Sie sind auf Seite 1von 6

UM CASO CLÍNICO DE ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E POSSÍVEIS

IMPLICAÇÕES COM O TRABALHO


A CASE OF PARANOID SCHIZOPHRENIA WITH POSSIBLE RELATIONS TO WORK

Mauro Nogueira Cardoso* Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Desde o iní-
Rafael Alvarenga Cosenza* cio do contato com o caso, chamou atenção a presença no discur-
Ricardo Argemiro Franco* so da paciente de vivências no trabalho, como pode ser observa-
Ada Ávila Assunção** do nos relatos colhidos.
Adotou-se a abordagem do psiquiatra francês Le Guillant,2,3
Resumo que contribuiu para o entendimento do surgimento e do desapa-
recimento dos distúrbios mentais em várias categorias profissio-
Trata-se de um caso de esquizofrenia paranóide, no qual se nais. Os métodos de investigação do autor foram acatados e
suspeitou de possíveis relações com o trabalho, pois, durante a desenvolvidos no Brasil por Lima.3,4 As proposições de ambos os
investigação e tratamento do caso, a paciente expressava de manei- autores buscam estabelecer possíveis associações e esclarecer
ra não negligenciável os componentes do trabalho. A paciente foi sobre o peso das organizações patogênicas do trabalho no desen-
encaminhada para esclarecimento diagnóstico ao Ambulatório de cadeamento de quadros psiquiátricos. Eles atentam para a neces-
Doenças Profissionais, onde se levantou a história da paciente e se sidade de mais estudos aprofundados sobre a problemática do
procurou identificar elementos que pudessem esclarecer o peso de adoecimento mental relacionado ao trabalho.
suas atividades laborais na evolução dos sintomas. Os trabalhos do O quadro clínico e os relatos durante as consultas levaram os
psiquiatra francês Le Guillant permitiram a elaboração de uma
autores a investigar o desenrolar da doença e sua relação com o
metodologia para estabelecer possíveis associações e esclarecer
trabalho, bem como a levantar dados que pudessem fornecer
sobre o peso das organizações patogênicas do trabalho no desenca-
informações sobre uma possível personalidade pré-mórbida e de
deamento de quadros psiquiátricos. Os autores atentam para a
como esta, associada às circunstâncias patogênicas da organiza-
necessidade de mais estudos aprofundados sobre a problemática
ção do trabalho, puderam desencadear a psicose.
do adoecimento mental relacionado ao trabalho.
Pelas entrevistas, foi levantada a história de vida da paciente.
Palavras-Chave: Esquizofrenia Paranóide; Saúde Ocupacional;
Foram obtidos dados do prontuário para estudo do quadro clíni-
Trabalho. co e de sua evolução. Discussões e esclarecimentos adicionais
sobre o tema e a respeito da paciente foram colhidos com os pro-
fissionais responsáveis pelo caso, no âmbito da Psiquiatria e da
Introdução Medicina do Trabalho. Elementos da organização do trabalho em
A Esquizofrenia é definida, de acordo com o DSM-IV1, que se inseria a paciente foram extraídos de seus relatos.
como um quadro que dura por pelo menos seis meses e que
inclui, ao menos durante um mês, dois ou mais dos seguintes sin- Descrição do caso
tomas: (1) delírios, (2) alucinações, (3) discurso desorganizado,
(4) comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico, Paciente atendida no Serviço de Psiquiatria do Hospital das
(5) sintomas negativos, que incluem embotamento afetivo, alogia Clínicas da UFMG em meados de 1999. Apresentava sinais psi-
ou avolição. O subtipo paranóide é aquele no qual os seguintes quiátricos compatíveis com quadro psicótico paranóide e foi ini-
critérios são encontrados: (a) preocupação com um ou mais de ciado tratamento medicamentoso para Esquizofrenia Paranóide
um delírio ou alucinações auditivas freqüentes, e (b) nenhum dos (CID–10, F20.0).
seguintes sintomas são proeminentes: discurso desorganizado,
comportamento desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado Identificação
ou inapropriado.
O objetivo deste trabalho consiste em definir e caracterizar Lúcia (nome fictício), 29 anos, natural de Contagem (Região
fatores estressores ocupacionais e discutir o papel deles como Metropolitana de Belo Horizonte), residente em Belo Horizonte
possíveis desencadeadores ou precipitadores de um quadro psi- com os pais desde os cinco anos de idade. Solteira, sem filhos.
quiátrico típico diagnosticado como esquizofrenia paranóide, Segundo grau completo, caixa de supermercado até recentemen-
acompanhado pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital das te, atualmente desempregada.

