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Mauro Nogueira Cardoso* Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Desde o iní-
Rafael Alvarenga Cosenza* cio do contato com o caso, chamou atenção a presença no discur-
Ricardo Argemiro Franco* so da paciente de vivências no trabalho, como pode ser observa-
Ada Ávila Assunção** do nos relatos colhidos.
Adotou-se a abordagem do psiquiatra francês Le Guillant,2,3
Resumo que contribuiu para o entendimento do surgimento e do desapa-
recimento dos distúrbios mentais em várias categorias profissio-
Trata-se de um caso de esquizofrenia paranóide, no qual se nais. Os métodos de investigação do autor foram acatados e
suspeitou de possíveis relações com o trabalho, pois, durante a desenvolvidos no Brasil por Lima.3,4 As proposições de ambos os
investigação e tratamento do caso, a paciente expressava de manei- autores buscam estabelecer possíveis associações e esclarecer
ra não negligenciável os componentes do trabalho. A paciente foi sobre o peso das organizações patogênicas do trabalho no desen-
encaminhada para esclarecimento diagnóstico ao Ambulatório de cadeamento de quadros psiquiátricos. Eles atentam para a neces-
Doenças Profissionais, onde se levantou a história da paciente e se sidade de mais estudos aprofundados sobre a problemática do
procurou identificar elementos que pudessem esclarecer o peso de adoecimento mental relacionado ao trabalho.
suas atividades laborais na evolução dos sintomas. Os trabalhos do O quadro clínico e os relatos durante as consultas levaram os
psiquiatra francês Le Guillant permitiram a elaboração de uma
autores a investigar o desenrolar da doença e sua relação com o
metodologia para estabelecer possíveis associações e esclarecer
trabalho, bem como a levantar dados que pudessem fornecer
sobre o peso das organizações patogênicas do trabalho no desenca-
informações sobre uma possível personalidade pré-mórbida e de
deamento de quadros psiquiátricos. Os autores atentam para a
como esta, associada às circunstâncias patogênicas da organiza-
necessidade de mais estudos aprofundados sobre a problemática
ção do trabalho, puderam desencadear a psicose.
do adoecimento mental relacionado ao trabalho.
Pelas entrevistas, foi levantada a história de vida da paciente.
Palavras-Chave: Esquizofrenia Paranóide; Saúde Ocupacional;
Foram obtidos dados do prontuário para estudo do quadro clíni-
Trabalho. co e de sua evolução. Discussões e esclarecimentos adicionais
sobre o tema e a respeito da paciente foram colhidos com os pro-
fissionais responsáveis pelo caso, no âmbito da Psiquiatria e da
Introdução Medicina do Trabalho. Elementos da organização do trabalho em
A Esquizofrenia é definida, de acordo com o DSM-IV1, que se inseria a paciente foram extraídos de seus relatos.
como um quadro que dura por pelo menos seis meses e que
inclui, ao menos durante um mês, dois ou mais dos seguintes sin- Descrição do caso
tomas: (1) delírios, (2) alucinações, (3) discurso desorganizado,
(4) comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico, Paciente atendida no Serviço de Psiquiatria do Hospital das
(5) sintomas negativos, que incluem embotamento afetivo, alogia Clínicas da UFMG em meados de 1999. Apresentava sinais psi-
ou avolição. O subtipo paranóide é aquele no qual os seguintes quiátricos compatíveis com quadro psicótico paranóide e foi ini-
critérios são encontrados: (a) preocupação com um ou mais de ciado tratamento medicamentoso para Esquizofrenia Paranóide
um delírio ou alucinações auditivas freqüentes, e (b) nenhum dos (CID–10, F20.0).
seguintes sintomas são proeminentes: discurso desorganizado,
comportamento desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado Identificação
ou inapropriado.
