(...) A fundamentação constitui pressuposto de legitimidade das decisões judiciais.


A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional
de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância
do dever imposto pelo art. 93, IX, da Carta Política, precisamente por traduzir
grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica da
decisão e gera, de maneira irremissível, a conseqüente nulidade do pronunciamento
judicial. Precedentes. (HC 80.892, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-
10-01, DJ de 23-11-07)”

“A Constituição Federal não exige que o acórdão se pronuncie sobre todas as


alegações deduzidas pelas partes." (HC 83.073, Rel. Min. Nelson Jobim,
julgamento em 17-6-03, DJ de 20-2-04). No mesmo sentido: HC 82.476, Rel. Min.
Carlos Velloso, julgamento em 3-6-03, DJ de 29-8-03, RE 285.052-AgR, Rel. Min.
Carlos Velloso, julgamento em 11-6-02, DJ de 28-6-02.”

É possível se cogitar de coisa julgada em HC? A resposta é positiva, havendo


trânsito em julgado material e formal quanto aos temas apreciados, impedindo mera
reiteração da impetração denegada. Contudo, nova impetração, sob novas bases, é
admissível. Veja os seguintes julgados do STF:

“HC 80620 / PE (STF – 1ª TURMA - DJ 27-04-2001). EMENTA: Habeas-corpus:


renovação: admissibilidade, salvo a mera reiteração de impetração anteriormente
denegada. A decisão denegatória de habeas-corpus não faz coisa julgada e,
portanto, não impede a renovação do pedido, salvo - conforme a jurisprudência - se
constituir mera reiteração de impetração anteriormente denegada, segundo critérios
que não têm a rigidez da identificação das ações (precedentes). De qualquer sorte,
não se identificam - dado que inconfundíveis os fundamentos jurídicos respectivos
- a impetração anterior - baseada na ilicitude de determinada prova utilizada no

Michell Nunes Midlej Maron 146


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

processo - e o presente habeas-corpus, lastreado na preclusão da inadmissibilidade


da mesma prova.”

“HC 79948 / SP – (STF – 2ª TURMA - DJ 20-10-2000). EMENTA: HABEAS


CORPUS. PROCESSO PENAL. ROUBO QUALIFICADO. VÍCIOS NO
INQUÉRITO. ILEGALIDADE DA PRISÃO. VÍCIO DA CITAÇÃO.
REITERAÇÃO DE PEDIDO. Questões relativas a vícios do inquérito policial e
ilegalidade da prisão não podem ser examinadas no STF, quando não foram objeto
de habeas impetrado no STJ. Seu exame implicaria em supressão de instância. A
questão relativa ao vício de citação foi objeto do habeas no STJ. A decisão
denegatória em habeas corpus faz coisa julgada material e formal, circunscrita aos
temas apreciados, não admitindo, portanto, reiteração de pedido já repelido por
outro habeas ou RE. Habeas não conhecido. Remessa ao STJ para exame das
matérias não objeto do habeas lá julgado.”

2. Mandado de segurança criminal

É perfeitamente admissível o mandado de segurança em matéria penal, nos mesmos


moldes de qualquer mandado de segurança. Quando a impetração for por parte da acusação,
o réu deve ser citado como litisconsorte da autoridade coatora. Veja a súmula 701 do STF:

“Súmula 701, STF: No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público


contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como
litisconsorte passivo.”

Discussão que foi ultrapassada com a edição da nova Lei de Mandado de


Segurança, Lei 12.016/09, é a que deu origem à súmula 267 do STF:

“Súmula 267, STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de
recurso ou correição.”

Sobre este tema, três eram as posições antes da Lei 12.016/09. A primeira defendia
que se há recurso, simplesmente não cabe mandado de segurança, interpretando
literalmente a súmula acima. A segunda entendia que, se o recurso cabível não tem efeito
suspensivo, o mandado é cabível, de forma a prevenir o dano causado pela vigência da
decisão. E a terceira, variante da segunda, dizia que se o recurso não tem efeito suspensivo,
é cabível o mandado, mas ainda assim é necessária a interposição concomitante do recurso
– quando o mandado assumirá efeitos exclusivamente de conferir efeito suspensivo a este
recurso. O que se levava em conta era se o recurso, por si só, poderia reparar o dano
eventual, ou se a impetração era necessária para tanto.
O artigo 5°, II, da Lei 12.016/09, porém, parece ter posto fim à discussão:

“Art. 5° Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:


I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução;
II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
III - de decisão judicial transitada em julgado.
Parágrafo único. (VETADO)”

Existem hipóteses em que, mesmo havendo efeito suspensivo do recurso cabível,


ainda assim não será, este recurso suspensivo, suficiente para sanar os danos a que a parte

Michell Nunes Midlej Maron 147


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

se encontra sujeita. Neste caso, mesmo com o recurso tendo efeito suspensivo, a doutrina
tem admitido a impetração concomitante do mandamus, ainda hoje.
Pode o mandado de segurança ser utilizado para dar efeito suspensivo ao recurso,
quando, por exemplo, alvejar uma decisão que concedeu a liberdade provisória em caso em
que esta era vedada? Veja que esta decisão só desafia recurso em sentido estrito, que tem
somente efeito devolutivo. A jurisprudência tende a negar a admissibilidade de mandado de
segurança para atribuir efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, ou recurso similar
(como o agravo em execução), sobremaneira quando em prol da acusação. Veja:

“HC 89308 / SP (STJ – 5ª turma - DJ 19.11.2007 p. 266).


(...)
1. Não é possível, por meio de mandado de segurança, emprestar efeito suspensivo
a recurso de agravo em execução interposto pelo Ministério Público (...) almejando
desconstituir a decisão do juízo das execuções criminais que assegura ao
condenado o direito à progressão carcerária.
(...)
3. Habeas Corpus concedido para, cassando o acórdão proferido nos autos do MS
n.º 1.014.862.3/3-00, assegurar ao ora Paciente o direito de aguardar no regime
semi-aberto a decisão colegiada a ser tomada pelo Tribunal de origem no
julgamento do agravo em execução ao qual a referida ação mandamental
emprestava efeito suspensivo. HC 45830 / SP (STJ – 6ª Turma - DJ 06.02.2006 p.
360).”

“HABEAS CORPUS. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO PELO


MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE LIBERDADE
PROVISÓRIA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO. ATO JUDICIAL PASSÍVEL DE RECURSO.
INCABIMENTO.
1. É firme o entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que é incabível mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a
recurso em sentido estrito de decisão concessiva de liberdade provisória.
2. Ordem concedida.”

“2007.078.00370 - MANDADO DE SEGURANCA - 1ª Ementa DES. CAIRO


ITALO FRANCA DAVID - Julgamento: 28/02/2008 - SETIMA CAMARA
CRIMINAL.
Mandado de Segurança, através do qual o Ministério Público busca conferir efeito
suspensivo a agravo interposto contra decisão do Juiz da Vara de Execuções
Penais, que deferiu a progressão de regime em crime equiparado aos hediondos,
tomando por base os requisitos objetivos previstos na legislação anterior, exigindo
assim o cumprimento de um sexto (1/6) da pena corporal. 1 - O artigo 197 da Lei
7.210/84, de forma expressa, dispõe que o agravo contra as decisões do juiz das
execuções não possui efeito suspensivo. 2 - O deferimento desse efeito, além de
extrapolar a previsão legal, importaria em restrição aos direitos do apenado. 3 - O
impetrante não demonstrou a liquidez e certeza do seu direito. 4 - Já em vigor a Lei
n° 11.464/07 que permite a progressão do regime. 5 - Não houve violação da coisa
julgada, já que o Juiz da VEP, no exercício da jurisdição, decidiu dentro dos limites
legais, incidente de execução da reprimenda. 6 Segurança denegada.”

Reitere-se: ainda que o recurso cabível tenha efeito suspensivo, é a irreparabilidade


do dano pela via recursal que torna possível o manejo de mandado de segurança. Este é o
critério nodal de cabimento do remédio.

Michell Nunes Midlej Maron 148


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

2.1. Hipóteses casuísticas de cabimento

Contra a não admissão do assistente de acusação, é cabível mandado de segurança,


como se pode ver no julgado abaixo, do TJ/RJ:

“2006.069.00010 - CARTA TESTEMUNHAVEL - 1ª Ementa DES. KATIA


JANGUTTA - Julgamento: 25/10/2007 - SEXTA CAMARA CRIMINAL.
CARTA TESTEMUNHÁVEL - INADMISSÃO DO RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO INTERPOSTO DO INDEFERIMENTO DA HABILITAÇÃO DO
RECORRENTE COMO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. Preliminar de
intempestividade que se rejeita, uma vez a presente medida foi manejada dentro do
prazo de 48 horas previsto no artigo 640 do Código de Processo Penal, contado da
ciência da ora Testemunha da decisão recorrida, inexistindo prova de que tenha
sido ela intimada do decisum, antes daquele prazo. A par da discussão sobre o
legítimo interesse recursal da ora Testemunhante, na reforma de decisão que
inadmite Recurso em Sentido Estrito interposto de outro decisum que homologa a
suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/90, reza o
artigo 273 do Código de Processo Penal, que do despacho que admite ou não a
habilitação do assistente de acusação, o que é o caso dos autos, no qual sequer
houve, ainda, a homologação da suspensão concedida, não caberá recurso, devendo
constar dos autos o pedido e a decisão, e à ausência de previsão de recurso
específico, incabível se mostra o recurso em sentido estrito, não podendo servir a
carta testemunhável de meio para o juízo de admissibilidade respectivo, merecendo
o indeferimento da habilitação, se assim entender a parte interessada, ser atacada
por via do mandado de segurança, pelo qual poderá ver satisfeita sua pretensão de
garantir a reparação do dano. Rejeição da preliminar e não conhecimento da Carta
Testemunhável.”

Para a liberação de arma que fora apreendida, após suspensão ou arquivamento do


processo, tendo havido extinção da punibilidade, se há direito à posse de tal arma, é
também cabível:

“2005.078.00039 - MANDADO DE SEGURANCA - 1ª Ementa DES. SILVIO


TEIXEIRA - Julgamento: 21/06/2005 - QUINTA CAMARA CRIMINAL
MANDADO DE SEGURANÇA. POSSE DE ARMA REGISTRADA.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. Tem o direito líquido e certo de
continuar na posse de sua arma de fogo o agente que, embora preso em flagrante
por porte ilegal, comprova tê-la registrado normalmente no órgão público e não
veio a ser condenado, porque declarada extinta a punibilidade pelo decurso do
prazo de suspensão condicional do processo. Concessão.”

Cabe também para obstar a redução de salário em razão de processo criminal:

“RMS 13088 / PR (STJ – 5ª TURMA - DJ 11.02.2008).


ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AFASTAMENTO DAS
FUNÇÕES EM RAZÃO DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO POR
PRÁTICA DE CRIME FUNCIONAL. REDUÇÃO DE VENCIMENTOS.
IMPOSSIBILIDADE. SUPRESSÃO DAS PARCELAS QUE CESSAM
QUANDO DO NÃO-EXERCÍCIO DO CARGO. NÃO-FERIMENTO AO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS.
1. É firme o entendimento no âmbito desta Corte Superior de Justiça no sentido de
que é proibida a redução de qualquer parcela do vencimento de servidores

Michell Nunes Midlej Maron 149


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

afastados de suas funções, até o trânsito em julgado do processo criminal pelo qual
responde, excetuando-se, contudo, as parcelas estritamente ligadas ao exercício da
atividade. Precedentes.
2. Recurso conhecido e parcialmente provido.”

A questão da competência para impetração de mandado de segurança contra ato de


turma recursal se resolve por analogia à súmula 690 do STF, com as discussões pertinentes,
já travadas no estudo do HC – a posição atual do STF é que compete ao respectivo tribunal.
Veja o julgado abaixo:

“Ato de Turma Recursal de Juizado Especial Criminal: RMS e Competência do


STF.
Não cabe ao STF o conhecimento de recurso ordinário interposto contra decisão
denegatória de mandado de segurança emanada de turma recursal de juizado
especial criminal. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a
agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança em que se
alegava o cabimento do recurso. Entendeu-se que a Constituição é taxativa (art.
102, II, a) quanto à interposição de recurso em mandado de segurança, o qual só
cabe contra acórdão de tribunal superior, e que, apesar de as turmas recursais
funcionarem como segunda instância recursal, enquadram-se como órgãos
colegiados de primeiro grau. Ademais, afastou-se a pretensão de interpretação, por
analogia, com o recurso em habeas corpus interposto contra órgão colegiado de 1º
grau, haja vista tratar-se de orientação superada em face do que decidido, pelo
Plenário, no HC 86834/SP (j. em 23.8.2006), no sentido de que compete aos
tribunais de justiça processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma
recursal de juizado especial criminal. RMS 26058 AgR/DF, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 2.3.2007. (RMS-26058).”