*Acadêmicos do décimo primeiro período da Faculdade de Medicina Endereço para correspondência:


da Universidade Federal de Minas Gerais Depto. de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina,
** Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG.
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas - Ambulatório de Doenças Profissionais -
Gerais.Especialista em medicina do trabalho. Doutora em Ergonomia Av. Prof. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG.
pelo Laboratório de Ergonomia Fisiológica e Cognitiva de Paris. E-mail: Adavila@medicina.ufmg.br

22 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):22-27


Queixas principais Lúcia diz ter sempre se considerado uma pessoa muito sincera, e
diz ter passado por problemas devido a desprezo, fofocas e dis-
Lúcia relatava irritabilidade, diminuição dos relacionamen- cussões: ”Nunca gostei de mentiras, por isso que sofro muito”.
tos sociais, medo de sair de casa sem acompanhante, medo de “Sou noventa e nove por cento sinceridade”. Após as desavenças
lugares fechados, como ônibus e elevadores, insatisfação com ati- havia perdão, mas sempre mantinha certo grau de desconfiança
vidades que lhe eram, anteriormente, prazerosas, ataques de pâni- em relação às pessoas envolvidas. Repetiu também o primeiro ano
co em ambientes aglomerados, insônia, estranhamento de algu- do segundo grau, o que ela atribui ao seu primeiro trabalho.
mas situações cotidianas (sentia que os momentos eram apenas Por volta dos 18 anos de idade, teve a primeira experiência
“armações”), insônia e sonhos vívidos de desastre, alucinações afetiva com um rapaz de sua escola. Ela diz que o relacionamen-
auditivas freqüentes e sentimentos ambíguos em relação às pes- to não deu certo, pois ele era muito ciumento e possessivo. Ele
soas objeto de suas alucinações. tinha ciúme de suas amigas, que exigiriam total atenção dela, que
fariam cobranças demais. Assim, Lúcia acabou por perder o inte-
Exame do estado mental resse e o namoro terminou três meses depois.
Concluiu o segundo grau com muito esforço, freqüentou um
Lúcia apresentou-se à primeira consulta bem-vestida. Estava curso técnico na área de segurança do trabalho, que não chegou
cooperativa, aparentava tristeza e desconfiança. Consciente, a concluir, faltando cumprir a carga horária prática necessária.
orientada no tempo, no espaço e autopsiquicamente. Hipervigil e Ela atribui isso ao fato de não conhecer bem a cidade e o funcio-
normotenaz. Sem alteração da consciência do eu. Memória pre- namento de grandes empresas na época. Ficou com duas discipli-
servada. Pensamento de curso normal, organizado. Presença de nas em dependência. Havia dificuldade em aprender tais maté-
delírios não-bizarros de conteúdo relacionado diretamente ao tra- rias, e já havia repetido uma delas. Relata más experiências com
balho. Presença de alucinações auditivas. Humor deprimido. os estágios porque achava que os homens não a encaravam como
Inteligência normal. profissional, mas a olhavam com segundas intenções.