O objetivo deste trabalho consiste em definir e caracterizar Lúcia (nome fictício), 29 anos, natural de Contagem (Região
fatores estressores ocupacionais e discutir o papel deles como Metropolitana de Belo Horizonte), residente em Belo Horizonte
possíveis desencadeadores ou precipitadores de um quadro psi- com os pais desde os cinco anos de idade. Solteira, sem filhos.
quiátrico típico diagnosticado como esquizofrenia paranóide, Segundo grau completo, caixa de supermercado até recentemen-
acompanhado pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital das te, atualmente desempregada.
a escola devido à pressão no serviço. Lúcia tinha forte suspeita de muito estressada com a avaliação, segundo relato da irmã. Esse
que as funcionárias roubavam mercadorias. Segundo a irmã, trabalho era realizado por outro funcionário anteriormente e afir-
Lúcia comentou em casa algumas vezes sobre tais suspeitas. A ma que, na época, não sabia o porquê da promoção. Acredita que
filha do dono da padaria teria descoberto tais desfalques, que, no foi escolhida para “vigiar” os outros caixas por ser uma pessoa de
entanto, não teriam resultado em retaliações para as funcionárias. confiança. Após a confirmação das suspeitas de roubo, o sistema
Não importava se estivesse gripada ou febril, ia trabalhar foi trocado. Instalou-se uma central de processamento de dados
assim mesmo: “O patrão dizia que atestado não existe”. Pediu que recebia simultaneamente as informações de todos os caixas e
demissão, mas o patrão não queria que ela se demitisse. Conta as registrava. Máquinas sofisticadas foram adquiridas para agili-
que a ameaçou com uma briga judicial, pois ela deveria pagar zar o serviço e evitar fraudes. Havia muitos comentários por parte
uma certa quantia em dinheiro caso quisesse se demitir: “Não sou dos funcionários sobre os roubos na empresa, porém ninguém
agressiva, mas por defesa me torno forte para lutar contra os sabia o que de fato estava ocorrendo.
outros”. Lúcia contou para sua irmã que esse tipo de comporta- Lúcia relata que seu caixa era o que menos dava problemas,
mento do patrão era uma forma de retaliação, visto que ela nunca em apenas duas ocasiões isso ocorreu. Uma vez teve descontados
“quisera sair” com ele e negava seus presentes, coisa que as outras de seu salário cerca de 36 reais e, em outra, cerca de 50 reais.
funcionárias não faziam. Começou a desconfiar de que quando tinha que se ausentar por
Trabalhou na padaria dos 17 aos 21 anos. Deixou o emprego pouco tempo, como para ir ao banheiro, os funcionários que a
quando o patrão decidiu vender a padaria, aproveitando o acerto substituíam sabotavam o seu numerário. Passou a contar o
que ele teria que fazer com todas as funcionárias. dinheiro disponível em caixa antes de sair e, assim, confirmou a
Conseguiu seu segundo e atual emprego por meio de uma suspeita. O substituto tinha uma relação estreita com o seu encar-
agência, como caixa de uma grande rede de supermercados: “No regado; ela suspeitou que eles dividiam os lucros. Em uma oca-
começo, tudo era novidade”. Trabalhava de segunda a sábado, no sião, questionou o substituto quanto à diferença de valores, tendo
turno da tarde. A porta do supermercado era fechada às 18h, mas sido por ele advertida de que, caso ela o denunciasse, nada muda-
só podia ir embora após o último cliente. Por isso, o término de ria e que os roubos iriam continuar, pois havia outros funcioná-
sua jornada de trabalho era em torno de 19h20 e, quando passa- rios superiores envolvidos.
va desse horário, às vezes recebia hora-extra. Pelo relato da irmã, Foi forçada a tirar férias após uma discussão com seus supe-
Lúcia saía de casa às 6h e retornava às 22h, quando não fazia um riores a respeito de uma nota de caixa que havia desaparecido.
horário no qual saía as 22h e chegava em casa por volta da meia- Segundo Lúcia, ela tinha certeza de que o valor por ela computa-
noite, dependendo da determinação da empresa. O volume de do no caixa estava correto, pois era um valor alto e ela se recor-
dinheiro que circulava em suas mãos era bem maior e enfrentou dava bem. Como seus superiores não estavam conseguindo
dificuldades para lidar com os códigos de barra. Ficou bastante encontrar a nota do caixa, acusavam-na de ter desaparecido com
temerosa, achando que não daria conta das novas exigências. o dinheiro. Quando Lúcia disse que iria ligar para o cliente para
Tinha que ter mais atenção, pois se houvesse diferença entre a que ele trouxesse a segunda via, a nota do caixa reapareceu
soma vendida e o dinheiro em caixa no final do expediente o pre- repentinamente. Quando voltou após as férias forçadas, nem seu
juízo era descontado do salário dos funcionários. Lúcia apreciou encarregado nem seus substitutos estavam mais lá. Lúcia pensa
contar com um salário fixo no final de cada mês, o que era uma que foi forçada a tirar férias para não atrapalhar uma provável
experiência nova para ela. No início, gostava do emprego, ganha- investigação. A irmã de Lúcia confirma ter ouvido história seme-
va bem, ficou satisfeita por dois anos, diz a irmã. lhante, pelo relato da própria irmã na época do ocorrido.