Michell Nunes Midlej Maron 150


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Casos Concretos

Questão 1

Diante do recebimento da inicial acusatória, o defensor do réu promoveu ação de


habeas corpus, argumentando que a denúncia é inepta, devendo, por isso, ser declarada a
nulidade do processo desde a petição inicial. A ordem foi denegada, porque a denúncia foi
considerada perfeita. Ao final, o réu foi condenado e apelou, sustentando novamente a
inépcia da denúncia. Indaga-se qual é a decisão que a Câmara Criminal preventa deve
adotar.

Resposta à Questão 1

Para questionar inépcia da denúncia, é cabível o HC, havendo interesse. O


momento, entretanto, para tal impetração, estende-se somente até a sentença, quando então
a impetração é impossível, por estar a matéria preclusa.
A respeito, veja o HC 83.301, do STF:

“HC 83301 / RS - RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min.


MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO. Julgamento:
16/03/2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 06-08-2004.
EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos
comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos
criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a
garantias constitucionais do devido processo legal (due process of law). Nulidade
absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância.
Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do
art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração
deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da
defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença
condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão. 2. AÇÃO PENAL. Delitos

Michell Nunes Midlej Maron 151


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos
arts. 21, § único, e 22, caput, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a
descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na
qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas
jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo
anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da
ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18,
20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos.
No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito "crime
societário", é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento
típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou
administrador de empresa.”

Tema XVII

Agravo em execução. Agravo regimental. Reclamação. Natureza jurídica. Constitucionalidade. Base legal.
Procedimento: prazo. Efeitos.

Notas de Aula23

1. Agravos no processo penal

Há três tipos de agravos no processo penal: o agravo regimental, o agravo de


instrumento, e o agravo em execução, além do agravo inominado, modalidade peculiar.
Curiosamente, vale mencionar, todos são interponíveis em prazo de cinco dias. Vejamos
cada um em apartado.

1.1. Agravo em execução

É trazido no artigo 197 da Lei de Execuções Penais:

“Art. 197. Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito
suspensivo.”

Este agravo é o recurso cabível contra todas as decisões do juiz da execução penal.
Ele segue o rito do recurso em sentido estrito, como deixa depreender a súmula 700 do
STF, e por isso seu prazo de interposição é de cinco dias. Também o juízo de retratação é
cabível, tal como no recurso em que se espelha, tendo também este efeito regressivo.

“Súmula 700, STF: É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra
decisão do juiz da execução penal.”

23
Aula ministrada pelo professor Orlando Monteiro Espíndola da Cunha, em 5/10/2009.

Michell Nunes Midlej Maron 152


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Por seguir o recurso em sentido estrito, este agravo em execução tem a si aplicáveis
todas as disposições daquele recurso. Veja a este respeito os julgados abaixo, do STJ:

“REsp 216866 / PR (STJ – 5ª TURMA - DJ 28.05.2001 p. 212). PROCESSUAL


PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. RITO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DAS
DISPOSIÇÕES DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APRESENTAÇÃO
INTEMPESTIVA DAS RAZÕES RECURSAIS. MERA IRREGULARIDADE.
CONHECIMENTO DA SÚPLICA.
1 - Ao agravo em execução devem ser aplicadas, analogicamente, as disposições
do recurso em sentido estrito, apresentando-se, por isso mesmo, como mera
irregularidade, a apresentação intempestiva das razões recursais. Precedentes do
STJ.
2 - Recurso especial conhecido e provido para que o Tribunal de origem julgue o
mérito do agravo em execução.”

“HC 21056 / RJ (STJ – 5ª TURMA - DJ 07.04.2003 p. 302). PROCESSO PENAL.


HABEAS CORPUS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. RITO. RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO.
I – A teor da iterativa orientação jurisprudencial desta Corte, aplicam-se ao recurso
de agravo em execução, previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal, as
disposições acerca do rito do recurso em sentido estrito,previstas nos arts. 581 e
seguintes do Código de Processo Penal. (Precedentes).
II - Tendo sido indicadas as peças que deveriam ser trasladadas para a correta
instrução do agravo, não poderia a Corte a quo, alegando a ausência de peças
essenciais ao reexame da questão, deixar de conhecer do recurso interposto, ante a
incidência, in casu, do disposto nos arts. 587 e seguintes do CPP. Writ concedido.”

1.2. Agravo de instrumento

O agravo de instrumento, no processo penal, é cabível somente contra a decisão de


inadmissibilidade dos recursos excepcionais, proferida pelo presidente do tribunal
recorrido, ou seja, é o agravo de instrumento para seguimento de recurso especial e recurso
extraordinário. Trata-se do agravo do artigo 28 da Lei 8.038/90:

“Art. 28. Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo


de instrumento, no prazo de 5 (cinco) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou
para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.
(...)”

