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RETRATO, A SUA MANEIRA (Joao Cabral de Melo Neto) ‘Magro entre pedras Calcérias possivel Pergaminho para A anotagio grafica O grafito Grave Narr poema o Femur fraterno Radiografivel a Olho nu arid Como o deserto Ealém Tu Irmao totem aedo Exato e provivel No friso do tempo Adiante Ave Camarada diamante! Vinicius de Moraes JOAO CABRAL DE MELO NETO OBRA COMPLETA Edicao organizada por Marly de Oliveira com assisténcia do autor A IO DE JANEIRO, EDITORA NOVA AC ARSA. 1994 Prosa / Da FUNGAG MODERNA DA PORSIA Embora © que se costuma chamar de “poesia moderna” seja uma coisa multiforme demais, nao ¢ excessivo querer descobrir nela um denomina- dor comum: seu espirito de pesquisa formal, Esse espirito tem caracteriza- do as diversas geracdes que se vém sucedendo no periodo dito moderno, ainda que nao se possa afirmar seja a pesquisa da forma o motivo nodal da criagao poética de cada uma dessas geragbes, © poeta moderno, em geral, justifica a necessidade das inovagdes for mais que é levado a introdurir na sua obra, a pastir de uma das duas seguin- tes atitudes mentais: a — a necessidade de captar mais completamente os matizes sutis, cambiantes, nefaveis, de sua expressao pessoal e b — 0 desejo de aprender melhor as ressonaincias das miiltiplas e complexas aparéncias da vida moderna. Mas, apesar da aparente oposicao dessas duas atitudes — ‘uma subjetiva e outra objetiva — as pesquisas formais a que sao levadas as duas familias de poetas esto, no fundo, determinadas pelas condigbes que a vida moderna, em seu conjunto, impoe ao homem de hoje. A realidade exterior tornou-se mais complexa ¢ exige, para ser captada, um instrumen- to mais maledvel e de reflexos imediatos. E a realidade interior, dai decor- rente, tornou-se também mais complexa, por mais inespacial ¢ intemporal que © poeta pretenda ser, ¢ passou a exigir um uso do instrumento da lin- ‘guagem altamente diverso do lucido e direto dos autores classicos, ‘A necessidade de exprimir objetiva ou subjetivamente a vida snodesita levou a um certo tipo especializado de aprofundamento formal da poesia, & descoberta de novos processos, A renovacao de processos antigos. Afirma- lo nao significa dizer que cada poeta de hoje é um poeta mais rico. Pelo contrario: esse aprofundamento deu-se por meio de uma como desintegra~ io do conjunto da arte poética, em que cada autor, circunscrevendo-se a tum setor determinado, levou-o 3s suas tiltimas conseqiiéncias. A arte poéti ca tornou-se, em abstrato, mais rica, mas nenhum poeta até agora se reve- lou capaz de usé-la, em concreto, na sua totalidade. Esse enriquecimento técnico da poesia moderna manifestou-se princi- palmente nos seguintes aspectos: a ~ na estrutura do verso (novas formas ritmicas, ritmo sintético, novas formas de corte e enjartbement)s b na es trutura da imagem (choque de palavras, aproximagio de realidades estra~ rnhas, associacao e imagistica do subconsciente); ¢~ na estrutura da palavra (exploracao dos valores musicais, visuais e, em geral, sensoriais das pala- vras: fusao ou dasintegracao de palavras; restauragao ou invengio de pa- 768 Joko Carat. pe Met NETO / OaRa Cost lavras, de onomatopéias); d ~ na notagio da frase, (realce material de pala- vras, inversoes violentas, subversio do sistema de pontuagio), e e—na dis- posigao tipografica (caligramas, uso de espacos brancos, variagdes de cor- pos ¢ fainilias de caracteres, disposicao sistematica dos apoios fonéticos ow semanticos). Em conseqiiéncia de nao se terem fixado tipos de poemas capazes de corresponderem as exigéncias da vida moderna, 0 poeta contemporineo ficou limitado a um tipo de poema incompativel as condicdes da existén- cia do leitor moderno, condigdes a que este nao pode fugir. A apresenta- ‘gio (nao organizada em formas “cémodas” ao leitor) de sua, rica embora, matéria poética faz da obra do poeta moderno uma coisa dificil de ler, que exige do leitor lazeres e recolhimento dificeis de serem encontrados nas condigdes da vida moderna. Cada tipo de poema que conheceu a literatura antiga nasceu de uma funcao determinada; ajustar-se as exigéncias da es- trutura perfeitamente definida do poema era, para 0 poeta, adaptar sua expressio postica as condigdes em que ela poderia ser compreendida e, portanto, corresponder as necessidades do leitor. © poema moderno, por no set funcional, exige do leitor um esforgo sobre-humano para se colo- car acima das contingéncias de sua vida. O leitor moderno na6 tem a oca- sido de defrontar-se com a poesia nos atos normais que pratica durante sua rotina diaria, Ele tem, se quer encontré-la, de defender dentro de seu dia um vazio de tempo em que possa viver momentos de contemplagio, de monge ou de ocioso. Talvez a explicagao desse aspecto da poesia moderna esteja na atitude psicolégica do poeta de hoje. © poeta moderno, que vive no individual mo mais exacerbado, sacrifica ao bem da expressao a intengdo de se comu- nicar. Por sua vez, 0 bem da expressio ja ndo precisa ser ratificado pela possibilidade de comunicacao. Escrever deixou de ser para tal poeta ativi- dade transitiva de dizer determinadas coisas a determinadas classes de pes soas; escrever ¢ agora atividade intransitiva, é, para esse poeta, conhecer-se, examinar-se, dar-se em espetculo; € dizer uma coisa a quem puder en- tendé-la ou interessar-se por ela. O alvo desse cagador nao é 0 animal que ele vé passar