No emprego, ela era subordinada ao seu encarregado de Passou a sentir olhares “tortos” para ela, havia comentários
caixa, que, por sua vez, era subordinado ao diretor. Quando tinha sobre encarregado sendo pego roubando. “Era muita fofoca, era
queixas sobre a organização do trabalho, Lúcia costumava passar a 'rádio peão'.” O clima no ambiente de trabalho parecia muito
por cima da hierarquia. Reclamava que as condições de trabalho pesado. Conta que não havia acusação direta pela empresa, mas
da empresa não estavam de acordo com as normas de ergonomia que havia observação constante, vigilância severa, os funcionários
e segurança que ela havia aprendido em seu curso técnico. Relata tinham que mostrar seus pertences e roupas na entrada e na saída.
ter sido assediada pelo encarregado: “Não queria sair com “Eu prestava muita atenção e tentava não perder a concentração
homem nenhum”. Se determinado homem demonstrava interes- no caixa”. Conta que colegas de caixa e pessoas mais próximas a
se, Lúcia explicava de forma natural que não pretendia relaciona- ela passaram a ser investigadas: “Havia uma salinha de tortura, eu
mento com ele. não sabia o que se passava lá, mas era um tipo de investigação”.
Para relaxar, a paciente saía à noite com a irmã para ir a fes- Também contava que a polícia aparecia lá para levar alguns fun-
tas e boates, muitas vezes acompanhadas por outros colegas do cionários presos em camburão, e que eles nunca mais voltavam:
supermercado. Lúcia considerava o lazer um direito seu. “Não sabia se estava vivo ou se morreu”. Afirma que as pessoas
Em seu trabalho, novamente foi solicitada a exercer outras presas pela polícia provavelmente eram culpadas dos roubos, mas
atividades além de caixa. Havia suspeitas de que poderiam estar que havia a participação de diretores: “Tinha uma máfia, um
ocorrendo discrepâncias propositais nos valores contabilizados esquema de roubo com gente engravatada”. As fraudes, segundo
em cada caixa. Durante o período correspondente às suas férias, a paciente, teriam o envolvimento de dinheiro, mercadorias e
Lúcia chegou a ficar um mês responsável por contabilizar caixa notas fiscais.
por caixa e por registrar os valores anotados durante o dia. Para Sua relação com os chefes não estava boa. Passou a não con-
exercer tal função, Lúcia foi submetida a um teste, tendo ficado fiar neles. “Até então era calma, tranqüila. Aceitava tudo. Passei
Iniciou tratamento psiquiátrico a contragosto, com médicos 3. Lúcia chegou a apresentar comportamento estereotipado
indicados pela empresa. Não gostou do primeiro médico porque dentro da empresa, antes da instalação do quadro psiquiátrico
ele tinha comportamentos estranhos e sua sala era decorada com típico. Vale mencionar que na psicopatologia do trabalho é con-
objetos bizarros. Foi tratada com fluoxetina. Tinha certeza de que siderado que, usualmente, os quadros psiquiátricos típicos se ins-
o remédio lhe fazia mal. Sentia completa falta de vontade de rea- talam gradativamente, podendo eclodir de forma aguda por cer-
lizar suas tarefas diárias, mesmo as que anteriormente lhe davam tos desencadeantes diretamente relacionados ao trabalho.2
prazer. Continuava com delírios, desrealizações, do tipo sentir 4. A organização do trabalho instituída na empresa de Lúcia
que saía de seu corpo. Suspeitava que os remédios eram nocivos,
apresentava características que propiciavam o desencadeamento
porque eram manipulados em farmácias indicadas pelos psiquia-
de conflitos e ansiedade (vigilância, controle de produtividade,
tras que eram indicados pelo médico da sua empresa. Passou a
penalização por erros, etc.). Além da própria organização ineren-
desconfiar também de sua família. Pensava que sua mãe começou
a colocar remédios, primeiramente em maçãs e, depois, em todo te à função, a empresa passava por um período crítico de descon-
tipo de comida. Desejou morrer, o que abalou toda a sua família. fianças, investigações, possivelmente prisões, etc.