Antecedentes pessoais e vida familiar História ocupacional pregressa


Durante a infância, brincava bastante com as demais crianças Seu primeiro emprego foi em uma padaria, quando tinha 17
da rua e tinha bom relacionamento com os colegas, tanto no bair- anos. Antes de ser admitida, passou por um teste simples de arit-
ro quanto na escola. Segundo suas próprias palavras: “Eu cresci mética. A padaria era muito movimentada e havia três outras fun-
junto com o bairro”. A turma da rua era bastante heterogênea e cionárias trabalhando no balcão. Conta que sofria muito no tra-
compreendia membros mais pacatos bem como outros mais balho por causa dessas outras funcionárias, que invejavam sua
“levados”, que gostavam de sair à noite e ficar na rua até mais função de caixa: “Na época, eu não entendia, mas elas queriam
tarde. Lúcia não acompanhava esta última turma nas ser caixa. Não tinha diferença de salário para a balconista, mas o
incursões noturnas, pois seguia os conselhos da mãe para que trabalho de caixa era considerado melhor”. Tinha muito receio
ficasse em casa. de trabalhar com dinheiro alheio e de errar nas contas. Foi sub-
Sobre seu pai, pedreiro, diz que era ambicioso e batalhador; metida a um período de treinamento, aprendeu com facilidade,
mais nervoso que a mãe, o que não chegava a provocar conflitos, mas continuou com medo de lidar com dinheiro: “Tinha dificul-
fato confirmado pela irmã. Nunca esteve próximo da filha, pois dade com troco de notas grandes”.
saía cedo para trabalhar e só retornava no fim do dia, cansado e Descreve seu patrão como uma pessoa rude, egoísta, exigen-
muitas vezes sem paciência para brincar com seus filhos peque- te, que a fez sofrer muito: “Toda vez que eu ia receber, ele fazia
nos: “Só via meu pai em casa à noite”. hora para me pagar”. O patrão gostava que as funcionárias pegas-
Lúcia convivia diariamente com sua mãe, pessoa muito reli- sem “vale”, ou seja, pegassem parte do salário em mercadorias.
giosa (católica), que a instruía e lhe servia de referência. Era mais Como Lúcia não fazia assim, sentia-se discriminada na hora do
calma que seu pai, além de compreensiva e tímida. Lúcia diz que pagamento. Lúcia se considerava muito diferente das outras
era sua mãe quem intervinha nos conflitos familiares e que se ape- empregadas: “A padaria era muito suja e eu queria que ela fosse
gou muito a ela: “Mãe é mãe vinte e cinco horas por dia”. A mãe limpa, acabava tendo que limpá-la eu mesma”. Além de sua fun-
sempre manteve participação ativa nas atividades paroquiais e da ção principal, exercia diversas outras atividades: “Eu era a dona
associação do bairro. quando o patrão não estava. Pessoa de confiança como eu ele não
Possui uma irmã mais velha e um irmão mais novo. achava”. Fazia compras diretamente com os fornecedores e seu
Foi para a escola aos seis anos e entrou no pré-primário. Era patrão exigia diversas outras atividades administrativas: “Ele que-
boa aluna, com boas notas e sua família também assim considera- ria que eu soubesse de tudo, queria que eu fosse a mulher dele”.
va, mas na quinta série perdeu o ano. Este período coincide com Emocionada, diz que o patrão tinha casos com funcionárias e que
uma época em que Lúcia passou a se relacionar com a turma de chegou a assediá-la, gerando conflitos: “Agradeço a Deus, que me
seu bairro que gostava de ficar na rua, apesar de não acompanhá- deu muita força, porque fui bastante humilhada, pelo patrão, pela
los nas noitadas. Segundo a irmã, essa foi a única ocasião na qual esposa e pelo filho dele”.
Lúcia se desentendeu com os amigos. Teria havido, segundo os Permaneceu no emprego por mais de quatro anos e encon-
relatos colhidos, atritos motivados por intrigas e mal-entendidos, trava-se cansada, mal teria tempo para suas necessidades fisioló-
o que a afastou das pessoas de seu convívio por mais de um ano. gicas, pois era advertida se saísse do caixa. Não tinha ânimo para

Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):22-27 23


Um caso clínico de esquizofrenia paranóide e possíveis implicações com o trabalho