correndo. Ele atira a flecha de seu poema sem diregao defini da, com a obscura esperanga de que uma caga qualquer acontega achar~ naa sua trajet6ria Como a necessidade de comunicagao foi desprezada e nao entra para nada em consideracéo no momento em que o poeta registra sua expres € logico que as pesquisas formais do poeta contemporineo nao tenham podido chegar até os problemas de ajustamento do poema a sua possivel fungao. As conveniéncias do leitor, as limitacdes que Ihe foram impostas, pela vida moderna e as possibilidades de receber poesia, que esta the forne- ceu, embora de maneira néo convencional no foram jamais consideradas Prosa / Da FUNGAO MODERNA DA POESIA 769, questoes a resolver. A poesia moderna — captagao da realidade objetiva moderna ¢ dos estados de espirito do homem moderno —continuow a ser servida em env6lucros perfeitamente anacronicos e, em geral imprestaveis, nas novas condigdes que se impuseram. Mas todo esse progresso realizado limitou-se aos materiais do poema: essas pesquisas limitaram-se a multiplicar os recursos de que se pode valer ‘um poeta para registrar sua expressdo pessoal; limitaram-se aquela primei- ra metade do ato de escrever, no decorrer da qual 0 poeta luta por dizer com preciso 0 que deseja; isto é, tiveram apenas em conta consumar a expresso, sem cuidar da sua contraparte organica — a comunicacao. Desse modo, essas pesquisas nao atingiram, em geral, o plano da cons- trugio do poema no que diz respeito a sua fungao na vida do homem mo- derno, Apesar de os poetas terem logtado inventar o verso e a linguagem que a vida moderna estava a exigit, a verdade é que nao conseguiram man- ter ou descobrir os tipos, géneros ou formas de poemas dentro dos quais ‘organizassem os materiais de sua expressdo, a fim de tornarem-na capaz de entrar em comunicacdo com os homens nas condigdes que a vida social hes impoe modernamente. O caso do radio ¢ tipico. O poeta moderno ficou inteiramente indife- rente a esse poderoso meio de difusdo. A excegao de um ou outro exemplo de poema escrito para ser irradiado, levando em conta as limitagdes ¢ ex- plorando as potencialidades do novo meio de comunicagao, as relagoes da poesia moderna com o radio se limitam a leitura episddica de obras escri- tas originariamente para serem lidas em livro, com absoluto insucesso, sempre, pelo muito que diverge a palavra transmitida pela audigao da pa- lavra transmitida pela visao. (O que acontece com o rédio, ocorre também com o cinema ¢ a televisdo e as audiencias em geral). Mas 0s poetas nao desprezaram apenas os novos meios de comunicagao postos a seu dispor pela técnica moderna, Também nao souberam adaptar as condigdes da vida moderna os géneros capazes de serem aproveitados. Deixaram-nos cair em desuso (a poesia narrativa, por exemplo, ou as aucas catalis, antepassadas das hist6rias de quadrinhos), ou deixaram que se de- gradassem em géneros nao poéticos, a exemplo da anedota moderna, her- deira da fabula. Ou expulsaram-nos da categoria de boa literatura, como aconteceu com as letras das cangOes populares ou com a poesia satirica, No plano dos tipos problematicos, tudo o que os poetas contempora- eos obtiveram, foi o chamado “poema” moderno, esse hibrido de moné logo interior e de discurso de praca, de diario intimo e de declaragao de principios, de balbucio de hermenéutica filos6fica, monotonamente near e sem estrutura discursiva ou desenvolvimento melédico, escrito qua- se sempre na primeira pessoa e usado indiferentemente para qualquer es- pécie de mensagem que 0 seu autor pretenda enviar. Mas esse tipo de poc- 770 Joao Cannat Dé Meto Nevo / Oka CoMPLITA ma nao foi obtido através de nenhuma consideragao acerca de sua possivel funcao social de comunicagao. O poeta contemporaneo chegou a ele pa vamente, por inércia, simplesmente por nao ter cogitado do assunto. Ewe tipo de poema é a propria auséncia de construgao e organizagdo, é 0 sim- ples actimulo de material poético, rico, € verdade, em seu tratamento da ‘verso, da imagem e da palavra, mas atirado desordenadamente numa caixa de depésito. Conclusto: acredita 0 autor que a consideracao desse aspecto da poesia contempordinea pode contribuir para a diminuigao do abismo que separa hoje ‘em dia o poeta de seu leitor. Nao que acredite em que uma consciéncia nitida cdesse fato anule completamente esse abismo. A seu ver, as razoes de tal divér- cio residem mais bem na preferéncia dos poetas pelos temas intimistas e indie vidualistas, Mas acredita também que pesquisas no sentido de se encontrarem {formas ajustadas as condigdes de vida do homem moderno, principalmente através da utilizagao dos meios técnicos de difusdo que surgiram em nossos dias, poderd contribuir para resolver, ao menos até certo ponto, o que The pa rece 0 problema principal da poesia de hoje —que é 0 de sua prépria sobrevi véncia. Quando nada, pensa, a consciéncia deste problema poderd ajudar aqueles poetas contempordneos menos individualistas, capazes de interesse ‘por temas da vida em sociedade e que também nao encontraram ainda o vel- culo capaz de levar a poesia a porta do homem moderno. A falta de tal veicula cesta, também, condenando a poesia destestiltimas autores d espera, desespe- rangada, de leitores que venham espontaneamente d sua procura, leitores, de resto, cada dia mais problemdticos FIM DE “DA FUNGAO MODERNA DA POESIA”

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