A respeito deste agravo, veja a súmula 699 do STF:

“Súmula 699, STF: O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de


cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a respeito
nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil.”

O agravo de instrumento da decisão de inadmissibilidade de recursos excepcionais


não pode ter negado o seu seguimento, em hipótese alguma. Veja a súmula 727 do STF:

“Súmula 727, STF: Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo


Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite
recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos
juizados especiais.”

Michell Nunes Midlej Maron 153


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Este agravo é interposto no próprio tribunal, como se sabe, e não no órgão ad quem,
como é a regra dos agravos de instrumento.
Uma curiosidade: se o HC é impetrado por prisão civil por dívida, esta matéria não
é criminal, mas mesmo assim o agravo de instrumento contra inadmissão de recursos
excepcionais é tido por matéria criminal, e por isso aplica-se a Lei 8.038/90, e não o CPC.
Não é possível ao relator do agravo em execução julgar o mérito do recurso, mesmo
que favorável ao acusado, por aplicação analógica do artigo 557 do CPC. A dinâmica é
incompatível. Veja o julgado abaixo:

“HC 27454 / RJ – 5ª TURMA - DJ 04.08.2003 p. 348. HABEAS CORPUS.


PROCESSO PENAL. COMUTAÇÃO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. DECISÃO
MONOCRÁTICA DO DESEMBARGADOR RELATOR. APLICAÇÃO
ANALÓGICA DO ART. 557 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. MESMO RITO DO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES DO STJ.
1. As Turmas que compõem a Eg. Terceira Seção tem reiteradamente decidido, de
maneira uniforme, no sentido de que se aplicam ao recurso de agravo em
execução, previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal, as disposições acerca do
rito do recurso em sentido estrito,sendo, portanto, inviável a utilização analógica
do art. 557 do Código de Processo Civil.
2. Ordem concedida tão-somente para, cassando a decisão proferida
monocraticamente pelo Relator, determinar que o agravo em execução seja
apreciado pelo respectivo órgão colegiado do Tribunal a quo.”

1.3. Agravo regimental

Outro agravo do processo penal é o regimental, que se presta a impugnar decisões


monocráticas proferidas no âmbito do tribunal, com finalidade de levar a matéria ao
colegiado. Também é interponível em prazo de cinco dias. Veja o artigo 39 da Lei 8.038/90:

“Art. 39. Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator


que causar gravame à parte, caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma,
conforme o caso, no prazo de 5 (cinco) dias.”

Este artigo se aplica, analogamente, aos tribunais locais.

1.4. Agravo inominado

Há ainda que se mencionar a existência de mais um agravo no processo penal, o


chamado agravo inominado, previsto no artigo 625, § 3°, do CPP, que se destina a
impugnar decisão que liminarmente indefere a revisão criminal:

“Art. 625. O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo


funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em
qualquer fase do processo.
§ 1° O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a
sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos
argüidos.
§ 2° O relator poderá determinar que se apensem os autos originais, se daí não
advier dificuldade à execução normal da sentença.

Michell Nunes Midlej Maron 154


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

§ 3° Se o relator julgar insuficientemente instruído o pedido e inconveniente ao


interesse da justiça que se apensem os autos originais, indeferi-lo-á in limine,
dando recurso para as câmaras reunidas ou para o tribunal, conforme o caso
(art. 624, parágrafo único).
§ 4° Interposto o recurso por petição e independentemente de termo, o relator
apresentará o processo em mesa para o julgamento e o relatará, sem tomar parte na
discussão.
§ 5° Se o requerimento não for indeferido in limine, abrir-se-á vista dos autos ao
procurador-geral, que dará parecer no prazo de dez dias. Em seguida, examinados
os autos, sucessivamente, em igual prazo, pelo relator e revisor, julgar-se-á o
pedido na sessão que o presidente designar.”

2. Reclamação ou correição parcial

Esta reclamação em nada se confunde com o instrumento dedicado a assegurar a


autoridade da decisão do STF. Aqui, se trata de um recurso, deveras, mesmo que a sua
natureza seja alvo de divergência doutrinária. Veja os artigos 219 e 220 do Codjerj, e 210 e
211 do Regimento Interno do TJ/RJ:

“Art. 219 - São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou de órgão


do Ministério Público, as omissões do juiz e os despachos irrecorríveis por ele
proferidos, que importem em inversão da ordem legal do processo ou resultem de
erro de ofício ou abuso de poder.”