Lembra-se que chegou a ir a um neurologista e fazer “um exame 5. Pouca ciência e carência de informações de familiares e
cheio de fios na cabeça” (EEG), antes de trocar de psiquiatra. colegas de profissão sobre o caso.
Lúcia diz que experimentou de cinco a sete tipos de medicações, Ainda restam várias lacunas no campo de investigação das
das quais não se lembra o nome. Conta que teve momentos de possíveis relações saúde mental e trabalho. Não foi possível obter
“altos e baixos”. Ainda apresentava alucinações auditivas, delí- respaldo da literatura para se fazer uma correlação envolvendo o
rios e desrealizações: “Fui no túnel da morte”. Tinha medo de caso relatado e o trabalho da paciente. No entanto, ele reafirma
sair de casa. as questões postas por Dejours:6 “Existem transtornos mentais
Durante esse período, que durou cerca de dois anos, mante- em cuja origem está o trabalho, que apareçam unicamente em
ve-se afastada do trabalho a custa de atestados. O psiquiatra che- determinadas situações, ou seja, em relação a um trabalho concre-
gou a liberá-la por um tempo. Voltou a trabalhar por uma sema- to?” Ou então: “O trabalho contribui na aparição de transtornos
na no guarda-volumes do estabelecimento e foi demitida. Uma mentais que não são especificamente profissionais, como a esqui-
vez demitida, encerrou-se o seu convênio médico. Como a situa-
zofrenia, a histeria ou a depressão ou, pelo menos, produz crises
ção financeira de sua família não permitia pagar as consultas, seu
e episódios agudos desses transtornos cuja sintomatologia, uma
atendimento passou a ser prejudicado e ela procurou o serviço
público do Hospital das Clínicas da UFMG em meados de 1999. vez que chega a ser manifesta, é independente do trabalho?”
Discussão Summary
Médicos e demais profissionais da área de saúde freqüente- The authors report a case of paranoid schizophrenia in which
mente se deparam com queixas relacionadas ao estado psíquico possible relations to the work were raised because during the exa-
de seus pacientes. Também não é raro deparar com situações nas mination and treatment, the patient described important work
quais o trabalho é apontado como responsável por sintomas components. The patient was directed to the clinic of occupatio-
somáticos ou psicogênicos. A prática da assistência, nos seus mais nal diseases for diagnostic clarification, where her life history was
amplos aspectos, não pode se basear no princípio de que o raised and efforts were made to evaluate the role of labor activi-
paciente é um compartimento hermético, livre da influência de ties on the evolution of her symptoms. Several works by the
seus familiares, de suas experiências infantis e, principalmente, French psychiatrist Le Guillant permitted the elaboration of a
do seu trabalho, que se tornou o cerne da vida social moderna. A methodology to establish possible associations and to elucidate
questão se torna muito mais complexa quando o doente inclui the influence of pathogenic organizations in psychiatric condi-
seu trabalho na temática ou no conteúdo de seus sintomas psíqui- tions. The authors comment the need for new knowledge in
cos ou os atribui a seu trabalho. the area.
Apesar das dificuldades em se estabelecer objetivamente
uma relação de causalidade entre doença mental e trabalho, Key-Words: Paranoid Schizophrenia; Occupational Health;
alguns aspectos relevantes referentes a este caso precisam ser Work.
ressaltados.
1. Lúcia refere a ocorrência de sintomas dentro e fora da
Agradecimento
esfera profissional, mas o que realmente chama a atenção é que
seus surtos agudos ocorrem, pelo menos por duas vezes, durante Os autores agradecem a orientação de Antônio Márcio
a jornada e são precipitados pelos eventos do trabalho. Além Teixeira, Professor do Departamento de Psiquiatria e Neurologia
disso, mesmo quando seus sintomas apareciam fora do ambiente da FMUFMG.
de trabalho, o conteúdo estava a ele relacionado.