a escola devido à pressão no serviço. Lúcia tinha forte suspeita de muito estressada com a avaliação, segundo relato da irmã. Esse
que as funcionárias roubavam mercadorias. Segundo a irmã, trabalho era realizado por outro funcionário anteriormente e afir-
Lúcia comentou em casa algumas vezes sobre tais suspeitas. A ma que, na época, não sabia o porquê da promoção. Acredita que
filha do dono da padaria teria descoberto tais desfalques, que, no foi escolhida para “vigiar” os outros caixas por ser uma pessoa de
entanto, não teriam resultado em retaliações para as funcionárias. confiança. Após a confirmação das suspeitas de roubo, o sistema
Não importava se estivesse gripada ou febril, ia trabalhar foi trocado. Instalou-se uma central de processamento de dados
assim mesmo: “O patrão dizia que atestado não existe”. Pediu que recebia simultaneamente as informações de todos os caixas e
demissão, mas o patrão não queria que ela se demitisse. Conta as registrava. Máquinas sofisticadas foram adquiridas para agili-
que a ameaçou com uma briga judicial, pois ela deveria pagar zar o serviço e evitar fraudes. Havia muitos comentários por parte
uma certa quantia em dinheiro caso quisesse se demitir: “Não sou dos funcionários sobre os roubos na empresa, porém ninguém
agressiva, mas por defesa me torno forte para lutar contra os sabia o que de fato estava ocorrendo.
outros”. Lúcia contou para sua irmã que esse tipo de comporta- Lúcia relata que seu caixa era o que menos dava problemas,
mento do patrão era uma forma de retaliação, visto que ela nunca em apenas duas ocasiões isso ocorreu. Uma vez teve descontados
“quisera sair” com ele e negava seus presentes, coisa que as outras de seu salário cerca de 36 reais e, em outra, cerca de 50 reais.
funcionárias não faziam. Começou a desconfiar de que quando tinha que se ausentar por
Trabalhou na padaria dos 17 aos 21 anos. Deixou o emprego pouco tempo, como para ir ao banheiro, os funcionários que a
quando o patrão decidiu vender a padaria, aproveitando o acerto substituíam sabotavam o seu numerário. Passou a contar o
que ele teria que fazer com todas as funcionárias. dinheiro disponível em caixa antes de sair e, assim, confirmou a
Conseguiu seu segundo e atual emprego por meio de uma suspeita. O substituto tinha uma relação estreita com o seu encar-
agência, como caixa de uma grande rede de supermercados: “No regado; ela suspeitou que eles dividiam os lucros. Em uma oca-
começo, tudo era novidade”. Trabalhava de segunda a sábado, no sião, questionou o substituto quanto à diferença de valores, tendo
turno da tarde. A porta do supermercado era fechada às 18h, mas sido por ele advertida de que, caso ela o denunciasse, nada muda-
só podia ir embora após o último cliente. Por isso, o término de ria e que os roubos iriam continuar, pois havia outros funcioná-
sua jornada de trabalho era em torno de 19h20 e, quando passa- rios superiores envolvidos.
va desse horário, às vezes recebia hora-extra. Pelo relato da irmã, Foi forçada a tirar férias após uma discussão com seus supe-
Lúcia saía de casa às 6h e retornava às 22h, quando não fazia um riores a respeito de uma nota de caixa que havia desaparecido.
horário no qual saía as 22h e chegava em casa por volta da meia- Segundo Lúcia, ela tinha certeza de que o valor por ela computa-
noite, dependendo da determinação da empresa. O volume de do no caixa estava correto, pois era um valor alto e ela se recor-
dinheiro que circulava em suas mãos era bem maior e enfrentou dava bem. Como seus superiores não estavam conseguindo
dificuldades para lidar com os códigos de barra. Ficou bastante encontrar a nota do caixa, acusavam-na de ter desaparecido com
temerosa, achando que não daria conta das novas exigências. o dinheiro. Quando Lúcia disse que iria ligar para o cliente para
Tinha que ter mais atenção, pois se houvesse diferença entre a que ele trouxesse a segunda via, a nota do caixa reapareceu
soma vendida e o dinheiro em caixa no final do expediente o pre- repentinamente. Quando voltou após as férias forçadas, nem seu
juízo era descontado do salário dos funcionários. Lúcia apreciou encarregado nem seus substitutos estavam mais lá. Lúcia pensa
contar com um salário fixo no final de cada mês, o que era uma que foi forçada a tirar férias para não atrapalhar uma provável
experiência nova para ela. No início, gostava do emprego, ganha- investigação. A irmã de Lúcia confirma ter ouvido história seme-
va bem, ficou satisfeita por dois anos, diz a irmã. lhante, pelo relato da própria irmã na época do ocorrido.
No emprego, ela era subordinada ao seu encarregado de Passou a sentir olhares “tortos” para ela, havia comentários
caixa, que, por sua vez, era subordinado ao diretor. Quando tinha sobre encarregado sendo pego roubando. “Era muita fofoca, era
queixas sobre a organização do trabalho, Lúcia costumava passar a 'rádio peão'.” O clima no ambiente de trabalho parecia muito
por cima da hierarquia. Reclamava que as condições de trabalho pesado. Conta que não havia acusação direta pela empresa, mas
da empresa não estavam de acordo com as normas de ergonomia que havia observação constante, vigilância severa, os funcionários
e segurança que ela havia aprendido em seu curso técnico. Relata tinham que mostrar seus pertences e roupas na entrada e na saída.
ter sido assediada pelo encarregado: “Não queria sair com “Eu prestava muita atenção e tentava não perder a concentração
homem nenhum”. Se determinado homem demonstrava interes- no caixa”. Conta que colegas de caixa e pessoas mais próximas a
se, Lúcia explicava de forma natural que não pretendia relaciona- ela passaram a ser investigadas: “Havia uma salinha de tortura, eu
mento com ele. não sabia o que se passava lá, mas era um tipo de investigação”.
Para relaxar, a paciente saía à noite com a irmã para ir a fes- Também contava que a polícia aparecia lá para levar alguns fun-
tas e boates, muitas vezes acompanhadas por outros colegas do cionários presos em camburão, e que eles nunca mais voltavam:
supermercado. Lúcia considerava o lazer um direito seu. “Não sabia se estava vivo ou se morreu”. Afirma que as pessoas
Em seu trabalho, novamente foi solicitada a exercer outras presas pela polícia provavelmente eram culpadas dos roubos, mas
atividades além de caixa. Havia suspeitas de que poderiam estar que havia a participação de diretores: “Tinha uma máfia, um
ocorrendo discrepâncias propositais nos valores contabilizados esquema de roubo com gente engravatada”. As fraudes, segundo
em cada caixa. Durante o período correspondente às suas férias, a paciente, teriam o envolvimento de dinheiro, mercadorias e
Lúcia chegou a ficar um mês responsável por contabilizar caixa notas fiscais.
por caixa e por registrar os valores anotados durante o dia. Para Sua relação com os chefes não estava boa. Passou a não con-
exercer tal função, Lúcia foi submetida a um teste, tendo ficado fiar neles. “Até então era calma, tranqüila. Aceitava tudo. Passei