“Art. 220 - A reclamação será manifestada perante os respectivos Vice-Presidentes


do Tribunal de Justiça, no prazo de cinco (05) dias, contados da data da publicação
do despacho que indeferir o pedido de reconsideração da decisão, ou do ato
omissivo objeto da reclamação.”

“Art. 210 - São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou do


Órgão do Ministério Público, as omissões dos Juízes e os despachos irrecorríveis
por eles proferidos que importem em inversão da ordem legal do processo ou
resultem de erro de ofício ou abuso de poder (CODJERJ, art. 219)”

“Art. 211 - A reclamação será manifestada perante o Vice-Presidente do Tribunal,


no prazo de 05 (cinco) dias, contados da data da publicação do despacho que
indeferir o pedido de reconsideração da decisão reclamada.
Parágrafo único - É, também, de 05 (cinco) dias, contados da publicação do
despacho ou da ciência, o prazo para o pedido de reconsideração, que deve,
obrigatoriamente, anteceder a reclamação.”

O fato de vir previsto em atos normativos estaduais levou à discussão de sua


constitucionalidade, porque a competência para legislar sobre processo é da União.
Contudo, o STF acabou com esta discussão, porque há previsão destes instrumentos em
normas federais, sendo possível sua repetição não inovativa em normas estaduais.
A reclamação só tem efeito devolutivo, e é cabível quando for manifesto o error in
procedendo, causador de inversão tumultuária do processo, da ordem processual.
Nota peculiar deste instrumento é a sua subsidiariedade: só será cabível quando não
existir recurso previsto em lei para aquela decisão. Havendo outro recurso, a correição é
incabível.
Veja algumas hipóteses que a doutrina aponta como casos de cabimento da
correição: o não envio do inquérito à polícia para novas diligências, quando requisitadas

Michell Nunes Midlej Maron 155


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

pelo MP; a falta de apreciação pelo juiz da promoção de arquivamento feita pelo MP, com a
remessa ao delegado para continuar as investigações; e outras interlocutórias, que,
irrecorríveis, possam despertar reclamação.

Casos Concretos

Questão 1

O júri desclassificou o crime de homicídio tentado para outro que não era de sua
competência e o juiz, após dissolver o conselho, determinou que a vítima fosse submetida a
exame médico-legal complementar, a fim de ficar esclarecida a natureza de suas lesões. O
réu, por seu defensor, requereu que o juiz requisitasse o boletim do atendimento médico ao
ofendido. O Ministério Público protestou sem êxito. Nas circunstâncias, indaga-se qual o
remédio processual que o Ministério Público pode adotar para manifestar o seu
descontentamento.

Resposta à Questão 1

O juiz inverteu a ordem do processo, reabrindo a instrução processual de ofício.


Esta inversão tumultuária, retrocedendo o feito indevidamente, desperta a correição parcial,
como instrumento apto a atender a pretensão do MP.

Questão 2

O juiz, diante do pedido do réu e seu defensor, concede ao réu a suspensão


condicional do processo, tal como estipulado no artigo 89 da Lei 9.099/95. Após tomar
ciência da decisão, o Ministério Público impetrou mandado de segurança, em que pleiteia
liminar para fins de suspensão imediata da decisão atacada, bem como seja ao final
concedida a segurança para anular a decisão. Indeferida a liminar e prestadas as
informações pelo Juízo, opina a Procuradoria, por sua vez, favoravelmente ao pedido,
ressaltando, todavia, que à luz do princípio da fungibilidade, que o mandamus seja
recebido como reclamação, nos exatos termos do artigo 210 e seguintes do RITJRJ e do
artigo 219 e segs. do CODJERJ. Afastada a controvérsia sobre a exata natureza jurídica
da suspensão condicional do processo, explique se a segurança deve ser concedida, ou se
deve ser acolhida a solução processual sugerida pela Procuradoria de Justiça.

Michell Nunes Midlej Maron 156


EMERJ – CP IV Direito Processual Penal IV

Resposta à Questão 2

A decisão do juiz contraria a lei, porque a propositura da suspensão é atribuição do


MP. Não há como se falar em fungibilidade entre uma ação e um recurso, como o é a
correição; sequer seria necessária esta fungibilidade, porque o mandado de segurança é
realmente o melhor instrumento para o caso. A ordem deve ser concedida.

Michell Nunes Midlej Maron 157

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