2. O levantamento da história de vida de Lúcia não indicou Referências bibliográficas
fatores da vida familiar ou afetiva suficientes que, por si, pudes-
sem ter papel preponderante no desencadeamento da doença. 1. American Psychiatric Association. Diagnostic Criteria from
Em outras palavras, o trabalho era o desencadeante de sua aflição DSM-IV. 4th ed. Washington: American Psychiatric
e de seu descontrole. Association, 1994:638.
João Vinícius Salgado * va. Segundo Iracy Doyle2, o problema do portador de delírio aluci-
Antônio Lúcio Teixeira-Jr.** natório é de ordem perceptiva, o do delírio interpretativo é de
Ronan Rodrigues Rêgo *** ordem lógica (sobre o significado de fatos reais), enquanto o deli-
rante imaginativo transporta para o mundo exterior suas criações
Resumo subjetivas, conferindo-lhes caracteres de objetividade e realidade.
Kraepelin também propôs a existência de um grupo de psico-
Os autores relatam o caso de uma paciente de 56 anos com ses caracterizadas por um trabalho delirante em que se imbricam
quadro psicótico crônico caracterizado por delírios fantásticos sin- atividades alucinatórias e fabulatórias para formar ficções bastante
gulares, sem deterioração do funcionamento geral. Houve remissão ricas e caóticas, sem debilitação terminal. Propôs chamar esse grupo
parcial dos sintomas com olanzapina 5 mg/dia. O caso assemelha-se de psicoses delirantes crônicas de parafrenias, que se dividiriam nas
sobremaneira às descrições clássicas do Delírio de Imaginação de formas sistemática, expansiva, confabulatória e fantástica2. A para-
Dupré e Logre, assim como da Parafrenia de Kraepelin. No DSM- frenia seria, portanto, uma entidade intermediária entre a paranóia
IV e no CID-10, a paciente receberia o diagnóstico de esquizofrenia e a esquizofrenia paranóide. Diferiria da primeira pela extravagân-
paranóide. Entretanto, esta entidade nosológica inclui quadros clí- cia dos delírios e presença de alucinações, da segunda, pela evolu-
nicos bastante heterogêneos. Acreditamos que o abandono dos ter- ção não-deficitária. As parafrenias fantásticas e confabulatórias cor-
mos clássicos mencionados resulta em significativo empobrecimen- responderiam ao delírio de imaginação proposto por Dupré
to dos sistemas de classificação psiquiátrica. e Logre1.
A seguir relatamos o caso de uma paciente com quadro psicó-
Palavras-chave: Parafrenia; Delírio de Imaginação; Esquizofrenia; tico crônico com as características clínicas correspondentes aos delí-
Sistemas de Classificação Psiquiátrica. rios de imaginação e parafrenia. Discutimos o lugar dessas descri-
ções clássicas nos sistemas atuais de classificação psiquiátrica.
Introdução
Caso Clínico
Alguns delírios crônicos são marcados pela riqueza imaginativa
dos temas delirantes, ocorrendo justaposição de um mundo fantás- Uma senhora de 56 anos, solteira e sem filhos, compareceu
tico ao mundo real, ao qual o doente permanece bem-adaptado, desacompanhada ao ambulatório de psiquiatria do Hospital das
sem apresentar evolução deficitária. Dupré e Logre, entre 1910 e Clínicas (HC-UFMG) em agosto de 2001. A paciente não apresen-
1914, propuseram agrupar esses quadros sob o nome de delírios de tava qualquer queixa. Dizia apenas ter sido encaminhada por "-
imaginação1. Tais delírios, que se assentam em um fundo constitu- outros médicos". De fato, fora encaminhada para avaliação psiquiá-
cional mitomaníaco e de fabulação, seriam distintos de outros delí- trica por psicólogo do serviço de mastologia, com relato de "hipo-
rios crônicos como os de base alucinatória ou de base interpretati- mania e idéias delirantes"
* - Professor de Neuroanatomia e Neurofisiologia da Faculdade ** - Doutorando em Biologia Celular pela UFMG. Ex-residente da
Metropolitana de Belo Horizonte. Doutor em Neurociências pela Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG.
Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo e pela USP-Ribeirão Membro da AAP-MG
Preto. Ex-residente da Residência de Psiquiatria do Hospital das *** - Preceptor da Residência de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da UFMG. Membro da Associação Acadêmica Clínicas da UFMG. Membro da AAP-MG.
Psiquiátrica de Minas Gerais - AAP-MG.