24 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1):22-27


a não aceitar, a colocar pontos de interrogação”. Tinha vontade o espiritismo diz que isso é uma espécie de sensibilidade.” Na
de ir embora. “Aconteceram problemas no caixa, de assédio. Já ia empresa tinha que prestar atenção nas máquinas, no cliente e em
desanimada”. Foi transferida para caixas piores, principalmente todos os “seguranças”. “Chegava lá e estava no pior caixa, na pior
caixa de varejo, que recebiam muitas mercadorias de menor cadeira e havia vários seguranças.” Os sintomas foram se agravan-
valor; o risco de quedas no saldo do caixa era maior e havia do, as vozes se tornaram mais freqüentes e passou a ouvi-las tam-
menor “comissão”, uma espécie de incentivo para que os caixas bém durante o dia.
acelerassem o registro das mercadorias. Essa quantia era propor- Certo dia, chegou ao supermercado e reclamou com a hierar-
cional aos valores das mercadorias vendidas. Passou a reclamar quia: “Vocês colocaram pessoas para me seguir. Eu não roubei o
de tudo, dos assentos, dos caixas, queixava-se de dores nos bra- caixa”. Não aceitou a ordem de voltar ao trabalho. Procurou um
ços, pernas, questionava as ordens. Durante um período, fez fisio- telefone para ligar para uma prima, mas temeu que os telefones
terapia para combater uma possível LER. da empresa estivessem grampeados. Saiu correndo para procurar
Nessa época, Lúcia começou a se apaixonar por um rapaz de um telefone público na rua, mas não conseguiu completar a liga-
sua convivência e de suas amigas, com as quais freqüentava boa- ção. “Nisso um segurança já estava atrás de mim.” Voltou e foi
tes e bares, de que, porém, não gostava muito. Queixa-se que nes- levada para uma sala. Não consegue descrever muito bem o que
ses lugares o ambiente é muito escuro e abafado, não suporta ocorreu lá. Conversou com várias pessoas, inclusive o chefe do
cheiro de cigarro e, sendo assim, consumia bebidas alcoólicas departamento pessoal (DP), e sentia que tudo que falavam ou que
para ficar mais à vontade. Após algum tempo, decepcionou-se acontecia tinha sido previsto e que tudo era uma grande encena-
enormemente com uma de suas amigas, pois esta estava tendo um ção. Conta que lhe pediram para assinar um papel onde estava
caso com o rapaz pelo qual Lúcia havia se afeiçoado. Diz ter fica- escrito algo do tipo “você foi testemunha que fulano roubou”.
do muito triste com a amiga na época, passando a confiar menos Negou-se a assinar, apesar da insistência, e foi liberada para almo-
nas pessoas de seu relacionamento, principalmente após desco- çar, mas não comeu nada. Sua comida, oferecida pelos colegas, já
brir que uma prima sua também estava tendo um relacionamen- teria sido servida a outros. O chefe do DP ofereceu-lhe uma
to com o mesmo rapaz, algum tempo depois. maçã, uma vez que ela ficou sem almoçar. Comeu mesmo sem ter
A desmotivação no emprego e a frustração afetiva estão asso-
fome. Ficou sonolenta e suspeitou que a maçã estava impregnada
ciadas ao isolamento de Lúcia, que deixou de sair, de se alimen-
por algum tipo de remédio. A psicóloga da empresa veio conver-
tar adequadamente, não ia mais ao refeitório da empresa almoçar,
sar e, juntamente com o chefe do DP, resolveram liberá-la do ser-
preferia ficar vendo revistas na banca mais próxima. Diz ter ten-
viço para procurar um médico. Lembra-se de que foi conduzida
tado sair do emprego, pois ao voltar do trabalho ficava “remoen-
pela psicóloga e por um “segurança” para um hospital. O médi-
do” as coisas que aconteceram durante o dia. Por causa desse
co que a atendeu conversou mais tempo com a psicóloga. Saiu de
comportamento, associado à crescente desconfiança que ela
lá com uma receita e a certeza de que envenenaram sua maçã.
nutria por todos os colegas, as pessoas afirmavam que ela
Chegou em casa antes do horário final de serviço e, para surpre-
estava perturbada.
sa de sua mãe, foi orientada a procurar o INSS. Não tomou
Nessa época, um colega de trabalho de religião espírita apro-
nenhuma das medicações prescritas.
ximou-se dela com conversas religiosas e emprestando-lhe livros
de doutrina espírita. Sua mãe não gostava que ela lesse esse tipo Segundo a irmã, um dia a empresa telefonou para comunicar
de literatura porque o conteúdo dos livros não condizia com suas que Lúcia teria apresentado comportamento indevido durante o
crenças religiosas. Lúcia lia os livros assim mesmo, às escondidas. expediente e que, por conta disso, teria sido encaminhada a um
Esse período coincide com investigações policiais no super- hospital, uma vez que estava muito agressiva e alterada. A própria
mercado. “Havia vários seguranças vigiando. Aí que veio a para- Lúcia, mais tarde, teria confirmado que, nesse dia, teria dito, em
nóia”. Via seguranças por toda a loja. Achava que era policial à alto e bom tom, coisas relacionadas às falcatruas que estariam
paisana quem ficasse muito tempo parado sem fazer compras ou acontecendo. A empresa teria então reagido dizendo que ela esta-
não empurrasse carrinhos. Parou de comprar mercadorias no va louca. Até esse dia do telefonema, ninguém em casa havia
supermercado por medo de sofrer investigações. Começou a notado alterações no comportamento de Lúcia.
observar que se encontrava com os mesmos “seguranças” da loja O médico do INSS considerou-a saudável e isso reforçou
quando voltava para casa, no ponto de ônibus e nos finais de suas suspeitas de que outros estavam tramando contra ela. Lúcia
semana. Concluiu que isso ocorria porque estava sendo seguida. voltou a trabalhar. Sentia que todas as situações em sua vida eram
As suspeitas foram aumentando de intensidade. “No ponto de montadas, planejadas, percebia sinais e gestos nas pessoas como
ônibus havia um segurança e dentro do ônibus havia outro”. Via se dissessem: “Arruma tudo aí que a Lúcia está chegando”. As
o pessoal da loja em outros locais e quando saía à noite. vozes comentavam sobre a vida das pessoas e diziam que sua
“É idêntico, mas não é igual. Meu problema é que não consigo família “estava em risco”. Começou a desobedecer ordens ou ins-
guardar nomes.” truções e a usar palavras agressivas para as pessoas do tipo: “O
Durante as noites, começou a ter pesadelos com os seguran- que é que você está me olhando?”. Em um episódio que ela
ças. Quando ia se deitar, tinha insônia e ficava acordada durante chama de a “segunda paranóia”, discutiu com um dos seus che-
horas olhando para o teto. Em pouco tempo, começou a ouvir fes porque tinha certeza de que outros funcionários estavam
vozes à noite. Vozes conhecidas que conversavam entre si ou con- estragando seu equipamento. Chamaram sua mãe para que a
versavam diretamente com Lúcia. Às vezes as conversas tinham acompanhasse a uma consulta com o médico da empresa, que
tom acusatório, ora de premonição. “Eu chego a arrepiar porque recomendou um psiquiatra.

Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):22-27 25


Um caso clínico de esquizofrenia paranóide e possíveis implicações com o trabalho

Iniciou tratamento psiquiátrico a contragosto, com médicos 3. Lúcia chegou a apresentar comportamento estereotipado
indicados pela empresa. Não gostou do primeiro médico porque dentro da empresa, antes da instalação do quadro psiquiátrico
ele tinha comportamentos estranhos e sua sala era decorada com típico. Vale mencionar que na psicopatologia do trabalho é con-
objetos bizarros. Foi tratada com fluoxetina. Tinha certeza de que siderado que, usualmente, os quadros psiquiátricos típicos se ins-
o remédio lhe fazia mal. Sentia completa falta de vontade de rea- talam gradativamente, podendo eclodir de forma aguda por cer-
lizar suas tarefas diárias, mesmo as que anteriormente lhe davam tos desencadeantes diretamente relacionados ao trabalho.2
prazer. Continuava com delírios, desrealizações, do tipo sentir 4. A organização do trabalho instituída na empresa de Lúcia
que saía de seu corpo. Suspeitava que os remédios eram nocivos,
apresentava características que propiciavam o desencadeamento
porque eram manipulados em farmácias indicadas pelos psiquia-
de conflitos e ansiedade (vigilância, controle de produtividade,
tras que eram indicados pelo médico da sua empresa. Passou a
penalização por erros, etc.). Além da própria organização ineren-
desconfiar também de sua família. Pensava que sua mãe começou
a colocar remédios, primeiramente em maçãs e, depois, em todo te à função, a empresa passava por um período crítico de descon-
tipo de comida. Desejou morrer, o que abalou toda a sua família. fianças, investigações, possivelmente prisões, etc.
Lembra-se que chegou a ir a um neurologista e fazer “um exame 5. Pouca ciência e carência de informações de familiares e
cheio de fios na cabeça” (EEG), antes de trocar de psiquiatra. colegas de profissão sobre o caso.
Lúcia diz que experimentou de cinco a sete tipos de medicações, Ainda restam várias lacunas no campo de investigação das
das quais não se lembra o nome. Conta que teve momentos de possíveis relações saúde mental e trabalho. Não foi possível obter
“altos e baixos”. Ainda apresentava alucinações auditivas, delí- respaldo da literatura para se fazer uma correlação envolvendo o
rios e desrealizações: “Fui no túnel da morte”. Tinha medo de caso relatado e o trabalho da paciente. No entanto, ele reafirma
sair de casa. as questões postas por Dejours:6 “Existem transtornos mentais
Durante esse período, que durou cerca de dois anos, mante- em cuja origem está o trabalho, que apareçam unicamente em
ve-se afastada do trabalho a custa de atestados. O psiquiatra che- determinadas situações, ou seja, em relação a um trabalho concre-
gou a liberá-la por um tempo. Voltou a trabalhar por uma sema- to?” Ou então: “O trabalho contribui na aparição de transtornos
na no guarda-volumes do estabelecimento e foi demitida. Uma mentais que não são especificamente profissionais, como a esqui-
vez demitida, encerrou-se o seu convênio médico. Como a situa-
zofrenia, a histeria ou a depressão ou, pelo menos, produz crises
ção financeira de sua família não permitia pagar as consultas, seu
e episódios agudos desses transtornos cuja sintomatologia, uma
atendimento passou a ser prejudicado e ela procurou o serviço
público do Hospital das Clínicas da UFMG em meados de 1999. vez que chega a ser manifesta, é independente do trabalho?”

Discussão Summary
Médicos e demais profissionais da área de saúde freqüente- The authors report a case of paranoid schizophrenia in which
mente se deparam com queixas relacionadas ao estado psíquico possible relations to the work were raised because during the exa-
de seus pacientes. Também não é raro deparar com situações nas mination and treatment, the patient described important work
quais o trabalho é apontado como responsável por sintomas components. The patient was directed to the clinic of occupatio-
somáticos ou psicogênicos. A prática da assistência, nos seus mais nal diseases for diagnostic clarification, where her life history was
amplos aspectos, não pode se basear no princípio de que o raised and efforts were made to evaluate the role of labor activi-
paciente é um compartimento hermético, livre da influência de ties on the evolution of her symptoms. Several works by the
seus familiares, de suas experiências infantis e, principalmente, French psychiatrist Le Guillant permitted the elaboration of a
do seu trabalho, que se tornou o cerne da vida social moderna. A methodology to establish possible associations and to elucidate
questão se torna muito mais complexa quando o doente inclui the influence of pathogenic organizations in psychiatric condi-
seu trabalho na temática ou no conteúdo de seus sintomas psíqui- tions. The authors comment the need for new knowledge in
cos ou os atribui a seu trabalho. the area.
Apesar das dificuldades em se estabelecer objetivamente
uma relação de causalidade entre doença mental e trabalho, Key-Words: Paranoid Schizophrenia; Occupational Health;
alguns aspectos relevantes referentes a este caso precisam ser Work.
ressaltados.
1. Lúcia refere a ocorrência de sintomas dentro e fora da
Agradecimento
esfera profissional, mas o que realmente chama a atenção é que
seus surtos agudos ocorrem, pelo menos por duas vezes, durante Os autores agradecem a orientação de Antônio Márcio
a jornada e são precipitados pelos eventos do trabalho. Além Teixeira, Professor do Departamento de Psiquiatria e Neurologia
disso, mesmo quando seus sintomas apareciam fora do ambiente da FMUFMG.
de trabalho, o conteúdo estava a ele relacionado.
2. O levantamento da história de vida de Lúcia não indicou Referências bibliográficas
fatores da vida familiar ou afetiva suficientes que, por si, pudes-
sem ter papel preponderante no desencadeamento da doença. 1. American Psychiatric Association. Diagnostic Criteria from
Em outras palavras, o trabalho era o desencadeante de sua aflição DSM-IV. 4th ed. Washington: American Psychiatric
e de seu descontrole. Association, 1994:638.

26 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1):22-27


2. Le Guillant L. Quelle psychiatrie pour notre temps? Paris: 5. Lima MEA. A psicologia do trabalho. Origens e desenvolvi-
Eres; 1985. mentos recentes na França. Revista psicologia ciência e profis-
3. Le Guillant L. A neurose das telefonistas. Tradução de Denise são 1998; 18(2):10-15.
Monetti e Leda Ferreira. Revista Brasileira de Saúde 6. Dejours C. Transtornos mentales relacionados com el trabajo.
Ocupacional 1984; 47(12):7-11. In: Kalimo R; El Batawi M A; Cooper LC eds. Los factores
4. Lima MEA. Esboço de uma crítica à especulação no campo psicossociales en el trabajo y su relacion con la salud.
da saúde mental e trabalho. In: Jacques MG, Codo W. eds. Ginebra: OMS; 1988:63-75.
Saúde mental e trabalho. Petrópolis: Vozes; 2002:50-81.

PARAFRENIA FANTÁSTICA É ESQUIZOFRENIA?


IS FANTASTIC PARAPHRENIA A SCHIZOPHRENIA?

João Vinícius Salgado * va. Segundo Iracy Doyle2, o problema do portador de delírio aluci-
Antônio Lúcio Teixeira-Jr.** natório é de ordem perceptiva, o do delírio interpretativo é de
Ronan Rodrigues Rêgo *** ordem lógica (sobre o significado de fatos reais), enquanto o deli-
rante imaginativo transporta para o mundo exterior suas criações
Resumo subjetivas, conferindo-lhes caracteres de objetividade e realidade.
Kraepelin também propôs a existência de um grupo de psico-
Os autores relatam o caso de uma paciente de 56 anos com ses caracterizadas por um trabalho delirante em que se imbricam
quadro psicótico crônico caracterizado por delírios fantásticos sin- atividades alucinatórias e fabulatórias para formar ficções bastante
gulares, sem deterioração do funcionamento geral. Houve remissão ricas e caóticas, sem debilitação terminal. Propôs chamar esse grupo
parcial dos sintomas com olanzapina 5 mg/dia. O caso assemelha-se de psicoses delirantes crônicas de parafrenias, que se dividiriam nas
sobremaneira às descrições clássicas do Delírio de Imaginação de formas sistemática, expansiva, confabulatória e fantástica2. A para-
Dupré e Logre, assim como da Parafrenia de Kraepelin. No DSM- frenia seria, portanto, uma entidade intermediária entre a paranóia
IV e no CID-10, a paciente receberia o diagnóstico de esquizofrenia e a esquizofrenia paranóide. Diferiria da primeira pela extravagân-
paranóide. Entretanto, esta entidade nosológica inclui quadros clí- cia dos delírios e presença de alucinações, da segunda, pela evolu-
nicos bastante heterogêneos. Acreditamos que o abandono dos ter- ção não-deficitária. As parafrenias fantásticas e confabulatórias cor-
mos clássicos mencionados resulta em significativo empobrecimen- responderiam ao delírio de imaginação proposto por Dupré
to dos sistemas de classificação psiquiátrica. e Logre1.
A seguir relatamos o caso de uma paciente com quadro psicó-
Palavras-chave: Parafrenia; Delírio de Imaginação; Esquizofrenia; tico crônico com as características clínicas correspondentes aos delí-
Sistemas de Classificação Psiquiátrica. rios de imaginação e parafrenia. Discutimos o lugar dessas descri-
ções clássicas nos sistemas atuais de classificação psiquiátrica.
Introdução
Caso Clínico
Alguns delírios crônicos são marcados pela riqueza imaginativa
dos temas delirantes, ocorrendo justaposição de um mundo fantás- Uma senhora de 56 anos, solteira e sem filhos, compareceu
tico ao mundo real, ao qual o doente permanece bem-adaptado, desacompanhada ao ambulatório de psiquiatria do Hospital das
sem apresentar evolução deficitária. Dupré e Logre, entre 1910 e Clínicas (HC-UFMG) em agosto de 2001. A paciente não apresen-
1914, propuseram agrupar esses quadros sob o nome de delírios de tava qualquer queixa. Dizia apenas ter sido encaminhada por "-
imaginação1. Tais delírios, que se assentam em um fundo constitu- outros médicos". De fato, fora encaminhada para avaliação psiquiá-
cional mitomaníaco e de fabulação, seriam distintos de outros delí- trica por psicólogo do serviço de mastologia, com relato de "hipo-
rios crônicos como os de base alucinatória ou de base interpretati- mania e idéias delirantes"

* - Professor de Neuroanatomia e Neurofisiologia da Faculdade ** - Doutorando em Biologia Celular pela UFMG. Ex-residente da
Metropolitana de Belo Horizonte. Doutor em Neurociências pela Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG.
Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo e pela USP-Ribeirão Membro da AAP-MG
Preto. Ex-residente da Residência de Psiquiatria do Hospital das *** - Preceptor da Residência de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da UFMG. Membro da Associação Acadêmica Clínicas da UFMG. Membro da AAP-MG.
Psiquiátrica de Minas Gerais - AAP-MG.

Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):27-30 27

Das könnte Ihnen auch gefallen